Ética, Hacker e Educação - Lantec

Transcrição

Ética, Hacker e Educação - Lantec
SUMÁRIO
Apresentação
Cultura digital e direitos autorais
Christiane Bellorio Gennari Stevão, Danilo de Abreu e Silva, Mariana da
Rocha C. Silva, Mônica Cristina Garbin e Vinicius Wagner
Hackerismo como resistência política
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Renata Lima Aspis
Rede como espaço livre e aberto
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Lialda Cavalcanti, Amarílis Valentim, Neusa Andrade e Clayton Messias
Ética e a educação são para todos?
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Márcia Figueiredo, Ronildo Aparecido Ferreira e Luciana Ferreira Baptista
A colaboração no ambiente educativo face às novas
tecnologias e a ética hacker
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Sergio Varga e Elizabeth Veronica V. Diaz
Autoria na web 2.0 no contexto da educação e a ética dos
hackers
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Marcia Izabel Fugisawa Souza, Sergio Ferreira do Amaral, Luciana Oliveira
Silva e Izabel Cristina Araújo
O direito autoral na sociedade da informação
Lilia Maria Reginato Gallana, Nadir Rodrigues Pereira, Raphael Silveira e
Lana Paula Crivelaro
Desmistificando a cultura hacker: será que também sou
um deles?
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69
Bruno Gâmbaro, Marcelo Batalha e Sergio Ferreira do Amaral
Hackers, redes
potencialidades
sociais
Henderson Tavares de Souza
e
a
escola:
perigos
e
78
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APRESENTAÇÃO
Este livro é fruto de uma produção colaborativa dos grupos de estudos do Prof. Dr.
Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da UFBA, e do Prof. Dr. Sergio Ferreira do Amaral,
da Faculdade de Educação da UNICAMP, através das discussões e reflexões críticas dos
alunos do programa de pós-graduação das duas universidades, buscando problematizar
questões ligadas a Ética Hacker.
Os artigos foram elaborados depois de várias discussões entre os alunos das duas
universidades de forma que refletem as questões relacionadas à disciplina “Ética Hacker e
Educação”, ministrada simultaneamente e com participação síncrona dos alunos em uma
plataforma virtual de aprendizagem, conectada na Internet.
A ausência de textos, artigos e material de livre circulação contextualizando a cultura
“Hacker” foi um grande elemento motivador para os alunos produzirem os artigos. Dentro
desta perspectiva, foi possível preparar, inicialmente, sete artigos envolvendo os alunos das
duas Universidades, aos quais manifestamos o nosso agradecimento pela contribuição do
tema para a Educação.
A cada ano serão adicionados novos artigos ao livro, gerando uma produção
colaborativa e atualizada, centrada em um dos princípios da Ética dos Hackers - o
compartilhamento de conhecimento, de forma aberta e gratuita.
Acreditamos que o resultado alcançado possa estimular a participação de outros
grupos na construção de conteúdo para o entendimento e a necessidade da compreensão desta
comunidade denominada “Hacker” e sua contribuição para a área da Educação.
Nelson De Luca Pretto, em Salvador, Bahia
Sergio Ferreira do Amaral, em Campinas, São Paulo
Dezembro de 2010.
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CULTURA DIGITAL E DIREITOS AUTORAIS
Christiane Bellorio Gennari Stevão
Danilo de Abreu e Silva
Mariana da Rocha C. Silva
Mônica Cristina Garbin
Vinicius Wagner
RESUMO
Hoje, com o avanço da Internet, cresce vertiginosamente a disponibilização de informações e produtos
por meio das tecnologias de comunicação e informação. E como reflexo disso, temos uma expansão
cada vez maior do “acesso”, que é facilitado pela rede. Mas muito do conteúdo produzido hoje não é
disponibilizado na rede para acesso livre e um dos problemas que afetam diretamente a questão dos
direitos de propriedade é a pirataria, a partir da facilidade de compartilhamento de arquivos na
Internet. Esse artigo faz uma revisão das leis de direitos autorais no Brasil e discute aspectos da cultura
digital livre que podem contribuir para uma maior democratização cultural.
PALAVRAS-CHAVE: direitos autorais, cultura digital, cultura livre, democratização, Creative
Commons, copyright
INTRODUÇÃO
Com a Revolução Industrial, as bases produtivas da sociedade transformaram-se e como
resultado têm-se as máquinas cada vez mais ocupando lugar central no sistema capitalista de
produção. A evolução dos meios de comunicação e informação proporcionou a quebra das barreiras
territoriais para a união do capital, uma vez que a interconexão de mercados cambiais pode ser
realizada virtualmente.
Tal revolução provocou mudanças profundas na sociedade, que hoje é chamada de “Sociedade
da Informação e do Conhecimento”, assumindo então, como principal característica, a
disponibilização de um grande fluxo de informações através das tecnologias da comunicação e
informação. Como reflexo disso, temos uma expansão cada vez maior de acesso às informações.
Com essa democratização da Internet, o acesso às informações está cada vez mais fácil. Um
problema acarretado com isso é a divulgação de produtos que antes eram comprados em lojas e agora
são distribuídos livremente pela rede. Tal prática gerou uma enorme discussão sobre o acesso a
produções culturais e informacionais, pois seus autores não recebem retorno algum com a venda ilegal
de seus produtos. Muito se fala sobre a necessidade de criação de uma cultura livre, na qual os
produtos podem ser acessados livremente, sem impedimentos. Entretanto, uma cultura livre não é uma
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cultura sem propriedades; não é uma cultura onde os artistas não são pagos. Ela é composta por regras
de propriedade e contratos que são garantidos pelo Estado.
AS LEIS BRASILEIRAS
No Brasil, as leis de direitos autorais surgiram atreladas à Constituição Portuguesa de 1838,
que naquela época garantia aos inventores a propriedade de suas descobertas e aos escritores a de seus
escritos, pelo tempo e na forma que a lei determinasse.
Com a independência brasileira e a partir das constituições de 1891, 1934, 1946, 1967 e 1969,
os direitos autorais no Brasil passaram a ser reconhecidos. A Emenda Constitucional nº 1/69
determinava: “Aos autores de obras literárias, artísticas e científicas pertence o direito exclusivo de
utilizá-las. Esse direito é transmissível por herança, pelo tempo que a lei fixar” (ECAD, 2007).
Em relação à música, os próprios compositores lutaram para a criação de seus direitos
autorais. Sociedades de defesa dos direitos autorais começaram a surgir no século XX. Eram
sociedades civis sem fins lucrativos.
Em 1917, foi fundada a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT, que teve seu início
com autores de teatro, mas conforme foi ganhando força, os autores musicais se juntaram a eles.
Chiquinha Gonzaga foi responsável pela criação do SBAT, e foi ela quem primeiro cobrou os direitos
autorais de suas músicas utilizadas dentro das peças teatrais. Esse movimento foi aumentando e logo
foram surgindo outras entidades, como:
1942 – União Brasileira de Compositores – UBC
1946 – Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores – SBACEM
1956 – Sociedade Arrecadadora de Direitos de Execuções Musicais no Brasil – SADEMBRA
1960 – Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais – SICAM
1962 – Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais –
SOCINPRO.
Essas associações não conseguiam defender de forma satisfatória os direitos dos autores;
muitas músicas e peças teatrais possuíam mais de um autor e isso dificultava o pagamento correto a
todos eles. Em 1973 foi criado o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD
(http://www.ecad.org.br), que passou a controlar todos os direitos autorais do Brasil, fazendo a
cobrança e a distribuição dos direitos dos autores.
Com sede no Rio de janeiro, 23 unidades arrecadadoras, 600 funcionários, 84
advogados prestadores de serviço e, aproximadamente 240 agências autônomas
instaladas em todos os Estados da Federação, a instituição possui ampla cobertura
em todo o Brasil. O controle de informações é realizado por um sistema de dados
totalmente informatizado e centralizado, que possui cadastrados em seu sistema
mais de 214 mil titulares diferentes. Estão catalogadas 795 mil obras, além de 412
mil fonogramas, que contabilizam todas as versões registradas de cada musica. Os
números envolvidos fazem com que 40 a 50 mil boletos bancários sejam enviados
por mês, cobrando os direitos autorais daqueles que utilizam as obras musicais
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publicamente, os chamados “usuários de músicas”, que somam mais de 225 mil no
cadastro do ECAD (2007).
O ECAD por sua vez ficou responsável por armazenar todas as informações das antigas
entidades em um banco de dados, que seria atualizado sempre para o repasse destes valores.
A fotografia possui histórias mais antigas, datadas do século XIX, quando as pessoas não se
incomodavam com a exposição pública das suas fotos, pois isso significava status, sendo que todos
viam que determinada família possuía as condições necessárias para ter suas imagens registradas em
uma fotografia. Este tipo de exposição da imagem era, de certo modo, uma maneira de se mostrar para
a sociedade.
Mas tudo isso foi mudando quando se inventou uma maneira de reprodução em massa de
fotografias, os chamados “cartões postais” da época. Grandes reproduções eram vistas, principalmente
de figuras políticas, pornográficas e paisagens. Como a veiculação dessas imagens começou a ser
muito grande, principalmente a pornográfica, houve a necessidade de se fazer alguma coisa para frear
um pouco esses acontecimentos. Foi aí que em 1850, na Europa, criou-se uma lei que proibia a
exposição destas fotos em lugares públicos. Estava tendo início a censura e, com ela, a pirataria, pois
como as fotos foram proibidas em determinados lugares muitas pessoas faziam suas reproduções
clandestinas.
Em 1865, o Code Internationale de Propriété Industrielle, Artistique et Littéraire determinou
que era permitida a imagem de uma praça ou qualquer outra foto de lugares, desde que essa imagem
fotográfica fosse uma criação e não uma reprodução do real.
Ao longo do século XIX, a questão de se a fotografia pertencia ao âmbito da arte ou
ao âmbito da ciência era inseparável do processo de regulação e controle de uma
pujante indústria fotográfica. Ali onde se apresentavam questões relacionadas aos
direitos de reprodução, a lei via-se forçada a interceder entre uma defesa que
argumentava que a fotografia não era uma obra de arte e que, portanto, não podia ser
objeto de propriedade restringida, e uma acusação que argumentava o contrário
(TAGG, 2005, p. 137).
Criou-se então a estética fotográfica. O legislativo tinha o difícil processo de separar as fotos
que continham traços estilísticos e as separava das que não passavam de uma realidade objetiva.
Em 1895, foi inventado o cinema, que seguiu as regras da fotografia, aproveitando a linha de
interpretação jurídica. Foi então que surgiu o problema: de quem era o capital e o lucro dos trabalhos
realizados? Dos criadores, donos das máquinas e, conseqüentemente, de quem faz as tomadas e
criações de todas as transformações de realidade em obra de arte ou das indústrias produtoras?
No Brasil, o capital está nas mãos dos distribuidores, empresas, em sua grande maioria,
multinacionais. Estas são as grandes responsáveis pelo combate à pirataria. A lei Nº 9.610, que regula
os direitos autorais no Brasil, trata dos crimes contra a propriedade imaterial, em especial, da violação
dos direitos do autor e os que lhe são conexos (BRASIL, 1998).
Mas com tantas mudanças tecnológicas acontecendo e com a introdução da tecnologia digital,
será necessária uma mudança na lei de arrecadação de direitos autorais, mas pelo visto mais uma vez
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apenas as corporações sairão lucrando, enquanto que o autor, esse terá de esperar para ver o que vai
acontecer.
Em 1976, foi inventado o VHS (Vídeo Home System) e, com ele, o primeiro suporte de cópias
ilegais de filmes em grande escala, que se transferiu para o campo virtual época em que a Internet dava
seus primeiros passos em 1990. Quando a rede atingiu seu espaço de circulação global, a polêmica se
popularizou e a briga de foice começou, pois as novas e generosas larguras de banda permitem baixar
todo tipo de produto audiovisual num tempo inferior a um passeio de carro até a locadora. Na era das
redes, os modelos de exploração econômica desses produtos já mudaram. O governo percebe que lutar
contra a pirataria é um trabalho sem fim. O cidadão comum não sabe a diferença entre o direito autoral
e o direito patrimonial (ou comercial) de um filme. Ao confundir essas duas, escondem-se os
interesses econômicos de maior montante sobre o autor que está sendo “roubado”. Essa operação
funciona há séculos no mundo dos livros, da música, da fotografia, do cinema e do audiovisual.
Em 2003, houve um grande movimento nas salas de cinema, começando por Salvador, quando
o ECAD fechou inúmeras salas de projeção em todo o Brasil, para regulamentar o pagamento de
direitos autorais das músicas que estão nas trilhas sonoras dos filmes exibidos. São exigidos 2,5% do
total da bilheteria, embora não se saiba ao certo de onde veio esse número e como o ECAD chegou a
esse cálculo. Os proprietários de cinema, indignados, foram aos tribunais; apenas um deles fez um
acordo com o ECAD e pagou suas dívidas, mas os demais continuam lutando.
Assim, a atual legislação brasileira determina que será considerado autor da obra
audiovisual: o autor do argumento literário, o autor do argumento musical/literomusical e o diretor, este último sendo o responsável por conferir identidade artística
à obra cinematográfica (AMADEU, 2007, p. 50).
Sabemos que esta é uma grande guerra de poderes e vence quem tem mais força, ou seja,
posição política privilegiada. No final do governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma reflexão
sobre as práticas do direito e da justiça no Brasil, visando à regulamentação do setor audiovisual
(cinema, TV, e novas tecnologias digitais). Nesse período, nasceu a ANCINE (Agência Nacional do
Cinema).
No governo Lula, voltou-se a discutir sobre a criação de um novo órgão que regulamentasse o
cinema e a TV. Foi feita a proposta da ANCINAV, que pretendia mudar a arrecadação dos direitos
autorais para 1% para cada co-autor previsto em lei, num total de 3%, e não 7,5% como propunha o
ECAD. Não resolveria todos os problemas, mas já seria um começo de trabalho e poderia ser um
futuro para a regulamentação geral do setor de comunicação, incluindo aí a indústria de
telecomunicações, celular e Internet.
DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA X COPYRIGHT
No momento em que surge a Internet, barateando os meios de produção e oferecendo
tecnologias como o peer-to-peer e o MP3, o acesso aos bens é, de certa forma, facilitado. Na era das
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“redes” a circulação das obras se dá em dois planos: (I) o oficial, no qual o espectador paga para
assistir a um determinado espetáculo; (II) o alternativo, mais conhecido como “pirataria”, no qual é
possível “baixar” conteúdos disponíveis na Internet, ou comprando uma cópia clandestina com um
vendedor ambulante.
Tal prática gerou uma enorme discussão sobre o acesso a produções culturais e
informacionais, pois seus autores e empresas não recebem retorno algum com a venda ilegal de seus
produtos.
O copyright garante os direitos autorais baseado nas leis federais, mas, ao mesmo tempo,
restringe o acesso da população aos meios de produção cultural e submete o produto principalmente
aos interesses de empresas, ferindo a principal intenção do artista que é “alcançar o público”, passando
a criar uma cultura “antidemocrática”.
Nesse contexto, muito se fala sobre a necessidade de criação de uma cultura livre, na qual os
produtos possam ser acessados livremente, sem impedimentos. Em outras palavras, a sociedade deve
aprender a preservar a autoria das produções culturais, garantindo o reconhecimento do artista no caso
de uso de produtos disponíveis na Internet. Até mesmo porque, várias obras e artistas jamais teriam
sido descobertos se não fosse pela livre circulação de arquivos na Internet.
Esses fatos são encarados como um problema para as grandes gravadoras, por exemplo, pois
elas passam a ter lucros cada vez menores na venda de discos. Com isso, muitos artistas passaram a
lançar seus álbuns de maneira mais acessível, com preços mais populares, ou ainda, em versões que
podem ser baixadas na rede.
CREATIVE COMMONS
Um dos problemas que afetam diretamente a questão dos direitos de propriedade é a pirataria e
a facilidade de compartilhamento de arquivos na internet, como em redes peer-to-peer, a exemplo do
The Pirate Bay, recentemente autuado pela justiça. Com a digitalização dos arquivos, há a superação
de muitas dificuldades de reprodução material, pois os arquivos podem ser copiados infinitas vezes
sem sofrer nenhum desgaste, mantendo-se em uma qualidade igual ao original. Segundo Silveira
(2009),
quando se copia um MP3 não se rouba nada, aquele que permitiu a cópia continua
com seu arquivo. (…) Mas essas características do digital tornam obsoletas as velhas
indústrias de intermediação que, em vez de explorar o potencial das redes imateriais,
buscam criminalizar e tentar bloquear o compartilhamento.
Dentre as medidas que buscam criminalizar essas ações no Brasil está o projeto do senador
Eduardo Azeredo, batizado pelos contrários a ele de “AI-5 Digital”. Segundo a Cornils (2009), este
projeto “pretende tipificar crimes cometidos pela internet e, em nome disso, restringe a liberdade de
uso e fere o direito ao anonimato dos usuários da rede”. O projeto cria 13 novos crimes, dentre eles o
de “estelionato eletrônico”, de maneira inconsistente e redação ampla, que atinge a privacidade e a
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liberdade das pessoas em vários aspectos, pois abrange os “dispositivos de comunicação” de uma
maneira generalizada e vaga.
O copyright é um termo mundialmente conhecido, representado por este símbolo, o “C”, que
significa “all rights reserved”, “todos os direitos reservados”. Ele surgiu com uma função, digamos,
de “marcação de território”, pois havia uma preocupação em manter os direitos autorais sobre as obras
que, quando não eram regulamentadas, acabavam por cair em domínio público. Ele teve e tem sua
utilidade, porém necessita de uma complementação.
O grande “problema” do copyright é que ele acabou por marcar uma presença excessiva ao
redor do planeta. Todo tipo de produção intelectual acabava sendo marcada pelo grande “C”,
dificultando muitas ações que envolvessem tais produções. Algumas vezes, uma simples produção
audiovisual sem fins lucrativos, por exemplo, que quisesse usar uma música de uma determinada
banda como trilha sonora, encontrava vários obstáculos para conseguir contato e liberação de uso
junto ao detentor dos respectivos direitos autorais daquela música. Muitas vezes até se deixava de
utilizar uma determinada música por não ter conseguido fazer um simples contato com o autor.
O curioso é que nem sempre o autor desejava restringir totalmente o uso de sua obra, mas as
pessoas não se poderiam dar ao luxo de arriscar, pois sempre havia o risco de serem processadas,
multadas, etc. Assim, o problema do “C” não é o fato de restringir ou não, mas o de não refletir todos
os intuitos do autor em relação à sua obra. Fica claro que a grande dificuldade é a necessidade de um
intermédio entre as partes.
A dinamicidade da internet ajudou a complicar um pouco mais essa situação. O surgimento e a
expansão da rede mundial de computadores provocaram um incrível aceleramento na disseminação de
todo tipo de informação. Áudio e vídeo transformaram-se em conteúdo digital de fácil propagação.
Isso trouxe muitos problemas para o bom funcionamento do copyright, evidenciando que um novo
modo de gestão e licenciamento de produção intelectual era necessário.
Com isso em vista, surge, em 2001, a Creative Commons (criação comum), que, fisicamente, é
uma organização sem fins lucrativos com dois escritórios, um em Berlim, na Alemanha e, o outro, em
São Francisco, nos Estados Unidos (CREATIVE COMMONS, 2009). Existem instituições que a
representam em outros países, como a Fundação Getúlio Vargas, no Brasil. A ideia desse movimento é
uma mudança no conceito de copyright, fazendo com que ele migre do “all rights reserved” para
“some rights reserved”, “alguns direitos reservados”.
Basicamente, estamos falando de um modo diferente de se registrar propriedade intelectual,
sendo que o autor pode escolher, dentre uma gama de possibilidades, como vai proteger sua obra. No
site creativecommons.org, a pessoa que deseja publicar sua obra na internet pode seguir uma série de
passos que ajudam a determinar a licença correta de acordo com as suas reais vontades. Assim, esse
processo guia a pessoa desde a escolha da licença até a publicação em um site próprio ou em um dos
inúmeros serviços de hospedagem gratuita que já incorporaram o Creative Commons.
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Quando estiver navegando e vir, ao invés de um “C”, “CC”, saiba que você tem direito a, no
mínimo, copiar, distribuir, exibir e executar a obra, respeitando algumas condições, como, por
exemplo, dar os devidos créditos ao autor original. Isso facilita operacional e financeiramente o uso da
obra de terceiros.
As licenças são traduzidas e devidamente adequadas à legislação de cada país. O site do
Creative Commons (http://www.creativecommons.org.br/) destinado à comunidade brasileira traz
explicações detalhadas sobre cada uma das possíveis licenças CC, que surgiram para facilitar o
compartilhamento intelectual.
COPYLEFT – ALL RIGHTS REVERSED
Foi com base nesse trocadilho alusivo a “Copyright – all rights reserved” que foi criado o
conceito de Copyleft, que faz com que uma obra tenha proteção contra restrições, isto é, ela não é
simplesmente posta em domínio público (WIKIPEDIA, 2009). Quando um trabalho está licenciado
sob Copyleft, quer dizer que é “proibido proibi-lo”. A obra deve permanecer livre de restrições. As
pessoas podem usá-la, modificá-la e redistribui-la, mas não podem restringi-la. Consequentemente,
uma obra que tem origem livre, não poderá se transformar em privada.
Esse conceito nasceu com Richard Stallman e os primórdios do software livre com sua GNU
GPL (General Public License). Stallman disse que o trocadilho é proveniente de Don Hopkins, artista
e programador, que escreveu a frase pela primeira vez em uma carta que enviara a ele. Daí em diante,
papai GNU popularizou o Copyleft ao associá-lo à GPL do projeto GNU (FREE SOFTWARE
FOUNDATION, 2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No mundo contemporâneo, vivemos um processo de intensa culturalização. Isto se dá por
múltiplos motivos: a globalização, que possibilitou trocas interculturais entre regiões e países; a defesa
da diversidade cultural; o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação. Nesse
cenário, temos novos atores que reivindicam possibilidades e oportunidades culturais como
estimuladores de integração e criação de novos modos de vida: jovens, movimentos socioculturais,
redes de todo o tipo passam a se constituir como atores culturais e requerem novos instrumentos de
acesso na participação democrática.
Um dos sentidos de democratizar a cultura é ampliar o acesso aos bens culturais já existentes,
permitindo que as pessoas construam o seu modo próprio de ser e de participar na comunidade e na
sociedade. Ampliar a distribuição e a compreensão da produção cultural permite também que nos
apropriemos de instrumentos de expressão e possamos construir uma consciência crítica diante do
mundo em que vivemos.
O “digital” trás possibilidades novas e radicais para uma mistura e reapropriação dos produtos
culturais e desenvolvimento de “mais cultura”.
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O desafio é inventar novos modelos, gerando formas de sustentabilidade econômica mais
eficientes e democráticas para a criação intelectual, mais adequados à nova realidade digital. Trata-se
de um desafio para toda a sociedade.
REFERÊNCIAS
AMADEU, Alessandro de Oliveira. O diretor e a autoria da obra cinematográfica. Revista de Cinema,
São Paulo, v. 8, n. 79, 2007.
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre
direitos autorais e dá outras providências. 1998. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9610.htm>. Acesso em 1º dez. 2009.
CORNILS, Patrícia. Contra o AI-5 Digital. ARede, n. 48, jun. 2009. Disponível em:
<http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anteriores/120--edicao-no48-junho2009/2000-contra-o-ai5-digital> Acesso em: 15 set. 2009.
CREATIVE COMMONS. Creative Commons BR. Disponível em:
<http://www.creativecommons.org.br/>. Acesso em: 1º dez. 2009.
ECAD. O que é direito autoral? [2007] Disponível em:
http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=48. Acesso em: 15 nov. /2009.
FREE SOFTWARE FOUNDATION. What is copyleft – GNU Project. 2009. Disponível em:
<http://www.gnu.org/copyleft/>. Acesso em: 1º dez. 2009.
SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Traficantes do © atacam o Pirate Bay. ARede, jun. 2009. Disponível
em: <http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anteriores/133-edicao-no47-maio2009/2016-raitequi>
Acesso em: 15 nov. 2009.
TAGG, John. El peso de la representación. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2005.
WIKIPEDIA. Copyleft. 2009. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Copyleft>. Acesso em: 1º
dez. 2009.
Christiane Bellorio Gennari Stevão
Doutoranda em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Danilo de Abreu e Silva
Graduado em Comunicação Social
[email protected]
Mariana da Rocha C. Silva
Doutoranda em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
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Mônica Cristina Garbin
Doutoranda em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Vinicius Wagner
Bacharel em Comunicação Social: Jornalismo
[email protected]
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HACKERISMO COMO RESISTÊNCIA POLÍTICA
Renata Lima Aspis
“Hackers make things, crackers only know how to brake them”
(Eric Steven Raymond)
HACKERS E CRACKERS
O termo hacker geralmente é usado pelo senso comum para designar pessoas peritas em
programação de computadores, que entram sem permissão e ilegalmente em sistemas alheios para
roubar informações e, muitas vezes, dinheiro. No entanto, segundo alguns hackers assumidos,
especificamente Himanen (2001), autor de “A ética dos hackers e o espírito da era da informação”, a
definição de alguém que invade sistemas de outrem para fazer uso ilícito de seus conteúdos se
aplicaria mais ao que podemos chamar de cracker, o que em português seria “quebrador”. Para
aqueles que se autodenominam hackers e se orgulham disto a atividade de quebrar sigilos e cometer
delitos digitais nada tem a ver com eles. Poderíamos afirmar que o que fundamentalmente diferencia
hackers de crackers é a ética na qual está baseada a atividade de cada um desses grupos e é justamente
este que, a nosso ver, é o problema: as possíveis ameaças da ética de trabalho hacker ao capitalismo
financeiro. Problema este ao qual queremos nos dedicar neste artigo.
A palavra hacker surge juntamente com a primeira geração de hackers nos EUA no final da
década dos anos 50 do século XX advinda de hack, que em inglês significa talhar, talhar detalhes em
madeira, com preciosismo. Quando alguém produz um trabalho criativo, inovador, com estilo e
excelência técnica, diz-se que esse trabalho foi executado com talento de hacking. Ou seja,
percebemos que já na raiz do uso do vocábulo para determinar a atividade encontramos as ideias de
criação e excelência e não de esperteza e intrusão. De fato, todo o problema de invasão de sistemas e
apropriação ilícita de informações, com seus casos veementemente divulgados pela mídia, passa a
ocorrer a partir da década dos anos 80 do século XX, bem depois da criação da Internet e do sistema
operacional Unix no final da década dos anos 60. Não podemos esquecer que naquela época o mundo
ocidental estava sendo regido por Ronald Reagan nos EUA e Margareth Thatcher no Reino Unido,
operando conjuntamente para o final do Estado de Bem-Estar Social, rumando para o final da Guerra
Fria
e
consequente
“triunfo”
do
capitalismo
como
conhecemos
hoje:
financeiro,
microcomputadorizado, de controle. Há, a partir daí e até hoje uma insistência crônica dos Estados,
muito divulgada através da imprensa, em criminalizar os hackers. A distinção que estes propõem entre
seu grupo e os crackers não é respeitada, vigorando sempre o uso do termo hacker para aqueles que
invadem ilicitamente sistemas alheios para vantagem pessoal. Há um emblemático filme sobre esta
questão, da Discovery, que se chama “Hackers: outlaws and angels” que coloca literalmente que há
um problema que está dividido entre heróis e vilões. Este problema ocorre no ciberespaço e refere-se,
segundo o filme documentário, à propriedade privada. Eis aí, no nosso ponto de vista, o problema. Há
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uma cerrada insistência em colocar todos como crackers (chamando-os de hackers) como criminosos,
todos, indistintamente. A pseudodistinção que é feita no filme diz respeito unicamente ao lado em que
o perito se encontra: ou a favor ou contra as empresas e Estados capitalistas. Só há diferença entre os
chamados “anjos” e “criminosos” no que diz respeito à sua concordância em trabalhar para o sistema
capitalista ou contra ele. Sempre a ação dos ali chamados hackers (tanto os do bem quanto os do mal)
diz respeito à invasão de propriedade: como peritos em programação de computadores ou invadem
sistemas (os do mal) ou estudam formas de prevenção contra invasões (os do bem), estes trabalhando
para as empresas e Estados, muitas vezes aparecendo como ex-hackers do mal regenerados. Mas, em
momento algum é feita qualquer distinção entre essa ação de invadir ou prevenir-se contra invasões,
baseadas em interesses privados e a ação, esta sim, própria e original dos autodenominados hackers
que é a de criar, baseados em interesses coletivos.
Podemos nos perguntar por que há tamanha insistência na criminalização do hacker. Sempre
que encontrarmos uma reportagem ou mesmo um livro que trate de hackerismo na Rede constataremos
que, em geral, são verdadeiros tratados sobre segurança. Segurança das empresas capitalistas,
segurança da propriedade privada contra o furto. Ora, está claro que existe esse tipo de ação, o que
aqui estamos chamando de crackerismo. No entanto, qual é o interesse em não distinguir a ação de um
craker da de um hacker?
A ÉTICA HACKER
O hackerismo é, desde o começo, definido por uma luta pela liberdade. Trata-se de uma nova
maneira, bastante não-capitalista, de se colocar no mundo, trata-se de uma ética distinta. E é
justamente esta ética que incomoda. Poderíamos afirmar que há uma tendência em criminalizar
qualquer ação que busca liberdade na Rede, resumindo todas elas ao ato de invadir sistemas alheios ou
prevenir-se contra estas invasões, como se não houvesse um movimento de busca de outro modo de
encarar o trabalho, outro modo de encarar a sociedade e seus valores que está por trás da ação dos
autênticos hackers. Há essa tendência à criminalização, pois ao se criminalizar qualquer movimento de
resistência aos valores e práticas capitalistas tende-se a esvaziá-los de seu sentido político,
desautorizando-os. Como se o fato de discordar da ética mercantil do salve-se-quem-puder do
capitalismo financeiro nos tornasse a todos bandidos. Vejamos isto.
A ética hacker está baseada em princípios que se chocam com os dos interesses dos Estados e
das empresas capitalistas, trata-se justamente de um movimento de resistência contra a implantação
dos critérios capitalistas no ciberespaço. Como diz John Perry Barlow, da Electronic Frontier
Foundation, no filme Hackers: outlaws and angels, da Discovery
Queremos o ciberespaço totalmente aberto a todo tipo de comunicação (...)
criaremos a civilização da mente no ciberespaço. Que ela seja mais humana e justa
que o mundo que os governos construíram.
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A ética dos hackers, segundo Himanen (2001), se opõe ao que ele chama de ética protestante
do trabalho, que advém do famoso ensaio de Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo (1904-1905), que impera ainda hoje e se mostra bastante poderosa. O trabalhador,
segundo Weber, seguindo a ética social da cultura capitalista deve sentir o trabalho,
fundamentalmente, como uma obrigação. O trabalho, seja ele qual for, não importando se seja feito
por vocação ou apenas por interesse financeiro, deve, segundo essa lógica, ser realizado, como se ele
próprio fosse seu objetivo, como um fim em si mesmo. O trabalho é, assim, um dever e deve ser feito
em obediência às ordens de Deus, como se Ele mesmo o tivesse ordenado, deve ser feito porque deve
ser feito, nos cabe obedecer. Segundo Weber, salienta Himanen, o único precursor histórico da ética
dos protestantes está no mosteiro. Em um mosteiro, na Idade Média, ao monge não cabia questionar a
natureza do trabalho que lhe fosse impingido, devendo apenas obedecer. Ali a natureza do trabalho não
importa, tendo as regras monásticas, muitas vezes, o propósito de humilhar a alma do operário,
forçando-o a fazer qualquer coisa que lhe fosse ordenada, o que, ainda segundo Himanen, persiste em
muitas firmas hoje em dia. Somente a partir da Reforma Protestante essa visão sobre o trabalho
ultrapassa os muros do mosteiro e se espalha pelo mundo, mundo este que se tornava rapidamente
industrial, onde esta glorificação do trabalho por si mesmo se encaixa como uma luva nos interesses
capitalistas. O trabalho é elevado ao status de coisa mais importante da vida das pessoas. É comum o
sonho de que o desenvolvimento tecnológico seja inversamente proporcional à dedicação dos homens
ao trabalho. Muitas vezes o marketing capitalista abusa desta ideia, vemos na propaganda de TV a
mulher que põe a roupa na máquina de lavar roupas e sai, arrumada, para passear: máquina tal, mais
tempo para você! Himanen, no entanto, comenta que em The Information Age, de Castells, o autor
enfatiza que, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico acelerado atual, o trabalho, no sentido
físico, não está para acabar. “A sociedade virtual não questiona a ética protestante. Abandonada à
própria sorte, a centralização no trabalho continua a predominar”. E eis o ponto no qual queríamos
chegar: a ética hacker, em absoluto, encara o trabalho como obrigação, para o hacker – aquele que faz
resistência ao avanço dos valores e práticas capitalistas no ciberespaço – o fundamento de seu trabalho
é a paixão. Isto não significa que não trabalhem duro e que não haja tarefas enfadonhas a serem feitas,
significa basicamente que, para eles, o trabalho, em primeiro lugar não é uma punição, não é uma
obediência cega a uma necessidade alheia aos interesses de quem a realiza e não é um fim em si
mesmo e não representa necessariamente uma atividade com computadores mas deve ser
compreendida como um desafio social na medida em que vai contra a ideia e a prática do trabalho na
sociedade capitalista como vivemos hoje.
Do ponto de vista geral, a natureza radical do hackerismo, em geral, consiste em
propor uma postura alternativa para a sociedade de Rede – um padrão que questiona
a ética protestante predominante. Nesse contexto, encontra-se o único sentido no
qual os hackers são de fato crackers: eles tentam quebrar o cadeado da gaiola de
ferro (HIMANEN, 2001, p. 26).
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Um segundo aspecto característico da ética hacker que se opõe à nossa ideia corrente de
trabalho é a relação do trabalhador com o tempo. O Linux, a Internet e o PC não foram desenvolvidos
num escritório durante o horário comercial, nos lembra Himanen. A relação de liberdade com o tempo
é característica dos hackers, que apreciam esse ritmo individual de vida. Trata-se de seguir o ritmo da
criatividade e não do relógio, o da indústria, da máquina, da produção, do lucro de outrem, do sistema.
Trata-se de respeitar o ritmo individual de cada um, que pode dedicar-se exageradamente ao trabalho
em determinados períodos, seguindo seu entusiasmo, seu interesse e vontade e abandonar as tarefas
para dedicar-se a outras coisas da vida quando bem entender. Para o pensamento hacker a máxima
“tempo é dinheiro”, que traduz a essência do capitalismo, não é válida, sendo mais apropriado “tempo
é minha vida”, afirmando a necessidade de uma assumida e autodeterminada flexibilidade do tempo,
ou seja, de liberdade. Nesse sentido, esta relação trabalho-tempo que prioriza o ritmo individual na
realização de um determinado objetivo está mais próxima do modo da Idade Média pré-protestante,
para os ocidentais, de agir em relação ao trabalho, e que foi justamente o que os fez serem resistentes
ao enquadramento ao ritmo da indústria.
Ora, a nova tecnologia da informação pode proporcionar uma oportunidade de voltarmos a
orientar o trabalho para tarefas. Munidos de computadores portáteis podendo ser conectados à Rede
sem a necessidade de cabos, usando telefones celulares e outros aparatos eletrônicos hoje já
popularizados, poderíamos imaginar o mundo do trabalho pautado pela liberdade individual. No
entanto, isto não acontece. O que vemos é, estranhamente, que mais para o controle do que para a
liberdade usamos essas invenções. Essa tecnologia é utilizada mais para a supervisão intensa do tempo
do trabalhador do que para sua libertação dele, é usada mais para maximizar a sua submissão em
relação à obediência no cumprimento de tarefas, sempre urgentes e que reclamam por imediatismo, do
que possibilita sua autonomia de decisão e sua criatividade.
“Vamos trabalhar no Google”, resume o convite desta gigante da tecnologia da informação,
divulgado amplamente pela Internet, e que pode ser conferido em Google (2007), proliferando-se por
e-mails de milhares de pessoas que o enviaram deliberadamente, mensagem encantadora que invadiu a
imaginação dos jovens futuros trabalhadores, apontando para a possibilidade de realização de um
verdadeiro sonho. Pode ser que em seu íntimo, nervosos, sofriam pensando: será que eu posso ser
considerado um dos “mais interessantes seres humanos do planeta”? Independentemente, aqui, de
discutir a veracidade das informações que o texto traz e focando nos efeitos que causou no imaginário
das pessoas, podemos nos perguntar: quê sonho é esse que se vê realizado no trabalho nessa empresa?
Seria liberdade isso que eles oferecem? Seria autonomia? Privacidade? Seria incentivo à criatividade?
Criar para que? Para quem? Seria viver a vida?
O premiado romancista português José Saramago escreveu o romance A Caverna, publicado
em 2000. Há ali claramente uma relação direta da história que se conta com o conhecidíssimo mito da
caverna, alegoria criada por Platão no livro VII de sua A República. Não vamos nos deter nesta relação
aqui. O que nos interessa simplesmente é dizer que se trata da história de um sexagenário que sempre
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ganhou a vida como oleiro, fabricando com as próprias mãos utensílios domésticos em sua oficina em
sua casa na zona rural. Aos poucos ele se vê centrifugado do mundo do trabalho tendo suas
mercadorias rejeitadas pelo “Centro”, enigmático lugar para onde se direciona toda a produção,
comércio e a vida das pessoas em geral, inclusive seu lazer, moradia, assim como seus desejos,
considerado “O MELHOR LUGAR PARA SE TRABALHAR!! Ou seria melhor dizer, O MELHOR
LUGAR PARA SE VIVER?” É como se as pessoas tivessem passado a viver dentro de um enorme
Condomínio Shopping Center. Cipriano Algor, o personagem principal do romance, é colocado à
margem, está velho, seus pratos são substituídos por pratos de plástico, seus bonecos de barro estão
fora de moda e não vendem. Ele, assim como a grande maioria das pessoas, está fora do mundo, o
mundo do Centro. Aquele lugar está reservado para “os mais interessantes seres humanos do planeta”.
Ele está fadado a aceitar a condição de dependente da filha e do genro. Cipriano vai morar com o
jovem casal no Centro e acaba conhecendo o segredo daquele lugar: alguns esqueletos humanos
acorrentados em um banco, virados de frente para o fundo de uma caverna, encontrados nas
escavações para a construção de mais um pavimento subterrâneo de estacionamento. As autoridades
não sabem o que fazer com aquilo, até que resolvem transformar o estranho achado em atração,
cobrando pelo ingresso da multidão curiosa. Cipriano percebe que não pode viver ali.
A nova sociedade em rede na qual vivemos possibilita tanto uma nova sociedade baseada na
liberdade individual, no compartilhamento e na criatividade quanto uma sociedade ainda mais diretiva,
autoritária e de controle do que a industrial. Cabe a nós decidirmos o que queremos fazer. O
desenvolvimento tecnológico sozinho não garante nem uma coisa nem outra, ele depende do
posicionamento e uso de cada um de nós. Esta afirmação pode parecer óbvia, mas, olhando mais de
perto, ela diz respeito a pequenas escolhas do cotidiano que estão totalmente sob o poder de cada um:
basta lembrar que cada pequena escolha tem sua consequência direta e que esta pode não ser tão
pequena assim.
Outro aspecto bastante emblemático da ética hacker é o de colaboração no trabalho, o que
demonstra, mais uma vez, a sua oposição à ideologia capitalista. Toda vez que um hacker faz uma
descoberta ele a disponibiliza para que outros possam usá-la e aprimorá-la. Não a patenteia para
vender. Foi assim que Linus Torvalds criou e disponibilizou seu sistema operacional, Linux. Vemos
que há, tomando os significados originais dos conceitos de hacker e de capitalismo, uma oposição
fundamental, agora ainda acirrada pela relação dos hackers com o dinheiro, que não é a mesma
pregada e praticada pelo capitalismo como vivemos hoje. A ideia que está por trás da defesa da
abertura do conhecimento tecnológico é a mesma que rege a comunidade científica. “O modelo
fechado não permite iniciativa e crítica, atos que poderiam tornar uma atividade mais criativa e
autocorretiva” (HIMANEN, 2001, p. 72). Defende-se a ausência de hierarquia, mas não se trata de
defender uma “anarquia”, pois na comunidade há “árbitros”, porém sua autoridade é constantemente
legitimada pela comunidade, seriam mais como chefes de tribo do que como presidentes. “Ninguém
assume um cargo no qual o trabalho não possa ser revisto por um companheiro, como as criações de
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terceiros”. Um conhecido hacker da velha guarda, Richard Stallman, é o mentor de uma tentativa dos
hackers de tentar conciliar sua ética com o capitalismo, defendendo uma nova forma de economia,
baseada na chamada empresa de fonte aberta, que desenvolve software de modelo aberto. Segundo
Himanen, Eric Raymond em seu conhecido artigo The Cathedral and the Bazaar salienta que a grande
inovação de Torvalds na criação do sistema operacional Linux não foi de cunho técnico, mas social,
haja vista a forma totalmente aberta e compartilhada sob a qual foi desenvolvido. Basicamente o
modelo fonte aberta funciona a partir da resolução de um determinado problema ou desafio
considerado significativo que é compartilhado na Rede. Aquele que recebe esta versão da solução
pode usá-la livremente, testá-la, desenvolvê-la e isto é possível quando as informações que levaram à
solução (a fonte) são passadas junto com ela. Aquele que a recebe só tem duas obrigações em relação à
obtenção desses direitos, que são a transferência desses mesmos direitos quando a solução original ou
uma versão desenvolvida forem compartilhadas e, além disso, deve-se sempre dar os créditos para
aqueles que trabalharem nas versões compartilhadas. A ideia é a de compartilhar uma solução em sua
fase inicial acreditando nos benefícios da multiplicidade de pontos de vista. Mais do que isso, em seu
livro sobre a ética hacker Himanen apregoa um trabalho conjunto, comunitário e próximo do conceito
original de academia. Aqui nos aproximamos um pouco mais do problema deste artigo. Aquilo que
Himanen vai desenvolver como a ideia do que ele chama de Academia Virtual é algo que se opõe
diametralmente ao modelo de escola e universidade que usamos até hoje e à indústria editorial que
transforma conhecimento em mercadoria, problema este que diz respeito também a toda a questão dos
direitos autorais, direitos comerciais e financeiros sobre produtos do conhecimento tornados
mercadorias de consumo. Segundo Himanen, se seguirmos a ética hacker de forma radical, tomando o
conceito de comunidade científica e de academia em sua origem, podemos pensar uma nova forma de
produzir conhecimento. Ele pensa na criação de uma Academia Virtual generalizada, “na qual todo o
material de estudo poderia ser livremente utilizado, criticado e desenvolvido por todos”. Contra o
nosso modelo atual de universidade, hierarquizado no qual o aluno deve calar-se e aprender com os
mais experientes e muitas vezes, senão na maioria delas, deve limitar-se ao que aprende, sendo vetada
a crítica e a contribuição, Himanen prega um modelo no qual o aluno fosse colocado como
pesquisador desde o começo, discutindo os assuntos com outros pesquisadores, experientes e
principiantes também, com o tempo o aluno poderia acrescentar sua colaboração ao estudo
desenvolvido.
Certamente esta ideia é um desafio para o futuro e depende do posicionamento de cada um de
nós em relação às formas como disponibilizaremos nossas produções e como as usaremos. Perigoso
concordar com ela tão rápido: não são poucas as transformações sociais necessárias para a mudança de
um modelo a outro. A forma como John Perry Barlow da Electronic Frontier Foundation, coloca a
questão no filme da Discovery, nos faz sentir sua gravidade:
Estamos lidando com uma luta entre o futuro e o passado. Entre as forças que já
eram e as que ainda virão. ‘Governos do mundo industrial: eu sou do ciberespaço, o
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novo lar da mente. Em nome do futuro, peço que vocês, do passado, nos deixem em
paz. Vocês não são bem vindos, não têm o direito de reinar aqui. Não conhecem a
nós nem ao nosso mundo. O ciberespaço não pertence a vocês. Seus conceitos legais
de propriedade, expressão, identidade, movimento e contexto, não se aplicam a nós.
Eles se baseiam na matéria e aqui ela não existe’. Vamos nos espalhar pelo planeta
para que ninguém prenda nossos pensamentos.
Podemos perceber que o problema que está sendo colocado pela posição dos hackers em
relação ao trabalho é muito mais amplo do que a esfera da alta tecnologia. É uma postura política.
Mais especificamente é uma postura de resistência política ao modo como hoje, no mundo ocidental,
normalmente encaramos as questões de trabalho, dinheiro, tempo, propriedade, prazer, vida social.
Neste sentido a postura política do hacker não se restringe aos especialistas em linguagem de
computadores. Esta mesma posição pode (e deve) ser incentivada em qualquer esfera da sociedade.
Na primeira Conferência dos Hackers realizada em San Francisco em 1984, Burrell
Smith, o hacker que está por trás do Macintosh, da Apple, define o termo [hacker]
da seguinte maneira: ‘É possível fazer quase tudo e ser um hacker. Há hackers
carpinteiros. Não está necessariamente ligado à alta tecnologia. É preciso ter
habilidade e gostar do que faz. (HIMANEM, 2001, p. 22).
E poderíamos acrescentar: é preciso também saber que ao assumir essa postura de priorizar o
prazer, a flexibilidade do tempo e a colaboração, estaremos não só assumindo uma nova postura
pessoal em relação ao trabalho, mas também, e talvez principalmente, uma postura política e social,
propondo (na ação efetiva, o que é melhor) uma nova sociedade.
HACKERISMO E EDUCAÇÃO
Ora, se, de maneira geral, podemos dizer que qualquer um pode adotar a postura de um
hacker, podemos perguntar: como nós, profissionais da educação, nos posicionamos? Não é muito
incomum os professores ficarem encantados com o crescente desenvolvimento do ciberespaço, com a
constante apresentação de novos recursos tecnológicos no mercado e passarem a acreditar que têm que
aderir ao “mundo digital” e o fazem sem reservas. O fazem sem estarem informados sobre o viés
político que há nessa atitude. Há hoje uma nova possibilidade de luta por liberdade que a Rede nos
propicia e que tradicionalmente tem sido travada pelos hackers. Tomarmos consciência disso nos leva
a diminuirmos os riscos de sermos meros agentes da introdução dos alunos no mundo digital,
colaborando para a reprodução, neste mundo, do mundo capitalista com todos os seus engodos e
malogros. Pode ser que muitas vezes haja certa pressa desatenta dos educadores em adotar as
tecnologias existentes como parte de seus processos pedagógicos, pois além do encantamento com
estas tecnologias há também o temor dos adultos hoje, que não são nativos desse mundo, em ficar fora
dele. Há o temor de ficarem apartados das novas gerações, em mundo separados, usando linguagens
distintas, caso não corram na imigração para a sociedade da Rede. E neste afã de participação
podemos estar embarcando ingenuamente em esquemas que têm um teor político que pode não ser
aquele com o qual concordamos. Ou seja, no mundo analógico sabemos bem nos posicionar, porém,
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muitas vezes, esquecemos que também no mundo virtual temos que atentar para isso. O fato é que
também os jovens nativos do mundo virtual, que têm uma enorme habilidade para entender seu
funcionamento prático e para navegar nele, também estão pouco informados sobre os jogos de poder
neste mundo. Por exemplo, quantos de nós sabemos que o Google guarda todas as informações sobre
as buscas que fazemos e pode, através disso, desenhar um perfil do usuário de determinado
computador? Quantos desconfiam que talvez esses dados possam ser usados comercialmente contra
nós, ou seja, que possam ser vendidos para empresas que podem nos bombardear com propagandas de
produtos específicos do nosso universo de consumo? Em uma das cenas do filme futurista Minority
Report, de Steven Spielberg, de 2002, veem-se os indivíduos passarem, sem perceber, por leitores de
íris que rapidamente acionam a mudança das propagandas nos outdoors de forma que essas se adaptam
imediatamente ao perfil do passante. Estamos quase lá. Talvez a maioria dos usuários da Internet não
saiba o que é rastro eletrônico e desavisadamente oferecem dados seus a não se sabe quem. Quanto
mais eletrônica torna-se nossa era mais e mais vestígios são deixados em diversos bancos de dados. Os
Estados autoritários podem se valer disto. Mas, em maior número, nos países desenvolvidos, nos quais
o uso de aparatos eletrônicos pessoais como cartões de crédito, telefones móveis, computadores e até
TV digital, entre outros, é muito intenso, o perigo está nas empresas contra os indivíduos. Imagine que
o perfil detalhado de uma pessoa, rastreado por todo o aparato eletrônico que usa, possibilita a
pesquisa de seus padrões de vida. E isto diz respeito a qualquer um, por exemplo, como trabalhador
visto pela empresa onde está empregado, ou como candidato a um emprego, ou como pai que pleiteia
uma vaga em uma escola para seu filho, etc. Sabemos através das notícias de jornais, de casos de
demissão de funcionários ocorridos após a análise e reprovação de seu “comportamento eletrônico”,
quer seja por suas mensagens de email ou por visitas a sites considerados impróprios pela empresa, ou
por algo que comentaram sobre a empresa em sites de relacionamento. Não se trata aqui de incitar uma
sensação de perseguição no leitor, mas levantar a discussão da necessidade crescente de proteção
consciente e defesa da privacidade. Esta é uma luta fundamental por liberdade que tanto prezamos no
mundo analógico e da qual esquecemos no mundo virtual. Em relação a isto os hackers também estão
atentos e há uma história de defesa da privacidade que é tão longa e importante quanto a luta por
liberdade de expressão. Eles trabalham para encontrar soluções técnicas para tornar possível a
privacidade na era da Eletrônica na qual vivemos cada vez mais intensamente. Um conhecido grupo é
o Cypherpunks, importante no desenvolvimento de tecnologias de criptografia, métodos que os
governos desaprovam, já que estes, quando sólidos, garantem uma privacidade autêntica. Um de seus
membros, John Gilmore, em 1991, em seu manisfesto “Privacy, Technology and the Open Society”
imagina uma sociedade na qual não fosse necessário se identificar a cada momento até mesmo para os
pequenos trâmites do cotidiano. Quanto mais os educadores, hoje, se envolvem e defendem o uso das
novas tecnologias de rede nos processos educacionais mais eles também devem estar atentos para a
questão da defesa da liberdade e da privacidade dos usuários desses novos meios, ou seja, eles mesmos
e seus alunos, com os quais estão colaborando na formação.
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RESISTÊNCIA E OCUPAÇÃO DO CIBERESPAÇO
O importante hacker Richard Stallman, criador do conceito de software livre, inventor do
copyleft, não tem celular.
[…] no quiero tener uno porque son instrumentos de vigilancia y seguimiento, hasta
un punto es inevitable para hacer y recibir llamadas, el sistema necesita saber donde
está uno, pero no me gusta que algo sepa dónde estoy siempre, entonces prefiero no
tenerlo (VIVA LINUX, 2009).
Outro importante hacker, Eric Raymond, não usa cartão de banco. Sabemos que estes são
exemplos de atitudes simbólicas de resistência que funcionam principalmente porque estas pessoas são
notícia nas mídias. Porém, quando falamos de resistência política hoje, em defesa da liberdade
humana, a que, exatamente, devemos resistir? Ou não se trata de resistir a alguma coisa? O
capitalismo rizomático, em rede, no qual vivemos hoje, o capitalismo de empresas, não permite mais
que a resistência política seja feita através da organização do proletariado, enquanto classe, em
sindicatos: negociações, passeatas, greves. Já não somos modernos nisso. “Já não dispomos da
imagem de um proletário a quem bastaria tomar consciência” (DELEUZE, 2004, p. 213). Pensar em
resistir a algo nos remete a uma relação bipolar de contraposição direta, termo a termo. Houve esse
tempo: criar movimentos de oposição direta ao Estado, para tomar o Estado, inclusive, tomar o seu
lugar. Porém, isto já passou.
Podemos dizer que estamos aqui pensando na busca de uma ação política de resistência hoje,
no mundo no qual vivemos, entre o analógico e o virtual, que seja uma ação de criação, uma
resistência que poderíamos chamar de afirmativa. Resistência de hacker. Não uma resistência nos
moldes modernos que se configurou como uma resistência no sentido de negar algo, o Estado, aquelas
foram resistências contra um inimigo, em um constante jogo de oposição termo a termo. Tratava-se de
se opor para negar. No entanto, pensamos em propor para hoje uma resistência que seja um ato
positivo, um constante movimento de recriar-se a partir do embate. Assim, praticaríamos a resistência
como constante movimento de afirmar a vida humana, livre e própria. Movimentos afirmativos da
vida: resistência como re-existência. Re-existir, insistir em existir. Parece-nos que hoje, muito mais,
temos instrumentos de resistência, de luta pela vida, de luta pela liberdade, pois podemos nos colocar
no ciberespaço e criar. Podemos assim alcançar uma visibilidade nunca antes experimentada. Na nossa
“Era da Internet”, no ciberespaço, dependendo da forma como nos posicionamos, podemos garantir
uma democracia muito mais ampla do que no mundo analógico, com ações simples. Himanen nos dá o
exemplo do papel do uso dessa tecnologia na guerra de Kosovo. Nós poderíamos citar, a título de
exemplo, a controversa e censurada e agora mundialmente famosa blogueira cubana Yoani Sánchez,
que a partir de seu blog <http://www.desdecuba.com/generaciony>, nos faz conhecer uma ilha que não
é a mesma das informações oficiais de Cuba e nem das dos EUA. Sobre o terremoto que massacrou o
Haiti em janeiro de 2010, temos informações muito mais complexas e autênticas do que as veiculadas
em qualquer jornal impresso ou televisivo; um exemplo é o blog <http://lacitadelle.wordpress.com/>,
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de estudantes da Unicamp, que estando lá por ocasião do acontecimento, não se furtaram de transmitir
para o mundo a versão deles. Esta é uma faceta importante do que está sendo defendido aqui neste
artigo: resistência como possibilidade de criar sua própria versão do mundo, dos fatos mínimos como
sentimentos íntimos da existência no cotidiano até grandes acontecimentos de interesse internacional.
Falamos da possibilidade de cultivar o pensamento próprio sobre as coisas, o próprio olhar e poder
expressar isto e poder ser visto e ouvido e poder encontrar imediatamente, no mundo virtual, outros
com quem compartilhar.
Um aspecto de suma importância no hackerismo é que a mesma procura tem sempre
em mente que resultados de grandes proporções podem ser obtidos pela cooperação
direta das pessoas, e a única coisa que limita os resultados é a nossa imaginação. O
modelo aberto dos hackers, por exemplo, poderia ser transformado num modelo
social, que pode ser batizado de modelo de fonte aberta, através do qual seria
anunciado: ‘tenho uma ideia, posso contribuir com X para implementá-la e espero
adesões!’. Embora essa ideia de modelo aberto também envolva ação física, a Rede
poderia ser utilizada como um método efetivo para reunir forças e, posteriormente,
disseminar e explorar ainda mais essa ideia (...) o modelo dos hackers pode criar
grandes resultados no ciberespaço sem que os governos nem empresas interfiram.
Resta saber quais serão as grandes realizações alcançadas com a cooperação direta
das pessoas. (HIMANEN, 2001, p. 79).
Cooperação. Pensamos que contra um sistema econômico e social que nos condiciona à
competitividade exacerbada, nos apartando uns dos outros, podemos praticar a cooperação, a
colaboração, à moda hacker, no ciberespaço, o “novo lar da mente” como disse John Perry Barlow. A
despeito da passividade na qual fomos colocados, vendo a vida passar na TV, cansados depois de um
dia exaustivo de trabalho, podemos efetivamente agir na construção das nossas próprias versões do
mundo e de nós mesmos.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.
GOOGLE - Fórum Script Brasil. 2007. Disponível em:
<http://www.scriptbrasil.com.br/forum/lofiversion/index.php/t98875.html>. Vamos trabalhar no
Google? Acesso em: 29 jan. 2010.
HIMANEN, P. A ética dos hackers e o espírito da era da informação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
200 p.
TORVALDS L.; DIAMOND D. Só por prazer: LINUX, os bastidores da sua criação. Rio de Janeiro:
Campus, 2001.
VIVA LINUX. Entrevista a Richard Stallman. 2009. Disponível em:
<http://www.vivalinux.com.ar/eventos/pagina12-entrevista-richard-stallman>. Acesso em: Nov. 2009.
Renata Lima Aspis
Grupo de Pesquisa Diferenças e Subjetividades em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
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REDE COMO ESPAÇO LIVRE E ABERTO
Lialda Cavalcanti
Amarílis Valentim
Neusa Andrade
Clayton Messias
RESUMO
O presente artigo apresenta uma breve contextualização do desenvolvimento da rede e da internet, e
como as redes sociais constroem uma nova forma de mediação da realidade e suas respectivas
implicações no que se pode chamar de “ética da rede”. Destacam-se também alguns pontos referentes
ao uso da rede no âmbito da educação e ensino, suas novas formas de comunicação e suas
características. Comenta-se sobre a comunicação que ocorre de forma planetária, sem fronteiras ou
limitações geográficas e de certa forma também atemporais. Alerta para a necessidade de delimitações
quanto à vigilância e ao comprometimento da privacidade que vêm a reboque do desenvolvimento
tecnológico, atingindo a todos os usuários, implícito ao uso das novidades tecnológicas e da forma de
ver a vida e conceber as relações, vinculadas a esses novos padrões.
PALAVRAS- CHAVE: internet, rede social, comportamento, educação, sociedade em rede, ética
INTRODUÇÃO
Tendo em vista as necessidades, os interesses sociais centrados no ser humano e a solução de
problemas para sua plena realização, hoje, é imprescindível o reconhecimento de que as tecnologias,
as formas de organização e a interação social podem transcender o âmbito econômico no esboço da
nova sociedade.
É inquestionável a importância da revolução digital, a qual possibilitou uma nova forma de
percepção da máquina, cuja competência inicial destinava-se apenas a calcular e a contar, sem a
intencionalidade de promover qualquer tipo de relação afetiva. Com o surgimento das redes de
informática e sociabilidade (a Internet e as multimídias), entra em cena uma visão diferenciada na sua
caracterização, tornando-se um veículo capaz de estabelecer relações humanas e afetivas, confirmada
pelas novas formas de comunicação e de transferência de dados pela rede, como a criação de
comunidades virtuais, diálogos via chats, entre outros.
Vivenciamos uma realidade através de mediações: telas, cabos lentes, etc. Nossa realidade
torna-se relativa e, como afirmou Tijiboy et al. (1998, p. 42): “as realidades são relativas e dependem
preferencialmente da maneira como cada pessoa as perceba, tal pode ter sido o caso de Copérnico,
Galileu, Aristóteles, Bacon, Einstein, entre outros personagens que influenciaram as percepções de
mundo”.
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Nesse jogo de percepções e aparências, realidade X virtual, o que afinal está acontecendo nos
bastidores deste cenário em que a máquina desdobra-se em traduzir a natureza em dados binários,
conseguindo ser portadora e empreender ações interativas de um universo imaginário complexo?
Segundo Lemos (2002),
Vivemos hoje a época da comunicação planetária fortemente marcada por uma
interação com as informações, cujo ápice é a realidade virtual. A interatividade
digital caminha para a superação das barreiras físicas entre os agentes (homens e
máquinas) e para uma interação cada vez maior do usuário com as informações, e
não com os objetos (LEMOS, 2002, p. 121-122).
A década de 60 foi revolucionária para a humanidade em vários aspectos, na música, na
política, no comportamento, na ciência, na tecnologia e comunicação. Nos Estados Unidos, as
pesquisas conduzidas pela ARPA (Advanced Research Projects Agency) para atender a fins militares,
no período da guerra fria no Departamento de Projetos de Pesquisas Avançadas da Agência de Defesa
criou a ARPANET. O projeto inicial era constituído por um plano de rede conectado em quatro nós,
com adesão das universidades americanas: Stanford, Berkeley, California at Los Angeles (UCLA) e
Utah, conforme a arquitetura descrita por Carvalho (2006).
Uma das estratégias adotadas que viabilizaram a construção da ARPANET foi a
implantação de uma arquitetura que permitisse dividir as complexas tarefas de
conectividade em um conjunto de funções discretas que interagissem entre si através
de regras específicas. Essas funções eram chamadas de camadas, pois estavam
dispostas em uma hierarquia conceitual que ia do nível mais concreto (da
manipulação de sinais elétricos nos meios físicos de comunicação) ao mais abstrato
interpretação de comandos dados por usuários, em linguagem mais próxima da
humana. (CARVALHO, 2006, p. 16-17).
Com propósito de eliminar a restrição de uso somente às universidades e laboratórios nos
Estados Unidos, em 1983, o surgimento da internet se dará com a substituição do antigo protocolo
NCP pelo TCP/IP e as características marcantes desta revolução tecnológica, a partir de 1987, quando
começa a operar em ambientes comerciais iniciando a sua expansão no início da década de 90, quando
a conexão com vários computadores espalhados pelo mundo torna-se possível.
Entende-se por internet um conjunto de rede planetária de bases telemáticas, na qual o homem
pode trocar informações sob as mais diversas formas e de maneira instantânea. A Internet é um potente
recurso que favorece formas novas e diferenciadas de sociabilidade possibilitando ao usuário navegar
e explorar contextos, os mais longínquos possíveis, apenas com alguns toques nas teclas de uma
máquina, fornecendo a informação ao alcance de todos.
Com a exponencial expansão da tecnologia no final do século XX, surgem mecanismos de
interfaces que criam um novo paradigma que se organiza em torno da informação para geração de
conhecimentos e de dispositivos para seu processamento, resultando no desenvolvimento de domínios
cuja configuração é denominada rede.
Por rede, entende-se a soma das estruturas físicas (equipamentos) e lógicas (programas,
protocolos) que permitem a dois ou mais computadores compartilharem informações entre si. Esse
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compartilhar de informações só pode ocorrer quando um computador estiver conectado a uma rede de
computadores. É por meio dessa interligação que o computador tem acesso às informações que a ele
chegam e às informações presentes nos outros computadores ligados a ele na mesma rede. Isso permite
um número muito maior de informações possíveis para acesso através daquele computador.
Associada à expansão das tecnologias está a da Internet, oriunda de uma estrutura de criação
coletiva de material difundido por seus criadores, os quais operavam no modelo código-fonte aberto,
submetendo os materiais desenvolvidos a exaustivos testes para verificar sua efetividade de forma a
disseminar o conhecimento.
O desenvolvimento da internet teve participação significativa de um Grupo de Trabalho de
Rede, conhecido atualmente como “Internet Engineering Task Force” que funciona dentro da Internet
Society, cujo membro orientador é Vicent Cerf, vinculado a UCLA.
Os atores desse desenvolvimento apresentavam grande fascínio pela programação, e estavam
em busca de descobertas em vista de desvendarem enigmas na codificação. Muitas vezes, definiam
esse trabalho de tecnologia como uma evolução, a alternação entre estudos teóricos sobre teoremas e a
prática da programação exploratória.
Nos bastidores desta fantástica criação, estava um grupo de programadores denominados
hackers (singular: hacker; em português: decifradores), os quais divulgavam suas façanhas por
acreditarem no potencial do compartilhamento de informações, experiências e elaboração de softwares
gratuitos, visando à mudança no acesso e na difusão do conhecimento, abertos a todos e, sempre que
possível, objetivando à melhoria da vida em sociedade.
A reformulação deste modo de pensamento valoriza a condição de respeito à existência
humana, instigando uma maior reflexão nesta nova sociedade nascida concomitantemente com as
novas tecnologias.
Utilizando esse modelo de informação compartilhada, Steve Wozniak, um dos membros do
“Homebrew Computer Club”, inventa o computador pessoal (PC) para ser usado por pessoas sem
graduação em engenharia. Nascia o Apple I.
Em 1990, Tim Bernes Lee criou o protocolo http (hiper text transfer protocol) que é a base da
Word Wide Web (WWW). O hipertexto global foi planejado pelo inglês quando trabalhava no centro
suíço de pesquisas em física das partículas- CERN. Trata-se de uma função da internet que compila
num único e imenso hipertexto (compreendendo imagens e sons), todos os documentos e hipertextos
(ligações) que a alimentam, permitindo aos usuários individualmente ou em grupos, às instituições e as
empresas criarem seus próprios sites, numa teia de comunicação interativa e se transformando numa
rede de amplitude mundial.
25
SOCIEDADE EM REDE
O que vem a ser sociedade em rede? A sociedade em rede é uma estrutura social formada por
um conjunto de redes integradas pelas tecnologias de informação, que vem se expandindo pelo planeta
em função das relações estabelecidas pela apropriação da internet.
As redes impregnam a vida cotidiana como um reflexo de nossa sociedade, que se torna cada
vez mais associada aos desafios da comunicação e da informática e revelam um conjunto de atitudes
que produz um movimento de captura e de “humanização” das novas tecnologias.
Esta sociedade, marca da contemporaneidade, emergiu no último quarto do século XX,
decorrente de dois fenômenos independentes:
•
Revolução da tecnologia da informação na década de 1970:
o Arpanet (ancestral da Internet), 1969;
o Invenção do circuito integrado, 1971;
o Protocolos TCP/IP, 1973-1978;
o Revolução do software: código do UNIX, 1974;
•
PC – Computador pessoal, 1974-1976.
o Processo de reestruturação socioeconômica dos dois sistemas que competiam ente si:
•
Capitalismo em 1973-1975;
•
Comunismo em 1975-1980.
O segundo fenômeno refere-se ao processo de reestruturação socioeconômica dos sistemas
Capitalismo (1973-1975) e do Comunismo (1975-1980), que competiam entre si.
A supremacia estrutural do capitalismo se dá através da produtividade informacional, da
desregulamentação, da privatização, da globalização e da organização em redes. Com isso, a sociedade
em rede se expande como a forma dominante de organização social.
Estruturas Fundamentais da Sociedade em Rede
Na nova estrutura ditada por esta economia, os mercados financeiros globais são construídos
sobre sinais de processamento em redes eletrônicas baseadas nas redes colaborativas de produção e
gerenciamento de alta performance.
As corporações multinacionais com suas redes, por exemplo, respondem por mais de 30% do
produto bruto global e cerca de 70% dos negócios internacionais. As próprias empresas funcionam
sobre e através das redes. Elas são descentralizadas em redes internas, trabalham com base em alianças
estratégicas em uma geometria variável de redes corporativas, as quais se vinculam às redes de
pequenas e médias empresas. Na sequência, toda a rede empresarial se vincula a clientes e
fornecedores através de uma rede patenteada.
Cabe salientar que são descartadas as unidades econômicas, territórios e pessoas, que deixem
de funcionar de acordo com as regras dessa economia, ou que não apresentem um interesse potencial
para essas redes dominantes.
26
Filosofia Código-Fonte Aberto
Quando a IBM desenvolveu o computador pessoal, sem querer abriu sua tecnologia para quem
quisesse replicá-la. Esse único ato estimulou a revolução do PC, que por sua vez estimulou a
revolução da informação, a revolução da internet e a nova economia.
Na sua forma mais pura, os projetos cooperativos do código-fonte aberto permitem que todos
participem de seu desenvolvimento ou exploração comercial. O Linux é o exemplo de maior sucesso.
Ele começou como uma ideologia partilhada por desenvolvedores de software que acreditavam que o
código-fonte dos computadores deveria ser partilhado livremente (HIMANEN, 2001).
O que foi inspirado por ideologia firmou-se como tecnologia e está funcionando no mercado.
Agora o código-fonte aberto se expande além dos domínios da técnica e dos negócios.
EFEITOS DA EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Um dos efeitos desta evolução na sociedade de informação nos remete a uma preocupação
quanto ao fim da liberdade e privacidade com a violação e vasculhamento da vida pessoal de todos os
usuários da rede. De fato, Castells (1999) reconhece que “a presença na rede ou a ausência dela e a
dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação de nossa
sociedade”.
Estes riscos são consequências impostas pela forma de utilização da informática como recurso
cidadão eficiente, ou não, de sociabilidade. Não podemos privar o usuário deste ciberespaço de sua
autonomia cidadã. A proteção dos dados pessoais requer, entretanto, uma regulamentação jurídica para
não se transformar num caos generalizado na sociedade virtual. Disso decorre um importante
questionamento: De que forma precisamos agir para que a vigilância e a perda da privacidade não se
ampliem?
A redução da liberdade individual acontece na mesma proporção em que as novas tecnologias
se desenvolvem. À medida que informamos nossos dados para usufruirmos dos recursos tecnológicos
(telefones celulares, câmeras de vigilância, passaportes biométricos, GPS, internet), fornecemos e
revelamos partes da nossa vida pessoal, mergulhando inconscientemente numa sociedade que nos
vigia pelos rastros deixados na rede, a qual solicita, por exemplo, o preenchimento de cadastros para
obtenção de senhas eletrônicas como meio de acesso às informações disponibilizadas na internet.
É inegável ressaltar que nesta última década, pagamos um alto preço pelo uso destes
dispositivos que nos fornecem bens e serviços através de uma parceria implícita, realizada pelo toque
das teclas do computador e a possibilidade de interação com o mundo exterior. Com isso, o
preenchimento de questionários, fichas cadastrais para participação em domínios/servidores da
internet, comunidades virtuais, sites de redes sociais (Orkut, Facebook, entre outros) alimentam
constantemente os bancos de dados com registros de transações executadas sem a nossa percepção real
do que se passa no ciberespaço.
27
Nas telecomunicações, a vigilância e o fim da privacidade também acontecem. Esse fato
decorre do ritmo acelerado das invenções tecnológicas e da competição desenfreada do mercado que
anuncia promessas utópicas trazendo o futuro até o presente. Confirmam isso, as inovações que os
telefones celulares de última geração fornecem aos clientes acesso à internet, chip GPS e outras
funções cujos benefícios proporcionam facilidade de uso, além de uma localização mais precisa.
No entanto, neste jogo de sedução pela obtenção de telefones com tecnologia avançada “topo
de linha”, o usuário cai em armadilhas que, sem perceber a intencionalidade dos instrumentos, fornece
às operadoras os meios de controle, possibilitando gravações de conversas, escutas, etc., que podem
até serem transformados em microfones para fins jurídicos.
REDE X EDUCAÇÃO: SURGIMENTO DE NOVOS CONCEITOS
A invenção do computador pessoal, o surgimento da internet e da web, impulsionaram o
desenvolvimento das tecnologias que vêm assumindo um papel inovador e transformador na
sociedade, na qual se desencadeiam mudanças nas formas de comunicação, trabalho, hábito e
compreensão do cotidiano, que se refletem nas inovações organizacionais, comerciais e sociais.
Surgem, assim, novas realidades e novos horizontes, influenciando nosso modo de vida, difundindo
novas concepções de mundo.
Nesse sentido, o ciberespaço, segundo Lèvy (1999, p. 79), torna-se
[...] um novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos
computadores. Especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como
os seres humanos que navegam e alimentam este universo.
Já o termo cibercultura representa para o autor um neologismo que especifica “[...] o conjunto
de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores
que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço" (LÈVY, 1998, p. 84).
Na educação, a relação com a rede gera novos conceitos e possibilidades. No âmbito do
processo de ensino-aprendizagem, a Internet passa a representar um recurso potencial que permite a
utilização de meios facilitadores, possibilitando ao usuário a navegação e a exploração de contextos os
mais longínquos possíveis apenas com alguns toques nas teclas de uma máquina.
A integração entre os computadores, as novas formas de comunicação e a transferência de
dados pela rede vêm propiciando à sociedade, a concretização de diálogos que tornaram o “humano”
um ser que interage, independentemente do espaço geográfico e do tempo real linear. Consoante a esta
ideia, Belloni (1999) afirma que,
As NTICs oferecem possibilidades inéditas de interação mediatizada
(professor/aluno; estudante/estudante) e de interatividade com materiais de boa
qualidade e grande variedade. As técnicas de interação mediatizada criadas pelas
redes telemáticas (e-mail, listas e grupos de discussão, webs, sites etc.) apresentam
grandes vantagens, pois permitem combinar a flexibilidade da interação humana
(com relação à fixidez dos programas informáticos, por mais interativos que sejam)
28
com a independência no tempo e no espaço, sem por isso perder velocidade
(BELLONI, 1999, p. 59).
A vertiginosa expansão da rede e a evolução das telecomunicações permitem a interação de
pessoas em diferentes regiões geográficas, favorecendo o desenvolvimento de projetos colaborativos.
Segundo Silva (2004),
A Internet comporta diversas interfaces. Cada interface reúne um conjunto de
elementos de hardware e software destinados a possibilitar aos internautas trocas,
intervenções, agregações, associações e significações como autoria e co-autoria.
Pode integrar várias linguagens (sons, textos, fotografia, vídeo) na tela do
computador. A partir de ícones e botões, acionados por cliques do mouse ou de
combinação de teclas, janelas de comunicação se abrem possibilitando interatividade
usuário-tecnologia, tecnologia-tecnologia e usuário-usuário. Seja na dimensão do
"um-um", do "um-todos", seja no universo do "todos-todos". (SILVA, 2004, p. 4).
A inserção do computador e o advento da internet na prática pedagógica abriram um portal à
concepção de um novo modo de produzir educação e os educadores não podem ficar alheios a esta
realidade cada vez mais presente na atividade profissional. É necessária uma ruptura com o fazer
pedagógico “tradicional”, adequando os métodos de ensino e as teorias de trabalho à inovação
tecnológica.
Para Abranches (2003), as redes vinculadas à educação representam um diferencial exemplo
de uma das variedades de uso da internet pela possibilidade de troca de informações e trabalho
colaborativo, que envolve os integrantes com lista de discussão, correio eletrônico, conferências, etc.,
objetivando a construção de conhecimentos.
Assim, a sociedade percebe a fusão da educação/ sistemas escolares à tecnologia e não pode
ignorar a interação do homem com a máquina, perceptível em todas fases da civilização, e de repensar
a reorganização da escola e seus processos formativos, buscando-se potencializar a aprendizagem dos
alunos, a qualidade no enfoque pedagógico e nas relações com a comunidade.
Neste contexto, o ciberespaço pode favorecer uma prática pedagógica não mais realizada face
a face, dando origem a uma nova proposta de educação a distância (EaD), que possibilita o acesso a
uma educação sem fronteiras, através de um conjunto variado de meios de informação, capaz de
promover a difusão e a construção do conhecimento, buscando viabilizar a formação de pessoas
excluídas do processo educacional, independente de lugares geográficos e da exigência de
coincidência de horários fixos.
Nesta modalidade de educação, as salas de aulas do ensino presencial mudam de endereços e
são transferidas ao ciberespaço com uma nova denominação para este local: ambiente virtual de
aprendizagem (AVA). Este ambiente é um espaço disponibilizado na internet constituído de recursos e
ferramentas operacionais (síncronas e assíncronas) onde os professores organizam os conteúdos e as
atividades, visando à realização de processos de aprendizagem promovidos pelas interações na
plataforma de ensino.
29
As ferramentas síncronas diferenciam-se das assíncronas pela exigência de funcionamento em
tempo real dos integrantes da turma/disciplina num horário fixo previamente marcado para sua
utilização na plataforma de ensino: bate- papos (chats). As ferramentas assíncronas independem de um
horário fixo para acesso: mural, fórum de discussão, portfólios, wiki, questionários, entre outros,
servem para armazenar hierarquicamente as atividades propostas e respostas solicitadas aos alunos nos
módulos das disciplinas.
Para Kenski (2003), é preciso maior reflexão sobre o poder educacional das novas tecnologias
no processo de ensino de maneira global, ressaltando que
[...] é fundamental que os espaços educacionais se constituam como lugar de acesso,
produção e disseminação da informação, e desse modo não se pode pensar a escola
desprovida das tecnologias de comunicação e informação, principalmente do
computador e do acesso à Internet. É fundamental que a escola esteja integrada ao
universo digital, com infra-estrutura adequada de equipamentos e serviços de
qualidade. Entretanto, é preciso ir além. (KENSKI, 2003, p. 73).
Ainda sobre o grande salto nas relações entre educação e tecnologias, Kenski (2005) afirma
que pode propiciar a sociedade uma conexão com acesso a informação em qualquer parte do mundo,
na qual escapa o tempo linear e o espaço geográfico, entrando em cena a telepresença, os mundos
virtuais, o tempo instantâneo, abolição do espaço físico entre outros:
A sala de aula se abre para o restante do mundo e busca novas parcerias e processos
para ensinar e aprender... As aulas se deslocam dos horários e espaços rígidos das
salas presenciais e começam a criar vida de forma cada vez mais intensiva no
ciberespaço. (KENSKI, 2005).
De fato, esta nova EaD, que nasce dos avanços da distância e da tecnologia, não pode ser
tratada como um modismo. Ela rompe profundamente com a educação presencial, alterando nossa
maneira de perceber e de interagir com o mundo pela forma de pensar, olhar e agir nesta nova
realidade.
Trata-se de um fenômeno social que possibilita a democratização de acesso ao ensino, com a
adoção de novos paradigmas educacionais visando à formação de indivíduos autônomos, críticos para
atuar e intervir no mundo em que vive, quebrando o medo e resistência de posturas irredutíveis
relativa ao uso de tecnologias da informação e comunicação.
Finalmente, a educação a distância vem se tornando uma saída para aqueles que não
encontram tempo para frequentar a universidade diariamente em busca de melhor qualificação
profissional com mecanismos significativos para a capacidade de aprender autônoma e criativamente uma característica da moderna cidadania nos países desenvolvidos, que pode ser eficaz à
universalização da educação formal.
Os resultados do uso da rede e dos trabalhos colaborativos desenvolvidos podem contribuir
beneficamente para a sociedade atual, mas, há que se construir uma formação social, humana e até
jurídica que dê conta das especificidades desse contexto, prevendo e possibilitando uma ética da rede.
30
REFERÊNCIAS
ABRANCHES, S. Modernidade e formação de professores: a prática dos multiplicadores dos NTEs
do Nordeste e a informática na educação. 2003. Tese (Doutorado em Educação), Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2003.
BELLONI, M. L. Educação a distância. Campinas, SP: Editores Associados, 1999.
CARVALHO, M. S. R. M. de. A trajetória da internet no Brasil: do surgimento das redes de
computadores à instituição dos mecanismos de governança. 2006. 259 f. Dissertação (Mestrado –
Engenharia de Sistemas e Computação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Rio de
Janeiro, 2006.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
HIMANEN, P. A ética dos hackers e o espírito da era da informação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
200 p.
KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas, SP: Papirus, 2003. (Série
Prática pedagógica).
_________. Das salas de aula aos ambientes virtuais de aprendizagem. 2005. Disponível em:
<http://www.abed.org.br/congresso2005/por/pdf/030tcc5.pdf>. Acesso em: mar.2009.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre:
Editora Sulina, 2002.
LÈVY, P. Educação e cibercultura. Revista Educação, Subjetividade & Poder, Porto Alegre, 1998.
_________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
SILVA, M. Internet na escola e inclusão. 2004.
pbh.gov.br/smed/capeonline/seminario>. Acesso em: set. 2009.
Disponível
em:
<http://www-
TIJIBOY, A. W. et al. Aprendizagem cooperative em ambientes telemáticos. Informática na Educação:
teoria e prática, Porto, Alegre, v. 1, n. 1, 1998.
Lialda Cavalcanti
Doutoranda em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
[email protected]
Amarílis Valentim
Mestre pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo
[email protected]
Neusa Andrade
Especialista em Internet e Educação
[email protected]
Clayton Messias
Especialista em Educação a Distância
pela Escola Superior Aberta do Brasil
[email protected]
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ÉTICA E A EDUCAÇÃO SÃO PARA TODOS?
Márcia Figueiredo
Ronildo Aparecido Ferreira
Luciana Ferreira Baptista
RESUMO
A Ética e a Educação são para todos? Uma reflexão importante para o mundo contemporâneo. É muito
mais econômico e menos trabalhoso na sociedade atual um único modelo de educação para todos. Será
que é Ético? Será que conseguiremos formar indivíduos críticos? Inovadores? Ou apenas alguns
poderão ter a educação, a informação, o ensino? A ética hacker descreve alguns valores como: a
informação deve ser livre; desconfie das autoridades e promova descentralização, etc. Um retrospecto
da educação.
PALAVRAS-CHAVE: educação, ética, ensino
ETHICS AND EDUCATION FOR EVERYONE?
ABSTRACT
Are Ethics and Education for everyone? An important reflection for the contemporary world. It is
much more economical and less work in today's society a single model of education for all. Is it
Ethical? Will we be able to educate critical individuals? Innovators? Or just a few may have the
education, information, instruction? The ethical hacker describes some values such as: the
information must be free, suspicious the authority and promote decentralization, etc. A retrospect of
education.
KEYWORDS: education, ethics, instruction
INTRODUÇÃO
Antes da escrita o homem primitivo para se comunicar desenvolveu a linguagem visual, ao
pisar sobre o barro, ou limpar a mão suja de sangue sobre uma rocha, ou riscar com um graveto no
chão, o homem descobriu a imagem.
Assim, o homem da caverna utilizando as mãos nas primeiras tentativas de talhar a
pedra, exercia na realidade um prodigioso esforço de abstração, trabalhava
mentalmente, na sua rudeza bronca, mais que o grande sábio moderno, precedido de
toda uma civilização preparatória: a mão fazendo a coisa, graças ao comando de um
espírito ainda obscuro e pesado, ia, por seu lado, permitir o aparecimento da
linguagem e mesmo provocá-lo. (MARTINS, 1998, p. 19).
Começaram a surgir formas de escrita por volta de 3000 a.C., na Mesopotâmia, utilizando
ideogramas e fonemas. No Egito, eram usados papiros e tintas rudimentares para representação de
32
signos na comunicação escrita. Em diversas regiões agrícolas, durante a Antiguidade, para registrar
nomes, objetos e quantidades do que se produzia, foi necessário criar alfabetos e outros sistemas de
símbolos gráficos e notações numéricas, o uso da escrita era relacionado com a contabilidade e o
inventário dos templos. Ao longo dos séculos seguintes, surgiram o alfabeto norte-semítico (Ásia
Ocidental, 1700-1500 a.C.), as escritas cuneiforme (Síria, 1400 a.C.) e aramaica (Oriente-Próximo,
1000 a.C.) e o alfabeto grego (Grécia, 1000-900 a.C.). As inscrições ainda eram feitas sobre cerâmica
e outros materiais, como cera, argila, peles de animais e papiros (DIAS, 1999).
Naquela época surgiram profissionais especializados à produção e interpretação dos registros,
eram os sacerdotes e escrivães, esses eram sempre poucos, e por ser detentores do poder de ler e
escrever, eram privilegiados.
Passaram-se anos e começaram a surgir as primeiras Universidades, a primeira surgiu na Itália,
em Bolonha, norte da Itália, no final do século XI, a Universidade de Paris, na mesma época. Essas
duas universidades deram a largada para o surgimento de inúmeras outras na Europa. Apesar de uma
parte delas ser desvinculada da Igreja, dependiam do aval do clero ou do governo para funcionar.
Dedicavam-se ao ensino das leis, Medicina, Astronomia e Lógica.
No Brasil a primeira Instituição de Ensino Superior foi a Escola de Cirurgia da Bahia, no
século XIX, depois as Faculdades de Direito de São Paulo e Olinda, mas a primeira Universidade com
cursos em várias áreas foi a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920.
O papel, introduzido no mundo ocidental em meados do século XII, difundiu-se na Europa
entre os séculos XIII e XV. Em meados do século XV, Gutenberg inventou a imprensa e a tipografia. A
Bíblia de Gutenberg é considerada a primeira publicação impressa. Passamos da era dos manuscritos
para a era do papel impresso. A comunicação escrita e o modo de transmissão dos textos sofreram
profundas mudanças com a imprensa (DIAS, 1999).
Há quase trezentos anos começaram a surgir novas ideias que pregavam não ser
justo que poucos na sociedade tivessem privilégios hereditários exclusivos (como o
acúmulo de grandes fortunas baseadas na exploração de outras pessoas, o poder
absoluto sobre a vida e a morte), alheios dos outros e acesso privilegiado a todos os
tipos de conhecimento). Essas ideias geraram mudanças no poder econômico e
político na Europa, promovendo a formação dos primeiros Estados nacionais
democráticos. Foram então criadas escolas “públicas” destinadas a oferecer à
população em geral a formação que antes era privilégio das instituições religiosas
(LITTO, 2010).
Foi em 1632 que João Amós Comenio (1592-1670), escreveu a Didática Magna pautada por
ideias ético-religiosas e de caráter revolucionário. Nessa época os textos religiosos estavam escritos
em latim. Segundo as propostas de Comenio, os textos religiosos deveriam ser escritos nas línguas das
diferentes localidades, dessa forma, todos teriam direito a esses escritos, sem a intermediação da Igreja
Católica.
"Ensinar tudo a todos" que sintetizaria os princípios e fundamentos que permitiriam ao homem
colocar-se no mundo como autor, como já dizia Comenio, em sua obra Didática Magna, em 1657.
33
Na obra de Comenio encontramos as bases para a Generalização da escola e acesso de toda
população à mesma. Para o autor, o ensino tem seu fundamento na própria natureza que por ser divina
é perfeita. Partindo do simples para o complexo, cada etapa a seu tempo, necessitando de condições
adequadas para desenvolver-se. Um processo no qual o curso dos estudos é distribuído por anos,
meses, dias e horas. Dessa forma, nos mostra um caminho fácil e seguro para por em prática estas
ideias com bom resultado e sem esforços extremos para o aluno.
Com a Revolução Industrial, final do século XVIII, a escola assumiu papel relevante na vida
em sociedade, as inovações tecnológicas oferecidas proporcionaram maior velocidade ao processo de
transformações da matéria-prima. Novas máquinas automatizadas, geralmente movidas pela
tecnologia do motor a vapor, foram responsáveis por esse tipo de melhoria, surgiram centenas de
fábricas, com máquinas sofisticadas para produção de centenas ou milhares de produtos iguais, e para
operar tais máquinas os trabalhadores precisam aprender a ler, escrever e fazer cálculos.
Durante o século XX, outras novidades trouxeram diferentes aspectos ao capitalismo. O
industriário Henry Ford e o engenheiro Frederick Winslow Taylor incentivaram a criação de métodos
onde o tempo gasto e a eficiência do processo produtivo fossem cada vez mais aperfeiçoados.
Segundo define Antunes:
[...] entendemos o fordismo fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e
o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos
constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de
montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e
movimentos pelo cronômetro fordista e produção em série taylorista; pela existência
do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções. (ANTUNES, 1995).
As escolas também passaram a ter estruturas semelhantes às das fábricas, produzindo, todo
ano, milhões de alunos que, além de estudarem nos mesmos livros (com idênticos conteúdos), eram
avaliados por meio de provas padronizadas (de forma similar aos automóveis produzidos nas “linhas
de montagem”). Era, ao mesmo tempo, uma resposta à exigência do pensamento democrático de dar
uma preparação formal para a vida econômica para todos os cidadãos e uma solução para o
fornecimento de mão-de-obra para a sociedade organizada em torno da produção industrial de bens
materiais (LITTO, 2010)
A partir do século XIX, muitos foram os avanços tecnológicos no ramo da eletricidade. Vários
inventos começaram a influenciar a forma de comunicação da sociedade. Em 1837, o alfabeto foi
digitalizado no código Morse e, nos anos subseqüentes, ainda no século XIX, foram inventados o
daguerreótipo, o telégrafo, a máquina de escrever, o fonógrafo, o telefone e o rádio. Em 1890, nasceu a
mecanografia, com o cartão perfurado de Hermann Hollerith.
No início do século XX, surgiram outros dispositivos relacionados, de alguma maneira, com a
comunicação: o cinema falado, a televisão, o gravador, a caneta esferográfica, a fotocopiadora e os
primeiros computadores. Com essa evolução apareceram também novos suportes: fotossensíveis
34
(filme, microfilme, fotografia e microficha), mecânicos (disco de vinil) e magnéticos (filme polímero
recoberto por óxido de ferro ou cromo).
Foi na Segunda Guerra Mundial que realmente nasceram os computadores atuais. A Marinha
americana, em conjunto com a Universidade de Harvard, desenvolveu o computador Harvard Mark I,
projetado pelo professor Howard Aiken, com base no calculador analítico de Babbage. O Mark I
ocupava 120m³ aproximadamente, conseguindo multiplicar dois números de dez dígitos em três
segundos.
Simultaneamente, e em segredo, o Exército Americano desenvolvia um projeto semelhante,
chefiado pelos engenheiros J. Presper Eckert e John Mauchy, cujo resultado foi o primeiro computador
a válvulas, o Electronic Numeric Integrator and Calculator (ENIAC), capaz de fazer quinhentas
multiplicações por segundo. Tendo sido projetado para calcular trajetórias balísticas, o ENIAC foi
mantido em segredo pelo governo americano até o final da guerra, quando foi anunciado ao mundo.
Na sociedade do conhecimento, os indivíduos são fundamentais. Druker (1997) alerta que o
conhecimento moeda desta nova era não é impessoal como o dinheiro: "Conhecimento não reside em
um livro, em um banco de dados, em um programa de software: estes contêm informações”. O
conhecimento está sempre incorporado por uma pessoa, é transportado por uma pessoa, é criado,
ampliado ou aperfeiçoado por uma pessoa, é aplicado, ensinado e transmitido por uma pessoa e é
usado, bem ou mal, por uma pessoa. Para ele, a sociedade do conhecimento coloca a pessoa no centro,
e isso levanta desafios e questões a respeito de como preparar a pessoa para atuar neste novo contexto.
Como em sociedade, seja real ou virtual, é formada por pessoas que possuem em seus aspectos
mais íntimos ideais, crenças, medos, fantasias e que agora estão representados através de palavras,
imagens e sons. As fronteiras geográficas se desfazem e novas mascaras surgem. Através de uma
ilusão de anonimato, as pessoas se transformam. Papeis podem inverter-se facilmente com num passe
de mágica, bandidos podem posar de mocinho, extrovertidos podem mostra-se tímidos. Neste mundo
virtual encontra-se o Hacker, um dos personagens mais incompreendido, procurando pela lei, amado e
odiado pela sociedade real.
Em Della Valle e Ulbrich (2004), encontramos a palavra Hacker sendo usada para definir os
carpinteiros que fabricavam móveis usando machados. Já na década de 40 e 50, passou a ser usada
para categorizar alguns tipos de profissionais como mecânicos, eletrônicos e radioamadores,
popularizando-se como sinônimo de especialista em computadores na década de 60, principalmente
entre os pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Em plena guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, a criação da Advanced Research
Projects Agency (ARPA) pelo governo americano, deu inicio a uma série de pesquisas que acabou
criando tudo que conhecemos sobre informática. Separada da rede militar, a ARPANET interligou
inicialmente as universidades permitindo acesso as informação de uma forma rápida e eficiente.
35
Por ser um padrão aberto de rede e estar em construção, varias falhas forma descobertas e
infelizmente exploradas por pessoas, que detinham o conhecimento em informática, para práticas de
pequenos delitos, despertando a atenção da impressa. Della Valle e Ulbrich (2004) acreditam que a má
formação das frases que compunham as notícias acabou por levar o público a assimilar de forma
errônea o significado de Hacker.
Todas as definições encontradas sejam em livros, revistas, jornais, internet ou na mídia
falada/televisiva, descreve hacker como sendo uma pessoa com sólidos conhecimentos em
informática, principalmente no que se referem a Sistemas Operacionais, redes de computadores e
programação. Além disso, a eles são atribuídas as maiorias dos crimes digitais, a construção e
disseminação de vírus, trojans, worms entre outras pragas da informática que preocupam empresas,
governos e cidadão em todo os países.
Hacker, etimologicamente está relacionado à palavra Hack que segundo o dicionário Oxford
Pocket (2001) significa: "hack /haek/ vt, vi 1 ~(at) sth cortar algo aos golpes 2 ~ (into) (sth)
(informática) invadir algo ilegalmente hacking s invasão ilegal de um sistema", portanto, é um
criminoso.
Esta visão que circula no meio social não é compartilhada pelos profissionais em informática.
É importante lembrar que por trás existe uma cultura e um código de ética. Hacker é um termo que
representa pessoas que são extraordinárias no que fazem, verdadeiros entusiastas. O mesmo
entusiasmo também se vê na vida de artistas, escritores, músicos, pilotos ou especialistas na área de
tecnologia. Mas o termo é mais conhecido por pessoas que dominem o uso da informática, sempre em
busca de conhecimentos e desafios, compartilhando suas descobertas e apoiando sua comunidade. Ser
Hacker é uma questão de atitude, resolver problemas e construir, acreditar na liberdade e na ajuda
mútua voluntária.
Podemos dizer que existem três linhagens sobre a cultura hacker, segundo Schulz (2008). Os
amadores, que surgiram na década de 70 juntamente com os primeiros computadores pessoais, e que
conheciam eletrônica se aventuravam em montar esses computadores comprando kits de montagem e
descobrindo proteção de cópias de jogos. Os acadêmicos, inicialmente desenvolviam truques e
pegadinhas, que mais tarde se transformaram em importantes soluções tecnológicas. Essa linhagem
também foi bem destacada, quando o MIT coordenou um projeto para a criação de um computador
compartilhado, onde os estudantes de inteligência artificial se dedicaram horas no laboratório do
projeto ao invés de frequentarem às salas de aula tradicionais. E por fim, os crackers que surgiram
com as linhas telefônicas, criando conexões por meio de comandos que somente as companhias de
telefone deveriam conhecer. Com o desenvolvimento das redes de computadores, as companhias
telefônicas passaram a usar terminais controlados por computadores, assim, essa linhagem migrou
para redes digitais de computadores.
36
Esta diversidade reflete-se também na questão ética, e abrandam comportamentos inaceitáveis
por outros grupos. Esta ética hacker moderna foi escrita por Steve Mizrach, um professor de
antropologia da Universidade da Florida, que resumiu suas descobertas após ler o artigo “Há uma ética
hacker para os hackers pós-anos 90?”:
1 - Acima de tudo, não cause danos
2 - Projetar a privacidade
3 - Não desperdice (os recursos computacionais)
4 - Exceda limitações
5 - O imperativo da comunicação
6 - Não deixe vestígios
7 - Compartilhe!
8 - Combata a tirania cibernética
9 - Confie, mas teste.
De modo geral, as informações veiculadas sobre os hackers buscam associá-los a gênios
criminosos da área de informática, normalmente jovens que utilizam seus conhecimentos em
tecnologia computacional para beneficiarem-se com prejuízos para outras pessoas, empresas e
organizações. Essa associação a criminosos é criticada pelos próprios hackers que criaram o termo
cracker para referir-se aos criminosos digitais. Para Medeiros (2002), a palavra cracker surgiu em
1985 com a nítida intenção de separar as ações de hacking e cracking. Cracker vem do verbo inglês to
crack (quebrar) e o verbo to hack vem associado à palavra cortar/entalhar originado a palavra hacker,
sendo associada ao ato de modificar ou criar algo novo. Desta forma, “ser hacker não significa apenas
possuir habilidade técnica surpreendente, significa também resolver problemas com criatividade e
paixão”.
Esta não é apenas uma questão semântica, hackers e crackers são personagens de um mundo
virtual que a cada dia encontra-se mais presente na sociedade real, que segundo Pierre Lévy (1999),
“especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse
universo”.
Segundo Himanen (2001), os hackers são “representantes de um espírito completamente novo,
cujo significado apenas começamos a compreender”, é aquele entusiasta em qualquer tipo de trabalho,
aquele que realiza seu trabalho com paixão, habilidade e cuidado artesanal.
A ética hacker tradicional baseia-se em Steven Levy (1984), que descreve alguns valores
éticos para caracterizar as similaridades das culturas hacker que são seguidos até hoje:
1 - A informação deve ser livre;
2 - Desconfie das autoridades e promova descentralização;
3 - Julgue as pessoas pelo que elas criam e não por suas credenciais;
37
4 - O acesso aos computadores deve ser ilimitado;
5 - As pessoas podem criar arte e beleza com os computadores;
6 - Os computadores podem mudar a vida e o mundo para melhor.
O primeiro valor citado por Levy tem revolucionado a maneira como se faz negócios no
mundo. Defensores como Richard Stallman e Linus Torvalds, que partiram da premissa que toda
informação deve ser livre, produziu um dos mais bem sucedidos softwares no mundo o GNU/Linux.
Na educação, o elemento básico também é a informação que hoje, graças a tecnologia está disponível
a qualquer um, fazendo com que o educador deixe de ser a única fonte. Além de livre, a informação
tem que ser contextualizada para se transforme em conhecimento. Para Paulo Freire (citado por
TORRES, 1997), “o conhecimento é uma construção social, constitui um processo de produção
discursiva e não um mero produto final resultante do acúmulo de informações ou de fatos”.
Ter informações livres, não é suficiente para garantir uma boa educação, é necessário garantir
o acesso irrestrito a todas as classes sociais. Satisfeita esta condição, é necessário capacitar às pessoas
nestas tecnologias a fim de que possam usufruir das informações disponíveis na rede mundial. Desta
forma, serão integrados novos conhecimentos, novas culturas, ideais, crenças e desejos. Como
elemento transformador, a educação deve proporcionar às pessoas condições para enfrentarem os
desafios do mundo virtual.
Para Delors (2000), "face aos múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo
indispensável à humanidade na construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social”. Para
ele, só a educação conduzirá "a um desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de
modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as guerras..."
Com base nesta visão, a Unesco, por meio de sua Comissão Internacional sobre a Educação
para o século XXI, presidida por Jacques Delors (2000), estabelece os quatro pilares de um novo tipo
de educação com enfoque em aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender
a ser.
Aprender a viver junto é considerado uns dos pilares mais importantes do processo educativo
desses novos tempos. Ressalta a interdependência do mundo moderno e a importância das relações.
Tudo está interligado e tudo que acontece afetará a todos de uma forma ou de outra. O que o mundo
precisa mais é de compreensão mútua, intercâmbios pacíficos e harmonia.
Trata-se de aprender a viver conjuntamente, desenvolvendo o conhecimento dos
outros, de sua história, de suas tradições e de sua espiritualidade. E, a partir disso,
criar um espírito novo que, graças precisamente a essa percepção de nossas
interdependências crescentes e a uma análise partilhada dos riscos e desafios do
futuro, promova a realização de projetos comuns, ou melhor, uma gestão inteligente
e apaziguadora dos inevitáveis conflitos [....]. (DELORS, 2000).
Aprender a conhecer é um pilar que tem como pano de fundo o prazer de compreender, de
conhecer e de descobrir. Aprender para conhecer supõe aprender para aprender, exercitando a atenção,
a memória e o pensamento. Uma das tarefas mais importantes no processo educacional, hoje, é ensinar
38
como chegar à informação. Parte da consciência de que é impossível estudar tudo, de que o
conhecimento não cessa de progredir e se acumular. Então o mais importante é saber conhecer os
meios para se chegar até ele.
Aprender a fazer significa que a educação não pode aceitar a imposição de opção entre a teoria
e a técnica, o saber e o fazer. A educação para o novo século tem a obrigação de associar a técnica com
a aplicação de conhecimentos teóricos.
Aprender a ser é um pilar que foi preconizado pelo Relatório Edgard Faure, preparado para a
Unesco, na década de 70. O mundo atual exige de cada pessoa uma grande capacidade de autonomia e
uma postura ética. Considera-se que os atos e as responsabilidades pessoais interferem no destino
coletivo. Refere-se ao desenvolvimento dos talentos do ser humano: memória, raciocínio, imaginação,
capacidades físicas, sentido estético, facilidade de comunicação com os outros, carisma natural etc.
Confirma a necessidade de "cada um se conhecer e se compreender melhor".
A Unesco solicitou a Edgar Morin, filósofo francês, que expusesse a visão transdisciplinar da
educação do amanhã, bem como as novas tendências nesta área.
Dessa reflexão, Morin (2000) elaborou o livro denominado Os sete saberes necessários à
educação do futuro, os quais são enunciados da seguinte forma:
a) As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;
b) Os princípios do conhecimento pertinente;
c) Ensinar a condição humana;
d) Ensinar a identidade terrena;
e) Enfrentar as incertezas;
f) Ensinar a compreensão;
g) A ética do gênero humano.
Morin (2000) levanta a questão da "ética do gênero humano". A educação do futuro deve
conduzir à "antropoética". A ética, neste sentido, para Morin, tem três dimensões: uma do indivíduo,
uma social e outra da espécie. Estas três dimensões estão inter-relacionadas e deveriam ser vistas de
maneira integrada. A antropoética supõe a decisão consciente de "assumir a condição humana
indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do nosso ser; alcançar a humanidade em nós mesmos
em nossa consciência pessoal e assumir o destino humano em suas antinomias e plenitude". A
antropoética pressupõe "trabalhar para a humanização da humanidade; efetuar a dupla pilotagem do
planeta: obedecer à vida, guiar a vida; alcançar a unidade planetária na diversidade; respeitar no outro,
ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo; desenvolver a ética da solidariedade;
desenvolver a ética da compreensão; ensinar a ética do gênero humano".
REFERÊNCIAS
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mundo do trabalho. Campinas: Cortez, 1995.
39
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TORRES, Carlos Alberto. Pedagogia da luta: da pedagogia do oprimido à escola pública
popular. Campinas: Papirus, 1997.
Marcia Figueiredo
Bacharel em Matemática
Mestre em Enfermagem Fundamental
pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo
Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
[email protected]
Ronildo Aparecido Ferreira
Bacharel em Análise de Sistemas
Especialista em Formação Docente para Atuação em Educação a Distância
pela Escola Superior Aberta do Brasil
[email protected]
Luciana Ferreira Baptista
Bacharel em Análise de Sistemas
Mestre em Engenharia de Produção em Sistemas de Informação
pela Universidade Metodista de Piracicaba
[email protected]
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A COLABORAÇÃO NO AMBIENTE EDUCATIVO FACE AS NOVAS
TECNOLOGIAS E A ÉTICA HACKER
Sergio Varga
Elizabeth Veronica V. Diaz
RESUMO
O surgimento das novas tecnologias leva a necessidade dos educadores de entenderem os
benefícios que elas podem trazer na melhoria do processo educacional. Novas ferramentas
que permitem uma colaboração mais ativa entre professores e alunos e características
advindas dos preceitos éticos dos hackers permitem uma melhoria no processo de
aprendizagem. O conhecimento construído através da interação é explicado através de
algumas teorias como a Teoria da Atividade. Essa teoria procura entender a relação de
benefício que a tecnologia traz para a educação. Mas a tecnologia não é o fator único que irá
trazer benefícios nesse processo. Outros fatores pessoais e comportamentais, como os
praticados pelos hackers, e o atendimento de algumas necessidades básicas também devem ser
considerados.
PALAVRAS-CHAVE: colaboração, ética hacker, educação, tecnologia
COLLABORATION IN ENVIRONMENTAL EDUCATION FACING NEW
TECHNOLOGIES AND ETHICAL HACKER
ABSTRACT
The emergence of new technologies takes the need for educators to understand the benefits they can
bring in improving the educational process. New tools that allow a more active collaboration between
teachers and students and behaviors that come from the ethical hackers can considerably enhance the
learning process. The knowledge built through interaction is explained by some theories such as the
“Activity Theory”. This theory tries to understand the beneficial relationship that technology brings to
education. But technology is not the only factor that will bring benefits in the process. Other personal
and behavioral factors, such as those committed by hackers, and the achievement of some basic needs
must also be considered.
KEYWORDS: collaboration, hacker ethic, education, technology
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INTRODUÇÃO
Aprender com os meios interativos que as novas tecnologias proporcionam tem se tornado
quase uma exigência em nosso meio sócio-cultural, colocando o professor frente a várias dificuldades,
relacionadas com o processo ensino aprendizagem, através do compartilhamento de idéias e
conhecimento por meio da interatividade, seja com as ferramentas computacionais, ou seja, com outras
pessoas. Quando falamos de interatividade pensamos em uma comunicação bidirecional, que funciona
em dois sentidos, o receptor reage às ações de outra pessoa, mudanças muito importantes na
comunicação que coloca a educação frente a um desafio.
O conhecimento que segundo Freire (1996) vai sendo construido ao longo de uma história, de
um tempo, de uma cultura, gera um novo conhecimento que supera o anterior, que vira velho. Esse
conhecimento não pode ser transferido porque isso não é ensinar, ensinar é criar possibilidades para
construção do conhecimento, é uma postura exigente, cansativa, ás vezes penosa, mas prazerosa para
quem gosta do que faz como por exemplo no caso dos hackers que programam porque os desafios da
programação são interessantes.
Para Freire (1996), o verdadeiro ensino aprendizagem evita os simplismos, não vista como um
bico, mas como uma competência geral, o que a chamou de ética universal do docente, indispensável
para o professor, encorajando-os a trabalhar com o “espírito hacker”.
Com as novas tecnologias as informações são difundidas mais rapidamente e as possibilidades
de criar conhecimento crescem exponencialmente, sendo o papel da educação mais complexa. Daniel
(2003) sugere um tipo de aprendizagem que resulte da combinação de duas atividades: a independente
e a interativa, ressaltando que a maioria dos estudantes tem sucesso com as atividades interativas, o
que na visão de Vygotsky (2001) seria o que o aluno não pode fazer sozinho e faz em colaboração com
outra pessoa mais experiente.
A ÉTICA HACKER
A ética hacker é baseada em três pilares básicos: colaboração, conhecimento e liberdade.
Através desses conceitos básicos foi possivel o desenvolvimento do sistema operacional Linux e da
formação inicial da Internet no modelo que vemos atualmente.
Essa ética segundo afirma Himanem (2001) difere da ética protestante centrada no trabalho e
foca mais nos pilares básicos. O hacker é acima de tudo um apaixonado pelo que faz, motivado pela
atividade entretenida, fonte de sua inspiração. Trabalha com paixão e seriedade, procura a liberdade e
o reconhecimento social (reconhecimento pela sociedade e colegas) acima dos valores materiais. É
um pessoa ativa e criativa que procura através da colaboração um ideal de mundo mais justo para
todos.
Segundo Maslow (1970), existem necessidades básicas que os seres humanos precisam ter
atendidas para passar para outro grupo de necessidades. As necessidades fisiológicas e de segurança
são as primeiras preocupações das pessoas. Os pilares básicos dos hackers se concentram nas outras
42
necessidades definidas por Maslow (1970) como as sociais (sociabilidade e cooperação), estima
(reconhecimento) e auto-realização (criatividade).
AS NOVAS TECNOLOGIAS
Ao se falar de novas tecnologias estamos falando necessariamente das tecnologias de
informação e comunicação surgidas principalmente a partir de meados da década de 90, como a
Internet, as cameras de vídeo, os DVDs, os CDs, a telefonia móvel, a TV por assinatura, a Web 2.0.
Essas tecnologias permitem que o acesso a informação seja muito mais rápido e que não exista mais a
fronteira física, ou seja, uma informação divulgada através da Internet em uma localidade qualquer,
pode, instantaneamente, ser acessada pelo mundo inteiro.
Conforme afirmam Cobo Romaní e Pardo Kuklinski (2007), a utilização da Web 2.0 tem como
principal vantagem a oportunidade gerar conteúdos disponibilizando-os facilmente e permitir a
colaboração entre os indivíduos. Isso se deve ao enorme número de ferramentas que atualmente
existem e que são de fácil utilização, como blogs e wikis. Isso permite uma nova maneira de aprender:
aprender através da colaboração.
Com essas novas tecnologias abrem-se novas oportunidades de promover a educação. Já
temos visto as vídeo-aulas transmitidas pela televisão e mais recentemente o ensino a distância com
aulas mediadas remotamente por tutores. Outras formas de uso de tecnologia para auxiliar no processo
educacional já estão sendo avaliadas, como a utilização da TV digital (t-learning) e o uso de celulares
(m-learning).
NAVEGANDO E APRENDENDO: PARCERIA PARA UMA BOA ATIVIDADE
A palavra navegar nos faz pensar em tempos atuais, não a escola tradicional, mas naqueles
textos interativos, leituras hipertextuais, ferramentas digitais que ajudam a transformar as informações
em conhecimentos, nesse sentido auxiliam na construção do conhecimento. Os estudantes ajudados
por essas ferramentas se juntam para resolver tarefas, dúvidas, envolvendo todos eles num processo
dinâmico, professores e alunos compartilham ideias a partir de atividades colaborativas orientadas a
atingir um objetivo.
Existem algumas teorias que tentam explicar o processo de ensino aprendizagem, conhecidas
como teorias de aprendizagem que reconhecem a dinâmica envolvida nos processos de ensinar e
aprender. Neste trabalho consideraremos a abordagem histórico-social, onde os sujeitos são
transformadores e geradores de novos saberes, o conhecimento é construído por meio da interação
com outros sujeitos e com o meio onde está inserido. Barros e Gallego Gil (2008, p. 102) afirmam que
“para estabelecer relações entre a aprendizagem e seus novos entornos tecnológicos é preciso ter como
princípio as afirmações das teorias de ensino e aprendizagem e desenvolvimento humano...”.
A abordagem pedagógica histórico-social prioriza as atividades que o sujeito estabelece com o
outro e com seu entorno. A partir desses estudos foi formulada uma nova teoria, com ênfase nas
43
ferramentas (estas entendidas no sentido de instrumentos, signos, idioma, etc.), a Teoria da Atividade
(TA). Essa teoria procura entender as inovações tecnológicas que o computador trouxe para a
educação, a relação entre tecnologia e mudança educacional a partir do processo de evolução cultural
no qual ferramentas mediam a atividade humana. A teoria demonstra que há uma relação muito direta
dessas inovações com a educação, do ponto de vista de seu relacionamento social (BELLAMY, 1996).
A atividade humana é mediada por diferentes ferramentas concretas, como no caso do computador, da
Internet, do TelEduc, do Moodle, entre outras, e abstratas, como as linguagens que oferecem esses
programas, os conteúdos disponibilizados, até a linguagem própria de cada pessoa, chamadas pela
Teoria da Atividade de ferramentas culturais porque são entes portadores de conhecimento cultural e
experiência social, construídos nas relações entre os homens, como conseqüência do saber pensar de
cada indivíduo.
As novas tecnologias consideradas como ferramentas digitais, construídas pelo homem ao
longo da história num processo de interação, são consideradas -homem e ferramentas- como
mediadoras do processo de construção do conhecimento. Para isso acontecer deve se considerar um
conjunto de interações.
A ferramenta media a atividade e, portanto, conecta o homem não apenas com o
mundo dos objetos, mas também com outras pessoas. Por causa disso, a atividade
humana assimila a experiência da humanidade. Isto significa que os processos
mentais humanos (suas “funções psicológicas superiores”) assumem uma estrutura
necessariamente ligada aos meios sociais historicamente formados, e aos métodos
transmitidos para eles pelos outros, no processo de trabalho cooperativo e na
interação social. (LEONTIEV, 1981, p. 56).
Entendemos a atividade como a interação do sujeito com o meio exterior, essas atividades são
ações individuais ou coletivas importantes no processo de desenvolvimento cognitivo dos sujeitos.
Oliveira (1995) afirma que Vygotsky não define o termo colaboração, mas refere-se a ela como uma
atividade conjunta, um processo que se dá entre pares, no qual os parceiros trabalham em conjunto
para que se produza algo que não são capazes de produzir sozinhos.
De acordo com Merriam-Webster (2010), colaboração significa trabalhar junto com outros em
uma atividade. Carvalho (1994) a define como trabalhar, produzir ou desenvolver atividades tendo em
vista um determinado fim. A colaboração é geralmente uma atividade centrada no indivíduo, com
relacionamentos informais e sem objetivo de competição. Ela difere da cooperação, esta que tem por
objetivo a conclusão de uma tarefa, com uma autoridade controlando as atividades e hierarquicamente
definidas.
A Internet disponibiliza as informações e o professor como grande aprendiz, aberto a
apreender com a realidade dos alunos e não como o dono das verdades absolutas, provoca no aluno a
crescente curiosidade por conhecer na medida em que vão se transformando em sujeitos reais da
construção e reconstrução do saber ensinado, junto com o professor (FREIRE, 1996). Por tanto o
44
aluno não está sozinho, é um ente social, que aprende não só a partir da ação com a realidade, mas nas
interações com os outros, tendo como ponto de partida uma atividade a ser feita em colaboração.
Os alunos não só agem através das ferramentas como também pensam e aprendem com as
ferramentas, num primeiro momento com ferramentas concretas, e num segundo momento com
ferramentas simbólicas. Essas ferramentas, também chamadas de meios interativos, ambientes virtuais
de aprendizagens, novas tecnologias, entre outros, mudaram do texto para o hipertexto, entendida por
Barros et al. (2008) como a grande mudança, a “digitalização da informação”. A informação é vista
pelos autores como um dos elementos que caracteriza o espaço virtual, e enfatizam a forma de
processar as informações, de modo que possam gerar aprendizagens.
Esses ambientes agora são construídos com a finalidade de dar suporte à aprendizagem
individual e coletiva, como forma de ajudar a transformar as informações em aprendizagens,
utilizando como fluido principal a interatividade, base potencial para as aprendizagens. O fluido faz
com que as informações trafeguem de um para outro de forma colaborativa, ficando cada um com uma
parcela, “a aprendizagem”, sendo esta o resultado da relação sujeito/objeto, que o próprio sujeito
constrói através da ação, na medida em que interagem. Portanto as interações dos alunos com o
mundo exterior não são diretas, são mediadas, entendendo a mediação como a intervenção de alguém,
concreto ou simbólico.
Para Lévy (1996), o processo de interação entre sujeito e objeto por meio das tecnologias
interativas se dá a partir de dois momentos. Primeiramente, o sujeito tem uma função mental definida
– informação em processo - que num segundo momento passa a ser objetiva e externalizada através da
tela do computador, pronta para ser compartilhada com outros, ressaltando que a externalização é
efetiva quando o aluno reelabora suas idéias quando escritas no computador adquirindo desta forma
novos conhecimentos.
Em relação à aprendizagem com os meios interativos, a Teoria da Atividade destaca que,
mesmo quando estivermos trabalhando a sós as atividades são sociais porque o estudante sempre entra
em contato com a história, valores e relações sociais de outras comunidades. É como se o estudante
estivesse em um senso profundo de uma atividade coletiva, como introduzido nas ferramentas
culturais compartilhadas usadas por aquela comunidade ou comunidades, trabalhando em conjunto
para produzir algo que nenhum deles poderia produzir sozinho.
Enxergamos essas atividades como se fosse um enorme quebra cabeças, com peças
interdependentes que de forma lógica e organizada vamos montando, seguindo sempre os caminhos da
comunicação e as informações significativas a partir da mediação que o professor ou outra pessoa
possa realizar para atingir os objetivos propostos. Cabe ao professor, como mediador, dar os
parâmetros, os caminhos a seguir, rever as metodologias “quadradas’ dentro das quatro paredes da
sala de aula, a partir de uma nova forma de aprendizagem que prevê interações com grupos de
discussão fora da sala de aula, deixando aos alunos irem além das atividades propostas. Educar,
conforme Freire (1996), é construir conhecimento, essa é a verdadeira aprendizagem.
45
A interação envolve, portanto, atividades realizadas pelo aluno mediadas por outro e pela
tecnologia, estas interações tem um papel importante no processo de aprendizagem, é uma fonte de
desenvolvimento que ativa numerosos processos no indivíduo que não ocorrem nunca num indivíduo
isolado, mas em colaboração com outros, segundo Oliveira (2002, p. 58):
Embora, processos de aprendizagem ocorram constantemente na relação do
indivíduo com o meio, quando existe a intervenção deliberada de um outro social
nesse processo, o ensino e aprendizagem passam a fazer parte de um todo,
indissociável, envolvendo quem ensina, quem aprende e a relação entre essas
pessoas.
Do mesmo modo, para Lévy (1998) o saber começa nas relações humanas, na experiência com
o outro, ninguém pode saber tudo, porque mesmo que o outro passe tudo o que sabe este não poderia
aprender tudo o que foi passado. Ele considera ainda que as interações com o outro, ou com as
ferramentas constituem um processo onde as pessoas aprendem a desenvolver suas competências.
Olhando para as informações como saberes “intotalizáveis”.
Os estudos de Echenita e Martin (1995, p. 35) ressaltam a importância da aprendizagem
colaborativa entre pares como forma de potencializar os processos interativos do estudante, ao
afirmarem “A interação constrói o núcleo da atividade, já que o conhecimento é gerado, construído, ou
melhor, co-construido conjuntamente, exatamente porque se produz interação entre duas ou mais
pessoas que participam dele”.
Os ambientes de aprendizagem têm um indicador principal, que fazem deles uns excelentes
parceiros para a construção do conhecimento, carregam já desde sua origem uma marca de tecnologia
desenvolvida para o trabalho em colaboração, evoluíram pensando na interação que estes poderiam
proporcionar ao estudante, com muitas e diferentes interfaces amigáveis baseados nas teorias que
seguem os parâmetros construtivistas. Harasin (1995) afirma que “as estruturas encontradas nos meios
eletrônicos de interação são principalmente apropriadas para trabalhar em grupo, enfatizando a
aprendizagem colaborativa”.
CONCLUSÃO
Constantemente novas tecnologias surgem e é atividade dos educadores entenderem e a
utilizarem como ferramenta no processo educativo.
Os avanços da tecnologia servem-se não apenas de novas tecnologias como também de
novas formas de ensino aprendizagem, centrada na associação educador-educando, desenvolvendo
um processo de aprendizagem colaborativa em busca da produção de conhecimento.
São responsabilidades dos educadores promoverem essa associação tecnologia-educação
com o objetivo de melhorar o processo de aprendizagem. Através da ética hacker aplicada,
entendida como um desafio social e não como um trabalho forçado, é possivel melhorar a maneira
de ensinar e promover o aprendizado no ambiente educacional.
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A capacitação e preparação dos professores é fundamental para que eles possam utilizar as
novas tecnologias de uma maneira independente, sem o auxilio de profissionais específicos, e com
a liberdade de horários que possam escolher. Isso força a geração de novas ferramentas que
facilitem essa preparação, como exemplo a Web 2.0 com ferramentas e aplicações específicas para
facilitar a utlização da Internet.
Segundo Pretto (2010), é necessária uma política específica para apoiar e financiar a
produção de conteúdo através da colaboração entre professores conectados em rede, para realizar
uma atividade interessante e lúdica como fala Linus (HIMANEM, 2001). As escolas já estão sendo
equipadas através do programa Proinfo do governo federal. Casos isolados de utilização de
tecnologia nas escolas através da colaboração vão aparecendo na mídia, mas faltam mais condições
(principalmente as fisiológicas e de segurança) aos professores para que estes possam usurfluir toda
a capacidade que a tecnologia pode ajudar no processo de aprendizagem.
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VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Sergio Varga
Mestre em Tecnologia pela CEFET/R
Área de Pesquisa: Novas Tecnologias Aplicadas na Educação
[email protected]
Elizabeth Veronica V. Diaz
Mestre em Educação pela Unicamp
Área de Pesquisa: Novas Tecnologias Aplicadas na Educação.
[email protected]
48
AUTORIA NA WEB 2.0 NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO E A ÉTICA
DOS HACKERS1
Marcia Izabel Fugisawa Souza
Sergio Ferreira do Amaral
Luciana Oliveira Silva
Izabel Cristina Araújo
RESUMO
Este artigo discute a importância do exercício da autoria em ambiente virtual da Web 2.0, considerando
que se trata de fundamento essencial à aprendizagem, no professor e no aluno. Autoria na Web 2.0 é
apresentada como estratégia pedagógica para ambientes de aprendizagem virtuais, que se utilizam
principalmente de ferramentas como blog, wiki e redes sociais. Embora não sejam determinantes essas,
tecnologias digitais são condicionantes para que a aprendizagem e a autoria ocorram. Autoria na Web
2.0, além do estabelecimento de novos aparatos tecnológicos, requer novos modos de produção, nos
quais prevaleça a postura ética dos hackers, favorecendo a participação, a colaboração, a liberdade e o
compartilhamento.
PALAVRAS-CHAVE: autoria, colaboração, ética dos hackers, Web 2.0
AUTHORING ON THE WEB 2.0: EDUCATIONAL VIEW AND HACKER
ETHIC
ABSTRACT
This article discusses the importance of the exercise of virtual environment authoring of Web 2.0,
considering that this is the essential foundation learning in teacher and student. Authoring on Web 2.0
is presented as a pedagogical strategy for virtual learning environments, which mainly use tools like
blog, wiki and social networking. Although these digital technologies conditions are not determining
to occur for learning and authorship. Web 2.0 authoring, besides the establishment of new
technological devices, requires new modes of production, in which prevails the ethical conduct of
hackers, encouraging participation, collaboration, freedom and sharing.
KEYWORDS: authoring, collaboration, hacker ethic, Web 2.0
Parte-se de uma abordagem sucinta sobre três grandes fases de desenvolvimento tecnológico
da humanidade, formuladas por Lemos (2010) e analisadas por Primo (2008), com o intuito de
1
Artigo publicado na revista ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 12, n. esp., p. 154-173, mar. 2011.
49
demarcar os principais episódios relacionados à atividade de autoria, da antiguidade até os dias atuais.
Autoria na Web 2.0, inserida na fase pós-moderna ou cibercultura, é aqui apresentada como estratégia
pedagógica para ambientes escolares virtuais, sobretudo, para que alunos e professores coloquem-na
em prática e testem sua eficácia como didática capaz de contribuir para a formação de cidadãos
conscientes, éticos, partícipes e autônomos. Aspectos da ética dos hackers são tomados para amparar a
necessidade de se estabelecer modos de produção mais solidários e comprometidos com a educação e,
sobretudo, com a aprendizagem em ambientes colaborativos.
Contudo, esboça-se a ideia de que os novos modos de produção da sociedade do conhecimento
necessitem ser analisados em outro contexto que não apenas sob os princípios da ética dos hackers, ou
seja, enquanto categoria do trabalho imaterial, fundamentado na noção original marxista do trabalho,
como propõe Demo (2006, p. 5). Este autor argumenta que as razões marxistas precisam ser revistas,
visto não ser o trabalho capitalista a única atividade que produz valor. Nesse sentido, toda atividade
humana que gera algum valor, não apenas monetário, mercantil, mas vital, material ou imaterial, é
considerada trabalho.
Não faz parte do escopo deste artigo aprofundar a discussão acerca da relação trabalho e
capital, mas tão somente levantar alguns enunciados que sinalizem para a necessidade de busca de
outros entendimentos sobre como as atividades praticadas na Web 2.0 espelham novos modos de
produção típicos da sociedade do conhecimento, ainda que capitalistas.
FASES DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
O tema autoria é abordado inicialmente, de forma breve, a partir da discussão elaborada por
Primo (2008), em torno da proposta de tipificação do desenvolvimento tecnológico em três fases,
defendida por Lemos (2010), a saber: fase da indiferença (até Idade Média); fase do conforto
(corresponde à modernidade); fase da ubiquidade (ou pós-modernidade). Dessa tipificação, Primo
(2008) analisa como se configura nas três fases: o conhecimento; a autoria; a educação; a economia; os
processos midiáticos e as características da web nas fases do conforto e da ubiquidade; e as metáforas
explicativas de cada fase. As conclusões dessa análise estão sintetizadas na forma de um mapa mental,
mostrado na Figura 1.
Deste conjunto de categorias analisadas por Primo (2008) e Lemos (2010) somente os
aspectos inerentes a conhecimento e autoria serão tomados para discussão neste capítulo.
A fase da indiferença, de acordo com Lemos (2002, p. 52, citado por PRIMO, 2008, p. 52) tem
como característica principal a “mistura entre arte, religião, ciência e mito”. Céu, cruz e totem são
metáforas que ilustram a supremacia das forças do além. Trevas é uma metáfora “utilizada pelo
Iluminismo para criticar o obscurantismo medieval”, enquanto espada simboliza o “poder da nobreza,
da hegemonia da força bruta, do heroísmo”.
O conhecimento é um dom concedido por Deus. O conhecer, e seus desdobramentos
no agir, também deriva do peso da tradição. [...] O saber herdado, retransmitido ad
50
infinitum, justifica-se em si mesmo, tendo sido determinado por Deus (ou deuses).
Mesmo que essas narrativas sofram modificações com o tempo, que outras novas
sejam ‘reveladas’ por pessoas autorizadas a ouvir a voz divina, elas visam dar
sentido ao desconhecido, criam uma moral e suas punições informam a vida
(PRIMO, 2008, p. 54).
O que dizer, então, da concepção de autoria numa época em que o saber era considerado uma
inspiração divina? De acordo com Chartier (1998, p. 31, citado por PRIMO, 2008, p. 54), até a época
moderna, os textos raramente eram acompanhados do nome do autor, enquanto a reprodução dos
escritos era feita manualmente pelos escribas.
A fase do conforto, ou ainda da modernidade, é representada pelo controle, transformação e
dessacralização da natureza e pelo racionalismo. Luzes, relógio e escada são metáforas desta fase. O
conhecimento na modernidade, influenciado pela obra de Descartes, “é um processo que deve ser
desenvolvido a partir da dúvida eterna”, descreve Primo (2008, p. 57), para em seguida complementar:
Se até então a tradição não deveria ser desafiada, a partir de agora a verdade deve ser
buscada desde a análise sistemática e metódica dos fenômenos. A partir do século
XVII, aparece a figura do pesquisador profissional e organiza-se a ideia de pesquisa.
[...] Ciência e progresso vinculam-se. Antes, as determinações da natureza deveriam
ser obedecidas. A eventual cólera da natureza só poderia ser explicada pela vontade
e insatisfação das forças do além. O homem moderno, por sua vez, passa a estudar a
natureza com o fim de dominá-la.
De acordo com Antonio (1998), é na modernidade que a “noção de autor constitui o momento
forte da individualização na história das ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da
filosofia também, e na das ciências” (FOUCAULT, 1992, citado por ANTONIO, 1998, p. 189). Na
discussão elaborada por Primo (2008, p. 59) a autoria é analisada
[...] tendo em vista a emergência de novos paradigmas sobre o saber, a noção de
autoria se transforma profundamente na modernidade. A inclusão do nome do autor
em uma obra particular passa a indicar, conforme aponta Foucault (1992), que aquilo
não se trata de um discurso qualquer, cotidiano e passageiro, mas de um discurso
que precisa ser abordado de uma dada maneira, dentro de certa cultura.
A autoria enquanto propriedade surgiu como forma de apropriação penal antes do
desenvolvimento industrial e dos processos de criação, circulação e controle de mercadorias criativas.
Entretanto, a partir do século XIX, a autoria surge vinculada a interesses econômicos, quando “o autor
se converte em um produtor para o mercado” (BEIGUELMAN, 1997, citado por ANTONIO, 1998, p.
189).
O direito de autor tem sua origem nessa lógica de mercado, na qual a autoria surge envolta nas
amarras de um ordenamento jurídico capaz de regular os interesses e conflitos econômicos
dominantes, sob a alegação de proteger o processo criativo. Para Foucault (1992, citado por
ANTONIO, 1998, p. 189),
[...] os textos, os livros, os discursos começaram efetivamente a ter autores (outros
que não personagens míticas ou figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em
que o autor se tornou passível de ser punido, isto é, na medida em que os discursos
se tornaram transgressores.
51
O direito autoral trata, pois, da proteção à propriedade intelectual, garantindo ao autor ou
criador de uma obra o direito de controlar a sua reprodução e a distribuição. Entretanto, esse direito
nem sempre é exclusivo ao criador da obra, que pode vendê-lo ou licenciá-lo a editores e outros
grupos econômicos – os reais beneficiários do direito autoral.
No século XX, registram-se também as grandes transformações no campo da comunicação de
massa, com destaque para o caráter unidirecional dos fluxos comunicacionais de meios como o livro,
jornal, rádio, televisão e a internet (em sua primeira geração, ou Web 1.0). Desde os anos 90 do século
passado, vem-se assistindo a verdadeiras revoluções no campo das tecnologias de informação e
comunicação (TIC), que respondem por uma agilidade, nunca antes vista, de transposição de barreiras
nas dimensões de espaço e tempo.
A fase da ubiquidade corresponde à época pós-moderna e à própria cibercultura. De acordo
com Maffesoli (2006, citado por PRIMO, 2008, p. 61), “o sujeito pós-moderno caracteriza-se pelo
hedonismo e pela importância que dá à identificação no coletivo (o que se opõe ao individualismo,
típico da modernidade)”. Rede é a metáfora predominante, em função da capacidade de interconexão
entre pessoas, espaços e tecnologias. A produção de conhecimento na fase pós-moderna passa a
basear-se no trabalho coletivo, na colaboração e no compartilhamento de saberes.
Ao analisar o fenômeno da rede, no contexto da autoria e cultura na pós-modernidade, Antonio
(1998, p. 191) ressalta:
A imagem da rede é bastante esclarecedora a respeito da natureza da Internet, um
sistema interativo de comunicação humana, tornando possível que a criação, a
publicação, a distribuição e o uso das produções culturais, científicas e artísticas
ocorram de forma integrada, ao mesmo tempo, independentemente do espaço, e
aproximando autores, produtores e consumidores.
Nas últimas décadas da pós-modernidade, ressalta Primo (2008, p. 62), são preponderantes o
trabalho cognitivo, a cooperação e os relacionamentos, diferentemente dos períodos anteriores, nos
quais prevaleciam o poder, a força física e/ou a fábrica.
Outro fenômeno relevante é a Web 2.0, sobretudo, no tocante às ferramentas digitais e
ambientes colaborativos de aprendizagem, que favorecem a alunos e professores a oportunidade de
(re) construir, individual ou coletivamente, sua autoria e produzir seus textos, vídeos, artefatos
quaisquer. Em sua análise, Antonio (1998) considera que na pós-modernidade há o fracionamento do
papel do autor e o enfraquecimento da autoria individual, além da fragmentação das leituras e das
vivências, em contraposição à linearidade dominante na modernidade.
De qualquer forma, no contexto de interconexão e compartilhamento de recursos na rede, a
autoria tende a ganhar fôlego e contribuir para a inovação de práticas pedagógicas, sob a forma de
autoria coletiva, autoria colaborativa, autoria individual, retorno ao autor anônimo (como opção e não
por convicção religiosa), copyleft, licença Creative Commons. Nas escolas começam a surgir projetos
pedagógicos que incorporam o uso de blogs, wikis e redes sociais para interconectar alunos e
52
professores, e desse modo, favorecer a participação colaborativa e a interatividade, integrando
funcionalidades e conteúdos.
É nesse contexto da economia em rede de informação que a produção de conhecimento e a
autoria vêm-se descortinando por meio de novos modos de produção mais solidários, a partir da Web
2.0.
Figura 1 – As três fases de desenvolvimento tecnológico e as suas categorias de análise (conhecimento, autoria,
educação, economia, processos midiáticos, metáforas).
Fonte: Primo (2008, p. 53)
53
AUTORIA NA WEB 2.0 E A ÉTICA DOS HACKERS
No contexto da Web 2.0, a prática da autoria traz para o ambiente escolar a possibilidade de
ensino e aprendizagem de modo diferente e mais colaborativo e, sobretudo, de valorizar a experiência
e o conhecimento do aluno. O ambiente colaborativo virtual é o ponto de partida para troca e o
compartilhamento de experiências e conhecimentos, onde todos podem divulgar com liberdade seus
textos e produções.
Autoria pressupõe, além do exercício de novos modos de produção, o estabelecimento de
novos aparatos tecnológicos. Estes, entretanto, pouco ou nada contribuirão para desenvolver
habilidades de autoria, se mudanças não forem introduzidas na abordagem pedagógica dessa prática.
Ao abordar o tema software livre na educação, Pretto (2010) insinua a necessidade de o
professor assumir ‘um jeito hacker de ser’, e dispara: “o professor precisa resgatar seu papel na
educação”, apontando para a desejada postura crítica daquele que é capaz de planejar e oferecer uma
educação plural, sintonizada com as diferenças. “Hoje o professor é um desconhecido, um sem nome”,
e como diria Demo (2010), um [professor] sem autoria.
Pretto (2010, p. 1) afirma que
[...] a ética hacker tem a ver com compartilhamento, acessibilidade e
descentralização. Os hackers querem tomar as máquinas para melhorar o mundo.
Assim, o computador deveria ser introduzido nas escolas, não como mera
ferramenta, ou como máquinas aprisionadas em um laboratório, mas de um modo
que permitissem a colaboração, num processo de resgate do papel de ativista do
professor.
A ética dos hackers postula valores essenciais como a colaboração, o conhecimento, a
liberdade, o compartilhamento. Tais princípios são aplicáveis a quaisquer áreas do conhecimento,
inclusive a educação pode se beneficiar da ética dos hackers, sobretudo, pelo seu modelo aberto de
aprendizagem, conforme explica Himanen (2001, p.74).
O processo típico de aprendizagem dos hackers começa quando um problema
interessante é estabelecido. O hacker, então, se lança em busca da possível solução,
utilizando, para tanto, diversas fontes e, depois, submete seu resultado a exaustivos
testes. Aprender cada vez mais sobre determinado assunto torna-se uma obsessão
para o hacker. A princípio, Linus Torvalds, um autodidata, aprendeu a programar
computadores num computador herdado de seu avô. Ele criava problemas para si
mesmo e descobria do que ele precisava para resolvê-los. Muitos hackers
aprenderam a programar dessa maneira informal, perseguindo suas próprias paixões.
A capacidade que muitas crianças possuem de aprender problemas intrincados de
programação demonstra a importância da paixão no processo de aprendizagem, em
contraposição ao ritmo lento a que seus contemporâneos são submetidos em escolas
tradicionais.
Entretanto, a incorporação do modo de vida e da ética dos hackers à prática pedagógica de
autoria em ambiente colaborativo de aprendizagem passa necessariamente pela figura do professor.
Espera-se que não somente o aluno incorpore o espírito da ética dos hackers, como também o
professor, e que ambos se tornem autores. Para Demo (2009, p. 17), em geral, o professor
54
[...] não é autor, já que em sua (de) formação original, tendo ‘estudado’ com
professores não autores (só davam aula), não atingiram a habilidade de autoria [...].
Ser professor não é dar aula, mas cuidar que o aluno aprenda, bem como ser aluno
não é escutar aula, mas reconstruir conhecimento, formar-se, tornar-se cidadão.
Demo (2009, p. 20) atribui à autoria o estatuto de fundamento docente e discente, por
considerá-la “referência crucial da aprendizagem no professor e no aluno. Professor que não é autor,
não tem aula para dar. Só pode reproduzir. Aluno que não é autor continua copiando, ainda não está
aprendendo”. Nessa discussão, ainda, Demo (2008b, p. 114) acrescenta que “cabe relativizar a autoria,
em particular para não exacerbar noções colonialistas de autonomia” ao referir-se a autonomia que não
suporta a autonomia dos outros. O autor chama a atenção também para o fato de que não há
interpretação primeira ou última, mas sim uma entre tantas, como convém à autoridade do argumento.
Nesse contexto, insere-se a possibilidade de que o exercício de autoria possa espelhar-se na
lógica do ‘modelo de aprendizagem’ propagado pela ética dos hackers, ao postular que o
conhecimento de um hacker ensina a outro (HIMANEN, 2001, p. 75).
Quando um hacker estuda o código-fonte de um programa, não é raro esse hacker
desenvolver ainda mais esse código e, dessa forma, outras pessoas podem aprender
com seu trabalho. [...] No mundo dos hackers, os professores – ou aqueles
indivíduos que montam as fontes de informação – são muitas vezes aqueles
indivíduos que acabaram de aprender algo. Isso é vantajoso, pois, muitas vezes,
alguém que acabou de estudar determinado assunto está mais apto a ensiná-lo do que
um perito, para quem o assunto em estudo já não é tão novo [...].
O postulado ético dos hackers certamente contribui para que a autoria na Web 2.0 - enquanto
trabalho imaterial - seja encarada como uma atividade a ser exercida em busca da realização e
autorrealização e do prazer em praticá-la. O trabalho imaterial, no qual se encaixam as atividades
criativas e seus novos modos de produção de conhecimento, resulta na principal força produtiva da
economia em rede de informação, o que destaca a importância do saber pensar complexo, não linear,
crítico e autocrítico (DEMO, 2006).
Entretanto, a constatação da existência de novos modos de produção, baseados na ética dos
hackers e ancorados, sobretudo, no trabalho voluntário de milhões de técnicos anônimos parece não
ser suficiente para fundamentar as relações que vêm sendo semeadas (mesmo reconhecendo a extensão
dos avanços obtidos no domínio de tecnologias e metodologias libertárias). Mesmo diante do
fenômeno aparente de difusão do conhecimento e de propagação de inúmeras tecnologias digitais, em
que mais parece prevalecer a troca, não há dúvidas sobre a existência de fortes relações capitalistas
que se reinventam, a cada dia, para dar conta de novos negócios, sob novas bases tecnológicas; enfim
formas mais refinadas de capitalismo.
Com efeito, o monopólio do conhecimento não parece ameaçado. Ao contrário, o capitalismo
é capaz de criar artificialmente escassez (por exemplo, oferecendo conteúdo exclusivo de acesso
cobrado e reclamando direito de propriedade sobre esse conteúdo) e submeter o conhecimento à
55
dinâmica do mercado. Com isso, mercantiliza-se o conhecimento, repondo-se a relação social que toda
mercadoria encerra, e esconde o que Marx denominava fetiche da mercadoria.
A luta dos hackers tem a força de um movimento antiglobalização que reage “ao desmonte da
coletividade e à modernização predatória dos países em desenvolvimento, à privatização do saber, do
conhecimento e do bem comum” (DEMO, 2006, p. 11). Entretanto, embora meritória, a luta dos
hackers pela busca incessante de um estilo de vida alternativo, baseado na liberdade e na colaboração,
é um discurso de ataque ao capitalismo em seu núcleo, semelhante aos discursos dos movimentos de
contracultura da segunda metade do século XX. A história sugere que até mesmo as propostas mais
alternativas sejam incorporadas a este modo de produção capitalista. Sob esta perspectiva, os hackers
representam uma dissidência no capitalismo, por oferecerem à coletividade softwares mais criativos,
de código aberto, para isto confrontando-se abertamente com o monopólio capitalista, observa Demo
(2006). De Marx a Schumpeter, reconhece-se como característica distintiva do capitalismo sua
capacidade de renovar-se e superar as contradições.
FERRAMENTAS QUE FAVORECEM A AUTORIA
As tecnologias Web 2.0 têm contribuído fortemente para que o exercício de autoria prospere,
sobretudo entre os jovens, pois ela tem o potencial de favorecer a participação ativa tanto no uso das
ferramentas quanto na criação de textos, obras literárias, trabalhos escolares, artefatos e outros.
As pessoas, antes meras usuárias da tecnologia, passam agora ser partícipes na (re) construção
de seus conhecimentos. Entretanto, as novas tecnologias não promovem, por si, melhorias na
educação, pois além da mediação docente, elas requerem a disposição dos discentes para construir
suas autorias, o que pressupõe a necessidade de desenvolver habilidades para o trabalho tanto
individual quanto coletivo.
A existência de ferramentas de autoria na web é considerada condicionante para o avanço das
práticas colaborativas, ainda que não determinante. Nesse novo modo de produção, há que ressaltar “a
conquista de espaços públicos ampliados, em nome do bem comum. Quando o resultado
compartilhado é o que move o todo, a apropriação privada pode recuar” (DEMO, 2009, p. 24).
Do ponto de vista pedagógico existem diversas ferramentas de acesso público que favorecem
o exercício da autoria em espaços virtuais, sendo as mais comuns: blog, wiki, rede social, e-portfólio,
e-books, mashups, video. Dessas ferramentas, as mais populares são o blog - no qual o autor pode
construir publicamente sua autoria, expressando com liberdade a sua opinião, dando a chance aos
leitores de tecer seus comentários e críticas -; e a wiki - na qual a autoria é elaborada coletivamente, e
todos podem escrever e comentar.
Blog, wiki e redes sociais vêm, aos poucos, ganhando a adesão de professores e alunos, por
contribuírem para o desenvolvimento de habilidades de autoria, o que poderá favorecer a crítica, a
autocrítica e a participação, além de ampliar os espaços para o exercício da cidadania e autonomia.
56
Tais ferramentas têm a vantagem de potencializar as chances de autoria, principalmente se
comparadas com aquelas da geração Web 1.0, mas, como assevera Demo (2009, p. 54),
[...] não há nisso nada de automático e garantido. Pode-se continuar copiando tudo
ou apenas facilitando as coisas. Depende sempre, em última instância, da atitude
pedagógica, um desafio que pode ser visualizado nos estudantes, nos professores e
nas próprias instituições educacionais.
A ESCOLA NO CONTEXTO DA WEB 2.0
Ao analisar os rumos da educação diante da necessidade de mudanças, colocada sob a
perspectiva dos avanços da tecnologia, Moran (2003, p. 31) afirma: “Hoje, as escolas, em geral estão
despreparadas para acompanhar o ritmo das mudanças no mundo do trabalho e para atender às
expectativas profissionais concretas, quanto mais para antecipar mudanças”. Implica dizer que a escola
não está preparada para acolher aquele que é a razão da sua existência - o aluno.
A escola que se tem na atualidade não está preocupada com a construção de habilidades
autoras e autônomas, além de não atentar para o cumprimento da sua missão de produzir
conhecimento e oferecer educação de qualidade para formar melhor alunos cidadãos. Na escola atual
impera o paradigma tradicional, centrado no ensino e nos métodos punitivos e/ou castradores, quando
deveria estar voltada para as práticas de formação cidadã e de aprendizagem; sua pedagogia
instrucionista gira em torno da alfabetização tradicional, com base no modelo reprodutivista de
metodologias e comportamentos passivos e conteúdos repetitivos. Alvo de críticas são também os
extensos currículos que afogam o aluno com conteúdos disciplinares, sem a devida preocupação com a
efetiva aprendizagem.
O processo de formação deve ser apoiado pelo professor, visando à produção do próprio
conhecimento pelo aluno, para, assim, fomentar a construção da autoria e autonomia; enquanto a
aprendizagem acrescenta as habilidades, não menos importantes, relativas à produção de
conhecimento.
Para Demo (2010), autoria consiste na “habilidade de construir a vida com texto próprio, no
plano individual e coletivo e, como expressão da cidadania ativa”; autonomia, por sua vez, refere-se à
“habilidade de gestar roteiro de aperfeiçoamento incessante da personalidade, tendo como resultado a
constituição de sujeito capaz de história própria”. Nas palavras de Brant (2008, p. 72), autonomia
“depende de processos educativos nos quais a escola e o professor têm papel central como
organizadores de um olhar crítico revelador dessas perversidades”.
A escola também lida com dificuldade no tocante ao atraso da pedagogia em relação à
tecnologia, caminhando a reboque desta, quando deveria ser o contrário, ou seja, a pedagogia é que
deveria direcionar a tecnologia. Outro traço marcante da escola atual é a falta de domínio das novas
tecnologias, em especial aquelas voltadas para a criação e a produção de conhecimento, por parte da
maioria dos professores.
57
Embora não sejam determinantes nos processos de aprendizagem, produção de conhecimento
e autoria, as tecnologias são condicionantes para que esses eventos ocorram. Portanto, escola e
professor devem apoiar-se nas tecnologias e tirar proveito de suas funcionalidades, aliando-as a
práticas pedagógicas colaborativas, que promovam a participação do aluno no próprio aprendizado.
A FORMAÇÃO DO ALUNO PARA O EXERCÍCO DE AUTORIA E AUTONOMIA
Os novos desafios advindos da sociedade e economia intensivas de conhecimento e
informação colocam em pauta a necessidade de discutir as novas habilidades, sobretudo no tocante às
novas alfabetizações. "Saber ler, escrever e contar tornou-se habilidade secundária, mero pressuposto",
pontua Demo (2008a, p. 5). Não significa que a alfabetização tradicional tenha perdido seu valor, ao
contrário, é habilidade indispensável ao exercício da cidadania. Entretanto, a alfabetização tradicional
tornou-se insuficiente diante dos novos desafios impostos pelo mercado e por sua economia
globalizada.
Ao discorrer sobre as habilidades necessárias para fazer frente aos desafios colocados pelo
século XXI, Demo (2008a, p. 6) emprega o termo 'multi-alfabetizações' para indicar que alfabetização
se tornou plural e requer novas aptidões - sobretudo, a fluência tecnológica de docentes e alunos,
envolvendo desde o exercício e a formação de autoria até o saber lidar com computador, navegar na
internet, bem como tirar proveito de inúmeras ferramentas e equipamentos eletrônicos. Entretanto, isso
só não é suficiente, é necessário ainda que a fluência tecnológica seja exercida por sujeitos críticos,
autocríticos e reflexivos, dotados de postura participativa e (re) construtiva.
O termo 'novas alfabetizações', de acordo com o mesmo autor, sugere a existência de
motivações oriundas nas novas tecnologias, de modo a superar o modelo tradicional, em favor da
introdução do uso da imagem e do movimento como argumento, e não apenas como ilustração
(DEMO, 2010, p. 10).
A fluência tecnológica faz-se necessária para que professores e alunos se envolvam com a
tecnologia na condição de sujeitos e não como objetos, portanto, como sujeitos participativos e
autônomos. "O professor que simplesmente transmite informação por meio de aula instrucionista está
com os dias contados, porque o mundo virtual irá substituí-lo com vantagem", vaticina Demo (2008a,
p. 11), para em seguida, completar "insubstituível é o professor envolvido com a aprendizagem
profunda do aluno, na condição de orientador e avaliador, além de motivador". O professor é o
protagonista no cenário das novas tecnologias, daí a necessidade do aprimoramento do seu
desempenho, o que implicará positivamente na melhoria do desempenho do aluno.
De acordo com Demo (2008b, p. 117-118), "as novas condições digitais da economia em rede
de informação facultam o surgimento de um setor produtivo fora do mercado (nonmarket production),
amplamente eficiente, de estilo social e colaborativo [...]", o que favorece a apropriação individual e
coletiva das diversas ferramentas de acesso público, livres da submissão às regras típicas da economia
industrial. Incluem-se aqui as tecnologias facilitadoras para a construção da autoria.
58
Prosseguindo esta análise, o autor enfatiza que "para o estilo de produção social colaborativa
não são requeridos capitais físicos e financeiros ponderáveis (leve-se em conta que o custo dos
equipamentos eletrônicos cai vertiginosamente), estando, pois, disponíveis relativamente a todos,
mesmo em países atrasados”. (DEMO, 2008b, p. 118).
Contudo, tal estilo de produção colaborativa está longe de ser igualitário e democrático e, na
mesma medida, o acesso às novas tecnologias também dificilmente acontecerá de forma democrática e
não excludente, sob a lógica da economia de mercado liberal, haja vista o aprofundamento do fosso
digital. Apesar das contradições presentes nesse novo modo de produção, a utilização das tecnologias
digitais em ambiente colaborativo escolar, por exemplo, pode favorecer a construção da autoria e a
produção de conhecimento por parte de alunos sob a mediação do professor, em comunidades de
aprendizagem, beneficiando a construção de uma coletividade cidadã, autônoma e autora.
AUTORIA COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA
Na escola instrucionista prevalece o ensino baseado na reprodução de conhecimentos extraídos
de livros e apostilas. O professor utiliza-se majoritariamente da aula discursiva e expositiva para
repassar os conteúdos curriculares, e os alunos, via de regra, assistem passivamente, sem elaborar
conteúdo, argumentar ou pesquisar. Isso ocorre, em parte, pelas limitações da concepção e práticas
instrucionistas; de outra parte, pelo simples fato de que professor sem autoria gera aluno sem autoria.
Assim, professor também necessita ser autor, o que pressupõe envolvimento com atividades de
pesquisa. "Autoria não provém de ensino, mas de pesquisa", pontua Demo (2010, p. 3), para em
seguida indagar e responder:
Para que serve aluno sem autoria? Não sabendo aprender e dominando [...]
conteúdos ultrapassados e/ou mal arrumados, fica à deriva, não pode assumir posto
de comando e coordenação, não irá além de cumprir ordens, não fará parte da
economia globalizada competitiva, ou seja, só cabe na empresa atrasada.
Portanto, no contexto das novas tecnologias exige-se que o professor seja autor, e ainda
desempenhe o papel de mediador e interventor da aprendizagem, gestor das convergências e
divergências, tanto individualmente, quanto no coletivo do grupo de alunos. O professor deve cuidar
para que o aluno aprenda, motivando-o, lançando-o a novos desafios mais elaborados, a novas
informações acerca de um problema, em como desenvolver uma experiência, em avançar em um
campo pouco conhecido.
É necessário ao professor superar o modelo que marcou toda a sua formação, baseado no
princípio de uma ciência absoluta, na velha lógica do cientificismo inflexível, inculcado como
conhecimento pronto, acabado e destituído do caráter sócio-histórico, que o desincumbe de se
autoconceber como constructo, sujeito de sua história. Apenas professores sujeitos e cônscios poderão
protagonizar ações de autoria, numa postura dialógica, utilizando-se de aulas-pesquisa em que ao
aluno possam ser apresentados novos cenários, as coordenadas de um determinado problema para que
59
elabore, compare, reflita, formule suas hipóteses, aplique, comprove, convalidando-as ou
desvalidando-as.
Também se faz urgente ao professor considerar a necessidade de o aluno construir o seu
próprio conhecimento, operando sobre ele. Não há construção sem autêntica reflexão e interação com
o objeto de conhecimento de forma ativa, aspecto que vem ao encontro das mediações tecnológicas
potencializadoras de práticas pedagógicas mais interativas.
Entretanto, é preciso desconfiar dos modismos e extremos recorrentes à educação - alguns a
enaltecendo como redentora de todas as mazelas sociais, outros a lançando ao fosso. Da mesma forma,
há que cuidar-se das vertentes educacionais envoltas em discurso aparentemente progressista, mas que
corporificam a política neoliberal ao lançar as instituições, professores e alunos à própria sorte,
desconsiderando a complexa estrutura de relações que envolvem a educação. Ser professor é,
sobretudo, gostar e ter prazer no que se faz, o exige a relação direta com o outro; e é sobre esta relação
que se tece a docência, que só se legitima com a discência. É preciso, ainda, empolgar, trazer o novo,
surpreender de forma a evitar a rotina enfadonha e engessada nas relações de subserviência pautada na
punição através de menções artificiais e conteúdos a memorizar.
Para tanto, é preciso introduzir reformulações nas bases da formação do professor, com ênfase
nas práticas e dinâmicas, no processo de construção da aprendizagem pelo aluno e na ação pedagógica,
visando ao atendimento das novas demandas por educação na sociedade do conhecimento.
O professor ainda vive retido no passado, carregando o velho modelo que marcou sua
formação de princípio inflexível. Por muito tempo, considerou-se a aprendizagem como mera
transmissão de informação, permanecendo este modo arraigado, mesmo ante os avanços na concepção
de educação.
A escola como reprodutora da sociedade, embora devesse em tese ensinar a pensar, a
contextualizar, a questionar, a desnaturalizar o que é posto, resulta em mais um aparelho ideológico
reprodutor das formas autoritaristas de relação de opressão da sociedade.
Precisa-se ressuscitar algo que foi atrofiado como na lei de desuso, tomar as rédeas, encontrar
o fio da meada. Reaprender a refletir. Professores que analisam sua práxis, que compreendem o valor
da pesquisa, que produzem conteúdos específicos ao seu grupo de alunos, que criam e constroem em
consonância sua história docente podem influir de forma decisiva na formação de seus alunos.
Uma escola comprometida com alunos que pensam, produzem e criam deve permitir a
experiência, o erro como trajetória do acerto, da tentativa, da estimativa, a formulação de hipóteses,
deve, ainda, ser dialógica e encarar todo conhecimento como recorte. Essa escola – que almeja
transdisciplinar - deve também apresentar problemas reais para buscas e estudos que possam ser
aplicados na melhoria da aprendizagem, com ênfase no fazer, aplicar, verificar, testar. Uma escola de
vivências que só será viável, se romper com a velha forma arcaica, arraigada no círculo vicioso que
nos consome e naturaliza o fracasso.
60
A escola que considera as relações sociais e a interação privilegia o aprendizado como
produção coletiva, em decorrência da necessidade específica de um grupo determinado, em que a
aprendizagem desencadeia o desenvolvimento peculiar e necessário a um dado momento histórico
pelo sujeito. Essa escola é conhecida por contemplar aspectos que mais se aproximam do caráter
complexo e subjetivo na educação e pauta-se no conceito de zona proximal de desenvolvimento, de
Vygotsky, que corresponde à distância existente entre o que o aluno já realiza de forma independente,
ou sabe, e aquilo que ele tem potencial para aprender (FREITAS, 1994).
Os postulados de Vygotsky enfatizam a importância da instituição escolar na formação do
aluno, enquanto lócus privilegiado de promoção do conhecimento - do senso comum ao conhecimento
científico. O educando parte de seus conhecimentos cotidianos, espontâneos e avança em direção aos
conhecimentos convalidados cientificamente, de forma que as operações concretas que compõem a
bagagem das vivências de cada aluno formarão o substrato para as aprendizagens permanentes
articuladas, sistematizadas pela escola. Vygotsky também coloca como central o papel do professor no
processo de mediação da construção do conhecimento pelo aluno, capaz de fazê-lo avançar e
reformular suas hipóteses.
Muito já se conhece sobre equívocos cometidos, sem que deles a escola tenha se
desvencilhado. De certo, porque sozinho o professor não muda a estrutura que conserva tudo como
está. E, entre o ensejo de mudança e transformação e a limitante condicionante, resta acreditar no
potencial das novas tecnologias e seus modos de subverter a ordem e a estrutura, sobretudo pela
liberdade dos novos modos de pensar e viver que seguem sendo disseminados na cibercultura. Na era
da economia em rede de informação coexistem os mais variados modos de produção, nos quais é
possível ao mesmo tempo ser autor, produtor, leitor, consumidor, sem a necessidade de quaisquer
autorizações ou contratos sociais – um fenômeno cultural da sociedade do conhecimento, que remete
ao espírito e à ética dos hackers.
REFERÊNCIAS
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maio/ago. 1998.
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61
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PRIMO, A. Fases do desenvolvimento tecnológico e suas implicações nas formas de ser, conhecer,
comunicar e produzir em sociedade. In: PRETTO, N. de L.; SILVEIRA, S. A. de (Org.). Além das
redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias no poder. Salvador: EDUFBA, 2008.
p. 51-68.
Marcia Izabel Fugisawa Souza
Doutoranda em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Embrapa Informática Agropecuária
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Sergio Ferreira do Amaral
Professor Livre-Docente
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Luciana Oiveira Silva
Professora da Rede Municipal de Campinas
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Izabel Cristina Araújo
Doutoranda em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
62
O DIREITO AUTORAL NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Lilia Maria Reginato Gallana
Nadir Rodrigues Pereira
Raphael Silveira
Lana Paula Crivelaro
RESUMO
Com o avanço das tecnologias de informação e comunicação (TIC), configura-se um novo cenário que
favorece o compartilhamento e a construção coletiva de conhecimento, especialmente em espaços
virtuais. Na sociedade da informação, o paradigma é a participação, a colaboração e a troca de
conhecimento. Por isso, a questão dos direitos autorais precisa ser melhor refletida e debatida, para
que o conhecimento possa circular e promover inclusão social. Algumas iniciativas têm surgido,
principalmente por parte da comunidade de desenvolvedores de software de código aberto e de setores
voltados ao entretenimento – como música, jogos e filmes, que adotam o modelo colaborativo de
produção e buscam tornar disponível a sua produção ao maior número de pessoas possível,
aproveitando os recursos tecnológicos para reduzir os custos de trabalhos produzidos em rede.
Entretanto, os aspectos econômicos que envolvem o tema têm representado entraves a essa
disseminação. Neste artigo, vamos apresentar dados que mostram porque o assunto é tão polêmico e
merece maior atenção das políticas públicas, no sentido de democratizar o acesso ao conhecimento e
favorecer o processo de educação.
PALAVRAS-CHAVE: direito autoral, educação, conhecimento, sociedade da informação, tecnologia
INTRODUÇÃO
As novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) expandem as possibilidades de
participação e interação, gerando grandes mudanças nos meios de comunicação convencionais. Os
recursos oferecidos pelas novas mídias favorecem a construção das redes digitais caracterizadas pela
colaboração e pelo compartilhamento, transformando as relações econômicas, sociais e culturais.
Em prol de uma consideração não somente econômica do desenvolvimento cultural,
assinala-se que a cultura e as comunicações contribuem para o desenvolvimento
comunitário, para a educação da saúde e do bem estar, para a defesa dos direitos
humanos e a compreensão de outras sociedades (YÚDICE, 2004, p. 60).
A comunicação digital permite romper paradigmas, pois a produção dos meios de
comunicação descentraliza-se. Assim, na sociedade da informação qualquer pessoa pode ser não
apenas consumidora, mas também produtora de conteúdos digitais.
Houve “três grandes revoluções no planeta” que alteraram completamente os meios modernos
de produção e, por conta disso, a relação do ser humano com o mundo, de acordo com o estudo
63
realizado sobre a cadeia da indústria criativa no Brasil pela Federação das Indústrias do Estado do Rio
de Janeiro - FIRJAN (FEDERAÇÃO..., 2008).
A Revolução Agrícola iniciada há dez mil anos, com a mecanização do campo e a
biotecnologia, permitiu o aumento de produtividade e a exportação dos excedentes. No final do século
XVIII, a Revolução Industrial criou uma era de geração de bens com a padronização de processos e a
produção em massa.
O estudo aponta que:
Atualmente, encontra-se em plena ebulição a Revolução Digital, possibilitada pelas
transformações da tecnologia da informação, sendo a globalização de culturas e de
meios de produção o principal corolário deste processo. Na crista de uma nova era, o
setor de serviços ganha relevância, consumindo a grande parte da força de trabalho e
sendo responsável pela geração de uma parcela importante da renda. Ao mesmo
tempo, o conhecimento e a inovação ganham ainda mais relevância como mola
propulsora da nova economia, permitindo maior agregação de valor a bens e
serviços (FEDERAÇÃO..., 2008, p. 5).
A nova economia que se configura na era digital, pautada pelo conhecimento e inovação,
depara-se com uma mudança significativa no paradigma de produção. Nambisan e Sawhney (2011, p.
4) lembram que a inovação nas empresas era um processo solitário e secreto. Mas, eis que surge a
internet e muda essa lógica, trazendo uma nova visão, graças a
[...] fenômenos como o movimento de acesso livre e gratuito a softwares, o mercado
eletrônico de pesquisa e desenvolvimento, as comunidades online e todo um
universo de novas possibilidades para se acessar e fazer conexão com ideias
inovadoras.
Para os autores, a inovação agora “é livre, democrática, distribuída, externa, conduzida pela
comunidade”. Segundo eles, o modelo colaborativo é bastante relevante quando a produção é baseada
em informações, como no caso de softwares, música e filmes, por exemplo, e quando a produção é
distribuída e tem os custos reduzidos pela tecnologia de comunicação.
As redes digitais trazem também uma enorme contribuição para o campo educacional levando
a novas praticas pedagógicas focadas na interatividade, conectividade e hipertextualidade.
Novas formas de acessar a informação, de pensar, de raciocinar e novas dinâmicas
no aprender evidenciam a transformação do pensamento linear para o pensamento
hipertextual no processo de construção do conhecimento (DECIN, 2005, p. 53).
Assim, as novas tecnologias configuram-se como meios capazes de transformar o
conhecimento compartido em saber compartilhado, fruto de uma construção coletiva. A partir dessa
concepção, entende-se que a aprendizagem construtivista, baseada na apropriação ativa e na prática
colaborativa de construção do saber, imerge de um ambiente onde há livre acesso às fontes de
conhecimento. Por isso, como destacou o pesquisador holandês Joost Smiers na obra “Imaginem o
Mundo Sem Direitos de Autor Nem Monopólios”, é importante que tenhamos a possibilidade de “nos
comunicar uns com os outros, sem as limitações impostas pelo copyright” (DIAS, 2011).
64
QUESTÕES LEGAIS E ECONÔMICAS DOS DIREITOS AUTORAIS NOS CENÁRIOS
BRASILEIRO E INTERNACIONAL
Koepsell (2004, p. 53) diz que antes do estabelecimento de “quaisquer leis para proteger os
direitos dos inventores às suas invenções, um monopólio de conhecimento autoimposto pelos
inventores era o único meio de proteção individual”. A incapacidade de sustentar esse monopólio e a
descoberta de técnicas de reprodução fizeram com que esses inventores se reunissem em corporações
para manter seu controle de mercado.
Os países europeus, impulsionados pela preocupação dos grandes países exportadores de obras
intelectuais, pelo menos de início passaram a desejar uma proteção mais severa às suas obras. Desta
forma, foram sendo assinadas diversas convenções internacionais para a proteção dos direitos autorais,
das quais uma das primeiras foi a Convenção de Berna (Suíça), em 9 de setembro de 1886. Essa
convenção continua sendo o mais importante documento a traçar as principais linhas para a proteção
da propriedade intelectual de obras literárias e artísticas ao redor do mundo.
Os direitos autorais no Brasil são protegidos por 70 anos, após a morte do autor. A lei
brasileira de 1827 já mencionava a proteção de direito autoral. O Código Criminal de 1830 cita
também a reprodução de escritos e estampas, feita por cidadãos brasileiros, sem autorização. E a
Constituição de 1838 garantia a propriedade dos escritos a quem os produzisse. O decreto no. 75.699,
de 6 de junho de 1975, promulga a Convenção de Berna, cuja última revisão, feita em 1979, vigora até
hoje.
Com a chegada do século tecnológico e digital, emblematizado pela web 2.0, muita discussão
tem surgido acerca de direitos autorais, propriedade e produção intelectual, fronteiras e impostos. Mas
do que se trata realmente tudo isso? A discussão não passa por todos os segmentos interessados no
processo, do autor/criador até o fruidor/comprador, mas somente pela indústria, seja de música, de
filmes, de livros, principal afetada com a liberação massiva e sem fronteiras deste produto na internet.
Parece que a preocupação mundial em se estabelecer normas e regras e tratar como crime e
pirataria cópias não autorizadas de determinadas obras se apoia tão somente nos meios comerciais, nos
lucros advindos da cultura de massa, em que a indústria detém todos os direitos, inclusive os do autor.
Os princípios de proteção à produção intelectual estabelecidos na Convenção de
Berna, atualizados durante o século 20 e ratificados pela maioria dos países, já dão
claros sinais de cansaço diante do pensamento liberalizante da internet (MARTINS,
2008).
Alguns profissionais dos setores que compõem o mercado criativo já apontam a necessidade
de mudança da lógica da indústria cultural. O analista do setor fonográfico Mark Mulligan acredita
que as gravadoras deveriam focar seus esforços para superar os desafios que surgiram com a era
digital:
Será que foi inteligente ter investido tanto esforço para tentar defender o patrimônio
histórico do setor fonográfico, quando as mudanças provocadas pela tecnologia
65
exigem atenção? Existe o risco em dar tanto foco e se esforçar tanto para tentar
proteger o que foi feito no passado (UNIÃO..., 2011).
Os projetos open-source são exemplos de como a ausência de mecanismos cerceadores da
liberdade de criação e de divulgação pode favorecer o surgimento de novas tecnologias e sua
distribuição de maneira igualitária entre as pessoas e grupos. O modelo aberto de construção da
Wikipedia é um exemplo de trabalho em colaboração possibilitado pelas novas tecnologias. Em julho
de 2007, esta enciclopédia eletrônica já contava com mais de 75 mil colaboradores ativos trabalhando
em mais de 7,7 milhões de verbetes grafados em mais de 250 idiomas (NAMBISAN; SAWHNEY,
2011, p. 21).
Levando-se em consideração que o conhecimento é um bem universal, deveria ser distribuído
e estar disponível para livre acesso pela internet.
Até então represado em universidades, bibliotecas, livros etc., que sempre foram
ambientes de acesso restrito, o conhecimento tinha uma dificuldade histórica de se
expandir e beneficiar todo mundo. (...) a internet vem colocando mais e mais tubos
conectando pessoas que, por sua vez deixam o conhecimento escoar muito
livremente para todos os lados, num processo incontrolável de multiplicação das
idéias. Sem restrições, sem preconceitos, sem barreiras (MARTINS, 2008).
Lemos (2005) argumenta que existem artistas que incentivam o acesso às suas obras,
distribuindo-as gratuitamente na rede. Na realidade, eles desejam que os usuários continuem o seu
trabalho, seja reinterpretando-o, reconstruindo-o ou recriando-o. “Para essas pessoas, não faz sentido
nem econômico, nem artístico, que seus trabalhos se submetam ao regime de todos os direitos
reservados” (LEMOS, 2005, p. 83).
OS IMPACTOS ECONÔMICOS DA INDÚSTRIA CRIATIVA E DOS DIREITOS AUTORAIS
A indústria criativa movimenta recursos da ordem de bilhões de dólares em todo o mundo. De
acordo com pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 2000 e 2005, o comércio
internacional de bens e serviços criativos cresceu à taxa anual de 8,7%, o que fez com que o valor total
das exportações atingisse US$ 424 bilhões em 2005, ou 3,4% do comércio mundial. Ainda em 2003, a
economia criativa europeia empregava 5,6 milhões de trabalhadores e gerava 654 bilhões de euros,
crescendo acima do restante da economia. Já a China se consolidou como o maior produtor e
exportador de produtos criativos em 2005, enquanto o conjunto de países em desenvolvimento viu
crescer rapidamente suas exportações no período 1996-2005, passando de US$ 51 bilhões para US$
274 bilhões (FEDERAÇÃO..., 2008, p. 11).
Com relação ao mercado dos direitos autorais, o montante total dos royalties obtidos pelos
membros da International Confederation of Societies of Authors and Composers - CISAC
(INTERNATIONAL..., 2010) em seus territórios em 2009 foi de mais de 7,1 bilhões de euros. A
CISAC é uma entidade que reúne 232 associações de autores de 121 países e representa,
66
indiretamente, cerca de 3 milhões de criadores e produtores de diversos setores, incluindo música,
teatro, literatura, audiovisual, artes gráficas e visuais.
A União Europeia estuda a prorrogação da proteção dos direitos autorais de 50 para 70 anos,
sinalizando uma estratégia voltada para proteger especialmente o setor fonográfico, que foi fortemente
afetado pela livre distribuição de músicas na internet:
No ano passado, o faturamento do setor fonográfico mundial teve queda de 9 por
cento, ficando em 15,9 bilhões de dólares. O declínio é atribuído à pirataria, já que
95 por cento das músicas baixadas na internet chegam ao consumidor de forma
ilegal, segundo a entidade setorial IFPI (UNIÃO..., 2011).
Toda a cadeia da indústria criativa brasileira responde por 21,8% do total de trabalhadores
formais do País, ou 7,6 milhões de um total de 35,2 milhões. O núcleo da cadeia - composto por 12
setores líderes, cujo principal insumo é a criatividade - emprega 638 mil trabalhadores no País, ou
1,8% do total dos trabalhadores formais. Esse núcleo responde por 2,6% do Produto Interno Bruto PIB, ao passo que as atividades identificadas como relacionadas e de apoio à cadeia registraram
participação de 5,4% e 8,4%, respectivamente (FEDERAÇÃO..., 2008, p. 3).
O setor criativo considerado pela pesquisa engloba treze subsetores: publicidade, arquitetura,
mercado de artes e antiguidades, artesanato, design, moda, filmagem, softwares interativos de lazer,
música, artes performáticas, editoração, serviços de computação e rádio e televisão (FEDERAÇÃO...,
2008, p. 7). As estimativas apontam para uma participação de toda a cadeia criativa no PIB brasileiro
em 2006 de cerca de 16,4%, o equivalente a R$ 381,3 bilhões, impulsionados principalmente pelos
segmentos de arquitetura e moda (FEDERAÇÃO..., 2008, p. 21). No Brasil, dados de 2000 revelam
que os direitos autorais representaram exportações de US$ 11,65 milhões e importação de US$ 182,73
milhões (BUAINAIN, 2002).
A descentralização musical também é defendida pelo músico independente Marcelo Machado
citado por Silva (2011), para quem é importante que a distribuição das obras seja revista:
A questão não é ser independente, o que nos interessa é poder estar sempre fazendo
música e lançando elas de uma forma que não precise necessariamente ser paga para
quem curte e acompanha a gente. Hoje em dia os consumidores de música têm a
possibilidade de pagar ou não pela sua música. Para mim o que precisa ser revisto é
a forma de distribuição e o preço que se paga para se ter acesso à música (SILVA,
2011, p. 6-7).
Assim, entendemos que não se pode continuar tratando a propriedade intelectual com a mesma
visão que imperava na era pré-digital.
A propriedade intelectual e os direitos autorais, herdeiros de um momento histórico
no qual a indústria cultural era a única maneira de garantir a produção e
massificação da música, do cinema, da literatura e etc., deixam de fazer sentido
quando o desenvolvimento tecnológico e, principalmente, a Internet tornaram mais
fácil, rápida e barata a interação direta entre os produtores (artistas) e os
consumidores (público) (CRUZ et al., 2009, p. 14).
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No século XXI, vimos despontar mudanças significativas nos processos de produção,
especialmente em decorrência do avanço das tecnologias de informação e comunicação. Os novos
meios de comunicação digital permitem a construção e a distribuição de conteúdos pela web a custos
reduzidos e de forma extremamente rápida.
Considerando que a indústria é a principal beneficiária da proteção dos direitos autorais e,
ainda, que legislação sobre o assunto foi criada em uma época em que a disseminação de produtos em
massa era limitada por questões como tempo e espaço atualmente superadas, entende-se que é preciso
flexibilizar essa legislação, especialmente para que se possa democratizar o acesso ao conhecimento e
disseminá-lo em favor da liberdade e da inclusão, favorecendo o processo educativo.
REFERÊNCIAS
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YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2004.
Lilia Maria Reginato Gallana
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Nadir Rodrigues Pereira
Embrapa Informática Agropecuária
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Raphael Silveira
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Lana Paula Crivelaro
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
69
DESMISTIFICANDO A CULTURA HACKER: SERÁ QUE TAMBÉM NÃO
SOU UM DELES?
Bruno Gâmbaro
Marcelo da Luz Batalha
Sergio Ferreira do Amaral
RESUMO
O objetivo deste trabalho é discutir as características que envolvem a cultura hacker, seus conceitos e a
sua influência na atual sociedade permeada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação.
PALAVRAS-CHAVE: hacker, cibercultura, sociedade da informação, internet.
DESMYSTIFYING THE HACKER CULTURE: WILL AM I ALSO ONE OF THEM?
ABSTRACT
The objective of this paper is to discuss the features that involve the hacker culture, its concepts and its
influence in contemporary society permeated by the Information Technology and Communication.
KEYWORDS: hacker, cyberculture, information society, internet.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são consideradas os principais vetores do
processo de desenvolvimento socioeconômico da atualidade ao produzirem alterações sociais,
econômicas e culturais. Novos paradigmas e contratos sociais vêm sendo construídos desde o final do
século XX tendo expoente comum a rede mundial de computadores, também conhecida como Internet.
Originária de pesquisas militares do departamento de defesa dos EUA para o desenvolvimento
de um sistema de troca de pacotes de informação que permitia a comunicação entre computadores em
rede, a ARPANet, como foi primeiramente denominada, começou a operar em 1969 e conectava
universidades e laboratórios responsáveis pelas pesquisas financiadas pelo referido departamento de
defesa. Mesmo que primariamente o uso da rede tenha sido restrito aos pesquisadores ligados ao
projeto, que sem o financiamento do governo dos EUA não teriam condições de criar a rede, seus
responsáveis sempre estiveram orientados para a construção de um sistema mais amplo, voltado para o
uso coletivo e colaborativo que fugia do escopo da encomenda militar (CASTELLS, 2003;
MARKOFF, 2005).
O quadro de pesquisadores era formado por cientistas, professores, alunos de pós-graduação,
amigos e curiosos que vislumbraram o uso dos recursos disponíveis que estavam sendo desenvolvidos
70
para dar poder às pessoas através do uso dos computadores. Um dos pensadores e ideólogos da
Internet para o empoderamento do social através da apropriação das tecnologias que se desenvolveram
desde há quatro décadas, Stewart Brand afirma categoricamente que a revolução das tecnologias é
fruto da chamada contracultura, movimento que vivia seu auge neste mesma época: “esqueçam os
protestos anti-guerra, Woodstock, os cabelo cumpridos. O verdadeiro legado dos anos 60 é a revolução
computacional” (TURNER, 2006).
Dessa forma acabou se formando um espaço virtual global que ficou conhecido como
ciberespaço. O termo surgiu pela primeira vez no ano de 1984 no romance de ficção científica de
Willian Gibson, que o definiu como o universo das redes digitais, descrito como o campo da batalha
entre multinacionais envolvidas nas disputas por novos territórios e mentes, a partir de fortalezas de
informações secretas, trocadas em alta velocidade ao redor de todo o planeta. Tal termo foi ampliado
pelo pensador Pierre Levy que desenvolveu definições sobre esse “espaço de comunicação aberto pela
interconexão mundial de computadores e das memórias dos computadores” (LEVY, p. 92, 1999).
Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí
incluídos os conjuntos de rede hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que
transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à
digitalização. Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico,
fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e,
resumindo, virtual da informação que é, parece-me, a marca distintiva do
ciberespaço. Esse novo meio tem a vocação de colocar em sinergia e interfacear
todos os dispositivos de criação de informação, de gravação, de comunicação e de
simulação. A perspectiva da digitalização geral das informações provavelmente
tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da
humanidade a partir do próximo século. (LÉVY, 1999, p. 92-93).
Com esse amplo universo de possibilidades decorrentes das interações e o desenvolvimento de
novos suportes tecnológicos, a ARPANet acabou resultando no que hoje é mundialmente conhecido
como Internet. E como ocorre em qualquer local onde pessoas se inter-relacionam, códigos e contratos
sociais foram se estabelecendo com base nas características próprias do ambiente, no caso, um espaço
virtual global de natureza libertária e autônoma.
A defesa da Internet como uma zona livre de regulação e imune ao controle por parte dos
governos sobre as comunicações dos seus cidadãos usuários teve em 1996 um marco com a
“Declaração de Independência do Ciberespaço”, proclamada em Davos, na Suíça, e publicada na
revista Wired no mês de fevereiro do mesmo ano. Escrita por John Perry Barlow, fundador da
Eletronic Frontier Foundation (organização não governamental dedicada à preservação do direito de
liberdade de expressão no contexto da era digital), a declaração foi uma resposta à promulgação nos
EUA da Lei de Reforma das Telecomunicações, que permitia intervenções estatais dentro do
ciberespaço. A declaração faz uma forte defesa da separação entre a Internet e qualquer governo,
afirmando que nenhum sistema governamental possui legitimidade para legislar o ciberespaço uma
71
vez que o mesmo não pertence a nenhuma unidade federativa ou até mesmo seja algo material,
ressaltando que seus usuários possuem total liberdade de pensamento, expressão e organização.
Governos do Mundo Industrial, vocês gigantes aborrecidos de carne e aço, eu venho
do espaço cibernético, o novo lar da Mente. Em nome do futuro, eu peço a vocês do
passado que nos deixem em paz. Vocês não são bem vindos entre nós. Vocês não têm
a independência que nos une. [...] Eu declaro o espaço social global aquele que
estamos construindo para ser naturalmente independente das tiranias que vocês
tentam nos impor. [...] Vocês não nos conhecem, muito menos conhecem nosso
mundo. O espaço cibernético não se limita a suas fronteiras. Não pensem que vocês
podem construí-lo, como se fosse um projeto de construção pública. Vocês não
podem. Isso é um ato da natureza e cresce por si próprio por meio de nossas ações
coletivas. [...] Estamos formando nosso próprio Contrato Social. Essa maneira de
governar surgirá de acordo com as condições do nosso mundo, não do seu. Nosso
mundo é diferente. O espaço cibernético consiste em idéias, transações e
relacionamentos próprios, tabelados como uma onda parada na rede das nossas
comunicações. Nosso é um mundo que está ao mesmo tempo em todos os lugares e
em nenhum lugar, mas não é onde pessoas vivem. [...] Estamos criando um mundo
onde qualquer um em qualquer lugar poderá expressar suas opiniões, não
importando quão singular, sem temer que seja coagido ao silêncio ou conformidade.
Seus conceitos legais sobre propriedade, expressão, identidade, movimento e
contexto não se aplicam a nós. Eles são baseados na matéria. Não há nenhuma
matéria aqui. [...] Acreditamos que a partir da ética, compreensivelmente interesse
próprio de nossa comunidade, nossa maneira de governar surgirá. [...] Precisamos
nos declarar virtualmente imunes de sua soberania, mesmo se continuarmos a
consentir suas regras sobre nós. Nos espalharemos pelo mundo para que ninguém
consiga aprisionar nossos pensamentos. Criaremos a civilização da Mente no espaço
cibernético. Ela poderá ser mais humana e justa do que o mundo que vocês
governantes fizeram antes. (BARLOW, 1996).
Barlow aponta para a emergência de uma civilização alternativa convivendo em um espaço
virtual, baseada na criatividade da mente e na defesa da autonomia dos cidadãos usuários. Uma
sociedade que possui sua cultura baseada na ética de respeito às liberdades individuais e coletivas,
oriunda da prática do uso dos primeiros computadores e hoje principal energia propulsora das criações
e inovações tecnológicas. Ou seja, uma cultura hacker.
QUEM SÃO OS HACKERS: DEFININDO CONCEITO
Há pouco tempo atrás o termo hacker era conhecido apenas pelas pessoas especializadas no
campo da ciência da computação, mas com o passar dos anos o processo de popularização dos
computadores e a sua reprodução pela mídia colocaram o termo em disputa. O uso ordinário do termo
hacker está associado ao ato de acessar dados não autorizados e fazer o uso subsequente dos sistemas
de computadores pessoais (TAYLOR, 1999; YAR, 2005).
O termo hacker surgiu no mundo da computação nos anos 60 com um sentido positivo para
descrever os indivíduos com alto conhecimento, criatividade e interesse pelos temas associados à
programação e à computação. Um hacker correspondia a alguém com alta qualificação que
72
apresentava soluções inovadoras aos problemas, principalmente na área de programação e
desenvolvimento de softwares. Nesse sentido, é que os pioneiros da rede mundial de computadores
podem ser chamados de hackers, por excelência. Esses hackers eram influenciados pela contracultura
dos anos 60-70, e na sua ética, entre outras coisas, estava o direito do acesso, uso e troca de
informação e conhecimento coletivo; a capacidade da ciência em criar tecnologias para melhor a vida
das pessoas, especialmente através da computação; a desconfiança dos usos políticos e militares das
ferramentas computacionais, assim como dos fins corporativos e mercadológicos que pudessem ter
seus produtos; e uma resistência às convenções sociais que representassem qualquer controle e
subordinação a autoridades e hierarquias tradicionais.
Apesar de o termo hacker ser empregado rotineiramente para rotular àqueles que acessam e
usam dados alheios para atos criminosos, isto vai contra o que defendem os hackers pioneiros, que se
referem a esse tipo de usuário usando o termo cracker. Em relação a estes criminosos, o hacker Eric
Raymond, fundador da Iniciativa do Código Aberto e autor de “The Hacker's Dictionary” (O
Dicionário dos Hackers), explica: “os hackers reais chamam essas pessoas de ‘crackers’ e não quer
nada com elas... ser hábil na quebra de segurança não faz de você um hacker, assim como ser hábil no
roubo de carros não faz de você um engenheiro automotivo” (BEST, 2003, p. 266).
Em sua definição, um cracker é o usuário que utiliza suas habilidades para praticar atos
criminosos ou maliciosos na Internet, sendo geralmente especializados em invasões com objetivo de
roubar dados de suas vítimas. Outros termos usados para designar o cracker é hacker black-hat
(chapéu preto) ou dark-side hacker (hacker do lado negro, em alusão à série do filme Stars Wars). Já o
termo white-hat (chapéu branco) também é frequentemente usado para denominar os hackers “do
bem”, enquanto que no meio desses dois extremos estão os gray-hat (chapéu cinza), usuários que
possuem habilidades e intenções de um white hat, porém com alguns desvios éticos. (SALES, 2009).
Por mais que esses nomes pareçam soar como vindos de uma obra de ficção científica, tais
termos necessitam ser desmistificados como algo que não pertence ao nosso cotidiano. A atual
sociedade da informação e comunicação, submersa em suas TIC, está repleta de pessoas de diversas
idades se especializando cada vez mais e aplicando sua criatividade em novas soluções tecnológicas.
Nomenclaturas mais aceitas socialmente retratam tais personagens como analistas de sistemas,
técnicos em informática, especialista em TI (Tecnologia da Informação), programadores, e tantos
outros, porém são em sua essência hackers.
A diferenciação entre hacker e cracker é uma batalha que o movimento de autênticos hackers
enfrenta principalmente com os grandes meios de comunicação, que insistem em utilizar o termo
hacker quando se refere a alguma atitude cracker de invasão ou roubo de dados, por exemplo.
73
Por mais que haja uma intenção de criminalizar o hacker ético, fato é que hoje diversas
pessoas, mesmo sem saber, compartilham ideologias defendidas e praticadas por eles. Basta constatar
o sucesso da rede social Facebook, criada pelo jovem Mark Zuckerberg, que mesmo sendo hoje um
executivo milionário, nunca deixou de ser um hacker e sua criação fruto desta característica. O
principio básico da rede social que encerrou o ano de 2011 com aproximadamente 845 milhões de
usuários é o uso da Internet para conectar pessoas e promover o compartilhamento entre elas,
essências presentes na cultura hacker.
CULTURA HACKER
O conceito de cultura hacker, pensando aqui como conjunto de valores e crenças que formam
padrões representativos de comportamentos e costumes, adotados por grupos informais, influenciou e
continua a influenciar uma geração de produtores e usuários da Internet e se destaca pelo pressuposto
máximo da rede mundial de computadores, a liberdade: liberdade para criar, apropriar o conhecimento
disponível e a liberdade para redistribuir esse conhecimento sob qualquer forma ou canal escolhido
pelo hacker (CASTELLS, 2003).
Para Coleman (2003), a ética hacker corre paralelamente à fórmula art pour l’art (arte pela
arte), ou seja, os hackers estão focados na busca pelo conhecimento e o exercício da curiosidade para o
prazer próprio; a prática hacker não é como uma obrigação instrumental, mas uma ação autônoma e de
liberdade que prevalece sobre os interesses meramente instrumentais.
O significado dado por Coleman está em sintonia com a definição da ética hacker,
desenvolvida por Pekka Himanen (2001), filósofo e pensador finlandês, que estabelece uma analogia
entre a ética protestante do espírito do capitalismo de Weber (2004). Se em Weber o trabalho é um
principio ético e moral, que orienta a vida dos indivíduos, tornando-os moralmente obrigados a exercer
um trabalho para valer a sua existência, na ética hacker, esse valor moral do trabalho é colocado em
xeque. Para os hackers o trabalho não está necessariamente associado à obrigação moral, à
necessidade de sobrevivência, à sublimação da vida e dos prazeres terrestres, mas, pelo contrário, está
associada ao prazer, à diversão e à razão social de comunhão e reconhecimento individual pelo
trabalho para o coletivo. Para os hackers, obter reconhecimento numa comunidade que compartilha
suas paixões é mais importante e proporciona mais satisfação que o dinheiro. A diferença fundamental
da ética do Protestantismo é que, para os hackers, o reconhecimento não deve substituir a paixão –
pelo contrário, o reconhecimento deve resultar da paixão, da criação de algo socialmente válido para
essa comunidade criativa.
Eric Raymond conceitua a cultura hacker através da metáfora do bazar e da catedral: no
modelo da catedral um indivíduo ou um pequeno grupo elabora estratégias, modelos, ideias e
produtos, sem qualquer abertura para a participação de outros indivíduos que não foram previamente
74
aceitos ou qualificados para a participação desse grupo. No modelo do bazar, ao contrário, as ideias,
planos, estratégias, pedaços de informações são abertas para que potencialmente todos possam
participar, colaborar na produção e distribuição de um produto que seja coletivo. A multiplicidade dos
pontos de vistas é que é o importante: as ideias iniciais devem ser disseminadas para serem
melhoradas através dos acréscimos e críticas dos outros indivíduos e grupos que possam ter interesse
sobre o tema. O bazar contrapõe-se fundamentalmente a catedral porque nesta o produto final é
resultante de poucas contribuições e seus fundamentos não podem ser alterados, tanto por motivos de
proteção legal, quanto pela construção social da legitimidade que lhe cabe o reconhecimento.
Himanen (2001), seguindo os passos de Raymond, fundamenta o conceito da cultura hacker
sob o analogismo entre o mosteiro e a academia. O mosteiro, como o modelo da catedral, representa a
regulação e o controle de quem pode produzir, acessar e utilizar a informação, sempre sob uma
estrutura rígida e hierárquica. A academia, por sua vez, se assemelha ao bazar de Raymond: o modelo
da academia pressupõe um aprendizado aberto e coletivo no qual as teorias e resultados são
produzidos sob acréscimos e críticas de conhecimentos de terceiros. No modelo acadêmico o ponto de
partida é o interesse por um problema ou objetivo no qual um indivíduo ou grupo de pesquisadores se
lançam para encontrar um resultado satisfatório. Nessa busca da solução qualquer um pode utilizar,
criticar e desenvolver a solução mediante informações já prontas e disponíveis para o público. O
processo pela busca de uma solução coletiva, com base nos conhecimentos disponíveis, produz um
efeito de retro-alimentação da cadeia de informações, no qual várias fontes são consultadas, discutidas,
criticadas, e as informações úteis são agregadas e disponibilizadas para que outros indivíduos possam
seguir o encaminhamento, ou tirar suas próprias conclusões a partir das suas experiências próprias.
Nesse sistema de produção de conhecimento, cada nova informação produzida deve ser
lançada ao público e deve estar ao alcance de todos, para que novas elaborações surjam das críticas,
reutilização e desenvolvimento. O aperfeiçoamento do material existente em novas direções trará mais
subsídios aos estudos ou discussão em voga (HIMANEN, 2001). Esse modelo de aprendizagem
aberta, a partir do qual Himanen conceitua a prática é modelo exemplar de como a rede mundial de
computadores tem afetado os repertórios de produção e acesso ao conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a Internet em forte ritmo de desenvolvimento oferecendo ferramentas virtuais mais
práticas e intuitivas motivadas por esta cultura, somada a dinâmica de disseminação do conhecimento
relatada acima, ocorre que é muito mais fácil hoje ter a expertise no uso das TIC e ser um membro
dessa sociedade hacker, conceito que necessita sua desmistificação para que seja melhor
compreendido e aceito pela sociedade. Hoje a rede mundial de computadores é um campo fértil para
atores sociais mais conscientes e dotados de capacidades para lidar e realizar intervenções se valendo
dos recursos tecnológicos existentes ou criando outros novos. Cabe aqui uma observação para a
75
importância do papel da educação, que deve estimular e trabalhar de maneira positiva as habilidades
nas crianças e jovens para que saibam como se portar, agir e criar dentro desse universo de infinitas
possibilidades, onde a criatividade e a vontade de aprender podem resultar em hoje inimagináveis
soluções para grandes problemas sociais que vivemos.
Na prática da cidadania, a Internet reforça os laços e identidades de indivíduos e grupos
dispersos geográfica e socialmente através do compartilhamento de interesses e informações comuns,
agrupando esses usuários em torno de redes de relacionamento e fornecendo grandes poderes a estes
cidadãos virtuais. Para Sassen, a cultura hacker criou as oportunidades para o desenvolvimento, dentro
do campo das tecnologias de comunicação, de ideais como “descentralização, abertura, possibilidade
de expansão e expressão, horizontalidade e fuga do controle autoritário” (SASSEN, 1998, p. 177).
Ainda de acordo com este autor, a Internet se apresenta como “um espaço de poder distribuído”, no
qual a sociedade civil pode engajar-se de “baixo para cima” (SASSEN, 1998, p. 192).
Uma vantagem do uso da Internet para a articulação dos movimentos sociais em rede é a
facilidade com que podem criar e coordenar suas atividades através do uso de e-mail, salas de bate
papo, reuniões virtuais e outros meios de produzir, organizar e divulgar informação. Essas ferramentas
permitem que os usuários da rede mundial de computadores promovam um ambiente de discussão que
supera os limites das plataformas não virtuais de comunicação antes existentes. A organização em rede
possibilita que qualquer um, em qualquer lugar ou hora, tendo acesso à Internet, possa apresentar sua
opinião e ponto de vista sobre a realidade, tornando-se sujeito ativo e, potencialmente, politicamente
engajado.
Fazendo uso dessas ferramentas disponíveis na Web, um usuário muitas vezes mesmo sem
saber realiza ações que podem ser consideradas como atividade culturalmente hacker, seja
compartilhando um arquivo, disseminando conhecimento, ou lutando por uma causa justa. Assim, o
que precisa ser repensado, como levantado na “Declaração” de Barlow, são os parâmetros que regem
os conceitos que não se adequam a realidade da atual sociedade digital. A cultura hacker precisa ser
descriminalizada no senso comum para que o cidadão ético usuário da rede possa assumir o seu lado
hacker white-hat. Em contrapartida, que os esforços das autoridades competentes sob atos criminosos
no uso da Internet sejam focados contra os denominados crackers e que a mídia utilize os termos
corretos na divulgação dessas ações.
Mudanças para uma educação mais condizente com esta nova forma de pensar, relacionar
socialmente, produzir, e até mesmo um novo modelo econômico, também se fazem necessárias para
que as instituições se adequem a esta realidade em rede. Paradigmas que resistem a este
desenvolvimento natural devem ser quebrados para que uma nova cultura de pensamento já
estabelecida se fortaleça em todos os setores sociais. Como em um passado não muito distante houve a
mudança da sociedade agrícola para a sociedade industrial, hoje estamos vivenciando uma outra
76
mudança social, agora para a sociedade digital culturalmente hacker, baseada em uma ética
essencialmente horizontal e livre.
REFERÊNCIAS
BARLOW, John Perry. Declaração de independência do ciberespaço. Disponível em:
<http://www.internetlegal.com.br/1996/11/declaracao-de-independencia-do-ciberespaco-por-johnper>. Acesso em: 23 nov. 2011.
BEST, Kirsty. The hacker’s challenge: active access to information, visceral democracy and discursive
practice. Social Semiotics, v. 13, n. 3, p. 263-282, 2003.
CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet – reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
COLEMAN, Biella. The (copylefted) source code for the ethical production of information freedom.
2003. p. 297-302. Disponível em: <http://www.sarai.net/publications/readers/03-shapingtechnologies/297_302_bcoleman.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2011.
HIMANEN, P. A ética dos hackers e o espírito da era da informação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
200 p.
LEVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1999.
MARKOFF, John. What the Dormouse said: how the 60s counterculture shaped the personal computer
industry. New York: Penguin, 2005.
SALES, A. R. Atuação dos profissionais de segurança da informação em redes corporativas. 2009. 82
f. Trabalho de conclusão de curso (Tecnólogo em Informática - Segurança da Informação) - Faculdade
de Tecnologia da Zona Leste, São Paulo, 2009.
SASSEN, Saskia. Globalization and its discontents. New York: New Press, 1998.
TAYLOR, P. Hackers: crimes in the digital sublime. London: Routledge, 1999.
TURNER, Fred. From counterculture to cyberculture: Stewart Brand, the whole earth network, and the
rise of digital utopianism. Chicago: University of Chicago Press, 2006.
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
YAR, Majid. The novelty of 'cybercrime': an assessment in light of routine activity theory. European
Journal of Criminology, v. 2, n. 4, p. 407-427, 2005.
Bruno Gâmbaro
Mestrando em Educação
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Marcelo da Luz Batalha
Mestre em Ciência Política
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP
77
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
Sergio Ferreira do Amaral
Professor Livre-Docente
Faculdade de Educação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]
78
HACKERS, REDES SOCIAIS E A ESCOLA: PERIGOS E
POTENCIALIDADES
Henderson Tavares de Souza
RESUMO
Este artigo apresenta algumas discussões sobre o trabalho pedagógico utilizando as redes sociais no
ambiente escolar com suas potencialidades considerando aspectos da ética hacker dentro da instituição
escola. Uma discussão sobre as atitudes dos professores frente à imersão dos alunos em ambientes
virtuais também será abordada e como alterar práticas pedagógicas favorecendo o interesse dos alunos
sobre assuntos primordiais na sua formação.
PALAVRAS-CHAVE: ética hacker, redes sociais, escola, mediação pedagógica
HACKERS, SOCIAL NETWORKS AND THE SCHOOL: HAZARDS
AND POTENTIALITIES
ABSTRACT
This article presents some discussions about pedagogical work using social networks in the school
environment with its potentialities considering aspects of the hacker ethics within the school
institution. A discussion of teachers’ attitudes against the students' immersion in virtual environments
will also be addressed and how to change teaching practices favoring students’ interests on
paramount issues in their upbringing.
KEYWORDS: hacker ethics, social networks, school, pedagogical mediation
A incorporação da tecnologia da informação nas escolas públicas do Brasil eleva-se a cada ano
com a chegada de laboratórios de informática para as escolas que aderem ao Programa Nacional de
Tecnologia Educacional (PROINFO), do Ministério da Educação (BRASIL, 2010), aliada ao
Programa Banda Larga nas Escolas (BRASIL, 2012) que tem como objetivo conectar todas as escolas
urbanas à internet fica evidente que a ascensão a informação cria diversas possibilidades de trabalho
pedagógico com mediação das tecnologias da informação e comunicação.
Considerando que a ética hacker baseia-se na colaboração, conhecimento e liberdade, temos
tais pilares como pressupostos da modificação das atitudes da nova geração de estudantes imersos nos
ambientes computacionais proporcionados pelas facilidades da web 2.0 e a expansão do acesso as
conexões de banda larga em todo território nacional, contudo ainda inibidos por práticas pedagógicas
pouco incentivadoras do processo desencadeado através dos pressupostos da ética hacker.
79
Ênfase na utilização, por parte dos docentes, das potencialidades das ferramentas da web 2.0
bem como na utilização das redes sociais para despertar o interesse dos educandos na sua própria
produção, apropriação das ferramentas computacionais pelos professores encarando-as como aliadas
no processo de ensino-aprendizagem, a inversão do papel do aluno como mero reprodutor para
produtor dos seus conhecimentos, desenvolver as atitudes de colaboração, conhecimento e liberdade
nas crianças são os objetivos deste trabalho.
HACKERISMO NA ESCOLA
Quando falamos em hackerismo e ética hacker na escola, queremos exaltar a ideia de
liberdade, pois segundo HIMANEN (2001), o hacker é um entusiasta das coisas interessantes e a sua
curiosidade exalta sua vontade de aprender cada vez mais.
Todos os professores desejam que seus alunos tenham sede de aprendizado e para isto
precisam trabalhar as questões do hackerismo, pois considerando o hackerismo em termos de
motivação humana e vida social em grupo ligada ao pertencimento e reconhecimento, além da
diversão, estando ligada a dimensão da paixão, ou seja, a condição de ser motivado por algo
internamente interessante, estimulante, alegre e que seja compatível com seus desejos e interesses
pessoais, temos requisitos necessários para avançar com o aprendizado mediado pelas tecnologias da
informação e comunicação.
E espírito da ética hacker no que rege a colaboração e difusão do conhecimento favorece os
entusiastas nas suas atividades de construção do conhecimento e antes de tudo na autoria e produção
de conhecimentos que exigem, além de muito interesse por parte de professores e alunos, exige muito
estudo prévio para composição destes novos conhecimentos inerentes a realidade de cada educando.
A busca incansável do saber considerando a ética hacker dentro da escola nos remete aos
valores hacker segundo HIMANEN (2001), que são: Colaboração, conhecimento, liberdade e
compartilhamento. Nossos alunos inconscientemente levam consigo tais valores quando utilizam as
redes sócias ou qualquer sistema digital da web 2.0 para expor suas ideias e manifesta-se
solidariamente na colaboração para resolução de problemas de pessoas que nunca encontrarão
pessoalmente na vida, desta forma valores são somados ao da natureza do aluno e o crescimento
pessoal intelectual enaltece o ser aflorando a solidariedade que surge da resolução de um problema de
terceiros.
As evidencias que nos rementem na certeza que os valores da ética hacker são expressivos na
construção do aluno como autor e ser autônomo no processo de aprendizagem são: O trabalho em
grupo, a socialização dos saberes, esclarecimentos de situações para a vida pessoal e profissional,
liberdade na escolha das ferramentas que utilizará para produzir o seu conhecimento disseminando-o
80
para todos os interessados, desta forma agregando valores na construção coletiva do saber sem realizar
esforços para produção do que já foi produzido por alguém antes.
REDES SOCIAS E AUTORIA
Podemos considerar uma rede um conjunto de nós interligados, ativos, sem fronteiras, uma
comunidade não geográfica, um sistema que se assemelha a uma árvore. (MARTELETO, 2001).
Atualmente a rede social mais utilizada no mundo é o Facebook, com mais de 1 bilhão de
usuários, inserida em 213 países, se considerarmos o Facebook uma nação, seria o terceiro maior pais
do mundo atrás somente da China e Índia. No Brasil são 54 milhões de usuários, isso significa que 1
em cada 4 brasileiros tem cadastro nesta rede social. (UOL, 2012).
A negação da inserção das redes sociais na escola não é mais argumento válido, se
considerarmos a realidade cotidiana do universo dos alunos de escolas públicas ou privadas, a rede
social faz parte direta ou indiretamente da vida de cada educando. Em se tratando de uma ferramenta
cujo interesse dos alunos é notório podemos utilizar suas potencialidades para agregar maior valor nas
atividades didáticas pedagógicas mediadas pelas tecnologias da informação e comunicação na sala de
aula atribuindo aos alunos o papel de produtor/escritor da sua realidade fazendo enaltecer sua autoria
como afirmam Souza et al. (2011) “...no contexto da interconexão e compartilhamento na rede, a
autoria tende a ganhar fôlego e contribuir para a inovação de práticas pedagógicas, sob forma de
autoria coletiva, autoria colaborativa, autoria individual...”. Sob este aspecto de autoria o advento da
web 2.0 favorece o professor pelo número de ferramentas e ambientes de aprendizagem colaborativos
gratuitos disponíveis para mediação da aprendizagem.
No contexto de autoria na escola mediada pelas redes sociais, existe a possibilidade de
ressignificação do conhecimento do aluno e valorização da sua experiência como ser, onde sua autoria
pressupõe novas maneiras de produção mediadas por novos mecanismos mediadores auxiliados pelos
professores com intervenções pontuais.
Segundo Bottentuit Junior e Lisbôa (2011) “as características mais marcantes e que a
diferenciam de outro tipo de organização é que as redes sociais possuem uma estrutura flexível e
horizontal e também são desprovidas de hierarquia e de uma organização rígida”, isso deixa os alunos
mais seguros para produzirem seus textos e realizarem suas análises críticas sobre determinada
discussão e desta forma enriquece a as possibilidades dos trabalhos multidisciplinares.
81
MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS
Sem o papel mediador do professor no contexto escolar, mesmo com auxilio das redes sociais
e/ou quaisquer sistemas digitais, o aprendizado significativo não acontecerá e o aluno passará ser
apenas um prático naufrago no universo computacional disponível abundantemente através da internet.
[...] a informática quando adotada nas escolas deve se integrar ao ambiente e a
realidade dos alunos, não só como ferramenta, mas como recurso interdisciplinar,
constituindo-se também em alguma coisa a mais que o professor possa contar para
bem realizar seu trabalho, desenvolvendo com os alunos atividades, projetos e
questionamentos. (VEIGA, 2001, p. 1).
Quando do oferecimento desta prática, a utilização das redes sociais na escola, não estamos
falando exclusivamente das redes sociais popularizadas e subutilizadas para compartilhamento de
fotos e texto com referências duvidosas, como o Facebook e Twitter, estamos falando da utilização de
sistemas digitais também considerados redes sociais, mas com aplicação de uma abordagem
facilitadora e incentivadora para o educando na busca da interação com responsabilidade e com
agregação de valores para o cumprimento dos objetivos que os profissionais da educação propuserem.
Rede social pode estar restrita a um grupo, este mediado pela escola, com objetivos claros e resultados
passíveis de serem avaliados endossando a autoria e a descoberta do ser como autor, além da premissa
de cultivar as relações de uma sociedade capaz de compartilhar conhecimentos facilitadores para o
processo de construção do cidadão crítico em fase escolar.
O professor protagonista não perdeu sua estrela nos tempos atuais, porém a estrela que deve
brilha no contexto escolar é a do aluno, este deverá ser capaz de produzir com qualidade se o brilho do
professor não ofuscar a busca do aluno pelo conhecimento. Neste sentido o professor deve reescrever
sua posição adaptando-se as novas gerações e apropriando-se das tecnologias digitais e desta forma
falar a mesma língua do aluno, contudo sem planejamento mediático e predisposição do professor todo
processo pode ser prejudicado. “Interação é uma condição para que haja uma construção social nestas
redes”, pontuam Machado e Tijiboy (2005).
[...] Nos tempos atuais, a escola não pode se conformar com ensinar a seus
educandos a ler e escrever, como único mecanismo de superação pessoal. Se o que
queremos é formar nossos educandos para que tenham oportunidades na sociedade
na qual lhes coube viver, devemos assumir o novo desafio da alfabetização da
informática. (LLANO; ADRIÁN, 2006, p. 25).
No estudo de Pereira e Pereira (2011) sobre a utilização da rede sociais no contexto escolar os
pontos mais citados foram respectivamente: Melhorar e motivar a aprendizagem, comunicação com os
alunos, reflexão sobre os impactos destas ferramentas na vida das pessoas, alerta para os perigos que
envolvem as redes sociais. Com esses dados podemos avaliar que a prática pedagógica no sentido
restrito de aula não foi sequer citada pelos professores da pesquisa e isso nos remete para a reinvenção
das práticas mediáticas do professor com agregação de valores para as redes sociais, e utilizá-las
82
prioritariamente para construção coletiva de saberes e estudos investigativos desafiadores, assim
proporcionando aos alunos maior capacidade de encontrar em grupo suas repostas e ter discernimento
para avalia-las e descartá-las se necessário.
Ponto importante para o docente na mediação é a transparência na relação com o grupo, onde
o professor é o eixo incentivador e direcionador das discussões, porém não deve interceder
majoritariamente impondo sua autoridade mediante rompimento de cenários maduros já estabelecidos
no processo.
CONCLUSÃO
Quanto mais recursos disponíveis mais complexas ficam as relações escola, aluno, professor e
família, contudo maiores serão as oportunidades de aprendizados diferenciados passíveis de serem
aplicadas no contexto escolar. Ainda muito se discute sobre um ou outro recurso, mas oque devemos
estabelecer como meta é a inclusão imediata de ferramentas de comunicação social no contexto
escolar, independente qual for, se tivermos um planejamento bem elaborado com objetivos claros e
mediação adequada, o sucesso aparecerá.
O fato do professorado na sua maioria ainda ter aversão às novas tecnologias, esse é um
desafio para as escolas de formação de professores, que deverão se adequar a realidade mundial
irreversível do uso das tecnologias da informação e comunicação, que passaram definitivamente a
fazer parte da vida de qualquer cidadão, pois as tecnologias, além de trazerem várias possibilidades
estratégicas de motivação dos nossos alunos a ética hacker nesse complexo contexto dos dispositivos
tecnológicos, será incorporada através da busca pelo conhecimento, da liberdade de escolha dentre
centenas de possibilidades, além do compartilhamento das descobertas em tempo real, a solução de
problemas coletivamente desta forma favorecendo o estímulo a pesquisa, a produção textual, artística,
musical, a oralidade, desenvolvimento de cidadãos críticos com vivência em diversas realidades
culturais e sociais.
REFERÊNCIAS
BOTTENTUIT JUNIOR, J. B; LISBÔA, E. S; COUTINHO, C. P. Google educacional: utilizando
ferramentas web 2.0 em sala de aula. Revista EducaOnline, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 17-44, jan./abr.
2011. Disponível em:
<http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/12655/1/Google_Educacional.pdf>
Acesso em: 05 nov. 2012.
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Henderson Tavares de Souza
Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação/UNICAMP
Campinas, São Paulo, Brasil
[email protected]

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