design emocional, place branding e a marca de Belo Horizonte
Transcrição
design emocional, place branding e a marca de Belo Horizonte
Elisangela Batista da Silva OLHE BEM A CIDADE: Design emocional, place branding e a marca de Belo Horizonte Belo Horizonte 2014 Elisangela Batista da Silva OLHE BEM A CIDADE: Design emocional, place branding e a marca de Belo Horizonte Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) como requisito parcial para a obtenção de grau de Mestre em Design, na linha de pesquisa: Design, Cultura e Sociedade. Orientadora: Profª. Drª. Rita Aparecida Ribeiro. Belo Horizonte Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG 2014 S586o Silva, Elisangela Batista da. Olhe bem a cidade : design emocional, place branding e a marca de Belo Horizonte [manuscrito] / Elisangela Batista da Silva. - 2014. 122 f. il. color. fots. ; 31 cm. Orientadora: Rita Aparecida Ribeiro Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Design. Bibliografia: f. 117-121 1. Desenho (Projetos) – Branding (Marketing) – Belo Horizonte - Teses. 2. Movimentos Sociais Urbanos – participação do cidadão – Belo Horizonte – Teses, 3. Espaços públicos – territorialidade humana – Belo Horizonte – Teses. I. Ribeiro, Rita Aparecida da Conceição. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Escola de Design. III. Título. CDU: 7.05(815.1) Ficha Catalográfica: Cileia Gomes Faleiro Ferreira CRB 236/6 Ao meu pai, que me ensinou, entre tantas coisas, a amar esta cidade com suas histórias e casos. À Luzia. E a minha eterna mãe, por tudo! AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, aos meus amigos e benfeitores do Plano Maior, pela oportunidade do trabalho, da aprendizagem e pelas pessoas que encontrei durante esta jornada. À minha querida orientadora e amiga, Rita Aparecida Ribeiro, que sempre apoiou e incentivou o meu crescimento acadêmico e profissional. Às minhas amigas Érika Savernini e Chris Veras, que sempre me apoiaram e incentivaram na busca pelo conhecimento. E ao Maurício Gino, que me orientou o caminho no momento certo. À Miriam Moreira, prima, amiga, irmã, comadre, revisora, tradutora, presente em todos os momentos. Aos meus amigos e parceiros de mestrado Cris Ibarra e André Mol. À Cintia Carvalho, pelo incentivo e apoio amigo. À Flávia Coutinho, pela orientação precisa. A todos entrevistados que contribuíram para a realização deste trabalho. Aos professores Regina, Lia e Sérgio e todos os amigos que contribuíram para a realização desta empreitada. RESUMO O presente estudo reflete sobre a construção da marca de uma cidade a partir de movimentos urbanos que dela se apropriam, tendo o design como ferramenta articuladora e motivadora de emoções. Nos dias atuais, vários países têm investido no place branding como ferramenta para criar esse diferencial. Entretanto, a participação do cidadão na constituição da imagem de uma cidade é fundamental. Como recorte, foi analisada a imagem da marca de Belo Horizonte, a partir dos anos de 1970/1980, quando surgiram movimentos espontâneos em prol do espaço público e pela memória da cidade; e nos anos de 2010 houve a retomada dessas mobilizações. Para compreender esse cenário, baseou-se nas teorias sobre a cidade e a sua imagem e o design aplicado no espaço público. Buscou-se compreender os conceitos e teorias sobre marca, branding e place branding. Recorreu-se também às teorias do design emocional e sua aplicação nos processos da construção de uma marca. Foram realizados levantamento e análise de alguns movimentos que sugerem a valorização da cidade, estimulando o sentimento de pertença dos cidadãos. Foi também feita pesquisa qualitativa acerca do significado e emoção sobre a cidade Belo Horizonte e entrevistas com articuladores de alguns movimentos urbanos que se apropriam da cidade. Constatamos que a imagem da marca de Belo Horizonte ainda está em processo de construção. Palavras-chave: Design. Cidade. Place Branding. Marcas. Emoção. ABSTRACT The present study reflects on the construction of brand of a city through urban movements that appropriate this city, having the design as tool that is articulator and motivating of emotions. Nowadays, several countries have invested in place branding as tool to create this differencial. However, the citizen’s participation in the constitution of the image of a city is fundamental. In this study, we analyze the brand image of Belo Horizonte from the 1970/1980, when arise spontaneous movements in favor of public space and memory of the city. In the years 2010, reappear these mobilizations to understand this scenario, we based on the theories about the city and its image and the design apphied in public space. We sought to understand concepts and teories about mark, branding and place branding. We resorted also the theories of emocional design and its application in processes of building a brand. It was made analysis of some movements that suggest the appreciation of the city and stimulate the feeling of belonging of citizens. It was made, yet, a qualitative research on the meaning and emotion about Belo Horizonte interviews with articulators of some urban movements that appropriated of the city. We found that the brand image of Belo Horizonte is still under construction. Key words: Design. City. Branding of places. Brands. Emotion. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 - Marca país Barcelona .................................................................................... 28 FIGURA 2 - Telefone público em forma de Berimbau: Bahia ....................................... 30 FIGURA 3 - Anúncio da Arno dos anos de 1950............................................................. 38 FIGURA 4 - Anúncio da Maizena dos anos de 1959 ...................................................... 39 FIGURA 5 - Campanha Benetton Amamentar 1989....................................................... 40 FIGURA 6 - Logotipo da Apple tatuado ............................................................................ 41 FIGURA 7 - Coador de chá Te ò de Stefano Pirovano .................................................. 58 FIGURA 8 - Modelo básico de produtos emocionais ...................................................... 59 FIGURA 9 - Visão da empresa x visão do consumidor .................................................. 61 FIGURA 10 - Planta geral de Belo Horizonte 1895......................................................... 68 FIGURA 11 - Praça da Liberdade, 1905 ........................................................................... 70 FIGURA 12 - Praça Sete, 1927 .......................................................................................... 71 FIGURA 13 - Praça da Savassi, 1970............................................................................... 72 FIGURA 14 - Av. Afonso Pena, 1948 ................................................................................ 73 FIGURA 15 - Adesivo “Olhe bem as montanhas” .......................................................... 75 FIGURA 16 - Cartaz e camiseta do “I Encontro pela Revitalização da Praça da Estação” ................................................................................................................................. 76 FIGURA 17 - Marca comemorativa dos 100 anos .......................................................... 78 FIGURA 18 - Infográfico dos conceitos-chave................................................................. 80 FIGURA 19 - Ícone “pertencer” .......................................................................................... 80 FIGURA 20 - Ícone “acolher” .............................................................................................. 81 FIGURA 21 - Ícone “memória” ............................................................................................ 82 FIGURA 22 - Ícone “natureza” ............................................................................................ 83 FIGURA 23 - Ícone “afeto” .................................................................................................. 83 FIGURA 24 - Ícone “futuro” ................................................................................................. 84 FIGURA 25 - Ícone “Minas”................................................................................................. 85 FIGURA 26 - Ícone “agito”................................................................................................... 86 FIGURA 27 - Ícone “estresse” ............................................................................................ 87 FIGURA 28 - Ícone “estagnada”......................................................................................... 87 FIGURA 29 - Gráfico de algumas regerências de Belo Horizonte ............................... 89 FIGURA 30 - Gráfico de outras referências de Belo Horizonte .................................... 89 FIGURA 31 - Logotipo Coletivo Gentileza ........................................................................ 93 FIGURA 32 - Ação “Mudas por sonhos” ........................................................................... 94 FIGURA 33 - Sonho interpretado por MN, designer gráfico .......................................... 95 FIGURA 34 - Sonho interpretado por IT, designer gráfico............................................. 96 FIGURA 35 - Storytelling ação “Sonhos por mudas” ...................................................... 97 FIGURA 36 - Embalagem das bombas de sementes..................................................... 98 FIGURA 37 - Logotipo do coletivo “Desestressa BH”..................................................... 100 FIGURA 38 - Banner explicativo do conceito de coletivo .............................................. 101 FIGURA 39 - Banner “Vem ser feliz em BH” .................................................................... 102 FIGURA 40 - Divulgação e passo a passo da ação de Natal ....................................... 103 FIGURA 41 - Chamadas para piquenique ........................................................................ 104 FIGURA 42 - Mapa de localização do parque do evento............................................... 105 FIGURA 43 - Botons “Desestressa BH” ............................................................................ 106 FIGURA 44 - Proposta da ação “Ponto do Livro” ............................................................ 107 FIGURA 45 - “Ponto do Livro” Praça da Liberdade ........................................................ 108 FIGURA 46 - Passo a passo da ação “Ponto do Livro” .................................................. 109 FIGURA 47 - Missões “Imagina na copa” ......................................................................... 110 FIGURA 48 - Ação “Imagina na praça” e “Charrete Net” ............................................... 111 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADE Área de Diretrizes Especiais AIDS Síndrome da imunodeficiência adquirida AMA American Marketing Association AMDA Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente BH Belo Horizonte IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente IEPHA-MG Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais MBR Minerações Brasileiras Reunidas ONG Organização Não Governamental UEMG Universidade do Estado de Minas Gerais SUMÁRIO1 1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 12 2 A IMAGEM DA CIDADE E O DESIGN..................................................... 15 2.1 A imagem da cidade.............................................................................. 15 2.1.1 A imagem........................................................................................... 15 2.1.2 A cidade.............................................................................................. 16 2.2 Componentes da imagem..................................................................... 18 2.2.1 Globalização e identidade.................................................................. 18 2.2.2 O espaço urbano................................................................................ 21 2.2.3 O significado do espaço..................................................................... 24 2.3 O design na cidade................................................................................ 26 2.3.1 Influência do design na construção de marcos nas cidades.............. 31 3 PLACE BRANDING.................................................................................. 35 3.1 Conceitos sobre marcas........................................................................ 35 3.2 A marca: evolução................................................................................. 36 3.3 A marca: identidade e imagem.............................................................. 41 3.4 Branding: a gestão de marca................................................................ 43 3.5 Place Branding...................................................................................... 44 3.6 A marca aplicada a lugares e os seus cidadãos.................................. 47 3.7 Place Branding: valorização local e as ferramentas de design............. 50 4 O DESIGN EMOCIONAL......................................................................... 51 4.1 Por uma antropologia das emoções...................................................... 51 4.2 A emoção do consumo.......................................................................... 54 4.3 As teorias do design emocional............................................................. 56 4.4 O design emocional e a construção das marcas................................... 60 1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2011. 5 UM OLHAR SOBRE BELO HORIZONTE................................................ 66 5.1 Belo Horizonte....................................................................................... 66 5.1.1 Breve histórico.................................................................................... 68 5.1.2 Belo Horizonte: uma construção afetiva............................................. 69 5.1.3 Belo Horizonte: entre construções e desconstruções........................ 70 5.2 Anos 1970/1980: as primeiras mobilizações........................................ 74 5.3 Belo Horizonte: uma cidade centenária................................................. 77 5.3.1 Significado, emoção e referências de Belo Horizonte........................ 79 5.3.1.1 Pesquisa 01 – Qualitativa................................................................ 79 5.4 A retomada: anos 2010......................................................................... 90 5.5 Coletivos em Belo Horizonte................................................................. 92 5.5.1 Coletivo Gentileza.............................................................................. 92 5.5.2 Design................................................................................................ 96 5.5.3 Coletivo Gentileza & cidade............................................................... 98 5.5.4 Desestressa BH.................................................................................. 100 5.5.4.1 Design............................................................................................. 105 5.5.4.2 Desestressa BH & cidade................................................................ 106 5.5.5 O “Ponto do Livro”.............................................................................. 107 5.5.6 Projeto “Imagina na praça”................................................................. 109 5.5.6.1 Design............................................................................................. 111 5.5.6.2 Imagem de Belo Horizonte.............................................................. 111 5.5.7 Análise dos coletivos.......................................................................... 112 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 114 REFERÊNCIAS........................................................................................... 117 APÊNDICE.................................................................................................. 122 12 1 INTRODUÇÃO Esta dissertação propõe um estudo sobre a construção da marca da cidade por seus cidadãos que por meio de movimentos urbanos apropriam e reivindicam o direito à cidade e o papel do design nesse processo. A criação de uma marca para representar um lugar tem sido recorrente nas últimas décadas. O argumento do crescimento do mercado global tem estimulado os países, cidades e localidades a buscarem soluções de marketing e identidade como soluções imediatas de um reposicionamento. Simon Anholt, teórico e autor de livros sobre branding aplicado a lugares, foi o primeiro a relacionar que a gestão de produtos poderia ser aplicada à gestão de marcas dirigidas a lugares, mas o assunto deu margem a várias interpretações. Depois disso, o autor tem buscado identificar os equívocos realizados por muitos para promover um local. A gestão de marcas, nomeada como branding, trabalha os conceitos da marca e os seus valores tangíveis e intangíveis. Uma marca não é um logotipo, nem a sua identidade visual, nem mesmo o produto ou serviço oferecido, ela é o conjunto de significados construídos pelos indivíduos, que geralmente estabelece um relacionamento emocional. E uma cidade é um organismo vivo, muito mais complexo do que uma organização, e exige atenção especial, não devendo ser tratada como um produto. Segundo Anholt (2010), a imagem de um país deve ser conquistada, não construída. E a conquista de uma imagem inicia-se na forma pela qual os cidadãos veem e sentem a sua cidade, pois eles são os principais atores, são eles que vivenciam as cidades, e as cidades só existem por causa deles. Os sentimentos por uma cidade estão conectados nas suas vivências, no bem-estar de transitar nas ruas, entre monumentos e praças e/ou à maneira pela qual o indivíduo integra-se aos aspectos sociais, econômicos, culturais e simbólicos, às lembranças que a cidade produz no imaginário, possibilitando a sua existência virtual, que extrapolam o tempo e o espaço. E o design pode ser utilizado como o elemento de expressão dos atores sociais em relação à cidades, pois apresenta as ferramentas necessárias para 13 gerar representações e valores, estabelecendo vínculos significativos para as pessoas. “As marcas elas precisam conectar-se com a cultura para alcançar o coração das pessoas” (GOBÉ, 2010, p. 15). De acordo com Norman (2008), as emoções verdadeiras e duradouras levam muito tempo para serem cultivadas, elas acontecem em decorrência de uma interação prolongada. O que importa é a história da interação, as associações que as pessoas têm com os objetos e as lembranças que eles evocam. O objeto de estudo proposto é a cidade de Belo Horizonte, que passa por um processo de retomada da cidade como espaço de uso. Nos últimos anos surgiram vários movimentos articulados pelos cidadãos que têm provocado algumas mudanças na maneira das pessoas interagirem ou refletirem sobre a cidade. Alguns desses movimentos urbanos propõem a interação dos cidadãos e a cidade com base no uso das praças, parques e ruas, quebrando a rotina da cidade. Outros movimentos convocam a população a usar a cidade, questionando algumas diretrizes estabelecidas pelo poder público. O objetivo geral do trabalho é relacionar o design emocional na construção da imagem da cidade por parte dos cidadãos, a partir de estudo de caso de movimentos urbanos que possuem em sua gênese ações que motivem a valorização da cidade e o pertencimento dos seus cidadãos. Busca-se também: compreender a imagem da cidade e o seu contexto urbano e a presença do design nesse ambiente; entender os conceitos de place branding, percebendo como são aplicáveis ou não; identificar o que a cidade significa e a sua relação emocional com o indivíduo; identificar e analisar as expressões de valorização e pertença do cidadão a partir dos anos de 1970 e 1980, a retomada nos anos de 2010 por meio de movimentos urbanos, o papel do design como motivador emocional nessa construção e o reflexo de todo esse processo na construção da marca da cidade. A metodologia utilizada parte da construção do referencial teórico sobre os temas abordados sobre espaços urbanos, emoção, design e place branding. Em seguida, fez-se o levantamento de alguns movimentos articulados pelos cidadãos, que não tenham relação direta com órgãos públicos ou iniciativas privadas. 14 Por fim, realizou-se pesquisa qualitativa on-line com cidadãos, buscando as suas percepções sobre o significado, sentimento e referências da cidade de Belo Horizonte. Optou-se pelo método on-line por ser mais dinâmico, além de propriciar ao entrevistado mais liberdade para expressar-se. E a última etapa foi a análise de alguns movimentos que atuam em Belo Horizonte. Para realizar essa análise, foram selecionados os coletivos urbanos, Desestressa BH, Coletivo Gentileza e o Imagina na Praça. Esses movimentos foram abordados sobre questões pertinentes sobre o movimento, a relação com a cidade, o papel do design e o papel dessas marcas na formação da imagem da cidade e, consequentemente, em sua marca. 15 2 A IMAGEM DA CIDADE E O DESIGN A imagem de uma cidade está relacionada à atuação dos seus atores nos âmbitos sociais, culturais, ambientais e econômicos. São eles que a constituem em seus vários aspectos, percebendo-a, vivenciando-a e concebendo-a a todo o instante. E o design em suas competências e interdisciplinaridades torna-se parte dessa construção. 2.1 A imagem da cidade 2.1.1 A imagem A palavra imagem para a maioria das pessoas está relacionada à representação visual de algo. Entretanto, Santaella e Nörth (2008) dividem o mundo das imagens em dois domínios: o das representações visuais e o domínio imaterial. As representações visuais abrangem os desenhos, pinturas, gravuras, fotografia, cinema, televisão, vídeo, holografia e infográficas, todas tangíveis. Já o segundo domínio, o imaterial, representa a mente, as visões, a imaginação, esquemas e modelos mentais. A tangibilidade das representações imagéticas depende de um processo individual de leitura, de apreensão e de decodificação dos elementos existentes do universo intangível do pensamento. Não existe separação entre ambos os domínios, pois para a materialização do primeiro é necessária a estruturação mental para a expressão das imagens em seus devidos suportes. Portanto, a imagem é uma das formas de expressão do pensamento e desempenha, desde os primórdios, papel de destaque na vida humana, que se justifica também pelo aspecto orgânico, um dos primeiros contatos sensoriais do homem com o mundo é por meio da visão. As imagens visualizadas no cotidiano são primeiramente projeções formadas no interior do cérebro, a partir do processo do aparelho ocular. No entanto, a compreensão e assimilação dessas imagens dependem das relações sociais e culturais que o indivíduo tem com o mundo. Para Flusser (2002, p. 9), 16 “as imagens são mediações entre homem e mundo. O homem ‘existe’, isto é, o mundo não lhe é acessível imediatamente. Imagens têm o propósito de representar o mundo”. E são por meio dessas representações que o homem decodifica o seu entorno criando conceitos, memórias para sua história. 2.1.2 A cidade A Revolução Industrial é o marco de profundas mudanças na sociedade, tanto econômicas quanto sociais. E é a partir desse momento histórico que a sociedade passa a articular em torno do capital, da produção em massa e, consequentemente, do consumo. Lefebvre (2006) lembra que a cidade existe muito antes da industrialização. O autor indica inicialmente a cidade política, que era dominada pelos arredores agrários. Em seguida, surge a cidade comercial e os processos de troca começam se estabelecer e a centralizar riquezas. Com o advento da indústria, as cidades já estabelecidas irão se adequar à nova realidade urbana. A indústria, a princípio, não está diretamente vinculada à cidade, pois é geralmente implantada próxima de fontes de energia e matérias-primas, mas aproxima-se da cidade para ficar perto do capital e da mão-de-obra. A indústria começa a gerar concentrações urbanas que acompanham o capital. Segundo Lefebvre (2006), o processo de industrialização e crescimento urbano tornam-se inseparáveis e ao mesmo tempo conflitantes. “As cidades são centros de vida social e política onde se acumulam não apenas as riquezas, com também os conhecimentos, as técnicas e as obras (obras de arte, monumentos)” (LEFEBVRE, 2006, p. 4). O autor apresenta a cidade como uma obra, que se contrapõe e duela com sua natureza capitalista moderna. A obra é valor de uso e o uso de uma cidade está relacionado às suas ruas, praças, edifícios, monumentos, é a festa que oferece prazer, sem o objetivo da troca. O valor de troca é o produto, comércio, consumo. As cidades antes do advento das indústrias possuíam uma concentração dos grupos de pessoas que cultivavam os costumes, culturas e conhecimento que valorizavam o local. Lefebvre (2004) lembra que a realidade urbana propiciou a perda de elementos da época anterior, das cidades antes da indústria, que possuíam a imagem enaltecedora, espaços demarcados e dominados pelos 17 monumentos, o sentido de pertencer e uma totalidade orgânica. A comunicação era feita face a face, a troca de experiência entre os habitantes fazia parte do cotidiano. Não existia o intercâmbio de valores tão intenso com outras cidades como nos dias atuais. O estado tinha o poder de manter a nação unida, tanto economicamente, como também no aspecto sociocultural. O crescimento de uma nação está, também, diretamente implicado na expansão do seu mercado consumidor, sendo criadas novas necessidades, novos hábitos de consumo. Novos valores são aos poucos consumidos e a cultura também é aos poucos modificada, as identidades que eram sólidas começam a se fragmentar ou até mesmo se desfazer. Como um conceito socioeconômico, a modernidade designa uma grande quantidade de mudanças tecnológicas e sociais que tomaram forma nos últimos dois séculos e alcançaram um volume crítico no final do século XIX: industrialização, urbanização e crescimento populacional rápidos; proliferação de novas tecnologias e meios de transporte; saturação do capitalismo avançado, explosão de um cultura de consumo de massa e assim por diante (SINGER, 2004, p. 95). A cidade é absorvida pelo ritmo imposto pela modernidade: sinais, cartazes, anúncios de publicidade, ruas, avenidas, prédios e monumentos contribuem para uma nova estimulação sensorial. O final do século XIX é um momento de inovações, novas tecnologias, produção em massa. A sociedade urbana produz e consome em ritmo crescente e acelerado. O cotidiano altera-se, esses novos elementos introduzidos alimentam os pensamentos e as imagens imaginadas e produzidas pelos indivíduos contribuem para a realimentação desses novos centros urbanos. Uma imagem ou representação da cidade pode se prolongar, sobreviver às suas condições, inspirar uma ideologia e projetos urbanísticos. Dito de outro modo, o “objeto” sociológico “real”, neste caso, é a imagem e, sobretudo a ideologia (LEFEBVRE, 2004, p. 61). A imagem de uma cidade é algo complexo de explicitar, pois ela abrange dos aspectos físicos até os conceitos intangíveis elaborados por cada um de seus atores. Portanto, as cidades estão sempre em construção, a sua imagem é formada por identidades, espaços e significados que se interpolam e agregam valores. 18 2.2 Componentes da imagem Segundo Lynch (2011), a cidade é o resultado de muitos construtores e está sempre mudando a sua estrutura por motivos particulares. Ele ainda afirma que não existe uma percepção na íntegra, mas sim fragmentada. A influência de cada ator social é fundamental na construção da imagem da cidade e nesse processo devem-se considerar três componentes: identidade, estrutura e significado. Uma imagem ambiental pode ser decomposta em três componentes: identidade, estrutura e significado. É conveniente abstraí-los para análise, desde que não se perca de vista que sempre aparecem juntos. Uma imagem viável requer, primeiro, a identificação de um objeto, o que implica sua diferenciação de outras coisas, seu reconhecimento enquanto entidade separável. A isso se dá o nome de identidade, não no sentido de igualdade com alguma outra coisa, mas com o significado de individualidade ou unicidade. Em segundo lugar, a imagem deve incluir a relação espacial ou pragmática do objeto com o observador e outros objetos. E por último, esse objeto deve ter algum significado para o observador, seja ele prático ou emocional (LYNCH, 2011, p. 9). Esses três pontos são abordados por Lynch principalmente do ponto de vista físico e ambiental das cidades. Entretanto, pode-se ampliar essa análise e considerar os aspectos humanos e sociais. 2.2.1 Globalização e identidade A identidade tornou-se um assunto cada vez mais discutido na época atual. Hall (2006) apresenta três concepções de identidade: a primeira é do sujeito do Iluminismo, que tem como essência o “eu”, a identidade do indivíduo. A segunda, o sujeito sociológico, que se baseia na identidade formada pela interação entre o “eu” e a sociedade. E o terceiro é a fragmentação do sujeito, sujeito pós-moderno que possui várias identidades que são formadas e transformadas em diferentes momentos. Segundo Canclini (2007), a globalização é indicada como elemento homogeneizador, devido à quantidade e à rapidez como as transações comerciais e a comunicação acontecem. Essa ideia de homogeneidade argumentada como tendência sugere a iminência de integração global. Mas o autor adverte sobre esse argumento de uniformidade por ela produzida, pois segundo ele não existe 19 consenso sobre a sua “capacidade em reorganizar ou decompor a ordem social” (CANCLINI, 2007, p. 41). Hall (2006, p. 77) também considera o argumento da homogeneização das identidades muito “simplista, exagerado e unilateral”. Segundo o autor, as identidades nacionais continuam fortes, entretanto, as identidades locais têm mais destaque. A origem da globalização é situada por Canclini (2007) a partir da segunda metade do século XX. De acordo com o autor, é importante entender a diferença entre a transnacionalização da internacionalização para compreender melhor a globalização. A internacionalização da economia e da cultura começa com as navegações; as colonizações e a abertura comercial com o extremo oriente e com a América Latina. Eram consumidos objetos e informações de outras localidades, mas a maioria era produzida no próprio local, o que vinha de fora passava por controles alfandegários que protegiam o seu país. O autor explica que a transnacionalização é uma consequência da primeira. A partir da primeira metade do século XX os fluxos, os movimentos, empresas e organizações não têm sede exclusiva em determinada nação. A globalização teve suas bases nesses dois processos, mas foi o desenvolvimento das tecnologias de informação que engendrou processos globais que proporcionam uma expansão para as mais diversas áreas econômicas, culturais, sociais. Esse processo se deslancha principalmente com o advento da informática e da internet. Hoje, os centros urbanos e as metrópoles são receptores e emissores de informações, comportamentos, modas, ideias, artefatos, etc. O discurso da globalização compreende o avanço do capital e, por consequência, o do consumo. De acordo com Harvey (1996, p. 307), o capital “é um processo de reprodução da vida social por meio da produção de mercadorias em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão profundamente implicadas”. Nesse sentido, pode-se considerar que a globalização impacta nas identidades nacionais de três maneiras (HALL, 2006): desintegrando as identidades; contribuindo no reforço da identidade local e particularista pela resistência; e no surgimento de novas identidades híbridas, fragmentadas, produzindo novas culturas: o multiculturalismo. A desintegração das identidades 20 advém, entre outros fatores, do consumo de imagens mediadas pelos meios de comunicação de outras culturas e pela exposição a influências externas. Também segundo Thompson (2001) os meios midiáticos possuem importante papel nas mudanças culturais, por ser um “multiplicador da mobilidade”, pois permitem que os indivíduos conheçam e vivenciem eventos que acontecem em lugares distantes e os estimulam a imaginar novas possibilidades às formas de viver características em seus locais: Os fluxos culturais entre as nações e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmo bens, “clientes” para os mesmo serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo (HALL, 2006, p. 74). O resultado é a produção de identidades fragmentadas, híbridas. Canclini (2007, p. 108) cita o Brasil como uma “sociedade nacional mais disposta à hibridação”. Isso se deve à maneira como foi colonizado e à sua história. O Brasil é um país extenso em território, não possui uma etnia predominante, porém, mantém a língua portuguesa como um elo desse vasto território. A miscigenação é a base; a cultura africana, indígena e a europeia proporcionaram o multiculturalismo e o sincretismo que fazem parte do cotidiano do brasileiro. São várias identidades locais construindo uma imagem do país que é reconhecida pelos outros países. Em relação ao reforço da identidade local e particularista pela resistência citada por Hall (2006), Castells (2002) também aborda os movimentos sociais, políticos e urbanos voltados para o local como formas de construção de identidades em contraponto aos princípios global. O autor cita três formas e origens de construção de identidade: a) identidade legitimadora - introduzida pelas instituições dominantes da sociedade na intenção de aumentar e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais; b) identidade de resistência - criada por atores que estão na situação de desvalorização ou estigmatizadas pela lógica da dominação; c) identidade de projeto - quando os atores sociais utilizam elementos culturais e constroem uma nova identidade que os reposiciona na sociedade. A identidade de resistência leva à construção de comunas ou comunidades. 21 Esses movimentos, com o transcorrer do tempo, geram um sentimento de pertença e, em muitos casos, uma identidade cultural. Castells (2002, p. 79) apresenta a hipótese de que para que isso aconteça é necessária a mobilização social: “as pessoas precisam participar de movimentos urbanos (não exatamente revolucionários) pelos quais são revelados e defendidos interesses comuns, e a vida é, de algum modo, compartilhada e um novo significado pode ser produzido”. Esses movimentos têm como objetivos principais as necessidades urbanas de condições de vida e consumo coletivo; a afirmação da identidade cultural local; e a conquista da autonomia política e participação na qualidade de cidadão. Possibilitam, assim, o fortalecimento da imagem da cidade e da cultura local. A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela História, Geografia, Biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo e espaço (CASTELLS, 2002, p. 23). De acordo com Bonsiepe (2011. p. 54), “a identidade não é tanto o que cada um tem, mas vive no imaginário do outro. Identidades pertencem ao I’imaginaire. Elas são artefatos de comunicação”. E são esses artefatos de comunicação que representarão as visualidades produzidas pelo imaginário, articulados em processos narrativos da identidade e, consequentemente, o estabelecimento de imagens que representem a individualidade ou particularidades citadas por Lynch. Castells (2000) lembra que identidades organizam significados. 2.2.2 O espaço urbano Segundo Certeau (2000, p. 202), existe uma oposição entre espaço e lugar e o lugar remete à ideia de algo inerte, indica a configuração de posição, enquanto o espaço é “o lugar praticado”. E cita o filosofo Merleau-Ponty, que distinguia o espaço geométrico, análogo à referência de lugar, do espaço antropológico que deriva de uma experiência, uma relação com o mundo. Assim, 22 as ruas traçadas e planejadas são transformadas em espaço quando exploradas pelos indivíduos, pela prática do lugar. Para outros autores, porém, como Carlos (2007a, p. 17-18), “o lugar é a porção do espaço apropriável para a vida - apropriada por intermédio do corpo dos sentidos - dos passos de seus moradores, é o bairro é a praça, é a rua e nesse sentido pode-se afirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a cidade latu sensu, a menos que seja a pequena vila ou cidade - vivida/ conhecida/reconhecida em todos os campos. Para Lefebvre (2004, p. 53), o urbano não se define somente pelo aspecto lugar de passagem ou de troca, mas como uma “realidade global implicado à prática social”. Não raro, a cidade vem sendo pensada ora como quadro físico (um simples mapa aberto na prancheta) ou como ambiente urbano (e, nessa dimensão, “naturalizada”), e em ambos os casos ignora-se o conteúdo da prática socioespacial, que lhe dá forma e conteúdo (CARLOS, 2007b, p. 19). A imagem tangível do espaço urbano diz respeito, a princípio, à sua elaboração ambiental. Porém, esses espaços só adquirem valores a partir do momento em que as pessoas interagem e fazem uma leitura de seus atributos de acordo com a própria vivência e valores pessoais. Criam-se, reinventam-se seus espaços a todo o momento. Lefebvre (2004) discorre sobre a dinâmica da rua, que possui seus prós e contras e sem ela não há vida urbana, pois a rua tem a função informativa, simbólica e lúdica. Para o autor, a rua não é simplesmente um lugar de circulação, é o lugar do encontro, do teatro espontâneo, do movimento, o lugar da manifestação cultural dos atos públicos. “A colonização do espaço urbano se efetua na rua pela imagem, publicidade, pelo espetáculo dos objetos: pelo ‘sistema dos objetos’ tornados símbolos e espetáculos” (LEFEBVRE, 2004, p. 31). Um exemplo é a escadaria do Bonfim, em Salvador. O lugar é uma escada que leva à porta de uma igreja, mas a prática social o transforma em espaço, o lugar é absorvido pela festa do Bonfim e a lavagem tradicional dessa escadaria transformou-se em uma das principais manifestações do estado da Bahia, uma imagem que é consumida pelo mundo. Outro exemplo é a Praça Sete, em Belo Horizonte, lugar onde milhares de pessoas passam todos os dias em ritmo 23 acelerado, o que não impede a apropriação do seu espaço por uma diversidade de grupos, são skatistas, artesãos, jogadores de xadrez, músicos, etc. Mas é também o lugar do consumo, dos desencontros, da individualidade. Observa-se, assim, uma imposição do valor de troca sobre o valor de uso das cidades. As ruas tornaram-se lugares de passagem, do transito caótico, da pressa diária. Nesta condição, o espaço se encontra, cada vez mais, dominado pela troca, na medida em que áreas antes desocupadas entram no circuito da troca ocupada por novas indústrias como a do turismo e lazer. Neste processo, a cidade transforma-se no espetáculo do consumo, as ruas redimensionam-se e ganham outro conteúdo que elimina o lúdico, pois se transforma em lugar de passagem. As grandes lojas de departamentos e os shoppings centers substituem o lazer, ou melhor, viram lazer (CARLOS, 2007b, p. 51). As cidades buscam por posicionamento no mercado global e é isso tem levado várias cidades a empenharem-se como para atrair eventos internacionais, tornarem destinos turísticos e lugares de entretenimento. Nesse sentido, observase uma movimentação do poder público no sentido de revitalizar ou requalificar os espaço públicos com a finalidade mercantil, reforçando o valor de troca das cidades. Deste modo, a renovação urbana, no momento atual, estabelece uma estratégia espacial de dominação em aliança com setores econômicos, que de uma lado revela a imposição do setor imobiliários como elemento dinâmico da economia, tornando patente a mobilização da riqueza fundiária e imobiliária, compreendida como extensão do capitalismo financeiro; e, de outro, as transformações recentes da economia capitalista, a entrada do setor da construção civil no circuito industrial moderno, associado ao desenvolvimento maciço da tecnologia em função da imposição dos novos padrões de realização da atividade econômica nas cidades mundiais (CARLOS, 2007b, p. 76-77). De acordo com Peixoto (2009), as palavras reabilitação urbana e requalificação correspondem a uma série de intervenções nos centros históricos ou em áreas que se encontram em processo de deterioração. Geralmente essas áreas não devolvidas para os seus habitantes e quando isso ocorre as pessoas são dali expulsas naturalmente em um processo de gentrificação2. 2 Gentrificação é uma tradução da palavra inglesa “gentrification”, que significa o fenômeno de valorização de uma região ou bairro gerado pela renovação/revitalização de áreas degradadas. 24 Entanto, não se pode esquecer de que é na rua ou por meio dela que os cidadãos podem exercer o seu direito de apropriar das cidades. 2.2.3 O significado do espaço A respeito do aspecto do significado prático ou emocional, Castells (2002, p. 23) define “significado como a identificação simbólica por parte de um ator social, da finalidade da ação praticada por tal ator”. As cidades são marcadas por elementos significativos que constroem o presente e fazem reviver o passado. Segundo Lefebvre (2004) a cidade e o fenômeno urbano não se restringem a um único sistema de signos e significações, existindo vários, em diferentes escalas. a) Ao que se refere à vida cotidiana - objetos, produtos, da troca e do uso, da mercadoria e do mercado, signos e significações do habitat e do habitar; b) a sociedade urbana no seu todo - a semiologia do poder, da potência, da cultura no seu todo ou em partes; c) o do tempo e do espaço urbano particularizado - a semiologia das características próprias de determinada cidade, de sua paisagem, sua fisionomia e seus habitantes. Cada elemento influencia de forma diferente o indivíduo ou os grupos. Essa relação é estabelecida de acordo com a prática urbana, com a concepção de espaço, bagagem cultural, relações de afetividade concebidas e vivências, mesmo que de modo virtual. Segundo Pesavento (2007), a cidade é um fenômeno representado pela percepção de emoções, sentimentos, expressões de utopias, desejos e medos que o viver urbano propicia. É quase impossível vivenciar um espaço urbano sem experimentar algum tipo de reação ou emoção. Lynch (2011) também discorre sobre essa multiplicidade e interação dos indivíduos nas cidades. 25 A cidade não é apenas um objeto percebido (e talvez desfrutado) por milhões de pessoas de classes sociais e características extremamente diversas, mas também o produto de muitos construtores que, por razões próprias, nunca deixam de modificar sua estrutura (LYNCH, 2011, p. 2). Na contemporaneidade, vivenciar um espaço urbano não é necessariamente uma interação face a face. No processo de construção de significados das cidades, os meios midiáticos possuem papel preponderante na criação e sustentação e fragmentação de imagens. Segundo Thompson (2001), a interação, que antes acontecia face a face, passou a ser mediada pelos meios de comunicação que alteram a organização espacial e temporal da vida social, criando novas possibilidades de interação e ação nos modos de exercer o poder. A comunicação de massa trabalha a produção, o armazenamento e a circulação de mensagens que possuem significados para o receptor. A comunicação é realizada em sentido único e é disponibilizada para elevado número de pessoas ao mesmo tempo. E para concretizar essa difusão são utilizados vários meios técnicos: a televisão, o rádio, cinema, jornais, revistas, etc. Ferrara (2008) acredita que, com a difusão de meios de comunicação, os espaços das cidades são vistos a distância, conhecem-se e elegem-se os lugares dos sonhos. As metrópoles são dominadas pela imagem e transformam-se em produtos imaginados, reproduzido para milhões de espectadores que consomem esses espaços. Os indivíduos são transportados para Londres, Paris, New York, Barcelona, Tóquio, entre outras. Vive-se um simulacro de emoções durante um tempo determinado. A imagem estimulada desperta o desejo de experienciar essas emoções imaginadas. O espaço social assume definitivamente seu caráter midiático e esta nova manifestação supõe cuidadosa lógica de produção, tendo em vista a consequente e competente recepção pensada, planejada e determinada por aquela lógica. Assim a mediação que decorria das próprias características construtivas das espacialidades da cidade cosmopolita se transforma em mídia e programa comunicativo (FERRARA, 2008, p. 69). Os aparatos midiáticos são responsáveis, também pela transmissão de informações e imaginários a respeito da vida urbana (CANCLINI, 2007). Proporcionam condições de veicular mensagens transnacionais. Thompson lembra que os produtos midiáticos globalizados proporcionam aos indivíduos um afastamento simbólico do seu cotidiano e permitem que passem a conceber 26 maneiras de viver e condições de vidas muito diferentes da sua realidade diária. Essas imagens consumidas servem de base para um julgamento das suas condições de vida. É importante ressaltar o ciberespaço, que de acordo com Castells (2000) gera significativo número de comunidades virtuais. A tecnologia da informação cria uma nova possibilidade de interação e de produção de espaços virtuais, nos quais os atores sociais possuem acesso à informação, não somente assimilando a informação sem uma forma direta de interação, o que acontecia com a comunicação realizada pelos meios tradicionais da comunicação de massa. O autor propõe também que para a maior parte dos atores sociais na sociedade em rede o significado articula-se em torno de uma identidade que estrutura as demais ao longo de tempo e do espaço. A evolução da tecnologia, a chamada web 2.0, propicia a qualquer pessoa produzir os seus conteúdos e disponibilizá-los na rede, por intermédio de blogs, redes sociais e outras pessoas que interagem com o conteúdo veiculado em curto espaço de tempo. As imagens que remetem à representatividade tangível do espaço de uma cidade podem ser rapidamente acessadas de qualquer lugar do mundo via satélites. São blogs, redes sociais e sites que compartilham informações, vivências de atores sociais nos mais diversos locais do mundo. A identidade, os espaços e os significados da cidade são construídos de maneira colaborativa. Se na comunicação face a face essa construção era limitada a um tempo e espaço, na rede esse processo é realizado sem limites, o indivíduo não precisa pertencer fisicamente a um espaço para ter condições de interagir. E a vida cotidiana já absorveu esses elementos e a sua intermediação na percepção dos espaços. Portanto, a imagem da cidade é algo complexo e está diretamente relacionado pelas ações e formas de interação dos atores sociais com os espaços urbanos. 2.3 O design na cidade Segundo Moraes (2008, p. 15), “uma disciplina como o design, pelo seu caráter holístico, transversal e dinâmico, posiciona-se como alternativa na aproximação de uma correta decodificação da realidade contemporânea”. E são essas competências de design que podem transformar os centros urbanos a favor 27 dos seus atores sociais, explicitando os seus anseios e necessidades, propondo experiências que provoquem emoções e traduzem culturas e identidades. As cidades são constituídas de artefatos e possuem vasto campo de design. Cardoso (2012) considera como artefatos todos os objetos produzidos pela atuação humana e os divide em duas modalidades: os móveis e os imóveis. O autor questiona a existência de artefatos “imóveis”, pois até mesmo esses objetos são passíveis de mudanças, seja de ordem tangível ou intangível. Para o autor, existem seis fatores condicionados ao significado do artefato que possuem a capacidade de alterar essa imobilidade. Três estão ligados à materialidade do objeto: o uso, o entorno e duração. E os outros três dizem respeito à percepção que os indivíduos fazem dele: o ponto de vista, o discurso e a experiência. Nesse sentido, podem-se considerar os espaços urbanos como artefatos que estão sujeitos à ação dos atores sociais, impregnados de significados que narram, com base nas visualidades, as histórias de uma cidade. Essas histórias normalmente evocam memórias e emoções. Os projetos de design urbano sugerem uma mudança na concepção e experiência dos seus espaços, e entram no campo do urbanismo e do lazer. Também nos aspectos da Geografia, já que implicam mudanças nos status econômicos e culturais das cidades em um contexto global 3 (JULIER, 2008, p. 159, tradução da autora) . Os projetos de design devem considerar todos os aspectos de vivência e interação dos atores sociais com os espaços urbanos e a maneira como eles o utilizam, seja nos movimentos diários ou nos momentos de entretenimento. Os seus aspectos sociais, econômicos e culturais são preponderantes nos momentos de análise do espaço a ser projetado ou reestruturado pelo design. No design para cidades observam-se várias áreas de interdisciplinaridade: na arquitetura dos lugares, no mobiliário urbano, nas intervenções urbanas, na comunicação visual, nos movimentos urbanos. Em uma cidade na qual já existem projetos urbanos Lynch (2011) sugere que o design tem o papel de fazer uma reestruturação do ambiente, descobrir e 3 “Los proyectos de diseño urbano sugieren un cambio en la concepción y la experiência de lós espacios de la ciudade, y entran um el campo del urbanismo y um el ócio. También um el de la geografia, ya que implicam câmbios en el estatus econômico y cultural de las ciudades en un contexto global” (JULIER, 2008, p. 159) 28 preservar as imagens fortes, propor soluções para as dificuldades, ressaltar as identidades latentes. Jullier (2008) cita o caso de Barcelona, que é um exemplo de cidade que teve a sua revitalização pautada pelo design. Muitas pessoas ignoram essa faceta que se iniciou nos anos 1980 e 1990 e foi motivada por sediar os Jogos Olímpicos de 1992. A infraestrutura da cidade estava descuidada e esse descaso foi o resultado de quatro décadas de ditadura militar. O processo de transição para a democracia despertou um reposicionamento ideológico, cultural e estético da região. O design foi utilizado para posicionar e diferenciar a cidade. A sua imagem foi revitalizada, o sentimento de pertencimento foi reforçado com a criação da marca país, “Barcelona més que mai” (Barcelona mais que nunca) (JULIER, 2008, p. 170) (FIG. 1). O seu novo design passou a fazer parte do cotidiano e incentiva um orgulho cívico pela cidade, apresentando uma nova Barcelona para os seus cidadãos e para os demais do mundo. FIGURA 1 – Marca país Barcelona Fonte: http://www.todocoleccion.net. Lynch (2011) refere-se também a casos em que a proposta é de criação, de renovação do espaço urbano. O designer deve considerar todos os elementos que envolvem o lugar para desenvolver um projeto que acrescente e/ou desperte para as qualidades do local. Bonsiepe (2011) cita os esforços das chamadas novas cidades de design que exibem as creative industries para comprovar seu caráter excepcional. As novas cidades de design são assim chamadas por possuírem uma identidade diferenciada que se manifesta nas creatives industries, que são setores da indústria voltados para o entretenimento, moda, pesquisas de tendências, além da 29 indústria tradicional. O autor resume explicando que, no geral, trata-se de marketing de cidades para um determinado grupo social que possui condições de usufruir determinado estilo de vida. Nesse sentido, o design é ferramenta utilizada para reforçar o valor de troca da cidade. De acordo com Julier (2008), vários aspectos devem ser considerados no âmbito do design: a arquitetura, o intercâmbio das informações, o fluxo e o refluxo da vida cotidiana. Os mobiliários urbanos são geralmente artefatos integrados aos espaços públicos e têm por objetivo oferecer serviços à população: seja na área do lazer, da limpeza ou do descanso, entre outras. Estão diretamente ligados ao desenvolvimento econômico, social e cultural da cidade. O dicionário de urbanismo conceitua mobiliário urbano como: Conjunto de elementos materiais localizados em logradouros públicos ou em locais visíveis desses logradouros e que complementam as funções urbanas de habitar, trabalhar, recrear e circular: cabinas telefônicas, anúncios, idealizações horizontais, verticais e aéreas; postes, torres, hidrantes, abrigos e pontos de parada de ônibus, bebedouros, sanitários públicos, monumentos, chafarizes, fontes luminosas, etc. (FERRARI, 2004, p. 240). O design desses artefatos, além de atender aos aspectos da funcionalidade, da acessibilidade, do conforto e da segurança dos seus usuários, deve propor uma integração com elementos culturais e sociais para maior interação entre os usuários. Muitos desses espaços tornam-se cenários de apresentações culturais, de encontros, de trocas de experiências. Os bancos, postes de iluminação e balaústres fazem mais do que servir como apoio ou assento para pedestres cansados: contribuem para redefinir a identidade urbana através de suas formas. São detalhes arquitetônico, mas que, também fazem parte de um tratamento gráfico da paisagem urbana. Sua missão é de comunicar (JULIER, 2008, p. 159, 4 tradução da autora) . Segundo Montenegro (2005), os atributos materiais (cor, forma, textura) e projetuais dos mobiliários dialogam com os seus usuários quando expressam a identidade, aspectos da cultura local, comportamentos e anseios. Devem também 4 “Los bancos, farolas y barandillas hacían algo más que servir como asidero o asiento para los transeuntes cansados: contríbuian a redefinir la identidad urbana a través de sus formas. Eran detalles arquitectónicos, pero también parte de un tratamiento gráfico del paisaje urbano. Su misión era comunicar” (JULIER, 2008, p. 159). 30 comunicar-se com a arquitetura e com a paisagem urbana. Nos anos 70, conforme Cardoso (2010), um dos mobiliários urbanos no Brasil mais difundidos foi a cabine telefônica, conhecida como orelhão. Esse mobiliário era durável, barato e se tornou parte integrante em quase todas as cidades brasileiras. O design, que inicialmente tinha uma forma padrão, depois começou a se diversificar atendendo à identidade cultural de determinados lugares (FIG. 2). Hoje, com a expansão da telefonia móvel, o orelhão virou um objeto quase inexistente na paisagem urbana. FIGURA 2 – Telefone público em forma de Berimbau: Bahia Fonte: André Luis (http://blog-pt.hostelbookers.com). As intervenções urbanas são manifestações localizadas que transformam o cotidiano. São consideradas arte de rua por alguns. Elas são, na maioria dos 31 casos, de caráter experimental e são normalmente realizadas em espaços públicos, transformando-os em espaços comunicantes. São geralmente efêmeras, durando exatamente o tempo em que acontecem. Em alguns casos os registros perduram por mais tempo. Algumas intervenções são peças de teatro, manifestações culturais itinerantes ou mesmo publicitárias. No caso das expressões gráficas, desenhos, pinturas, grafites acontecem em espaços com aspectos abandonados ou degradados como muros, viadutos, pontes, paredes entre outros, ou áreas reservadas para esse intuito. Essas intervenções alteram a paisagem e o cotidiano do espaço urbano, com o forte apelo visual e seus temas que provocam emoções diversas nos transeuntes. A paisagem urbana de uma cidade também é influenciada pela comunicação visual estampada nos centros urbanos. São placas, anúncios, cartazes que dizem muito a respeito do ritmo e dos desejos dos seus cidadãos. Mas o bom fluxo de uma cidade depende do acesso às suas informações, que devem ser claras e legíveis e devem atender, segundo Hollis (2001), às funções básicas de identificar (placas, letreiros, marcas, etc.), informar e instruir (mapas, diagramas, sinalização). 2.3.1 Influência do design na construção de marcos nas cidades De acordo com Lynch (2011), são considerados marcos de uma cidade elementos pontuais, considerados externos ao observador. São normalmente representados por um objeto físico: edifícios, esculturas, monumentos, torres, sinalização, lojas ou montanhas. Seu uso implica a sua distinção e evidência em relação a expressiva quantidade de outros elementos. Uma vez que o uso de marcos implica a escolha de um elemento dentre um conjunto de possibilidades, a principal característica física dessa classe é a singularidade, algum aspecto que seja único ou memorável no contexto. Os marcos se tornam mais fáceis de identificar e mais passíveis de serem escolhidos por sua importância quando possuem uma forma clara, isto é, se contrastam com o pano de fundo e se existe alguma proeminência em termos de sua localização espacial (LYNCH, 2011, p. 88). Os marcos, na maioria das vezes, não surgem como tais, tornam-se referências com o passar do tempo. De acordo com seu uso e relevância para os 32 indivíduos, transformam-se em referências com significados históricos e emocionais. Segundo Lynch (2011, p. 90), “quando uma história, um sinal ou significado vem ligar-se a um objeto, aumenta o seu valor enquanto marco”. E o design desempenha relevante papel nesse processo de significação, pois a partir dele muitos desses marcos são ressaltados e tornam-se ícones para a cidade no momento de projeção das imagens imaginadas. O autor cita o exemplo do Duomo de Florença, que se destaca pela visibilidade e harmonia. Sua presença é tão forte que é difícil pensar em Florença sem que esse grande edifício venha à mente. Ainda segundo o autor, “o ambiente conhecido por seus nomes familiares a todos oferece material para as lembranças e símbolos comuns que unem grupos e permitem que seus membros se comuniquem entre si” (LYNCH, 2011, p. 143). Todas as cidades possuem os seus marcos, em vários casos são ícones mundiais de referência, não é possível pensar em Paris sem a Torre Eiffel, New York sem a Estátua da Liberdade, Belo Horizonte sem a Igreja da Pampulha. Esses espaços foram apropriados e preenchidos com vivências, histórias, culturas e símbolos e fazem parte da memória afetiva de seus cidadãos e são reproduzidos como elementos referenciais de suas cidades. Na visão de Cardoso (2012), os marcos da cidade passam por mudanças de valores, função e significados de acordo com cada época. Sofrem a influência do entorno e, apesar de suas aparências de imobilidades, são mutáveis. No caso de Belo Horizonte, pode-se citar a Praça da Liberdade, que passou por várias mudanças que alteraram a percepção com o passar dos anos. A praça já foi o cenário do poder público, com o Palácio do Governo e suas secretarias; teve o seu entorno alterado quando foi construído o Edifício Niemeyer; e anos depois o edifício conhecido como Rainha da Sucata. Esses dois edifícios não fazem parte da arquitetura original e destoam do conjunto. Durante duas decadas abrigava em seu espaço a Feira Hippie, que hoje funciona na avenida Afonso Pena. Após um processo de revitalização a praça faz parte de um circuito cultural que abriga museus patrocinados por empresas privadas. Seu espaço mudou muito durante esses anos, devido à ação dos atores sociais, poder público e privado. Tome-se o exemplo da praça, mas sabe-se que todos os artefatos de uma cidade estão sujeitos a mudanças, resultantes de interação social. 33 A metrópole pode ser contemplada como uma grande matriz espacial e visual, demarcada por indícios codificados visualmente. Esses indícios ou marcos precisam ser ajustados e reajustados de modo contínuo, porque a navegação de pessoas e coisas acarreta o desgaste dos caminhos percorridos. Do ponto de vista de cada usuário, situado dentro da malha, os marcos estão ali para facilitar a navegação. São interfaces (CARDOSO, 2012, p. 204). As imagens desses marcos são registradas na memória dos cidadãos, fazem parte da construção do cotidiano, com histórias, vínculos emocionais e experiências vividas. Lynch (2011, p. 133) lembra que “essa imagem é o resultado de um processo de mão dupla entre observador e observado, em que a forma física externa sobre a qual o designer pode operar representa um papel fundamental”. O design pode influenciar e intensificar essas relações entre objeto e observador, produzindo símbolos, marcas, sinalização e produtos que irão remeter aos marcos em qualquer lugar. Vários produtos são criados para representar os pontos marcantes da cidade. Conforme Norman (2008), servem de presentes e recordações. São cartões postais, souvenires de viagens que reproduzem monumentos, prédios, esculturas, elementos marcantes da cultura local. Esses objetos são considerados kitsch5 no mundo das artes e do design, por remeter a uma cópia barata das obras existentes, mas são importantes como símbolos, referências de lembranças associadas a experiências e sentimentos vivenciados. Esses exemplos imprimem a repercussão desses marcos na mente das pessoas e o significado de identidade local que eles representam, remetendo a experiências que preechem desejos. Percebe-se, assim, que o design em sua interdisciplinaridade possui ferramentas que podem proporcionar agregar valores à imagem da marca aplicada a lugares. A tangibilidade de suas ações resulta em valores intangíveis do bem-estar de viver, visitar e experienciar um lugar. Segundo Gobé (2010, p. 11), “design é mais do que o veículo pelo qual as marcas se expressam e se conectam com seus clientes. [...] o design é um reflexo do ecossistema humano”. A criação de uma marca voltada para uma cidade deve ser a junção dos diversos elementos que a constituem, a sua identidade, os seus espaços urbanos 55 “O termo em seu sentido moderno foi cunhado por volta de 1860 e vem do alemão Verkitshen, que quer dizer trapacear, receptar, vender alguma coisa no lugar do que havia combinado. É uma negação do autêntico. Uma mercadoria ordinária” (MOLES, 2001, p. 10). 34 e os significados a ela atribuídos e o design trabalhado de forma interdisciplinar, seja na arquitetura dos lugares, no mobiliário urbano, nas intervenções urbanas, na comunicação visual. Contribui de forma fundamental na formação da imagem da cidade, na sua marca, conforme será visto no próximo capítulo. 35 3 PLACE BRANDING O termo branding aplicado a países, cidades e lugares tem sido motivo de muita discussão. Anholt (2007) ressalta que quando se trata do assunto marca no contexto de países, cidades ou lugares, as pessoas tendem a pensar nas técnicas de persuasão usadas para promover a “venda” do país. E maioria não gosta disso. O autor ainda narra que um jornalista comparou a marca de lugares com a marca de gado: a aplicação de um logotipo atraente, um slogan atrativo e a comercialização do lugar como se fosse apenas um produto no supermercado global. Anholt (2007) lembra que é importante compreender a diferença entre marca/brand e branding para, assim, entender a proposta do place branding. 3.1 Conceitos sobre marca A palavra marca, também conhecida como brand na versão inglesa, está presente já há alguns séculos na vida das pessoas. As marcas fazem parte do cotidiano, das ruas, da vida dos indivíduos. E é essa onipresença que alimenta os conceitos sobre o que é uma marca. Costa (2011, p. 17) corrobora essa premissa: “é verdade que todo o mundo sabe o que é uma marca, porque vivemos rodeados de marcas e assediados por elas, mas a resposta à pergunta ‘o que é uma marca’ varia conforme a quem perguntemos”. Anholt (2007), afirma que a maioria das pessoas pensa na marca como sinônimo de publicidade, promoção, design gráfico ou relações públicas. Calder (2006, p. 28) apresenta também essa questão “[...] se você perguntar o que é marca, a resposta é frequentemente longa (às vezes, tem a extensão de um livro!) e, geralmente, varia fortemente entre empresas, consultores e diferentes autores”. O termo “marca”, como relembra Costa (2011, p. 20), refere-se à condição essencial do ato de marcar: “uma marca é o sinal que deixa o ato de marcar, a marcação de uma matriz ou um traço sobre uma superfície”. Esse sinal impresso sobre alguma superfície, de forma intencional, comunica um significado para que os indivíduos entrem em ressonância com esse elemento, vinculando-o a uma 36 identidade. E é esse conceito que remete aos primórdios da marca, quando era usada para identificar o gado. A definição apresentada pela American Marketing Association (AMA) aproxima-se do conceito nascente. “Marca é um nome, termo, símbolo, desenho ou uma combinação desses elementos que deve identificar os bens ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores e diferenciá-los dos da concorrência” (KELLER, 2006, p. 2). Para alguns autores, a marca apresenta também um aspecto mais intangível. O designer francês Joël Desgrippes (GOBÉ, 2002) apresenta a seguinte ideia sobre o assunto: Criar marcas não diz respeito somente à onipresença, à visibilidade e às funções, mas também à ligação emocional com as pessoas na vida diária. É tão somente quando um produto ou um serviço provoca um diálogo emocional com o consumidor que realmente pode qualificar-se como marca (GOBÉ, 2002, p. 17). Neumeier (2008, p. 149) acompanha o raciocínio quando afirma que “a marca é um sentimento visceral de uma pessoal em relação a um produto, serviço ou empresa. Ela não é o que você diz o que ela é. Ela é o que os outros dizem que ela é”. Portanto, pode-se concluir que a marca abrange esses diversos conceitos, pois ela reúne os elementos tangíveis como o nome, logotipo e embalagem, importantes para identificar o produto ou serviço. E também os aspectos intangíveis, sua reputação perante os indivíduos. 3.2 A marca: evolução Essa ampla compreensão sobre o conceito de marca pode ser atribuída à sua evolução histórica. A primeira fase desse processo, segundo Costa (2011), remete-se à necessidade de marcar, de criar uma identificação. Os sinais eram basicamente funcionais, seja na lapidaria da construção civil da época, seja na identificação do gado. Após a invenção da moeda, a atividade comercial intensificou-se e tornouse importante identificar a origem e a responsabilidade pela circulação de mercadorias. Surge, assim, a marca comercial. 37 No período medieval, a marca torna-se obrigatória e possuía um compromisso com a qualidade. “Graças a essa prática era possível verificar se as mercadorias eram de boa qualidade e, caso contrário, a lei castigava os infratores” (COSTA, 2011, p. 49). A Idade Média é conhecida pelas guerras santas, as Cruzadas. E a marca de identidade é, na heráldica, uma forma eficaz de diferenciar os amigos dos inimigos no campo de batalha. De acordo com Costa (2011), o brasão, normalmente posicionado no escudo, recebeu a função dos signos de reconhecimento. Com o passar do tempo, os brasões tornaram-se uma marca de nobreza e hierarquia, sendo transmitidos de forma hereditária, chegando a ser usados como símbolos nacionais. Marca de identidade é na heráldica uma espécie de equivalente do nome próprio – ou assinatura pessoal – e serve para identificar uma pessoa, uma família ou uma linhagem. Mas, ao mesmo tempo, pode ser marca de propriedade, como os brasões feudais ou nobres; marcas de posse, como as que agrupam os guerreiros; marcas de reconhecimento (que é a função das marcas de posse); marca hierárquica (uniformes, insígnias de graus, escudos); ou marcas corporativas (de grêmios ou ofícios) (COSTA, 2011, p. 57). A Revolução Industrial, que aconteceu entre os séculos XVIII e XIX, foi um marco para a sociedade. Cardoso (2010) realça que, a partir desse momento, desencadearam-se novos processos de produção em grande escala a um custo cada vez mais baixo. Nesse período nasceu a marca registrada e a confiança dos consumidores foi despertada. “A marca não era mais do que uma garantia da procedência do produto, mas para o patrimônio do comerciante a marca é ativo que lhe permite atrair e conservar clientela” (COSTA, 2011, p. 65). Segundo o autor, no princípio do século XX a marca passou a ser promovida e divulgada por meio de anúncios publicitários, adquirindo, assim, novos valores. Começou dessa maneira o processo de vender a marca associada ao produto (FIG. 3). A publicidade se estendeu no exterior com os grandes cartazes e nas cidades com os anúncios luminosos e o neon. Depois vieram o rádio, o cinema... e o marketing, a contribuição mais importante do século XX para a história do comércio (COSTA, 2011, p. 67). 38 FIGURA 3 – Anúncio da Arno dos anos de 1950 Fonte: http://historiasdefusca.blogspot.com.br. Os meios de comunicação aproximaram ainda mais as marcas dos indivíduos, fazendo parte do visual urbano e adentrando lares e o cotidiano. Surgiu, então, uma nova cultura de valores e uma sociedade de consumo. Após o período industrial, que Costa (2011) considera a partir da metade do século XX, as marcas começaram a assimilar os atributos dessa nova cultura, do imaterial, do intangível e dos valores. “Atualmente, a marca é um fenômeno complexo (economia da informação, conhecimento)” (COSTA, 2011, p. 90). cultura de serviço, sociedade do 39 Semprini (2010, p. 26) divide essa era pós-industrial em etapas. Na primeira fase, considera um período de aproximadamente 15 anos (1958-1973) as marcas substituem os produtos e acompanham o progresso do consumo de massa. “Elas nomeiam, identificam, diferenciam. Elas acompanham as práticas de consumo, mostrando como utilizar os novos produtos e garantindo a própria qualidade” (FIG. 4). Marcas como Maizena, Bombril, Gillete, Pó-Royal, Xerox, Leite Moça, entre outros, são exemplos que ainda estão presentes no cotidiano, designando produtos como o amido de milho, esponja de aço, lâmina de barbear, fermento em pó, fotocópia e leite condensado. FIGURA 4 – Anúncio da Maizena dos anos de 1959 Fonte: http://www.unilever.com.br. Nos 10 anos seguintes, a sociedade de consumo foi questionada em função da crise do petróleo de 1973 e 1977, desacelerando a economia. De acordo com Semprini (2010), as marcas atravessaram um período de estagnação. Mas foi a partir dos anos de 1980 até o início dos anos 2000 que elas passaram por mudanças em sua forma funcional e no seu papel no mercado. O uso da publicidade é valorizado “na construção de um discurso de marca” (SEMPRINI, 2010, p. 29). Por exemplo, a comunicação da marca Benetton (FIG. 5) abordou 40 assuntos polêmicos, como a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), racismo, trabalho infantil, entre outros, e assumiu papel de destaque nos debates sociais. FIGURA 5 – Campanha Benetton Amamentar 1989 Fonte: http://www.propagandashistoricas.com.br. O quarto ciclo iniciou-se após o início do século XXI e foi marcado por crises econômicas, avanços tecnológicos, novas formas de produção e de consumo. Semprini (2010) ainda discorre sobre o alcance contemporâneo da marca. Enfim, pudemos constatar o quanto é importante, quando se analisa o lugar das marcas no espaço social, distinguir entre poder material e poder simbólico, entre poder econômico e poder de sedução, entre legitimidade comercial e legitimidade cultural (SEMPRINI, 2010, p. 35). A marca tornou-se, de acordo com Semprini (2010) e Costa (2011), um organismo complexo, que passou de signo a símbolo. A Apple é um exemplo de marca que representa essa complexidade na sua essência. O signo da maçã representa uma empresa de tecnologia que trabalha o conceito de inovação, design e modernidade. Mas os seus valores intangíveis ultrapassam a funcionalidade de seus produtos e alcança um simbolismo que atribui diversos valores a quem exibe, abrangendo comportamentos, julgamentos, status e uma série de valores imaginados pelo indivíduo (FIG. 6). 41 FIGURA 6 – Logotipo da Apple tatuado Fonte: http://obviousmag.org. 3.3 A marca: identidade e imagem A marca, a partir de então, assumiu amplo aspecto e tornou-se campo de estudo de disciplinas diversas, como o Design, a Psicologia, a Antropologia, entre outras. Ela adquiriu uma imagem que reflete o imaginário de cada indivíduo. E é essa imagem que motiva debates e estudos. De acordo com Costa (2011, p. 8586), “aprofundar-se na imagem da marca é, como dizíamos no princípio, penetrar no imaginário social, na Psicologia cotidiana, no mundo pessoal das aspirações, das emoções e valores”. Costa (2011) ainda ressalta que a palavra imagem remete à ambiguidade. O termo apresenta a “imagem como objeto material, representação física de coisas, de objetos e produtos que se encontram em nosso ambiente e também o conceito de “imagem como representação mental, produto sintético e intangível da imaginação individual – e, por extensão, do imaginário coletivo” (COSTA, 2011, p. 86). A marca moderna abrange dois aspectos: a imagem física (logotipo, símbolos, embalagem, etc.), que é a representação física da imagem mental. Para alguns autores (ANHOLT, 2007; COSTA, 2011; WHEELER, 2012), a imagem física, perceptiva da marca, é chamada de “identidade da marca” e a imagem mental, simbólica é considerada “imagem da marca”. 42 De acordo com Heilbrunn (2004), a identidade da marca possui o atributo de garantir o reconhecimento imediato da empresa, produto ou serviço. Anholt (2007) lembra que esse aspecto é o cerne da concepção do produto, clara e visualmente expresso. É o que o consumidor vê: a logo, o slogan, embalagem, o design do próprio produto. É também o aspecto que torna tangíveis as aspirações da marca. A identidade da marca é tangível e faz um apelo para os sentidos. Você pode vê-la, tocá-la, agarrá-la, ouvi-la, observá-la se mover. A identidade da marca alimenta o reconhecimento, amplia a diferenciação, torna grandes ideias e significados mais acessíveis. A identidade da marca reúne elementos díspares e os unifica em sistemas integrados. (WHEELER, 2012, p. 14). Segundo Aaker (1998, p. 212) “o papel do símbolo, [...] é de ser um indicador [...] cujo resultado é um dispositivo mnemônico útil para o público-alvo”. O autor também lembra que o símbolo em uma marca pode ser o condensador de valores relativos ao conhecimento e às associações e resultará na qualidade percebida e na lealdade. Já a imagem da marca abrange, em seu contexto, aspectos da ordem do intangível, reunindo em si propostas, conceitos, discursos, desejos, entre outros. Nesse processo existe o que a organização deseja que a marca expresse. E existe o consumidor, que sintoniza com a marca, criando para si uma imagem mental sobre a marca. À medida que a concorrência cria uma infinidade de opções, as empresas passam a buscar formas de estabelecer uma ligação emocional com os clientes, tornar-se insubstituíveis e desenvolver relações duradouras. Uma marca forte se destaca em um mercado. As pessoas se apaixonam pelas marcas, confiam nelas e acreditam em sua superioridade (WHEELER, 2012, p. 12). Assim sendo, a imagem da marca abrange aspectos que vão além do incentivo ao consumo. Elas criam um processo de identificação íntima com os indivíduos, o que abre espaço para a utilização da marca em outras esferas não comerciais, como, por exemplo, em organizações não governamentais (ONGs), movimentos sociais, partidos políticos, entre outros. Calkins (2006, p. 2) afirma que as “organizações que não visam lucros são marcas, grupos religiosos são marcas e qualquer pessoa é uma marca”. 43 No campo de estudo sobre a marca, é importante entender o conceito de brand equity e brand purpose. Segundo Aaker (1998, p. 16), “brand equity é um conjunto de ativos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam ou se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma empresa e/ou os consumidores”. Esses ativos incluem a lealdade à marca, conhecimento do nome e de seus símbolos, qualidade percebida e as associações realizadas. Marcas como a Coca-Cola, Apple, Nike, entre outras, possuem um valor de marca que impacta no patrimônio das respectivas empresas. Já o brand purpose citado por Anholt (2010) trata do conceito de cultura corporativa ou branding organizacional. Coolidge (2006, p. 303) salienta que “a marca deve refletir a cultura da organização e sua realidade. Se não for assim, a marca é uma fraude”. Um branding é constituído também dos seus stakeholders, ou seja, dos seus funcionários, clientes, colaboradores e a comunidade em seu entorno. 3.4 Branding: a gestão de marca A complexidade precisa ser organizada e gerenciada e esse processo de gestão de marcas é conhecido como branding: Branding é o conjunto de ações ligadas à administração das marcas. São ações que, tomadas com conhecimento e competência, levam as marcas além da sua natureza econômica, passando a fazer parte da cultura e influenciar a vida das pessoas. Ações com a capacidade de simplificar e enriquecer nossas vidas num mundo cada vez mais confuso e complexo (MARTINS, 2006, p. 8). Costa (2011) e Aaker (1998) complementam a ideia de Martins (2006), ao lembrarem que a gestão de marca é um aspecto importante na gestão de ativos intangíveis. Seu simbolismo, significado, discurso emocional, as mensagens, a identidade, a personalidade, a cultura, a reputação, o lado social são valores que estão associados à imagem da marca. A marca é um reflexo da percepção dos indivíduos. De acordo com Wheeler (2012), por trás de toda marca de sucesso existe uma estratégia que impulsiona o planejamento, o marketing e as vendas. Aaker 44 (1998) lembra que esse posicionamento pode ser utilizado como uma maneira pela qual a empresa deseja ser percebida. Ou seja, a comunicação da empresa determina, por intermédio da sua gestão, como ela deseja ser vista. Porém, “marca não é o que você diz que ela é. É o que os outros dizem que ela é. A marca é uma espécie de ideal platônico. Um conceito compartilhado pela sociedade para identificar uma classe específica de coisas” (NEUMEIER, 2008, p. 3). Em seus estudos, Gobé (2002) apresenta o conceito de branding emocional, cuja base está no caráter humano, nas experiências, no desejo de ir além da satisfação material. Nessa linha de pensamento, o design é o ponto fundamental para a gestão de marca. Portanto, existem nesse processo de branding diferentes formas de gerenciar uma marca, que pode ser sob os aspectos mercadológicos em seu sentido mais direto, propondo um posicionamento do produto na mente do consumidor, ou uma gestão que possui uma visão mais holística, que propõe a gerência da marca no âmbito das aspirações, dos ideais e da experiência, em que o consumo torna-se uma consequência do relacionamento marca e indivíduo. 3.5 Place branding Place branding é o termo cunhado por Simon Anholt, um dos principais consultores e teóricos sobre o tema. Trata-se do deslocamento de um conceito até então pertencente a produtos e serviços e agora aplicado a nações, cidades e lugares. Anholt começou a escrever sobre o assunto em 1996 e a sua ideia inicial era de que a reputação de países, que o autor estende para cidades e regiões, possui similaridade com a imagem da marca de produtos e organizações. E essa marca pode ser importante para a gestão de lugares. 45 Hoje, o mundo é um mercado. O rápido avanço da globalização significa que cada país, cada cidade e cada região têm de competir com todos os outros pela sua parcela de consumidores do mundo, turistas, investidores, estudantes, empresários, eventos esportivos internacionais e culturais e pela atenção e respeito dos meios de comunicação 6 internacionais, de outros governos, e as pessoas de outros países (ANHOLT, 2007, p. 1, tradução da autora). De acordo com Anholt, os países precisam desenvolver uma reputação favorável perante os outros países para tornarem-se competitivos na comunidade global. Nesse aspecto, os países e cidades utilizam os seus nomes próprios como marcas. Conforme articulado anteriormente, uma marca possui o aspecto tangível e a imagem mental. A tangibilidade, no caso de uma “marca-país”, é o próprio lugar, o espaço físico, os aspectos sociais, políticos e econômicos. E não precisa ter necessariamente um logotipo, pois, de acordo com o autor, essas técnicas não possuem muita relevância para países. A imagem da marca é mencionada como atributo fundamental para o branding aplicado a lugares, pois os valores intangíveis creditados à marca pelo público externo, no caso de produtos e serviços, são equivalentes à reputação conquistada em relação a países, cidades e regiões. Aaker (1998, p. 236) enfatiza que “a reputação de qualidade percebida é a base da vantagem competitiva sustentável para muitos negócios”. E são esses ativos conjugados que tornam a “marca-país” expressiva. Já Kotler et al. (2006) defendem que para implementar uma imagem eficaz de um lugar pode-se recorrer a três ferramentas: a) slogans, temas e posicionamentos; b) símbolos visuais; c) eventos e realizações. Mas advertem que essas ferramentas de promoção devem respaldar-se na realidade, pois elas não solucionam problemas de base. Portanto, um anúncio com belas imagens e slogans envolventes que não condizem com a realidade são ferramentas para gerar uma imagem negativa do local em questão. De acordo com Anholt (2010), usar as ferramentas de marketing só faz sentido quando se abordam as ofertas de turismo ou de produtos de exportação e 6 “Today, the world is one market. The rapid advance of globalization means that every country, every city and every region must compete with every other for its share of he world’s consumers, tourists, investors, students, entrepreneurs, international sporting and cultural events, and for the attention and respect of the international media, of other governments, and the people of other countries” (ANHOLT, 2007, p. 1). 46 serviços. Esses setores, quando bem comercializados, proporcionam benefícios para a imagem da nação. Por exemplo, a marca I LOVE NY, que foi desenvolvida em 1977 pelo designer gráfico Milton Glaser, em um momento crítico para New York, pois a cidade passava por sérios problemas sociais e econômicos, foi desenvolvida com a intenção de valorizar a cidade e alavancar o turismo. Hoje, é considerada uma referência de marca de cidade. Sua proposta foi replicada em outras cidades. Amsterdam, por exemplo, fez um trabalho de valorização da própria imagem usando a marca I amsterdam em pontos estratégicos da cidade, incentivando a fotografia desses lugares. O material captado foi publicado em um livro sobre a cidade. Entretanto, quando o assunto é promover a imagem do lugar, sua política, cultura, educação e o seu povo, o uso do marketing pode gerar dúvidas. É importante considerar que a imagem de um lugar é muito mais vulnerável que a imagem de um produto ou serviço. Essa vulnerabilidade está relacionada a uma série de valores ideológicos, educacionais, culturais, econômicos e sociais que estão diretamente intricados com as formas de governança e com os seus cidadãos. Aaker (1998) lembra que uma marca pode ter associações positivas ou negativas, o que, no caso da imagem de um país, essas associações oscilam de acordo com as políticas públicas e seus cidadãos. Anholt (2010) reconhece que um país, para adquirir uma imagem positiva, deve se concentrar em bons produtos, serviços, cultura, turismo, investimentos, tecnologia, educação, negócios, pessoas, políticas, iniciativas e eventos. O autor defende que os governos não devem tomar atitudes visando à gestão de imagem ou somente à mudança dessa imagem. Essas ações não devem ser vazias, mas com propósitos relevantes. Além dos atributos da imagem da marca, Anholt (2010) apresenta outros pontos importantes para o place branding: a) Os lugares devem possuir uma relação clara, coordenada e comunicativa com o mundo exterior, pautada em um engajamento produtivo entre governo, empresas e sociedade civil. Esse processo deve ter harmonia dos objetivos, projetos, comunicação e comportamento a longo prazo. 47 b) A noção de brand equity: a reputação é considerada um ativo muito valioso, que necessita ser gerenciado, mensurado e alimentado ao longo do tempo. c) Outro ponto fundamental é a ideia de brand purpose: a importância dos grupos de pessoas em torno de uma estratégia comum pode criar uma dinâmica importante para o progresso. O autor ressalta que a “a gestão de marca é, antes de tudo, um projeto interno” (ANHOLT, 2010, p. 12, tradução da autora)7. d) A inovação sustentável e coerente em todos os setores da atividade nacional que possam influenciar a opinião pública e, por conseqüência, a mídia. Esses aspectos, segundo o autor, devem ser entendidos e aplicados de forma responsável pelos decisores políticos, pois, juntos, eles representam uma nova abordagem para a maneira em que lugares precisam ser gerenciados na era dos mercados globais. 3.6 A marca aplicada a lugares e os seus cidadãos O branding aplicado a países, cidades e regiões não deve visar somente à sua imagem externa, pois o processo da imagem possui como base os seus cidadãos e como eles se relacionam com a sua cidade. Já Place Branding surgiu como uma ampliação da ideia de Nation Branding, mas para lugares e não necessariamente países e estados. A partir desse conceito, é possível criar a imagem de algum lugar público, mas com a participação da iniciativa privada e da comunidade. Uma praça, uma rua, uma esquina, por exemplo, podem ter um branding próprio e, assim, elevar a taxa de desenvolvimento do lugar em que se situam (RODRIGUES, 2010, p. 50). Uma boa reputação é fruto de um trabalho conjunto, investimento em pessoas, educação, saúde, tecnologia, políticas públicas, turismo, iniciativas, bons produtos por parte dos governantes. E os cidadãos possuem participação ativa na formação dessa imagem. Lefebvre (2006, p. 107) lembra que “nem o arquiteto, nem o urbanista, nem o sociólogo, nem o economista, nem o filósofo ou 7 “And that brand managenment is first and foremost an internal projet” (ANHOLT, 2010, p. 12). 48 o político podem tirar do nada, por decreto, novas formas e relações. [...] Apenas a vida social (a práxis) na sua capacidade global possui tais poderes”. E essa atuação que é conduzida pelos comportamentos, experiências e interações positivas ou negativas dos indivíduos com os lugares onde vivem é que constrói a imagem da cidade. Segundo Insch (2011, p. 8, tradução da autora), “subestimar a participação que os moradores têm na formação e melhoria da marca de uma cidade poderia minar os objetivos e intenções da estratégia de marca de uma cidade”8. Pensando-se no papel primordial dos cidadãos nesse processo, deve-se articular um place branding, não com o objetivo de promover exatamente questões comerciais ou turísticas de uma localidade, mas que possua uma proposta de criar laços e valores de pertencimento dos cidadãos. Essas ações têm como consequência um somatório na imagem do país, agregando valores à marca país. Uma população feliz, orgulhosa de sua identidade, de seus mitos históricos e de sua herança, participativa nas questões políticas e culturais contemporâneas, é a melhor forma de disseminar um sentimento nacional que atravessa fronteiras e territórios. Um povo orgulhoso de seu país ajuda a construí-lo e mantê-lo. É o melhor divulgador da imagem de um país, tal como o boca a boca do universo da publicidade (RODRIGUES, 2010, p .87-88). Um país, cidade ou região só terão sucesso se o conjunto de ações empreendidas comunicarem uma construção sólida de valores que repercutam no dia-a-dia dos cidadãos em sua maneira de ver e de se sentir bem em sua cidade ou comunidade. Anholt (2010) reforça que a imagem de lugar não pode ser construída ou inventada, mas sim conquistada. Anteriomente citamos Barcelona como uma das cidades que foi reestruturada pelo design. É importante também considerar que Barcelona foi uma das cidades que passaram por um processo intenso de place branding e tornou-se referência para muitas outras cidades e países. De acordo com Julier (2008), tanto Barcelona como outras cidades espanholas sofreram com a ditadura do general Franco, que só teve fim após a sua morte em 1975. A partir dos anos de 1980 começou-se um processo de regeneração da cidade, que culminou na 8 “Undervaluing the stake that residents have in shaping and enhancing a city’s brand could undermine the aims and intentions of a city’s original brand strategy” (INSCH, 2011, p. 8). 49 realização das Olimpíadas de 1992. No primeiro momento, segundo Capel (2007), foi importante essa intervenção, pois toda a cidade e especialmente as áreas periféricas estavam precárias, a malha urbana estava deficitária, trânsito e transporte público caóticos, altos índices de poluição e poucos serviços públicos. As ações foram realizadas de forma equilibrada, a estabilidade econômica e política permitiram qualidade de vida para as famílias mais simples. Nesse período desapareceram áreas de favelas que existiam na periferia. Em 1986 foi concedida à cidade de Barcelona a sede das Olimpíadas de 1992, iniciando-se, então, uma nova etapa de urbanização. Enfim, o urbanismo olímpico dos jogos de 1992 reflete de um modo geral a nova era: articulação de interesses privados, monumentalidade e projeção urbana. Mas Barcelona contava com um plano diretor, de âmbito metropolitano, gerado no contexto da redemocratização espanhola, e realizou a façanha de conjugar a natureza e exigências dos jogos com os objetivos fundamentais da gestão urbana (MASCARENHAS, 2013, p. 59). Capel (2007) lembra que a preocupação em aumentar a competitividade internacional e a visibilidade da cidade no cenário mundial coloca em segundo plano os cidadãos e suas necessidades cotidianas. A obsessão em converter a cidade em um polo global, atrair visitantes e potenciais investidores é perversa e, finalmente, contraproducente: acaba por esquecer os cidadãos comuns da cidade, que reagem contra o esquecimento, contra a falta de equipamentos de bairro, contra a arquitetura espetacular e irresponsável, contra a destruição do patrimônio construído, ou seja, a memória histórica, que executa a mesma a boca cheia retoricamente alusões à identidade e ao passado. 9 (CAPEL, 2007, p. 25, tradução da autora) . E essa reação contribui para a construção de uma imagem local. Demolição de prédios e de lugares que fazem parte da história do lugar torna-se nesses casos recorrentes, homogeneizando a paisagem urbana. É importante, nesses momentos, a mobilização popular, para evitar que a identidade do lugar seja destruída. Capel (2007) defende a necessidade da participação e do diálogo 9 “La obsesión por convertir la ciudad en un polo mundial, en atraer visitantes y posibles inversores es perversa y, finalmente, contraproducente: acaba por olvidarse de los ciudadanos que viven cotidianamente la ciudad, y que reaccionan contra ese olvido, contra la falta de equipamentos de barrio, contra la arquitectura espectacular e irresponsable, contra el arrasamento del patrimônio construído, es decir de la memoria histórica, que realiza los mismos que se llenan la boca retoricamente de alusiones a la identidade y al pasado” (CAPEL, 2007, p. 25). 50 com os cidadãos, uma vez que a construção de uma cidade não acontece somente nos meios políticos e técnicos. Observa-se que ouvir a sua população e conquistar um lugar de destaque no cenário mundial é ainda um desafio para muitos países, pois para realizar um ideal de cidade, que seja condizente com os sonhos de consumo é ainda, na maioria dos casos, um desafio que muitos preferem ignorar. 3.7 Place Branding: valorização local e as ferramentas de design O design, conforme já visto no capítulo anterior, é uma disciplina que, utilizada com correção, pode proporcionar benefícios para todos. No contexto de uma cidade, o design tem amplo alcance, seja no campo da estratégia, da inovação, da estética, da forma e também na forma de expressão cotidiana. A aplicação de marcas, cuja missão é valorizar, resgatar ou preservar a cidade, é importante para formação da imagem local. Essas ferramentas podem ser úteis nas ações de conscientização e para demonstrar o posicionamento dos cidadãos em relação a determinadas questões. Neste caso, o desenvolvimento da identidade visual é de extrema importância, pois é ela que irá sedimentar valores intangíveis que possam destacar, valorizar, resgatar ou incentivar ações e posturas da sociedade que poderão refletir posteriormente na “marca-país”. Para Gobé (2010, p. 11), “As identidades emocionais ajudam a criar e equilibrar os estímulos sensoriais e visuais certos que despertam sentimentos nas pessoas”. Assim, o design é acionado para que a marca provoque sentimentos. Semprini (2010) aborda a capacidade da marca de adaptar-se, transcender para assumir uma variedade virtual infinita de conteúdos e discursos. “A marca torna-se, assim, um dispositivo de alcance geral, um modo de organização e de gestão da discursividade social” (SEMPRINI, 2010, p. 265). Um exemplo são as marcas que conectam ideais de afetividade e comportamentos nos grandes centros ou que representam movimentos urbanos. Elas são consumidas e reproduzidas entre aqueles indivíduos que depositaram nessas marcas os seus anseios e desejos e que buscam legitimar os seus ideais. O próximo capítulo tratará da relação emocional da marca. 51 4 O DESIGN EMOCIONAL Pesquisar a identidade de um lugar, cidade ou país é ir além das suas características físicas e sociais. É buscar o contexto das experiências e memórias, a percepção dos cidadãos em relação ao seu entorno e, principalmente, como os cidadãos dialogam afetivamente com esses espaços. A afetividade simboliza o clima moral que envolve em permanência a relação do indivíduo com o mundo e a ressonância íntima das coisas e dos acontecimentos que a vida quotidiana oferece sobre uma trama descontínua, ambivalente e intangível por conta da complexidade de seu mosaico (BRETON, 2009, p. 113). O entendimento e a apropriação desses atributos possibilitam ao design uma interação mais efetiva com o ser humano em sua essência, estimulando as mais diferenciadas emoções. 4.1 Por uma antropologia das emoções Para melhor compreender o design emocional, é importante analisar como se constituem as emoções humanas sob o prisma da antropologia das emoções. Breton (2009) associa a emoção ao vínculo primordial da inserção do homem no mundo; todos os acontecimentos e até as decisões mais racionais são motivadas por sentimentos. A emoção faz parte da construção do indivíduo e da sociedade desde os tempos remotos. As relações interpessoais, com os objetos, espaços, cidades, sua cultura, entre outros, estão repletas de experiências e memórias que são alimentadas por sentimentos mais diversos. Segundo Lazarus (apud IIDA; BARROS; SARMET, 2008), a emoção já foi considerada durante um período como um processo desprovido de razão, o que resultou o posicionamento da emoção em segundo plano como algo prejudicial, descontrolado. Breton (2009, p. 114) lembra que o “senso comum assimila facilmente a emoção com a emersão da irracionalidade, com a falta de controle, com a experiência de uma sensibilidade exacerbada”. Hoje vários autores e estudiosos da emoção analisam o papel fundamental no desenvolvimento das relações humanas. 52 Damásio (2012) investigou pacientes neurológicos que tiveram a área cerebral responsável pela emoção lesionada. Esses pacientes perderam não somente a capacidade de sentir emoções como rir ou chorar, mas também a capacidade de decidir. O autor demonstrou em seu estudo que a capacidade de tomar decisões racionais está relacionada à capacidade de se emocionar. Roberts (2005) cita o neurologista Donald Calne, que explica que a emoção leva o individuo à ação, enquanto a razão leva a conclusões. Tais argumentos apresentam a ideia de que a razão não existe sem a emoção. E é a inter-relação entre esses dois elementos que impulsionam o ser humano. Áreas de estudo como a Antropologia, Psicologia e Sociologia possuem pesquisas que se dedicam ao entendimento da sociedade sob a ótica da emoção. A Antropologia das Emoções parte, deste modo, do princípio de que as experiências emocionais singulares, sentidas e vividas por um ator social específico são produtos relacionais entre os indivíduos e a cultura e sociedade. A emoção como objeto analítico das Ciências Sociais pode ser definida, então, como uma teia de sentimentos dirigidos diretamente a outros e causada pela interação com outros em um contexto e situação social e cultural determinados (KOURY, 2005, p. 315). A emoção faz parte da vida em sociedade e é construída desde o momento do nascimento. Nos primeiros momentos de vida, o indivíduo é movido por instintos inatos e aos poucos vai desenvolvendo características que absorve da convivência com o seu entorno. As emoções são classificadas por Damásio (2012) em emoções primárias e emoções secundárias. As emoções primárias são constituídas dos processos básicos em sentir as reações inatas, instintiva, pré-organizadas, ou seja, os seres estão programados para reagirem de maneira mecânica, expressando determinadas emoções quando diante de determinados estímulos, por exemplo, sentir medo, desejo de fugir ao encontrar um animal ameaçador como um leão. Já nas emoções secundárias o processo é refletido, advém de experiências adquiridas, e não inatas, e baseia-se no aprendizado e na interação social. As emoções nesse estágio são expressas de acordo com a bagagem individual, na sociedade em que está inserido e em sua cultura. Segundo estudos realizados por Damásio (2012), as emoções, assim como a razão, têm as suas origens nos aspectos biológicos e neurobiológicos. Os processos químicos, hormonais e a dinâmica fisiológica do cérebro respondem 53 pelas manifestações emocionais. O autor lembra que em várias circunstâncias da vivência dos atores sociais, as emoções são iniciadas após um movimento mental de avaliação, que é voluntário. E de acordo com as experiências vivenciadas existe amplo espectro de estímulos e situações que vão se associar aos estímulos inatos para causar emoções. Bauman (2001) lembra que o homem, antes mesmo de começar a articular racionalmente o melhor código de convívio, já tinha história e costumes vividos por coletividade. Contudo, se a lembrança das reações emotivas está sempre associada ao contexto de interação que as produziu, já temos o fato de que o sentimento não é sentido de forma abstrata nem independente de interações sociais específicas. Além disso, desde muito cedo o aprendizado da linguagem passa a mediar a experiência, de modo que se torna difícil separar o sentimento de sua percepção e expressão, mesmo que esta aconteça apenas para o próprio indivíduo (REZENDE; COELHO, 2010, p. 31). Os homens, ao expressarem de maneira instintiva as suas reações e os seus sentimentos, refletem no seu grupo de convívio comportamentos gerando códigos, normas e maneiras de viver. Breton (2009) lembra que as manifestações corporais e afetivas de um indivíduo trazem um significado que irá criar uma ressonância mútua, a experiência de cada um possui o ponto inicial para a experiência do grupo. E afirma que analisar as emoções sob o aspecto fisiológico, reduzindo-as à atividade corporal, seria retirar do homem a consciência e autoria do que vivencia. A convicção de que os sentimentos têm uma natureza universal faz parte do senso comum ocidental, que os considera um aspecto da natureza humana marcado pelas ideias de “essência” – no sentido de uma universalidade invariável e de “singularidade” – como algo que provém espontaneamente do íntimo de cada um. Fazer uma “antropologia das emoções” é colocar em xeque essas convicções, tratando-as como “representações” de uma dada sociedade; construir as emoções como um objeto das ciências sociais é inseri-las no rol daquelas dimensões da experiência humana as quais, apesar de concebidas pelo senso comum como “naturais” e “individuais” - a exemplo da sexualidade, do corpo, da saúde e da doença etc. - estão muito longe de serem refratárias à ação da sociedade e da cultura (REZENDE; COELHO, 2010, p. 12). As normas e maneiras para expressar as emoções mudam de sociedade para sociedade, por exemplo, sentimentos relativos ao nascimento e à morte, que fazem parte da vida de qualquer indivíduo, são expressos de formas diferentes no 54 Ocidente e no Oriente. Cada cultura determina de forma natural as tradições que ditam essas relações. No entendimento de Breton (2009, p. 126), “para que um sentimento (ou emoção) seja experimentado ou exprimido pelo indivíduo ele deve pertencer, de uma forma ou de outra, ao repertório cultural de seu grupo”. Essas emoções oferecem várias possibilidades de interpretações para os indivíduos sobre o que sentem e percebem nas atitudes dos outros. De acordo com o sociólogo alemão Georg Simmel (apud REZENDE; COELHO, 2010), a sociedade é formada pela interação entre os indivíduos e essa interação é composta pela forma, ou seja, um formato de existência, e pela motivação, conteúdo, interesse ou objetivo pelo qual o indivíduo se envolve na interação: “as emoções são a matérias viva do fenômeno social, a base que orienta o estilo das relações nutridas pelos indivíduos, distribuindo os valores e as hierarquias que sustentam a afetividade” (BRETON, 2009, p. 120). A expressão do sentimento está diretamente ligada às regras do convívio social, que acabam por delimitar onde, como e para quem se deve expressá-lo. Nesse aspecto é importante refletir sobre a questão abordada por Rezende e Coelho (2010) sobre o público e o privado. Muitos dos sentimentos percebidos de maneira natural pertencem à ordem do privado e normalmente são verdadeiros, enquanto os sentimentos expressos no âmbito público podem ser falsos, por existir, em muitos dos casos, uma tensão entre o sentir e expressar os sentimentos, que diverge do que é expresso pelo grupo. Nota-se que, para fazer parte de determinado grupo, o indivíduo submete os seus pensamentos aos pensamentos do grupo em questão. 4.2 A emoção do consumo A esfera do consumo ultrapassa a barreira concreta dos produtos, da utilidade funcional para adentrar o consumo de conceitos, de estilo de vida e de valores intangíveis que preenchem a vida moderna. Bauman (2008) chama de “sociedade de consumo” o encontro dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo. De acordo com Martins (2004), a decisão de compra envolve sentimentos como status, autoestima, poder e realização 55 pessoal, mesmo as escolhas mais simples, como a escolha da cor de um objeto de preferência. Segundo Rezende e Coelho (2010), o consumo das mensagens propagadas pelos meios de comunicação oferece recursos para os devaneios e também pode constituir-se numa experiência de prazer. Um ideal de família feliz encontra-se, para muitos, em um comercial de margarina. O hedonismo é outro valor também presente nas sociedades ocidentais modernas, existindo em tensão com a tônica da contenção emotiva. A valorização do prazer assume formas diversas nas sociedades ocidentais modernas e se revela com nitidez em práticas de consumo, como as atividades esportivas, de lazer e a relação com a mídia (REZENDE; COELHO, 2010, p. 111). A busca pelo prazer, pelas sensações é elemento explorado pela mídia diariamente e tornou-se premissa básica da sociedade de consumo. De acordo com Bauman (2008), o que mantém essa sociedade é a busca desenfreada pelo consumo e a busca pela satisfação de desejos despertados. Mas o que sustenta o processo é a não satisfação plena dos desejos, mas a constante criação de novas necessidades que deverão ser satisfeitas com novos produtos. As emoções evocadas estarão sempre na pauta da individualidade, mesmo quando vivenciadas em grupos, e o consumo no século XXI estrutura-se da mesma forma. Lipovetsky e Serroy (2012) realçam que a era hipermoderna corresponde a uma nova fase da era do consumo, marcada pela individualização. Se nos anos 70 os bens de consumo eram adquiridos para o bem-estar da família, no momento atual o consumo é estabelecido essencialmente para o indivíduo. Os indivíduos estão preocupados em adquirir em benefício próprio; as suas escolhas giram em torno do seu conforto, da sua maneira de viver e da sua maneira de comportá-las. O mundo do consumo modifica as estruturas de classe, as marcas de luxo são conhecidas por praticamente todos os grupos sociais. “As atividades e as paixões transcendem as diferenças sociais, criam “tribos” transversais e diversificadas” (LIPOVETSKY; SERROY, 2012 p. 57). Consumir um produto de determinada marca quase sempre faz com que o indivíduo seja classificado de acordo com os valores dessa marca, criando, assim, tribos de consumo. 56 4.3 As teorias do design emocional Os estudos sobre design emocional são relativamente recentes e apresentam-se como área teórica que propõe a busca de metodologia, para o desenvolvimento de produtos ou serviços, que se comunique com os sentidos das pessoas. O design reconhece a importância dos fatores emocionais desde longa data. Contudo, não existiam instrumentos eficazes para operacionalizar esses fatores na prática do projeto. Assim, os resultados dependiam do talento e esforço de alguns projetistas ou de fatores não sistemáticos. Nos últimos anos, os pesquisadores da área começaram a criar técnicas visando associar certas características do produto com determinadas emoções (IIDA; BARROS; SARMET, 2008, p. 34). Para Desmet e Hekkert (2009), a compreensão das emoções dos usuários auxilia o designer a projetar já pensando nos efeitos emocionais que o produto pode proporcionar. Os autores lembram que as iniciativas de pesquisa sobre a emoção e design foram promovidas pela necessidade de desenvolver ferramentas e técnicas que facilitassem a implementação de projetos focados na emoção. Nos estudos de Norman (2008) sobre a emoção e design ressalta-se como alguns objetos evocam emoções positivas como o amor, o apego e a felicidade. E sugere também que todas as nossas ações estão permeadas por emoções em muitos casos inconscientes e são elas que guiam os comportamentos. Nos estudos sobre a emoção realizados em conjunto com os professores Andrew Ortony e William Revelle, Norman sugere três níveis de estrutura cerebral e faz um paralelo com o design. O nível visceral diz respeito à agilidade e a julgamentos rápidos; e o design nesse nível está relacionado aos aspectos físicos com as formas, os sons e as texturas, a aparência é o que importa. “O design visceral diz respeito ao impacto inicial de um produto, à sua aparência, toque e sensação” (NORMAN, 2008, p. 56). Nesse momento visa ao contato primário com o objeto de desejo, o que ele provoca de maneira imediata. No nível comportamental observam-se a efetividade do uso e o prazer. O êxito do produto sob o aspecto da função é avaliado nesse momento. O contato e 57 a usabilidade do artefato são colocados em prática, ele deve atender a uma necessidade. O nível reflexivo apresenta o auge dos sentimentos, das emoções e da cognição. A experiência e a vivência criam referências que se refletirão na autoimagem, na satisfação pessoal e nas lembranças. Nesse estágio os sentimentos são cultivados, são importantes as histórias de interação, as associações que as pessoas possuem com os objetos e as lembranças evocadas. Os aspectos de cultura e sociedade são fundamentais na construção da autoimagem e da memória afetiva dos indivíduos. O nível reflexivo oscilará de acordo com a cultura, experiência, grau de instrução. As relações são estruturadas em longo prazo. A construção da identidade está ligada a esse nível. Norman (2008) lembra que nos níveis visceral e comportamental existe o afeto, mas sem os julgamentos implementados pela consciência e as interpretações construídas de acordo com a bagagem de cada indivíduo. É o processo da atração que desperta de maneira natural os instintos e sensações já estabelecidas no psiquismo do ser. Jordan (2000) desenvolveu um modelo de hierarquia das necessidades do usuário. O modelo proposto coloca no primeiro nível a funcionalidade, o produto deve atender primeiramente às questões da função. No segundo nível encontrase a usabilidade, o consumidor espera que o produto seja fácil de usar. Após passar por esses dois níveis, o usuário deseja que o produto possa lhe proporcionar algo mais. O autor refere-se à busca constante do ser humano pelo prazer, ele não deseja somente ter o produto, mas uma interação com o mesmo. E o resultado desse prazer com o produto pode ser mensurado nos seus benefícios emocionais, hedônicos e de uso prático. Jordan (2000) utilizou as pesquisas do antropólogo Lionel Tiger, que desenvolveu extenso estudo sobre as questões do prazer, para listar os tipos de prazeres que o usuário busca no processo de interação com o artefato. Tiger classifica o prazer em quatro tipos: a) fisiológico; b) social; c) psicológico; d) ideológico. a) Prazer fisiológico está relacionado ao corpo e aos sentidos: o tato, o paladar, o olfato, os sons e a percepção visual e inclui também o prazer sensual. 58 b) Prazer social resulta das interações entre indivíduos, as relações homemsociedade, o status e a autoimagem. c) O prazer psicológico está relacionado às reações cognitivas e emocionais. d) O prazer ideológico possui como base os valores morais, valores culturais, os gostos pessoais e experiências. É a reflexão sobre a experiência e a apreciação do entorno. O conhecimento das emoções auxilia nas metodologias de design, pois proporciona desenvolvimento de artefatos que dialoguem com os anseios humanos, sejam eles de ordem primária, que se relacionem diretamente com o inconsciente pelos aspectos físicos, ou de ordem social, que são construídas pela organização reflexiva das vivências. Um coador de chá não é um objeto de destaque, ele não ocupa lugar importante na cozinha, mas ele pode se tornar interessante, prazeroso e até divertido quando o seu design estimula essa proposta. Como, por exemplo, o coador de chá Te ò de Stefano Pirovano (FIG. 7), que se torna divertido em seu processo de uso. FIGURA 7 - Coador de chá Te ò de Stefano Pirovano Fonte: www.alessi.com. Desmet (2003) baseou-se nas teorias sobre as emoções, na universalidade das suas formas inatas e em suas pesquisas elaborou um “modelo de produtos emocionais” a partir da denominada Appraisal Theory (avaliação da relação de 59 significado de um estímulo e sua relevância), para avaliar as reações das pessoas no processo de uso dos produtos. O modelo sugerido por Desmet (2003) apresenta quatro parâmetros principais no processo de elucidar as emoções: a) a avaliação; b) interesses/objetivos; c) produto; d) emoção (FIG. 8). Os três primeiros parâmetros e a sua interação vão determinar se um produto provoca uma emoção e, em caso afirmativo, qual é essa emoção. FIGURA 8 - Modelo básico de produtos emocionais Fonte: Desmet (2003). a) Avaliação - teóricos cognitivos da emoção argumentam que uma emoção envolve sempre uma avaliação. Ou seja, avalia-se como uma ação pode prejudicar ou beneficiar uma pessoa. Não se trata de uma avaliação intelectual, mas de uma resposta automática que o indivíduo produz a partir do significado de um estímulo. b) Interesses/objetivos - os interesses ou objetivos dos indivíduos são considerados pontos relevantes no processo de avaliação. O significado de um produto para o nosso bem-estar é determinado por um interesse ou objetivo. 60 c) Produto - as emoções derivam e envolvem uma relação entre o indivíduo e um objeto. O estímulo pode ser um evento real ou um evento lembrado ou imaginado. O estímulo que provoca a emoção não precisa ser necessariamente o objeto em questão. d) Emoção - a emoção é o resultado do processo expressa pelo usuário em questão. Desmet (2003) acredita que mais importante que conhecer as emoções que são provocadas por um produto é entender como o produto se relaciona com os interesses e como os indivíduos assimilam a informação, pois é essa informação que irá apoiar o designer no desenvolvimento do projeto. Segundo o autor, a emoção provocada pelo produto pode não estar relacionada ao objeto propriamente dito, mas ao significado atribuído a ele pelo indivíduo. Ao invés de suscitar uma emoção única, os produtos podem provocar várias emoções ao mesmo tempo, porque essas emoções são extraídas, não só pela estética do produto, mas também por outros aspectos, como a função do produto, marca, comportamento e associando significados 10 (DESMET, 2003, p. 1, tradução da autora) . Entre os aspectos citados por Desmet (2003), a marca ocupa espaço de destaque, pois ela representa, segundo Norman (2008, p. 81), as experiências com um produto ou com a empresa: “as marcas têm tudo a ver com emoções”. 4.4 O design emocional e a construção das marcas Martins (2004) lembra que a humanização das marcas não é uma novidade. Na década de 1960 o publicitário e pesquisador David Ogilvy detectou, por meio de pesquisa de mercado, que os consumidores percebiam traços de personalidade que as identificavam, as marcas eram associadas a modernidade, elegância, charme, simpatia, entre outros atributos que normalmente associam-se a pessoas. Ogilvy nomeou as características emocionais da marca de personality brand. 10 “Rather than eliciting one single emotion, products can elicit multiple emotions simultaneously because these emotions are elicited not only by the product’s aesthetics, but also by other aspects, such as the product’s function, brand, behaviour, and associated meanings” (DESMET, 2003, p.1). 61 Em muitos casos as empresas não buscam esses valores emocionais. Conforme Martins (2004), elas estão preocupadas em desenvolver o produto e o conceito da marca, enquanto o consumidor compreende que o relevante da marca são as suas características emocionais (FIG. 9). “Toda marca forte tem uma essência emocional bem definida que gera um estado de realização elevado no consumidor” (MARTINS, 2004, p. 20). É a imagem atribuída à marca que constitui o seu valor. FIGURA 9 - Visão da empresa x visão do consumidor Fonte: Martins (2004). Gobé (2010) afirma que as marcas, para satisfazerem as exigências do consumidor, utilizam as ferramentas e o design, a cultura e a emoção para destacarem-se de suas concorrentes. Lipovetsky e Serroy (2012) reconhecem o poder das marcas que se tornaram objeto de discussões, de trocas e de coleções. As marcas podem organizar uma nova forma de cultura. Norman (2008, p. 81) também registra o aspecto emocional que as marcas assumiram: “elas trazem consigo uma reação emocional que nos orienta em direção a um produto ou nos afasta dele”. Segundo Gobé (2002), as marcas evoluíram e os valores intangíveis tornaram-se mais importantes que os tangíveis. Marcas como Coca-Cola, Apple e Nike são exemplos em que os seus valores intangíveis ultrapassam os valores tangíveis. A Coca-Cola é uma marca eminentemente emocional, ela não vende somente os seus produtos, mas também conceitos. Gobé (2002) lembra que somente os produtos ou serviços não 62 são suficientes para manter ou aumentar os consumidores, mas sim o aspecto emocional: “Por emocional, quero dizer como uma marca se comunica com os consumidores no nível dos sentidos e das emoções, como uma marca se aviva para as pessoas, forjando uma conexão profunda e duradoura” (GOBÉ, 2002, p. 19). Entrar em relação com as emoções das pessoas é criar laços, conectar com os seus desejos e necessidades emocionais e para o desenvolvimento de marcas emocionais é importante o conhecimento de como se organizam as emoções. A imagem emocional de uma marca está associada aos relacionamentos estabelecidos, às motivações projetadas. Costa (2011, p. 85-86) preconiza que “aprofundar-se na imagem da marca é, como dizíamos no princípio, penetrar no imaginário social, na Psicologia cotidiana, no mundo pessoal das aspirações das emoções e dos valores”. As marcas estão presentes nas experiências cotidianas dos indivíduos, fazendo parte de suas vivências, expectativas e frustrações. O autor lembra que a marca não é um produto exclusivo do design gráfico, mas de amplas as disciplinas que estão interligadas na vida social da marca. De acordo com Gobé (2010), o design humaniza a experiência e melhora a conexão entre marcas e pessoas, conectando as suas experiências racionais, sociais e viscerais. Ainda citando Costa (2011), a marca evoluiu de marca/função a marca/emoção. A marca deixou o seu papel funcional, de designação de um produto ou serviço, para assumir aspecto de independência, apresentando valores que dialogam com os sentimentos humanos. Escolher uma marca é revelar a própria imagem. “A escolha está ligada à emoção que está no inconsciente coletivo; quando esse sentimento é alcançado, a imagem da marca nos transmite a sensação de autenticidade” (MARTINS, 2004, p. 28). Tavares (1998) lembra que algumas marcas atuais repletas de significados e valores originaram-se de simples produtos, que na maioria dos casos possuem um ciclo de vida limitado por diversos fatores. A marca geralmente está relacionada a gerações, as pessoas adultas costumam preferir as marcas de que gostavam ou estão vinculadas a essas memórias afetivas da infância. Muitos produtos são consumidos nessa linha de pensamento, é o sabão em pó que a mãe usava, o biscoito que marcou a infância. Segundo Norman (2008, p. 68), “o 63 nosso apego não é realmente com a coisa, é com o relacionamento, com os significados e sentimentos que a coisa representa”. Gobé (2002) traça quatro pilares essenciais para a estratégia de desenvolvimento de marcas emocionais: a) relacionamento; b) experiências sensoriais; c) imaginação; d) visão. No pilar do relacionamento deve-se priorizar o respeito. Roberts (2005) preleciona que o respeito é a estrutura fundamental para um relacionamento duradouro. É um trabalho que propõe envolvimento dos consumidores, é uma constante troca, de manter-se em contato, entendê-los. Aaker (1998) considera a lealdade à marca a essência do brandy equity, pois perpassa o aspecto do relacionamento marca-indivíduo. Nesse momento encontram-se pessoas que realmente gostam da marca por vários motivos, sejam baseadas em um conjunto de experiências ou na qualidade percebida, mas normalmente a ligação é emocional, a que o autor chama de amizade com a marca e é um caminho para a confiança que estreita mais esses relacionamentos. As experiências sensoriais, como o som, as cores, o sabor, o tato e os aromas, estão ligadas à maneira como os seres humanos interagem com o mundo e são, em grande parte, mecanismos para despertar emoções. Os sentidos falam com a mente na língua das emoções, sem palavras. As emoções alertam sobre a importância das descobertas de nossos sentidos, não só para nosso bem-estar, mas na verdade para nossa sobrevivência (ROBERTS, 2005, p. 105). Expor as pessoas a experiências sensoriais é criar emoções que serão registradas em sua memória e poderão ser acionadas e revividas a qualquer momento. A imaginação cria caminhos para despertar emoções no consumidor, desde o seu projeto, venda e a relação de consumo. Desenvolver narrativas que envolvam os indivíduos em um mundo que corresponda e incentive o seu anseio é um caminho para estimular a emoção. Semprini (2010) localiza o imaginário em um contexto pós-moderno, como uma ferramenta importante para atingir o consumo. Segundo Roberts (2005), as histórias sustentam as marcas, a partir delas se explica o mundo e atribuem-se valores àquilo que se ama. Elas dizem a 64 respeito do passado, presente e futuro, exploram sonhos, mitos e ícones e despertam a inspiração. Semprini (2010) acentua a importância de se estudar a capacidade de a marca gerar mundos possíveis, com construção de sentido organizado, no qual se encontram elementos narrativos, fragmentos do imaginário, referências sociais, elementos arquétipos e qualquer outro elemento que contribua para tornar o mundo da marca significativo para o destinatário. A visão focaliza a marca no seu processo de evolução no mercado, renovando e criando ressonância emocional com o indivíduo. As cidades são lugares de troca estipulada pela sociedade de consumo, mas são também lugares de vivências e memórias e sentimentos. Portanto, podese pensar que a imagem da marca de uma cidade é constituída pelos diversos sentimentos a ela atribuídos pelos seus atores sociais. 65 “[...] Uma cidade se assemelha às outras, porém se a amamos é única: tem a forma de um coração traz nosso aroma predileto é a paina do travesseiro em que repousa nossa fronte”. Belo Horizonte bem querer. Henriqueta Lisboa. 66 5 UM OLHAR SOBRE BELO HORIZONTE A memória, que os habitantes de uma cidade constroem cotidianamente ao longo de um determinado espaço-tempo, está relacionada às práticas sociais e às interações por eles vivenciadas. As passagens, os lugares, os pontos de encontro os locais de moradia configuram-se enquanto pontos de referência significativos, tanto em nível individual como em nível coletivo (LEMOS, 2007, p. 94). 5.1 Belo Horizonte 5.1.1 Breve histórico O percurso histórico de uma cidade incide na sua imagem e identidade construídas ao longo de sua história. Lemos (2010) sistematiza em cinco períodos os aspectos históricos, a produção e as mudanças do espaço urbano da cidade. O primeiro momento é a implantação da moderna cidade planejada pelo engenheiro Aarão Reis; em seguida, o estabelecimento do projeto e a composição da paisagem; o empenho em modernizar a capital e as primeiras legislações de gestão dos espaços; a conturbação do centro e a consequente expansão; a perda de identidade e os inúmeros processos demolição e renovação do centro. Com o advento da Proclamação da República, a população do Curral D’El Rey motivada pelo Clube Republicano passou a defender a mudança de nome do arraial. Diferentes nomes foram sugeridos, como Terra Nova, Santa Cruz, Nova Floresta, Cruzeiro do Sul e Novo Horizonte. “Havia quem achasse que o que melhor exprimia as características do lugar, com seu belo horizonte, e que aflorava naturalmente à boca e aos sentimentos de todos os que o visitavam era Belo Horizonte” (RABÊLO, 2013, p. 44). Mas o nome que acabou prevalecendo foi Novo Horizonte. O governador do estado, João Pinheiro, aceitou a mudança de nome, mas considerava o nome escolhido pouco expressivo e ao assinar o Decreto número 36, de 12 de abril de 1890, foi determinado que o arraial Curral D’El Rey passasse a denominar-se Arraial Belo Horizonte. Esse nome prevaleceu até dezembro de 1893, quando foi adotado o nome de “Cidade de Minas” para a 67 nova capital do estado. Em julho de 1901, voltou a prevalecer oficialmente o nome de Belo Horizonte. Belo Horizonte foi a primeira cidade planejada da República e ocupou o espaço do vilarejo Curral D’El Rey. Aarão Reis foi o engenheiro responsável pela pesquisa e escolha do melhor local para construir a capital de Minas, que até então se chamaria “Cidade de Minas”. O plano de transferência da antiga capital colonial para a nova cidade assumiu um papel de destaque, na medida em que tinha como meta a inovação econômica e política, bem como o estimulo à modernização e ao desenvolvimento social (LEMOS, 2010, p. 24). Várias cidades e regiões mais ricas e importantes economicamente que o arraial disputaram a nova sede da capital. No entanto, o que foi importante para a escolha da região foi a sua posição geográfica central, o que permitiria a ligação entre as regiões do estado e a qualidade do seu clima, além da beleza natural. A história da capital começa com a desapropriação dos moradores do Curral D’El Rey, que foram removidos para lugares mais distantes. Para se construir uma nova capital nos moldes desejados era necessária a demolição da vila, que possuía características rurais que não condiziam com a nova proposta. Lemos (2010) esclarece que os interventores Aarão Reis e posteriormente Francisco Bicalho agiram como “higienistas sociais”. A nova capital foi inspirada nos modelos urbanísticos de Washington de L’Enfant e na Paris de Haussmann. O projeto inicial de Aarão Reis (FIG. 10) organizava a cidade em três zonas: urbana, suburbana e agrícola. A hierarquização funcional da cidade identificou uma discriminação social, “já que os operários e emigrantes sem posses foram deslocados para a zona suburbana nos vetores norte e leste do aglomerado” (LEMOS, 2010, p. 28). 68 FIGURA 10 – Planta geral de Belo Horizonte 1895 Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/. A Cidade de Minas foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897 e o poder administrativo do estado foi transferido de Ouro Preto para a atual capital. A cidade não estava completamente construída, somente existiam alguns prédios para que a entrega se efetuasse no prazo. A construção da cidade delongou-se ainda pela primeira década do século XX. A cidade nesse período apresentava a imagem simbólica da ruptura com o passado monárquico e representava o início de uma nova era. Com uma proposta moderna, o projeto começou a ser estabelecido. O projeto foi ao mesmo tempo moderno e conservador. Moderno pelas linhas urbanísticas e arquitetônicas, que colocaram a nova capital na vanguarda das mais inovadoras do mundo. E conservador, por manter inalterados os padrões de segregação e exclusão social dominante nos velhos centros urbanos. Para alguns historiadores, trata-se de um fenômeno de “modernização conservadora” (RABÊLO, 2013, p. 52). Belo Horizonte sempre buscou uma imagem de cidade moderna, voltada para o futuro, mas a formação da sua população e a maneira como ela foi estruturada mantinha o perfil conservador, portanto, até nos dias atuais essa dualidade é sentida por seus moradores que desejam uma cidade moderna, mas 69 mantêm em seu cotidiano hábitos conservadores, enraizado nas tradições e na sua mineiridade. 5.1.2 Belo Horizonte: uma construção afetiva Lemos (2007, p. 95) sublinha que Belo Horizonte “não apresentou nos seus primeiros anos uma consciência de cidade, visto que só a partir de um processo de uso o viver no lugar seria erigido”. Uma cidade não é resultado somente de planejamento urbano, da construção literal de suas ruas e avenidas para um povoamento posterior, mas ela é essencialmente construída pelos atores que em seu cotidiano vivem e preenchem os seus espaços socais, econômicos e culturais. Belo Horizonte nasceu como uma cidade de múltiplos sotaques. Milhares de imigrantes procedentes de várias partes do mundo – engenheiros, arquitetos, artistas, empresários e trabalhadores braçais – aqui chegaram para participar da construção da nova capital de Minas (RABÊLO, 2013, p. 200). Os primeiros moradores da cidade planejada não tinham uma relação efetiva e emocional com a cidade, pois em sua grande maioria eram nascidos em outros lugares e vieram para a capital por uma imposição do estado. Portanto, não possuíam laços com a cidade. Lemos (2010) cita que os dirigentes públicos mandaram construir na Praça da Liberdade uma réplica do Pico do Itacolomi de Ouro Preto para diminuir a saudade da terra natal (FIG. 11). 70 FIGURA 11 – Praça da Liberdade, 1905 Fonte: curraldelrei.blogspot.com. No entanto, existiram também aqueles que aqui chegaram e adotaram a cidade como lar. Gomes (2011, p. 49) relata que Abílio Barreto, diamantinense por nascimento, olhava para Belo Horizonte com “olhos enamorados”. Gomes ainda cita a frase de Abílio Barreto: “amo Belo Horizonte com o mesmo enternecido amor que dedico ao meu torrão natal – Diamantina”. Abílio Barreto foi o pioneiro e personalidade fundamental para a preservação da memória histórica da cidade ao escrever e publicar livros e documentos importantes. 5.1.3 Belo Horizonte: entre construções e desconstruções A história de Belo Horizonte foi também marcada por demolições, com a premissa do futuro e do progresso, construir e demolir até os anos de 1980 era uma ação recorrente na capital mineira. De acordo com Gomes (2011), já nas décadas iniciais da capital, o plano original da cidade foi desconsiderado. Prédios construídos foram sistematicamente demolidos, adulterados. O que ficou da história do arraial foi somente a Igreja da Boa Viagem, que foi demolida para a construção da nova 71 catedral em 1920. Rabêlo (2013) lembra que no período de 1921 a 1940 a cidade passou por um período de crescimento. Em 1922 comemorou-se o Centenário da Independência. A praça entre o cruzamento entre a av. Afonso Pena e a av. Amazonas passou a se chamar Praça Sete de Setembro e em 1924 o obelisco, conhecido por “Pirulito”, foi um presente da cidade vizinha, Betim (FIG. 12). Em 1962 o obelisco foi retirado da praça para ser abandonado em um lote próximo do Museu Abílio Barreto. Em 1963 foi transferido para a Praça da Savassi (FIG. 13). Após mobilização popular o obelisco voltou, em 1980, para o seu local original. A praça tornou-se símbolo de encontro e de manifestações das mais diversas. FIGURA 12 – Praça Sete, 1927 Fonte: http://vejabh.abril.com.br. 72 FIGURA 13 – Praça da Savassi, 1970 Fonte: acervo de João Góes (http://www.nasavassi.com.br.). No final da década de 1930, iniciou-se na cidade um ciclo de construções de prédios, os “arranha-céus”, reforçando a premissa de olhar para o futuro, para o progresso (CHACHAM, 1996). Nesse mesmo período, a vista panorâmica, que sempre provocou fascínio na cidade, recebeu mais atenção daqueles que divulgavam a ideia do progresso da cidade, a imagem da cidade começou a ser pautada, discutida. Detectou-se uma preocupação com a aparência física, a cidade não possuía uma imagem que a definisse. Chacham (1996, p. 213) reporta que “certas imagens devem ser preservadas. Ou eternizadas. Reinventadas. É o caso da ideia de cidade-jardim ou cidade-vergel, possivelmente uma das mais duradouras ou pelo menos mais revividas de que se tem notícias”. O termo Cidade Jardim foi durante anos sinônimo de Belo Horizonte, que ficou conhecida pelo verde das ruas, praças e jardins (FIG. 14). Essa imagem foi relativamente descontruída com o passar do tempo. Nos anos de 1960 os fícus da av. Afonso Pena foram cortados para 73 executarem-se as obras de expansão da avenida. As árvores cederam o seu espaço para a expansão de ruas e avenidas. FIGURA 14 – Av. Afonso Pena, 1948 Fonte: http://bhnostalgia.blogspot.com.br. Os anos de 1940 e 1950 marcaram o processo de modernização. Novos edifícios foram construídos. O conjunto arquitetônico da Pampulha é um marco desse período, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. É a consolidação da expansão da cidade além do perímetro urbano, assim como a Cidade Industrial. Segundo Lemos (2007), a partir dos anos de 1960 a região da Savassi começou a disputar o domínio do comércio e das atividades culturais. O complexo da Pampulha, como salienta Rabêlo (2013), colocou Belo Horizonte na vanguarda da arquitetura nacional e tornou-se uma das referências da cidade. E a Igreja da Pampulha tornou-se um dos símbolos mais utilizados para representar a cidade. 74 Na década de 1960 continuou o crescimento populacional e econômico da cidade e suas extremidades, que culminou na década seguinte na elevação de Belo Horizonte à região metropolitana. Entretanto, foi no final dessa década que se iniciou um período de esvaziamento do centro da cidade. De acordo com Jayme e Trevisan (2012) e Lemos (2010), esse processo foi resultante da transferência de moradias da classe média para outras regiões, demolição de edifícios, redução de espaços públicos e do surgimento de outras centralidades. A cidade tornou-se um lugar de passagem. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por longos períodos de estagnação econômica e recessão. Uma série de eventos marcou esse período, descaracterizando espaços urbanos importantes como a Igreja São José, a demolição do Cine Metrópole em 1982 e o avanço da extração de minério sobre a Serra do Curral. Nesse período, “Belo Horizonte vivenciava o dilema de ser e conservar-se moderna. Destruir e construir como forma de não se expor à classificação do passado e seus estilos, seus tempos, seus costumes” (MIRANDA, 2007, p. 76, 77). Porém foi nesse período que se começou a articular movimentos que reivindicaram a cidade. A partir do final dos anos 1980 e início dos 1990, o centro torna a ser valorizado, agora por sua importância histórica, mobilizando agentes públicos e sociedade civil na elaboração de projetos de requalificação urbana – com a restauração dos edifícios e das ruas – para que a região seja (re)apropriada pela população (JAYME; TREVISAN, 2012, p. 360). Era necessário lutar pela preservação do patrimônio e da memória afetiva da cidade. 5.2 Anos 1970/1980: as primeiras mobilizações Para Kowarick (1986, p. 1), os movimentos urbanos começaram a ganhar destaque de pesquisa a partir dos anos de 1980. “Nele estão embutidas questões teóricas extremamente complexas, entre as quais o caráter das lutas (de classe) por eles desenvolvidas, suas (des)articulações com partidos políticos ou seus antagonismos com relação ao Estado”. 75 Em Belo Horizonte, diversos movimentos surgiram a partir dos anos de 1970 e começaram a questionar as ações empreendidas pelo poder público e a lutar pela preservação da memória e da identidade da cidade. A partir desse período, Rabelo (2013) evidencia que se iniciou uma participação ativa dos cidadãos e de vários órgãos, como o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) de Minas Gerais, Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), entre outros. Entretanto, Miranda (2007) destaca nesse processo dois estudantes de Arquitetura, Ricardo Samuel de Lana e Manfredo Alves de Souzanetto. Em 1969, o avanço da Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) sobre a Serra do Curral foi um dos mais sérios atentados contra o meio ambiente. Rabêlo (2013, p. 189) documenta que a serra era “símbolo de Belo Horizonte, sua barreira natural reguladora do clima, segundo já observara Aarão Reis em seu relatório com o projeto da nova capital”. Na década de 1970 o adesivo “Olhe Bem as Montanhas” (FIG. 15), criado pelo estudante e hoje artista plástico Manfredo Alves de Souzanetto, usando a frase de um dos poemas de Carlos Drummond de Andrade, circulou nos carros da cidade. Miranda (2007, p. 97) atesta que “o material instigava à reflexão por uma consciência preservacionista pioneira em Belo Horizonte, que correlacionava meio ambiente e patrimônio”. FIGURA 15 – Adesivo “Olhe bem as montanhas” Fonte: http://kgcbh.blogspot.com.br Outra mobilização que ganhou destaque foi o resgate da Praça da Estação que, segundo Miranda (2007), está relacionada à memória da cidade, pois foi durante décadas o lugar da partida e da chegada, era o eixo funcional da cidade. Estava relacionada a espaço de lazer e de prestígio. 76 Em 1981, o IAB-MG informalmente tomou a iniciativa de realizar o I Encontro pela Revitalização da Praça da Estação. O evento propôs o debate sobre a importância da praça como identidade da cidade. I Encontro pela Revitalização da Praça da Estação constitui-se em um marco da inclusão da participação social nas ações preservacionistas e da imposição do ideal cultural sobre o conceito de monumentalidade; que guardava relação direta com o caráter de excepcionalidade do patrimônio e que era difundido pelos órgãos oficiais de preservação. Assim sendo, ergue-se a região da Praça da Estação, formada por um primoroso conjunto em estilo eclético, ao status de patrimônio cultural municipal e, por conseguinte, à categoria de bem passível de preservação; por constituir-se em uma referência simbólica fundamentalmente ligada à identidade e memória dos belo-horizontinos (MIRANDA, 2007, p. 225). Para e divulgar e auxiliar financeiramente a iniciativa, a arquiteta Liana Valle, na época estudante de Arquitetura, desenvolveu cartaz e camiseta (FIG. 16). O desenvolvimento desse material contribuiu para a propagação da mobilização entre a população. FIGURA 16 - Cartaz e camiseta do “I Encontro pela Revitalização da Praça da Estação” Fonte: Miranda (2007). Em entrevista cedida a Miranda (2007), Liana Valle fala da repercussão do material. 77 Era muito estudante que comprava. Ou quem achava bonito. Como a camiseta ficou bonita (na época o pessoal achava), então todo mundo queria. E depois que as pessoas, quem não era arquiteto ficava sabendo da briga, aí é que queria mesmo a camiseta. [...] Essa coisa da camiseta é uma vertente muito pop do movimento. Isso uniu todo mundo. Foi o grande negócio. Não ficou aquela coisa acadêmica de ficar discutindo lá em cima, aquela chatura. A gente não tinha esse perfil (VALLE apud MIRANDA, 2007). Miranda declara que o material contagiou e envolveu a população na causa. O IAB-MG apostou na mobilização social como maneira de pressionar o poder público a reconhecer o direito à cidadania, à memória, valorizando o seu patrimônio tangível e intangível. Um dos resultados dessa mobilização em prol da cidade foi a aprovação, em 6 de julho de 1984, da Lei número 3.802 (que surgiu em decorrência da criação da Lei Orgânica Municipal), que organizou a proteção do patrimônio cultural do município e, mediante seu artigo número 28, criou o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. A partir desses movimentos observa-se o uso do design. Mesmo sendo realizado por não designers, ele cumpre o papel de ser elemento que identifica a causa e mobiliza os indivíduos. Em ambos os casos a repercussão do movimento ganhou notoriedade e assimilação da população que, a princípio, desconhecia a proposta. 5.3 Belo Horizonte: uma cidade centenária O foco desta pesquisa não é refletir sobre as marcas criadas pelo poder público que normalmente atendem ao interesse de um mandato, no entanto, a data de um centenário possui valor simbólico expressivo. Par comemorar essa data, a Prefeitura de Belo Horizonte durante três mandatos empreendeu ações de revitalização. Segundo Lemos (2010), no momento em que a cidade aproximou-se da comemoração do seu centenário, o poder público assumiu a responsabilidade de preparar a capital e propôs a revitalização da sua área tradicional. O processo iniciou-se com a revitalização da Praça da Liberdade e a transferência da Feira de Artes e Artesanato para a Avenida Afonso Pena. 78 Também foi lançada uma campanha para tornar essa data memorável. Investiu-se em campanhas publicitárias para construir e/ou fortalecer um sentimento de pertencimento e para tal foi lançada a marca BH100 (FIG. 17). FIGURA 17 – Marca comemorativa dos 100 anos Fonte http://www.mixbh.com.br O calendário de eventos foi dividido em três temas que tinham por objetivo resgatar a memória da cidade. Sentia-se a necessidade de preservar a memória, eventos que pretendiam inserir a imagem da cidade no cenário internacional e eventos de participação popular, para gerar a interação entre a cidade e cidadãos. Segundo Silva e França (1998), a população participou dos acontecimentos, mas não o associava à comemoração do centenário, mesmo com investimentos massivos em mídia. Mas apesar de todo o esforço, “o centenário não abriu outro momento da vivência da cidade, não se estabeleceu uma outra rotina” (SILVA; FRANÇA, 1998, p. 435). Segundo as autoras, o não pronunciamento do cidadão a respeito do centenário estava preenchido de outros sentidos. O discurso convocava a participação dos cidadãos de maneira ativa, ao mesmo tempo em que era imposto um calendário de eventos. Retoma-se aqui a discussão de que a imagem de uma cidade não pode ser imposta, O poder público deve proporcionar condições favoráveis para a construção desse lugar, mas a consolidação dessa marca advém da conscientização plena de seus cidadãos. 79 5.3.1 Significado, emoção e referências de Belo Horizonte 5.3.1.1 Pesquisa 01 - Qualitativa Essa etapa do projeto objetivou identificar alguns significados e emoções que a cidade desperta e possíveis locais de referência da cidade. Para isso, foi estruturado um questionário (APÊNDICE A) conciso com três perguntas abordando o assunto pertinente. Utilizaram-se plataformas virtuais para publicação e armazenamento de dados. Foram realizados 215 questionários respondidos virtualmente. A divulgação da pesquisa foi feita por e-mail e via rede social, no período de maio/2013 a dezembro/2013. 01 - Escreva uma palavra que expresse o significado de Belo Horizonte. 02 - Qual é a emoção que a cidade de Belo Horizonte desperta em você? Nas respostas das questões 01 e 02 observou-se que muitas palavras utilizadas para expressar o significado também são usadas para expressar a emoção que a cidade desperta. Esse aspecto ressalta a intensidade que algumas ideias possuem, elas se tornam uníssonas. A emoção e o que a cidade significa para a maioria são uma coisa só. Assim, as respostas das questões 01 e 02 foram analisadas em conjunto. As palavras foram reunidas em grupos que apresentavam conceitos-chave em comum (FIG. 18). 80 FIGURA 18 - Infográfico dos conceitos-chave Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. FIGURA 19 – Ícone “pertencer” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. 81 Pertencer (FIG. 19): as palavras que foram enquadradas nesse conceito são: lar (22)11, casa (19), família (3), pertencimento (2), minha, porto, ovo, moradia origem, berço, afinidade, familiaridade. Quando são atribuídos esses significados à cidade, compreende-se inicialmente a relação que a cidade natal ou a cidade escolhida para morar desperta em seus cidadãos. Mas a palavra lar especificamente remete ao sentimento de harmonia, que geralmente está relacionado a afeto. Casa já é mais abrangente, é lugar de habitação, moradia, mas mesmo assim é expresso de forma carinhosa, não é simplesmente o lugar onde mora, conforme se observa nas falas a seguir: Não há lugar como a casa da gente. Carinho pela minha cidade natal. Faz parte de mim. Sabe aquela sensação quando você chega em casa? Sensação de estar no melhor lugar do mundo. No seu canto. Mais ou menos isso. O meu lugar (Entrevistados on-line, 2013).. FIGURA 20 – Ícone “acolher” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Acolher (FIG. 20): aconchego (23), acolhimento (15), tranquilidade (5), hospitalidade, conforto (5), confiança (2), paz (4), segurança, quietude, equilíbrio. Palavras como aconchego e acolhimento também são citadas em ambas as questões. Elas representam o conceito de sentir-se bem, de uma cidade que acolhe os cidadãos e faz sentir-se em casa aqueles que por aqui chegam. 11 Refere-se ao número de vezes que a palavra foi citada. 82 Tranquilidade em uma cidade grande. A emoção de sempre me sentir acolhida. Aconchego. Tipo estar em casa. Muuuuuito amor, acolhimento, carinho. Mesmo sendo uma metrópole, me sinto bem onde quer que eu vá! É meu lar. De modo geral as pessoas são receptivas, acho que isso causa esta sensação de aconchego e proximidade (Entrevistados on-line, 2013). FIGURA 21 – Ícone “memória” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Memória (FIG. 21): saudade (8), história, momentos, cotidiano, passado, nostalgia (3). Destacam-se as memórias e vivências que derivam das experiências diárias, do cotidiano. A nostalgia e o saudosismo fazem parte das memórias, expressam uma busca por algo que ficou no passado, uma experiência; e a cidade como lugar de registro: Lembrança da Infância, sentimento de transição de passado e futuro. Lembrança e saudade. Memórias, passado, história pessoa (Entrevistados on-line, 2013). 83 FIGURA 22 – Ícone “natureza” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Natureza (FIG. 22): montanhas (8), natureza (2), belo horizonte, relevo, o nascente e o belo poente, céu, horizonte calmo, belo e tranquilo, cidade jardim, luminosidade, horizonte, manhã, saudável, frio, calor, beleza (9), magnífica, linda (3), charme, maravilhosa, serenidade e especial. A beleza da cidade expressa em sua natureza ainda é citada como significado da cidade. Suas montanhas e o belo horizonte, que foram os motivadores do nome da cidade e de codinomes como “Cidade Jardim”, continuam despertando emoções: O belíssimo horizonte me desperta uma paz indescritível! Eu amo BH! BH desperta a emoção de uma capital com traçados marcados pela beleza da natureza e ousadia do ser humano. Aconchego pela segurança transmitida pelas montanhas e beleza dos ipês (Entrevistados on-line, 2013). FIGURA 23 - Ícone “afeto” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. 84 Afeto (FIG. 23): amizade (7), alegria (24), vida (5), amor (9), felicidade (12), carinho (7), paixão (2), encantamento (3), admiração, afeto, felicidade, união, orgulho (2), satisfação (3), proximidade, cordialidade. Nesse conceito destacam-se sentimentos que remetem a uma cidade alegre, que desperta sentimentos de amor, felicidade e vida: Profundo amor pela cidade Alegria de ser belo-horizontino Uma emoção no qual sei descrever, é um sentimento maravilhoso. Orgulho (Entrevistados on-line, 2013). FIGURA 24 - Ícone “futuro” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Futuro (FIG. 24): modernismo, referência, metrópole (2), oportunidade (3), progresso, trabalho e dignidade e exemplo, esperança (2), liberdade (5), realização, eclética (2), pluralidade, multifacetado, diversidade, além, transição, mudança. O anseio de cidade moderna sempre fez parte da cidade e continua fazendo parte das percepções dos cidadãos. Inquietude, vontade de continuar avançando. A emoção que BH me desperta é de uma cidade que está se modernizando e caminhando rumo ao progresso e ao desenvolvimento para ser uma cidade melhor pra se viver nos próximos 116 anos (Entrevistados on-line, 2013). 85 FIGURA 25 – Ícone “Minas” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Minas (FIG. 25): capital, tradição (5), conservadora. roça grande (2), interior urbano, a minha roça grande, roça, nem interior nem cidade grande. Em Belo Horizonte encontra-se a busca pelo moderno, mas sem perder o seu ar de interior, das tradições de Minas. Para os entrevistados ainda é possível sentir o sossego morando na capital. Mineiridade sofisticada. A tradição de cidade do interior do jeito mineiro de ser, de preservar os costumes de pessoas reservadas e conservadoras. Belo Horizonte é uma cidade grande, mas que sentimos bem pequena. Por onde andamos encontramos pessoas conhecidas, muito fácil este encontro com as pessoas. BH me desperta momentos que vivi nela, desde a infância até agora, onde cada parte da cidade são marcados por eles. Gosto dessa cidade por ter cara de cidade grande e ser pequena (pelo fato de encontrar pessoas que conheço onde quer que eu for). E também por preservar a parte "mineirinha" numa cidade que evolui e se torna tecnológica (Entrevistados on-line, 2013). 86 FIGURA 26 – Ícone “agito” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Agito (FIG. 26): movimento (4), mundo (2), curiosidade, diversão, prazer, agitação, boemia, bate-papo, botecos, bares (2), Galo, Cruzeiro e Natal. O termo “agitada” reflete tanto o cotidiano de uma metrópole como também o sentido de vida cultural e social agitada, movimentada. BH me dá a melhor sensação, é um amor que não cabe no coração. É a cidade que me faz sentir como casa, quando você sobe a serra e vê aquele horizonte lindo, você quer abraçar a cidade toda ao mesmo tempo. Por ela você quer lutar, fica brava na rua, e te doi ver bagunçada. É parte de você e você é parte dela... E fechando, é como aquela música, Bondosa! Eventos culturais constantes com um belo horizonte para a alma, em meio às montanhas da vida (Entrevistados on-line, 2013). Apresenta também uma dicotomia entre sossego e agitação, tranquilidade e estresse, roça e metrópole. Mas também exibe sentimentos dúbios: Não me traz conforto nem paz, é inquietude e ansiedade. Mas desperta ainda curiosidade, vontade de abraçá-la como cidade, descobrir o regozijo e as compensações necessárias! Belo Horizonte é um cenário de contemporaneidade, ao mesmo tempo de uma historia construída e desconstruída a cada instante. Espaço de conflitos de poder, espaço de correlação de forças (Entrevistados online, 2013). 87 FIGURA 27 - Ícone “estresse” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Estresse (FIG. 27): tumultuada, panela de pressão, caos, correria, trânsito, loucura, confusão, indefinição e inteligível, estresse, complicada. FIGURA 28 – Ícone “estagnada” Fonte: dados da pesquisa/ elaborada pela autora. Estagnada (FIG. 28): provinciana, roça (2), descontentamento, atraso, introspectiva, ex-belo horizonte, suja, decepção, “jeguice”, ilusão, feia e suja, desespero (2), monotonia, melancolia, desconforto, nenhuma (2), tédio, sensação de mundo pequeno, tristeza (3), preguiça (4), incerteza, não muito satisfatória, medo, solidão (2). Os significados e emoções negativas são questões presentes nas metrópoles, ao mesmo tempo aparecendo termos que relacionam a cidade a estagnação, monotonia. O termo “roça” é usado tanto para expressar o sentimento de lugar tranquilo, proximidade, tradições: 88 Eu nasci nesta cidade e ela tem uma coisa de roça, por mais que cresça, ainda se cumprimenta nas ruas dos bairros, ainda existe aquela coisa de tomar um cafezinho com pão de queijo com a família. Nossos costumes ainda são interioranos nas comidas, nos adornos das casas. Ainda temos os desfiles dos congados nas ruas... os padeiros que passam nas ruas, o som da catraca dos vendedores de biju. E as montanhas dão um ar de liberdade que poucas cidades ainda oferecem. [...] Gosto dessa cidade por ter cara de cidade grande e ser pequena (pelo fato de encontrar pessoas que conheço onde quer que eu for). (Entrevistado, 2013, grifo nosso). E para outros a mesma palavra possui a conotação de um lugar que parou no tempo, estagnado: Uma palavra é pouco: Roça Grande. Tem as limitações de uma roça. Um pouco de vergonha (pelas "tradições mineiras"). Tristeza: pela falta de educação daqueles que deveriam fazer deste lugar uma cidade, no seu sentido originário. Frustração por ter a necessidade de ser um exemplo não cumprido. (Entrevistados on-line, 2013) É interessante observar que as resposta que abrangem aspectos negativos são bem menores que as positivas. Isso não que dizer que a cidade não os tenha, mas que os positivos sobrepõem-se aos negativos em relação a significados e emoções. 03 - Qual é a sua referência sobre Belo Horizonte? Sobre essa questão obteve-se a resposta representada na FIG. 29: 89 FIGURA 29 - Gráfico de algumas referências de Belo Horizonte Fonte: elaborado pela autora. Nos 10% que responderam outros, 21 pessoas escolheu lugares diversos na cidade conforme gráfico FIG 30: FIGURA 30 - Gráfico de outras referências de Belo Horizonte Fonte: elaborado pela autora. 90 De acordo com as respostas, a Praça da Liberdade e o conjunto arquitetônico da Pampulha foram os mais citados como referência da cidade. Mas vários lugares foram mencionados. Verifica-se uma diversidade de respostas, principalmente na opção “outros”, que apresenta de forma mais clara como o conceito de referência dos cidadãos está diretamente ligado a vivências e experiências de cada pessoa. As respostas vão de um conceito mais abstrato “o horizonte recortado” até as avenidas e bairros da cidade, não ficando circunscrito somente aos marcos geralmente citados. Uma das entrevistadas enviou e-mail com uma observação que explicita esse fato. Só uma observação: na questão dos lugares, para mim foi interessante porque percebi que o lugar muda de acordo com a fase da vida e interesses do momento. Apesar de ter respondido Praça da Liberdade, a Lagoa da Pampulha é hoje para mim uma grande referencia e faz três anos que virou um lugar afetivo muito importante (Entrevista por e-mail). O significado e a emoção de Belo Horizonte, juntamente com os lugares, são elementos efêmeros que mudam de acordo com a sociedade que atua diretamente na construção dessas referências. 5.4 A retomada: anos 2010... Blumer (1939) propõe que o comportamento coletivo refere-se a uma atitude relativamente espontânea, não estruturada e que um número de indivíduos age influenciando ou sendo influenciado por outros indivíduos. Na atualidade têm crescido em todo o país os chamados coletivos urbanos, que são movimentos sociais que utilizam como principal instrumento de mobilização a internet e principalmente as rede sociais. Segundo Machado (2007), o que articula tais coletivos são os conflitos, relações, processos políticos e sociais que acontecem na sociedade e que influenciam o cotidiano dos atores sociais. Os agenciamentos para a mudança social ocorrem sob novos contornos, nos quais interação, intenção, conexão, identidade e ação desempenham papéis cada vez mais fundamentais, fazendo com que os atores sociais tenham uma extensão e influência cada vez maiores, criando um ambiente propício à emergência de novas formas de ação coletiva (MACHADO, 2007, p. 279). 91 Os coletivos urbanos geralmente não possuem algum tipo de hierarquia, são compostos de voluntários que buscam defender seus ideais de forma criativa, a partir de intervenções e apropriações e convidam a população para participar e transformar a cidade. A partir de 2010 vários movimentos reapareceram para resgatar a cidadania e o seu direito à cidade. Pode-se classificá-los em duas linhas: Os movimentos articulam-se com argumentos políticos em seus ideais, convocando a população para lutar pelo seu direito à cidade, pela preservação do patrimônio da história e memória da cidade e também pelo seu direito de uso. Entre eles destaca-se o Movimento Praia da Estação, iniciado em 2010 como uma forma de protesto ao Decreto-Lei número 13.798 de dezembro de 2009, que proibia o uso da Praça da Estação pelo poder público municipal. A população foi convocada para ocupar a praça e exercer o seu direito de uso do espaço. A proposta foi usar os encontros para discutir questões pertinentes sobre a cidade. Em um dos encontros da Praia da Estação surgiu a ideia de se criar um espaço comum para artes e oficinas e que fosse aberto à população. Assim surgiu o Movimento Espaço Comum Luiz Estrela, que se iniciou com a ocupação do antigo casarão em ruínas da rua Manaus no bairro Santa Efigênia. O Movimento Fica-ficus: Por uma BH mais verde 2013 articulou-se em protesto contra a poda das árvores centenárias de Belo Horizonte, que fazem parte de praças e avenidas como a av. Barbacena, Praça da Boa Viagem, av. Bernardo Monteiro e região hospitalar. Infestadas pela mosca branca, a Prefeitura optou pela poda em vez de tratar as árvores. O Movimento Salve Santa Tereza (1996) luta pela preservação do bairro Santa Tereza, que é considerado uma Área de Diretrizes Especiais (ADE). O Movimento Verticalização da Pampulha NÃO (2010) objetiva a preservação da região da Pampulha. O Movimento Lagoinha Viva (2013) tem o intuito de revitalização urbanística e cultural da região. A Lagoinha passou por uma série de demolições e descaracterização e a mais recente luta começou em oposição à construção do centro administrativo municipal, que era uma das ações previstas nas obras do Projeto Nova BH. Esse projeto foi aprovado em março de 2014 e prevê uma operação urbana consorciada com a construção e requalificação de diversos pontos da cidade. 92 Uma segunda linha são os movimentos urbanos, que se intitulam de Coletivos, que se apropriam dos espaços públicos, envolvem a população com temas de gentileza em torno de uma cidade melhor para viver, como, por exemplo: Desestressa BH, Coletivo Gentileza, Engenheiros da Alegria, Imagina na Copa, Faz Bem, Feira Grátis da Gratidão BH, We Love, entre outros. Na próxima seção reproduzem-se as entrevistas de alguns participantes de coletivos e analisa-se sua ação. 5.5 Coletivos em Belo Horizonte 5.5.1 Coletivo Gentileza As reflexões sobre o coletivo iniciaram-se em 2011, quando GR (designer) fez um curso de Coolhunting e tendência de comportamento e a partir desse momento nasceu o desejo de fazer algo que mudasse o entorno. GR uniu-se a mais duas amigas, T e L, que também possuíam o mesmo ideal para empreender a iniciativa. Vamos fazer alguma coisa... Aqui a gente resolveu, como tinha algo que nos chateava muito que era a forma como as pessoas relacionavam com a cidade e com o outro aqui em BH, que é o local onde a gente mora, que a gente resolveu criar o coletivo (Entrevistada GR, 2014). Segundo GR, hoje existem vários grupos que utilizam o termo coletivo, mas na época não existiam tantos. Para o início das atividades foi criada uma página em uma rede social e estudos de caso e o lema de trabalho foi traçado no ideal do grupo “A mudança que a gente quer para o mundo começa com as microrrevoluções ‘nossas’ de cada dia.” O coletivo começou a pensar ações que tinham Belo Horizonte como palco. Segundo GR, uma das coisas que mais incomodam o grupo é a falta de cuidado com a cidade, a correria do dia-a-dia que torna os indivíduos cada vez mais individualistas. E para construir algo diferente o coletivo optou por realizar ações, intervenções urbanas, divulgar informações e projetos que instiguem as pessoas; e a gentileza foi escolhida como o agente desse processo. 93 FIGURA 31 – Logotipo coletivo gentileza Fonte: álbum Coletivo Gentileza: facebook. A ideia é falar com o máximo de pessoas e a estratégia é não repetir muito os lugares onde a ação já aconteceu. A primeira ação do Coletivo foi realizada durante a Primeira Feira Grátis Gratidão em BH na Praça Floriano Peixoto. A proposta era dar algo para as pessoas e também receber algo, que não era necessariamente material. Nesse projeto a ideia foi trocar 100 mudas por sonhos de uma Belo Horizonte melhor (FIG. 32). A proposta seria o seguinte: a gente daria para pessoa a muda, mas em troca a gente queria que elas refletissem como é a cidade que elas gostariam de morar. A gente reclama tanto que BH é isso, BH é aquilo, mas como seria BH ideal para mim? Não sabíamos o que ia acontecer, então a troca seria essa: nos damos a muda e vocês dão o sonho para nós. Nós achamos que o sonho é algo muito importante, pessoal (Entrevistada GR, 2014). As mudas foram distribuídas em aproximadamente duas horas. Teve repercussão na mídia e em blogs. 94 FIGURA 32 – Ação “Mudas por sonhos” Fonte: álbum Coletivo Gentileza: facebook. Os sonhos escritos pelas pessoas deixaram o grupo impressionado, tinha desde ideais políticos até poesias. Segundo GR, as pessoas escreviam histórias, coisas que elas sentiam, o que passavam em suas vidas. Eram pessoas de todas as classes sociais, do mais simples ao mais abastado. Perfis e culturas diferentes também. Dos sonhos escritos foram escolhidos alguns e foram convidados alguns designers para interpretar e ilustrar o material (FIG. 33 e 34), transformando-os em wallpapers, fundo de tela de computador, tablet, celular e foi chamado na página de gentileza para baixar. O material foi disponibilizado na fanpage do Coletivo para o download. 95 FIGURA 33 – Sonho interpretado por MN, designer gráfico Fonte: álbum Coletivo Gentileza: facebook. 96 FIGURA 34 – Sonho interpretado por IT, designer gráfico Fonte: álbum Coletivo Gentileza - facebook. 5.5.2 Design Segundo GR, o papel do design não é institucionalizado, ou seja, não é articulado de forma consciente. Entretanto, ele está presente em todo o processo, desde a concepção até a sua execução. Toda a experiência é pensada. São levantados questionamentos e possíveis soluções, como, por exemplo: como a gente gostaria que a pessoa se sentisse? Qual é o tipo de reflexão que desejamos promover? A gente quer que as pessoas saiam dali e aconteçam o que com elas? Será que a gente pode tocar a pessoa para ela fazer a diferença em algum outro lugar? Os detalhes também são pensados, os layouts, embalagens, as mensagens. “É a gentileza do detalhe de fazer algo que é legal, é bonito, que é legal para outro, então a gente pensa nas embalagens, pensa em tudo da forma 97 mais bonita possível, o jeito de escrever as mensagens” (GR, 2014). O design é usado como um encantamento, uma forma de tocar a pessoa, mostrar que houve cuidado com ela, como sensibilização. As redes sociais são utilizadas para divulgar as ações de gentileza. A ferramenta de Storytelling12 (FIG. 35) é usada para narrar tudo o que foi feito. As ações são registradas por fotos, para quem não esteve presente acompanhar a história em detalhes, buscando passar as sensações. FIGURA 35 – Storytelling “Ação sonhos por mudas” Fonte: álbum Coletivo Gentileza - facebook. Segundo GR, no ano passado foram realizadas algumas ações, como, por exemplo, a Frutificando Gentileza. A ação aconteceu na Praça Duque de Caxias e ofereceu maçã, mexerica e melancia para quem passava. A ideia era que as pessoas devolvessem as sementes das frutas e deixassem uma mensagem escrita sobre o que se poderia fazer para semear um mundo melhor. Em parceria com o Laboratório, estudar o coletivo realizou a ação “Adocica”, que tinha como objetivo conscientizar os motoristas no trânsito. Nessa ação foram distribuídas balas para os motoristas como forma de aliviar o estresse. O coletivo participou também do Museu do Instante na Praça da Liberdade, com a ação Bombas de 12 Storylelling - que está relacionada a uma narrativa e significa a capacidade de contar histórias relevantes. 98 Semente (FIG. 36). As sementes foram coletadas na ação, frutificando gentileza. As sementes foram envolvidas em argila e compostos orgânicos apropriados para a germinação. FIGURA 36 – Embalagens das bombas de sementes Fonte: álbum Coletivo Gentileza - facebook. Em 2013, mesmo com a realização dessas ações, o foco maior ficou na internet. A pretensão em 2014 é realizar mais ações e usar o virtual como forma de replicar e desdobrar ações, para a pessoa lembrar diariamente. 5.5.3 Coletivo Gentileza & cidade Ações são realizadas em lugar público, em diferentes praças. É uma forma de quem acompanha o coletivo ir a diferentes lugares, vivenciando a cidade. 99 São momento de ir e ver, como é legal você ir para uma praça, acontece um evento, depois você limpa, o pessoal participa, se envolve. Acho que hoje, as pessoas... não sei se é porque eu estou no meio dessas pessoas que vivem a cidade, mas de um ano para cá, eu estou impressionada. Tá muito legal aqui em BH, tá todo mundo realmente, participando, usando e usufruindo, mas quando a gente começou era muito triste de não ver as pessoas, elas não faziam nada, as pessoas não aproveitavam nada, a gente queria criar oportunidade para aproveitar esse espaços, igual tem na Europa, que as pessoas fazem coisas. Nós tentamos criar essas oportunidades. Você começa a gostar mais da cidade. [...] Vivenciar a cidade é isso, a gente mostra uma possibilidade que a pessoa pode ver e querer replicar, fazer, sair, curtir o espaço (Entrevistada GR, 2014) Qual a imagem que você tem de BH hoje? A imagem que eu tenho hoje é bem diferente de um ano atrás, hoje eu vejo assim: Belo Horizonte como uma cidade que as pessoas gostam dela, que tem muito espaço para ser usufruído, que antes as pessoas não aproveitavam e hoje elas estão descobrindo, igual ao carnaval, as pessoas indo para a rua, o espaço é organizado pelas próprias pessoas, não tem uma mão da prefeitura. As pessoas estão querendo, muitas pessoas ficaram em BH para curtir os bloquinhos. Nossa BH está mudando. Belo Horizonte agora está se tornando a cidade que eu gostaria de morar. Que cidade que você gostaria de morar, eu queria morar na cidade que as pessoas gostam, eu só via as pessoas reclamando Belo Horizonte não tem nada, São Paulo é que tem isso e isso. Ou então não era tão boa quanto São Paulo no que diz a respeito de uma cidade grande e não tão boa quanto uma cidade do interior quando você quer falar em qualidade de vida. Então ficava ali no meio. Eu não acho. Eu já tive oportunidade de morar em São Paulo e eu não quis, porque eu quero estar em BH, é a cidade que eu nasci, que me afinizo, que tem as pessoas que eu gosto e a cidade que eu quero morar, então eu tenho que fazer alguma coisa por essa cidade. Para ela ser o que eu realmente espero, se tiver alguma coisa que eu não goste. Então eu vejo as pessoas fazendo isso, hoje eu vejo que é uma cidade agradável culturalmente, é onde as pessoas estão valorizando e tem muita coisa, tem tanta praça, tanto parque, tem tanta cultura, tem tanta gente que mexe com teatro, com dança, com música, o que falta, ou faltava era isso de ir para rua mesmo, de ser mais acessível, de aparecer (Entrevistada GR, 2014). Que emoção a cidade lhe transmite? É o aconchego para uma cidade, é aquela coisa de se sentir em casa, ela tem essa carinho do interior, apesar de ser uma cidade grande. Quando eu imagino Belo Horizonte, uma foto de um momento de Belo Horizonte, é, por exemplo, um sábado à tarde... numa pracinha, aquela coisa gostosa, eu vejo assim... é um aconchego... (Entrevistada GR, 2014). 100 5.5.4 Desestressa BH O Desestressa BH começou de maneira despretensiosa em 2010. Dois amigos, JF (publicitária e designer) e AS (publicitário), incomodados com a vida estressada da cidade, ônibus, trânsito decidiram tocar e cantar dentro dos ônibus da cidade. O fato chamou muito a atenção das pessoas, que apresentaram receptividade para a ação. E a partir de então a dupla começou a repetir a ação com mais freqüência. Logo depois, começaram a realizar dinâmicas com os passageiros, do tipo de olhar e sorrir para o seu vizinho. FIGURA 37 – Logotipo do coletivo “Desestressa BH” Fonte: álbum Desestressa BH - facebook. Após esse início, o coletivo passou por uma transformação. Começou com duas pessoas, algumas começaram a seguir o movimento em suas ações e foram convidados a constituírem uma equipe de conselheiros, que hoje conta com aproximadamente 20 pessoas. Essa equipe é responsável por articular o movimento em projetos diferentes, dando mais dinamismo. 101 FIGURA 38 – Banner explicativo do conceito de coletivo Fonte: álbum Desestressa BH - facebook. Algumas pessoas que deixaram o movimento em determinado momento deram início a uma iniciativa própria, agindo como um agente multiplicador da ideia. Cita-se como exemplo o Coletivo Faz Bem, que realiza essas mesmas ações de cidadania em outras regiões. O coletivo acredita na prática da gentileza, da boa convivência e no princípio do amor, no contexto da vida conturbada da cidade (FIG. 39). Assim, o coletivo tem atraído também o interesse da imprensa é já foi assunto de jornais, revistas e blogs. 102 FIGURA 39 – Banner “Vem ser feliz em BH” Fonte: álbum Desestressa BH - facebook. Com a ideia de promover uma quebra na vida agitada dos cidadãos de Belo Horizonte, o Desestressa BH desenvolveu outras ações, como o Natal na Praça Sete, Faça um amigo hoje, Ação do dia dos namorados e o Piquenique do amor, que já está sua quarta edição. O coletivo realiza várias ações na Praça Sete. A escolha do local é motivada por caracterizar o coração da cidade, o lugar onde centenas de desconhecidos se cruzam a todo o instante. A escolha da Praça Sete tem o intuito de propor uma quebra no ritmo dos transeuntes, fazer as pessoas pararem por alguns instantes. A Praça Sete é o coração da cidade, é o centro da cidade, é o lugar daquela cena de filme de abrir o sinal e as pessoas se cruzarem, tem uma carga fortíssima, social, histórica é tudo ali, e ao mesmo tempo as pessoas passam reto, elas estão de passagem. É o símbolo de correria, do olhando para o chão, com medo da bolsa, uma frieza. As pessoas do batente, que têm hora, vão bater ponto em algum lugar (Entrevistada JF, 2014). 103 A ação de Natal é divulgada em rede social e qualquer pessoa interessada pode participar. A partir de um passo-a-passo as pessoas interessadas são instruídas sobre como funciona a ação (FIG. 40). As pessoas são convidadas a comprar um presente e encontrarem-se nas proximidades da praça. E cada um escolhe uma pessoa para presentear no meio da multidão. A ação acontece na Praça Sete. O grupo se mistura no meio das pessoas e em dado momento é feito um sinal e os participantes abordam e presenteiam os transeuntes, quebrando o ritmo da cidade. FIGURA 40 – Divulgação e passo a passo da ação de natal Fonte: álbum Desestressa BH - facebook. O Piquenique do Amor é uma ação que acontece em praças ou parques da cidade e convida a população a ter um momento tranquilo, de descanso, de 104 socialização e cultura. Durante o evento sempre é realizada alguma intervenção cultural, teatro, música. O primeiro aconteceu na Praça do Papa, no dia da comemoração do dia dos trabalhadores em 2013. O segundo aconteceu no dia 15 de agosto de 2013 no Parque Mangabeiras e reuniu aproximadamente 1.000 pessoas. A terceira edição aconteceu na Praça do Papa no dia 14 de dezembro de 2013 e a quarta edição no Parque das Mangabeiras em 06 de abril de 2014 (FIG. 41). FIGURA 41 – Chamadas para piquenique Fonte: álbum Desestressa BH - facebook. 105 FIGURA 42 – Mapa de localização do parque do evento Fonte: álbum Desestressa BH - facebook. 5.5.4.1 Design O design faz parte de todo o processo, como prática, mesmo não sendo o seu uso formalizado. O grupo possui em sua formação diversos profissionais de design, o que viabiliza, mesmo que intuitivamente, a sua prática. O planejamento das ações em seus detalhes, a concepção do material visual de divulgação (FIG. 42) na fanpage. Produção de botons com o logotipo do coletivo, frases sobre o conceito do grupo (FIG. 43) são vendidos para ajudar nas despesas básicas. 106 FIGURA 43 – Botons “Desestressa BH” Fonte: foto de Ricardo Lobato: álbum Desestressa BH - facebook. 5.5.4.2 Desestressa BH & cidade Não tenho um conceito muito fechado, está em processo de construção, eu vejo a cidade em ebulição, vejo as pessoas muito ouriçadas, [...] envolvida, pessoas envolvidas em vários pontos distintos, que no final viram a mesma coisa, grande assim... O pessoal da música, o pessoal do Fora, Lacerda! Pessoal engajado, das artes, diversas ações de cidadania, está todo mundo nessa ânsia de colocar essa cidade em seu grau máximo de atividade, de ocupação e de respirar essa cidade. Eu vejo que estamos no início ainda, não só de ocupação, de apropriação dela, mas de construção artística, de pensamento, de algo engajado. É como se nós fizemos parte de algo muito grande, mas que só vamos dar conta disso daqui muitos anos. É uma explosão de tudo, de envolvimento social, de engajamento, de reflexão, discussão da cidade, de si mesmo, do outro, da arte, da música, do design, de tudo assim. Parece ser uma nova onda que está vindo, e está muito no início ainda. É um momento importante para cidade, é bom fica bem atento (Entrevistada JF, 2014). Que emoção a cidade lhe transmite? Belo Horizonte não é a minha cidade natal, mas é o meu lugar. Um dia escutei uma pessoa dizendo que o lugar da gente é o lugar que a gente escolhe, e o meu coração escolheu BH. A minha identificação é tão grande, que eu não nasci nela, mas ela me pertence, com se eu estivesse nascido. É um muito grande a emoção, o amor que essa cidade me causa (Entrevistadada JF, 2014). 107 5.5.5 O “Ponto do Livro” O Ponto do Livro é uma ação dos coletivos Desestressa BH, We Love e Feira Grátis da Gratidão e foi inspirado no projeto paulista Parada do Ônibus, das designers paulistas Helena Aranha e Helena Nabuco. FIGURA 44 – Proposta da ação “Ponto do Livro” Fonte: álbum Ponto do Livro - facebook. A proposta é incentivar a leitura e a gentileza enquanto o cidadão espera ônibus. O ponto está presente inicialmente em dois pontos de ônibus da Praça da Liberdade, mas a intenção é lançar outros pontos pela cidade (FIG. 45). Os livros são colocados em um display de plástico que fica fixo no ponto de ônibus. As pessoas podem pegar livros para ler e doar espontaneamente. Os coletivos que empreenderam a ação fazem a manutenção do ponto. Não existe algum tipo de controle de quem pega ou deixa livro. É uma biblioteca pública e aberta. 108 FIGURA 45 – “Ponto do Livro” Praça da Liberdade Fonte: álbum Ponto do Livro - facebook. Para esclarecer a proposta e o funcionamento do Ponto de Livro (FIG. 46), um passo-a-passo foi elaborado com todas as etapas, além de incentivar a ação. Em todos os pontos tem o passo-a-passo fixado. 109 FIGURA 46 – Passo a passo da ação “Ponto do Livro” Fonte: álbum Ponto do Livro - facebook. 5.5.6 Projeto “Imagina na praça” O projeto Imagina na Praça é uma das missões que a estudante de design Brenda Maia deve cumprir na cidade. Brenda faz parte do projeto nacional Imagina na Copa, que surgiu em 2013 com a proposta de ressignificar o recorrente comentário “se não está legal agora, imagina na copa”. O objetivo é que até junho 2014 os jovens ressignifiquem a Copa do Mundo como um marco dos jovens, transformando a sua cidade. Com esse intuito foram realizadas oficinas com vários “capitães” pelo Brasil, que são jovens que têm a tarefa de realizar as missões em suas cidades. Para atingir o seu objetivo, o projeto foi dividido em três aspectos: ouvindo história de pessoas que transformam a cidade, produzindo pequenos documentários e exibindo-os em um canal de vídeo; promovendo oficinas para preparar os jovens “capitães” para transformarem a sua cidade; e, por último, são as missões para apropriar do espaço público. 110 Os capitães devem cumprir as missões em suas cidades. Brenda uniu-se a seu colega Paulon e criou o Imagina na Praça, para cumprir as missões; Imagina na Faixa, Leve este Livro e Lancha comigo? (FIG. 47). FIGURA 47 – Missões “Imagina na copa” Fonte: http://imaginanacopa.com.br/missoes. Para cumprir a missão a ação contou com o apoio da Charrete Net, que passou por Belo Horizonte em abril. A Charrete Net é um projeto idealizado e realizado pelo professor Gastão da Cunha Frota, da Universidade Federal de Uberlândia, que tem como proposta levar a diversas localidades conhecimento, interação, utilizando as ferramentas de comunicação virtual e as redes sociais. O local escolhido, uma praça na região da Lagoinha, é um local marginalizado, em que as pessoas passam correndo por medo da violência ou por pressa mesmo. A proposta não foi muito divulgada nas redes sociais, pois o objetivo era atingir as pessoas que transitam nessa região vindo e indo para o metrô, os moradores de ruas e usuários de drogas. A ação foi realizada no dia 4 de abril de 2014 e não reuniu muitas pessoas. O público que se beneficiou dessa ação foram principalmente as crianças carentes que perambulam pela região (FIG. 48). 111 FIGURA 48 – Ação “Imagina na praça” e “Charrete Net” Fonte: álbum da Charretenet/facebook. 5.5.6.1 Design O design está presente na forma de comunicar. O processo é pensado e articulado de acordo com o seu público. O material gráfico é produzido de forma clara e repassado para os capitães em forma de “gabaritos” para serem utilizados. Existem as camisas, bottons, imãs de geladeira, adesivos, tudo muito colorido, cada missão tem o seu material específico. A iniciativa não tem fins lucrativos, mas tem fim nas pessoas, tudo é pensado estrategicamente. No site Imagina na Copa comprovam-se o uso do financiamento coletivo e o apoio de várias empresas que auxiliam o projeto a acontecer. 5.5.6.2 Imagem de Belo Horizonte A ideia que eu tinha antes que a cidade era ali dentro da avenida do Contorno, mas a cidade é muito grande, muito pouco explorada. Tem muita história legal em volta, lugares diferentes, lugares que a gente tem medo de ir, na Pedreira, no aglomerado Santa Lúcia, no Barreiro, a 112 cidade é enorme e a gente conhece muito pouco. É muito lindo quando vemos praça cheia de gente (Entrevistada BM, 2014). Que emoção a cidade lhe transmite? Eu gosto muito de Belo Horizonte, eu gosto muito de andar. Eu fui no Rio de Janeiro esse dias, lá é lindo, mas não é aqui. Aqui é... não sei... eu sempre andei aqui, a minha vida inteira eu andei aqui, quando eu tiver um filho quero andar em Belo Horizonte com ele. Eu me sinto em casa, não tenho medo de ir ao centro, não tenho medo de andar na cidade, é a minha cidade. Quando todo mundo está na rua não é perigoso, então se todo mundo estivesse sempre ia ser muito legal. Aí dá vontade de falar com todo mundo, vamos, não tenha medo, vamos lá... Vamos usar a cidade, vamos parar de ficar em casa, a cidade é nossa. Se você não usa vem alguém e usa do jeito que ela quer, enquanto tiver gente é de todo mundo (Entrevistada BM, 2014). 5.5.7 Análise dos coletivos O Desestressa BH, o Coletivo Gentileza e a missão Imagina na Praça surgiram a partir de situações que incomodavam os seus idealizadores: estresse urbano, trânsito caótico, falta de cuidado com a cidade, individualismo e medo. Esses fatores foram mencionados na primeira pergunta desta pesquisa como negativos. Entretanto, esses grupos foram em busca de soluções. E a solução encontrada por todos foi a mobilização social, propondo ações que inserissem as pessoas em outras experiências. Percebe-se nesses movimentos o desejo latente de mudança, motivado por sentimentos de pertencimento, e o desejo de construir e usufruir de uma cidade melhor. E para alcançar o objetivo, esses movimentos articulam-se de maneira horizontal e têm a criatividade como uma das principais ferramentas de convocação para a causa defendida. Para tanto, o design está presente em todo o processo. Para a articulação das propostas são utilizadas as ferramentas de design, mesmo que não seja de forma institucionalizada, conforme as entrevistadas revelam. Tanto Desestressa BH como o Coletivo Gentileza possuem profissionais de design em sua composição, mas dizem que não pensaram em design para projetar e realizar os seus projetos, embora o design esteja presente em todas as ações: na divulgação, nas informações usadas nas redes sociais, em todo o processo de envolvimento. Gobé (2010) nomeia esse processo de pensamento estratégico que traz à tona o “designer interior”. Já o Imagina na Copa, que possui 113 uma proposta de âmbito nacional, deixa claro o pensamento estratégico do design, assim o uso das ferramentas em todo o processo. Em todos os coletivos existe associação emocional com a marca, seja um piquenique no parque, usufruindo do ambiente, do convívio social com outras pessoas e de momentos de cultura; seja a ação do Natal na Praça Sete ou livro disponível no Ponto do Livro. A marca do Desestressa está associada a momentos lúdicos, de tranquilidade ou de pausa que ficam registrados na memória de quem os partilha, seja nos sonhos de uma cidade melhor registrados pelo Coletivo Gentileza que foram transformados em expressões gráficas ou nas bombas de semente que prometem mais verde para a cidade. Os coletivos provocam emoções nas pessoas que entram em contato com as suas propostas e podem ser transferidas para a cidade. Segundo Lefebvre (2006, p. 103), “o ser humano tem necessidade de ver, ouvir, tocar e degustar e a necessidade de reunir essas percepções num “mundo”. Essa reflexão do autor remete às necessidades sociais do ser humano que são inerentes à sociedade urbana. A proposta desses coletivos relaciona-se às teorias do design emocional propostas pelos autores Jordan (2000) e Norman (2008), que no primeiro nível relatam sobre aspecto fisiológico ou visceral e evocam o contato inicial, as primeiras sensações e estão relacionadas ao corpo. No segundo nível, comportamental ou prazer social é resultante das interações, o uso. E, por último, as teorias apresentam o prazer psicológico e ideológico que no nível reflexivo abrangem os aspectos emocionais, as experiências, valores morais e culturais. Assim, observa-se o design proporcionando condições para o alcance do objetivo de levar momentos de tranquilidade, de gentileza para os cidadãos e, sobretudo, proporcionam a apropriação dos espaços públicos, praças, ruas e parques. Esses coletivos mostram para a população o direito à cidade, o direito de uso, a apropriação do espaço público, transformando-os em lugares de vivência. 114 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Belo Horizonte foi considerada, em vários momentos de sua história, a cidade sem memória, a cidade do tédio, era usual escutar a frase “em Belo Horizonte não tem nada para fazer”. A partir desta pesquisa registra-se um movimento emergindo de seus cidadãos que desejam retomar a cidade. A vanguarda das décadas de 1970-1980 apresentou o caminho da mobilização, do questionamento. E a geração dos anos 2000 está resgatando esse processo e indo para as ruas. É uma apropriação legitimada pelo desejo de ter uma cidade melhor, com histórias e vivências para contar. Observam-se nos casos estudados o exercício do pertencimento, a exposição do afeto sentido pela cidade. Isso não faz fechar os olhos para questões que emergem nos grandes centros, trânsito caótico, estresse, violência entre outros. Mas no meio dessa turbulência, alguém chega com o propósito de quebrar o ritmo, de propor algo diferente e é bem aceito. Outros sonham com as praças estrangeiras que as pessoas usam, divertem-se e decidem ocupar a praça que está vazia e o inesperado acontece, pessoas de diferentes classes e culturas misturam-se e interagem, trocam experiência, perdem a vergonha de estar ali, de sentar e usufruir. Nesse contexto, Lefebvre (2006) apresenta como um das definições de cidade. Portanto, propomos aqui uma primeira definição da cidade como sendo projeção da sociedade sobre um local, isto é, não apenas sobre o lugar sensível como também sobre o plano específico, percebido e concebido pelo pensamento, que determina a cidade e o urbano (LEFEBVRE, 2006, p. 56). Assim, é construído o sentido de cidade, a sua imagem vem sendo articulada, os sentidos de lar, lugar acolhedor, aconchegante. Os sentimentos são explicitados em movimentos diversos. O design apresenta-se como uma ferramenta importante para que esses acontecimentos nesses encontros e discussões sobre a cidade tornem-se lugares de expressão dos sentimentos. 115 E o design é o facilitador desses processos, pois se transforma em instrumento para dar visualidade a indignações, manifestos e declarações que homenageiam e questionam a cidade e o viver a cidade. Assim, estrutura-se a participação efetiva da população em construir a cidade, construir a imagem da sua marca. A marca Belo Horizonte não se expressa em um logotipo, mas nos vários logotipos que marcam esse momento de mudança no modo de perceber e sentir e usar a cidade. Belo Horizonte não se expressa por um único símbolo, mas por vários que são referências na história de cada cidadão e na memória afetiva, criando laços, experiências e histórias. No período carnavalesco, era comum as pessoas saírem da cidade deixando-a à mercê de si mesma, esquecida, vazia. Nos últimos anos, esse quadro começou a mudar. No carnaval 2014 apresentou-se um cenário diferente, com sentido de legitimação de uso. Sem qualquer interferência ou organização do poder público, surgiram blocos de vários pontos da cidade, alguns engajados com os movimentos aqui citados, outros envolvidos no clima festivo. As avenidas e ruas do centro e de bairros foram apropriadas, na cidade há muito não se exercia esse uso pleno de suas ruas. O carnaval de BH está sendo chamado de carnaval politizado, cujas letras de suas marchinhas chamam a atenção para as questões políticas que precisam ser refletidas, e o seus cidadãos estão percebendo isso. Pode-se dizer que essa construção está ainda nos primeiros passos, a imagem da marca está em processo, sendo construída por diversas outras que representam os movimentos urbanos, os coletivos. É place branding gestado pelos cidadãos que faz a cidade acontecer. Lefebvre (2006, p. 116) lembra que “o direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada”. Sabe-se que entre as pessoas comuns que têm participado dos movimentos urbanos talvez ainda voltem para sua vida rotineira, mas percebe-se um movimento de mudança imprimindo-se aos poucos nas pessoas, a partir do momento em que as praças da cidade estão mais movimentadas independentemente de naquele momento existir alguma atividade promovida por outrem. É uma transformação que só poderá ser constatada ao longo dos anos, mas pode-se dizer que o processo de mudança já esta a caminho. 116 E considerando-se que a marca da cidade está em plena construção por seus atores sociais, o assunto ainda merece ser analisado na linha dos movimentos que se articulam politicamente, ocupando e questionando as soluções do poder público que se articula principalmente no consumo da cidade como produto, o lugar de troca. O place branding gestado pelo cidadão é um dos caminhos para a consolidação de uma marca que possui uma imagem que reflete uma cidade para o cidadão, não somente com o sentido de troca, mas principalmente no seu sentido de uso. Hoje Belo Horizonte apresenta-se com um lar, uma casa em construção por seus cidadãos, que expressam os seus sentimentos que propõem mobilizações por amor à cidade. Assim, pensando nesse momento, propomos um logotipo que ilustra a capa deste trabalho que reflete nossa percepção desse atual momento de Belo Horizonte, sem pretensões de ser a marca da cidade, mas como reflexo das imagens captadas pela presente pesquisa. 117 REFERÊNCIAS AAKER, David A. Marcas brand equity: gerenciando o valor da marca. São Paulo: Negócio, 1998. ANHOLT, Simon. Competitive identity: The new brand management for nations, cities, and regions. New York: Palgrave Macmillan, 2007. ANHOLT, Simon. Places: Identity, Image and Reputation. New York: Palgrave Macmillan, 2010. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BLUMER, Herbert. Collective behavior. In: LEE, Alfred McClung. (ed.). Principles of Sociology. Nova York: Barnes e Noble, pp. 165-222, 1939. BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011. BRETON, David Le. As paixões ordinárias: antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. CALDER, J. Bobby. Design de marcas. In: CALKINS, Tim; TYBOUT, Alice M. (orgs). Branding. São Paulo: Atlas, 2006. CALKINS, Tim. Introdução: desafio de branding. In: CALKINS, Tim; TYBOUT, Alice M. (orgs). Branding. São Paulo: Atlas, 2006. CANCLINI, Néstor García. A globalização imaginada. Tradução de: Sérgio Molina. São Paulo: Iluminuras, 2007. CAPEL, Horacio. El debate sobre la construcción de la ciudad y el llamado "Modelo Barcelona". Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, Universidad de Barcelona, v. 11, n. 233, 2007. CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012. CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2010. CARLOS, Ana Fani. O lugar no/do mundo. São Paulo: Labur Edições, 2007a. CARLOS, Ana Fani A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: FFLCH, 2007b. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução de: Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 118 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução de: Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 2002. CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes. Morar, cozinhar, v. 2, p. 189-202, 2000. CHACHAM, Vera. A memória urbana entre o panorama e as ruínas: a rua da Bahia e o Bar do Ponto na Belo Horizonte dos anos de 30 e 40. In: DUTRA, Eliana de Freitas (org.). BH horizontes históricos. Belo Horizonte: C/ARTE, 1996. COOLIDGE, E. David. Branding e a organização. In: CALKINS, Tim; TYBOUT, Alice M.; (orgs). Branding. São Paulo: Atlas, 2006. COSTA, Jean. A imagem da marca: um fenômeno social. São Paulo: Rosari, 2011. DAMÁSIO, António. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. DESMET, Peter M. A. A multilayered model of product emotions. The Design Journal. In press, p. 1-13, 2003. Disponível em: < http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/ download?doi=10.1.1.125.2341&rep=rep1&type=pdf. >. Acesso em: 09/06/2013. DESMET, Peter .M.A.; HEKKERT, Paul. (2009). Special issue editorial: Design & emotion. International Journal of Design, v. 3, n 2, p.1-6. 2009. Disponível em: <www.ijdesign.org/ojs/index.php/IJDesign/article/view/626/255> Acesso em: 08/06/2013. FERRARA, Lucrécia D’alessio. Comunicação espaço e cultura. São Paulo: Annablume, 2008. FERRARI, Celson. Dicionário de urbanismo. São Paulo. 2004. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Rio de Janeiro: Conexões 2002. GOBÉ, Marc. A emoção das marcas: conectando marcas às pessoas. Tradução de: Fluvio Lubisco. Rio de Janeiro: Negócio, 2002. GOBÉ, Marc. Brandjam: o design emocional na humanização das marcas. Tradução de: Maria Clara de Biase. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. GOMES, Leonardo J.M. Belo Horizonte: A cidade descritiva: documentos de uma história urbana. Belo Horizonte: Gomes, 2011. HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. Tradução de: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 119 HARVEY, David. Condição pós-moderna. Tradução de: Adail Ubirajara Sobraal e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1996. HEILBRUNN, Benoît. A logomarca. São Leopoldo: Unisinos, 2004. HOLLIS, Richard. Design gráfico, uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. IIDA, Itiro; BARROS, Tiago; SARMET, Maurício. Transversalidade. In: MORAES, Dijon. (org). Coleção: Cadernos de Estudos Avançados em Design. Belo Horizonte: UEMG, 2008. INSCH, Andrea. Branding the city as an attractive place to live. In: DINNIE, Keith. City branding. New York: Palgrave Macmillan, 2011. JAYME, Juliana G.; TREVISAN, Eveline. Intervenções urbanas, usos e ocupações de espaços na região central de Belo Horizonte. Civitas, v. 12, n. 2, 2012. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/ 11933. Acesso em: 03 de abril 2014. JULIER, Guy. La cultura del diseño. Tradução de: Marcos Muslera. Barcelona: GG Disenõ, 2008. JORDAN, P. Designing pleasurable products: An introduction to the new human factors. London: Taylor & Francis, 2000. KELLER, Kevin Lane. Gestão estratégica de marcas. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. KOTLER, Philip et al. Marketing de lugares. São Paulo: Prentice Hall Brasil, 2007. KOURY, Mauro. A antropologia das emoções no Brasil. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção/Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção da Universidade Federal da Paraíba, v. 4, n. 12, p. 314328, dezembro de 2005. Disponível em: <www.cchla.ufpb.br/rbse/indice_dos_ numeros_anteriores.pdf>. Acesso em: 30/05/2013. KOWARICK, Lúcio. Movimentos urbanos no Brasil contemporâneo: uma análise de literatura. Out. 1986. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/ publicacoes/rbcs_00_03/rbcs03_03.htm. Acesso em: 15 de abril 2014. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Tradução de: Sérgio Martins. 2ª reimpressão. Belo Horizonte. UFMG, 2004. LEFEBVRE, Henri. Direito à cidade. 4. ed. São Paulo: Centauro, 2006. LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas centralidades: a experiência da cultura tradicional de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 2010. 120 LEMOS, Celina Borges. Uma centralidade belo-horizontina. Revista do Arquivo Público Mineiro, v. 1, p. 92-111, jul.-dez., 2007. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/Uma_centralidade_belohorizontina.PDF. Acesso em: 25/02/2014. LIPOVESTSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura mundo: uma resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Tradução de: Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo. Martins Fontes. 2011. MACHADO, Jorge Alberto S. Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas para os movimentos sociais. Sociologias, n. 18, pp. 248-285, 2007. ISSN 1517-4522. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S151745222007000200012. Acesso em: fevereiro de 2014. MARTINS, José S. A natureza emocional da marca: como escolher a imagem que fortelece a sua marca. São Paulo: Negócio, 2004. MARTINS, José S. Branding: um manual para você criar, gerenciar e avaliar marcas. São Paulo: Global brands, 2006. MIRANDA, André de Sousa. A gênese da preservação do patrimônio municipal de Belo Horizonte: 2007 movimentos sociais e a defesa da Praça da Estação. [manuscrito], 2007. MOLES, Abraham. O Kitsch. São Paulo: Perspectiva, 2001. MONTENEGRO, Glielson Nepomuceno. A produção do mobiliário urbano em espaços públicos. Dissertação de mestrado. 192 fls. Universidade do Rio Grande do Norte: Rio Grande do Norte, 2005. MORAES, Dijon. Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Edgard Blücher, 2006. MORAES. Dijon. Design e complexidade. In: KRUCKEN, Lia; MORAES, Dijon; (orgs). Coleção: Cadernos de Estudos Avançados em Design, Transversalidade. Belo Horizonte: UEMG, 2008. NEUMEIER, Marty. The brand Gap = o abismo da marca: como construir a ponte entre a estratégia o design. São Paulo: Bookman, 2008. NORMAN, A. Donald. Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia. Tradução de: Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. OLINS, Wally. Branding the nation the historical context. Journal of Brand Management, v. 9, n. 4-5, p. 241-248, Apr. 2002. 121 PEIXOTO, Paulo. Requalificação urbana. In: FORTUNA, Carlos; LEITE, Rogério Proença. (orgs.). Plural de cidade: Novos léxicos urbanos. Coimbra: Almedina, 2009. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Revista Brasileira de História, v. 27, n. 53, p. 11-23, jul. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882007000100001. Acesso em: 23/07/2012. RABÊLO, José Maria. Belo Horizonte do arraial à metrópole: 300 anos de história. Ouro Preto: Graphar, 2013. REZENDE, Claudia Barcelos; COELHO, Maria Cláudia. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: FGV, 2010. ROBERTS, Kevin. Lovemarks: o futuro além das marcas. São Paulo: Books, 2005. RODRIGUES, Antônio Greco. Multicuralismo. In: MORAES, Dijon (org). Coleção: Cadernos de Estudos Avançados em Design, Identidade. Belo Horizonte: UEMG, 2008. RODRIGUES, Gustavo Santos. Nation Branding: Construindo a imagem das nações. São Paulo: Isotip.labs, 2010. SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. A imagem. São Paulo: Iluminurias, 2008. SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras, 2010. SILVA, Regina H.A.; FRANÇA, Vera, R.V. Belo Horizonte fez 100 anos. Revista PUCSP/Projeto História. São Paulo, n. 17, p. 429 - 439, nov. 1998. Disponível em http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/11138/8169. Acesso em: 02 de abril de 2014. SINGER, Ben. Modernidade, hiperstímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa (org.). A invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004. TAVARES, Mauro Calixta. A força da marca. São Paulo: Harbra, 1998. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade, uma teoria social da mídia. Tradução de: Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis, RJ: Vozes, 3. ed., 2001. WHEELER, Alina. Design de identidade de marcas. Porto Alegre: Bookman, 2012. 122 APÊNDICE Apêndice A – O que significa BH para você? 7/23/2014 O que significa BH para você? - Google Forms O que significa BH para você? * Required 1. 1 – Escreva uma palavra que expresse o significado de Belo Horizonte? * 2. 2 – Qual é a emoção que a cidade de Belo Horizonte desperta em você? * 3. 3 – Qual é a sua referência de Belo Horizonte? * Mark only one oval. a) Praça sete b) Conjunto Arquitetônico da Pampulha c) Mineirão d) Praça da Liberdade e) Serra do Curral f) Viaduto Santa Tereza g) Praça do Papa h) Praça da Estação Other: Powered by https://docs.google.com/forms/d/1rVG-RQsz5oJlooOI0tAnxTNie6fnrN_hC3ymAR7GQrA/edit 1/1