O gênero gestual enfático como co-construtor

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O gênero gestual enfático como co-construtor
O gênero gestual enfático como co-construtor semântico na sala de aulas
Prof. F. J. Costa dos Santos1
As conversações são “construções coletivas” feitas de palavras, mas
também de silêncios e de entonações, de gestos, de mimicas e de posturas,
ou seja, de signos de natureza variada: as conversações exploram
diferentes sistemas semióticos para se constituir.
Kebrat-Orechioni (2006:36)
Introdução
Este artigo se insere na perspectiva da Análise da Conversação buscando tratar o discurso
gestual enquanto gênero discursivo praticado em sala de aula com base nos postulados de Bahktin
(1986), Steinberg (1988), Marcuschi (2007b), Kerbrat-Orechioni (2006), Santos (2007), entre
outros, com o objetivo de discutir a linguagem gestual da sala de aula enquanto co-construtora
semântica do discurso.
A pesquisa tem base na etnografia para a coleta de dados que no dizer de André (2004:28) é
quando (o pesquisador) faz uso das técnicas que tradicionalmente são associadas à etnografia, ou
seja, a observação participante, o respeito da realidade do universo pesquisado, a entrevista
intensiva e a análise de documentos. Esse procedimento se justificou pela necessidade da imersão
do pesquisador no universo da sala de aulas, primando que essa “intrusão” produzisse o menor
impacto possível em alunos e professor.
Assumimos como metodologia de análise o método indutivo, que Lakatos e Marconi(1991)
afirmam ser um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares,
suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes
examinadas e que podem assenhorar-se de uma abordagem qualitativa, dada à necessidade de
visualizar os dados em uma perspectiva de análise qualitativa.
Os dados apontam para a existência de uma constelação de gestos no transcurso da aula e
que esses, de forma contumaz, se somam ao verbal na construção semântica do discurso tanto do
professor quanto do aluno. Nos ateremos, nesse artigo, aos gestos categorizados por Steinberg
(1988) como enfáticos.
O artigo traz inicialmente uma breve revisão da bibliografia pertinente à área de estudos em
tela e em seguida, um olhar sobre a metodologia empregada. Sequenciando, traz a análise dos
dados, sucinta em função da exiguidade de espaço, e por fim, as considerações do pesquisador. Para
finalizar, é apresentado referencial empregado.
1
Mestrando do programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, sob a orientação da Dra. Marise Adriana Mamede Galvão;
1. A Origem da Análise da Conversação
A Análise da Conversação, doravante AC, tem raízes na Etnometodologia que designa uma
corrente da sociologia americana surgida na Califórnia no final da década de 1960, tendo como seu
principal marco fundador a publicação do livro Studies in Ethnomethodology [Estudos sobre
Etnometodologia], em 1967, de Harold Garfinkel.
Coulon (1995ª) afirma que a publicação da obra de Garfinkel provocou uma reviravolta na
“sociologia tradicional” gerando intensos debates nas universidades americanas e europeias,
particularmente nas inglesas e alemãs.
O termo Etnometodologia somente foi assumido a partir de 1932, com Alfred Schütz (18991959) que esteve na origem do movimento. Contudo, essa designação somente se cristaliza a partir
de meados dos anos 40, provavelmente, por ter sido o nome que Harold Garfinkel utilizou para
caracterizar seus estudos a partir da gravação clandestina das discussões do corpo de sentença de
Chicago.
Autores como Edmund Husserl (1859-1938) que reivindicaram para si os procedimentos da
etnometodologia costumavam fundamentar teórica e metodologicamente suas perspectivas no
princípio fenomenológico, defendido por Schultz tal como dito em Correia (2002) ao falar da
exigência de retorno às próprias coisas em que a etnometodologia é mais uma atitude que uma
escola propriamente dita.
Essa linha de investigação, como toda teoria, elencou uma série de conceitos que traduzem
perspectivas epistemológicas e metodológicas do conjunto de ideias que defende. Muitos desses
conceitos, como: Relatabilidade (ou accountability) – a característica que permite aos atores
sociais comunicarem (ou interagirem) e tornarem as atividades práticas racionais compartilháveis
caracterizando a intersubjetividade e a constituição da ação social do conhecimento daí sua
aproximação ao interacionismo simbólico; A prática/realização, ou seja, das circunstâncias
práticas e o raciocínio sociológico prático desenvolvido pelos atores no curso de suas atividades
cotidianas, incluindo a recuperação e a análise do saber e senso comum; A indicialidade ou
expressões de complemento narrativo que só poderia ser desenvolvido pelos atores que possuíam o
conhecimento contextual local no qual aquela fala se insere e a reflexividade ou práticas que, ao
mesmo, tempo descrevem e constituem o quadro social, são sinais produzidas pelos atores que dão
origem às ações sociais e não foram criados por etnometodólogos, mas, foram tomados de
empréstimo de outras correntes e áreas do conhecimento, imputando sobre eles alguma modificação
ou acréscimo.
Coulon (1995ª:32) afirma que a linguagem que interessa aos etnometodólogos não é a
linguagem culta, dos linguistas eruditos ou aquela dos discursos estruturados, mas aquela do dia-adia, utilizada pelo cidadão comum, nas suas ações práticas do cotidiano.
Cicourel (1977) estabelece que o método utilizado pelos etnometodólogos deva ser o mesmo
do linguista que, pretendendo descrever a estrutura da linguagem, se utiliza da elocução ou da fala
para construir a sua gramática. Segundo ele,
...etnometodólogos e linguistas recorrem a concepções da significação um pouco
diferentes, mas tanto uns como outros tomam como ponto de partida a produção do
discurso e da narrativa (...). O etnometodólogo sublinha que é preciso entregar-se a
todo um trabalho de interpretação para chegar a reconhecer que uma regra abstrata
se adapta a uma situação particular, enquanto os linguistas minimizam a influência
das propriedades interacionais sensíveis ao contexto, insistindo, ao contrário, na
importância das regras sintáticas, na análise semântica (Cicourel, 1977, p.61).
O autor parece dizer que nas interações verbais usamos a linguagem enquanto atividade,
para as relações entre as línguas e seus usuários e, portanto, para a ação que se realiza na e pela
linguagem. Por meio das relações interpessoais, fazendo uso da linguagem se tem a capacidade de
interagir socialmente por meio de uma língua, das mais diversas formas e com os mais diversos
propósitos e resultados.
E é nesse universo ideológico que diversas correntes de pensamento se constituem, e dentre
elas a AC.
Em seus estudos iniciais, e hoje considerados clássicos, Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e
Gail Jefferson (1974) focalizaram sua investigação em dois sistemas que consideravam
fundamentais na organização da fala-em-interação social: a tomada de turnos e o reparo. Com o
intuito de articular as práticas recorrentes que observaram na alternância de turnos entre falantes no
andamento de uma interação e publicaram, pela primeira vez, em 1974 uma descrição do sistema de
tomada de turnos.
Essa descrição contempla e problematiza os elementos que compõem cada turno de fala, a
relação entre a transição de turnos e os elementos constituintes dos próprios turnos ressaltando a
relevância da sequencialidade dos turnos de fala para a constituição das ações.
Não tratando propriamente de regras no sentido que o termo adquire em Fonologia ou
Sintaxe, essa descrição trata de práticas (Schegloff 1992ª, 1997ª, 2000b) recorrentemente
exploradas e gerenciadas a cada momento pelos próprios participantes nas construções de suas
interações. Segundo Marcuschi (2007b:14) autor do livro “Análise da Conversação”, o primeiro
lançado no Brasil na década de 1980, “a conversação é a primeira das formas de linguagem a que
estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida a fora”. Segundo ele,
a AC surgiu na década de 60, seguindo a linha da Etnometodologia e da Antropologia Cognitiva
tendo como objetivo principal, até meados dos anos 70, a descrição das estruturas conversacionais
além de seus mecanismos organizadores.
Questões que abordam a compreensão interpessoas em uma interação face a face, de que
maneira esses interactante compreendem que sua mensagem está sendo compreendida pelo outro,
que consciência tem de que estão agindo de maneira coordenada e cooperativa, como utilizam seus
conhecimentos linguísticos, além de outros, para dimensionar espaços de compreensão mútua, que
processos estão presentes na criação, desenvolvimento e resolução de conflitos interacionais e que,
segundo o mesmo autor, (2007b) são preocupações dessa linha de estudos (AC).
Para Koch (1999), a preocupação com a descrição da estrutura e organização da conversação
se revela por ser a AC, inicialmente, praticada por sociólogos que trabalharam com influências da
Etnometodologia. Isso leva a compreender que se diferenciando da Análise do Discurso, a AC
assume o princípio de trabalhar somente com dados reais e analisados em seu contexto real de
ocorrência. São a partir do ponto de vista de Koch (1999) e Marcuschi (2007b) que se compreende
que a interação é o comportamento que mais relaciona o homem ao outro e/ou à comunidade.
1.1 O Gênero
Buscando compreender a noção de gênero, adentra-se no conhecimento de Bakhtin para
encontrar base à afirmação de que não há interação e/ou conversação fora de um gênero.
A riqueza e a diversidade dos gêneros discursivos são ilimitadas porque as
possibilidades de atividade humana são também inesgotáveis e porque cada esfera
de atividade humana contém um repertório inteiro de gêneros discursivos que se
diferenciam e se ampliam na mesma proporção que cada esfera particular se
desenvolve e se torna cada vez mais complexa. (Bakhtin 1986:60)
Pelas palavras e Bakhtin, se entende que o gênero transita nas mais diversas esferas das
atividades humanas assumindo contornos contextuais próprios e procedimentos que permitem o
estabelecimento de relações de sentidos que vão para além do uso da fala e permitem observar que
as conversações são construtos coletivos.
Esses, segundo Kerbrat-Orechioni (2006:36) são feitos não só de palavras, mas de gestos,
silêncios e entonações que exploram diferentes sistemas semióticos para se constituir.
Assim sendo, o diálogo pode ser visto como uma das possíveis estratégias de interação e,
essa por sua vez, pode ocorrer em uma aula sem diálogos ou troca de turnos. Muito mais se poderia
falar sobre esse campo, contudo, dada a limitação de espaço, recomendamos a leitura de Marcuschi
(MARCUSCHI, L. A. (2002). “Gêneros textuais: definição e funcionalidade” In DIONÍSIO, Â. et
al. Gêneros textuais e ensino e Bakhtin (Marxismo e Filosofia da Linguagem. SP: Hucitec, 2009.).
1.1 Os Elementos Verbais e Não Verbais na Conversação
1.1.2 O Verbal
A linguagem verbal passou a ser desenvolvida a partir do momento em que o homem julgou
necessário criar uma expressão sonora que representasse o próprio elemento. Os nomes têm a
missão de nomear os seres e ao pronunciar a palavra fogo, imagina-se automaticamente a imagem a
que se reporta essa palavra, devido ela pertencer ao campo natural. Contudo, a expressão “Eu te
odeio”, não permite essa mesma “mentalização”, em virtude da palavra não poder ser representada
no campo natural. Por isso, o homem precisou moldá-la na forma de linguagem verbal. (Santos,
2009).
Ampliando o conceito, Kerbrat-Orechioni (2006:37) diz que é de forma oral que a
linguagem verbal se materializa, apesar de, segundo a autora, ter constantemente sido colocada em
lugar de menor importância ou tida como subproduto de linguagem pela gramática tradicional.
Há na oralidade da língua o que Kerbrat-Orechioni (op. cit) chama de “falhas” do discurso
oral que podem ser exemplificados por: gaguejos, balbucios e lapsos, as frases não são finalizadas,
construções que apresentam incoerência ou são formuladas de maneira tortuosa, as reformulações,
repetições e, além desses, se pode citar os marcadores tais como “é:::”, “hum” que tem função de
hesitação, entre outros fenômenos. Mas, é no olhar mais acurado da interação face a face que se
pode observar que as “falhas” assumem funcionalidades que corroboram para a construção da
interação.
Em outras palavras, se pode dizer que a interação acontece em um contexto de co-presença
em que os participantes partilham de um mesmo sistema referencial de espaço e de tempo. Tem ela,
um caráter dialógico por geralmente implicar em ida e volta no fluxo de informação em que os
receptores podem responder (pelo menos em princípio) aos produtores, e esses são também
receptores de mensagens que são endereçadas pelos receptores.
1.1.3 O Não Verbal
É preciso ter em mente que os elementos do não verbal estão conformados às características
das interações, à formalidade ou informalidade das atividades; à natureza conceitual ou
experimental das explicações, ou seja, às estratégias utilizadas em sala de aula (foco desse
trabalho). Esse gestual engloba a cabeça, as pernas, as mãos, as posturas físicas, as expressões
faciais, o olhar, etc.
Na literatura encontramos formas de classificar esses recursos não-verbais utilizados no ato
comunicativo. Steinberg (1988:26) categoriza os elementos não-verbais em elementos vocálicos
(paralinguagem – sons emitidos pelo aparelho fonador que não fazem parte do sistema sonoro do
idioma) e elementos não-vocálicos que compreendem a cinésica (gestos, postura, expressão facial,
olhar, riso), a proxêmica (a distância mantida entre os participantes de uma interação), a tacêsica (o
toque) e o silêncio.
O corpo, ao se movimentar, executa gestos interativos por meio de um “método global”,
como nos aponta Steinberg citando Weil e Tompakow (1988). A pesquisadora afirma ser os
elementos não verbais desempenhadores de variadas funções na interação e podem ser classificados
como lexicais (quando funcionam como substitutos das palavras dos interlocutores) e os nãolexicais (ao acompanhar a fala dos interlocutores como forma de enfatizar e ilustrar o discurso).
Esses elementos paralinguísticos podem ter vários tipos de funções como: a) Lexicais- funcionam
sem a ajuda do léxico e podem substituir a fala, por exemplo, um gesto de mão pode indicar um
chamado ou um pedido de silêncio; b) Descritivos- funcionam como ilustrativos quando são
desenhados no ar para demonstrar algo ou simbólico como um dedo levado a boca para indicar um
pedido de silêncio; c) Reforçadores- funcionam com a função de enfatizar ou acentuar o ato da
fala, como bater sobre a mesa para reforçar o que esta sendo dito; d) Embelezadores- servem para
realçar a fala; e) Acidentais- funcionam concomitantemente durante uma fala, porém não mantém
uma relação com mesma, por exemplo, dizer “eh e mudar a posição implica num ato meramente
acidental”.
Não obstante, do ponto de vista semântico os gestos podem ser: a) Enfáticos: em geral
acompanham a fala para enfatizem determinado ponto da interação por se constituir em ponto
central da produção verbal, ou seja, ao enfatizar determinado elemento verbal há a atribuição da
conotação de maior importância desse dentro do discurso permitindo ao interlocutor perceber que
naquele momento há a presença de algo que se porta como essencial ao conjunto semântico e para o
qual a atenção deva se voltar; b) Contraditórios: desmentem as palavras como quando afirmamos
algo e negamos com um meneio de cabeça; c) Dêiticos: apontam algo para algo ou alguém, como
quando indicamos um objeto com o dedo; d) Mímicos: imitam uma ação, uma pessoa, um animal
etc; e) Executores: empregados na execução de uma tarefa ou ação; f) Apelativos: feitos para
chamar alguém ou atenção; g) Afetivos: empregados em lugar de palavras para transmitir emoções
ou sentimentos muito fortes, como quando abraçamos alguém; h) Exibidores: são empregados para
mostrar ou exibir algo; i) Descritivos: feitos para delinear o contorno de algo ou alguém; j)
Ritualísticos: empregados em saudações, danças, cerimônias etc; l) Desafiadores: convidam ou
desafiam para uma contestação, como quando colocamos a mão na cintura numa atitude
desafiadora; m) denotam vergonha ou constrangimento de como baixar a cabeça e n)
Aprovadores/desaprovadores: manifestam aprovação ou não, com o meneio de cabeça para
desaprovar e o polegar para aprovar.
Todos os elementos não verbais recorrentes durante o processo de interlocutivo face a face
são no sentido de colaboradores da interação e catalogados como imprescindíveis para a
compreensão de sentido. Esses, se configuram enquanto gênero discursivo recorrente na sala de
aulas quando se parte do princípio de que o gesto é uma prática social e, portanto, apresenta os
elementos prototípicos do gênero.
Kerbrat-Orechioni (2006:39) afirma que se excluirmos da análise das conversações todos os
elementos não verbais seremos, em alguns casos, incapazes de explicar a coerência do diálogo já
que é nessa esfera de atuação que ocorre a interveniência sucessiva de atos verbais e não verbais.
Continua ela dizendo que “é impossível ao analista explicar o funcionamento global da interação,
na medida em que nela intervêm simultaneamente elementos verbais, não verbais e paraverbais”.
Kerbrat-Orechioni (2006:39).
Concorda-se com Santos (2007:24) citando Argyle (1988) ao afirmar que os elementos não
verbais possuem funções que podem ser agrupadas em: função semântica em que esses elementos
podem substituir, explicar, contradizer ou modular a mensagem verbal; função sintática, por referirse ao relacionamento entre os signos, por exemplo, o uso de não verbais para segmentar as unidades
interativas; função pragmática, que aponta características ou estados de seus usuários ou
interagentes, ou seja, permite apresentar informações sobre sexo, idade, aspectos pessoais, atitudes
etc e função dialogal que é estabelecida pela maneira como os interactantes coordenam suas
atitudes/ações, podendo esse movimento regular os momentos de falar ou de concentra-se em um
tipo de relacionamento interativo.
2. A Metodologia da pesquisa
Os dados foram coletados em uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Lajes –
RN através da gravação, entre outros recursos tais como anotações, entrevista com a professora
colaboradora e observações pessoais do pesquisador, de cerca de quinhentos minutos e áudio e
vídeo em uma sala do quarto ano do ensino fundamental (Anos Iniciais). Do universo coletado,
foram postos em relevância para análise aproximadamente duzentos e cinquenta minutos que foram
transcritas seguindo os padrões propostos pelo Projeto NURC/USP/SP.
A análise se volta para os elementos não verbais categorizados por Steinberg (1988:26)
como enfáticos e prima por sua consonância com o verbal na construção semântica do discurso do
professor e do aluno.
3. A Análise
Por claramente apresentar uma vocação interacional, a linguagem verbal não deve
ser analisada somente em seus aspectos linguísticos e sendo assim, procedimentos fáticos e
reguladores, de dimensão não verbal que contribuem para o “sucesso” de uma conversação, tipo
particular das interações verbais e regidas por regras, precisam ser levadas em conta na construção
de uma análise.
Parte-se da busca pelo compreender o que revelam os dados e para tanto, inicialmente, se faz
necessário estabelecer uma classificação do material que no dizer de Kerbrat-Orechioni (2006) é
composto de verbal, não verbal e paraverbal, sendo o verbal o conjunto de unidades derivadas da
própria língua em uso, o não verbal aquilo que se transmite pelo canal visual, sejam estáticos como:
aparência física, vestuário, adereços, etc e paraverbal em que se encontram as entonações, as
pausas, as intensidades de articulação, particularidades de pronúncia e características da voz do
emissor.
Neste capítulo busca-se o diálogo com os elementos classificados como enfáticos dentro do
material coletado para compreender a ocorrência desses enquanto co-construtores semânticos do
discurso do professor e do aluno, para desembocar nas conclusões que virão a seguir. Como o foco
central desse trabalho são os ENVs, o verbal é citado como elemento de ancoragem do primeiro,
porém, sem aprofundamentos.
Os elementos da categoria Enfáticos – aqueles que acompanham a palavra com o intuito de
reforça-la e, com isso, trazer para o discurso pontos de relevância – se mostram recorrentes nos
dados coletados oriundos tanto do professor quanto dos alunos.
No recorte a seguir, o tópico discursivo é a organização geográfica do Brasil na época da
colonização. É dentro desse tema que a professora vai abrir campo para os a assunção de outras
temáticas que estão intimamente ligadas ao tema central. Dessa forma se pode verificar a existência
de um tópico mais geral que traz em seu interior subtópicos que se ligam ao primeiro constituindo
assim um quadro tópico.
Quadro 1 - Transcrição de Sala de Aulas
O elemento não verbal arregimentado pela professora, disposto na linha 20, mostra que há
uma clara intenção da professora em dar maior relevância a esse ponto. Parece querer ela, com o
gesto circular, enfatizar a ausência de uma organização geográfica à época e, pelo que se pode
inferir, que o gesto busca dar semanticamente suporte ao material que é verbalizado.
Parejo (1995:201) afirma não pairar dúvidas de que as salas de aula são espaços
comunicativos em que as palavras e as não palavras orientam as relações entre os indivíduos e
permitem uma constelação de mensagens que são captadas de forma consciente ou inconsciente.
Nas palavras do autor se pode perceber que ao reforçar o discurso proferido, ao fazer um
gesto circular buscando demonstrar desorganização, a professora além de resgatar o seu próprio
conhecimento de mundo, busca estimular de alguma forma seus alunos para a compreensão dessa
situação geográfica da época e, nesse sentido, o não verbal atua tanto como enfatizador quanto
ilustrador. É nesse ponto do tópico que a professora parece dar maior destaque pontuando seu
discurso com o gesto (linhas 20 e 21).
A enfaticidade dada parece ser confirmada nas linhas 24 e 25, quando ela volta a utilizar o
gesto para chamar a atenção para o que ela chama de “terra sem dono”, para tanto, o braço é
visivelmente levado a traçar um semicírculo em frente do corpo, que no entender do pesquisador,
busca confirmar a importância do que está sendo proferido.
Santos (2007:26) diz que os gestos de pontuação tem como finalidade principal acentuar
ou enfatizar uma única palavra ou uma unidade maior da expressão, podendo também organizar o
fluxo do nosso discurso em unidades constitutivas. A autora chama a atenção para a capacidade que
o gesto assume em trazer para relevância determinados pontos do discurso. Na sala de aulas essa
realidade é bastante visível, pois o professor ao explanar determinado assunto primará por enfatizar
pontos chaves que permitam ao aluno ter “pontos referenciais” que contribuam com sua
compreensão.
Na análise a seguir, o tópico discursivo é descoberta da quantidade de quadrinhos na
atividade. A professora distribuiu uma atividade de matemática aos alunos e busca que eles
descubram a quantidade de quadrinhos existente nela para em seguida, explicar em que consiste a
tarefa.
Na linha 59, ao orientar a atividade, ela enfatiza com as mãos espalmadas para a frente o
discurso “então todo mundo contando?”. Esse gesto está posto junto à palavra “contando” o que
leva a compreensão de que dentro do tópico descoberta, há a presença de um subtópico, aqui
denominado de contação de quadrados e que a professora deseja que o número de quadrados seja
conhecido por todos. O gesto de espalmar as mãos, mostrando os dedos atua como enfatizador do
subtópico, ou seja, colocado nesse momento do discurso o gesto tem a função de chamar a atenção
dos alunos para a importância na atividade em execução, de se conhecer o número exato de
quadrados que compõe a atividade.
Concorda-se com Hall(1999) apud Santos (2007:35) que essa atitude indica de maneira clara
o consórcio do gesto não verbal com o material verbal, tendo o primeiro a função de regular e
organizar o diálogo, a medida em que ao mostrar as mãos há uma clara intencionalidade de mostrar
a associação dos dedos aos números. De outra forma, as mãos espalmadas poderiam indicar um
ordenamento de parada, o que não se aplica dentro do contexto em análise. O que se percebe é que,
conforme afirma Santos (2007:37), o gesto aprimora a mensagem verbal e possibilita a construção
semântica da mensagem transmitida.
Quadro 2 – Transcrição de Sala de Aula
O gênero gestual praticado na sala de aulas é também de amplo domínio do aluno. Nesse
mesmo excerto em que o tópico discursivo é a descoberta da quantidade de quadrinhos, o aluno
Igor (linha 64) enfatiza sua intervenção com a linguagem corporal, ao levantar da cadeira buscando
demonstrar que tem uma resposta para o questionamento da professora. Aliado ao movimento há a
ocorrência da elevação no volume da voz que vai de um volume considerado normal (natural) para
o contexto sala de aulas para um volume bem mais aumentado chegando ao grito. A repetição do
material verbal “seis” por quatro vezes mostra que o aluno tem uma clara intenção de enfatizar seu
discurso chamando a atenção para si e para sua resposta.
Nesse sentido, podemos afirmar que o conjunto de ações gestuais se soma ao verbal “seis”
para construir a resposta do aluno e marcar a sua participação no desenvolvimento do tópico
discursivo.
3. Considerações Finais
Apontar para a interação pela gestualidade é também direcionar a nossa compreensão para o
fato de o discurso gestual apresenta a forma prototípica do gênero à medida que esse se constitui em
uma prática social como bem nos aponta Bazerman (2006) ao dizer que gêneros são formas de vida,
modos de ser e frames para a ação social. Os gêneros são lugares onde o sentido é construído,
moldam os pensamentos que formamos e as comunicações através das quais interagimos. Esses, da
forma como são percebidos e usados pelos indivíduos, tornam-se parte de suas relações sociais
padronizadas, de sua paisagem comunicativa e de sua organização cognitiva. Em outras palavras,
podemos chamar o gênero de “Linguagem da Vida”.
Assim pensando compreende-se que os gestos, definidos como elementos não verbais
encontrados na sala de aulas são considerados de fundamental importância para a “semânticidade”
do elemento verbal, pois uma vez compreendida sua natureza linguística, facilitam o estudo dos
processos de interação, reafirmação, reiteração e (re)produção de sentidos.
Por fim, os gestos enfáticos na sala de aulas são ferramentas que indubitavelmente
produzem sentido ao aliar-se ao verbal e, a consonância de ambos permite o estabelecimento de
relações de sentido com vistas à completude semântica do discurso do professor e do aluno.
Referências:
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