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Í NDICE
Prefácio .........................................................
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Introdução ....................................................
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CAPÍTULO 1
Romário e o Mundial de 2014 ...............
15
CAPÍTULO 2
De Salazar a Eusébio .............................
33
CAPÍTULO 3
Drogba, o Pacificador ............................
55
CAPÍTULO 4
Barrilete Cósmico ..................................
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CAPÍTULO 5
Quando Mozart Jogava Futebol ............
81
CAPÍTULO 6
O Mártir do Autogolo ............................
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CAPÍTULO 7
Zaire, 1974: Uma Estranha Forma
de Heroísmo ..........................................
115
CAPÍTULO 8
Thuram e a Equipa Arco-íris ................
137
CAPÍTULO 9
Os «Condenados de Saltillo» ................
151
CAPÍTULO 10
O Vilão e o Doutor ................................. 169
Fontes ........................................................... 201
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P REFÁCIO
«O
que andas a escrever agora?»
Fiz esta pergunta ao autor deste livro duran-
te o Verão de 2013. Estávamos juntos a ver os vários jogos da
primeira jornada do campeonato nacional. Ele respondeu-me de imediato.
«Estou a escrever sobre os grandes heróis dos Mundiais.»
O Luís Aguilar é um grande amigo meu. Mais do que
isso: é como um irmão mais novo. Conheço-o há muitos
anos. Escreveu o meu livro, El Portugués, e muitas outras
obras incríveis e originais.
Na altura em que tivemos esta conversa, preparava-se
para lançar o Jogada Ilegal, um trabalho impressionante
sobre os alegados casos de corrupção da FIFA. Um lado
terrível do futebol, mas que os adeptos precisam de saber
que existe.
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Quando ele me disse que estava a escrever um livro
sobre os grandes heróis da história dos Mundiais, comecei
por pensar que se tratava de uma homenagem aos grandes jogadores. Aos vencedores, aos melhores marcadores
e todos esses génios que temos visto desde o primeiro
Mundial, realizado no Uruguai, em 1930, até ao da África
do Sul, em 2010. Mas depois disse para mim mesmo:
«Não pode ser só isso. Deve haver mais qualquer coisa.»
E ele explicou-me.
Não era apenas sobre os grandes craques, embora muitos desses jogadores também estejam entre os melhores
artistas de sempre do futebol. Era bem mais do que isso.
Era um documento único sobre todos aqueles jogadores
que se destacaram nos vários Mundiais pelas suas causas fora do campo. Por tentarem usar o futebol como instrumento no alcance de um mundo melhor. E esta ideia
já ia totalmente de encontro ao conceito que o Luís tem
do futebol. Também semelhante à ideia que eu tenho deste jogo lindo. Para ele, e para mim, o futebol não é apenas
um desporto. O Mundial não é apenas o maior evento
desse desporto. Não se limita a ser um jogo de milhões
de euros, amado em todo o planeta. É também uma escola de vida. Uma forma de lutar por verdadeiros valores,
como a igualdade, a harmonia e a integração.
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P REFÁCIO
O futebol pode ser um jogo de guerra, sim. Infelizmente.
Mas também pode — e deve — ser um jogo de paz,
confraternização e união. Ao longo da minha carreira,
senti tudo. Passei pelo ódio e pelo amor. E as boas recordações são muito superiores aos maus momentos. Felizmente.
Acredito que também tenha sido assim com os vários
jogadores que o Luís escolheu para fazerem parte deste
livro. Acredito que muitos deles vejam o futebol como
uma arma única para fazer o bem.
Ao contrário de alguns deles, nunca precisei de ganhar um jogo para ficar vivo, para proteger a vida da minha família, para evitar uma guerra no meu país ou para
não ser vítima de racismo. O pior que passei deu-se no
Atlético de Madrid durante o tempo em que a ETA (grupo
terrorista basco) espalhava o pânico por toda a Espanha,
em especial na cidade madrilena.
Cheguei no Verão de 1987 e fui logo avisado por um
funcionário do clube no primeiro dia de trabalho: «Nunca
andes no centro da cidade entre as sete e as dez da manhã. É o horário mais propenso a atentados terroristas.»
Tudo aquilo era novidade para mim. Vinha de Portugal. Um país pacífico. Sem estes problemas. E o facto de
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ser português também me fez sentir o maior medo da
minha vida.
Na época 1990/91, estava em grande no Atlético de
Madrid quando alguns elementos da ETA foram detidos
no Algarve. O governo espanhol pediu a extradição desses
presos para poder julgá-los e interrogá-los (eram procurados por vários crimes em Espanha). Mas a ETA ameaçou
Portugal: caso o nosso governo autorizasse a extradição,
todos os alvos portugueses espalhados pelo mundo estariam em perigo. Eu era português. E vivia em Espanha.
O português mais mediático de Espanha. Ou seja: um possível alvo da ETA. Fiquei em pânico. Por mim. E pela minha família. Andávamos com segurança para todo o lado.
Sentia-me um cadáver andante. Sempre paranóico.
À espera do momento em que pudesse haver alguma
acção contra mim ou contra os meus familiares. E era
apenas um jogador de futebol. Não tinha nada a ver com
a ETA ou com os governos de Portugal e Espanha. Queria apenas treinar, jogar e poder ter uma vida descansada
com aqueles que mais amava. Não estava preparado para
passar por tudo aquilo.
Se senti medo nessa altura, nem posso imaginar o
que terão pensado os jogadores do Zaire, no Mundial de
1974, quando o ditador africano Mobutu lhes disse que
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nunca mais voltavam a ver as famílias caso perdessem
por mais de 3-0 contra o Brasil, numa das histórias que
o Luís aqui conta.
Muitos dos episódios relatados neste livro não têm
finais felizes. Alguns têm até desfechos fatais. Não foi o
caso da equipa do Zaire porque sobreviveram e ficaram
cá para contar a história. Mas foi o caso do colombiano
Andrés Escobar, brutalmente assassinado por ter marcado um autogolo no Mundial de 1994, nos Estados Unidos.
O Andrés deixou-nos, mas foi um herói. Um verdadeiro
campeão. Alguém que lutou sempre contra a violência
no seu país através de uma postura de grande desportivismo. Essa forma de estar no campo e na vida valeu-lhe
a alcunha de «Cavalheiro».
E em todas estas histórias há vários tipos de heroísmo. Passadas em diferentes Mundiais. Há também uma
história da Selecção Nacional, no México 86. Uma história da qual fiz parte. No maior escândalo de sempre do futebol português. Lutámos por um direito nosso enquanto
trabalhadores. Um direito que não nos queriam dar. Mas
a posição que tomámos em Saltillo, a cidade mexicana
onde estagiávamos, beneficiou as gerações que vieram
a seguir e contribuiu para que os direitos dos jogadores
portugueses melhorassem.
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Está tudo nestas páginas. Histórias de Mundiais. Histórias de heróis. Histórias de coragem. Valeu a pena esperar pelo livro que o Luís andava a escrever no Verão
passado. Aqui fica.
Boa leitura!
Paulo Futre
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I NTRODUÇÃO
E
ste livro é sobre o lado negro dos Mundiais.
Este livro é sobre homens que têm ajudado a man-
char a maior festa do futebol. Este livro é sobre corrupção
política e desportiva. Sobre violações dos direitos humanos.
Sobre racismo. Sobre fascismo. Sobre violência. Sobre crime organizado. Sobre ditadores. Sobre assassinos. Sobre
ladrões. Sobre cobardes. Sobre a FIFA. Sobre a UEFA.
Sobre o nazismo. Sobre as ditaduras sul-americanas. Sobre
os cartéis de narcotráfico colombianos. Sobre o Estado Novo.
Sobre a PIDE. Sobre a guerra civil da Costa do Marfim.
Sobre a Guerra das Malvinas. Sobre a opressão do governo
do Zaire. Sobre a exploração de trabalhadores.
Este livro é sobre o lado negro dos Mundiais.
Este livro é sobre vilões. Sobre Sepp Blatter, presidente
da FIFA, sobre João Havelange, ex-presidente da FIFA,
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sobre Jérôme Valcke, actual secretário-geral da FIFA.
Sobre Hitler. Sobre Mussolini. Sobre Mobutu. Sobre Le
Pen. Sobre Pablo Escobar. Sobre Salazar. Sobre federações desonestas. Sobre governos que enganam o seu
povo através do ópio em forma de futebol. Sobre torturas. Sobre mortes. Sobre assassinatos.
Este livro é sobre o lado negro dos Mundiais.
Mas este livro também é sobre heróis. Sobre jogadores que lutaram contra injustiças sociais, contra discriminações raciais, contra governos opressores das liberdades
individuais, contra ameaças, contra o crime organizado,
contra exércitos inteiros. Contra governos inteiros. Pela
paz. Pela beleza do jogo. Por um jogo limpo.
Este livro é sobre os maiores heróis dos Mundiais.
Sobre futebolistas de intervenção. Sobre Romário.
Sobre Eusébio. Sobre Sindelar. Sobre Drogba. Sobre
Maradona. Sobre Andrés Escobar. Sobre estes e tantos
outros. Sobre os homens que usaram o mediatismo do
futebol. Sobre os homens que usaram o grande palco
do Mundial. Para lutarem por um mundo melhor e
mais justo. Para lutarem por eles e por aqueles que
amam.
Este livro é sobre morte, mas também é sobre vida.
Este livro é sobre esperança.
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CAPÍTULO 1
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«B
latter é ladrão, corrupto e filho da puta.»
Romário não tem medo do presidente da
FIFA. Não tem medo de ninguém na FIFA. Diz sempre
o que pensa sobre os dirigentes deste organismo. Em linguagem curta e grossa. Doa a quem doer. Estas declarações foram feitas a 12 de Março de 2014, no programa
Bate-Bola, da ESPN Brasil. Causaram impacto, claro, mas
não foram uma surpresa. O «Baixinho» tem sido uma
voz permanente contra os elevados gastos de dinheiro
público na organização do Mundial do Brasil. Está a favor
daqueles que se manifestam. E contra o governo brasileiro e a aliança que, segundo ele, existe entre a presidente
do país, Dilma Rousseff, e os altos dirigentes da FIFA.
«A FIFA tem dois ladrões conhecidos pelos brasileiros: o Blatter e o Jérôme Valcke [secretário-geral]. Vão
ficar bilionários com a Copa do Mundo e está tudo certo.
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E este é o nosso governo, a nossa presidente, os nossos
secretários, que também estão enriquecendo.»
Romário não se cala, nem se deixa silenciar. Continua a fazer barulho. E promete não parar. Num país em
que todas as estrelas do futebol parecem estar hipnotizadas com a Copa 2014, o «Baixinho» é um dissidente.
O principal opositor dos interesses políticos e financeiros
relacionados com o Mundial. E um acérrimo defensor do
povo brasileiro. Sagrou-se campeão do mundo em 1994.
É um dos melhores jogadores de todos os tempos. Um
homem do futebol. Nunca deixou de o ser. Mas, desde
2011, também é deputado federal pelo estado do Rio de
Janeiro. Nessa qualidade, tem sido uma pedra no sapato
para Blatter, Valcke, José Maria Marin (presidente da CBF,
a federação brasileira de futebol) e para a própria Dilma
Rousseff. Nem os antigos colegas de profissão escapam.
Mesmo que sejam outras lendas vivas como o «Rei» Pelé
ou o «Fenómeno» Ronaldo.
«P ELÉ
CALADO É UM POETA »
Pelé é um alvo antigo do «Baixinho». A polémica entre
os dois começou ainda no tempo em que Romário jogava
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e perseguia o recorde dos mil golos, marca que poucos
jogadores brasileiros alcançaram (Pelé, Túlio Maravilha,
Arthur Friendenreich e, por último, o próprio Romário).
O «Rei» diz, em 2005, que Romário devia aposentar-se em vez de continuar a jogar apenas para chegar aos
mil golos. Resposta: «Pelé calado é um poeta. A gente já
sabe que ele só fala merda. Devia pôr um sapato na boca.»
Palavras repetidas no Verão de 2013, durante os protestos
na Taça das Confederações. O povo brasileiro estava na
rua a manifestar-se contra os biliões de orçamento público que têm sido gastos na construção dos estádios. Pelé
fez um vídeo em que pedia para o povo brasileiro esquecer as manifestações. Romário voltou a dizer-lhe para se
dedicar à poesia do silêncio. «Ele não tem consciência
nenhuma do que está a acontecer no país, por isso não
pode falar essas besteiras», disse o deputado federal em
conferência de imprensa.
A polémica com Ronaldo foi menos agressiva, mas
também muito directa. O «Fenómeno» é um dos elementos do Comité Organizador Local (COL) do Mundial.
O embaixador da Copa, escolhido pela FIFA e pela CBF.
Numa carta aberta a Ronaldo, escrita a 23 de Março de
2011, o «Baixinho» acusa o ex-companheiro de selecção
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de estar a faltar a uma promessa e de querer passar por
cima do assunto. «O COL convocou a imprensa e, ao meu
lado e de mais quatro deputados federais da Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa com Deficiência — Mara
Gabrilli, Rosinha da Adefal, Luiz Henrique Mandetta,
Otávio Leite —, você anunciou a doação de 32 mil ingressos para este segmento da sociedade. O que você disse no
evento está registado: “O Romário não tem que agradecer nada. Somos nós que temos que agradecer-lhe por nos
apresentar um projecto como este e dar-nos a oportunidade de fazer uma Copa melhor.”»
Os ingressos, segundo Romário, nunca chegaram.
Ronaldo disse que a responsabilidade não era sua. E levou
troco. «É muito negativo você vir a público agora afirmar
que não tem responsabilidade sobre este tema. O descumprimento desta dívida não afecta a mim, nem aos
outros deputados, mas certamente tira a oportunidade a
milhares de pessoas que vivem à margem da sociedade
— tanto por preconceito, como por pobreza — de realizarem um sonho. Deixo bem claro que não tenho o
objectivo de jogar você contra nada, nem ninguém. Estou
apenas lembrando de um compromisso assumido.»
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R OMÁRIO
O
CIRCO DA
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DE
2014
FIFA
Mas a maior luta de Romário tem sido contra os elevados
gastos na organização do Mundial, a constante derrapagem financeira e a cedência do governo brasileiro a todas
as exigências da FIFA. É aqui que entramos nas garantias
governamentais que cada país tem de dar ao organismo
de Zurique caso queira organizar um Mundial. Entre este
pacote de exigências, um dos pontos mais polémicos é o
que requer a total isenção fiscal para a FIFA, todos os seus
subsidiários e parceiros durante o Mundial e a Taça das
Confederações. Aqui incluem-se funcionários de empresas parceiras que estejam ao serviço dos patrocinadores
oficiais do evento. Em resumo: ninguém ligado à FIFA
— mesmo que indirectamente — pode ser obrigado a pagar taxas por qualquer transacção financeira.
Melhor ainda: quanto custa à FIFA a organização de
um Mundial? Isso mesmo… Nada! Os estádios são construídos com dinheiro público ou investimento privado.
Quase sempre mais público. Romário também critica
essa postura do governo de Dilma Rousseff e a quebra
das promessas feitas anteriormente.
A 24 de Março de 2014, o «Baixinho» mostrou a sua
revolta no programa Linha de Passe, da ESPN Brasil.
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«O Brasil não só tinha condições de sediar uma Copa,
como tinha condições de sediar a maior Copa de todos
os tempos. Assim como todos, eu fui enganado. Eles tinham divulgado que 90% do gasto seria de dinheiro privado. Hoje temos quase 98% de dinheiro público, gasto
de forma totalmente errada. Dinheiro que poderíamos
colocar noutras áreas que são extremamente precárias,
como educação e saúde. O que vejo de mais errado é esse
gasto astronómico, totalmente fora do planeado, e o enriquecimento ilícito de vários políticos.»
O povo brasileiro também fez estas contas e mostrou
o seu desagrado no Verão de 2013, durante a Taça das
Confederações. As ruas encheram-se de gente que gritou contra o futebol a qualquer custo. Romário saiu em
defesa dos manifestantes e publicou um vídeo na Internet onde deixou bem claro o que se tem passado no Brasil. «A FIFA chega, monta o circo, não gasta nada e leva
tudo. (…) O verdadeiro presidente do Brasil hoje chama-se FIFA. Ela chega aqui e monta um Estado dentro do
Estado. (…) A FIFA terá um lucro de quatro mil milhões
de reais [cerca de 1,6 mil milhões de euros] e teria de pagar impostos de mil milhões de reais, mas não vai pagar
nada», garantiu Romário, ao citar as concessões fiscais
decididas pelo governo brasileiro.
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