A vida é a cores

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A vida é a cores
A vida é a cores
Descubra aqui as cores mais usuais e as mais raras na paleta
dos artistas da Idade Média e do Renascimento.
Ao longo da história, desde os tempos mais remotos, o homem recorreu à natureza para recoletar os materiais necessários para o fabrico de
pigmentos e assim produzir pinturas, uma necessidade inata que o torna artista. Para tal recorreu a terras, rochas e pedras preciosas e semipreciosas que eram moídas até conseguir um pó fino que misturava a um aglutinante e obtinha assim uma tinta.
De início o homem utilizou terra castanha, vermelha, ocre mas também carvão, que misturava com gordura animal para produzir a tinta para
decorar as cavernas e até o próprio corpo. De notar que essas terras e esse carvão ainda hoje são utilizados. Mais tarde recorre as rochas
verdes, azuis, vermelhas, amarelas, os óxidos metálicos e as resinas coloridas. Como aglutinante usa a têmpera de ovo. Esta técnica consistia
em misturar gema de ovo com água destilada ao pigmento, obtendo uma pasta mais ou menos espessa com a qual o artista pintava, mas as
cores ficavam baças, então recorria-se ao azeite para envernizar. As obras eram assim deixadas a secar ao sol. Muitas vezes com resultados
desastrosos.
Em 1410 os irmãos Van Eyck, pintores flamengos, inventam a tinta “brilhante” a óleo, misturando óleo secante (linhaça) ao pigmento, técnica
que ainda hoje é usada. Pouco a pouco a têmpera de ovo é parcialmente esquecida e a técnica a óleo, que ao longo de gerações se foi
refinando, ganhou o lugar de destaque que ainda tem.
Nascia então uma gama, muito limitada mas completa, de cores que se manteve até início do Século XIX. Foi por esta altura que a física e a
química deram um ar da sua graça e começou-se a sintetizar os pigmentos até então naturais. A par da Têmpera de ovo, na Idade Média,
nasce outra técnica, tida então como arte menor mas que ganhou um lugar de destaque nos nossos dias. A aguarela.
Descobre-se que a goma de tragacantro (tragacanthum ) e as resinas de pessegueiro ou cerejeira se dissolvem na água secando em seguida
numa capa vítrea, aglutinante perfeito com base em água. Nasceu assim esta técnica maravilhosa que conheceu no século XIX em Inglaterra
o ponto alto e que se volta a reafirmação nos dias de hoje em todo o mundo. Substituem-se mais tarde essas resinas pela atual Goma
Arábica.
No século XX aparece a resina acrílica e as tintas acrílicas e no final desse século outra novidade, o poliéster que misturado ao óleo produz um
produto alquídico, junta-se-lhe pigmento e obtemos a tinta mais recente do mercado, a Alkyd, que é produzida por uma reação entre um
Ácido, um Álcool e um Óleo secante ao qual se junta pigmento. Esta nova e interessante descoberta situa-se entre o óleo e o acrílico, obtendo
o melhor das duas técnicas.
Na atualidade existem milhares de pigmentos em todas as tonalidades dentro de todas as cores as quais são classificadas por um código de
cor (color index) que consiste na inicial P de pigmento, seguida da inicial da cor, em inglês, e um número de identidade que a torna única.
Uma base de dados composta por algumas centenas de pigmentos utilizados na pintura pode ser encontrada em:
http://www.artiscreation.com/index_artist.html
Cores usadas pelos artistas na
Idade média e no Renascimento
Amarelo Nápoles
PY41
Aparece no século XVII. Na atualidade o pigmento original extraído
do minério com o nome de Bindheimite já pouco se fabrica devido
à sua toxicidade, contém chumbo, no entanto, os fabricantes de
tintas, arranjaram um substituto sintético para o PY41 e que
mantém o mesmo nome.
Outro substituto atual e utilizado por muitas marcas de tintas é o
PBr24, uma terra com a mesma tonalidade do amarelo Nápoles
original.
O Amarelo Nápoles existe nas tonalidades clara, escura e
avermelhada. Na figura ao lado podemos ver esta cor aplicada ao
personagem pintadao por Rembrandt no quadro Ronda Noturna.
Rembrandt,
pormenor
Bindheimite, minério de onde é extraído o pigmento
Amarelo Nápoles
Amarelo indiano
PY20
Originalmente obtido na Índia em Monghyr, Bengala, através da
urina de vacas alimentadas a folhas de mangueira, a qual era de
uma cor amarela escuro. Esta urina era fermentada e aquecida de
onde se obtinham sais de cor amarelo vivo os quais eram
triturados e prensados à mão em forma de bolas e de onde se
obtinha o pigmento original da cor que ficou conhecida por
Amarelo Indiano. Este processo foi proibido devido aos maustratos aplicados aos animais (o regime alimentar à base destas
folhas era pobre e os animais tinham tempo limitado de vida). O
PY20 já não existe desde 1908.
Hoje o Amarelo Indiano foi sintetizado, recebeu o mesmo nome e
o índice de cor PY83 ou o PY110 (orgânicos Sintéticos).
Lorenzo Monaco, pormenor
Forma original do Amarelo
Indiano
Photo courtesy of Windsor & Newton
Orpimento
PY39
Do antigo auripigmento, ouro-pimenta ou ouro-pimento, ficou
conhecido por orpimento ou orpiment. É um mineral nativo de cor
amarelo luminoso que faz lembrar a cor do ouro, como o nome
indica, (orpimento deriva do francês “orpiment” que por sua vez
deriva do latim "auripigmentum“).
Este pigmento é constituído por trissulfeto de arsénio e deixou de
ser fabricado no século XIX. As minas de orpimento encontram-se
em terras vulcânicas da Ásia Central, na Síria, na Boémia, na
Macedónia e no Peru e a sua cor era de um ocre amarelo dourado.
Outros nomes pelo qual era conhecido: Amarelo Real, Amarelo
China, Amarelo de Espanha.
William Turner, pormenor
Minério de onde se extraia o
Orpimento
Gamboge
PY65
Também conhecida por Goma Guta, esta resina vegetal
proveniente da Garcinia uma árvore de fruto da família das
Guttiferae (clusiáceas) é apreciada principalmente no fabrico de
vernizes de cor amarela para madeira, geralmente aplicada em
instrumentos musicais, tais como violinos. Como pigmentos ainda
hoje se pode encontrar na aguarela, como em tempos o foi no
pigmento para o óleo, no entanto a sua cor é evasiva pelo que se
deixou em parte de fabricar no método original. É uma resina
amarela, com uma cor que varia entre a mostarda e a açafrão.
Atualmente é pouco conhecida mas pode ser substituída pelo
moderno Amarelo Cádmio, PY37.
Claude Joseph Vernet, pormenor
Gamboge. Resina amarela de
árvore
Amarelo Ocre
PY43
O ocre (do latim “ochra” ) é das cores mais antigas, sendo utilizado
desde os tempos mais remotos para a pintura corporal e das
cavernas, já então misturado com gordura animal.
É o nome que se dá a um mineral terroso que consiste em argilas
ricas em óxido de ferro hidratado natural e que frequentemente
lhe conferem uma cor que vai do amarelo esverdeado ao
avermelhado.
Atualmente esta cor foi sintetizada, tornando-a mais barata, mais
opaca e de uma tonalidade mais clara, é constituída por óxido de
ferro hidratado sintético e obteve assim o código PY42.
Terra Ocre Amarelo, de onde se
pode extrair o pigmento
Dirck van Baburen pormenor
Terra de Siena Natural
PBR7
Tal como o Ocre, as terras (Siena e Sombra) são extraídas de solos
ricos em óxido de ferro hidratado, com sílica, alumina e dióxido de
manganês, Conhecida desde os tempos antigos, a tonalidade
sombria da Siena Natural é devida à presença de silicatos.
Originária de Siena, na Toscana, Itália, de onde provém o seu
nome. Tem boa transparência e pouca cobertura. Esta cor por
vezes em algumas marcas aparece substituída pelo Amarelo Ocre
Natural PY43.
David, pormenor
Solo, rochas de onde são
extraídos os pigmentos terra.
Terra de Siena Queimada
PBR7
Terra rica em ácido silícico e óxido de ferro. Pigmento natural tornado
vermelho pela calcinação. Óxido de ferro acastanhado, contendo
silicatos e argilas.
Poder corante e de cobertura muito fortes.
É a cor de terra mais intensa e permanente em todas as técnicas,
estável à luz e à atmosfera.
Originária de Siena, na Toscana, Itália, de onde provém o seu nome,
também esta cor obtém o código PBr7 por se tratar de uma cor terra.
Pode-se fazer uma imitação desta cor, juntando o vermelho Inglês
com preto e ocre (PR101+PBk11+PY42).
Caravaggio, pormenor
Solo, rochas de onde são
extraídos os pigmentos terra.
Terra de Sombra Queimada
PBR7
Ferro e magnésio. Colorante mais forte do que a Terra de Sombra
Natural. Um pouco transparente. Poder de cobertura bom. As Terras
Queimadas (Siena e Sombra) são mais puras e oferecem menos
inconvenientes que as Naturais.
Por vezes denominada Sépia, pode-se fazer uma imitação desta cor
juntando o vermelho Inglês com preto e ocre (PR101+PBk11+PY42).
Leonardo, pormenor
Solo, rochas de onde são
extraídos os pigmentos terra.
Terra de Sombra Natural
PBR7
Dióxido de manganês, secativo, óxido de ferro e silicato de alumínio. Varia
entre o verde oliva castanho e amarelo acastanhado, muito escuro,
segundo as proporções de óxido de ferro e de manganês das terras
argilosas.
A melhor qualidade vem do Chipre.
Caravaggio
Solo, rochas de onde são
extraídos os pigmentos terra.
Castanho Múmia
PBR7 (actual)
Aparece por primeira vez no século XVI e era obtido moendo múmias
humanas egípcias, o que resultava num pigmento castanho à base de
carne e pele mumificadas.
Cor mórbida a qual já não se fabrica nos métodos tradicionais desde o
século XIX por questões óbvias mas que encontrou um substituto nos
tempos modernos, o Múmia Bauxite, PBr7 (Mummy Bauxite) que é um
óxido de ferro que contém também sílica, dióxido de titânio, silicato de
alumínio e outras impurezas em quantidades menores e cuja cor imita
o castanho múmia original.
Outro matiz que pode substituir o castanho múmia é o Caput
Mortuum, (cabeça de morto) embora com tonalidade mais violácea
que a Bauxite.
Martin Drolling, pormenor - Pintado com
pigmento Castanho Múmia em 1815
Minério de Bauxite
Pele humana mumificada.
Vermelhão
PR106
Vermelhão, (em francês: vermilion; do antigo vermeillon) algumas
vezes denominado vermelho cinábrio, em alemão o seu nome é
mesmo Zinnoberrot. É um pigmento opaco alaranjado que tem
sido usado desde a antiguidade. A matéria-prima na natureza é
conhecida como cinábrio, uma rocha mole muito utilizada para o
fabrico de peças de adorno e escultura na china. Quimicamente é
sulfureto de mercúrio, e como muitos compostos de mercúrio, é
tóxico, daí se ter deixado de fabricar o pigmento PR106.
Atualmente algumas marcas substituem-no pelo PR4, um
orgânico sintético, embora o pouco vermelhão produzido
naturalmente venha ainda do cinábrio extraído na China, daí seu
nome alternativo vermelho China ou vermelho chinês.
Rafael
Usado na china para trabalhos
de escultura e jóias.
Rocha de Cinábrio natural.
Vermelho Chumbo
PR105
Vermelho de Chumbo também conhecido como zarcão na
industria, é um óxido de chumbo muito tóxico que tal como
outras cores derivadas do chumbo foram proibidas no século XIX.
Atualmente a cor PR21, Vermelho Monoazo, sintético inorgânico,
substitui esta cor.
Leonardo da Vinci
Vermelho de Chumbo.
Vermelho de Veneza
PR102
Vermelho de Veneza é uma terra natural, tal como as outras terras
e/ou até o ocre.
Na atualidade fabrica-se esta cor sintética com uma tonalidade
algo diferente a qual se denomina vermelho Inglês, vermelho
indiano ou simplesmente vermelho óxido de ferro a qual recebeu
o código PR101 que muitas vezes se confunde com a Vermelho
Veneza e até, por vezes, com a Siena Queimada.
Algumas marcas menos caras optam por a mistura de
PR101+PY42+PB15:1 para conseguir esta cor artificialmente,
(IMIT).
Tintoretto
Vermelho de Veneza.
Azul Ultramar
PB29
A cor mais cara da história da pintura. Na antiguidade era extraída
da rocha Lápis-lazuli proveniente das montanhas do Afeganistão,
daí o seu nome de Ultramar ou Ultramarino. Azul ultramar é o
mais famoso dos azuis, sendo também uma das únicas cores
universais que se encontram em todas as marcas e fabricantes.
Devido ao elevado preço deste azul, o homem criou o Azul
cobalto PB28, mais acessível, na altura, aos artistas.
Em 1828 o azul ultramarino foi sintetizado e passou a ser um
pigmento barato e acessível a todos, no entanto e por ironia, a cor
que a substituía, o cobalto, passou a ter personalidade própria e
tornou-se o azul mais caro. Hoje algumas marcas conseguem o
azul cobalto artificialmente misturando PB29+PG7 para a versão
escura e PB29+PW6+PY1 para a versão clara (IMIT).
Van der Weyden, pormenor
Lápis-lazúli, pedra semipreciosa.
Azurita
PB30
O Azurita, por vezes denominado de Malaquita azul é um mineral
de cobre do grupo dos carbonatos que se forma em jazidas
expostas às intempérias. Desde há muito utilizado como pigmento
mineral na pintura.
O seu nome teve origem no árabe (azrak = azul).
Andrea del Sarto
Minério de azurita
Verde Malaquita
PG39
É um carbonato de cobre. Frequentemente aparece associada à
Azurita, embora seja mais frequente. O seu nome deriva do latim,
malachites. Foi usada em pigmentos para artistas desde o antigo
Egito até ao início do Séc. XIX. Atualmente somente é usada como
pedra semi-preciosa.
Na atualidade esta cor foi sintetizada e podemo-la encontrar
como imitação no Verde de Cádmio PG14 ou ainda o antigo Verde
Esmeralda (Viridian) PG18 que, devido ao elevado preço, se
consegue em estúdio uma imitação misturando PG7+PY1+PW6.
Malaquita verde
Duccio Siena - pormenor
Verdeigris
PG20
Este pigmento nada mais é que o óxido de cobre, bronze ou latão
que se forma sobre estes metais em contacto com a humidade e
o ar. É muito fácil produzir este pigmento, basta colocar num
frasco que contenha vinagre, uma placa de cobre e deixar oxidar.
A este óxido chama-se Azinhavre, ou verdete. Também esta cor já
foi sintetizada e podemo-la encontrar na versão moderna do
verde cobalto PG19.
Sandro Botticelli - pormenor
Óxido de cobre de onde se extrai o pigmento
Negro Carbono
PBk6
Esta cor é obtida do carvão, será das cores mais antigas visto que
basta triturar carvão vegetal para obter o pigmento, enquanto o
PBk7 e extraído da fuligem. Utilizados ainda hoje para o fabrico,
do óleo, da aguarela e tinta da china.
Outro negro apareceu na antiguidade, o PBk9 ou Negro Marfim
que consistia em calcinar marfim e obter um pigmento. Hoje este
pigmento é feito, não de marfim, mas de ossos de bovino
calcinados. Ainda mais recentemente uma nova cor e sem dúvida
a mais usada é o Negro Marte, PBk11, um negro opaco, bonito e
denso,
conseguido
do
óxido
de
ferro
sintético.
Pigmento de carvão moido.
Branco Chumbo
PW1
O branco utilizado na antiguidade era o carbonato básico de
chumbo. Obtendo-se pela reação do acetato de chumbo com o
dióxido de carbono. É um branco com personalidade e
elasticidade mas como tudo o que provém do chumbo, ele é
altamente tóxico e foi desaconselhada a fabricação deste
pigmento para a industria da pintura, embora uma ou outra marca
ainda o fabrique para os artistas mais saudosistas, no entanto foi
rebatizado pelo nome de Branco de Prata.
Atualmente substitui-se pelo PW4, Branco Zinco e pelo PW6,
Branco Titânio, de longe o mais utilizado em todo o mundo.
Carbonato de Chumbo
Raffaello - pormenor
Outros importantes pigmentos foram usados na antiguidade, tais como o Amarelo de estanho, a Terra
de Cassel ou Castanho Van Dicke, Indigo, Mader lake, Massicote, Sangue de Dragão, Terra verde etc.
no entanto não existiam muitos mais, estava-se limitado se comparado com a atualidade. A vida dos
artistas em estúdio não era fácil, principalmente quando as rochas deveriam ser moídas até obter um
pó fino e as tintas por eles, ou por ajudantes, preparadas.
Na imagem abaixo uma ilustração de um estúdio do Renascimento onde se veem os artistas, a modelo
acompanhada de uma pajem, os estudantes e os preparadores das tintas.
Nos nossos dias a quantidade de pigmentos chegou a alguns milhares, as cores são tantas que dificilmente as poderemos conhecer todas e
novas chegam anualmente ao mercado. Para isso contribui a química, não o fez para descobrir novas cores para as artes, mas para a
industria (automóvel, construção etc.) As artes beneficiaram, evidentemente. Hoje os pigmentos são, ou podem ser, todos sintetizados o
que lhe faz baixar o preço e aumentar a permanência à luz, fazendo com que as tintas se mantenham por longos anos sem perder a sua
tonalidade e vivacidade e mais importante, evitam-se diferenças de cores, homogeneizando os pigmentos sem diferenças de tonalidades.
A Winsor & Newton foi uma das primeiras empresas a aparecer para o fabrico e venda de tintas prontas para artistas, até aí as tintas eram
de fabrico artesanal, e em 1840 esta marca criou a primeira embalagem, fig.1, que era adquirida na loja e levada para o estúdio, tinta
pronta, naquele tempo, uma verdadeira revolução. No mesmo ano lança a tinta acomodada em seringas de vidro e no ano seguinte, em
1841, os tubos, como na atualidade, chegam ao mercado.
Fig.1 O Primeiro
recipiente de 1840,
contendo Azul de Prússia.
Fig.2 Evolução dos tubos de tinta
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