Microcefalia - WordPress.com

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Microcefalia - WordPress.com
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FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 22H30
PAULO FILGUEIRAS/EM/D.A PRESS
Férias
FRUSTRADAS
Nada menos que 189 voos foram cancelados e 25 atrasaram da
meia-noite de sexta-feira às 18h de ontem no Aeroporto Internacional
Tancredo Neves, em Confins. O terminal operou por instrumentos
devido a chuva e neblina, causando filas imensas e revolta dos
passageiros. Grupos de excursão e famílias inteiras passaram o dia
na expectativa de remarcar a viagem. PÁGINAS 15 E 16
MICROCEFALIA: O MAL QUE ASSOMBRA O BRASIL
R E P O R T A G E M
E S P E C I A L
CAROLINA COTTA/EM/D. A PRESS
O CUIDADO
QUE O PAÍS
NÃO TEVE
EM acompanha, no Recife, a luta de mães pelo
diagnóstico dos filhos em meio ao desconhecido
Uma anomalia que atingia cerca de uma dezena de casos por ano em
todo o estado de Pernambuco agora parece uma condição comum.
Nos corredores e salas de espera de hospitais do Recife envolvidos no
diagnóstico de microcefalia, o clima de desconfiança e tristeza toma
conta das mulheres que carregam seus bebês. A enviada especial
Carolina Cotta relata o drama dessas mães que colaboram com as
investigações sobre a relação com o zika vírus. Muitas nunca tinham
ouvido falar da malformação ou dos possíveis problemas decorrentes
dela. “Não sei o que vai ser da minha filha. Espero que seja uma criança
normal, mas, se ela tiver qualquer coisa, vamos amá-la do mesmo
jeito”, diz Juliana Pontes Souza, de 20 anos, com a pequena Laura
(ao lado). Ela segue as orientações médicas, comparece às consultas,
submete a testes a menina que veio ao mundo com o crânio medindo
31 centímetros. Espera respostas dos especialistas e das autoridades.
3.530
CASOS SUSPEITOS
DE MICROCEFALIA
RELACIONADA AO
ZIKA VÍRUS NO
BRASIL
1.236
EM PERNAMBUCO
PÁGINAS 6 E 7
FOLIA EM BH
HOTÉIS DA CAPITAL ESPERAM
OCUPAR 60% DOS QUARTOS
Com expectativa de 2 milhões de
pessoas se divertindo na cidade
durante o carnaval, turistas de
última hora são a aposta.
Tarifas aumentaram 20%.
PÁGINA 12
Sanções contra o
Irã são revogadas
Estados Unidos e União Europeia
anunciam fim do embargo
político e econômico depois de a
Agência Internacional de Energia
Atômica declarar que o país
islâmico cumpriu as medidas do
acordo nuclear. PÁGINA 13
A PRIMEIRA TAÇA?
O Atlético pode ter hoje a sua primeira conquista do
ano. Em clima de revanche, encara o Corinthians, às
17h, em Boca Raton, pela Florida Cup. Se vencer e
Fluminense e Shakhtar empatarem, leva a taça.
PÁGINA 20
Comando loteado
na BR Distribuidora
Levantamento do EM constata
que, a partir de 2009, Fernando
Collor conseguiu emplacar
apadrinhados em três das quatro
principais diretorias da BR
Distribuidora, investigada na
Lava-Jato. PÁGINA 3
COLUMBIA RECORDS
& MASCULINO
EM
FEM ININO
★
Sensualmente
confortável
BERTRAND GUAY/AFP
Toque acetinado em tecidos que
deslizam pelo corpo, rendas e
fendas são a sensação do
momento. Presentes nos
desfiles de verão das principais
grifes pelo mundo, peças
resgatam a feminilidade
sem deixar o visual vulgar.
CAPA E PÁGINA 5
O melhor
de Dylan
Chefs renomados estarão a bordo
de navio com destino ao Uruguai e à
Argentina. Entre as atrações, aulas
de culinária, workshops e refeições
temáticas. CAPA E PÁGINAS 2 E 3
Consumo de alimentos e cosméticos
em forma de cápsulas, gomas e
pastilhas não substitui o uso
convencional dos produtos, alertam
especialistas. CAPA E PÁGINA 2
No 12º volume da série
Bootleg de Bob Dylan, ensaios
e gravações alternativas do
auge da carreira do
compositor. CDs reúnem
pérolas do período de janeiro
de 1965 a fevereiro de 1966,
quando realizou turnês por
três continentes. CAPA
ISSN 1809-9874
99 771809 987014
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MICROCEFALIA: O MAL QUE ASSOMBRA O BRASIL
R E P O R T A G E M
E S P E C I A L
MÃES AGUARDAM RESPOSTAS SOBRE O DESTINO DE SEUS BEBÊS NASCIDOS NO SURTO EM PERNAMBUCO. JÁ
SÃO 1.236 CASOS SUSPEITOS E 103 CONFIRMADOS, SITUAÇÃO QUE APAVORA AS FAMÍLIAS E OS ESPECIALISTAS
FOTOS: CAROLINA COTTA/EM/D.A PRESS
A recepcionista Rosana Vieira encontra forças para enfrentar a condição da filha Luana com serenidade
Ilma Márcia com a filha, Rafaela, e a neta, Rita Cecília: descoberta da microcefalia ainda na gravidez
GERAÇÃO AMEAÇADA
CAROLINA COTTA
Enviada especial
Recife – Mães ansiosas, com
seus bebês quase sempre envoltos em mantas, com enormes
laços de fita e gorros no tórrido
calor, enchem os hospitais pernambucanos envolvidos no
diagnóstico de microcefalia. Os
olhares desconfiados surgem
de todos os lados. Quem está ali
por outro motivo quer matar a
curiosidade e confirmar se está
diante de um dos 1.236 casos
que transformaram Pernambuco nos quatro últimos meses.
Quem carrega um desses bebês
no colo também “corre o olho”
no do lado. Perceber que não estão sozinhas traz um certo conforto para essas mães. Nada de
pais. Quase sempre elas estão
acompanhadas das próprias
mães, avós, tias e irmãs.
Na manhã da última quintafeira, a sala de espera do Departamento de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário
Oswaldo Cruz (Huoc), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), era uma reunião
de mulheres desconfiadas. E
tristes. É lá, e no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e no Hospital Barão de Lucena – os três
hospitais de referência onde podem ser confirmados os casos
suspeitos da Região Metropolitana do Recife –, que o surto de
microcefalia mostra seu lado
mais cruel. De repente, uma
anomalia que atingia cerca de
uma dezena de casos por ano
em todo o estado parece uma
condição comum.
“Não sei o que vai ser da minha filha. Espero que ela seja
uma criança normal, mas se ela
tiver qualquer coisa vamos
amá-la do mesmo jeito.” A incerteza de Juliana Pontes Souza,
de 20 anos, acompanha a de outras mães de bebês diagnosticados ou com suspeita de microcefalia em Pernambuco. A família de Laura, que nasceu com o
crânio medindo 31 centímetros,
pouco sabe sobre a microcefalia
e sua evolução. Apesar da condição ser descrita na medicina há
anos, esta é a primeira vez que a
anomalia congênita tem tantos
diagnósticos, e pelo que tudo
indica, por um vírus novo e sobre o qual pouco se sabe.
O desconhecimento não justifica, entretanto, as derrapadas
do Ministério da Saúde. E do ti-
KITS PARA
GRÁVIDAS
O teste para identificar
simultaneamente dengue,
zika e chikungunya será
disponibilizado
prioritariamente para
mulheres grávidas, afirmou
ontem, no Rio, o ministro da
Saúde, Marcelo Castro. Um
dia após a confirmação das
três primeiras mortes por
chikungunya no país, o
ministro apresentou na
Fundação Instituto Oswaldo
Cruz (Fiocruz) o novo kit de
diagnóstico desenvolvido pela
instituição. Atualmente é
necessário realizar os três
exames separadamente. Até o
fim do ano, o ministério vai
encomendar 500 mil kits.
Durante a divulgação do kit, o
vice-diretor de
Desenvolvimento Tecnológico
do Instituto Carlos Chagas,
Marco Krieger, explicou que a
leitura da análise sairá em
duas ou três horas.
tular da pasta, que semana passada deu uma declaração infeliz
enquanto anunciava o investimento em pesquisas para uma
vacina contra o zika vírus. Marcelo Castro disse que não seria
possível vacinar 200 milhões de
brasileiros e que a estratégia se
concentraria em pessoas em período fértil. E completou dizendo que torceriam para que essas
pegassem zika antes, pois, assim, ficariam imunizadas pelo
próprio mosquito. Mesmo reconhecendo como ágil o enfrentamento do ministério, especialistas criticam a rápida associação
do surto com o vírus zika. Apesar das evidências serem muito
fortes, ainda não há comprovação científica. Tudo ainda é uma
suspeita. Uma suspeita forte.
Certo é que, no Pernambuco
de hoje, temem-se duas coisas:
tubarão e Aedes aegypti. Mas
quem não está no mar curte a
brisa com pernas e braços de fora. O surto de microcefalia atribuído, pelo Ministério da Saúde, ao vírus zika, está na boca do
povo, mas ainda não foi capaz
de mudar os hábitos da população. “O turista mal pergunta,
mas quem é daqui não fala em
outra coisa. Reclama das consequências da dengue, da chikungunya e agora do zika. As famílias estão com medo de ter entre elas um caso de microcefalia, mas não mudaram muita
coisa por causa disso”, diz o taxista Leandro Gomes.
As praias de Boa Viagem e
Porto de Galinhas estão lotadas.
Segundo a Empresa de Turismo
de Pernambuco (Empetur), as
notícias sobre os casos de microcefalia não alteraram a expectativa de reservas para o verão;
mas, claro, muitas grávidas deixaram de desembarcar na capital pernambucana, que notifi-
cou os primeiros casos de microcefalia, em outubro, e lidera
em número de casos suspeitos.
REVOLTA E ACEITAÇÃO A recepcionista Rosana Vieira Alves da
Silva, de 25 anos, é uma das
mães dessa geração especial.
Com as filhas Vitória Evillen, de
7, Layane Sophia, de 2, e Luana,
de 3 meses, aguardava a coleta
de uma amostra de sangue da
recém-nascida, diagnosticada
com microcefalia, com uma expressão bem mais leve que a das
outras mães ao seu lado. Luana
também é um caso diferente,
porque, apesar de nascida no
meio do surto, teve um exame
positivo para toxoplasmose e a
mãe não relata sintomas de zika
na gestação. Mas saber a causa é
o que menos importa agora. A
experiência como mãe lhe permite enfrentar a condição de
Luana com mais serenidade.
“Quando me falaram que ela
tinha a cabeça no limite do que
poderia ter, fiquei doida. Só soube que algo estava errado quando ela nasceu. Amo-a demais. Fico vendo essas mães chorando e
penso que a Luana, pra mim, é só
alegria”, comentou. A microcefalia de Luana é muito sutil, quase
imperceptível, mas as consequências começaram a aparecer.
“Meu marido achou que era algo
simples e que iria se resolver.
Mas ela começou a ter crises epiléticas e ele se assustou.”
O jeito como Rosana curte
sua filha é uma exceção. A
maioria das mães não consegue
conter as lágrimas à primeira
pergunta. Carla Fernanda Reis
da Silva, de 30 anos, com a pequenina Luane no colo, ainda
aguarda o resultado da tomografia para ter o caso confirmado. Mas a cabecinha da filha é
tão pequena que não sobram
esperanças. A menina nasceu,
dois meses atrás, com perímetro cefálico de 29,5cm. Carla não
lembra de ter tido sintomas de
zika na gravidez. Aos oito meses
de gestação, ficou apavorada
com o noticiário sobre a microcefalia. Semanas depois, aquilo
se tornou sua realidade.
“Imagine o que é estar às vésperas de dar à luz e descobrir que
as crianças estão nascendo com
problemas. Quase fechando nove meses, fiz um ultrassom. A
médica me alertou que ela tinha
a cabeça pequena. Fiquei péssima. Sem comer, sem dormir. Só
chorava. Tenho tristeza, raiva. Esperei tanto por essa filha... mas
ela é especial”, lamenta a mãe,
ainda longe da aceitação. Algumas desistem. Uma criança com
microcefalia foi deixada em um
abrigo no Recife. Outra foi rejeitada pela mãe, mas está sendo
criada pelas tias.
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MICROCEFALIA: O MAL QUE ASSOMBRA O BRASIL
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PRIMEIRA A PERCEBER O AUMENTO DE CASOS NAS MATERNIDADES, NEUROPEDIATRA PERNAMBUCANA
RELEMBRA A TRAJETÓRIA DA SITUAÇÃO INÉDITA. EM APENAS UMA SEMANA, FORAM 12 CONFIRMAÇÕES
JOAO CARLOS LACERDA/EM/D.A PRESS
BASTIDORES
DO CAOS
Perímetro cefálico abaixo
de 32cm é indicativo
para microcefalia
ONDA DE
CAROLINA COTTA
Enviada especial
Recife – Rafaela Gomes Pereira,
de 21 anos, soube, ainda durante a
gravidez, que a filha teria microcefalia. “No oitavo mês de gestação, o
médico pediu um ultrassom de rotina e me perguntou se eu tinha alguma queixa. Na época, final de outubro, não se falava dos casos, logo
depois tudo estourou. Ele me disse
que ela teria esse problema. Deus
sempre escolhe pessoas especiais
para cuidarem de filhos especiais.
Se fui escolhida, é porque sou capaz. Mas é difícil demais, porque a
gente sempre quer um filho saudável. Mas foi melhor saber antes”,
afirma a mãe de Rita Cecília, de 2
meses. Com a avó de Rita, Ilma
Márcia Gomes, de 39, Rafaela viajou mais de 550 quilômetros, de
Salgueiro ao Recife, para fazer os
exames necessários à confirmação
do diagnóstico.
Ilma está “babando” na netinha.
Quando soube da microcefalia,
passou dois dias chorando, mas a
aceitação de Rafaela a confortou.
Mesmo assim, ela fez uma promessa para Santa Rita, a santa das
causas impossíveis. “Ela se chamaria Ana Cecília, mas, quando soube
da microcefalia, pedi a Santa Rita
para que ela não nascesse com essa
situação, mas que viesse com vida.
Ela pesou 1,6kg ao nascer e o baixo
peso era outra preocupação.” Não
bastasse o sofrimento de ver a
criança nascer com uma condição
incapacitante, a família enfrentou
uma situação constrangedora. “Fizeram fotos dela assim que nasceu
e essas imagens circularam na internet. Diziam que eram cenas fortes, porque ela nasceu praticamente só com a face e com as perninhas para trás.”
Dois meses depois, as perninhas
estão aparentemente normais. Segundo a neuropediatra Vanessa
van der Linden, essas malformações estão sendo observadas em algumas crianças. “Não sabemos o
mecanismo de ação do zika vírus.
Se ele mesmo provoca as lesões, se
libera uma toxina. Não sabemos se
outras doenças associadas estão
envolvidas. Tudo precisa ser pesquisado”, defende. Rafaela, como
outras mães ouvidas pelo Estado
de Minas, se nega a acreditar na relação da microcefalia com o zika.
Mas teve os sintomas aos dois meses de gestação. “Sei até quando ela
pegou”, conta Ilma. “Fomos passar
o Dia das Mães em Arco Verde, onde tinha muitos casos de zika. Meu
sobrinho estava doente. Assim que
voltamos, Rafaela teve as manchas.
Achei que era rubéola, mas o médico receitou dipirona e repouso.”
CARACTERÍSTICAS Em 2014, Per-
nambuco registrou 12 casos de microcefalia. Em agosto de 2015, esse
também foi o número encontrado,
mas em uma única semana. Como
neuropediatra, Vanessa estava
acostumada a ver crianças com infecção congênita no berçário. Mas
uma por mês, ou mesmo uma a cada dois meses. Quando se deparou
com cinco casos ao mesmo tempo,
percebeu que havia algo estranho.
Poucos dias antes, ela já tinha atendido um caso de microcefalia severa que chamou a atenção não só
pelo tamanho da cabeça, bem menor que o padrão dessas anomalias,
mas pelo fato de a mãe ter apresentado expressivas manchas vermelhas pelo corpo durante a gravidez.
Essa primeira criança logo pas-
sou por uma tomografia. Foi quando Vanessa identificou a presença
de calcificações, que sugeriam, então, uma causa infecciosa, e não genética. A criança passou por exames para checar as possíveis infecções – citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola, herpes e sífilis –,
mas todos os resultados foram negativos. “Era uma das menores cabeças que eu já tinha visto, e ela tinha outra característica peculiar,
que são dobrinhas pelo excesso de
pele no couro cabeludo. Eu já ia começar a investigar se, apesar das
calcificações, podia ser uma doença genética quando apareceram as
cinco crianças na mesma semana”,
lembra Vanessa.
Os casos eram semelhantes.
Cabeças bem pequenas, calcificações e ventrículos grandes. O caso
inicial, comparado com os novos
cinco casos, mostrava outra particularidade. “O padrão de calcificação era muito diferente daquele
provocado pelo citomegalovírus.
Todas as crianças tinham calcificações parecidas, muito marcantes, concentradas logo abaixo do
córtex”, lembra.
INVESTIGAÇÃO A maioria das seis
mães tinha apresentado manchas
avermelhadas pela pele, chamadas
exantemas ou rash cutâneo. Vanessa procurou ajuda da infectologista
Regina Coeli, do Huoc. Os principais
agentes causadores de microcefalia
já tinham sido investigados. Era
preciso checar outros vírus que
também provocam manchas na
pele. A dengue, teoricamente, não
provoca infecção congênita por não
conseguir acessar a placenta. “Nosso medo era que essas crianças voltassem para suas cidades. Quando
se nasce com a infecção congênita, a
investigação precisa ser rápida.”
Então, veio a surpresa. Quando
Vanessa comentou os casos com a
mãe, a também neuropediatra Ana
van der Linden, ela contou que no
Impi, onde atende, havia sete casos
iguais. Vanessa ligou para outros
hospitais e descobriu que também
neles havia casos de microcefalia.
“De repente, todo dia chegava um
bebê. É tudo muito novo, mas o enfrentamento foi muito ágil. Em
poucos dias, tivemos reuniões com
o Ministério da Saúde e a Organização Pan-americana de Saúde
(Opas), fizemos um protocolo e começamos a notificar.”
CONFIRMAÇÃO O fato de Pernambuco vir enfrentando uma epidemia de zika desde maio de 2015 colocou as suspeitas sobre o vírus. Entre seus sintomas, estão as manchas vermelhas. Ele já era epidêmico, e ser transmitido pelo mosquito
explicaria a dispersão da doença
por todo o estado.
Mas logo eles ultrapassariam as
fronteiras de Pernambuco. E foram
os casos na Paraíba que reforçaram
as evidências de uma relação da
microcefalia com o vírus zika. A
identificação de uma possível microcefalia em dois bebês ainda em
gestação permitiu colher amostras
do líquido amniótico e foi encontrado o zika vírus. Ainda era preciso checar se ele alcançava a criança.
Um bebê com microcefalia que
morreu logo após o parto, no Ceará, deu aos médicos a peça que faltava ao quebra-cabeça: a autópsia
confirmou a presença do vírus nos
tecidos da criança.
ORIGEM DO PROBLEMA
A infecção congênita é uma das causas da microcefalia. Ela ocorre quando um agente
infeccioso, como um vírus ou um parasita, consegue ultrapassar a barreira placentária e
atingir o feto. Uma das principais características da infecção congênita é uma agressão ao
cérebro que provoca calcificações. Essas, geralmente, não são encontradas em microcefalias
causadas por doenças genéticas, podendo ocorrer em casos raros.
CAROLINA COTTA/EM/D.A PRESS
Nosso medo era que essas crianças
voltassem para suas cidades. Quando se
nasce com a infecção congênita, a
investigação precisa ser rápida”
■ Vanessa van der Linden, neuropediatra do Hospital Barão de Lucena
CAROLINA COTTA/EM/D.A PRESS
TEMOR
A associação dos casos de microcefalia com o zika vírus causou um pavor generalizado, principalmente entre as mulheres grávidas e aquelas em idade fértil.
Segundo a ginecologista e obstetra
Adriana Scavuzzi, coordenadora do Centro de Atenção à Mulher do Instituto de
Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), não há orientação formal
para que as mulheres evitem a gravidez,
mas os cuidados devem ser intensificados. “Elas precisam avaliar seu estado geral de saúde, tomar ácido fólico. O prénatal precisa reforçar as boas práticas
obstétricas e as mães devem fazer sua
parte, protegendo o corpo com calças e
blusas de manga comprida e recorrendo
a repelentes e mosquiteiros.”
Em Pernambuco, onde o alto índice de
casos exigiu a criação de um fluxo, mães
com ultrassom suspeito só precisam ir
aos hospitais de referência para confirmar
diagnóstico. “Certeza de que a criança tem
microcefalia só é possível após o nascimento e a tomografia. Mas o ultrassom
pode dar indícios se as medidas da cabeça
não estiverem na média esperada. Os casos em que é discreta a alteração na cabeça provavelmente não são percebidos ainda no útero. O ultrassom capaz de detectar o problema é aquele entre 32 e 35 semanas”, explica.
Desde que a notificação de gestantes
com exantemas tornou-se obrigatória,
entre 2 de dezembro de 2015 e 9 de janeiro de 2016, foram notificadas 464 gestantes nessa situação, de 55 municípios pernambucanos. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, desse total, cinco gestantes já apresentam confirmação de microcefalia intraútero. Adriana explica que todas as gestantes suspeitas, além do ultrassom em hospital de referência, precisam
colher sangue e urina para a pesquisa do
zika, já que têm sintomas. “É uma situação muito triste e que exigirá um esforço
de todos, das famílias e das equipes envolvidas. Estamos vivendo uma ansiedade muito grande. Mas chega a ser comovente o apego dessas mães aos filhos e a
adesão ao processo de diagnóstico. Elas
nunca faltam”, comenta.
ENQUANTO ISSO...
EUA REGISTRAM
PRIMEIRO CASO
Mães em busca de exames e explicações no Hospital Universitário Oswaldo Cruz
JOÃO CARLOS LACERDA/DIVULGAÇÃO
Criança com microcefalia é examinada na Fundação Altino Ventura, em Recife
O Departamento de Saúde do Havaí
confirmou ontem que um bebê que
nasceu com microcefalia no estado
americano foi infectado pelo zika
vírus. Segundo comunicado do
órgão, a mãe pode ter contraído a
doença quando visitou o Brasil, em
maio do ano passado, e o bebê pode
ter adquirido a infecção no útero. Na
sexta-feira, o Centro para Controle e
Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos (CVC) recomendou que
mulheres grávidas adiem viagens
para 14 países e territórios nas
Américas onde o zika vírus está
circulando, incluindo o Brasil. A
agência de saúde pública dos EUA
também exortou as mulheres em
idade fértil que estão tentando
engravidar a consultar um
profissional de saúde antes de viajar
para esses países e tomar medidas
para evitar picadas de mosquitos
durante as suas viagens se
decidirem visitar esses locais.
LEIA AMANHÃ: O FUTURO DO SURTO: PESQUISAS, REABILITAÇÃO E A PREPARAÇÃO DOS HOSPITAIS PARA ATENDER UMA GERAÇÃO DE BEBÊS ESPECIAIS
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BRUNO CANTINI/ATLÉTICO
Yes,
SUL-MINAS
Gilvan reage e ignora CBF
Presidente da Primeira Liga, Gilvan de Pinho Tavares
afirmou ontem que vai promover a Sul-Minas com ou sem
apoio da CBF, que vetou o torneio.
PÁGINA 17
O GALO É CAMPEÃO
Time do Atlético retorna hoje ao Brasil
com a taça de campeão do torneio
Florida Cup, erguida pelo capitão
Leonardo Silva (foto), depois de vencer
o Corinthians por 1 a 0, em Boca
Raton. O empate entre Fluminense e
Shakhtar Donetsk garantiu o título.
Hyuri, autor do gol, e Cazares saíram
do banco no início do segundo tempo
e foram os nomes do jogo.
PÁGINA 18
RIO’2016
Esperanças de medalha
A 200 dias dos Jogos Olímpicos, confira as chances
do Brasil, com metas ambiciosas de alcançar o pódio.
PÁGINA 16
CHUVA EM MINAS
ALERTA MÁXIMO
Defesa Civil aponta riscos de deslizamento e inundações em várias regiões. Há previsão de tempo instável até quinta
MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS
PAULO FILGUEIRAS/EM/D.A PRESS
NÍVEL DA ÁGUA NO RIO DAS VELHAS SUBIU E PREOCUPA MORADORES DE SANTA LUZIA. FALTA DE VISIBILIDADE EM CONFINS CONTINUOU ADIANDO PLANOS DE QUEM ESPERAVA O VOO
Desde 2011 não havia janeiro com precipitação tão persistente em Minas. O Sul do estado é a
região mais afetada, com 21 cidades sofrendo com enchentes, como São Lourenço, e rodovias
interditadas devido a queda de barreiras. Em Belo Horizonte, a população recebeu da
Coordenadoria Municipal da Defesa Civil (Comdec) o aviso das ameaças de deslizamento de terra.
Na madrugada de ontem, entre 0h e 6h, foram registradas 96 ocorrências na capital.
“Aquilo que está em perigo vai piorar. A probabilidade de ter escorregamentos a cada minuto e a
cada hora vai aumentando. Precisamos muito que as pessoas fiquem atentas para evitar
desastres”, ressalta o coronel Alexandre Lucas Alves, coordenador da Comdec. Os cuidados valem
para os vizinhos na região metropolitana. Em Santa Luzia, o Rio das Velhas quase transbordou.
No aeroporto de Confins, 42 voos foram cancelados e 90 atrasaram devido a chuva e neblina.
PÁGINAS 13 E 14
PREFEITOS REPASSAM HERANÇA DE DÍVIDAS
ENCOLHIMENTO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS E DESPESAS EXTRAS COM SAÚDE E ENERGIA PIORAM AS CONTAS DO ÚLTIMO ANO DE MANDATO
PÁGINA 3
Moradores de
Betim reclamam
de descaso
Mato e lixo acumulados nas ruas deixam
à vista a precariedade nos serviços
prestados pela prefeitura do município
da Grande BH. Os habitantes denunciam
o abandono da cidade desde o
afastamento do prefeito Carlaile
Pedrosa, que sofreu AVC no fim do
ano passado, e apontam problemas na
educação, saúde e segurança. PÁGINA 15
ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
O NOVO SOM
DO CARNAVAL
Irreverência do brega,
no bloco Beiço do
Wando (foto), e
gingado do reggae
entram no ritmo da
folia em BH.
Vendedores de
instrumentos musicais
‘sambam’ para segurar
as vendas, que
caíram 40%.
PÁGINAS 9 E 15
CONSUMIDOR
FUJA DO GOLPE DO BOLETO
DE COBRANÇA DO IPVA
PÁGINA 10
MADURO NO COMANDO
VENEZUELANOS TEMEM
COLAPSO NA ECONOMIA
PÁGINA 11
AGROPECUÁRIO
VENDAS DE FRANGO AO
EXTERIOR CRESCEM 7%
MICROCEFALIA: O MAL QUE ASSOMBRA O BRASIL
ANGÚSTIA PRESENTE,
FUTURO INCERTO
Na segunda reportagem da enviada especial do EM ao
Recife, Carolina Cotta, especialistas discutem a evolução de
crianças nascidas com a malformação. Além da dificuldade
em constatar a relação com o zika vírus, suporte às famílias
é desafio. “É uma coisa nova. Precisamos desenvolver uma
escuta clínica, uma perspectiva que trabalhe o emocional,
mas também o social”, diz a psicóloga Alzeni Gomes,
coordenadora de programa de apoio às mães. PÁGINA 8
PÁGINA 12
ISSN 1809-9874
99 771809 987021
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MICROCEFALIA: O MAL QUE ASSOMBRA O BRASIL
R E P O R T A G E M
E S P E C I A L
MALFORMAÇÃO RELACIONADA AO ZIKA TEM SE MOSTRADO SEVERA. ESPECIALISTAS NÃO SABEM DIMENSIONAR
O IMPACTO NA EVOLUÇÃO DESSAS CRIANÇAS, MAS COMPROMETIMENTOS SÃO REAIS E ASSUSTAM AS MÃES
FUTURO
JOÃO CARLOS LACERDA/DIVULGAÇÃO
INCERTO
CAROLINA COTTA
Enviada especial
Recife – Na sala de triagem,
uma mãe leva seu bebê no colo.
Está ali pra ser pesado, mas a
médica me faz um sinal, sugerindo algo errado. “Quanto mediu a cabecinha dele, mãe?”,
pergunta Ângela Rocha, coordenadora do Departamento de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz.
Aos quatro meses, a cabeça de
Mateus tem 38cm de diâmetro,
dentro da normalidade para sua
idade, mas, ao nascer, media
31cm: um caso suspeito. A mãe
parece não saber. Ou não quer
entender. A cada pergunta da
médica, responde monossilabicamente, como se pudesse livrar o filho, e ela mesma, desse
destino. “Ele tem um estrabismo, você reparou?”, insiste a
médica, que pede para ver a tomografia do pequeno. O exame
não deixa dúvidas: as calcificações e os ventrículos aumentados colocam Mateus entre os
casos confirmados.
“A alteração é quase imperceptível, não me arriscaria a dizer qualquer coisa sem ver a tomografia. Mas ele me chamou a
atenção: tem mais face que cabeça”, comenta a médica. Mateus tem uma microcefalia leve
e um cérebro mais preservado
que os outros observados pela
equipe. Talvez tenha uma evolução melhor. Não existe um caso único. Algumas crianças, já
no primeiro mês de vida, mostram alguma alteração neurológica. Segundo a neuropediatra
Vanessa van der Linden, estão
sendo observados, por exemplo, irritabilidade e choro excessivo. Alguns têm os membros
inferiores rígidos e artrogripose,
alteração ortopédica que pode
levar ao pé torto congênito.
“Mas nesse aspecto não sabemos se a causa é o problema
neurológico ou menos movimento dentro do útero.”
Muitos só apresentarão algum comprometimento depois
de dois meses. “Temos crianças
que nasceram com 26cm de perímetro cefálico. Isso é muito expressivo se considerarmos que
o normal é de 35cm a 37cm. Há
casos mais leves e casos mais
graves. Ainda é muito cedo para
saber como essas crianças vão
evoluir, mas devem ter comprometimento motor, visual e auditivo. Na neurologia, precisamos ter muito cuidado com o
prognóstico”, diz Vanessa, que
planeja um estudo para comparar o tamanho da cabeça e as alterações na tomografia com o
desenvolvimento. “O que essas
crianças precisam agora é de
reabilitação. Não podemos ficar
focados na causa, mas em criar
condições para essas famílias
conseguirem viver com isso. E
precisamos acolher as mães.
Elas ficam esperançosas porque
na fase inicial o bebê ainda usa
pouco o cérebro.”
REABILITAÇÃO Algumas crianças têm a microcefalia percebida dentro do útero, geralmente
quando é mais severa. Outros
casos só são percebidos ao nascimento: toda criança que nasce com circunferência da cabeça de 32cm ou menos é notificada e precisa passar pela coleta
de sangue e do líquido cefalorraquidiano (líquor), tomografia,
exames oftalmológicos e auditivos, além de ecocardiograma.
Crianças com microcefalia relacionada ao zika passam por exames na Fundação Altino Ventura, em Recife
Se o caso for confirmado elas
devem ser encaminhadas para
a reabilitação. “A estimulação
precoce é essencial para conseguirmos o máximo potencial
dessas crianças. Não se sabe como elas vão crescer, que deficiências terão. Só o dia a dia vai
mostrar as consequências”, explica Mônica Coentro, coordenadora da pediatria do Instituto
de Medicina Integral Professor
Fernando Figueira (Imip).
A Associação de Assistência à
Criança Deficiente (AACD) e a
Fundação Altino Ventura (FAV)
são algumas das entidades envolvidas na reabilitação dessas
crianças. A FAV também está
preocupada em empoderar as
mães para que tenham condições de enfrentamento da realidade. Para Mônica Coentro, o
apoio psicológico é essencial.
JOÃO CARLOS LACERDA/DIVULGAÇÃO
“Ao receber a notícia, muitas
mães negam. Outras ficam apavoradas, outras se encorajam.
Precisam de ajuda.”
A FAV criou um programa
de apoio psicológico específico
para essas mães. “Elas chegam
emocionalmente desestruturadas. Precisamos desenvolver
uma escuta clínica, uma perspectiva que trabalhe o emocional, mas também o social. A microcefalia não é uma condição
nova, mas é assustador para
quem recebe o diagnóstico”, comenta a psicóloga Alzeni Gomes, coordenadora do programa de apoio psicológico às
mães. “Os bebês chegam quase
sempre enrolados. Não é aquele bebê que a mãe tem prazer de
mostrar. Mas é importante vivenciar essa satisfação, porque
é o filho delas.”
CAROLINA COTTA/EM/D. A PRESS
Oftalmologista
Liana Ventura,
presidente da
Fundação Altino
Ventura,
acompanha
bebê com
microcefalia
A infectologista
Ângela Rocha
discute um
possível caso
de microcefalia
com a
neuropediatra
Maria Durce Costa
CONFIRMAÇÕES DEVEM AUMENTAR
O surto de microcefalia em
Pernambuco levou a um estado
de emergência em saúde pública. O número de casos suspeitos
não para de subir, mas há semanas em que o percentual de crescimento é maior, e em outras,
menor. Com essa oscilação ainda é cedo para dizer que o número está se estabilizando. O índice de microcefalias confirmadas, contudo, deve subir à medida que os exames diagnósticos
se tornarem mais ágeis. Uma
criança de sete meses teve sua
primeira consulta na quinta-feira. Apesar da visível desproporção crânio-facial (o crânio menor que a face é a principal característica da microcefalia), ele
foge ao padrão observado até
agora por causa da idade. Os médicos ainda podem se surpreender com casos mais antigos.
Pernambuco tem seis hospitais de referência envolvidos no
atendimento aos pacientes com
microcefalia: três na capital e
três no interior, em Petrolina,
Caruaru e Serra Talhada. Segundo Luciana Albuquerque, secretária-executiva de vigilância em
saúde da Secretaria Estadual de
Saúde de Pernambuco, todos os
casos notificados precisam procurar esses serviços para o diagnóstico. “Mas, dos 1.236 casos
suspeitos, nem metade chegou
à nossa rede de referência. E não
temos todos os resultados das
tomografias daqueles que já fizeram o exame. Estamos ligando para cada mãe de bebê notificado para que entenda a importância desse diagnóstico”,
ressalta a especialista.
RESPONSABILIDADE Alguns fatores podem explicar a liderança de Pernambuco em número
de casos: o fato de o estado ter
começado a notificação antes
de qualquer outro, a estratégia
inicial de notificar casos a partir
A situação é comovente até
para médicos experientes, que
enfrentaram grandes epidemias. “Estamos falando de crianças que vão evoluir com um
comprometimento, maior ou
menor. É estressante para a família, mas também para nós,
médicos. Comunicar que essas
novas vidas terão tal futuro é angustiante”, lamenta Ângela, segundo a qual a maior preocupação é dar as melhores condições
para a estimulação precoce dessas crianças. “Quanto mais cedo
começar, maiores as chances de
terem um melhor desempenho.
Mas é um grande desafio para o
serviço público ter condições de
oferecer o tratamento para tantas crianças. Vivemos um problema de saúde pública, social,
emocional... Economicamente,
também é um desastre.”
de 33cm e a circulação dos quatro subtipos do vírus da dengue
concomitantemente com os vírus zika e chikungunya. “A
questão climática também favorece, mas passamos todo o
ano em epidemia. O problema é
que vivemos a pior seca dos últimos 50 anos e as pessoas acumulam água porque precisam”,
explica Luciana, que arrisca dizer que 90% dos focos do mosquito estejam dentro de casa. “O
combate ao Aedes aegypti é responsabilidade dos governos federal, estadual e municipal. Mas
o surto de microcefalia tem um
apelo, sensibiliza a população.
Ou ela entende o que cabe a ela
ou não teremos sucesso.”
Atualmente, 750 homens do
Exército ajudam os agentes de
saúde no combate aos focos. O
governo, a partir de fevereiro, vai
distribuir telas para cobertura de
caixas d’água vulneráveis, comprou novas bombas costais e
equipamentos do tipo fumacê.
O estado está investindo R$ 25
milhões: R$ 5 milhões para os
municípios controlarem o vetor,
R$ 5 milhões para campanhas
educativas e R$ 15 milhões para
as unidades de saúde. O próximo passo é definir a rede de reabilitação, que precisa ser organizada para mais atendimentos.
DESAFIOS À VISTA Diagnosticar
uma microcefalia não é difícil,
mas identificar o zika ainda é
complicado. Segundo a infectologista Ângela Rocha, por enquanto, não há testes rápidos e
disseminados para zika. Até
agora, a opção é o PCR, um exame caro e que só consegue detectar o vírus no organismo na
fase aguda da doença. “As mães
das crianças afetadas tiveram os
sintomas meses atrás. Na mãe,
o zika provoca algo como uma
dengue leve. Mas, no feto, principalmente se estiver na fase
embrionária, no início da formação neurológica, o vírus pode ser devastador”, lamenta.
O vírus zika tem dois subtipos, o africano e o asiático, o
nosso vírus. É o mesmo que
ocorreu na Polinésia Francesa,
onde, após o anúncio do surto
brasileiro, foi feito um estudo
retrospectivo que relacionou
17 casos de microcefalia à epidemia de zika de 2013 e 2014.
Mas por que só o vírus asiático
teria provocado microcefalia?
Segundo Ângela, na África, o zika é endêmico. Isso quer dizer
que as pessoas estão imunizadas por terem contato com ele
precocemente. Além disso, o
subtipo asiático tem uma predileção pelo sistema nervoso
central. “Teoricamente, com o
tempo, nossa população também ficará protegida. Assim, a
longo prazo, talvez seja difícil
outro surto nessas dimensões”,
conjectura. (CC)
PROGNÓSTICO
A microcefalia é um sinal de
que algo não vai bem com o
cérebro e a evolução do
quadro está atrelada à causa
do problema. Segundo
Vanessa van der Linden, as
microcefalias primárias, de
causa genética, provocam
cabeças menores e mais
comprometimentos cognitivos
do que motores. Já a
microcefalia secundária,
causada por uma infecção,
caso desse surto, ocorre
quando um vírus, por
exemplo, lesiona o cérebro e
impede seu desenvolvimento
normal. Na microcefalia pósnatal, o bebê nasce sem
alterações, mas uma
meningite grave ou um
traumatismo craniano pode
desencadear uma atrofia no
cérebro, que deixa de crescer
na proporção adequada.
LEIA AMANHÃ: PESQUISAS EM ALTA: ESTUDOS BUSCAM EXPLICAÇÕES PARA A EXPLOSÃO DE CASOS DE MICROCEFALIA E ACOMPANHAM COMO ESSA GERAÇÃO VAI SE DESENVOLVER
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TUR ISMO
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H O R
I Z O N T E ,
MG: R$ 2,50 ●
T E R Ç A - F E I
NÚMERO 27.002 ●
R A
2ª EDIÇÃO ●
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1 9
D E
36 PÁGINAS ●
J A N
E I
Governo e Vale
negociam acordo
de indenização
O Palácio do Planalto e os governos
de Minas e do Espírito Santo se
reuniram em Brasília para começar
a discutir com a mineradora Vale,
controladora da Samarco, um
acordo de recuperação da Bacia do
Rio Doce. Uma ação civil pública
cobra a criação de um fundo de
R$ 20 bilhões para reparar danos.
A previsão é concluir a negociação
até fevereiro. PÁGINA 15
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CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS
EM
★
Em ritmo lento
Se o dinheiro está curto para as férias, confira nosso roteiro com
atrações a menos de 200 quilômetros de distância da capital,
como o Santuário do Caraça, em Catas Altas (120km), e a Gruta
de Maquiné, em Cordisburgo (121km). CAPA E PÁGINAS 4 A 6
TRAGÉDIA BRASILEIRA
D E
FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 23H
ÁLVARO DUARTE/EM/D.A PRESS
Roteiros para um
bate e volta de BH
R O
A dança ocupa menos de 7%
da agenda de espetáculos da
Campanha de Popularização do
Teatro de BH. Evento tem boas
atrações a preço baixo. CAPA
A CHUVA É BEM-VINDA
Rios se enchem e reservatórios que abastecem a Grande BH recuperam volume
JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS
Reconhecimento
Cobertura da tragédia em Mariana
feita pelo Estado de Minas vence a
4ª edição do prêmio de jornalismo
Promotor de Justiça Chico Lins,
oferecido pela Associação Mineira
do Ministério Público.
PÁGINA 15
SISU TEM MAIS
DE 228 MIL
APROVADOS
Candidatos selecionados no
Sistema de Seleção Unificada
terão os dias 22, 25 e 26 deste
mês para fazer a matrícula na
UFMG. Desta vez, universidade
fará chamada única para suas
6.279 vagas. PÁGINA 16
Moradores de Brumadinho observam a cheia do Rio Paraopeba, afluente do São Francisco e um dos principais responsáveis pelo abastecimento da Grande BH
O DESCASO, NÃO
Durante a longa estiagem, poder público deixou de lado a prevenção às tragédias
EDESIO FERREIRA/E.M/D.A/PRESS
MICROCEFALIA: O MAL
QUE ASSOMBRA O BRASIL
A ciência
em busca de
respostas
A relação do zika vírus com a
microcefalia – como ele
atravessa a placenta e infecta
o feto e as lesões oculares que
pode causar – é alvo de
pesquisas sobre a doença,
como mostra a terceira
reportagem da série do EM.
PÁGINA 5
No Bairro Castanheiras, em Sabará, onde há cerca de 300 desabrigados e desalojados, várias famílias tiveram de deixar suas casas, ameaçadas por deslizamento
LIDERANÇA DO PMDB
BANCADA DE MG LIBERA VOTO
E FAVORECE NOME PRÓ-DILMA
PÁGINA 3
VOLTA ÀS AULAS EM BH
ITENS BÁSICOS DE MATERIAL
ESCOLAR SOBEM MAIS DE 60%
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Desde 2012, quando ocorreram as últimas grandes chuvas em janeiro, com seis mortes, pouco foi feito para evitar enchentes e
deslizamentos em Minas. Foram criadas apenas 18 coordenadorias municipais de Defesa Civil e 138 municípios continuam
sem tê-las. Dos R$ 940 milhões em recursos federais para prevenção dos desastres, nem um centavo veio para o estado nos
últimos três anos. Em BH, desde 2009, foram feitas 17 obras de grande porte, mas outras nove ainda estão em andamento e 15
sequer começaram, inclusive a que acabaria com as inundações na Avenida Cristiano Machado. O resultado é que capital e
interior sofrem com cheias e quedas de barranco. Sabará decretou estado de emergência, enquanto São Lourenço, Itanhandu,
Lambari e outras cidades do Sul de Minas estão alagadas. O dado positivo, além da recuperação dos rios, é que o volume dos
reservatórios do Sistema Paraopeba, que abastece a Grande BH, pulou em seis dias de 23,9% para 30%, maior alta em dois anos.
● Pilotos alertam que falta de equipamento aumenta cancelamentos e atrasos de voos em Confins. PÁGINAS 13 E 14
ISSN 1809-9874
99 771809 987038
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221,6mm
VOLUME DE CHUVA EM
DUAS SEMANAS EM BH
FOI EQUIVALENTE A
74% DO ESPERADO
PARA TODO O MÊS
E STA D O D E M I N A S
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MICROCEFALIA: O MAL QUE ASSOMBRA O BRASIL
R E P O R T A G E M
E S P E C I A L
FIOCRUZ-PE INICIA PRIMEIRO ESTUDO COMPARATIVO, COM 600 CRIANÇAS. ARTIGO PERNAMBUCANO
PUBLICADO NA REVISTA THE LANCET ASSOCIA A ANOMALIA CAUSADA POR ZIKA A LESÕES OCULARES
NAS MÃOS DA CIÊNCIA
FOTOS: JOÃO CARLOS LACERDA/DIVULGAÇÃO FAV
CAROLINA COTTA
Enviada especial
Recife – Não faltam perguntas sobre o zika vírus e, agora,
sobre sua possível, e bem provável, relação com o surto de microcefalia que assusta Pernambuco e começa a se espalhar pelo Brasil. Conhecido há menos
de 70 anos, há pouquíssimos
trabalhos na literatura científica sobre o vírus. Sobre sua relação com a microcefalia, então,
há apenas relatos de casos. Mas
o número de pesquisas está
crescendo proporcionalmente
ao de casos notificados. De repente, todo mundo está estudando o zika, e não poderia ser
diferente, tamanho o impacto
que ele causou no país.
Chefe do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo
Cruz (IOC/Fiocruz) e primeira a
diagnosticar a presença do vírus zika no líquido amniótico
de duas grávidas da Paraíba,
Ana Maria Bispo admite que há
um longo caminho para que
pesquisadores alcancem conhecimento suficiente sobre
os efeitos do vírus. É preciso explicar, por exemplo, que fatores estariam favorecendo sua
invasão; por que, e como, ele
atravessa a placenta e infecta o
feto; quais são suas células-alvo no feto e se todas as gestantes em contato com ele têm bebês com microcefalia.
A relação de doenças infecciosas e de fatores genéticos e
ambientais com a microcefalia
começou a ser investigada, semana passada, pelo Grupo de
Pesquisa da Epidemia de Microcefalia. Estão envolvidos professores, médicos e pesquisadores da Universidade Federal de
Pernambuco, Universidade Estadual de Pernambuco, Hospital Universitário Oswaldo Cruz,
e do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, além do Centro de Controle
e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) e da Escola
de Higiene e Medicina Tropical
de Londres.
PRIORIDADES Sob coordenação
do Centro de Pesquisa Aggeu
Magalhães/Fundação Oswaldo
Cruz em Pernambuco (FiocruzPE), o objetivo é identificar que
outros fatores, além do zika, estariam relacionados com o aumento de casos da anomalia.
Pela metodologia de caso-controle, será comparado um grupo de 200 crianças com microcefalia, nascidas vivas ou não,
com um grupo de 400 crianças
sem a malformação. Segundo o
doutor em epidemiologia Ricardo Ximenes, professor das universidades federal e estadual,
essa é uma das quatro linhas
prioritárias da pesquisa.
“Comparando os bebês diagnosticados com aqueles sem a
malformação, poderemos verificar os fatores associados ao desenvolvimento da microcefalia.
Há evidências fortes de que o zika vírus esteja implicado como
fator causal, mas não existem
estudos que explorem outros
fatores que também poderiam
provocar essa condição. É o que
vamos fazer agora. A amostra
pesquisada será testada em relação a diferentes possíveis
agentes causais. Pode ser que o
estudo fortaleça o zika como
responsável, mas depois de
afastar outras causas”, explica.
Segundo Ricardo, o que enfraquece a hipótese de outras
infecções é o surgimento de casos em um espaço muito curto
de tempo, a dispersão geográfica desses registros e a forte
concentração em algumas
áreas. “Vários municípios per-
nambucanos têm casos de microcefalia. Isso não é compatível ao mecanismo de transmissão de doenças infecciosas clássicas. Esse surto sugere uma
doença transmitida por mosquito. Mas seria o zika sozinho?
Ou o zika em uma mãe que foi
previamente contaminada pelo vírus da dengue? Tudo precisa ser checado.”
METODOLOGIA Para reunir 600
bebês, o estudo envolveu oito
maternidades, aquelas com os
maiores registros de casos no
estado. Com o consentimento
dos pais, será coletado sangue
do cordão umbilical de todas as
crianças envolvidas. Os bebês
com perímetro cefálico igual ou
menor que 32 centímetros, considerados sob suspeita, de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde, serão submetidos
também a tomografia. Os demais farão uma ultrassonografia na transfontanela (moleira)
para saber se há malformações
no sistema nervoso central.
Já as mães dos dois grupos
terão sangue coletado para saber quais anticorpos de doenças
elas têm e responderão a um
questionário que resgata, por
exemplo, as infecções que já tiveram, quais medicações e vacinas tomaram durante a gestação, se há doença genética e outros casos de microcefalia na família. Todas as amostras de sangue coletadas na pesquisa de caso-controle serão testadas para
zika, dengue, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes.
Um segundo estudo vai
acompanhar gestantes com
exantema para ver o desfecho
da gravidez. Esse poderá responder, por exemplo, caso o zika seja mesmo o responsável,
se qualquer gestante infectada,
necessariamente, gera um bebê
com microcefalia. A rubéola,
por exemplo, só provoca microcefalia em 27% das mães infectadas. Já o terceiro estudo
acompanhá as crianças com
microcefalia nos seus dois primeiros anos de vida para ver
seu desenvolvimento clínico e
psicomotor em comparação
com o de crianças saudáveis. O
quarto é um estudo ecológico,
que vai observar a distribuição
dos casos de microcefalia no
tempo e no espaço.
Segundo Celina Turchi Marteli, coordenadora do grupo, a
coleta dos dados deve durar de
seis a oito meses e uma primeira análise deve ser apresentada
nos primeiros dois ou três meses do estudo, ou seja, ainda no
primeiro semestre. “Esse projeto trará informações muito ricas do ponto de vista científico
em relação ao uso de drogas e
álcool no período da gestação,
fatores genéticos, exposição a
pesticidas, inseticidas e qualquer outro elemento que, se
não estiver contribuindo para a
microcefalia, poderá ser excluído como fator de interferência.”
OUTROS PROJETOS Além do clí-
nico-epidemiológico, que engloba esses quatro projetos, há outros dois grupos de pesquisas na
Fiocruz-PE sobre o tema. Um deles, de virologia, visa compreender o zika vírus em detalhes. Desde o surgimento dos primeiros
casos de microcefalia, pesquisadores testam amostras biológicas de diferentes grupos populacionais em relação aos vírus da
dengue, chikungunya e zika. Outro grupo se dedica ao vetor, para entender a competência do
Aedes aegypti na transmissão
também desse vírus.
Fundação Altino Ventura pesquisa os impactos da microcefalia na estrutura do olho e já começou a reabilitação dos casos diagnosticados
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Oftalmologista Camila Ventura analisa bebê com alterações na visão
SÉRIE DE REPORTAGENS
Durante três dias, a repórter Carolina Cotta, enviada especial do
Estado de Minas a Recife, acompanhou a angústia de mães e
profissionais de saúde diante do surto de microcefalia em
Pernambuco. Na série de reportagens publicadas desde
domingo, foram relatados a busca por exames e explicações
em hospitais-referência, o drama das famílias e os bastidores
do diagnóstico de uma condição neurológica que cresceu mais
de 10.000% em um ano. Até semana passada, já são 1.236
casos suspeitos só em Pernambuco. Em todo o país, os casos
notificados somam 3.530.
IMPACTO
NA VISÃO
Médicos pernambucanos envolvidos no diagnóstico e na
reabilitação dos bebês também
estão fazendo análises de caso e
passarão a acompanhar grupos
de pacientes para avaliar os
comprometimentos e a evolução clínica da anomalia congênita. “São muitas perguntas sem
resposta. Por que Pernambuco?
O que estaria facilitando um
surto maior em alguns estados
do Nordeste? Comorbidades influenciam?”, questiona a neuropediatra Vanessa van der Linden, a primeira a perceber o aumento de casos e uma das envolvidas na pesquisa.
A organização dessa rede de
especialistas – com 24 médicos
– já deu frutos. Um artigo pernambucano sobre os impactos
do zika na visão foi destaque na
britânica The Lancet, uma das
mais conceituadas publicações
científicas do mundo. Pesquisadores da FAV e da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp)
relatam três casos de bebês nascidos com microcefalia durante o surto em Pernambuco e
que já apresentam alterações
oftalmológicas severas.
Exames identificaram alterações em 40% dos bebês. Segundo a oftalmologista Camila Ventura, chefe do Departamento de
Mácula da FAV, o olho é uma
extensão do cérebro e, por isso
mesmo, as crianças com alterações na estrutura ocular podem
desenvolver problemas de visão. “Precisamos acompanhar
também os bebês que não tiveram comprometimentos estruturais para ver o que pode surgir com o tempo”, explica Camila, segundo a qual também na
visão o impacto da infecção
congênita é maior quanto mais
cedo o feto for atingido.
A retina, uma das estruturas
comprometidas, é a camada
mais interna do olho, responsável por captar as imagens. “Os
exames revelam pigmentos e
ou cicatriz nessa área, sinal de
que a retina sofreu uma agressão. O nervo ótico, estrutura
que leva a informação do olho
para o cérebro, também foi afetado em alguns casos de microcefalia atribuídos ao zika vírus”,
alerta. As mães estão sendo avaliadas, mas até aqui não tiveram
nenhuma alteração.
“Mas o próprio vírus circulante destrói o tecido da retina? Ou
alguma toxina liberada por ele é
o agente que lesiona a estrutura
ocular? A microcefalia, em si,
causa tal comprometimento?.”
Essas respostas dependem da
análise minuciosa do globo ocular afetado. “Estamos aprendendo tudo com essas crianças. A
ciência vai evoluir com elas. Não
temos noção da dimensão do
surto, nem o quanto vão enxergar. Quantificar isso só será possível com um acompanhamento de perto e por um longo período de tempo. Estamos de
mãos atadas em muitos aspectos”, desabafa Camila.
INÉDITO Foi no acompanha-
mento de prematuros em três
maternidades do Recife que os
oftalmologistas da FAV começaram a avaliar também os bebês
com microcefalia e perceberam
lesões no fundo do olho muito
diferentes do habitual. Em parceria com a Unifesp, a FAV começou a investigar que porcentagem dos pacientes tinha o
comprometimento oftalmológico. Para identificar o máximo
de crianças afetadas, promoveu
três mutirões, um deles na semana passada. O objetivo é o entendimento de como o vírus está comprometendo a visão.
“É um achado muito relevante para a medicina e a saúde pública. Eu me sinto privilegiada
por fazer parte disso e na obrigação de continuar, de tratar essas
crianças de forma adequada e
de dar conforto a essas mães”,
afirma Camila. Como pondera o
infectologista Demétrius Montenegro, do Huoc, neste momento, todas as atenções estão
voltadas para essas crianças,
mas como será essa assistência
no futuro? “É toda uma geração
comprometida, uma demanda
que os serviços de saúde nunca
enfrentaram”, prevê.
ESTIMULAÇÃO É preciso correr
para que esses bebês sejam
abordados precocemente. Segundo Camila, o período mais
importante do desenvolvimento visual é até os seis meses de
vida. “Se descobrimos antes disso, temos como tratar com estimulação visual precoce. Depois
do primeiro semestre de vida,
eles ainda melhoram a visão,
porém menos”, explica. As primeiras 55 crianças avaliada já
começaram a reabilitação.

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saúde notícias 17 de novembro 2015

saúde notícias 17 de novembro 2015 normal. "O diagnóstico é dado a bebês que nascem a termo (gestação completa), com perímetro cefálico igual ou menor do que 33. E aos prematuros com dois desvios padrão abaixo do esperado", explica ...

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