HISTÓRIA CULTURAL E PRÁTICAS DE CURA Ana Paula Mariano

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HISTÓRIA CULTURAL E PRÁTICAS DE CURA Ana Paula Mariano
HISTÓRIA CULTURAL E PRÁTICAS DE CURA
Ana Paula Mariano Dos Santos (LERC – UEM)
Dra. Vanda Fortuna Serafim (Orientadora-UEM)
Resumo: A comunicação objetiva apresentar nosso projeto de Iniciação Científica,
intitulado “Crenças e práticas de cura no Vale do Ivaí: a medicina natural em Jardim
Alegre- PR (Século XXI)”, o qual visa pensar as crenças e as práticas de cura no
munício de Jardim Alegre – PR, no século XXI. O trabalho é feito por meio de
observações de campo e aplicação de questionários. Os aportes teóricos e
metodológicos utilizados consistem na História Cultural e na História das Religiões
e das Religiosidades. A problemática da pesquisa consiste em compreender como
as práticas de cura, associadas a formas de crenças contemporâneas, estão
estabelecidas no Vale do Ivaí. Nesse sentido, até o presente momento constatou-se
a presença de crenças associadas às práticas de cura, em especial a Medicina
Natural. Conjecturou-se, também, hipóteses acerca de como contribuem para a
formação do universo simbólico cultural do município. Para compreender tais
questões buscamos estudar os aspectos simbólicos dos mitos de cura a fim de
localizar historicamente as práticas realizadas; compreender as formas de
organização das práticas que cura no município de Jardim Alegre; analisar as
relações da medicina natural com a Igreja Católica em Jardim Alegre; e levantar as
motivações levam as pessoas a buscar por estas práticas alternativas de cura na
atualidade.
Palavras-chave: Crenças; práticas de cura; Vale do Ivaí.
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A Medicina Natural em Jardim Alegre: apresentando o objeto.
O presente artigo está vinculado ao projeto de pesquisa científica, intitulado
“Crenças e práticas de cura no Vale do Ivaí: a medicina natural em Jardim AlegrePR (Século XXI)”, que tem por objeto a medicina natural no município de Jardim
Alegre-PR. O trabalho é feito por meio de observações de campo e aplicação de
questionários. Os aportes teóricos e metodológicos utilizados consistem na História
Cultural e na História das Religiões e das Religiosidades. A problemática da
pesquisa consiste em compreender como as práticas de cura, associadas a formas
de crenças contemporâneas, estão estabelecidas no Vale do Ivaí. Nesse sentido,
até o presente momento constatou-se a presença de crenças associadas às
práticas de cura, em especial a Medicina Natural. Conjecturou-se, também,
hipóteses acerca de como contribuem para a formação do universo simbólico
cultural do município. Para compreender tais questões buscamos estudar os
aspectos simbólicos dos mitos de cura a fim de localizar historicamente as práticas
realizadas; compreender as formas de organização das práticas que cura no
município de Jardim Alegre; analisar as relações da medicina natural com a Igreja
Católica em Jardim Alegre; e levantar as motivações levam as pessoas a buscar
por estas práticas alternativas de cura na atualidade.
O município de Jardim Alegre surge como um desmembramento de Ivaiporã,
sendo instalado a 14/12/1964 e criado em 19/12/1964. Pertencente a Comarca
administrativa de Ivaiporã, sua área territorial está em torno de 410 Km 2. Em 2012,
sua população estimada era de 12.121 habitantes, sendo que as principais
atividades econômicas desenvolvidas no munícipio, segundo o censo de 2012,
referem-se à agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura. Em
2010, a renda média domiciliar per capita estava em torno de 502,50 reais; já IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) era de 0,689, sendo considerado médio e a
esperança de vida ao nascer era de 74,63 anos1. A importância desta pesquisa
1
Informações disponíveis no Caderno Estatístico do Munícipio de Jardim Alegre, organizado pelo
IPARDES. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/cadernos/Montapdf.php?Municipio=86860.
Acesso: 21/08/2013.
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reside, também, na contribuição ao estudo da história regional, uma vez que não há
historiografia sobre este município.
Apresentada a problemática e o objeto de estudo, para finalidade deste
artigo, gostaríamos de central na discussão teórica que norteia pesquisa. Optamos
por trabalhar historiograficamente com o aporte teórico a Nova História, mais
especificamente a História Cultural, a qual permite articular a questão das crenças
como um objeto e uma problemática histórica, por meio de novas fontes como a
oralidade e de novos objetos como as crenças religiosas, justamente por se
constituir enquanto uma nova abordagem. Buscaremos, para a finalidade deste
artigo, elaborar uma discussão bibliográfica sobre a História Cultural, a partir dos
seguintes autores e obras: A história cultural entre práticas e representações de
Roger Chartier (1988), História e Memória de Jacques LeGoff, (2003), Apologia da
história ou o ofício do historiador de Marc Bloch (2001), Hibridismo Cultural de
Peter Burke (2003), Costumes em comum de Edward Thompson (1998) e
A
interpretação das culturas de Clifford Geertz (2008).
A História Cultural enquanto aporte teórico.
Roger Chartier (1988) ao refletir sobre a História na década de 60, destaca
que nesse período ela tem de lidar com um novo desafio, lançado pelas novas
abordagens que surgiram na época, como a Antropologia e a Linguística e que
puseram em pauta os objetos tradicionais da história, que desviaram a atenção das
hierarquias para as relações, das posições para as representações, que passaram a
ter novas exigências teóricas. Frente ao desafio os historiadores emergiram novos
objetos de pesquisa:
...as atitudes perante a vida e morte, as crenças e os comportamentos
religiosos, os sistemas de parentescos e as relações familiares, os rituais,
as formas de sociabilidade, as mobilidades de funcionamento escolar etc.
(CHARTIER, p. 14).
Foi a partir da interdisciplinaridade que os historiadores buscaram apoio de
outras disciplinas para solucionarem os novos problemas trazidos pelas novas
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problemáticas postas à História. Apesar de assumir um caráter mais forte na década
de 1960 e 1970 com a Nova História, a proposta interdisciplinar já estava presente
na primeira geração dos Annales.
Ora, a obra de uma sociedade que remodela, segundo suas necessidades,
o solo em que vive é, todos intuem isso, um fato eminentemente „histórico‟.
Assim como as vicissitudes de um poderoso núcleo de trocas. Através de
um exemplo bem característico da topografia do saber, eis portanto, de um
lado, um ponto de sobreposição onde a aliança de duas disciplinas revelase indispensável a qualquer tentativa de explicação; de outro, um ponto de
passagem onde, depois de constatar um fenômeno e pôr seus efeitos na
balança, este é, de certa maneira, definitivamente cedido por uma
disciplina à outra. O que se produziu que parecera apelar imperiosamente
à intervenção da história? Foi que o humano apareceu. Há muito tempo,
com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges,
nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o
homem. (...) Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde
fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça. (BLOCH, 2001, p. 5354, grifo nosso.)
É neste novo campo de desafios que a história enfrentou que estabelecemos
o nosso objeto de pesquisa, a crença nas práticas de cura. Esta visão é
compartilhada pela maior parte dos habitantes de Jardim Alegre cidade onde vive,
fazendo parte do universo cultural e simbólico de Jardim Alegre. Em torno dele se
estabelecem diversas “representações”, associadas as crenças que as pessoas têm
figuras locais as quais é associado o poder realizar curas. Isso é importante, pois
permite conceber que o objetivo da História Cultural pode ser identificado em lugares
e momentos diferentes, auxiliando a compreensão de como uma realidade social é
construída e dada a ler (CHARTIER, 1988).
O conceito de “representação”, desenvolvido no campo das ciências sociais
para articular as posições de diferentes grupos sociais que apresentam
representações diferentes da realidade. A busca pela cura de doenças e
enfermidades, seja nos meios médicos ou religiosos, perpassa a história humana em
diferentes aspectos, desde o Xamã arcaico até o especialista médico. Nesse
sentido, observar a presença da Medicina Natural em Jardim Alegre, permite
evidenciar a historicidade desta prática. As representações sobre a figura dele são
ações coletivas, as quais segundo Chartier (1988) comandam os atos.
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No primeiro sentido, a representação é instrumento de conhecimento
mediato que faz ver um objeto ausente através de sua substituição por uma
“imagem” capaz de reconstruir em memória e de o figurar tal como ele é.
(CHARTIER, 1988, p. 20).
O objeto de estudo da história sempre foi o homem, ou como nos é colocado
por Bloch, as ações dos homens no tempo, o que nos indica diversidade, mudanças,
rupturas nas maneiras de pensar, agir e viver; e é justamente isto que organiza e
evidencia um processo histórico. (BLOCH, 2001).
Segundo Bloch (2001), os fatos
humanos são delicados e o mundo físico e o espírito humano entram em contraste.
A história cultural, neste sentido, procura pensar justamente o que Bloch (2001)
chamou de ações coletivas. As ações que ocorrem entre as pessoas de Jardim
Alegre e demais pessoas que procuram benzedeiras e curandeiros estariam,
portanto, ligadas a história dos homens, pois a ideia de que ele pode realizar curas é
compartilhada por muitos que o procuram.
Desta forma, pode-se pensar a história cultural do social que tome por
objeto a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras,
das representações do mundo social – que, à revelia dos actores sociais,
traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que,
paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou
como gostariam que fosse. (CHARTIER, 1988, p.19).
Considerando que o nosso objeto não pode ser pensado a revelia das
religiões e das religiosidades, é relevante a observação de Bloch (2001) acerca de a
história religiosa tinha por objetivo estudar as origens, o valor religião cristã, a fé é
entendida como pregação dos profetas, que pregavam a fé em Deus. O cristianismo
baseia-se nos acontecimentos, e a legitimidade era incontestável. (BLOCH, 2001). A
representação religiosa sobre “Seu Jésu”, por exemplo, um médico natural que atua
em Jardim Alegre, está presente em todas as pessoas que o procuram esperando
alcançar a cura através de um milagre, que acreditam que ele pode realizar.
Percebemos nesse quadro apresentado, a possibilidade de dialogarmos com
as discussões de Edward Thompson (1998) em sua obra Costumes em comum, na
qual o autor optar pela categoria de “costumes”, por entender que a cultura não
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única ou homogênea, mas apresenta rachaduras, com pontos de divergência entre
grupos de uma sociedade.
A crença nas práticas de cura em Jardim Alegre, por meio da figura de “Seu
Jésu” não tem legitimidade institucional, por parte da Instituição Católica, é ao
contrário, questionada e existem pregadores do grupo carismático que possuem
obras publicadas com uma posição contra as práticas dele. Nesse sentido
observamos o discurso instituído se posicionando contra o que foge a sua
normatização. Uma das formas encontradas para deslegitimar o saber popular é
associá-los aos termos “crendices”, “superstição” e “”curandeirismo”. Nesse sentido,
se por um lado o costume seria algo que todos compartilham, a cultura é um espaço
onde se tem conflitos de costumes de grupos diferentes, e também onde ocorre uma
troca de costumes entre esses grupos (THOMPSON, 1998).
Paralelo a discussão apresentada, é fundamental a discussão de Jacques
LeGoff (2003) sobre os materiais da memória coletiva que formam a história.
Considerando a proposta do autor em analisar os documentos como monumentos,
cabe destacar que o documento é tudo aquilo produzido pelo homem. O homem
deixa sua marca na história através dos documentos, cabe ao historiador a crítica do
documento enquanto monumento, ou seja, e assim como indicou Bloch (2001),
perceber a continuidade, as rupturas e transformações nas interpretações sobre um
certo objeto, fato ou prática. É a percepção deste movimento que assegura a
historicidade.
O novo documento, alargado para além dos textos tradicionais,
transformando – sempre que a história quantitativa é possível e pertinente –
em dado, deve ser tratado como um documento/monumento. De onde a
urgência de elaborar uma nova erudição capaz de transferir
documento/monumento do campo da memória para a ciência histórica.
(LeGoff, 2003, p.10).
A figura de “Seu Jésu” e as representações estabelecidas em torno dele se
constituem enquanto este novo objeto. Pensar as formas como as pessoas comuns
criam sua própria interpretação da realidade para além dos discursos institucionais,
da religião e da medicina, diz respeito a nova abordagem, proposta esta
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insustentável sem a proposta interdisciplinar e o uso de novas fontes, como a
oralidade e o diálogo com a Antropologia e a Etnografia.
Podemos entender que a cultura de um povo está muito relacionada com as
questões da época e período em que estão vivendo, porém já mais se desvinculam
do passado em que já existiam. Peter Burke (2003), em concordância com Bloch
(2001) e LeGoff (2003) indica a existência de uma continuidade cultural na História.
O encontro entre culturas é algo inevitável e, segundo Burke (2003), esse fato é o
que caracteriza o “hibridismo cultural” (BURKE, 2003, p. 14) e os teóricos deste
fenômeno o tem pensado em diálogo com outras áreas, como por exemplo, a
geografia, a literatura, antropologia e também estudos sobre religião (BURKE, 2003).
É nesse sentido que se constitui como relevante a contribuição do
antropólogo Clifford Geertz, que evidencia a necessidade do uso da Antropologia
para
uma
melhor
compreensão
de
determinados
objetos
históricos.
Em
concordância a afirmação de Bloch (2001) de que o homem é o objeto da História,
Geertz (2008) informa, ainda, ser o homem quem gera a história. Segundo Geertz:
... o homem é um animal amarrado a teias que de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essa teias a sua análise;
portanto espiritual em busca de leis, como uma ciência interpretativa, à
procura do significado. (GEERTZ, 2008, p.4).
Essa leitura nos permite entender símbolos, signos e sinais que compõe o
universo cultural de determinados grupos sociais. Assim como Chartier (1988),
Burke (2003) afirma que as práticas de representações fazem parte da definição do
tema cultura, o qual se constitui de forma bastante ampla. Para Burke a interação
entre as culturas é vista como algo positivo, pois as inovações seriam um processo
de adaptabilidade que acabam encorajando a criatividade. (BURKE, 2003).
O
diálogo com outras áreas do conhecimento é fundamental a História Cultural e a
compreensão de seus objetos, uma vez que, com a hibridização das culturas os
elementos culturais trocados entre elas aparecem inseridos dentro culturas
diferentes, e podem se apresentar de uma forma diferente e podendo ser
representado de maneiras diferentes.
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Referências bibliográficas
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001.
BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo: Unisinos. 2003.
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. DIFEL. 2ª
Edição. 1988.
GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão...[et al.]. 5ª ed. Campinas,
SP: Unicamp, 2003.
Pesquisa de Campo na Casa do “Seu Jésu” (Ana Paula Mariano Dos Santos e Cezar
Felipe Cardozo Farias). Jardim Alegre. 24/08/2013.
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