- ANNA NERY - Revista de Enfermagem

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relação de
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ajuda na
na assistência
assistência de
de enfermagem
enfermagem
Moreira MC et al
RELAÇÃO DE AJUDA: REFLEXÕES SOBRE SUA APLICABILIDADE
NO PROCESSO ASSISTENCIAL EM ENFERMAGEM
Assistance relationship: reflections about its aplicability
in the nursing assistencial process
Relación de ayuda: reflexiones para la aplicación en la organización
del proceso asistencial en enfermería
Marléa Chagas Moreira
Vilma de Carvalho
Resumo
O estudo trata da aplicabilidade da concepção de Ajuda na prática da Enfermagem. Parte da premissa de que a atuação
da enfermeira, extensiva à equipe de enfermagem junto aos clientes, requer um saber-fazer que contemple as dimensões
técnicas e subjetivas que permeiam as relações cotidianas no contexto do cuidar. A partir de abordagem de caráter
reflexivo-discursivo, as autoras analisam como a concepção de ajuda tem norteado o processo assistencial em enfermagem
com base em parte na produção científica nacional e estrangeira de enfermagem e argumentam a favor da Relação de
Ajuda na Totalidade da Prática de Enfermagem.
P alavras-chave:
alavras-chave: Enfermagem. Comportamento de ajuda. Cuidado de enfermagem. Gerência
Abstract
Resumen
The study is about the aplicability of the Assistance
conception in the nursing practice. From the premiss
that the action of the nurse, extensive to the nursing’s
staff along the clients, require a to know-to do that
regards the technical and subjectives dimensions that
interposes the daily relationships in the context of the
care. From a reflexive-discursive approching, the
authors had analized how the assistance conception has
been led the nursing assistencial process based some
part in the national and international scientific production
and argueing on the benefit of the Assistance
Relationship in the Totality of the Practice of Nursing.
El estudio trata de la aplicación de la relación de Ayuda
en la práctica de la enfermería. Parte de la premisa de
que la actuación de la enfermera, extensivo al equipo de
enfermería junto a los clientes, requiere un saber-hacer
que contemple las dimensiones técnicas e subjetivas que
atraviesan las relaciones cotidianas en el contexto del
cuidar. A partir del abordaje de carácter reflexivodiscursivo, las autoras analizan como la concepción de
ayuda tiene conducido el proceso asistencial en
enfermería con basis en parte en la producción científica
nacional y extranjera y argumentan en favor de la Relación
de ayuda en la totalidad de la práctica de Enfermería.
Keywords:
Keywords Nursing. Helping behavior. Nursing cares.
Management.
Palabras clave: Enfermería. Conducta de ayuda.
Cuidado de enfermería. Gerencia.
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INTRODUÇÃO
Na atualidade, a efetividade das ações profissionais
compõe uma das dimensões básicas da análise do desempenho da equipe de saúde, no âmbito da avaliação
da qualidade do processo assistencial. No contexto de
profundas transformações organizacionais, o Programa
de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Organização
Panamericana de Saúde/Organização Mundial de Saúde
(OPAS/OMS) tem desenvolvido projetos, nas instituições
de saúde, visando um processo permanente de desenvolvimento de recursos humanos, direcionado para assegurar a eqüidade e a qualidade das ações de saúde. Tais
projetos focalizam como primordial a mudança de atitudes dos profissionais para promover os valores compartilhados, estabelecendo novas formas de relação com os
clientes, e nas equipes multiprofissionais1.
No que se refere às implicações dessas novas perspectivas organizacionais, entendemos que, para garantir
uma maior qualidade do processo assistencial na enfermagem, é fundamental que a enfermeira, como gerente
do cuidado, posicione-se como líder, nos diversos cenários de atuação, nos quais suas ações devem refletir a interrelação entre as funções assistencial e administrativa.
Atuando diretamente junto aos clientes, ela terá melhores
subsídios para planejar a assistência, a partir das necessidades da clientela, prover os recursos necessários ao
cuidado, orientar e liderar a equipe em relação ao melhor
desempenho e avaliar os resultados da assistência prestada em prol do alcance do bem-estar dos clientes2.
Assim, a problemática nos remete à proposição de que
a assistência de enfermagem, como resposta diretamente voltada para as necessidades dos clientes, configurase como relação de ajuda [...] e se conforma aos termos
do compromisso social 3: 65.
Adotar como ponto de partida tal concepção envolve
assumir uma perspectiva humanista, estética e ético política para a assistência de enfermagem. De um lado,
essa perspectiva contempla o cliente que tem suas necessidades e direitos e, de outro, contempla a Enfermagem no que tange aos deveres da competência profissional e mesmo ao compromisso social das enfermeiras, em
prol do alcance de uma prática de qualidade.
Portanto, a partir de nossas vivências desenvolvendo
atividades assistenciais, gerenciais e de ensino de enfermagem, consideramos que a enfermeira, quando planeja
ou oferta cuidados de enfermagem com a intenção de
ajudar as pessoas no momento em que elas manifestam o
desejo de ajuda, está desenvolvendo ações potencialmente
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restauradoras ao atender a suas necessidades e
contribuindo para que os clientes, incluindo os familiares,
alcancem o seu bem-estar.
E nessa intenção, o cuidado transcende o próprio
ato e passa a ser uma atitude que abrange mais que
um momento de atenção, de zelo e de desvelo. É uma
ocupação, preocupação, responsabilização e
envolvimento afetivo com o outro, que objetiva zelar
para que o diálogo “Eu-Tu” seja uma ação libertadora,
sinergética e construtora de alianças4.
Para iniciar uma reflexão sobre a temática, este estudo
tem o propósito de discorrer sobre a aplicabilidade da
concepção de Ajuda no processo assistencial na Enfermagem. Como eixo norteador utilizamos a busca bibliográfica na base de dados BDENF, por meio da BIREME. A
fonte pesquisada foi o conjunto de artigos publicados em
periódicos brasileiros e dissertações / teses de enfermeiras, entre os anos de 1998 a 2003, localizados a partir
dos descritores “ajuda”, “cuidado” e “enfermagem”.
A CONCEPÇÃO DE AJUDA
A ajuda, no sentido etimológico de ad + jutare, ad +
juvare 5:24, pressupõe o ato de auxiliar, colaborar, amparar, facilitar ou socorrer alguém diante de alguma necessidade. É um ato que se dá no âmbito de uma relação e
se fortalece no acompanhamento
A relação de ajuda tem suas bases constituídas no
pensamento de Martin Buber, a partir da filosofia do diálogo que se estabelece na relação “Eu-Tu”. Para o autor,
a relação é aquilo que, de essencial, acontece entre os
seres humanos e entre o Homem e Deus, a partir de um
encontro. E nesse encontro “Eu-Tu”, não devemos
tratar nosso semelhante simplesmente como meio - eu
peço sua ajuda, ou uma informação, mas também como
um fim, quando nesse encontro a totalidade do homem
está presente e onde existe total reciprocidade6.
Tal filosofia influenciou o pensamento de Carl Rogers
quando formulou a Teoria da Relação de Ajuda, no início
da década de 60, no século passado. A relação na concepção rogeriana é concebida como uma relação na qual
pelo menos uma das partes procura promover na outra o
crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor
funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida,
ao reconhecer seus recursos internos latentes 7:43.
Contudo, para pôr em prática tal atitude de ajuda, é
preciso estar disponível para ajudar o outro. Nesse sentido, as condições essenciais para o estabelecimento de uma
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relação de ajuda são: a congruência, a atitude positiva e a
compreensão empática. Ser congruente é se mostrar como
uma pessoa unificada e integrada na relação, ou seja, expressar os sentimentos e atitudes de forma autêntica, sem
ambigüidades. A atitude positiva junto ao ajudado é mantida
por expressões de afeto, interesse, aceitação e respeito
pelo outro. O que implica ver na pessoa suas
potencialidades para se desenvolver e encontrar os meios
para resolver seus problemas com autonomia.
Dessa forma, pode-se considerar que, para adotar a
atitude empática, é preciso ouvir com mais sensibilidade,
perceber mais os sentidos sutis que a outra pessoa exprime em palavras, gestos e posturas, e fazer ressoar
mais profunda e livremente em seu íntimo a significação
dessas expressões7 .
Admitimos, assim, em consonância com essa posição,
que a relação de ajuda propicia o crescimento e o desenvolvimento tanto daquele que ajuda quanto daquele que é ajudado. Para os que ajudam, ampliam-se as potencialidades
em direção à plena maturidade, na medida em que a disposição para ajudar exige a revisão dos próprios conceitos
como pessoa e um autoconhecimento para ser autêntico,
empático e solidário. Para os que recebem ajuda, esse tipo
de relação tem um sentido terapêutico ao possibilitar à pessoa reconhecer novos aspectos de si mesma, novas possibilidades de se relacionar com os outros, novas formas de
conduta diante de sua vivências.
RELAÇÃO DE AJUDA:
BASES PARA O SABER-FAZER NA ENFERMAGEM
A Enfermagem abrange uma filosofia de ajuda no
decurso da história da profissão. No surgimento da enfermagem moderna, as proposições nightingaleanas destacam a característica restauradora do cuidado de enfermagem, a partir de atitudes que auxiliem os clientes a
se manterem nas melhores condições possíveis, a fim de
que a natureza possa agir sobre eles8.
Quase um século depois, as enfermeiras norte-americanas iniciaram suas proposições teóricas para sistematizar a prática, como contribuição à ciência da enfermagem. E podemos perceber, nas teorias de enfermagem propostas até o presente, algumas similaridades e
diferenças relativas ao significado da ajuda, tal como ela
é entendida neste estudo.
Faye Glenn Abdellah foi a primeira das teoristas de época
mais recente a reconhecer na Enfermagem o propósito da
análise dos problemas e intervenções necessárias para
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ajudar os clientes a alcançar suas metas, como um dos elementos básicos da prática da enfermagem9.
Em outras propostas teóricas, a concepção de ajuda
apresenta um sentido de apoio ou auxílio. Assim, esse
sentido aparece nas descrições conceituais dos Princípios Básicos do Cuidado de Enfermagem, de Virgínia
Henderson; nas proposições da Teoria do Autocuidado,
de Dorothea Orem; no Modelo de Sistema Comportamental
para a Enfermagem, de Dorothy Johnson; na Teoria do
Alcance dos Objetivos, de Imogenes King; no Modelo de
Adaptação, de Sister Callista Roy; na Teoria Prescritiva, de
Ernestine Wiedenbach; na Teoria da Enfermagem
Humanística, de J. Paterson e L T. Zderad 10; e na Teoria
das Necessidades Humanas Básicas, de Wanda Horta 11.
Contudo, um destaque maior à ajuda, em que pese a
teorização do saber-fazer da prática baseada em modelos
interacionistas, é dado nas proposições encontradas no
Relacionamento Interpessoal em Enfermagem, na Dinâmica do Relacionamento Enfermeira - paciente, nos Fatores
do Cuidado Humano e na Teoria da Relação Interpessoal
originalmente apresentadas por Hildegard Peplau, Ida
Orlando, Jean Watson e Joyce Travelbee, respectivamente10.
No Brasil, a Relação de Ajuda e sua relevância para a
Enfermagem foi discutida como tema oficial do 32º Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn), realizado em
Brasília, em 1980. Contemplou-se, na ocasião, como parte do temário oficial do evento, proposições teorizantes
de Carvalho3 apresentadas no texto A Relação de Ajuda e
a Totalidade da Prática de Enfermagem.
Nesse texto, as argumentações expressam uma preocupação constante com a prática, seus exercentes e os clientes. Esses argumentos encontram aproximações filosóficas no interesse do conhecimento, da assistência e do ensino de enfermagem, influenciadas por filósofos humanistas
e existencialistas10. E essas argumentações ainda advogam em prol da arte e da ciência na enfermagem.
Para compreender o pensamento de Carvalho, é preciso conhecer sua concepção sobre conceitos como: Enfermagem, cliente, saúde, ambiente e totalidade da prática da enfermagem. Para ela, a Enfermagem é uma das
profissões de ajuda... dedicada ao bem-estar do ser humano [...] É a ciência e a arte de ajudar pessoas, grupos
e coletividades, quando não capacitados a autocuidar-se
para alcançar um nível ótimo de saúde3: 66.
No seu entendimento, os clientes são pessoas que
nascem, vivem e morrem; [...] são cidadãos [...] e têm
predomínio na relação de ajuda. São livres para aceitar a
ajuda que precisam e também para recusá-la, quando não
é necessária 3: 65 .
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E no intuito de preservar a liberdade dos clientes, ela
considera que a saúde:
É um direito do ser humano [...] deve ser entendida num panorama global, pois é influenciada por
condições que causam desajustes e desequilíbrios
no atendimento das necessidades básicas, e mudanças no “estilo de vida”. E o “direito à saúde
“implica o direito à assistência de enfermagem3:67.
No contexto dessa assistência, Carvalho destaca o
ambiente, mas divide-o em dois tipos: o ambiente do cliente, em que pessoas, grupo, família ou comunidade inserem-se em seu contexto histórico-social. E o ambiente
da Enfermagem que, como parte do sistema social, é influenciado por valores, crenças, papéis, status e autoridade. Ambos os ambientes também influenciam no processo interativo com os clientes, os exercentes da enfermagem e a equipe multiprofissional 3.
Congregando os quatro conceitos, Carvalho ainda apresenta como imperioso o entendimento do conceito da relação de ajuda no contexto da totalidade da prática da Enfermagem. Para ela, isso eqüivale a valorizar dois aspectos
na prática da enfermagem, respectivamente a saber:
As ações de todos os que participam do esforço
da enfermagem, e os espaços - institucionalizados
ou não - onde essas ações se realizam 3:70.
Assim, o compromisso com um comportamento de
ajuda pode conduzir o trabalho da equipe para ações
mais condizentes com as necessidades dos clientes, assim como a busca pela organização de um ambiente que
favoreça o desenvolvimento dessas ações. Essa perspectiva, a assistência de enfermagem:
(...) Dá vida ao conjunto [ações e os espaços
institucionalizados ou não], ao tempo em que congrega assistentes e assistidos [...] e só tem sentido quando funcionam integrados e segundo os
termos da relação de ajuda3:70.
A partir de sua compreensão acerca da totalidade da
prática da enfermagem, Carvalho propõe princípios para
embasar e garantir a prática da enfermagem como um
processo de ajuda. Eles se ajustam a uma certa ordem
lógica seqüencial, não só de idéias, mas de pragmática
mesma. Os seis princípios são os seguintes:
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1. A assistência de enfermagem é uma situação
estruturada e a posição profissional da enfermeira tem
garantia na sua presença constante, na esfera do cuidado ao cliente;
2. A assistência de enfermagem é uma relação de
ajuda, na qual as partes envolvidas manifestam-se
como pessoas totais;
3. A assistência de enfermagem requer o consentimento mútuo dos participantes;
4. A assistência de enfermagem desenvolve-se à medida que está centrada nas necessidades do cliente;
5. A assistência de enfermagem tem sentido nas atividades de colaboração aos programas de saúde e
nas atividades diretas, visando a promover e apoiar
os clientes no autocuidado;
6. A assistência de enfermagem pode significar uma
forma de comportamento individual ou coletivo, que
se orienta e se objetiva pela mudança.
Pensamos que esses princípios, quando devidamente
aplicados, relevam a atuação da enfermeira não só como
a pessoa que presta cuidados diretos, mas também a
pessoa que gerencia o cuidado de enfermagem. Nesse
sentido, as enfermeiras devem ser competentes para3 :
- Avaliar as condições dos clientes quanto a necessidades imediatas e de longo termo, uma competência
a ser operacionalizada a partir do diagnóstico de enfermagem, que abrange observação sistematizada,
inferência clínica e tomada de decisão;
- Prestar cuidados físicos, de apoio emocional, amparo espiritual e reeducação visando a mudanças no estilo de vida das pessoas;
- Avaliar o resultado da ajuda prestada.
A abrangência das proposições de Carvalho3 evidencia o valor e as possibilidades de aplicabilidade da relação de ajuda na Enfermagem. As reflexões apresentadas naquele CBEn, a nosso modo de ver, foram um ponto
de partida para que enfermeiras brasileiras iniciassem
discussões no âmbito da formação profissional, para contemplar a relação de ajuda como um atributo imprescin-
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dível ao perfil profissional da enfermeira, no interesse da
reorganização do processo assistencial de enfermagem.
A APLICABILIDADE DA CONCEPÇÃO
DE AJUDA NA ENFERMAGEM
Pensamos que as reflexões acerca da Relação de Ajuda
na Enfermagem, elaboradas em 1980, estimularam o desenvolvimento de pesquisas que têm retratado, nas últimas duas décadas, a sua aplicabilidade nos diversos cenários de atuação da enfermagem. Essa é uma temática que
parece estar nas preocupações de autores da Enfermagem, independente de sua origem. Tal afirmativa baseiase na verificação da recorrência da temática da cocepção
de ajuda tanto em autores brasileiros como em autores
estrangeiros, como pode ser confirmado a seguir.
Entre as publicações de enfermagem nos últimos cinco
anos que retrataram a temática, observamos que a preocupação dos autores foi a de utilizar uma base teóricofilosófica que garantisse a interação com a clientela no processo assistencial. Com enfoques diferenciados, essas produções utilizaram como referenciais as premissas da relação de ajuda contidas nas propostas de Peplau12, Paterson
e Zderad13, Carvalho14 e Travelbee / Furegato15. Além dessas autoras na Enfermagem, os princípios da técnica não
diretiva , centrada no cliente, proposta por Carl Rogers,
foram utilizados como base para a estudos que, a partir da
interação terapêutica, buscaram compreender o problema
apresentado pelo cliente com problemas psiquiátricos e as
alternativas de solução adotadas16.
Nos cenários hospitalar e ambulatorial, encontramos
pesquisas que descrevem as experiências de interação
da enfermeira com clientes portadores de problemas
oncológicos13, 14, 15, além de familiares de crianças internadas em unidade de terapia intensiva16. Para as autoras daquelas pesquisas, a atitude de ajuda favorece ouvir
as pessoas para identificar suas necessidades e facilita o
processo interativo e a confiança necessária para que
possam expressar os sentimentos diante de suas vivências
com o adoecimento e tratamento. No contexto domiciliar,
a utilização da relação de ajuda pode ser encontrada em
estudo com idosos, visando a melhoria da qualidade de
vida dessa clientela12.
Nos trabalhos localizados, existe uma unanimidade em
ressaltar que a ajuda é uma prática do cotidiano da enfermagem sendo sugerida como uma forma de realização profissional. Nessa linha de pensamento, podemos inferir que
a relação de ajuda é uma maneira para cuidar, ou seja, é o
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que dá o tom na utilização das técnicas e tecnologias do
cuidado. De outro modo, foi destacado nessas pesquisas
que, para promoverem a ajuda, os profissionais de enfermagem devem buscar o autoconhecimento e a educação
permanente para desenvolverem, com competência, a atitude terapêutica13, as atividades de responsabilidade da
enfermeira como líder de equipe, no direcionamento de
uma prática de qualidade.
A esse respeito, para que esse cuidado aconteça com a
intencionalidade de ajudar os clientes, é preciso que a equipe
de enfermagem, na sua totalidade, esteja motivada pelo
desejo e pelo compromisso de oferecer cuidados numa
perspectiva mais unificada. E assim, a enfermeira, em quaisquer situações, tem a responsabilidade de engajar-se para
manter as pessoas sob seus cuidados nas melhores condições possíveis, a fim de que a natureza possa atuar sobre
elas 8: 146, uma posição nightingaleana válida no âmbito
assistencial da Enfermagem.
Para além da descrição de situações específicas de
interações com a clientela, identificamos também um estudo sobre o alívio do estado de ansiedade de pessoas
com câncer em tratamento quimioterápico 14, que avaliou
a efetividade do cuidado de enfermagem baseado nos
princípios de relação de ajuda propostos por Carvalho.
Para a autora daquele estudo, os resultados clínicocomportamentais evidenciados em seus resultados demonstram que essa forma de cuidar pode contribuir para
o alívio do estado de ansiedade da clientela. Isso implica
reconhecer que os clientes retratam, no seu comportamento social, reflexos e interações com o meio ambiente
influenciados por suas crenças, expectativas, necessidades, entre outros aspectos histórico-sociais que possam
afetar a interpretação das vivências pessoais de cada um.
Portanto, identificamos a relação de ajuda como um
evento que privilegia o cliente como pessoa que, em suas
dimensões biológica, histórica, psicológica e sociocultural,
está em constante transformação no processo de
autoconhecimento, para se adaptar às situações impostas pelas modificações que se dão no ambiente social e
que causam alguma repercussão nos envolvidos.
Isto permite situar a concepção de ajuda como base
filosófica das intervenções da enfermagem no plano
cognitivo-comportamental, nas quais estão incluídas ações
em nível educativo, de compreensão e reorganização do
comportamento e do pensamento, bem como de estratégias para alívio dos estados de tensão e ansiedade. Esse
é um entendimento que favorece pensar a relação de
ajuda com ampla possibilidade de aplicabilidade na Enfermagem, na medida em que ele transcende aos recurEsc Anna Nery R Enferm 2004 dez; 8 (3): 354-60.
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sos biomédicos para cura da doença. Isso porque a necessidade de ajuda resulta como própria da condição
humana e a função de ajudar talvez seja, por isso mesmo, a mais universal de todas3: 66.
processo interativo que se fundamenta como expressão
significativa da arte da enfermeira. Isso porque, em nosso encontro com os clientes, compartilhamos nossas emoções, sentimentos e conhecimentos como pessoas totais
(espírito-mente-corpo) em si e com os outros. O que
indica a relevância da realização de pesquisas que posE PARA CONCLUIR
sam trazer evidências concretas quanto às necessidades
de ajuda dos clientes e quanto à efetividade dos cuidaA descrição das diversas abordagens da concepção
dos de enfermagem. Nesse sentido, precisamos ousar
de ajuda utilizadas pelas enfermeiras para orientar suas
práticas sinalizam a valorização do processo interativo mais para que possamos estabelecer bases assistenciais,
com os clientes como a base do processo assistencial. com maior confiança e consistência.
E para recomeçar a pensar a prática da enfermagem,
Contudo, não podemos deixar de considerar as dificuldasugerimos
que a enfermeira e demais integrantes da equipe
des macroestruturais que as instituições de saúde têm
enfrentado para gerenciar os serviços de atendimento à de enfermagem possam ter a vontade de ajudar o outro,
comunidade; serviços que são afetados por uma econo- discutam com seus pares a melhor maneira de prestar os
mia globalizada que imprime diferenças substanciais na cuidados, reconhecendo que cada um possui um talento esinsuficiência de recursos para o setor saúde. São pro- pecial para cuidar contudo, é preciso haver coerência de conblemas que interferem no planejamento assistencial da dutas no grupo, focalizando suas práticas no amor e na exenfermeira, com repercussões para o interesse de saúde pressão da sensibilidade que mostra disponibilidade para
perceber o outro e despertar suas potencialidades. Ainda é
e bem-estar da clientela.
E nesse contexto, acreditamos ser indispensável as re- necessário que os profissionais de enfermagem acreditem e
flexões acerca de nossos valores e atitudes na condução tenham confiança de que o cuidado de enfermagem é capaz
do processo assistencial. Assim, pensamos que o cuidado de restaurar o bem-estar das pessoas. Assim, os profissiode enfermagem baseado nos princípios da relação de aju- nais talvez possam criar espaços de discussão para reivindida favorece o estabelecimento de interações positivas, com car com maior fundamentação, melhores condições para cuipotencial de estimular a expressão dos pensamentos e dar dos clientes, visando a manutenção de uma proposta
emoções dos clientes ensejando um melhor bem-estar das assistencial de qualidade. E por último, é também preciso
pessoas. E a enfermeira pode, dessa forma, planejar os que eles desenvolvam estratégias que favoreçam a busca do
autoconhecimento para compreender e transcender as limicuidados mais adequados em uma dada circunstância.
Salientamos a importância de pensar na relação de tações, sendo fiéis aos princípios de uma perspectiva que
ajuda, não apenas como uma técnica, mas como um permita a manutenção da paz.
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Sobre as Autoras
Marléa Chagas Moreira
Doutora em Enfermagem, Professor Adjunto DME/EEAN/UFRJ.
Membro Núcleo de Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício
Profissional de Enfermagem e do Grupo de Estudos e Pesquisas
Epistemológicos para a Enfermagem.
E-mail: [email protected].
Vilma de Carvalho
Docente-Livre, Professor Emérito da UFRJ. Coordenadora do Grupo
de Estudos e Pesquisas Epistemológicos para a Enfermagem e
Pesquisadora CNPq.
17. Loreçon M. Auto-percepção de aluna de enfermagem ao
desenvolver relação de ajuda a familiares de criança em fase terminal.
Rev Latino-Am Enfermagem 1998 out; 6(4): 57-65.
Recebido em: 09/09/2004
Reapresentado em: 08/11/2004
Aprovado em: 16/11/2004
Esc Anna Nery R Enferm 2004 dez; 8 (3): 354-60.

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