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Universidade Estadual de Santa Cruz Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente UESC Sabine Robra Uso da glicerina bruta em biodigestão anaeróbica: Aspectos tecnológicos, ambientais e ecológicos ILHÉUS – BAHIA Dezembro - 2006 Universidade Estadual de Santa Cruz Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente UESC Sabine Robra Uso da glicerina bruta em biodigestão anaeróbica: Aspectos tecnológicos, ambientais e ecológicos Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, à Universidade Estadual de Santa Cruz, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Orientadora: DSc. Rosenira Serpa da Cruz Co-orientador: DSc. José Adolfo de Almeida Neto ILHÉUS – BAHIA Dezembro - 2006 ii XXX AXXX Robra, Sabine Utilização da glicerina bruta para a produção de biogás: UESC, 2006, 126 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Santa Cruz. Bibliografia 1.xxxxxx 2. xxxxxxx 3.xxxxxxxxx iii Sabine Robra Uso da glicerina bruta em biodigestão anaeróbica: Aspectos tecnológicos, ambientais e ecológicos Ilhéus-BA, ___/___/_____. __________________________________________________ Profa Dra Rosenira Serpa da Cruz - DCET/UESC Orientadora __________________________________________________ __________________________________________________ . iv Agradecimento A todos os membros e ex-membros do grupo de pesquisa Bioenergia e Meio Ambiente da Universidade Estadual de Santa Cruz, coordenado pela Profª. Rosenira Serpa da Cruz, por terem me recebido cordialmente e me ajudado muito durante todo o tempo. Á CAPES pelo financiamento deste estudo. A minha família: minha mãe e meus filhos, pelo apoio. Aos meus colegas e professores do curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, pela paciência e pela ajuda na língua até pouco tempo difícil, e por terem compartilhado seus conhecimentos, durante todo o tempo do curso. Por fim faço um agradecimento especial à Profa. Rosenira Serpa da Cruz e ao Prof. José Adolfo de Almeida, por terem possibilitado minha vinda ao Brasil e à UESC e pela chance de participar no Grupo Bioenergia e Meio Ambiente da UESC, além de serem orientadores competentes e dedicados. v Uso da glicerina bruta em biodigestão anaeróbica: Aspectos tecnológicos, ambientais e ecológicos Resumo O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel do Ministério da Ciência e Tecnologia traz a perspectiva de crescimento da oferta de glicerina gerada como coproduto no processo de produção do biodiesel, levantando questões sobre alternativas economicamente viáveis e ambientalmente corretas para a utilização desta substância. Devido à sua composição rica em carbono de fácil degradação, a glicerina possui propriedades favoráveis à co-digestão anaeróbica em biodigestores, aproveitando resíduos orgânicos disponíveis regionalmente. A economia da região Sul da Bahia está baseada na agropecuária e no turismo, sendo que, os resíduos orgânicos gerados nestas atividades não têm sido aproveitados nem tratados adequadamente, provocando poluição e desperdício de materiais e energia. Por outro lado, muitos destes resíduos constituem-se em substratos apropriados para a biodigestão. Neste trabalho foi projetado e construído um biodigestor em escala laboratorial. Estudou-se, em sistema contínuo o potencial de produção de biogás da glicerina bruta como co-substrato na biodigestão de estrume de gado, em proporções de 5%, 10% e 15% m/m de glicerina bruta. O experimento foi conduzido durante 72 dias. O processo foi avaliado do ponto de vista ambiental e econômico tendo como base os parâmetros técnicos e econômicos do biodigestor da Fazenda Cascata, município de Aureliano Leal, BA, e os resultados comparados com a lenha e o gás liquefeito de petróleo (GLP), usados na secagem de cacau e o GLP na cocção de alimentos. Através da adição de glicerina bruta ao estrume de gado observou-se um aumento significativo nas quantidades de biogás produzidas por unidade de compostos voláteis adicionada. Tendo com base a produção de biogás a partir do estrume de gado, a adição de glicerina bruta elevou a produção de biogás em 207%, 207% e 44% para 5%, 10% e 15% m/m de glicerina bruta, respectivamente, bem como o teor de metano, em 9,5%, 14,3% e 14,6% para 5%, 10% e 15% m/m de glicerina bruta, respectivamente. O tratamento com a adição de 15% m/m de glicerina bruta foi interrompido antes do final do experimento devido à um colapso do processo. A avaliação ambiental do biogás na secagem de cacau e na cocção de alimentos foi realizada tendo como base a emissão comparativa de gases estufa para os combustíveis lenha e GLP. A emissão específica foi de 2,3, e 65,7 kg CO2eq GJ-1, para a lenha e o GLP, respectivamente, enquanto para o biogás, emissões negativas entre -186,1 kg CO2eq GJ-1 e -252 kg CO2eq GJ-1 foram calculadas, devido às emissões de metano evitadas pelo tratamento adequado do estrume de gado através da biodigestão. A avaliação econômica seguiu o mesmo procedimento de comparação adotado na análise ambiental. Neste caso, os custos por GJ dos combustíveis foram de R$ 6,20 para a lenha, R$ 60,30 para o GLP e R$ 34,70 para o biogás produzido a partir do estrume de gado. Com a adição da glicerina bruta no substrato, os custos do biogás caíram para R$ 7,60 e R$ 6,30 para o biogás com 5% e 10% m/m de glicerina bruta, respectivamente. Palavras-chave: Biodigestão, biodiesel, estrume de bovinos, metano, energia renovável vi Use of crude glycerine for biogas production Abstract The National Biodiesel Production & Use Program (PNPB), coordinated by the Ministry of Science and Technology, brings along the perspective of a growing offer of glycerine, co-product of biodiesel production, raising questions about economically and environmentally correct alternatives for the use of this substance. Due to its content of easily degradable carbon compounds, glycerine is suitable for anaerobic codigestion in biodigestors, together with regionally available organic residues. The economy of South Bahia is based on agriculture and tourism, whose organic residues currently do not undergo appropriate treatment, nor are otherwise approved of, thus causing pollution and wasting of materials and energy. In many cases, these residues are appropriate for biodigestion. This study focussed on the biodigestion in laboratory continuous digesters, planned and constructed on-site. The substrates studied were cattle slurry alone (control) and with addition of 5%, 10% and 15% m/m glycerine as a co-substrate. The experiment was conducted for 72 days. The results were evaluated from the environmental and economic point of view, based on the technical and economic parameters of the Fazenda Cascata, in the county of Aureliano Leal, Bahia, and compared with the alternatives firewood and liquefied petrol gas (LPG) used in the drying of cocoa beans, and LPG for cooking purposes. The addition of glycerine caused a significant increase of the quantities of biogas, compared to the control, of 207% (5% m/m glycerine), 207% (10% m/m glycerine) and 44.4% (15% m/m glycerine), in relation to added volatile compounds. The methane content increased by 9,5%, (5% m/m glycerine), 14,3% (10% m/m glycerine) and 14,6% (15% m/m glycerine), compared to the control. The experiment with addition of 15% m/m glycerine had to be interrupted due to a breakdown of the anaerobic process. The estimates of greenhouse gas emissions for the renewable firewood resulted in 2,31 kg CO2eq GJ-1, whereas the greenhouse gas emissions for the fossil fuel LPG were 65,74 kg CO2eq GJ-1. For biogas, negative emissions of -186,11 kg CO2eq GJ-1 and -252 kg CO2eq GJ-1 were calculated, due to the prevention of greenhouse gas emissions by the anaerobic treatment of the cattle slurry, according to the conversion factors used. The costs for one GJ of the fuels compared in this study were R$ 6,20 for firewood, R$ 60,30 for LPG, R$ 34,70 for biogas generated only with cattle slurry, R$ 7,60 for biogas generated with addition of 5% m/m glycerine, and R$ 6,30 for biogas generated with addition of 10% m/m glycerine. Key words: Biodigestion, biodiesel, cattle slurry, methane, biogas, renewable energy. vii Lista de Tabelas Tabela 1 - Teores de nutrientes no composto, segundo a percentagem de glicerina adotada ....................................................................................40 Tabela 2 - Emissões de CO2eq por m³ de estrume de gado, durante 80 dias..........47 Tabela 3 - Propriedades de lenha de diferentes procedências ...............................58 Tabela 4 - Proporções de estrume e de glicerina usadas no experimento da biodigestão .............................................................................................66 Tabela 5 - Características químicas do inoculo utilizado no processo de biodigestão .............................................................................................68 Tabela 6 - Valores de alguns parâmetros físico-químicos encontrados para o estrume de gado da Fazenda Cascata em comparação com valores da literatura ............................................................................................69 Tabela 7 - Quantidades médias de MF, MS e CV adicionadas diariamente aos biodigestores ..........................................................................................72 Tabela 8 - Parâmetros das emissões do GLP P-13 ................................................77 Tabela 9 - Rendimentos teóricos de biogás do estrume de gado e da glicerina bruta, em mL por g de CV adicionado......................................80 Tabela 10 - Quantidades teóricas de biogás .............................................................81 Tabela 11 - Comparação do rendimento de biogás por unidade de massa de CV adicionado para o estrume de gado .......................................................88 Tabela 12 - Teores de metano para os tratamentos com base em três cenários de referência ..........................................................................................90 Tabela 13 - Emissões de GEE (CO2eq) na combustão de lenha utilizada na secagem de uma tonelada de amêndoas de cacau ...............................94 Tabela 14 - Emissões de CO2eq por tonelada de cacau provocadas ao longo do ciclo de vida do GLP na secagem artificial do cacau .............................94 Tabela 15 - Custos estimados para secagem de uma tonelada de cacau com lenha (5 m³ de lenha)......................................................................97 Tabela 16 - Estimativa dos custos da energia gerada através da lenha ...................98 Tabela 17 - Custos associados à secagem de cacau, usando GLP .........................98 Tabela 18 - Custos fixos do biodigestor na Fazenda Cascata ..................................99 Tabela 19 - Custos da produção de 1,0 GJ de biogás ............................................100 Tabela 20 - Custos da secagem por tonelada de cacau usando biogás de estrume bovino sem e com a adição de 5% e 10% m/m de glicerina ..100 Tabela 21 - Comparação da demanda dos combustíveis usados na secagem do cacau....................................................................................................102 Tabela 22 - Consumo e gastos com GLP e biogás, para cocção............................102 viii Lista de Figuras Figura 1 - Previsões do pico da produção mundial de petróleo..............................22 Figura 2 - A ação dos gases causadores de efeito estufa na atmosfera. ...............24 Figura 3 - Emissões de carbono no mundo no ano de 1999 ..................................28 Figura 4 - Montagem das pilhas de composto (esquerda) e pilhas compostadas (direita). ............................................................................39 Figura 5 - Passos e grupos de bactérias envolvidas na biodigestão de matériaorgânica..................................................................................................42 Figura 6 - Localização geográfica da unidade participante no estudo....................64 Figura 7 - Biodigestor em laboratório tipo UASB. ...................................................66 Figura 8 - Medidor de biogás..................................................................................67 Figura 9 - Amostras de estrume de gado. ..............................................................70 Figura 10 - Fluxograma simplificado da determinação dos custos, das quantidades de combustíveis e de emissões na secagem de cacau e na cocção doméstica. ..........................................................75 Figura 11 - Valores absolutos e diferenças entre as emissões fugitivas de metano (%) para o estrume de gado bovino da Fazenda Cascata tratado através da biodigestão e sem tratamento, com base em diferentes estimativas de emissão. ...........................................................................95 ix Lista de Quadros Quadro 1 - GWP direto de alguns gases efeito estufa ..............................................25 Quadro 2 - Composição típica do biogás ..................................................................43 Quadro 3 - Reações típicas e energia livre dentro de um biodigestor.......................44 Quadro 4 - Propriedades do GLP..............................................................................62 Quadro 5 - Plano de análises conduzidas .................................................................73 x Lista de Gráficos Gráfico 1 - Evolução do consumo de petróleo de 1905 a 2005 ...............................19 Gráfico 2 - Desenvolvimento do consumo de petróleo na Ásia, América Latina e na África, em relação ao mundo.................................19 Gráfico 3 - Consumo de petróleo nas cinco maiores economias mundiais, de 1970 a 2005 ......................................................................................20 Gráfico 4 - Curvas de Hubbert de vários países produtores de petróleo .................23 Gráfico 5 - Emissões globais de carbono a partir de 1751.......................................26 Gráfico 6 - Principais responsáveis pela emissão de gases estufa .........................28 Gráfico 7 - Matriz energética do Brasil em 2005 ......................................................31 Gráfico 8 - Usos da glicerina na Europa ocidental em 1997 ....................................33 Gráfico 9 - Origem da glicerina pela fonte................................................................34 Gráfico 10 - Composição das pilhas de composto em % m/m ..................................38 Gráfico 11 - Evolução das temperaturas durante o processo da compostagem para diferentes percentagens de glicerina bruta adicionada. .................39 Gráfico 12 - Relação entre teor de umidade e PCI, na lenha ....................................59 Gráfico 13 - Produção de derivados de petróleo na Bahia, no ano 2006 ..................61 Gráfico 14 - Relação do poder calorífico com o teor de metano no biogás...............63 Gráfico 15 - Composição típica da glicerina obtida na produção do biodiesel ..........71 Gráfico 16 - Médias semanais da produção de biogás por g de MF adicionado. ......81 Gráfico 17 - Comparação do rendimento de biogás por tratamentos e unidade de massa de MF adicionada .......................................................................84 Gráfico 18 - Comparação do rendimento de biogás por tratamento e unidade de massa de MS adicionada. ......................................................................85 Gráfico 19 - Comparação do rendimento de biogás por tratamentos e unidade de massa de CV adicionada........................................................................86 Gráfico 20 - Áreas de metano medidas durante o experimento, para o controle e os três tratamentos com glicerina........................................................89 Gráfico 21 - Valores de metano relativos ao controle.Quantidades de metano ........89 Gráfico 22 - Quantidades de metano geradas nos cenários C1, C2 e C3 por massa adicionada de CV. ................................................................91 Gráfico 23 - Quantidades de biogás necessárias para substituir 5 m³ de lenha, baseado nos valores calculados para o cenário 2 (C-2). .......................93 Gráfico 24 - Comparação de emissões de GEE dos combustíveis lenha, GLP e biogás.....................................................................................................97 Gráfico 25 - Análise de sensibilidade dos custos da glicerina bruta........................101 xi Lista de acrônimos A Área (Recomendações da IUPAC (1992) para a nomenclatura da cromatografia.) AbfAblV Portaria sobre a deposição de resíduos (Abfallablagerungsverordnung, Lei alemã para deposição de resíduos) AGVs Ácidos Graxos Voláteis ANP Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis A.O.A.C. Associacão dos químicos analíticos oficiais (Association of Official Analytical Chemists) APL Arranjo produtivo local ARF Associações de Reposição Florestal B2 Mistura de 2% de biodiesel ao diesel comum B5 Mistura de 5% de biodiesel ao diesel comum CDIAC Centro de análise de informações sobre dióxido de carbono (Carbon Dioxide Information Analysis Center) CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CSTRs Reatores com sistema de agitação contínuo (Continuously Stirred Tank Reactors) CV Compostos Voláteis CO2eq CO2 equivalente - é a unidade utilizada para medir as emissões de gases estufa, convertendo o potencial estufa do CH4 e do N2O em potencial estufa equivalente do gás carbônico (CO2). DBO Demanda biológica de oxigênio DL Desenvolvimento Limpo DOE Departamento de Petróleo e Energia dos Estados Unidos (Department of Oil and Energy) DQO Demanda Química de Oxigênio DS Desenvolvimento Sustentável Fob Free on board GEE Gases do Efeito Estufa GWP Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential) HFC Hidrofluorcarbonos IBD Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural IC Implementação Conjunta IEA Agência Internacional de Energia (International Energy Agency) xii IPCC Quadro Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (Intergovernmental Panel on Climate Change) IUCN União de Conservacão Global (The World Conservation Union) IUPAC União Internacional de Química Pura e Aplicada (International Union of Pure and Applied Chemistry) MCT Ministério de Ciência e Tecnologia mbd milhões de barris por dia MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MF Matéria Fresca MO Matéria Orgânica MS Matéria Seca Mtoe Equivalente de um milhão de toneladas de petróleo (Million ton oil equivalent – 1 Mtoe = 41.868 PJ) OGR Óleos e Gorduras Residuais OIE Oferta Interna de Energia OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Organization of Oil Exporting Countries) PCI Poder Calorífico Inferior PFC Perfluorcarbonos ppm partes por milhão em volume (unidade de concentração de gases na atmosfera) SF6 Hexafluoreto SV Sólidos Voláteis tep tonelada equivalente de petróleo UASB Fluxo Ascendente em Leito de Lodo (Upflow Anaerobic Sludge Bed) UE União Européia UNEP Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (United Nations Environment Program) USEPA Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos (United States Environment Protection Agency) WSSD Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (World Summit on Sustainable Development) WWF Fundo Mundial de Proteção de Natureza (World Wide Fund for Nature) xiii Sumário 1. Introdução ....................................................................................................... 17 1.1. 2. Objetivos ..................................................................................................... 18 Revisão de literatura ....................................................................................... 18 2.1. O “Pico de petróleo” .................................................................................... 18 2.2. A mudança climática ................................................................................... 23 2.3. A injustiça social e a degradação ambiental ............................................... 28 2.4. A situação energética no Brasil................................................................... 30 2.5. Biodiesel e a glicerina bruta ........................................................................ 32 2.6. Usos alternativos da glicerina bruta - Compostagem.................................. 37 2.7. Biodigestão e produção de biogás .............................................................. 40 3. Fundamentos da biodigestão.......................................................................... 41 3.1.1. Breve histórico do biogás ................................................................. 44 3.1.2. Evolução dos estudos em biodigestão ............................................. 47 3.1.2.1. Condução de experimentos na biodigestão 50 3.1.2.2. Modelos de biodigestores para biodigestão de resíduos orgânicos 52 3.1.3. Parâmetros do monitoramento do processo da biodigestão ........... 53 3.2. Problemas relacionados à secagem do cacau............................................ 54 3.3. Combustíveis tradicionais ........................................................................... 58 3.3.1. Lenha ............................................................................................... 58 3.3.1.1. Aspectos energéticos da lenha 58 3.3.1.2. Emissões causadas pela lenha 59 3.3.1.3. Aspectos econômicos da lenha 60 3.3.2. GLP .................................................................................................. 61 3.3.3. Biogás .............................................................................................. 62 3.3.4. Consumo de combustíveis na cocção de alimentos......................... 63 4. Material e métodos ......................................................................................... 64 4.1. Delimitação da área e do objeto de estudo................................................. 64 4.2. Experimento da biodigestão........................................................................ 65 4.2.1. O biodigestor em escala de laboratório............................................ 66 4.2.2. Coleta e calibração do inóculo ......................................................... 68 4.2.3. Caracterização do estrume de gado ................................................ 69 4.2.4. Tomada, preparação e análise das amostras .................................. 69 4.2.5. Análise físico-química do estrume de gado utilizado........................ 70 14 4.2.6. Glicerina bruta .................................................................................. 70 4.2.7. Determinação da quantidade de alimentação .................................. 71 4.2.8. Definição das quantidades de biogás esperadas ............................. 72 4.2.9. Partida do biodigestor ...................................................................... 72 4.2.10. Alimentação dos biodigestores e retirada do efluente...................... 72 4.2.11. Monitoramento dos biodigestores .................................................... 73 4.3. Avaliação dos resultados ............................................................................ 74 4.4. Análise energético-ambiental e econômica................................................. 74 4.4.1. 4.4.1.1. Lenha 76 4.4.1.2. GLP 76 4.4.1.3. Biogás 77 4.4.1.4. Uso de combustíveis na cocção 78 4.4.2. 5. Análise energético-ambiental ........................................................... 75 Análise econômica ........................................................................... 79 4.4.2.1. Lenha 79 4.4.2.2. GLP 79 4.4.2.3. Biogás 79 4.4.2.4. Uso de combustíveis na cocção 80 Resultados e discussão .................................................................................. 80 5.1. Determinação teórica do volume de biogás produzido ............................... 80 5.2. Produção do biogás .................................................................................... 81 5.3. Rendimento do biogás relacionado à matéria fresca adicionada .............. 82 5.3.1. Rendimento do biogás relacionado à matéria seca 5.3.2. . Rendimento do biogás relacionado aos compostos voláteis adicionados ...................................................................................... 86 5.3.3. Teor de metano ................................................................................ 88 5.4. adicionada .... 84 Avaliação energético-ambiental e econômica............................................. 91 5.4.1. Avaliação energética ........................................................................ 91 5.4.1.1. Lenha 92 5.4.1.2. GLP 92 5.4.1.3. Biogás 92 5.4.1.4. Consumo de combustíveis na cocção de alimentos 93 5.4.2. Avaliação ambiental ......................................................................... 93 5.4.2.1. Emissões causadas pela lenha 93 5.4.2.2. Emissões causadas pelo GLP 94 15 5.4.2.3. Emissões relacionadas à produção do biogás 95 5.4.2.4. Comparação dos três combustíveis 96 5.4.3. 6. Avaliação econômica ....................................................................... 97 5.4.3.1. Estimativa dos custos de secagem utilizando lenha 97 5.4.3.2. Estimativa dos custos de secagem utilizando GLP 98 5.4.3.3. Estimativas dos custos de secagem utilizando biogás 99 5.4.3.4. Efeitos da glicerina bruta 100 5.4.3.5. Comparação dos três combustíveis 101 Conclusões e perspectivas ........................................................................... 103 16 1. Introdução A humanidade enfrenta hoje três grandes problemas, a futura escassez de petróleo, o aquecimento global e a pobreza relativa de grande parte da população, ou seja, a desigualdade social. Visando combater estes problemas o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, que prevê o aumento gradual da mistura de biodiesel no diesel nacional a partir do ano de 2006, tornandose obrigatório o percentual de 5% de mistura a partir de 2013, gerando uma demanda estimada em 2 bilhões de litros de biodiesel. Uma vez que para cada 100 litros de biodiesel são produzidos cerca de 10 kg de glicerina bruta, espera-se que a oferta futura de glicerina irá crescer rapidamente, o que levanta questões sobre a necessidade de alternativas para o aproveitamento economicamente viável e ambientalmente sustentável deste co-produto do processo de produção do biodiesel, uma vez que o mercado atual da glicerina não poderá absorver esta oferta adicional, mesmo considerando as novas aplicações. Por outro lado, os resíduos orgânicos, sejam eles líquidos ou sólidos, não têm sido tratados adequadamente, constituindo-se num problema de saúde pública, com reflexos negativos na qualidade ambiental local e global, e ainda representando um desperdício energético e nutricional. Observa-se ainda, no interior do Brasil, um elevado consumo de lenha para cocção de alimentos e secagem de produtos agrícolas. Apesar de se tratar de um combustível renovável, quando a sua utilização está baseada na exploração de florestas naturais e não é acompanhada da reposição de árvores, a atividade pode provocar desmatamentos e colaborar na emissão de gases estufa. O GLP, de uso comum na cocção de alimentos, pode ser usado também na secagem de produtos agrícolas, devido, especialmente, ao seu elevado poder calorífico e por proporcionar um manuseio limpo e prático. Por outro lado, apresenta um alto custo relativo, e, por se tratar de um combustível de origem fóssil, provoca a emissão do gás estufa, CO2, na sua combustão. A biodigestão anaeróbica é um tratamento de resíduos orgânicos que pode ainda proporcionar o aproveitamento energético destes resíduos através da recuperação do biogás, podendo ser usado como fonte primária de energia na geração de calor 17 e, ou eletricidade em nível descentralizado. A glicerina bruta, oriunda da produção de biodiesel, se não destinada adequadamente, poderá se constituir num grande problema ambiental. Por outro lado, as suas características físico-químicas demonstram o seu elevado conteúdo energético e sua adequação para a codigestão com outros tipos de resíduos orgânicos com uma relação C:N menor. 1.1. Objetivos O objetivo principal deste trabalho foi estudar os parâmetros de processo e a quantidade e qualidade do biogás produzido a partir da co-digestão da glicerina bruta oriunda da produção de biodiesel em associação com o estrume de gado. Os objetivos específicos foram: • Caracterizar físico-quimicamente o estrume de gado produzido na Fazenda Cascata, Aureliano Leal, Bahia; • Caracterizar e avaliar o potencial da glicerina bruta na produção de biogás, adicionada em diferentes proporções ao estrume de gado; • Projetar, construir e operar um biodigestor em escala laboratorial; • Otimizar as variáveis: temperatura, carga, tempo de residência e proporção dos substratos; • Avaliar a eficiência energética do processo (balanço energético) e o potencial de mitigação de gases causadores do efeito estufa. 2. Revisão de literatura 2.1. O “Pico de petróleo” O século 20 foi marcado pelo petróleo. Sendo um combustível barato e abundante, o petróleo incentivou a expansão da indústria e do setor de transporte, baseados na combustão de derivados fósseis. 18 100 mmb.d -1 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1905 1925 1945 1955 1965 1975 1985 1995 ano 2005 Gráfico 1 - Evolução do consumo de petróleo de 1905 a 2005 (Fonte: Simmons, 2005, citado por Puplava, 2005). Desde início do século 20 o setor petrolífero cresceu ano a ano em 87 anos dos últimos 100 (Gráfico 1). No início deste século a demanda mundial de petróleo cresceu acima de 2% ao ano, sendo os países industrializados, que representam 20% da população mundial, responsáveis pelo consumo de cerca de 60% da produção mundial. Só nos EUA, a maior economia do mundo, são consumidos cerca de 25% da produção mundial de petróleo, enquanto nos outros 80% da população cresce a dependência desta matéria-prima. Desde 1985, por exemplo, o consumo de petróleo subiu 51% na América Latina, 58% na África e 123% na Ásia (Gráfico 2). 4000 Mtoe 3500 3000 2500 África América Latina Ásia e Pacífico Mundo total 2000 1500 1000 500 Ano Gráfico 2 - Desenvolvimento do consumo de petróleo na Ásia, América Latina e na África, em relação ao mundo (Fonte: BP, 2006). 19 2005 2003 2001 2002 2000 1998 1999 1996 1997 1994 1995 1992 1993 1991 1989 1990 1987 1988 1985 1986 0 A dependência de uma única fonte primária de energia, principalmente no que se refere aos combustíveis líquidos utilizados no acionamento de motores de combustão interna como a gasolina e o diesel, conduziu a economia mundial à primeira e maior crise de petróleo a partir do final do ano 1973. Recentemente, por motivos políticos, a OPEP (OPEC) reduziu a quantidade de petróleo extraído em 5%, provocando uma rápida e, até aquele momento, inédita subida no preço do petróleo e de seus derivados. A crise de petróleo de 1973 revelou o despreparo e a vulnerabilidade dos estados industrializados e sua dependência de fontes fósseis de energia. Surgiram, em conseqüência, além de medidas governamentais para economizar energia, esforços para reduzir a dependência do petróleo através de incentivos e pesquisas voltadas para as áreas de energia nuclear e de energias renováveis. Combustíveis alternativos como o etanol, os óleos vegetais e, mais recentemente, o biodiesel, têm ganhado cada vez mais espaço na matriz energética mundial. Outras áreas que receberam incentivos a partir da crise de 73 foram a melhoria do isolamento de casas e prédios e o aumento da eficiência de motores e de sistemas de aquecimento. Após a crise, apesar da consciência da população nos países industrializados em economizar energia ter permanecido, a demanda de petróleo nesses paises, principalmente pelo setor de transporte, continuou crescendo, mantendo alto o nível de importações dessa matéria-prima, principalmente do oriente médio (EIA, 2005, Gráfico 3). 1000,0 m io t 900,0 800,0 700,0 600,0 EU Japão 500,0 Alemanha França 400,0 Reino Unido 300,0 200,0 100,0 Ano Gráfico 3 - Consumo de petróleo nas cinco maiores economias mundiais, de 1970 a 2005 (Fonte: BP, 2006). 20 2005 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 1970 0,0 Apesar da crise aguda do petróleo ter durado poucos anos, o seu patamar de preços médios tem se elevado desde então, devido principalmente às crises políticas. Em 29 de agosto de 2005, o furacão Katrina atingiu a área de produção de petróleo no golfo de México e prejudicou gravemente a indústria petrolífera nos EUA. Em seguida, os preços internacionais do petróleo subiram para o patamar de US$ 70. A repercussão destes acontecimentos regionais sobre a economia mundial comprovou mais uma vez a alta dependência do petróleo (SIMMONS, 2005). Contrariando as previsões da indústria petrolífera, que não vê escassez no curto e médio prazo, em fevereiro 2004 um grupo dos melhores analistas de energia dos EUA insinuou que a Arábia Saudita, maior produtor de petróleo do mundo, pode estar vivendo a depleção do seu maior campo petrolífero e não possa manter a produção atual de 10 milhões de barris por dia (mbd) por muito mais tempo além dessa década. As análises revelam a fragilidade da matriz energética mundial, que pode ser desestabilizada pela redução na produção de um único país e não está preparada para acompanhar o crescimento da economia mundial em bases sustentáveis (Klare, 2004). O termo “pico de petróleo” foi primeiro aplicado pelo geólogo americano da Shell, M. King Hubbert, nos anos 50 do século passado, quando ele descreveu a descoberta e a extração de petróleo como uma função em forma de sino (SAVINAR, 2005). Segundo Hubbert, a taxa em que o petróleo pode ser extraído de um poço cresce até atingir um máximo, caindo gradualmente até zero. De maneira simplificada, isso significa que, se o pico de petróleo estivesse no ano 2000, a produção mundial de petróleo no ano 2020 e 1980 seriam equivalentes. Hubbert previu em 1956, com alta precisão, o pico da extração nos EUA para o ano 1970, e o pico mundial para o ano 1995. Isso teria acontecido se não houvesse tido uma diminuição do consumo motivado pela retração na economia mundial na década de 70, retardando o pico de petróleo mundial entre 10 e 15 anos (Gráfico 4). Hoje, o pico de Hubbert, que também se aplica às descobertas de novos campos de petróleo, está comprovado empiricamente e reconhecido pela IEA (SCHINDLER; ZITTEL, 2000). 21 2060 ano ? 2050 Lynch Lynch 2040 CERA após 2020 CERA 2030 nenhum pico previsível Laherrere 2010 - 2020 Deffeyes 2020 Simmons Simmons 2010 antes de 2009 Def f eyes 2025 ou posteriormente 2007 - 2009 EIA , (nominal) EIA 2016 Goodst ein 2000 Shell Shell Campbell Campb ell cerca de 2010 BBakhtiari akht iari Skrebowski Skrebowski após 2007 2006 - 2007 1990 Laherrere Goodstein antes de 2009 World Energy Council Wo rld após Energy 2010Co uncil Figura 1 - Previsões do pico da produção mundial de petróleo (Fonte: adaptado de Hirsch et al. 2005). O pico de produção de petróleo mundial tem sido discutido com muita polêmica, porém, a maior parte dos estudos concorda que ele deve acontecer dentro de um prazo de 20 anos (Figura 1). A maior parte dos países fora da OPEP (OPEC) já ultrapassou os picos da produção de petróleo convencional, ou vai ultrapassar em breve, como mostra o Gráfico 4. Um dos estudos previu para o ano de 2020 um déficit de 19,1 milhões de barris na produção diária de petróleo, o que corresponde a 17% ou um quarto da atual produção mundial. A IEA denomina isso “Balancing Item – Unidentified Unconventional Oil” (Ítem balançado – Petróleo não convencional e não identificado), que significa, na realidade, que não se sabe ainda de onde estes 17% em petróleo necessários para atender à demanda em 2020 virão (SCHINDLER; ZITTEL, 2000). 22 Gráfico 4 - Curvas de Hubbert de vários países produtores de petróleo (Fonte: ASPO, 2005). A previsível escassez do petróleo terá efeitos diretos sobre as áreas mais importantes de economia mundial, como os setores de transporte, de energia, da agricultura e da indústria. Como medida preventiva os paradigmas de uma economia apoiada no petróleo devem sofrer uma mudança fundamental. Para se evitar um choque súbito e radical existem várias propostas, dentre elas o protocolo de Rimini (também chamado de protocolo de Uppsala) do geólogo americano Colin J. Campbell (THE RIMINI PROTOCOL, 2003), que sugere que os principais países importadores de petróleo reduzam suas importações na medida em que as reservas mundiais de petróleo declinem, o que conduziria a preços de petróleo mais estáveis com base nos custos de extração. Deste modo, as economias dos países em desenvolvimento também teriam a chance de usar o petróleo no desenvolvimento de suas economias. O pico de petróleo indica um ponto de inflexão para a humanidade, encerrando uma fase de aproximadamente 100 anos de crescimento fácil, apoiado no petróleo, que necessita neste momento priorizar mudanças na direção da auto-suficiência energética e de uma matriz energética sustentável. 2.2. A mudança climática A emissão de radiação eletromagnética pelo sol fornece energia na Terra, principalmente em forma de luz visível. Segundo Tolentino e Rocha-Filho (1998), 23 cerca de 70% dessa radiação é absorvida, sendo 19% pela atmosfera e 51% pela superfície, com predominância de calor, um dos pré-requisitos principais para existência de vida na terra. Nas temperaturas terrestres, as emissões da radiação eletromagnética ocorrem, principalmente, na faixa do infravermelho (entre 3 µm e 100 µm), também chamada radiação térmica. Radiação Radiação infravermelha Refleção Absorpção Gáses efeito estufa Processos atmosféricos Radiação da superfície da terra Absorpção Efeito estufa Figura 2 - A ação dos gases causadores de efeito estufa na atmosfera. (Fonte: adaptado de (Schneider, apud Digitale Schule Bayern, 2006). O vapor de água e os gases como CH4, CO2 e N2O presentes na atmosfera, permitem, por um lado, a entrada da radiação eletromagnética do sol, que atinge parcialmente a superfície da Terra. Por outro lado, estes gases, ativos no infravermelho, absorvem e emitem uma parte significativa da radiação infravermelha, que retorna à superfície terrestre provocando um aumento adicional da temperatura terrestre (Figura 2). 24 Embora o mecanismo físico-químico seja diferente daquele observado em estufas de vidro para cultivo de plantas, o resultado, ou seja, o aquecimento do ambiente é similar e, conseqüentemente, o fenômeno foi chamado pelos seus descobridores de efeito estufa e os gases provocadores do efeito, de gases do efeito estufa (GEE). O aumento do teor desses gases na atmosfera, seja de origem antrópica ou natural, pode causar um aumento do efeito estufa e, conseqüentemente, uma subida da temperatura média da Terra (MAX PIANCK INSTITUT FÜR METEOROLOGIE, 2006). O GWP1 foi definido nos relatórios do IPCC de 1992 para comparar simultaneamente as emissões de diferentes gases com potenciais de aquecimento diferentes. O GWP é o equivalente, em massa, do potencial de aquecimento global dos gases estufa. Definiu-se o potencial de aquecimento global em relação a um gás de referência (CO2), sob um específico horizonte temporal (o mais usado é 100 anos). O Quadro 1 apresenta os principais GEE, suas fontes, o histórico de suas emissões, seu GWP e as participações individuais nas emissões totais de GEE. Gás CO2 CH4 N2O HFCs PFCs SF6 Fontes Combustíveis fósseis, indústria de cimento Cultivo de arroz, pecuária, uso da biomassa, produção de combustíveis fósseis. Fertilizante, combustão de energia fóssil, mudança do uso da terra. agente criogênico. Alumínio, proteção contra fogo, solvente, indústria elétrica. Indústria elétrica, isolamentos. Evolução das emissões desde o final dos anos 80 UE: estático OECD outros: aumento Países da Europa oriental: diminuição saliente. Diminuição na maioria dos países, aumento saliente em Noruega, Canadá, EUA. GWP-100a GEE 1990 Anexo I (%)b 1 81,2 21 13,7 310 4,0 140 c 11.700 0,56 Aumento menor em vários países, Países da Europa oriental: diminuição. Aumento significativo (Substituto para CFCs). estático, UE: diminuição. Aumento na maioria dos países. e Ø 6.700 0,29 23.900 0,30 Quadro 1 - GWP direto de alguns gases efeito estufa (Fonte: IPCC, 2001: a Potencial efeito estufa para um prazo de 100 anos; b Participação das emissões dos diferentes GEE nas emissões totais dos paises do Anexo I em 1990, ponderadas com o C; c o HFC 134ª, o mais comum, tem um GWP-100 de 1.300.; d CF4 com 6.500 e C2F6 com 9.200.) O gás estufa mais importante, pela magnitude da sua participação, é o dióxido de carbono (CO2), e, portanto, serve como referência nos cálculos, permitindo, assim, a determinação da importância relativa das emissões de diferentes gases. O CO2 1 Potencial de aquecimento global, do inglês GWP = Global Warming Potencial. 25 equivalente, em seguida citado como “CO2eq2”, é uma medida métrica utilizada para comparar as emissões de vários GEE, baseado no GWP de cada um. O CO2eq é o resultado da multiplicação das toneladas emitidas do GEE pelo seu potencial de aquecimento global. Por exemplo, o potencial de aquecimento global do gás metano é 21 vezes maior do que o potencial do CO2, ou seja, o CO2 equivalente do metano é igual a 21 (MEIRA; GONZALEZ, 2000; EIA, 2003). No Quadro 1 pode-se observar que o dióxido de carbono contribui com cerca de 80% para o efeito estufa. Este efeito se potencializa na medida em que o CO2 possui um tempo de residência elevado na atmosfera terrestre. 10 6 t a -1 Total Petróleo Carvão Gás natural Produção de cimento Gráfico 5 - Emissões globais de carbono a partir de 1751 (Fonte: CDIAC, 2006). O gás carbônico liberado na atmosfera a partir da oxidação do carbono presente na matéria-orgânica é, novamente, absorvido pelas plantas através da fotossíntese e transformado em biomassa. O petróleo que o mundo consumiu em apenas 100 anos, ou seja, a partir do século passado até agora, se formou, segundo as teorias atuais, entre 100 – 400 milhões de anos atrás a partir de biomassa aquática e das zonas litorâneas. Para a formação do petróleo foram, então, retiradas quantidades gigantescas de CO2 da atmosfera e fixados, através da fotossíntese, em compostos de carbono. O 2 CO2eq. é a unidade utilizada para medir as emissões de gases estufa, convertendo o potencial estufa do CH4 e do N2O em potencial estufa equivalente do gás carbônico (CO2). 26 Gráfico 5 mostra que, com a queima de combustíveis fósseis3, já foi emitido boa parte deste carbono armazenando ao longo de milhões de anos, significativamente mais do que pode ser seqüestrado, neste prazo, pela vegetação e outros abatimentos naturais. Conseqüentemente, a concentração do CO2 na atmosfera vem aumentando. Os níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera aumentaram em 30% desde o período que antecede a Revolução Industrial. O teor de metano (CH4) aumentou, no mesmo período, em 120%, e o do N2O em 10% (MAX PLANCK INSTITUT FÜR METEOROLOGIE, 2006). O aquecimento global é um fenômeno observado recentemente e pode levar às mudanças do clima em escala continental e, conseqüentemente, regional. Porém, não existem previsões cientificamente comprovadas com respeito às conseqüências do aquecimento global sobre o clima. Grande dúvida existe ainda sobre a comprovação científica da correlação entre os efeitos das variações climáticas e o do aumento da concentração dos GEE na atmosfera, bem como, sobre a fronteira entre as mudanças climáticas induzidas pelas atividades humanas daquelas provenientes de causas naturais. A questão é difícil de ser compreendida por sua complexidade científica e pela falta de dados, devido ao comparativamente curto prazo de 150 anos da queima intensiva de energia e da subseqüente emissão de CO2 proveniente de fontes fósseis. Mesmo assim, existe uma grande variedade de teorias indicando que o efeito estufa pode causar sérias conseqüências sobre o clima mundial (e também regional) (BAKAN; RASCHKE, 2002). Segundo teorias recentes, as grandes catástrofes naturais ocorridas na década passada como: enchentes, furacões, estiagens etc., podem ser entendidas como conseqüências do aquecimento global. Como exemplo pode-se citar a projeção que indica que na década de 40, deste século, mais da metade dos verões será mais quente do que o verão de 2003 na Europa, que, devido às altas temperaturas médias, levou à morte de milhares de pessoas e à ocorrência de incêndios florestais devastadores (SCOTT et al., 2004). Esta ameaça pode ser entendida como conseqüência do uso exagerado de fontes fósseis de energia nos países industrializados. Nestes países, segundo PARIKH (2003), são emitidos 70% do 3 além do petróleo, são também relevantes o carvão e o gás natural. 27 dióxido de carbono (CO2). A Figura 3 mostra a distribuição das emissões mundiais deste gás no ano 1999. Figura 3 - Emissões de carbono no mundo no ano de 1999 (Fonte: World Bank Group, 2005). Os setores de energia e transporte são responsáveis por cerca de 50% da emissões de GEE (Gráfico 6). A substituição da energia fóssil por fontes renováveis pode, portanto, contribuir para a estabilização da concentração dos GEE, e conseqüentemente, reduzir a probabilidade de alterações climáticas provocadas pelo efeito estufa (BÖHM, 2003). Degradação florestal 15% Produtos químicos 20% Agricultura e outros 15% Energia, Transportes 50% Gráfico 6 - Principais responsáveis pela emissão de gases estufa (Fonte: adaptado de Böhm, 2003). 2.3. A injustiça social e a degradação ambiental Há uma estreita inter-relação entre pobreza, acesso à energia e sustentabilidade. Coincidentemente, o número de pessoas que vivem com menos de um dólar 28 americano por dia (dois milhões) é o mesmo daquelas pessoas que não dispõem de energia comercial. No World Summit on Sustainable Development (WSSD), em 2002, fez-se explícita referência ao fato de que a energia, desde que proveniente de processos sustentáveis, deve ser considerada uma necessidade básica humana como qualquer outra: água limpa, sanidade, alimento seguro, biodiversidade e moradia (SALES MEDRADO et al., 2001). Para os países em desenvolvimento atingirem um estilo de vida igual ao estilo de vida atual dos habitantes dos países desenvolvidos, serão necessários mais dois “Planetas Terra” para cobrir as necessidades em recursos naturais e serviços ambientais (SCHMIDT-BLEEK, 2000), fato que confirma a estreita correlação entre a desigualdade social mundial e a degradação global do meio ambiente. Para fugir dessa situação de degradação ambiental causada pelo uso exagerado dos recursos naturais pela menor parte do mundo, agravada pelo subdesenvolvimento da maior parte do mundo, necessita-se alterar o estilo de vida quanto ao uso e ao consumo de energia nos países desenvolvidos, bem como, alterar os paradigmas difundidos nos países em desenvolvimento. Neste contexto, foi ratificado no Brasil em 2002 o Protocolo de Quioto, que representa um tratado entre as nações com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos GEE, negociado na reunião da Conferência das Partes no Japão, em 1997. Nesta reunião a Convenção do Clima passou a aceitar como Mecanismos de Flexibilização o comércio de emissões, a implementação conjunta (IC) entre os países, além do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), sendo este último originado de uma proposta mais ampla do Governo Brasileiro (KLABIN, 2000). Os Mecanismos de Flexibilização funcionam através da implementação de projetos. Os projetos da IC serão realizados majoritariamente em países da Europa do Leste e Ex- União Soviética, que têm compromissos ao abrigo do Protocolo de Quioto (Países do Anexo I). Os projetos do MDL são desenhados para países em desenvolvimento, sem compromissos previstos dentro do Protocolo de Quioto. O MDL tem um mandato explicito na promoção do desenvolvimento sustentável (DS) (CDM Watch, 2003). Neste contexto, a Agenda 21 Local (1992) apresenta o programa de implementação de ações previstas na Agenda 21 Global. Este Programa culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio de Janeiro, em 1992, também conhecida por “Rio 92”. 29 A Agenda 21 Local é um processo de desenvolvimento e implementação de políticas que conduzam ao DS. “Uma comunidade sustentável vive em harmonia com seu meio ambiente e também não causa danos a outras comunidades próximas ou distantes, hoje ou no futuro. A qualidade de vida e os interesses das futuras gerações são mais valorizados do que o crescimento econômico ou o imediatismo no consumo” (IUCN, UNEP, WWF, 1991). Estes conceitos fornecem a base para o desenvolvimento de ferramentas de gerenciamento necessárias ao processo, sendo destaque dentre elas: o desenvolvimento de fontes de energia diversificadas e menos poluentes e de tecnologias limpas com processos energeticamente eficientes, com baixos índices de emissões e sem geração de resíduos, como, por exemplo, o uso energético da biomassa. Todas as formas de energia podem ser geradas através da biomassa, que é neutra com respeito à emissão de GEE, quando manejada de forma sustentável, podendo inclusive, em determinadas condições atuar no seqüestro de carbono, colaborando para a mitigação das emissões de GEE. 2.4. A situação energética no Brasil Muitos países em desenvolvimento, como, por exemplo, o Brasil, dispõem de um grande potencial de produção de biomassa a partir de diferentes fontes. Neste caso, são fortes candidatos para o desenvolvimento de tecnologias na área de bioenergia, como os óleos vegetais e o seu derivado, o biodiesel (FRITSCHE et al. 2005). O potencial de difusão do uso da bioenergia nesses países no futuro dependerá da disponibilidade em escala comercial de tecnologias eficientes, modernas e de reduzido impacto ambiental, que possam garantir o atendimento da crescente demanda em energia de alta qualidade. No Brasil, no início da década de 40, a biomassa era responsável por cerca de 83% da Oferta Interna de Energia (OIE), sendo 81% correspondente à lenha extraída de florestas naturais. Em 1970, ano inicial da atual base de dados do Balanço Energético Nacional, a biomassa já participava com 47% da OIE (42% de lenha e 5% de bagaço). Nas décadas seguintes a lenha foi sendo substituída por derivados de petróleo, principalmente pelo GLP no setor residencial e pelo gás natural e óleo combustível no setor industrial. 30 Outras renováveis 3% Cana-de-Açucar 15% Petróleo 40% Lenha 15% Gás natural 9% Urânio 2% Carvão 1% Energia hidráulica 15% Gráfico 7 - Matriz energética do Brasil em 2005 (Fonte: MME, 2006). Como se pode ver no Gráfico 7, 35,4% da matriz energética nacional em 2005 era composta por fontes renováveis de energia, dos quais cerca de 30% eram derivados da biomassa, sendo 15,0% de lenha e 15,0% de produtos da cana (caldo de cana, melaço e bagaço). Com relação ao uso moderno da biomassa, o Brasil se destaca no aproveitamento dos produtos da cana-de-açúcar como: o bioetanol e o bagaço, atingindo cerca de metade de toda a energia obtida da biomassa. Por outro lado, apenas uma fração marginal de toda a bioenergia utilizada no Brasil provém de outros resíduos orgânicos, enquanto o potencial estimado somente para os resíduos da agricultura (fora cana-de-açúcar) atinge a cifra de 37,5 Mtoe (Million ton oil equivalent) (SILVEIRA, 2005). O desenvolvimento de tecnologias para o aproveitamento desse potencial energético, dentro do contexto do Desenvolvimento Limpo (DL) e da Agenda 21, através do emprego de tecnologias modernas e eficientes, pode promover o desenvolvimento regional. Neste contexto, cabe ressaltar que a utilização de biomassa no Brasil, com fins energéticos, pode contribuir de forma significativa na redução de emissões de GEE. Atualmente a taxa brasileira de 1,69 t CO2eq tep-1 já se encontra abaixo da média mundial de 2,36 t CO2eq tep-1, porém, através do Protocolo de Quioto, as reduções adicionais de emissão no país podem contribuir para a redução das emissões globais através do MDL (SALES MEDRADO et al., 2001). 31 O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PROBIODIESEL) “é um programa interministerial do Governo Federal que objetiva a implementação de forma sustentável, tanto técnica, como economicamente, da produção e uso do biodiesel, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional, através da geração de emprego e renda”. Segundo a Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, biodiesel pode ser definido como um “biocombustível derivado de biomassa Renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil” (PORTAL BIODIESEL, 2006). O biodiesel pode ser produzido a partir de uma ampla variedade de oleaginosas: dendê, babaçu, milho, girassol, soja, canola, colza, amendoim, mamona, óleos e gorduras residuais etc. Assim, cada região brasileira tem capacidade de produzir matéria-prima para a produção do biodiesel (DA CRUZ et al., 2005). Portanto, o programa pretende estabelecer, em todo o país, uma rede de plantas de produção de biodiesel, de grande, médio e pequeno porte. Em nível estadual, o programa correspondente, o Programa de Biodiesel da Bahia (PROBIODIESELBAHIA), pretende “tornar a Bahia um exportador de biodiesel aproveitando suas vantagens logísticas para distribuição de combustíveis” (PROBIODIESELBAHIA, 2006), priorizando, como matéria-prima, oleaginosas típicas da região, como: a mamona, o dendê e, no futuro, o pinhão manso. O cultivo dessas oleaginosas, produzido sob condições de agricultura familiar, deverá constituir-se em fonte de emprego e renda, especialmente nas regiões mais carentes (PIRES et al., 2005). A Bahia é um dos estados da federação com condições edafo-climáticas mais diversificadas e favoráveis, apresenta capacidade científica, tecnológica elevada e vontade política expressa na forma de um Programa Estadual para a produção de biodiesel. 2.5. Biodiesel e a glicerina bruta O processo para a produção do biodiesel é baseado numa reação química, a transesterificação, que é, sinteticamente, a reação de um óleo vegetal com um álcool, em geral, metanol ou etanol, e catalisada por um ácido ou uma base, em geral, utiliza-se o KOH (hidróxido de potássio) ou NaOH (hidróxido de sódio). Nessa reação, as moléculas principais dos óleos e gorduras, os chamados triacilgliceróis, são 32 separados em seus componentes ácidos graxos e glicerina. Os ácidos graxos são reagrupados, formando uma mistura de ésteres metílicos ou etílicos (biodiesel), dependendo do álcool utilizado, e, como co-produto, a glicerina bruta, numa proporção mássica biodiesel : glicerina de 10 : 1. A glicerina é uma matéria-prima de alto valor agregado, com mais que 1.500 aplicações em diversos setores, como na fabricação de produtos farmacêuticos, alimentícios e de higiene oral (CLAUDE et al., 2000; Gráfico 8). Cosméticos 16,1% Produtos farmacéuticos 9,8% Outros Nitração 0,2% 4,2% Ésteres 10,7% Papel 0,9% Revenda 17,3% Polióleos 11,7% Fumo 3,6% Resinas 5,7% Alimentos e bebidas 8,5% Filmes de celulose 3,1% Outros usos químicos 8,2% Gráfico 8 - Usos da glicerina na Europa ocidental em 1997 (Fonte: Claude et al., 2000). Porém, para atender as exigências destas indústrias, necessita-se atingir um elevado grau de pureza. No caso da glicerina bruta oriunda da fabricação do biodiesel, este grau de pureza só pode ser alcançado através de processos complexos e onerosos como a destilação, e especialmente no caso da glicerina oriunda da transesterificação de OGR4, o processo é tecnicamente complexo e economicamente inviável. Com a exceção da produção da glicerina sintética, via síntese da epicloridrina obtida do propileno, e pequenas quantidades produzidas através da fermentação de açucares e amidos, toda a glicerina mundial têm sido produzida como co-produto da fabricação de outras commodities. Em outras palavras, a glicerina está sendo produzida independente da demanda. O Gráfico 9 mostra a participação das diversas fontes de 4 Óleos e gorduras residuais da cadeia alimentar 33 origem da glicerina. Atualmente, a glicerina oriunda da produção do biodiesel entra no mercado como concorrente das fontes tradicionais da glicerina (CLAUDE ET AL., 2000). Ácidos graxos 38,0% Sabão 24,9% Outros ésteres 2,5% Fermentação 1,9% Glicerina sintética 11,9% Biodiesel Substituintes 6,9% Substituintes de gordura de gordu 4% 0,4% Álcoois graxos 13,6% Gráfico 9 - Origem da glicerina pela fonte (Fonte: Claude et al., 2000). A viabilidade econômica do biodiesel, traduzida na relação custo/benefício de sua produção, depende, além dos custos das matérias-primas principais, do preço de petróleo (ZHANG et al. 2003), e necessita ainda de subsídios e incentivos fiscais (ALMEIDA, 2006). Isto demonstra, que a viabilidade econômica de uma instalação para produção de biodiesel depende, muitas vezes, da receita obtida com a venda da glicerina bruta. Zhang et al. (2003) associam um alto valor ao co-produto, glicerina bruta, indicando que ela pode reduzir em aproximadamente 10% os custos de produção, numa planta com capacidade de 8000 t a-1 de biodiesel, enquanto para Haas et al (2005), os custos de produção de biodiesel estão inversamente e linearmente relacionados às variações do valor de mercado da glicerina. Segundo Bender (1999) existem ainda poucos estudos sobre os efeitos econômicos dos processos da purificação da glicerina, quando associados ao processo da produção do biodiesel. Noordam and Withers (1996), citado por Bender (1999), incluíram no seu estudo de viabilidade econômica da produção do biodiesel a partir de colza, uma taxa de recuperação de 75% em aproveitamento da glicerina em qualidade técnica industrial a partir da glicerina bruta do biodiesel, resultando numa redução adicional de US$ 0,04 por litro de biodiesel no custo total de produção, estimado em US$ 1,06, quando comparado à comercialização direta da glicerina bruta. 34 Os custos para instalação de uma planta para o processamento da glicerina bruta (metanol, KOH, sabão, etc.) resultante da produção do biodiesel são, via de regra, maiores do que os necessários para instalação da própria planta de produção do biodiesel. Além disso, o seu processamento deve se dar de forma contínua e necessita ser monitorado com freqüência, de tal forma, que necessita-se de 15 a 20 pessoas, enquanto que numa planta de biodiesel sem a etapa de purificação da glicerina, 2 a 3 funcionários seriam suficientes. Por outro lado, o faturamento obtido com a comercialização dos produtos obtidos com a purificação de todos os componentes presentes na glicerina bruta não chega a ultrapassar 10 a 15% do faturamento com o biodiesel. Fábricas com produção menor de 50.000 a 70.000 t a-1 de biodiesel, em geral, não conseguem cobrir os custos totais de produção com a venda da glicerina refinada (GLACONCHEMIE, 2006). Por outro lado, o mercado da glicerina é conhecido por ser complexo e de difícil previsibilidade, devido a sua alta volatilidade e ao grande número de aplicações e complexidade dos mercados fornecedores. Além disso, a maior parte da glicerina comercializada é um co-produto, e, conseqüentemente, a oferta da glicerina é determinada pela demanda do produto principal. No passado foram observadas grandes variações dos preços da glicerina, com diferenças que chegaram até US$ 1.000,00 por tonelada. AIM-AG (2002) espera, com o crescimento da produção do biodiesel, um declínio nos preços da glicerina entre 20% e 30% até 2010, o que pode interferir negativamente na rentabilidade das usinas de biodiesel, como mostram os exemplos a seguir: Weber, (1993) citado por Bender (1999), menciona o exemplo de uma fábrica de biodiesel na cidade de Aschach, Austria, construída em 1990, com capacidade de 12 milhões de litros de biodiesel por ano, onde foram investidos 27% dos investimentos totais na construção de uma planta para a purificação da glicerina bruta com qualidade técnica. Na época da construção da planta, o preço da glicerina com qualidade técnica era de US$ 3,52 por kg, mas já em dezembro 1991, havia caído para US$ 1,76 por kg. Em 1993, a planta fechou por falta de viabilidade financeira, como conseqüência da queda nos preços da glicerina de qualidade técnica. No fim do ano 2003, um dos maiores produtores de biodiesel na Alemanha faliu por que os cálculos da viabilidade econômica estavam baseados numa avaliação errada do 35 preço da glicerina, em vez dos € 1000,00 por tonelada esperados, o mercado estava pagando ao redor de € 500,00 por tonelada (VDI, 2004). Segundo Guzman (2005), a demanda mundial de glicerina, no ano 2004, foi de 224.075 t. No Brasil, em 2008, quando se espera atingir o percentual obrigatório de 2% de mistura do biodiesel no diesel comercializado no país, serão produzidas cerca de 70.000 t de glicerina como co-produto da produção do biodiesel, o que equivale a mais de 30% da demanda mundial de glicerina em 2004. Uma outra estimativa avaliou o consumo mundial de glicerina em 750.000 t a-1 no ano de 2000 (PHÄNOMEN FARBE, 2000), enquanto Connemann (1997) previu um crescimento anual da demanda em 2,5% ao ano. Neste caso, em 2013, quando a proporção compulsória do biodiesel no Brasil dentro da mistura atingir 5%, a produção do biodiesel deverá alcançar 2 bilhões de litros por ano e a da glicerina bruta, aproximadamente 200.000 t. No caso dos Estados Unidos, a produção prevista de biodiesel no ano 2010 resultará em aproximadamente 900.000 t (2 bilhões de lbs) de glicerina bruta por ano. Até as previsões mais otimistas de demanda dessa matéria-prima não alcançam estes valores, sendo, portanto, uma preocupação dos produtores de biodiesel e de glicerina a tendência de queda acentuada dos preços deste produto no futuro, resultado da crescente produção de biodiesel a nível mundial (VIRENT ENERGY SYSTEMS, 2004). Atualmente, os preços da glicerina nos EUA já se encontram abaixo do limite de viabilidade econômica do processamento da glicerina bruta em glicerina de qualidade técnica. Em muitos casos, a glicerina bruta já se constitui num problema de destinação para os produtores de biodiesel, e necessita ser destinada para aterros sanitários, por que a sua purificação é inviável em pequena e média escala (DASARI et al., 2005; MCCOY, 2006). O menor preço para a glicerina bruta observado, recentemente, no mercado internacional foi de US$ 0,05 por libra, ou seja, R$ 0,05 por kg (NILLES, 2006), e, na Europa, segundo previsões do início do ano 2006, poderá perder seu valor comercial (FROST & SULLIVAN, 2006). Essa perspectiva de crescimento da oferta de glicerina bruta levanta questões sobre a necessidade de alternativas econômicas e ambientalmente corretas para a utilização deste co-produto, por que as previsões sobre a demanda do mercado no 36 médio prazo apontam que, somente 50% dessa glicerina adicional, oriunda da produção do biodiesel, poderão ser aproveitados pela indústria, mesmo contabilizando as novas aplicações da glicerina que poderão tornar-se economicamente atraentes com a queda do seu valor de mercado (KRAUSE, 2004; MCCOY, 2005). A proposta dos Programas Nacional e Estadual é priorizar a produção descentralizada do biodiesel. Portanto, o governo da Bahia quer atrair usinas para regiões que já têm grandes áreas produtivas de oleaginosas (mamona e girassol) como Irecê, Piemonte da Chapada e Paraguaçu - incentivando os chamados arranjos produtivos locais (APLs). A meta é responder por pelo menos 29% da produção nacional de biodiesel prevista para 2007, volume este que atenderia toda a demanda do Nordeste (AGÊNCIA CT, 2005). Com isto haverá uma considerável oferta de glicerina bruta em nível regional. Porém, o elevado custo de purificação da glicerina bruta e a necessidade de centralização desta atividade deverão restringir o aproveitamento desta glicerina oriunda da produção do biodiesel como glicerina técnica, principalmente, se a refinaria encontrar-se longe do local de produção (DINIZ, 2005). Este cenário justifica a busca de alternativas de aproveitamento, para que a glicerina bruta não venha, num futuro próximo, se constituir num problema econômico e ambiental na cadeia de produção do biodiesel. Uma dessas alternativas é a compostagem da glicerina bruta junto com outros resíduos orgânicos, de preferência sólidos, para a produção de adubo orgânico com teor de potássio elevado, recuperando o KOH usado como catalisador na transesterificação como fertilizante agrícola (veja item 0). Uma outra alternativa poderá ser a geração de biogás através da biodigestão da glicerina bruta junto com outros resíduos líquidos ou pastosos de fácil degradabilidade microbiana. 2.6. Usos alternativos da glicerina bruta - Compostagem A glicerina bruta, obtida através da transesterificação alcalina utilizando KOH como catalisador, pode ser aproveitada como fertilizante na agricultura, principalmente pelo seu teor elevado em potássio, um macronutriente na produção agrícola e florestal. A adubação através da distribuição direta da glicerina no campo pode, porém, resultar 37 numa imobilização de alguns nutrientes, como o nitrogênio e o fósforo, pelos microorganismos no solo. A ausência de nitrogênio e fósforo na glicerina bruta pode levar à imobilização do nitrogênio solúvel pelas bactérias no solo até que a relação carbono:nitrogênio (C:N) no solo seja reduzida para 20:1. Se a aplicação da glicerina bruta acontecer no período vegetativo, a absorção do nitrogênio pelos microorganismos pode levar à uma deficiência deste macronutriente, caso não seja fornecida adubação adicional extra, prejudicando o desenvolvimento da cultura e, conseqüentemente, comprometendo o rendimento da safra. O mesmo pode acontecer com a disponibilidade de fósforo, pelas mesmas causas mencionadas anteriormente para o nitrogênio (SCHALLER, 2005). A produção de adubo orgânico através da compostagem representa uma das alternativas de aproveitamento da glicerina bruta. Para comprovar a digestibilidade da glicerina bruta por microorganismos e otimizar a sua utilização, foi conduzido no ano de 2003 um experimento sobre compostagem da glicerina bruta associada com outros resíduos orgânicos convencionais (ROBRA et al., 2003). Lodo ativado Corte de grama 57,0% 4,0% Palha de coco 5,0% Composto maduro 10,0% 14,0% 10,0% Resíduos de frutas e verduras Restos de comida Gráfico 10 - Composição das pilhas de composto em % m/m O experimento foi conduzido no Hotel Transamérica (HT), localizado na Ilha de Comandatuba, município de Una, Bahia, utilizando como base o processo de compostagem em pilha, utilizado no Hotel. As seguintes matérias-primas foram utilizadas: corte de grama do campo de golfe, restos de alimentos cozidos e resíduos crus das cozinhas, palha de coqueiro, lodo ativado da estação de 38 tratamento de esgotos e composto maturado como inóculo, sendo adicionadas nas proporções indicadas no Gráfico 10. Foram montadas 12 pilhas de aproximadamente 400 kg (1,4 m³), adicionando-se três proporções (5, 10 e 15% m/m) de glicerina oriunda da produção de biodiesel de OGR. Foram usadas três repetições para cada proporção adicionada, sendo três pilhas usadas como testemunha (sem adição de glicerina; Figura 4). Figura 4 - Montagem das pilhas de composto (esquerda) e pilhas compostadas (direita). O Gráfico 11 mostra a evolução das temperaturas durante o processo de compostagem para três percentagens de glicerina bruta adicionada. As pilhas sem adição de glicerina tiveram uma subida brusca da temperatura média, até atingir a temperatura máxima de 75 °C, e caindo suavemente até o final da quinta semana. Observa-se que nas pilhas com adição de 5% m/m de glicerina bruta, as temperaturas subiram mais lentamente e não atingiram temperaturas acima de 72 °C. As pilhas com concentração de 10 e 15% m/m de glicerina apresentaram uma curva de temperatura dentro da faixa considerada ideal. A queda das temperaturas depois de 16 dias (0%,e 5%) e 25 dias (10% e 15%), respectivamente, indicaram o final da fase termofílica do processo de compostagem, ou seja, o esgotamento do estoque da matéria orgânica de fácil degradabilidade. Gráfico 11 - Evolução das temperaturas durante o processo da compostagem para diferentes percentagens de glicerina bruta adicionada. 39 O experimento revelou que a compostagem usando glicerina e outros resíduos orgânicos é tecnicamente viável e poderá ser uma alternativa utilizada para o aproveitamento da glicerina bruta como adubo. O teor de potássio no composto maduro foi elevado nas amostras que receberam adição de glicerina, aumentando segundo a percentagem de glicerina adicionada (Tabela 1). Tabela 1 - Teores de nutrientes no composto, segundo a percentagem de glicerina adotada Tratamento 0% m/m 5% m/m Nutiente N P K 10% m/m 15% m/m 1,5 0,32 1,2 1,6 0,23 1,5 % 1,5 0,28 0,74 1,4 0,29 1 No entanto, adotando os princípios da ecoeficiência, a compostagem da glicerina deve ser a estratégia utilizada como segunda opção. Devido ao alto teor energético da glicerina, a sua valorização através da biodigestão, possibilitando o aproveitamento da energia contida no substrato através da sua recuperação em forma de biogás, pode ser uma opção mais eficiente do ponto de vista econômico e ambiental. 2.7. Biodigestão e produção de biogás O biogás pode ser produzido em unidades descentralizadas, adaptadas às condições específicas do local e próximo às fontes de matéria-prima e de consumo, como demonstrado, por exemplo, na Índia, na China e em vários países da Europa. Ao mesmo tempo em que contribui na ciclagem adequada de nutrientes e energia dentro do ecossistema, a biodigestão estabiliza a matéria orgânica presente nestes resíduos orgânicos, produzindo um fertilizante de fácil assimilação pelas plantas. Comparado com a aplicação direta dos resíduos orgânicos no solo, como, por exemplo, do estrume de gado, o uso do efluente da biodigestão pode ser vantajoso, pois: - sua baixa viscosidade facilita o bombeamento e conseqüentemente o manuseio, favorecendo a infiltração rápida no solo e absorção pelas plantas, evitando-se assim perdas de nitrogênio para a atmosfera; - possui um baixo teor de ácidos carbônicos causadores de queimaduras nas plantas e pela forma com que o nitrogênio está presente (NO3¯), facilita a sua absorção pelas raízes. 40 O grupo potencial das matérias-primas para a produção de biogás engloba todos os resíduos orgânicos de fácil degradabilidade bacteriana. Estes resíduos orgânicos, de origem vegetal ou animal, como restos de verdura e de frutas, resíduos da produção de alimentos, dejetos animais ou esgoto doméstico, não tem, via de regra, recebido um tratamento adequado no Brasil (ROSE, 2005), prejudicando a saúde humana e contribuindo para a poluição dos corpos d’água e para o efeito estufa antrópico. A co-digestão anaeróbica de resíduos orgânicos pode representar um grande potencial de contribuição na geração de energia renovável, dentro dos conceitos previstos na Agenda 21 Brasileira e na proposta de DL, sendo o seu aproveitamento associado à produção de calor, de frio, para uso automotivo em motores de combustão interna ou na geração de energia elétrica (MEUNIER, 2002; PILAVACHI, 2002; PÖLZ; SALCHENEGGER, 2005). No longo prazo, a tecnologia da biodigestão deverá assumir um papel importante na busca de alternativas para o desenvolvimento sustentável (BRAUN; STEFFEN, 1997). 3. Fundamentos da biodigestão A população dentro de um biodigestor pode ser entendida como uma biocenose, ou seja, como uma comunidade de organismos convivendo em mútua interdependência, como, por exemplo, se encontra no trato digestivo de animais ruminantes. Por conseqüência, a alimentação deste sistema biológico pode se basear nos conhecimentos sobre a alimentação de ruminantes (PESTA; MEYER-PITTROFF, 2003). A energia gerada por este sistema, em última análise, o seu rendimento em metano, será determinada pelo conteúdo em carboidratos, proteínas, gorduras e pela digestibilidade das substâncias presentes no substrato. Para a avaliação dos substratos usados na biodigestão é, portanto, fundamental o conhecimento da quantidade, da qualidade e da sua composição, obtidos através da determinação do conteúdo em matéria seca (MS), em matéria orgânica (MO) e do teor de nutrientes destes substratos (KEYMER; SCHILCHER, 2003). Os fundamentos deste estudo estão baseados no conhecimento da geração de biogás através da digestão bacteriana anaeróbica úmida de substâncias biologicamente degradáveis. Segundo Nagamani e Ramasamy (1999), existem três fatores básicos a serem considerados neste processo: 41 • A maioria das espécies microbianas que atuam na produção de biogás são anaeróbicas e apresentam baixas taxas de crescimento; • estes microorganismos apresentam um alto grau de especialização metabólica; • a maior parte da energia livre encontrada no substrato original permanece disponível no produto final do processo na forma de gás metano, pois, pouca energia é utilizada no crescimento e na manutenção dos microorganismos. A decomposição do substrato e a formação do biogás obedecem à seguinte seqüência de passos (Figura 5). Num primeiro passo, semelhante à compostagem, os polímeros complexos são quebrados em produtos solúveis de menor complexidade, como, ácidos graxos de cadeia curta, hidrogênio e dióxido de carbono, através da atuação de enzimas produzidas por bactérias fermentativas (1). Nos passos seguintes, na ausência de oxigênio, se formam populações associadas de bactérias anaeróbicas obrigatórias e os ácidos graxos de cadeia mais longa que a do ácido acético são metabolizados em acetato pelas bactérias acetogênicas (2), produtoras obrigatórias de hidrogênio. Os principais produtos encontrados após a digestão do substrato por estes dois grupos de bactérias são o hidrogênio, o dióxido de carbono e o acetato. Em seguida pode ocorrer ou a conversão do hidrogênio e do dióxido de carbono pelas bactérias acetogênicas (3) em acetato, ou pelas metanogênicas oxidadoras de hidrogênio (4) em metano e dióxido de carbono, e o acetato pode ser convertido em metano pelas bactérias metanogênicas aceticlásticas (5). Figura 5 - Passos e grupos de bactérias envolvidas na biodigestão de matériaorgânica (Fonte: adaptado de Nagamani e Ramasamy,1999). Especialmente o último passo, a fase metanogênica, é responsável pela transformação dos produtos metabólicos da fase acidogênica (metanol, ácido fórmico, hidrogênio, ácido acético) e da fase acetogênica (ácido acético, hidrogênio), em metano e dióxido de carbono, ambos substâncias voláteis, que evaporam do sistema e, portanto, não podem causar inibição do processo por acumulação. Portanto, o 42 processo da biodigestão continuará sem inibição, enquanto a alimentação continua (ZIMMERMANN et al., 2003). O processo descrito acima só se mantém estável quando todos os grupos de bactérias envolvidos se encontram em equilíbrio e em condições ambientais adequadas, sendo que a perturbação da atividade de um dos grupos coloca todo o sistema em colapso. A inibição da hidrolise e acidificação leva à escassez de substrato para as bactérias acetogênicas e metanogênicas. A perturbação da fase acetogênica causa a acumulação de ácidos orgânicos, com pH baixando, o que tem efeito negativo na atividade das bactérias metanogênicas, que, por sua vez, traz como conseqüência o aumento da pressão parcial de hidrogênio e o enriquecimento do substrato com acetato, o que impossibilita o metabolismo das bactérias acetogênicas. Portanto, o foco primordial na condução de um biodigestor tem que estabelecer e manter estável o equilíbrio mencionado acima (ZIMMERMANN et al., 2003). O Quadro 2 mostra a composição típica do biogás obtido através da biodigestão de estrume de gado. O teor de metano se encontra na faixa de 55% - 75% (GRUBER, 2004), e 30% dos teores de metano observados se encontraram na faixa de 56 até 60% de metano (GRUBER, 2005). Composto Metano (CH4) Dióxido de carbono (CO2) Água (H2O) Nitrogênio (N2) Oxigênio (O2) Hidrato de enxofre (H2S) Hidrogênio (H2) Fonte: Gruber, 2004. Concentração (% v/v) 55 – 75 25 – 45 2 (20 °C) – 7 (40 °C) <2 <2 <1 <1 Quadro 2 - Composição típica do biogás A maior parte (65%–96%) do metano produzido na biodigestão do estrume de gado é derivada do acetato (WEBER et al., 1984; KALLE; MENON, 1984). No Quadro 3 estão representadas as principais reações padrões típicas que ocorrem dentro de um biodigestor, e a energia livre associada. 43 Produtos Energia livre ∆G Kj mol-1 Reações representativas Glucose + 3 H2O Glucose + 4 H2O – CH3COO + H2O – 4 H2 + HCO3 + H+ – 4 H2 + 2 HCO3 + H+ Butirato + 2 H2O Propionato + 3 H2O Benzoato + 7 H2O 3 CH4 + 3 HCO3 + 3 H+ – – 2 CH3COO + 2 HCO3 + 4 H+ + 4 H2 – CH4 + HCO3 + H+ - 403,6 CH4 + 3 H2O - 135,6 – CH3COO + 2 H2O – 2 CH3COO + H+ + 2 H2O – – CH3COO + HCO3 + H+ + 3 H2 – – 3 CH3COO + HCO3 + 3 H + 3 H2 - 104,6 - 206,3 - 31,0 + 48,1 + 76,1 + 89,7 Quadro 3 - Reações típicas e energia livre dentro de um biodigestor (adaptado de Nagamani; Ramasamy, 1999). 3.1.1. Breve histórico do biogás O biogás é uma mistura dos gases metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2), com traços de outros gases (Quadro 2), gerado através da decomposição microbiana de materiais orgânicos sob condições anaeróbicas. Na natureza, o processo da decomposição anaeróbica microbiana da biomassa se dá na presença de elevada umidade. Por exemplo, encontra-se produção de biogás em pântanos, no trato digestivo dos ruminantes, nas lavouras de arroz inundadas e no lixo urbano, depositado em lixões e aterros sanitários. O conhecimento e o aproveitamento do biogás têm uma longa tradição na história humana. Na Europa, por exemplo, o fenômeno das chamas nos pântanos chamou a atenção da população, tendo sido motivo de várias histórias e lendas. No ano 1776, na Itália, o pesquisador Volta descobriu que a causa dessas chamas seria um gás inflamável, produzido da decomposição do material orgânico nos pântanos. Logo em seguida surgiu a idéia do uso deste gás inflamável como fonte de energia. Estima-se que 1 m³ de biogás, com teor de metano ao redor de 60 %, contenha cerca de 6 kWh de energia. A partir da metade do século XIX a evolução da tecnologia para o aproveitamento desse gás foi acelerada, sendo que, no ano 1859, o biogás produzido a partir de 44 esgotos foi usado para fins de cocção e de iluminação, em Bombaim na Índia. No ano de 1868, na França, Bechamp descobriu a origem microbiológica da formação do biogás. Na Inglaterra, em 1895, o biogás gerado a partir do lodo de esgoto foi usado para a iluminação pública na cidade de Exeter. Em 1910, na mesma cidade, foi instalado um sistema de aquecimento do biodigestor, com o objetivo de aumentar a produção do gás. Buswell, no final dos anos 20 do século passado explicou a função do nitrogênio na biodigestão anaeróbica e calculou a estequiometria da reação e a quantidade teórica de energia produzida a partir de diferentes resíduos agropecuários, propondo que este processo fosse utilizado no tratamento de resíduos agroindustriais (MARCHAIM, 1992). Na Alemanha, em 1906, Imhoff sugeriu um sistema contínuo de biodigestão e em 1920 foi aplicado no tratamento de esgotos em 48 cidades alemãs, atingindo 4,6 milhões de habitantes, sendo que o biogás produzido nestas estações foi usado como fonte de energia no próprio tratamento de esgotos. No ano de 1926, também na Alemanha, carros movidos com motores a biogás engarrafado percorreram trechos experimentais entre 80 e 120 km e entre 1930-45 foram empregados esforços para o desenvolvimento desta tecnologia, na busca da autonomia energética. Após a segunda guerra mundial, com a abundante disponibilidade de petróleo a baixo custo, a tecnologia da biodigestão e da geração de biogás estagnou o seu desenvolvimento. Somente, com a crise mundial de energia, no ano 1973, e mais recentemente, com o aumento da conscientização sobre as questões ambientais relacionados à produção e uso da energia e à destinação adequada de resíduos sólidos e líquidos, é que o desenvolvimento da tecnologia da biodigestão foi retomado. Motivado pela intensificação da exploração nas atividades de produção animal e pelo aumento dos preços de fertilizantes químicos, no setor agropecuário foram promovidos os maiores avanços na tecnologia de biodigestão. No caso da Alemanha a preocupação com as mudanças climáticas provocadas pelo aumento na concentração dos GEE na atmosfera e os impactos ambientais causados pelos resíduos orgânicos não tratados conduziram a uma política de subsídios e de incentivos fiscais para a geração de energia renovável, que tem promovido o desenvolvimento da tecnologia da biodigestão (ZELLER, 2002). 45 Várias soluções e aplicações têm sido desenvolvidas e adaptadas ao longo do tempo, englobando diferentes tipos de substratos orgânicos, como por exemplo, a biodigestão de estrume de gado, em nível descentralizado, para o uso na cocção de alimentos na Índia e na China, ou a geração industrial de energia elétrica, como mostram vários exemplos na Europa, (BAADSTORP, 2004). Na Alemanha, por em exemplo, especial, na Dinamarca mais de 1500 fazendas agropecuárias construíram biodigestores para tratamento de estrume de gado, com o aproveitamento de calor e energia elétrica, produzidos através da cogeração. Nos últimos anos, porém, muitos biodigestores estão sendo alimentados com cerca de 5 a 20 % de outros substratos orgânicos residuais de alta digestibilidade para aumentar a produção de metano (LINKE; VOLLMER, 2002), entre eles, mais recentemente, a glicerina bruta da produção do biodiesel (KRAUSE, 2003). Na Alemanha e em outros paises da Europa é, a partir de 2005, obrigado o tratamento biológico de resíduos orgânicos sólidos ou semi-sólidos, antes de sua disposição em aterros sanitários. A portaria alemã sobre a deposição de resíduos “Verordnung über die umweltverträgliche Ablagerung von Siedlungsabfällen” (AbfAblV), de 2001, determina em seu anexo 15, que o teor em substâncias voláteis deve ser menor que 5%, com o objetivo de impedir qualquer atividade microbiológica causadora de emissões de chorume e metano. Portanto, a glicerina bruta oriunda da produção do biodiesel, bem como outros resíduos orgânicos com alto teor em substâncias voláteis só podem ser depositados em aterros sanitários após um tratamento adequado. Por outro lado, pelas suas características físico-químicas e por se constituir numa fonte de carbono de fácil degradabilidade microbiana, a glicerina pode ser utilizada, em co-digestão com os demais resíduos orgânicos, para aumentar a produção de metano, conforme resultados recentes, obtidos em experimentos laboratoriais, e experiências empíricas. Amon et al. (2004), por exemplo, observaram um aumento de 148% na produção de biogás de estrume de porco com a adição de apenas 6% de glicerina bruta, enquanto Linke e Vollmer (2002) reportam aumentos da ordem de três a quatro vezes, com a adição de pequenas quantidades de glicerina bruta ao substrato de estrume de gado. 5 Anexo 1: Critérios para a alocação dos resíduos aos aterros sanitários 46 No entanto, ainda existe um déficit bastante elevado no ramo da biodigestão anaeróbica, relacionado à estrutura, composição e atividade da biocenose microbiana, por exemplo, no que se refere aos substratos usados, condições da fermentação, tamanho e tipo dos biodigestores, com dados atuais relacionados à otimização do manejo baseado no estado microbiológico do processo da fermentação, já que cabe à estrutura e ao estado da biocenose o papel decisivo a respeito de quantidade e qualidade do biogás, e, portanto, à rentabilidade econômica da biodigestão (LFL, 2005). 3.1.2. Evolução dos estudos em biodigestão A literatura avaliada indica que o enfoque dos experimentos, até recentemente, foi voltado à degradação de matéria orgânica, ou seja, dos compostos voláteis (CV), para fins da remoção de poluentes orgânicos presentes nos efluentes da produção industrial agropecuária (BORJA; BANKS, 1995; KALYUZHNYI et al., 1998; CAMPOS et al., 2006), enquanto o volume e a qualidade do biogás gerado não estava no foco de interesse. Neste contexto, no seu estudo sobre emissões de diferentes tratamentos de dejetos animais, Wulf et al. (2002) encontraram que os principais gases emitidos pelos dejetos, quando armazenados sem tratamento, foram amônia (NH3) e metano (CH4) e, quando aplicados no campo, as emissões foram dominadas pelos gases NH3 e N2O. O NH3, apesar de não ser um GEE, pode ao entrar em contato com o solo ou durante o armazenamento, ser oxidado e dar origem ao N2O, um GEE com elevada capacidade de aquecimento global. Os autores chegaram a conclusão de que a melhor estratégia para se evitar a formação de GEE no manejo desses dejetos seria a sua biodigestão e posterior aplicação e incorporação como fertilizante no solo (Tabela 2). Tabela 2 - Emissões de CO2eq por m³ de estrume de gado, durante 80 dias Estrume Não tratado Tratado pela biodigestão Unidade Armazenamento - CO2eq m ³ CO2eq m-³ 6,8 0,1 Aplicação 2,7 - 9.1 3,4 - 7,9 Fonte: Wulf et al., 2002. Amon, B. et al (2006) concluíram que mais de 90% das emissões de GEE do estrume não tratado se dão, durante o armazenamento, na forma de metano e que a biodigestão é um método eficiente para reduzir estas emissões, uma vez que a emissão de uma tonelada de metano corresponde à emissão de 23 t de CO2eq 47 enquanto a combustão dessa mesma quantidade de metano causa somente 2,75 t de CO2 (SHIH et al., 2006). Por outro lado, a biodigestão pode aumentar as emissões de amônia. Na biodigestão anaeróbica ocorre a degradação de mais compostos de carbono do que no armazenamento sem tratamento e, conseqüentemente, mais nitrogênio é liberado na forma de amônia. Os íons do amônio encontram-se em equilíbrio químico, dependendo do pH, com a volátil e nociva amônia. Durante a biodigestão anaeróbica o pH aumenta cerca de uma unidade, o que representa um aumento na concentração de amônia em dez vezes, para uma dada concentração de nitrogênio mineralizado. Uma maior concentração de amônia, em conjunto com pH elevado, conduz a emissões mais elevadas. Portanto, ao se aplicar o efluente da biodigestão devem-se tomar precauções para evitar que o líquido entre em contato com o ar. Uma forma de minimizar este problema é através da sua aplicação próxima ao solo, incorporando-o logo em seguida (EDELMANN, 2003). Recentemente observou-se uma tendência nas publicações de experimentos sobre biodigestão, priorizando a otimização da eficiência dos processos para a produção de biogás. Neste contexto, foram realizados experimentos com vários tipos de substratos, tais como: resíduos agropecuários (MØLLER et al., 2004), vários tipos de resíduos orgânicos, como, por exemplo, resíduos de feiras livres e centrais de abastecimento de frutas e verduras (RAJESHWARI et al., 2003), OU misturas de resíduos de sisal com restos de peixe (MSHANDETE et al., 2004), ou ainda de biomassa cultivada exclusivamente para a produção de biogás, como a cultura do milho e alguns tipos de gramíneas (AMON, T. et al., 2006) com o objetivo de caracterizar estes substratos para sua aptidão na produção de biogás e ganhar experiência no desenvolvimento da biocenose, com vistas à aplicação prática no planejamento e na alimentação de biodigestores em escala industrial (VDI, 2004). Embora seja recomendado a adição de até 4 g L-1 de CV, para manter estabilidade de processo, pode-se, para otimização industrial do processo em biodigestores de alto desempenho, elevar a carga orgânica até valores ao redor de 6 g L-1 d1 (JUCKENACK, 2005). O estrume de gado, sendo um dos substratos mais usados nos biodigestores rurais em todo o mundo (KVIC, 2005; WORLD BANK, 2005), é uma substância escura e viscosa, composta pela mistura de fezes e urina. Embora os compostos voláteis, 48 especialmente os de fácil degradação, já tenham sido digeridos amplamente pelos microorganismos do rúmen, os dejetos dos bovinos ainda apresentam matériaorgânica para a geração do biogás. A alimentação fornecida aos animais tem uma influência significativa na quantidade e no teor do biogás produzido. Com relação á qualidade nutricional do efluente, ou biofertilizante, um dos parâmetros de maior interesse é o teor de nitrogênio, que está, segundo um estudo de Riemeier (2004), em estreita dependência com a alimentação dos animais (qualidade e quantidade). O rendimento em biogás da biodigestão de estrume de gado encontra-se entre 18 mL g-1 (REINHOLD, 2005), 20 mL g-1 (BAERING, 2001; BOXER-INFODIENST, 2005) até 36 mL g-1 (ROOST, 2002, em BESKEN; KEMPKENS, 2004) de substrato fresco e depende, entre outros fatores, do teor da matéria seca e da qualidade e do nível da alimentação dos animais. Os teores de matéria seca encontram-se entre 8% e 20%, dependendo do sistema de coleta de estrume, e os teores de matéria orgânica por volta de 80% da matéria seca, dependendo da qualidade e do nível da alimentação do rebanho. Segundo Tomlinson et al. (1996), o teor de nitrogênio no estrume possui uma estreita relação com o consumo de matéria seca pelo gado. Embora já existam, na literatura, uma série de dados sobre o rendimento em biogás de vários substratos orgânicos, os estudos científicos que contemplam os efeitos sinergéticos ou adversos da co-digestão da glicerina bruta oriunda da produção do biodiesel, ainda são poucos e recentes, especialmente se considerar estas aplicações nas condições climáticas do trópico úmido. A glicerina bruta, devido ao seu alto teor de carbono de alta digestibilidade, représenta uma fonte excelente de energia para os microorganismos, porém, pela ausência de nitrogênio e de outros nutrientes em sua composição, a glicerina bruta não pode ser aproveitada como substrato único. É necessária a adição de outros substratos ricos em nitrogênio e minerais para completarem a oferta de nutrientes aos microorganismos. Os limites superiores de CV recomendados para a carga orgânica são baseados numa digestibilidade média e não consideram substratos com digestibilidade elevada para a matéria orgânica. Portanto, a glicerina, pelo seu alto teor em matéria-orgânica de alta digestibilidade, pode comprometer a estabilidade do processo, mesmo garantido o limite superior de 4 g L-1 (FISCHER, 2002). 49 A aptidão da glicerina bruta para a co-digestão com resíduos orgânicos é atualmente foco da atenção dos cientistas europeus. Por enquanto existem poucas, mas promissoras, experiências empíricas a respeito da aptidão dessa substância para a co-digestão (KRAUSE, 2003; LÖHRLEIN, 2005), devido ao fato do problema do crescimento da oferta de glicerina oriunda da produção de biodiesel na Europa ser recente. 3.1.2.1. Condução de experimentos na biodigestão Antes de projetar e construir um biodigestor para o tratamento de resíduos orgânicos é fundamental a condução de estudos para avaliar o comportamento e o potencial dos substratos na biodigestão anaeróbica (TCHOBANOGLOUS; BURTON, 1991, citados por WILKIE et al., 2004). Os experimentos podem ser conduzidos em sistema batelada ou em sistema contínuo. Como descrito no manual de ensaios de biodigestão da Associação Alemã de Engenheiros (Verein Deutscher Ingenieure, VDI, 2004), os testes em sistema batelada geralmente são conduzidos da seguinte maneira. No início, a quantidade determinada de substrato é introduzida dentro de um vasilhame vedado a gás, contendo inóculo, o qual, para manter as condições anaeróbicas, é mantido fechado e no escuro, num nível de temperatura determinado, segundo as necessidades da biocenose (criofílico, mesofílico ou termofílico). A quantidade de biogás que se forma é medida diariamente até cessar a geração de biogás, ou seja, até que a quantidade de biogás formada diariamente não ultrapasse 1% da quantidade total de biogás formada até esta data. A avaliação do processo se dá através da quantidade e da qualidade do biogás formado, além da velocidade em que foi gerado. No sistema em batelada não é previsto a adição de substrato ou a retirada de efluente, durante o período do experimento. Os testes em sistema batelada permitem informações sobre: • A degradabilidade anaeróbica e a avaliação básica do rendimento de biogás, do substrato testado; • a avaliação qualitativa da velocidade da degradação microbiana do substrato testado; • a avaliação qualitativa da ação inibitória do substrato e na faixa de concentração testada. 50 Porém, os testes em batelada não permitem informações sobre: • A estabilidade do processo em reatores alimentados com o substrato ou misturas de substratos, de maneira contínua; • efeitos sinergéticos dos substratos que podem influenciar o rendimento de biogás na prática; • os limites da carga orgânica, do substrato testado. Os testes de biodigestão em sistema batelada normalmente são conduzidos em vasilhames de 0,5 L, 1 L ou 2 L, e em duplicata ou triplicata (VDI, 2004). Recentemente, foi desenvolvido um teste de biodigestão simples que trabalha com volumes de inóculo de 30 mL e de substrato de 500 mg, o chamado teste de Hohenheim (HELFFRICH; OECHSNER, 2003). Os testes em sistema (semi-)contínuo usam vasilhames (reatores) equipados com tubos para alimentação, saída do biogás e retirada do substrato, e são mantidos em temperaturas segundo às necessidades da biocenose, no escuro e vedados ao ar. No início do experimento, o reator é alimentado com uma determinada quantidade de inóculo e a seguir é alimentado em intervalos, já que, pelas pequenas quantidades, uma alimentação automatizada que seja realmente contínua, não é tecnicamente possível. A alimentação do reator se dá, então, uma ou duas vezes por dia, via regra manualmente, aumentando a cada duas semanas a quantidade de substrato a ser testado conforme à estabilidade do processo. Em cada alimentação, uma quantidade de efluente, correspondente à quantidade de substrato adicionado, é retirada do biodigestor. A produção do biogás é medida diariamente. Os testes da biodigestão em sistema contínuo permitem informações sobre: • A estabilidade do processo frente a carga orgânica, tempo de residência média; • fases do processo, formação e acumulação de produtos metabólicos e sua influência sobre a estabilidade e a eficiência do processo; • reações a sobrecargas ou variações ambientais devido à composição e à qualidade do substrato; • inibições e limitações no funcionamento contínuo. O tamanho mínimo dos reatores depende, por um lado, das necessidades de manuseio e dos detalhes de construção, tais como, instalação de instrumentos para me51 dição e agitação, o diâmetro dos tubos para a alimentação dos reatores e a retirada do efluente. Por outro lado, o esforço para o transporte, a armazenagem adequada e a preparação do substrato, bem como a deposição ambientalmente correta dos resíduos, aumenta com o tamanho dos reatores. Portanto, adotou-se, na pratica, o dimensionamento de reatores laboratoriais entre 4 L e 2 m³ (WILKIE et al., 2004, VDI 2004). 3.1.2.2. Modelos de biodigestores para biodigestão de resíduos orgânicos O crescente interesse no uso de biogás como fonte de energia renovável levou ao desenvolvimento de novos tipos de biodigestores para o tratamento de resíduos viscosos e semi-sólidos, com eficiência elevada, já que o processo da biodigestão está limitado pela taxa de crescimento muito baixa da biocenose envolvida, o que exige tempos de residência elevados, para que o substrato adicionado seja decomposto suficientemente. Portanto, é importante impedir o arraste da biocenose, como acontece em reatores convencionais com sistema contínuo de agitação (continuously stirred tank reactors, CSTRs), para alcançar maior eficiência e estabilidade do processo, como realizado nos biodigestores tipo UASB6 que é considerado um dos processos anaeróbicas com eficiência maior (BJÖRNSSON, 2002; KALYUZHNYI et al., 1998). Num reator não-agitado, o substrato tende a formar, com o tempo, diferentes camadas devido às diferenças de densidade encontradas nos componentes do substrato. Devido a sua maior densidade, grande parte da biomassa presente no substrato tende a ocupar as partes inferiores, enquanto o substrato em processo de digestão encontra-se nas partes superiores do biodigestor, limitando os processos de biodegradação do substrato. Além disso, as substâncias mais leves do substrato tendem a formar uma camada flutuante dentro do biodigestor, dificultando a emergência do biogás. Portanto é importante a agitação do conteúdo do reator para facilitar o contato das bactérias com o substrato. Por outro lado, uma forte agitação do substrato deve ser evitada para não comprometer a simbiose das bactérias acetogênicas e metanogênicas pela ação da tensão de corte. Estes grupos de bac- 6 Upflow Anaerobic Sludge Bed – fluxo ascendente em leito de lodo. 52 térias vivem e agem juntos na formação do biogás. Na prática adota-se uma solução de compromisso através do uso de agitadores intermitentes de baixa rotação por curtos períodos de tempo (WETTER; BRÜGGING, 2005). 3.1.3. Parâmetros do monitoramento do processo da biodigestão Especialmente na mudança e no aumento da alimentação (aumento da carga orgânica) do biodigestor podem ocorrer perturbações da capacidade metabólica das bactérias acetogênicas e metanogênicas e até colapsos na biocenose, causados pelo aumento de ácidos voláteis (HOFFSTEDE et al., 2005). Sendo assim decisiva a supervisão do processo da biodigestão através de parâmetros que permitam a detecção da existência e da causa de perturbações, antes que elas possam conduzir a um colapso no funcionamento do sistema (SCHOLWIN et al., 2005). A biodigestão normalmente é conduzida na faixa mesofílica, ou seja, em temperaturas entre 25 e 40 °C, já que o processo se mantém mais estável em comparação à faixa termofílica (> 45 °C). Na Alemanha, 85% dos biodigestores rurais operam na faixa de temperaturas mesofílica (SCHOLWIN et al., 2005). O processo criofílico é pouco usado, porém viável, e se dá na faixa de temperaturas de 10 – 15 °C. Embora mostrando altas taxas de decomposição e rendimento de biogás, é muito demorado (BJÖRNSSON, 2002). As bactérias metanogênicas são altamente sensíveis às mudanças da temperatura, e a produção de metano sofre um declínio forte quando as temperaturas caem abaixo de temperaturas ambientais (25 °C) (KALLE; MENON, 1984), ou sobem acima de 40 °C, na faixa mesofílica (BJÖRNSSON, 2002), enquanto as bactérias hidrolíticas e acidogênicas continuam ativas. Isso tem como conseqüência o enriquecimento do processo com ácidos graxos voláteis e a diminuição do pH do meio. Portanto, o monitoramento da temperatura do reator é imprescindível (SCHATTAUER; WEILAND, 2005). A medição do pH é simples, rápida e não exige aplicação de tecnologia sofisticada, porém não é recomendável como único parâmetro de controle, por que o aumento do teor de ácidos graxos, na supercarga do reator com compostos voláteis de fácil digestibilidade, não leva imediatamente a valores de pH menores devido a alta capacidade de tampão de determinados tipos de substratos. Exemplos são, o 53 estrume de gado, e, especialmente a glicerina bruta oriunda da transesterificação alcalina, devido à presença do hidróxido de sódio. Sendo assim, o processo já pode estar seriamente comprometido antes que seja possível detectar alterações através da medida do pH, levando a um colapso de organismos sensíveis à presença destas substâncias (SCHATTAUER; WEILAND, 2005). Porém, em outros sistemas com capacidade tampão menor, uma pequena mudança na alimentação pode refletir em valores de pH mais baixos (BJÖRNSSON et al, 2000). A produção do biogás, normalmente, aumenta segundo as fases de desenvolvimento e adaptação da biocenose: a partir da fase de lançamento do biodigestor, a produção do biogás aumenta gradualmente, até chegar numa fase de equilíbrio, onde o substrato adicionado e a formação do biogás se encontram em equilíbrio, visível na produção estável do biogás, ao longo do tempo (REIPA, 2003). Embora a quantidade de gás produzida ser um dos parâmetros que mais interessa do ponto de vista econômico, com medição simples e que reflete diretamente a atividade da biocenose, ela não é um parâmetro ideal para o monitoramento do processo. Isso se deve a sua baixa sensibilidade em relação à supercarga do biodigestor, alem da diminuição da produção do biogás somente acontecer depois que o processo estiver seriamente comprometido ou já falido (BOE, 2006). A produção de metano, por estar diretamente relacionada à atividade das bactérias metanogênicas, constitui o parâmetro mais adequado para monitorar o funcionamento do sistema, tendo em vista que estas bactérias são as responsáveis pela última fase na cadeia da biodigestão (MICHAUD et al, 2002). Porém, apenas a produção de metano como indicador da estabilidade do processo não é suficiente, por que não reflete as variações de estado dentro do reator (MECHICHI; SAYADI, 2005). 3.2. Problemas relacionados à secagem do cacau A área cultivada com cacau no Sul da Bahia foi drasticamente reduzida nas últimas três décadas, tendo como fator principal uma doença provocada pelo fungo Crinipellis perniciosa, popularmente conhecida por “Vassoura de Bruxa”. Até pouco mais de duas décadas a lavoura do cacau se constituía na atividade econômica mais importante na região e apesar da redução da área plantada, o cacau continua sendo uma cultura de grande importância do ponto de vista social, econômico e ambiental 54 nesta região, principalmente devido à sua importância como fonte de renda em pequenos e médios estabelecimentos rurais, à demanda por cacau pelo mercado internacional e à sua relativa compatibilidade com as ações de conservação dos remanescentes de Mata Atlântica na região. Recentemente, como resultado das ações integradas de combate á doença, a produção de cacau voltou a crescer, possibilitando uma recuperação econômica e social de assentados da reforma agrária, pequenos e médios agricultores da região. A região Sul da Bahia abriga hoje mais de 100 assentamentos de reforma agrária, totalizando em torno de 7000 famílias, a maioria dependente da cultura do cacau (WINROCK INTERNATIONAL BRASIL, 2005). Uma das etapas mais importantes do beneficiamento na produção do cacau é a secagem das amêndoas. Nesta etapa reduz-se o teor de água da amêndoa recém fermentada de uma umidade inicial entre 50 e 55% para 7 a 8%, garantindo assim a qualidade da amêndoa durante o transporte e o armazenamento. O suprimento de energia para a secagem das amêndoas de cacau se constitui numa preocupação para a maioria dos agricultores, seja pelas restrições no uso, pela escassez de recursos naturais ou pelos crescentes custos dos combustíveis fósseis, como o GLP. Na maioria das propriedades cacaueiras da Bahia, a secagem é realizada através da exposição direta da amêndoa ao sol, em estruturas conhecidas como barcaças, constituídas de um teto móvel sobre roldanas e trilhos, em geral de telha metálica e um piso fixo feito de tábuas. As amêndoas levam entre 7 e 20 dias para atingirem a umidade ideal, dependendo da quantidade e das condições do tempo. Devido à alta umidade relativa do ar na região e de períodos prolongados de chuva é comum o cacau mofar durante o processo, o que por um lado implica em aumento da mão-deobra, uma vez que as amêndoas necessitam serem novamente “pisoteadas” para remover o mofo e por outro levam à perda da qualidade ou perda total das amêndoas. A solução técnica adotada para contornar este problema é a secagem artificial do cacau, através do uso de fornalhas à lenha ou GLP (gás liquefeito de petróleo) como combustível, uma vez que no Brasil o uso de combustíveis líquidos derivados do petróleo, na secagem de produtos agrícolas, é proibido por lei (REINATO ET AL, 2002). A combustão direta de lenha constitui o uso mais simples e comum da biomassa, sendo ainda hoje responsável pelo suprimento energético de subsistência de uma 55 grande parte da humanidade. Na América Latina, 12% da energia primária consumida, com valor de cerca de US$ 12 bilhões por ano, é realizada na forma de lenha, sendo os principais usos: a produção de carvão vegetal, a cocção de alimentos, o uso em fornalhas para aquecimento de ar para secagem de produtos agrícolas, a produção de energia térmica em geradores de vapor para processos industriais e a geração de energia elétrica. No Brasil, em 2003, o setor residencial e a produção de carvão consumiram 25,7 e 34 milhões de toneladas de lenha, equivalentes a 31% e 41% da produção nacional de lenha, respectivamente (SALES MEDRADO ET AL., 2001). Grande parte da extração e da utilização da lenha no Brasil ocorre, porém, de forma insustentável, causando grandes prejuízos à biodiversidade, ao solo e aos recursos hídricos. O uso final se dá ainda utilizando processos ineficientes de conversão, como a combustão em fogões abertos, com baixa eficiência de aproveitamento energético e alto nível de emissões atmosféricas, contribuindo adicionalmente para o aproveitamento irracional dos recursos naturais. Na produção e processamento de produtos agrícolas, cerca de 60% da energia utilizada se dá na etapa de secagem. Além destes aspectos, alguns produtos, como o café despolpado, as sementes de cacau e as frutas e hortaliças, requerem aquecimento indireto do ar de secagem por meio de fornalhas a fogo indireto. O rendimento destes equipamentos é em geral baixo, situando-se em torno de 11 a 16% (COSTA; CARDOSO, 2001) ou 35% (LOPES et al., 2000). A baixa eficiência do uso da lenha em fornalhas deve-se, entre outros aspectos, à heterogeneidade do material utilizado, ao uso de lenha de baixa qualidade (baixo PCI) e ao uso de lenha com altos teores de umidade (SALES MEDRADO et al., 2001). Na Região Sul da Bahia o período da maior colheita de cacau coincide com a época mais chuvosa do ano, ou seja, onde a secagem natural ao sol é limitada pelas condições climáticas. Com isto, a recente recuperação da produção do cacau na região tem sido acompanhada pelo aumento proporcional do consumo de lenha, em sua maior parte, extraída ilegalmente de florestas naturais e comprometendo a conservação dos remanescentes florestais de Mata Atlântica na região. O aumento do consumo de lenha conduz ao fenômeno da escassez relativa, ou seja, áreas de exploração próximas e economicamente viáveis estão se tornando 56 cada vez mais escassas e distantes dos consumidores, aumentando assim, os custos de exploração e transporte. A retirada de lenha da floresta, além de ser intensiva em mão-de-obra, necessita adicionalmente de transporte de carga animal, ambos, recursos escassos que poderiam ser aplicados em outras tarefas de maior retorno sócio-econômico em unidades de produção familiar. A secagem artificial do cacau em fornalha pode também ser realizada utilizando combustíveis gasosos. O gás utilizado na região, por falta de infra-estrutura para o suprimento do gás natural, é o gás liquefeito de petróleo (GLP), um hidrocarboneto fóssil, co-produto da extração de gás natural e do refino do petróleo, constituído por uma mistura de 30% de propano (C3H8,) e 70% de butano (C4H10,). A utilização do GLP na secagem de cacau é eficiente e prática, possibilitando, por exemplo, um melhor controle das temperaturas do ar e da massa de amêndoas; a eliminação de possíveis odores de fumaça nas amêndoas secas, e o emprego racional da mão-de-obra, na medida em que prescinde da vigilância contínua ao longo da operação de secagem. Do ponto de vista ambiental, estima-se que o consumo de uma tonelada de GLP evita a derrubada de 50 árvores (REINATO et al., 2002). Por outro lado, os aspectos negativos da utilização do GLP são os altos custos, a emissão de GEE na sua combustão, bem como na sua produção e transporte. Concluindo, o uso da lenha para fins de secagem de cacau, embora ainda uma fonte de energia barata e disponível na região, se manejada e utilizada de forma insustentável pode causar diversos impactos ambientais associados ao desmatamento de florestas nativas e à emissão de poluentes atmosféricos. Por outro lado, a combustão do GLP, uma fonte de energia eficiente e de fácil utilização, é economicamente inviável, pelos altos custos associados ao GLP e pela sua contribuição com emissões de GEE. Neste sentido, justifica-se o estudo de fontes alternativas de energia para a secagem de produtos agrícolas na região, que associem sustentabilidade econômica e ambiental. 57 3.3. Combustíveis tradicionais 3.3.1. Lenha A lenha apresenta uma grande diversidade de características físico-químicas de acordo com a aplicação que se deseje dar a ela. O teor de umidade, a composição química e o poder calorífico da lenha são aspectos importantes na avaliação energética e ambiental deste combustível. 3.3.1.1. Aspectos energéticos da lenha O teor de umidade da lenha recém cortada varia entre 40 e 50% e somente quando empilhada num lugar protegido da chuva por um tempo prolongado de dois ou três anos, a umidade média da lenha baixa aproximadamente a 25% (DALPASQUALE et al., 1991). Tabela 3 - Propriedades de lenha de diferentes procedências Tipo de lenha Densidade aparente Umidade nominal (kg m-³) Madeira Nativa 400 – 500 Eucaliptos 450 – 550 Acácia 380 – 480 Pinus 380 – 480 Fonte: Arauterm, 2006, adaptado. (%) 20 – 60 20 – 60 20 – 60 20 – 60 Poder calorífico inferior (PCI) (MJ kg-1) 13,79 - 5,74 14,16 – 5,87 14,67 – 6,70 14,96 – 6,29 O poder calorífico inferior da lenha (PCI) varia em função do tipo de lenha utilizada (Tabela 3) e do teor de umidade da lenha (Gráfico 12). Observa-se que o poder calorífico da lenha recém cortada, e com teor de umidade alta (50%), apenas alcança 56% do poder calorífico da lenha armazenada seca, com 20% de umidade. 58 20 MJ kg -1 15 10 5 0 20 25 30 35 40 45 50 55 % umidade 65 Gráfico 12 - Relação entre teor de umidade e PCI, na lenha (Fonte: adaptado de Arauterm, 2006). A eficiência energética da lenha, quando usada como combustível na fornalha de um secador rotativo com calor indireto, foi estimada em 11 a 16% (Costa; Cardoso, 2001). 3.3.1.2. Emissões causadas pela lenha Em termos de emissões de gases causadores de efeito estufa, são emitidos cerca de 500 g de CO2 kg-1 de lenha, devido ao carbono contido na lenha, A queima da lenha não contribui para o aumento da concentração do CO2 na atmosfera, desde que o corte e a queima fossem feitos em equilíbrio com a taxa de crescimento, ou seja, se não for usado mais do que está sendo fixado pela fotossíntese, num determinado período de tempo (KAMMEN et al., 2003). Ou seja, a madeira que não for cortada e oxidada, mas deixada em pé na floresta, contribui para o seqüestro de carbono. A combustão incompleta da lenha -1 provoca -1 emissões de metano de -1 0,0339 kg GJ , e de N2O de 0,00136 kg GJ , o que resulta em 1,183 kg GJ CO2eq (PROBAS, 2006). 59 de 3.3.1.3. Aspectos econômicos da lenha Os preços pagos pelo m³ st7 da lenha mostram ampla variação, de R$ 8,00 no Rio Grande do Norte, até R$ 25,00 no Sul e Sudeste do país (CASTRO; PACHECO, 2005). O preço de oportunidade adotado, baseado na média destes preços foi de R$ 16,50. Pela lei 4771/65, todas as pessoas físicas ou jurídicas que explorem, utilizem, transformem ou consumam matéria-prima florestal, estão obrigadas a replantar árvores. No Estado da Bahia, esta reposição é regida pelo Decreto Nº 7.396 de 04 de agosto de 1998, no artigo 20, citado a seguir (SEAGRI, 1998): [...] Para o cumprimento da Reposição Florestal Obrigatória, serão observados os parâmetros abaixo, e no que couber, às disposições da Instrução Normativa nº 01, do Ministério de Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal: § 1º - Para o cálculo do valor do recolhimento da Reposição Florestal Obrigatória serão utilizados, opcionalmente, os seguintes fatores de conversão: - 8 árvores/m³ - oito árvores por metro cúbico de toras; - 6 árvores/st - seis árvores por estéreo de lenha ou torete; - 12 árvores/mdc - doze árvores por metro cúbico de carvão vegetal. § 2º - A ARF poderá definir os valores a serem recolhidos em seu favor, obedecendo aos limites mínimos estabelecidos na legislação específica. Os consumidores de matéria-prima florestal que não conseguem realizar o replantio são obrigados a recolher anualmente a taxa de Reposição Florestal, pelo consumo de matéria prima vegetal. O valor/árvore determinado atualmente pelo governo é fixado em R$ 0,30 (Associação de Recuperação Florestal do Médio Tietê, 2006). Os custos para formação e maturação de um maciço florestal, até o sétimo ano, foram calculados em cerca de R$ 2.000,00 por hectare (AMBIENTEBRASIL, 2006). As florestas nativas na região, segundo estudos, apresentam entre 700 (Alves, citado por Sambuichi, 2001) e 2.450 (Thomas et al., citado por Sambuichi, 2001) árvores, com limite mínimo de 10 cm e 5 cm, respectivamente, de diâmetro na altura do peito. 7 A unidade primária da lenha é o metro cúbico estéreo (m³ st). 60 3.3.2. GLP O GLP é um hidrocarboneto obtido como sub-produto de duas fontes: o processamento do gás natural e do refino do petróleo. O gás natural, surgindo do poço, contém metano e outros hidrocarbonetos leves. Numa planta de processamento, usando temperaturas baixas e pressão alta, os componentes líquidos dos hidrocarbonetos como o etano, o propano e o butano, bem como os hidrocarbonetos mais pesados, são separados. O propano e o butano também são produzidos durante o refino do petróleo, como co-produtos dos processos que re-agrupam e/ou quebram as estruturas moleculares para obter compostos de petróleo mais desejados. Como mostra o Gráfico 13, a proporção do GLP na produção de derivados de petróleo, com 8,3%, é comparativamente pequena. Outros 6,3% Óleo Diesel 30,3% GLP 8,3% Gasolina A 17,1% 13,6% Naphta 24,4% Óleo combustível Gráfico 13 - Produção de derivados de petróleo na Bahia, no ano 2006 (Fonte: ANP, 2006). Os componentes do GLP são gases, em temperaturas e pressão normais, mas podem ser liquefeitos facilmente para armazenamento, com aumento da pressão até 8 atm ou a diminuição da temperatura (BEER, 2004). O GLP no Brasil é formado por uma mistura dos gases propano e butano, sendo que a proporção varia conforme a região consumidora devido à variação das características físicas de liquefação e vaporização (BRASILGAS, 2006). O GLP tem densidade de vapor de 1,2 a 2,0, maior que a do ar, o que significa, que em caso de vazamento, o gás tende a ficar acumulado junto ao chão. Em temperaturas normais, o gás fica líquido quando submetido à relativamente baixa 61 pressão. Na fase líquida ocupa somente 1/270 do seu volume na fase gasosa. 1 m³ equivale a 2,5 kg, e o poder calorífico do GLP é de 45,9 MJ kg-1 (GEMIS, 2006). A eficiência do GLP, quando usado em fornalhas de secadores rotativos com calor indireto, varia entre 45,8 é 60 % (REINATO et al., 2002). As propriedades do GLP são apresentadas no Quadro 4. O GLP para consumo doméstico é vendido em botijões de 13 kg. No segmento comercial como, por exemplo, shopping centers, hotéis, condomínios, restaurantes, lavanderias e hospitais, a distribuição do GLP é feita principalmente através do abastecimento direto de tanques instalados nestes estabelecimentos, por caminhões especiais. Quadro 4 - Propriedades do GLP Item Composição Densidade Poder calorífico inferior (PCI) Expansão (fase líquida para fase gasosa) Emissões de CO2eq Unidade kg m-³ GJ t-1 t GJ-1 Valor Propano (30-60%), butano (40-70%) 2,5 45,9 270 vezes 0,064 Fonte: GEMIS (2006), Minasgas (2006). 3.3.3. Biogás As propriedades do biogás foram descritos no item 3.1.1 e a composição do gás se encontra no Quadro 2. O Gráfico 14 mostra a relação do poder calorífico do biogás com o teor de metano que pode variar entre 45 e mais que 70%, dependendo da composição e dos teores de nutrientes usados na alimentação do biodigestor, principalmente os teores de carboidratos de fácil decomposição, gorduras e proteínas. 62 30 MJ m³ -1 25 20 15 50 55 60 65 70 % metano 75 Gráfico 14 - Relação do poder calorífico com o teor de metano no biogás. Na avaliação ambiental deve-se levar em consideração também a quantidade de GEE emitida sem nenhum tratamento de estrume, num cenário de base. Apesar das medidas de segurança, observações e levantamentos apontam que na prática as perdas podem chegar a 5% do biogás produzido (KRIEGL et al, 2005; PÖLZ; SALCHENEGGER, 2005). A quantidade de metano formada durante a decomposição dos resíduos é influenciada pelas condições ambientais, tais como, temperatura ambiental e ocorrência de chuvas, além do tipo de manejo e armazenamento destes resíduos. Nas condições do trópico úmido, com altos índices pluviométricos, e com o tipo de armazenamento do estrume na Fazenda Cascata (armazenamento em fossa em estado semi-sólido até ser levado para o campo), espera-se como cenário de base uma taxa de emissão de metano elevada, já que a atividade microbiana aumenta proporcionalmente com a temperatura, e o manejo adotado favorece a formação de condições anaeróbicas (IPCC, 1996, 2000). 3.3.4. Consumo de combustíveis na cocção de alimentos Segundo o relatório da Winrock International Brasil (2002), as 40 famílias dos assentados utilizam o GLP para cocção doméstica e consomem, em média, 1 botijão de GLP por mês (R$ 36,008), somando 480 botijões por ano. 8 preço de venda móvel da BRASILGÁS em Ilhéus no ano de 2006. 63 4. Material e métodos 4.1. Delimitação da área e do objeto de estudo Regionalmente, encontram-se vários tipos de resíduos orgânicos com aptidão para a biodigestão, caracterizados pelos seus altos teores de matéria orgânica. Destacamse, na região, os resíduos das atividades agropecuárias e os das atividades turísticas. Neste trabalho foi escolhida a Fazenda Cascata, município de Aurelino Leal, para coleta de amostras de resíduos orgânicos e os cálculos de viabilidade econômica da produção do biogás. As justificativas para escolha da Fazenda Cascata como referência para os cálculos de viabilidade são, além da relevância em termos de utilização do principal substrato, a possibilidade de aplicação dos resultados da pesquisa, tendo em vista, que a Fazenda dispõe de um biodigestor e já utiliza o biogás na secagem do cacau e o biofertilizante, na adubação. O principal resíduo da propriedade é o estrume de gado bovino criado em regime de semiconfinamento. O projeto de assentamento da reforma agrária “Cascata”, ou Fazenda Cascata, está situado no município de Aurelino Leal no sul da Bahia, a 380 km de Salvador e a 60 km de Ilhéus (Figura 6). Figura 6 - Localização geográfica da unidade participante no estudo (Fonte: Google Earth, 2006). 64 Com 40 famílias assentadas em 587 hectares, o assentamento produz cacau orgânico certificado através do selo de qualidade do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD). Além do cacau, o assentamento cultiva banana e realiza atividades de extrativismo de frutas regionais, como o cajá, a jaca, o jambo, etc.. Para garantir mais diversidade econômica, foi implantando um projeto de pecuária mista (de corte e de leite), sendo o rebanho atual constituído de 40 cabeças de gado de leite e de corte. Em março de 2005, foi inaugurado um biodigestor na Fazenda, tendo como principal substrato, o esterco bovino. O assentamento Cascata foi o primeiro assentamento na região a utilizar a tecnologia da biodigestão, combinando duas soluções ecologicamente vantajosas, o uso do biogás em substituição à lenha nativa na secagem do cacau e o do biofertilizante na adubação de cultivos orgânicos (INCRA, 2005). A coleta de dados gerais da propriedade e específicos sobre a atividade agropecuária (número e porte dos animais, manejo, quantidade de estrume produzido, etc.) e do biodigestor foram levantados durante cinco visitas realizadas entre novembro de 2003 e maio de 2006 através de entrevistas semi-estruturadas com responsáveis pelo biodigestor e pelo assentamento (Formulário no Anexo). O rebanho fica confinado durante 8 horas no curral, onde recebe ração em forma de capim. O curral foi construído de tal forma a facilitar o manejo dos dejetos animais, com piso de concreto em desnível direcionado para uma caixa coletora, evitando-se assim perdas de substrato e contaminação de áreas vizinhas. Na propriedade são produzidos diariamente cerca de 18 m³ de biogás (120 kWh), com conteúdo energético aproximado de 12 L de diesel comum (ALMEIDA ET AL., 2006). 4.2. Experimento da biodigestão Para a condução do experimento da biodigestão foram construídos quatro biodigestores laboratoriais, descritos no item 4.2.1. O desenho experimental do processo foi do tipo biodigestão semi-contínua, com alimentação diária, sendo adotado um tempo de operação que correspondesse no mínimo a três vezes o tempo de residência. Foram usados quatro biodigestores, sendo um controle e três biodigestores utilizados para testar a glicerina em três diferentes proporções. 65 O desenho do experimento está indicado na Tabela 4. Como controle foi usado um biodigestor operado com estrume bovino como substrato. No tratamento Gli 5, foi adicionada uma proporção de 5% m/m de glicerina, no Gli 10, 10% m/m de glicerina e no Gli 15, 15% m/m de glicerina bruta ao estrume. Tabela 4 - Proporções de estrume e de glicerina usadas no experimento da biodigestão Tratamento Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gli 15 Estrume % m/m 100 95 90 85 Glicerina bruta % m/m 0 5 10 15 Soma % m/m 100 100 100 100 4.2.1. O biodigestor em escala de laboratório Foram construídos quatro sistemas de biodigestão em escala de laboratório, sendo constituídos por um reator de 5 L de volume total, um reservatório para o biogás e um reservatório de líquido de vedação. O reator, o reservatório para o biogás e o reservatório do líquido de vedação foram interligados por tubos de plástico (Figura 7). Como reatores foram utilizados vasilhames de plástico transparente, de 18 x 18 x 20 cm, com volume de 5 L, e com boca de 4 cm de diâmetro, fechada com uma rolha de borracha com três furos, nos quais foram inseridos três tubos de plástico rígido de 8 mm de diâmetro externo e 5 mm de diâmetro interno. Um dos tubos funciona como entrada de substrato (30 cm de comprimento), outro como saída de efluente (20 cm) e um terceiro como saída do biogás (10 cm). Figura 7 - Biodigestor em laboratório tipo UASB. 66 Em relação aos biodigestores laboratoriais é importante salientar que foram projetados com base no trabalho de Wilkie et al. (2004) e construídos localmente com materiais e componentes disponíveis no mercado. Os reatores foram mantidos dentro de uma caixa de isopor (82 x 56 x 44 cm) em banho-maria, submersos em água até o nível do substrato. Uma resistência elétrica acoplada a um termostato de aquário foi utilizada para manter a temperatura da água entre 35°C e 37°C. Para garantir a melhor distribuição do calor dentro da água dentro da caixa de isopor foi utilizada uma bomba de aquário para circulação da água. Os reatores foram desenhados conforme o sistema UASB. Neste sistema, o substrato de alimentação é introduzido no fundo do reator, onde se forma, pela ação do tempo e da gravidade, uma camada de lodo constituída, principalmente, de compostos granulados de bactérias. No biodigestor laboratorial utilizado não se adotou nenhum sistema extra de agitação. Por um lado, constatou-se uma alta sensibilidade da flora bacteriana e, por outro, o próprio sistema construtivo dos reatores UASB já promovem uma agitação suficiente, proporcionada pelo movimento ascendente das bolhas de biogás dentro do reator e pelo fluxo gerado pela retirada de substrato digerido e pela alimentação diária dos biodigestores. Para impedir a formação de uma camada flutuante, os reatores foram submetidos a uma leve agitação manual durante o processo de alimentação com o substrato. 4 2 1 – gasoduto (do reator) 2 – reservatório de gás 3 – tubulação de líquido de vedação 3 4 – reservatório de equalização 1 P – coluna de pressurização Figura 8 - Medidor de biogás. 67 O biogás produzido foi coletado através do gasoduto e armazenado num reservatório plástico utilizado para armazenamento de água potável (20 L), sendo sua produção estimada com base na variação da diferença de altura do nível do líquido de vedação, deslocado pelo aumento da pressão interna provocada pelo biogás (Figura 8). O líquido de vedação deve ser quimicamente inerte e não permitir o crescimento de algas e microorganismos. O líquido utilizado foi preparado com base nas recomendações das “normas para o tratamento mecânico-biológico de resíduos do Ministério da Agricultura Austríaco” (BMLFUW, 2002). A composição utilizada por litro de solução foi de 250 g NaCl, 750 mL de água, 30 mL de ácido sulfúrico e 0,1 g do corante alaranjado de metila, para visualização melhor do espelho de líquido. 4.2.2. Coleta e calibração do inóculo A partida de um biodigestor laboratorial para o estudo do comportamento do processo da biodigestão e do seu rendimento em biogás exige, por questões de tempo, o uso de um inóculo. Este é constituído por colônias de várias espécies de bactérias especializadas em digestão anaeróbica, em geral, obtido do efluente de um biodigestor em funcionamento. O inóculo utilizado na partida dos biodigestores laboratoriais deste trabalho foi obtido no biodigestor da Fazenda Cascata. O experimento só foi iniciado após cessar a atividade microbiológica do inóculo, identificada através da interrupção na produção de biogás. Os resultados da análise físico-química do inóculo utilizado encontram na Tabela 5. Tabela 5 - Características químicas do inoculo utilizado no processo de biodigestão Características analisadas Ca (%) Mg (%) K2O (%) N (%) P2O5 (%) MO (%) MS (%) pH 0,05 0,02 0,12 0,02 0,02 0,29 0,6 7,9 *Análises realizadas no laboratório de análise de solos e adubos da CEPLAC em dezembro 2005, segundo os métodos de análise de solo (EMBRAPA). 68 4.2.3. Caracterização do estrume de gado Na Fazenda Cascata, os animais permanecem durante a noite estabulados e suas fezes e urinas são coletadas na manhã do dia seguintes. Este substrato é então diluído com água na proporção mássica de 1:1, numa caixa de entrada e introduzido no biodigestor. Os resultados da análise físico-química do estrume do gado da Fazenda Cascata foram comparados com valores encontrados na literatura na Tabela 6 . Tabela 6 - Valores de alguns parâmetros físico-químicos encontrados para o estrume de gado da Fazenda Cascata em comparação com valores da literatura % Fonte Ca Mg K2 O N P2O5 MO MS* pH 1 0,25 0,07 0,41 0,11 0,1 7,87 9,4 6,9 2 - 0,06 0,28 0,44 0,18 5,28 - - 3 - - - 0,41 - 7,35 10 7,42 4 - - 0,27 0,41 0,17 5,59 6,6 - 5 - - 0,51 0,52 0,18 - 8,9 7,8 6 - 0,08 – 0,1 0,14 – 0,2 - 8 - 7 - 0,02 – 0,16 0,09 – 0,47 0,17 – 0,61 0,01 – 0,23 - 2,6 - 13 - 0,36 – 0,51 0,35 – 0,45 1 Análises realizadas no laboratório de análise de solos e adubos da CEPLAC, 11/2005. * Análise realizada pela autora no laboratório de pesquisa do Grupo Bioenergia e Ambiente, em 2005 2 Landwirtschaftskammer Niedersachsen, 2005 3 Bayerisches Landesamt für Umwelt 2006 4 Ministerium für Ländliche Entwicklung, Umwelt und Verbraucherschutz des Landes Brandenburg 2006 5 6 7 Minnesota Project 2006 LUFA Nord-West 2006. Landeskontrollverband Brandenburg e.V., s/d. 4.2.4. Tomada, preparação e análise das amostras As amostras foram coletadas na caixa de entrada do biodigestor com o auxilio de um balde, e transportadas com o auxílio de vasilhames plásticos de 20 L, no mesmo dia, para o laboratório do Grupo Bioenergia e Meio Ambiente, na UESC, onde foram divididas em vasilhames plásticos de 1 L (Figura 9) e congeladas abaixo de -7°C. Na alimentação do biodigestor as amostras foram descongeladas até a temperatura ambiente e homogeneizadas com o auxílio de um liquidificador. 69 Figura 9 - Amostras de estrume de gado. 4.2.5. Análise físico-química do estrume de gado utilizado Para comparar os resultados obtidos com os dados da literatura, adotou-se metodologia padrão da A.O.A.C. (1975) na determinação das seguintes variáveis: • teor de matéria seca (MS) - a amostra foi seca em estufa a 105°C até que seu peso se mantivesse constante (~ 24 horas); • compostos voláteis (CV) - o material previamente seco em estufa foi submetido à combustão em mufla à temperatura de 550°C, sendo que o teor de compostos voláteis foi calculado pela diferença entre o teor de matéria seca e o teor de cinzas obtido após combustão. A parte mineral do estrume de gado foi determinada através do resíduo da combustão, ou seja, através das cinzas. 4.2.6. Glicerina bruta A glicerina bruta usada neste estudo foi proveniente da transesterificação metílica alcalina do óleo de mamona, utilizando o metóxido de sódio como catalisador, baseado em processo otimizado na UESC (XAVIER et al., 2006). A sua composição média encontra-se no Gráfico 15. 70 Éster metílico 18,0% Sabão, hidróxidos 14,0% Metanol 10,0% Água e outros 2,0% Glicerina 56,0% Gráfico 15 - Composição típica da glicerina obtida na produção do biodiesel (Fonte: GHP Biodiesel, 2005). 4.2.7. Determinação da quantidade de alimentação As proporções dos componentes da mistura de alimentação, a carga orgânica e o tempo de residência foram calculados com base nos dados da literatura e nos resultados das análises físico-químicas do estrume de gado. Como indicado em vários estudos e comprovado através de experiências empíricas, é recomendável que a carga orgânica não ultrapasse uma concentração de 4 g L-1 de CV adicionados diariamente, para evitar o comprometimento da estabilidade do processo (GRUBER, 2005). Com base no exposto acima, o limite superior da carga orgânica, definida como a quantidade de compostos voláteis por volume do substrato adicionado por dia, foi fixada em 3 g L-1. A quantidade de matéria fresca de estrume a ser adicionada ao biodigestor controle foi determinada através da seguinte relação: m= VR * C or MS * CV onde m = quantidade de substrato fresco adicionado por unidade de tempo (g d-1) VR = Volume útil do reator (L); Cor = Carga orgânica (CV g L-1); MS = teor de matéria seca do substrato (g MS); CV = teor de compostos voláteis do substrato (g CV). 71 Em seguida foram calculadas as quantidades de estrume e glicerina bruta usadas nos tratamentos, substituindo uma proporção do estrume com 5% m/m, 10% m/m e 15% m/m, de glicerina bruta, respectivamente. A Tabela 7 mostra as quantidades médias de MF, MS e CV adicionadas diariamente por unidade de volume, no controle e nos três tratamentos com a adição de glicerina. Tabela 7 - Quantidades médias de MF, MS e CV adicionadas diariamente aos biodigestores MF, g L-1 d-1 MS, g L-1 d-1 CV, g L-1 d-1 4.2.8. Controle 35,5 Gli 5 29,6 Gli 10 19,8 Gli 15 16,1 2,8 3,4 2,9 3,1 1,9 2,6 2,3 2,6 Definição das quantidades de biogás esperadas A quantidade de biogás esperada no controle e nos três tratamentos com adição de glicerina foi calculada com base nos rendimentos teóricos de biogás e nas cargas orgânicas pré-definidas. 4.2.9. Partida do biodigestor Na partida dos biodigestores, cada um deles recebeu 3 L de inóculo (item 4.2.2). A adição do substrato foi realizada em etapas, iniciando com valores entre 50% e 33% dos valores finais, para cada um dos tratamentos. Á medida que se observou uma adaptação da biocenose, as doses foram elevadas até atingir os valores antes definidos. 4.2.10. Alimentação dos biodigestores e retirada do efluente A alimentação dos biodigestores foi efetuada, diariamente, com o auxílio de um funil, pelo tubo de alimentação (Figura 7), utilizando substrato preparado conforme indicado no item 4.2.7, em quantidades indicadas para cada um dos tratamentos. Uma quantidade de efluente, correspondente à quantidade de substrato adicionada, foi retirada diariamente, seguindo recomendações do manual de ensaios de biodigestão da Associação Alemã de Engenheiros (VDI, 2004). 72 4.2.11. Monitoramento dos biodigestores A temperatura da água do banho-maria foi monitorada diariamente e mantida dentro da faixa pré-definida. A quantidade de biogás gerado foi medida diariamente através de deslocamento do líquido de vedação (Figura 8). O pH do efluente foi medido logo após a sua retirada do sistema. A cada duas semanas foram analisados os teores de matéria seca das amostras de efluente. As proporções do metano dentro do biogás produzido foram analisadas por cromatografia gasosa. As análises por cromatografia gasosa foram realizadas, duas vezes por semana, em um cromatógrafo a gás Varian CP- 3800 com detector por ionização em chama, contendo uma coluna capilar CP-SIL 8 CB 30 m de comprimento, 0,25 mm de diâmetro interno e 0,25 µm diâmetro da fase, utilizando as seguintes condições: temperatura do injetor: 250 °C, vazão: 1,5 mL min-1, programação do forno: 90 °C → 15 °C min-1 → 140 °C → 10 °C min-1 → 250 °C (3 min), temperatura do detector: 280 °C, splitless e volume de injeção de 50 µL com seringa gastight (SANTOS et al., 2006). No Quadro 5 estão resumidas as análises conduzidas e os ciclos de medição. Substância Estrume de gado Entrada Glicerina bruta Reator Efluente Parâmetro Ciclo de medição MS (matéria seca), Amostras, antes do armazenamento das amostras CV (compostos voláteis) Valores obtidos da literatura (GHP Biodiesel, 2005) Temperatura, pH Diariamente, dias úteis Quantidade retirada Diariamente, dias úteis MS, CV A cada duas semanas Quantidade Diariamente, dias úteis Composição Duas vezes por semana Saída Biogás Quadro 5 - Plano de análises conduzidas Fonte: Adaptado de Reipa, 2003. 73 4.3. Avaliação dos resultados O período do experimento foi dividido em fases segundo o desenvolvimento da biocenose dentro dos reatores, visível pelo aumento, estabilidade e declino da produção de biogás. Embora exista uma estreita correlação entre a decomposição da matéria-orgânica e a quantidade de biogás, é importante atentar que a correlação entre a quantidade de CV e a produção de biogás se altera significativamente com o desenvolvimento da biocenose, devendo, portanto, estabelecer está correlação após uma fase de estabilização inicial do processo de biodigestão. Portanto, segundo as recomendações de Reipa (2003) a quantidade de matéria orgânica, ou seja, os compostos voláteis (CV) adicionados e a produção do biogás foram relacionados segundo as fases do processo: a fase de lançamento (as duas primeiras semanas) e a fase de equilíbrio, a partir da terceira semana, até o fim da oitava semana. Como intuito de excluir possíveis influências causadas pela interrupção da alimentação durante os fins de semana, foram calculadas as médias dos dados das quantidades de biogás produzidas semanalmente, por quantidade de substrato adicionado no mesmo período e submetidos a uma análise de variância, com teste de “f” (REIPA, 2003). A avaliação do desempenho dos biodigestores experimentais foi efetuada através da comparação com dados obtidos da literatura. 4.4. Análise energético-ambiental e econômica Para avaliar o desempenho energético-ambiental e econômico do biogás na fazenda Cascata, ele comparou-se com outros combustíveis de uso concorrente, tais como, a lenha e o GLP. Como unidade funcional foi escolhido GJ (Giga-Joule), por que permite a comparação do desempenho energético dos três tipos de combustíveis. A comparação das emissões também foi relacionada a GJ. Os cálculos para o balanço energético-ambiental e econômico foram baseados em dados de planejamento da ONG Winrock International Brasil (2002), para o biodigestor na Fazenda Cascata. A Figura 10 mostra o fluxograma simplificado da 74 determinação das quantidades de combustíveis usados na secagem de cacau e na cocção doméstica. Sistema de referência Lenha GLP Biogás Lenha para secagem de cacau (m³) Quantidade de energia necessária para secagem (MJ) Biogás produzido no biodigestor Faz. Cascata (m³) Quantidade de energia de 01 botijão de GLP (MJ) Quantidade de energia do biogás produzido (MJ) Efeitos da adição da glicerina bruta Cálculo da quantidade necessária para secagem (m³) Cálculo da quantidade necessária para secagem (m³) Cálculo da quantidade necessária para cocção (m³) Cálculo da quantidade necessária para cocção (m³) Custos R$ MJ-1 Emissões CO 2eq. MJ-1 Figura 10 - Fluxograma simplificado da determinação dos custos, das quantidades de combustíveis e de emissões na secagem de cacau e na cocção doméstica. 4.4.1. Análise energético-ambiental A partir dos dados disponíveis do consumo de lenha na Fazenda Cascata foi calculada a quantidade de energia necessária para a secagem de uma tonelada de cacau. A produção de cacau, na Fazenda Cascata, está estimada em 4500 arrobas anuais (cerca de 67,5 t de produto seco). Devido às condições climáticas da região, em geral, uma parte da produção do cacau necessita ser secada artificialmente, reduzindo o teor de umidade do produto de 50% para valores entre 6-8%. O assentamento 75 Fazenda Cascata dispõe de um secador rotativo, de aquecimento indireto com capacidade de 1,7 arrobas (25,5 kg) de cacau por hora. Com base na experiência empírica de muitos anos dos agricultores, o consumo médio de lenha foi estimado em 0,075 m³ por arroba ou 5 m³ t-1 de cacau seco (WINROCK INTERNATIONAL BRASIL, 2002), e ainda foi assumido que o tipo de lenha é originado da mata nativa, com 20 % de umidade, e com poder calorífico de 14 GJ t-1. Baseado nisso, foram calculadas as quantidades de biogás e de GLP necessárias para gerar o calor suficiente para secagem de uma tonelada de cacau tendo como base o PCI destes gases. 4.4.1.1. Lenha Assumindo uma densidade média da lenha9 de 0,335 t m-³ e um poder calorífico inferior de 14 GJ t-1, obtém-se a geração de 23,45 GJ, na combustão de 5 m³ de lenha. Adotando a eficiência energética média de 13,1%, na combustão da lenha, segundo o estudo de Reinato et al. (2003), calculou-se o consumo líquido da energia na secagem de uma tonelada de cacau. 4.4.1.2. GLP A quantidade de GLP necessária foi calculada com base no consumo líquido da energia usada na Fazenda Cascata para a secagem de cacau, como descrito no capítulo anterior. No cálculo das quantidades de GLP necessárias, a eficiência da combustão foi calculada com 45,57%, segundo os resultados do estudo de Reinato et al. (2003). Embora, no caso de consumo de maior porte, como a secagem de cacau, sejam utilizadas formas de abastecimento de GLP em recipientes maiores, foi assumido neste trabalho o uso do botijão de 13 kg, denominado de P-13, tanto na secagem como na cocção de alimentos. No cálculo das emissões de GEE do GLP foram consideradas tanto as emissões na combustão quanto as emissões no transporte do GLP entre a refinaria e o local do consumo final. 9 Lenha da madeira nativa, com 20% de umidade. Dados calculados baseado na tabela técnica “madeiras” em http://www.arauterm.com.br 76 No modelo adotado, o GLP é transportado por caminhão por uma distância de aproximadamente 500 km, da refinaria Landulfo Alves, no município de São Francisco do Conde, na Região Metropolitana de Salvador até a Fazenda Cascata, no município de Aureliano Leal. O caminhão possui capacidade de 500 botijões de 13 kg (P-13), cujo peso bruto varia entre 26 e 28 kg. A Tabela 8 apresenta os parâmetros utilizados nos cálculos das emissões do GLP na secagem de cacau. As emissões de CO2eq causadas pela combustão do GLP são de 0,064 t GJ-1. Tabela 8 - Parâmetros das emissões do GLP P-13 Item Valor Emissão específica do transportec 1,104 Emissão específica na combustão do GLPc 0,064 Unidade Observações Caminhão de 40 t peso bruto, com carga kg CO2eq km-1 de 500 botijões, consumo de 34 L de óleo diesel por 100 km kg CO2eq GJ-1 Fontes: Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (2001) c) GEMIS, ProBas (2006) 4.4.1.3. Biogás A quantidade de biogás necessária foi também calculada com base no consumo de lenha, assumindo, nos cálculos, a eficiência de combustão do GLP. Segundo resultados do estudo de Reinato et al. (2003), a eficiência energética em secadores rotativos de calor indireto foi de 45,57%. O poder calorífico do biogás foi calculado com base no teor de metano no biogás produzido a partir de estrume de gado, que se encontra na faixa de 55 – 75% (Gruber, 2004). Os cálculos do parâmetros ”quantidades de metano” (item 0) do biogás foram baseados, conseqüentemente, em três cenários de teor de metano (C1: 50%, C2: 57,5%, C3: 65%). A seguir, somente os resultados do C2 foram considerados, por serem mais perto da prática, correspondendo a um PCI de 20,7 MJ m-³ de biogás. Ainda foi considerado o aumento na produção e no teor de metano, no biogás, conseqüência da adição da glicerina bruta ao substrato. A quantidade de estrume produzida pelo rebanho da Fazenda Cascata foi calculada com base na capacidade de geração de biogás do estrume deste rebanho, obtida em experimentos laboratoriais (veja item 5.3), e na produção anual de biogás 77 (6000 m³) projetada pela Winrock International Brasil (2004). Os valores obtidos foram comparados com dados da literatura. As emissões de CO2eq durante o armazenamento do estrume em reservatórios sem captação do metano foram calculadas com base em fatores médios de emissões fugitivas de metano, estimados pelo IPCC (1996), para sistemas de armazenamento de dejetos animais e para quatro estados do sul dos EUA com temperaturas médias anuais semelhantes à região do estudo (US EPA 2001). As emissões de CO2eq na operação do biodigestor foram estimadas com base em perdas de 5% do biogás gerado por ano10, segundo sugestão de Kriegl et al. (2005) e Pölz e Salchenegger (2005). As emissões de CO2eq evitadas foram calculadas, então, como a diferença entre a emissão causada pelo estrume armazenado sem tratamento e as emissões provocadas nas etapas de produção e combustão do biogás. Todos os cálculos foram baseados nos parâmetros de consumo de energia e produção de estrume, estimados em 366,2 m³ (WINROCK INTERNATIONAL Brasil 2002), levantados na Fazenda Cascata. Os resultados das emissões foram expressos em t GJ-1. 4.4.1.4. Uso de combustíveis na cocção Na Fazenda Cascata, a maioria das residências utiliza o GLP na cocção doméstica de alimentos. Segundo o relatório da WINROCK INTERNATIONAL BRASIL, as 40 famílias do assentamento consomem, em média, um botijão de GLP por mês, ou um total de 480 botijões por ano. Foi calculado o consumo de GLP, pelas 40 famílias, em GJ a-1, e a emissão de GEE relacionada com a combustão, em kg CO2eq GJ-1. Foram calculadas as quantidades de biogás necessárias para a substituição dessa demanda energética, considerando que a combustão do biogás tenha a mesma eficiência que a do GLP, e baseado num teor de 57,5% de metano, para o controle, e no teor de metano medidos nos tratamentos Gli 5 e Gli 10. 10 6000 m³ de biogás, com PCI de 0,21 GJ m-³ 78 4.4.2. Análise econômica Os gastos com energia foram calculados com base nos preços comerciais ou de oportunidade para cada um dos combustíveis, e tendo em vista os diferentes PCI’s, foram expressos em R$ por unidade de energia (R$ GJ-1). 4.4.2.1. Lenha Os gastos com lenha são difíceis de estimar, uma vez que a lenha consumida no assentamento é extraída localmente pelos próprios moradores e não possui valor comercial. Portanto, foi adotado o valor de mercado da lenha como referência para determinação dos gastos com este combustível. Na estimativa dos gastos com lenha, além do preço de oportunidade, também os custos de reflorestamento foram considerados, como forma de ter garantido a sustentabilidade da atividade de exploração da lenha. Com base na legislação específica e na demanda em lenha para a secagem de uma tonelada de cacau na Fazenda Cascata (5 m³ st) estimou-se os custos relacionados com o replantio (veja item 3.3.1.3). 4.4.2.2. GLP Os gastos com GLP são baseados no preço médio do botijão P-13 na região, de R$ 36,0011, ou seja, de R$ 60,30 por GJ. 4.4.2.3. Biogás Os gastos com biogás foram estimados com base nos custos de produção. Os custos variáveis na produção do biogás dependem, além dos custos da energia, como por exemplo, o custo da energia elétrica para bombas e sistemas de agitação, os custos associados aos substratos utilizados na alimentação do biodigestor. No caso do biodigestor na Fazenda Cascata, os gastos com energia elétrica podem ser desprezados, sendo, portanto, os custos variáveis estimados com base nos valores econômicos atribuídos aos substratos utilizados na alimentação dos biodigestores. 11 Preço observado na venda móvel da Brasilgas em Ilhéus 79 Considerando o desenvolvimento dos preços internacionais da glicerina bruta, foi adotado um preço de R$ 0,05 por kg, como base para os cálculos. Para verificar a influencia do preço da glicerina sobre os custos de energia foi conduzido uma análise de sensibilidade. O substrato estrume de gado não onera a produção do biogás, uma vez que, ao final do processo, obtem-se um fertilizante com valor pelo menos igual ao do estrume de gado utilizado como substrato. Um outro componente relevante, do ponto de vista do volume utilizado no processo de biodigestão é a água, uma vez que o estrume bovino, antes de entrar no biodigestor, é misturado com água, na proporção mássica de 1:1. A água utilizada na Fazenda Cascata não possui valor de mercado, porém, para efeitos dos cálculos de custos foi adotado um preço de oportunidade de R$ 0,02 por m³, baseado no Decreto 9.747 de 28 de dezembro de 2005 (TELES, 2006). 4.4.2.4. Uso de combustíveis na cocção A avaliação econômica do biogás em substituição ao GLP, na cocção doméstica de alimentos, foi calculada com base nos indicadores de substituição entre os dois combustíveis, no preço de aquisição do GLP, estimado para a região em R$ 36,00 por botijão, e no custo de produção do biogás. 5. Resultados e discussão 5.1. Determinação teórica do volume de biogás produzido Na Tabela 9 são apresentados os rendimentos teóricos estimados para as proporções dos substratos utilizados, em mL g-1 de CV adicionado. Tabela 9 - Rendimentos teóricos de biogás do estrume de gado e da glicerina bruta, em mL por g de CV adicionado Quantidade de biogás (mL g-1 CV) Material min max Estrume de gado 380 430 Glicerina bruta 700 1300 80 A produção teórica de biogás por massa de CV adicionado para o controle e os três tratamentos encontra-se apresentada na Tabela 10. Tabela 10 - Quantidades teóricas de biogás Tratamentos Quantidade de biogás (mL g-1 CV) contribuição do estrume Quantidade de biogás (mL g-1 CV) contribuição da glicerina Quantidade de biogás (mL g-1 CV)-1 5.2. Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gli 15 min max min max min max min max 1140 1290 760 860 555 628 426 482 0 0 665 1.235 971 1.803 1.117 2.075 380 430 483 710 536 854 568 941 Produção do biogás Após a partida do reator e uma fase de inicialização do processo, foram medidas, diariamente12, as quantidades de biogás produzidas. A evolução da produção de biogás em relação à matéria fresca adicionada para as diferentes proporções de glicerina adicionada e para o controle encontram-se no Gráfico 16. As barras indicam o período do tempo, dentro do qual foi avaliada a produção de biogás por unidade de substrato adicionado. Gráfico 16 - Médias semanais da produção de biogás por g de MF adicionado. 12 As medidas foram tomadas de segunda-feira a sexta-feira. 81 A produção de biogás do biodigestor controle apresentou um comportamento estável em todo o período avaliado, com pH ao redor de 8 e uma produção média de biogás de 16,4 mL g-1 de MF adicionado No biodigestor que foi adicionado 5% m/m de glicerina bruta observou-se uma subida brusca na produção de biogás até um patamar de 109 mL g-1 de MF adicionado, sendo que a partir da quarta semana observou-se uma tendência de declínio na produção, provavelmente associada à redução da contaminação da glicerina por restos de biodiesel. O pH do meio permaneceu estável ao redor de 8 durante todo o período observado. O biodigestor alimentado com 10% m/m de glicerina apresentou um comportamento diferenciado, com um aumento da produção de biogás mais lento, porém, constante durante todo o período de observação. Este comportamento se deve a uma melhor adaptação da biocenose resultando numa produção do biogás superior ao tratamento Gli 5 a partir da quinta semana do experimento. O pH do meio também permaneceu estável ao redor de 8 durante todo o período observado. O biodigestor com 15% m/m de glicerina mostrou um comportamento semelhante ao com 10% m/m de glicerina no inicio da observação, porém, a partir da quinta semana, a produção de biogás apresentou tendência declinante, sendo que a partir da oitava semana a redução na produção de biogás acelerou-se cessando sua atividade na nona semana. O comportamento do pH foi estável ao redor de 8 até a oitava semana, baixando para ao redor de 7 a partir dessa semana. A falha de aquecimento na sexta semana foi, provavelmente, responsável pelo colapso do processo no biodigestor Gli 15, a sua biocenose não teria se recuperado do choque térmico e, conseqüentemente, não conseguiu mais digerir o substrato adicionado, levando à acidificação do meio e ao comprometimento irreversível da biocenose. 5.3. Rendimento do biogás relacionado à matéria fresca adicionada Para comparar o desempenho dos substratos testados na geração do biogás, as quantidades de biogás geradas devem ser relacionadas às quantidades de substrato adicionadas. Como descrito no item 4.3, foram considerados as quantidades de 82 biogás produzidos no período de 42 dias (seis semanas), a partir da terceira, até ao fim da oitava semana de operação do biodigestor. No controle (Gli 0) foram produzidos em média 16,4 mL de biogás por g de MF adicionado, inferior aos valores médios encontrados na literatura, de 18 mL g-1 (REINHOLD, 2005), 20 mL g-1 (BAERING, 2001; BOXER-INFODIENST, 2005) e 36 mL g-1 (ROOST, 2002, em: BESGEN; KEMPKENS, 2004). A menor produção de biogás está provavelmente associada ao baixo teor de compostos de carbono de fácil decomposição encontrados no estrume dos bovinos da Fazenda Cascata, possivelmente associado à uma alimentação deficiente do rebanho. Já o tratamento Gli 5 apresentou um rendimento médio de 81,3 mL g-1 de matéria fresca adicionada correspondente a 396,4% do rendimento do controle (Gli 0). A adição da glicerina bruta elevou a concentração média de MS, de 2,8 g L-1 no controle (Gli 0) para 3,4 g L-1 no tratamento Gli 5 (Tabela 7). O tratamento Gli 10 apresentou um rendimento médio de 110,2 mL g-1 de matéria fresca adicionada, ou seja, 572,6% do rendimento do controle, embora a concentração de MS tenha sido somente 2,9 g L-1, ou seja, menor do que no tratamento Gli 5. O tratamento Gli 15 apresentou um rendimento médio de 61,8 mL g-1 de MF adicionada, o que representa 276,9% de aumento com relação à produção do controle. O menor rendimento deste tratamento pode estar associado a uma sobrecarga de compostos de carbono de fácil degradabilidade, presentes em alta concentração na glicerina bruta adicionada, provocando um colapso na biocenose do biodigestor. A concentração de CV neste tratamento foi de 3,1 g L-1. A comparação entre as quantidades de biogás geradas pelo controle e pelos três tratamentos com adição de glicerina encontra-se no Gráfico 17. 83 160 mL g-1 MF b 140 c b 120 100 80 60 40 a 20 0 Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gli 15 Gráfico 17 - Comparação do rendimento de biogás por tratamentos e unidade de massa de MF adicionada Nota: As barras indicam os valores mínimos e máximos. Os valores com a mesma letra não diferem significativamente entre si pelo teste Tukey a 5 % de probabilidade (veja Anexo II). A avaliação estatística dos resultados médios encontrados para a quantidade de biogás produzida por unidade de MF adicionada apresentou diferença significativa para todos os tratamentos, com exceção dos tratamentos Gli 5 e Gli 10, que não apresentaram diferença significativa entre suas médias, pelo teste Tukey a 5% de probabilidade (veja Anexo II). 5.3.1. Rendimento do biogás relacionado à matéria seca adicionada O rendimento do biogás por grama de matéria seca adicionado no controle e nas três variações mostrou um comportamento semelhante (Gráfico 18). O controle produziu 204,8 mL g-1 de MS adicionado, enquanto o tratamento Gli 5 produziu 713,9 mL g-1 de MS adicionado, representando cerca de 250% de aumento em relação ao controle. O tratamento Gli 10, com 757,6 mL g-1 foi superior ao controle, mas não apresentou diferença significativa com relação ao tratamento Gli 5. O tratamento Gli 15 (361,6 mL g-1) apresentou um desempenho superior ao controle (cerca de 80%) mas inferior ao tratamento Gli 5. 84 1200 m L g -1 M S b 1000 b 800 a 600 400 a 200 0 G li 0 G li 5 G li 10 G li 15 Gráfico 18 - Comparação do rendimento de biogás por tratamento e unidade de massa de MS adicionada. Nota: As barras indicam os valores mínimos e máximos. Os valores com a mesma letra não diferem significativamente entre si pelo teste Tukey a 5 % de probabilidade (veja Anexo II). O melhor desempenho do tratamento Gli 5 se deve ao alto teor energético contido na glicerina bruta e a uma proporção ideal entre o estrume bovino e a glicerina bruta para a biocenose no substrato. O aumento da produção de biogás no tratamento Gli 10 não correspondeu à expectativa proporcionada pela adição da glicerina bruta. O rendimento menor da produção de biogás no tratamento Gli 15 se deve ao colapso do processo. A avaliação estatística das diferenças entre as quantidades de biogás produzidas nos quatro tratamentos, em respeito à MS adicionada, mostrou alta significância entre o controle e o tratamento Gli 5. Já a comparação dos tratamentos Gli 5 e Gli 10 não mostrou diferença significativa, pelo teste Tukey a 5% de probabilidade (veja Anexo II). 85 5.3.2. Rendimento do biogás relacionado aos compostos voláteis adicionados 1400 b m L g -1 C V b 1200 1000 a 800 600 400 a 200 0 G li 0 G li 5 G li 1 0 G li 1 5 Gráfico 19 - Comparação do rendimento de biogás por tratamentos e unidade de massa de CV adicionada. Nota: As barras indicam os valores mínimos e máximos. Os valores com a mesma letra não diferem significativamente entre si pelo teste Tukey a 5 % de probabilidade (veja Anexo II). Com base no Gráfico 19 observa-se que, comparado aos rendimentos de biogás teóricos calculados na Tabela 10 (380 a 430 mL g-1 de CV adicionado), os rendimentos obtidos para o controle (estrume de gado sem adição de glicerina bruta) foram inferiores, enquanto que para o tratamento Gli 5 foram superiores aos calculados (483 a 710 mL g-1 de CV adicionado). Para o tratamento Gli 10, os rendimentos medidos foram consideravelmente maiores do que a faixa de valores teóricos calculados (536 a 854 mL g-1 de CV adicionado), porém, não corresponderam ao aumento proporcional da adição de glicerina bruta. Os rendimentos de biogás do tratamento Gli 15 foram menores do que os valores teóricos calculados, devido à falha no processo de biodigestão. No caso do biodigestor controle foram, provavelmente, os baixos teores de nutrientes no estrume utilizado (veja Tabela 6), a razão do menor rendimento em biogás. Os altos rendimentos para os tratamentos Gli 5 e Gli 10, podem ser justificados por efeitos sinergéticos no processo de biodigestão, como os observados por Amon et al. (2004). A diferença entre as quantidades de biogás produzidas nos quatro tratamentos, com respeito à quantidade de CV adicionada, mostrou alta significância entre os tratamentos controle e Gli 5 e entre os tratamentos Gli 10 e Gli 15. Já entre os trata86 mentos Gli 5 e Gli 10 e controle e Gli 15, não foram observadas diferenças estatisticamente comprovadas, pelo teste Tukey a 5% de probabilidade (veja Anexo II). O aumento da produção de biogás no tratamento Gli 10 não correspondeu à expectativa proporcionada pela adição da glicerina bruta. O rendimento menor da produção de biogás no tratamento Gli 15 se deve ao colapso do processo. Isso pode ser explicado a partir de um efeito inibitório na biocenose, causado por uma elevada concentração de restos de metanol (Amon, 2004) e, ou ao elevado teor de hidróxido de potássio (KOH), que, segundo Grepmeier (2002), em concentrações de 2500-5000 mg L-1, e segundo Ma e Hansen (2002), de 8.301 mg L-1, pode provocar um efeito adverso nas bactérias metanogênicas. No tratamento Gli 15, o colapso da produção pode ter sido provocado pela inibição do crescimento da biocenose devido à queda da temperatura associada com a elevada concentração de metanol e KOH no substrato adicionado. Percebe-se em todos os gráficos que, com elevado teor de glicerina no substrato, há uma tendência para variação mais ampla dos valores mínimos e máximos, nos três tratamentos. O biodigestor experimental e os métodos de medição da produção de biogás foram avaliados e comparados com informações e dados de outras pesquisas. Uma das limitações encontradas, neste caso, foi a ampla variedade de tipos de biodigestores, composição de substratos e regimes de alimentação utilizados nos experimentos laboratoriais encontrados na literatura. Com exceção do estudo de Amon et al (2004), onde foi utilizado estrume de suínos associado com glicerina bruta como substrato, não foram encontradas na literatura, publicações científicas sobre o uso da glicerina bruta como suplemento na biodigestão. A Tabela 11 mostra os resultados obtidos pelos experimentos laboratoriais obtidos neste estudo, com os resultados de outras pesquisas, para o estrume de gado. O valor de 303 mL g-1 de CV adicionado fica dentro dos dados encontrados na literatura, porém, na faixa inferior. Considerando o baixo teor de nutrientes nos dejetos usados, devido à má-alimentação do rebanho (ítem 5.3.2), os resultados foram considerados aceitáveis. 87 Tabela 11 - Comparação do rendimento de biogás por unidade de massa de CV adicionado para o estrume de gado Volume de biogás por g de CV adicionado -1 (mL g ) Autor Dados deste estudo 303 Boxer Infodienst (2005) 200 Linke; Vollmer (2002) 280 - 440 Handreichung Biogas (2005) 200 - 500 5.3.3. Teor de metano Não foi possível correlacionar a concentração relativa de metano, obtida por cromatografia gasosa, com o real teor de metano da amostra. Isto se deveu à falta de um gás padrão para utilizar como referência na análise. Porém, os dados permitiram obter o teor relativo de metano, ou seja, detectar diferenças entre os teores de metano de amostras dos diferentes tratamentos, através da área gráfica (A) abaixo do pico associado a esse gás. Em todos os tratamentos, os teores de metano foram elevados no início das medições e decresceram depois de decorrido um terço do período de observação. Este fato, provavelmente, deve estar associado a uma contaminação inicial da glicerina utilizada na alimentação, com ésteres metílicos, elevando a disponibilidade de carbono de alta degradabilidade. As áreas de metano medidas durante o experimento, para o controle e os três tratamentos com glicerina, estão apresentadas no Gráfico 20. 88 Gráfico 20 - Áreas de metano medidas durante o experimento, para o controle e os três tratamentos com glicerina. O Gráfico 21 apresenta os valores de metano relativo ao controle, indicando que o teor de metano aumenta proporcionalmente ao aumento do teor de glicerina adicionada. Nos tratamentos com 5%, 10% e 15% m/m de glicerina adicionada, os teores de metano foram cerca de 9,5%, 14,3% e 14,6% maiores do que o teor na amostra do tratamento controle. 120 % 114,3 114,6 115 109,5 110 105 100 100 Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gli 15 Gráfico 21 - Valores de metano relativos ao controle. 5.3.4. Quantidades de metano Com base nos teores relativos de metano encontrados nas amostras de biogás, obtidos por cromatografia gasosa, os volumes de biogás produzidos para os 89 diferentes tratamentos e de dados obtidos da literatura para a produção de metano a partir de estrume bovino, foram estimadas as quantidades de metano produzidas para os diferentes tratamentos. Os teores absolutos de metano no biogás, originário de estrume de gado, encontrados na literatura, variaram entre 50% e 65% do volume total produzido (REINHOLD, 2005). Para avaliar o impacto desta variação nos resultados finais, foram propostos três cenários para o teor de metano: um cenário com baixo teor (50%), um cenário com médio teor de metano (57,5%) e um cenário com alto teor de metano (65%), respectivamente C-1, C-2 e C-3. A Tabela 12 apresenta o teor de metano dos tratamentos com base nos três cenários propostos para o teor de metano do biodigestor controle. Tabela 12 - Teores de metano para os tratamentos com base em três cenários de referência Cenário C-1 C-2 C-3 Gli 0 50% 57,5% 65% Gli5 59,5% 67,0% 74,5% Gli10 64,3 71,8 79,3 Gli15 64,6 72,1 79,6 Com base nos teores de metano no biogás da Tabela 12 foram calculadas as quantidades de metano geradas pelas quatro variações, em relação à massa de CV adicionado. Observa-se no Gráfico 22 que houve um aumento significativo das quantidades de metano produzidas nos tratamentos em comparação ao controle (Gli 0), Nas variações Gli 5 e Gli 10, porém, observa-se que não houve diferença significativa entre os tratamentos pelo teste Tukey a 5% de probabilidade (veja Anexo II), não confirmando a expectativa de quantidades de metano proporcionalmente elevadas para a variação Gli 10 em comparação ao tratamento Gli 5. Provavelmente, os elevados teores de metanol e KOH presentes na glicerina bruta, atingiram níveis de concentração que levaram à inibição e, ou à uma adaptação mais lenta da biocenose. 90 800 600 C1 C2 C3 400 200 0 Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gli 15 Gráfico 22 - Quantidades de metano geradas nos cenários C1, C2 e C3 por massa adicionada de CV. 5.4. Avaliação energético-ambiental e econômica Os estudos econômicos e ambientais tomaram como base a produção de biogás a partir do estrume de gado da Fazenda Cascata, nos cálculos apresentados a seguir. Utilizou-se um cenário onde o biogás seja utilizado para atender a demanda em energia térmica na secagem do cacau em substituição à lenha e outro onde o biogás seja utilizado na cocção de alimentos em substituição ao GLP. Foram, então, comparadas três possibilidades alternativas de combustíveis: o uso da lenha, do GLP e do biogás, sendo que para o biogás foram consideradas três variações, o biogás produzido somente a partir do estrume de gado e com a adição de duas proporções de glicerina bruta (5% e 10% m/m). 5.4.1. Avaliação energética Na avaliação energética calcularam-se as quantidades necessárias das fontes alternativas para substituir a energia da lenha na secagem de cacau e na cocção doméstica. 91 5.4.1.1. Lenha Com base em dados empíricos obtidos na Fazenda Cascata, e assumindo uma densidade média da lenha13 em 0,335 t m-³ e um poder calorífico inferior de 14 GJ t-1, obtém-se um consumo energético bruto de 23,45 GJ em lenha utilizada na secagem de uma tonelada de cacau. Como a eficiência do tipo de fornalha e secador instalado na Fazenda Cascata foi estimada em 13,0% (item 4.4.1.1), obtém-se uma demanda líquida efetiva de energia na secagem de uma tonelada de cacau da ordem de 3,0 GJ, ou seja, ocorrem perdas de energia no sistema da ordem de 20,5 GJ. 5.4.1.2. GLP A partir da necessidade líquida de energia estimada para a secagem de uma tonelada de cacau (3,0 GJ) e da eficiência energética na combustão do GLP, em um secador rotativo com calor indireto (45,6%), estimou-se a demanda energética bruta em aproximadamente 6,8 GJ, equivalente à 147,4 kg de GLP, ou 11,4 botijões P-13. 5.4.1.3. Biogás Considerando a eficiência energética na combustão do biogás como equivalente à eficiência energética na combustão do GLP, foram calculadas as quantidades de biogás necessárias para substituir a lenha na secagem de uma tonelada de cacau, para cada um dos tratamentos considerados. Baseado nos teores de metano calculados pelo cenário 2 (C-2, Tabela 12) e num teor de 57,5% de metano no biogás, gerado somente com estrume de gado, estimou-se a necessidade de 326,8 m³ de biogás para substituir os 5 m³ de lenha utilizados na secagem de uma tonelada de cacau. Devido ao elevado teor de metano observado com a adição de 5% m/m de glicerina bruta (67%), a quantidade de biogás necessária diminui para cerca de 280 m³. Com adição de 10% m/m de glicerina bruta, o teor de metano chegou a 71,8%, reduzindo a quantidade de biogás necessária para substituir a lenha, para, aproximadamente, 262 m³ (Gráfico 23). 13 Lenha da madeira nativa, com 40% de umidade. Dados calculados baseado na tabela técnica “madeiras” em http://www.arauterm.com.br 92 400 326,8 m3 350 280,4 300 261,7 250 200 150 100 50 0 Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gráfico 23 - Quantidades de biogás necessárias para substituir 5 m³ de lenha, baseado nos valores calculados para o cenário 2 (C-2). 5.4.1.4. Consumo de combustíveis na cocção de alimentos Com base no poder calorífico inferior do GLP, calculou-se a energia contida em um botijão de 13 kg em cerca de 0,60 GJ. O consumo bruto anual de energia utilizada na cocção de alimentos na Fazenda Cascata foi estimado em aproximadamente 286,0 GJ. A substituição dessa demanda energética, considerando que a combustão do biogás tenha a mesma eficiência que a do GLP, demandará cerca de 13.800 m³ de biogás com um teor de 57,5% de metano. Considerando, porém, o biogás obtido com o substrato contendo 5% e 10% de glicerina, a quantidade de biogás necessária irá cair para aproximadamente 11.800 e 11.000 m³, respectivamente. 5.4.2. Avaliação ambiental 5.4.2.1. Emissões causadas pela lenha Os dados de emissão de GEE, como o CH4 e N2O, da combustão incompleta da lenha utilizada na secagem de uma tonelada de cacau estão apresentados na Tabela 13. 93 Edited by Foxit PDF Editor Copyright (c) by Foxit Software Company, 2004 - 2007 For Evaluation Only. Tabela 13 - Emissões de GEE (CO2eq) na combustão de lenha utilizada na secagem de uma tonelada de amêndoas de cacau GEE Unidade Valor Unidade Valor Unidade CH4a kg TJ-1 96 kg CO2eq GJ-1 2,02 kg CO2eq m-³ de lenhac 9,46 b -1 0,29 - c 1,37 - c 10,83 N2O kg TJ -1 0,99 kg CO2eq GJ -1 Soma kg CO2eq GJ 2,31 Valor kg CO2eq m ³ de lenha kg CO2eq m ³ de lenha Emissão total de kg CO2eq para 5 m³ de lenha (23,45 GJ) 54,15 a) Fator de conversão para CH4 (horizonte de 100 anos) = 21 CO2eq. b) Fator de conversão para N2O (horizonte de 100 anos) = 296 CO2eq. c) 1 m³ de lenha com PCI de 4,69 GJ. Fonte: IPCC, 2000, Ferreira, 2006, Gemis 2006, ProBas 2006. O carbono fixado na lenha através da fotossíntese pode, do ponto de vista do aquecimento global, ser considerado neutro, uma vez que se trata de carbono anteriormente absorvido da atmosfera, desde que o seu consumo (combustão) não ultrapasse a taxa de renovação da biomassa em um determinado ecossistema. Visto por outro lado, a biomassa acumulada na forma de madeira não queimada pode ser entendida como contribuição para o seqüestro de carbono da atmosfera. Assim, cada m³ da lenha não usada como combustível pode seqüestrar 0,134 t de carbono e ainda evitar a emissão de 0,011 t de CO2eq durante a sua combustão. 5.4.2.2. Emissões causadas pelo GLP Para a secagem artificial de uma tonelada de cacau com o GLP são emitidos, incluindo as emissões provocadas durante o transporte do gás, cerca de 433,43 kg de -1 CO2eq, o que equivale a 65,74 kg de CO 2eq GJ . Os dados com os coeficientes de emissão de GEE (CO2eq.) encontram-se na Tabela 14. Tabela 14 - Emissões de CO2eq por tonelada de cacau provocadas ao longo do ciclo de vida do GLP na secagem artificial do cacau Ítem Emissão específica no transporte 1 Unidade Valor kg CO2eq 11,23 Emissão geradas na secagem (01 t de amêndoas de cacau)2 kg CO2eq 433,43 Emissão (transporte + secagem, 01 t de amêndoas de cacau) kg CO2eq 444,67* -1 Emissão (transporte + secagem, por GJ) kg CO2eq GJ * erro de arredondamento 1 Caminhão 500 km, 555 botijões, calculado por 6,76 GJ. 2 Combustão de GLP para geração de calor (6,76 GJ) na secagem de 1 tonelada de cacau. Fonte: GEMIS, ProBas 94 65,74 5.4.2.3. Emissões relacionadas à produção do biogás A quantidade de estrume gerado na fazenda Cascata, anualmente, foi calculada em 366,23 m³ a-1 (veja item 4.4.1.3). Considerando perdas de 5% de biogás para o ambiente durante a operação do biodigestor (item 3.3.3), calcularam-se as emissões anuais de GEE pelo biodigestor da Fazenda Cascata, em aproximadamente 2,60 t de CO2eq, caso seja utilizado somente estrume de gado como substrato na sua operação14. Baseado nos fatores de emissão de metano sugerido pela USEPA (2001) para alguns estados do sul dos EUA (49,3%) e pelo IPCC (1996) para países com clima quente (65%), a mesma quantidade de estrume, sem nenhum tratamento, pode emitir anualmente cerca de 25,72 t CO2eq, e 33,91 t CO2eq., respectivamente. A Figura 11 apresenta as emissões de GEE (em CO2eq) calculadas com base em fatores médios de emissões fugitivas de metano estimadas pelo IPCC (1996) e a US EPA (2001), durante o armazenamento de estrume na Fazenda Cascata, sem captação do metano. Os valores foram convertidos em CO2eq. 40,00 CO 2eq t a -1 33,91 35,00 30,00 25,72 25,00 20,00 - 31.298 15,00 - 23.109 10,00 5,00 0,00 2,61 Biodigestão 5% USEPA, 2001 49,3% IPCC 1996 65% Figura 11 - Valores absolutos e diferenças entre as emissões fugitivas de metano (%) para o estrume de gado bovino da Fazenda Cascata tratado através da biodigestão e sem tratamento, com base em diferentes estimativas de emissão. 14 com base em 6000 m³ a-1, com PCI do biogás de 0,021 GJ t-1 95 O crédito resultante das emissões evitadas pelo uso do biofertilizante, em substituição aos fertilizantes sintéticos, não foi considerado neste trabalho. 5.4.2.4. Comparação dos três combustíveis Comparando-se as emissões entre as diferentes alternativas de combustíveis para a secagem do cacau, observa-se que as emissões de CO2eq provocadas pelo uso da lenha foram as mais baixas, principalmente, devido à origem fotossintética deste combustível. O uso do GLP, apesar da sua maior eficiência na combustão, resultou em níveis mais altos de emissões de GEE, principalmente devido à origem fóssil deste combustível. O uso do biogás, quando se considera o crédito resultante das emissões de metano evitadas, resultou em emissões negativas de GEE, mesmo considerando 5% de perdas de biogás durante a operação do biodigestor (Gráfico 24). A ordem de grandeza das emissões negativas do biogás irá depender do fator de emissão de metano considerado para o estrume não tratado. De qualquer forma, representa a alternativa com a melhor performance quanto à emissão de GEE. 96 100 65,74 CO2eq kg GJ-1 50 2,31 0 -50 -100 -150 -200 -186,11 -250 -252 -300 Lenha GLP US EPA 2001 IPCC 1996 Biogás Gráfico 24 - Comparação de emissões de GEE dos combustíveis lenha15, GLP16 e biogás17. 5.4.3. Avaliação econômica 5.4.3.1. Estimativa dos custos de secagem utilizando lenha A Tabela 15 apresenta os custos teóricos totais e de oportunidade para a secagem de cacau utilizando lenha de madeira nativa. Com base na demanda de lenha para a secagem de uma tonelada de cacau os custos de oportunidade foram estimados em R$ 82,50 e os de manutenção do maciço florestal em R$ 54,28, totalizando R$ 145,78, equivalente a R$ 29,16 por m³ st. Tabela 15 - Custos estimados para secagem de uma tonelada de cacau com lenha (5 m3 de lenha) Ítem Custos de replantio (valor/árvore)a, para 5 m³ de lenha Custos de manejo, formação e maturaçãob, para 5 m³ de lenha Custos de oportunidade (16,50 R$ m-³)c, para 5 m³ de lenha a) Custos teóricos da secagem (somente preço de oportunidade) b) Custos teóricos da secagem (incl. custos de replantio, manejo, preço de oportunidade) a Associação de Recuperação Florestal do Médio Tietê, 2006. b Ambientebrasil, 2006. c Castro; Pacheco, 2005. 15 16 17 Valor (R$) 9,00 54,28 82,50 82,50 145,78 Lenha: Emissões de GEE provocadas pela combustão incompleta. GLP: Emissões de GEE provocadas nas etapas de transporte e uso final. Biogás: Balanço de emissões de GEE entre as provocadas pela perda de 5% do biogás produzido e as emissões do estrume não tratado evitadas. 97 O preço de oportunidade adotado foi de R$ 16,50 por m³. Os custos parciais e totais da energia gerada com a lenha estão apresentados na Tabela 16, alcançando a cifra de R$ 3,50 por GJ, quando se considera somente o preço de oportunidade da lenha. Quando se inclui também os custos com o replantio e manejo, os custos energéticos chegam a R$ 6,20 por GJ. Tabela 16 - Estimativa dos custos da energia gerada através da lenha Ítem Unidade Valor PCI da lenha GJ m-³ 4,69 Energia necessária GJ 23,45 Custos de 5 m³ de lenha (somente preço de oportunidade) R$ 82,50 Custos de 5 m³ de lenha (incl. custos de replantio, manejo, preço de oportunidade) R$ 145,78 a) Custos da energia (somente preço de oportunidade) R$ GJ-1 3,50 b) Custos da energia (incl. custos de replantio, manejo, preço de oportunidade) R$ GJ-1 6,20 5.4.3.2. Estimativa dos custos de secagem utilizando GLP Para o cálculo dos custos de secagem com o GLP utilizou-se o mesmo procedimento anterior, tomando como base a demanda energética de 6,8 GJ, para a secagem de uma tonelada de amêndoas de cacau (Tabela 17). Os preços do GLP estão sujeitos direta ou indiretamente, à evolução dos preços internacionais do petróleo. Com base no preço médio atual do botijão de 13 kg na região (R$ 36,00), o custo de secagem com GLP alcançaria a cifra de R$ 408,08 por tonelada, correspondente a custos adicionais de aproximadamente R$ 6,00 por arroba de cacau. Com base na cotação atual de R$ 51,00 por arroba (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA, 2006), este valor representaria um custo de secagem bastante elevado, em torno de 12% do faturamento com a venda do cacau. Tabela 17 - Custos associados à secagem de cacau, usando GLP Ítem Unidade Poder calorífico do GLP (relação mássica) MJ kg-1 Conteúdo energético (botijão de 13 kg) GJ Preço atual do botijão R$ Preço específico do GLP R$ GJ-1 Custos da secagema R$ a Consumo de 6,76 GJ na secagem de 01 tonelada de cacau 98 Valor 45,9 0,6 36,00 60,30 408,10 5.4.3.3. Estimativas dos custos de secagem utilizando biogás Os custos fixos do biogás foram calculados com base em dados do projeto de construção do biodigestor descrito no relatório da Winrock International Brasil (2002) e apresentados na Tabela 18. A vida útil do biodigestor foi estimada em 10 anos. Tabela 18 - Custos fixos do biodigestor na Fazenda Cascata Item Curral Material Mão de obra Biodigestores Material Escavação Mão de obra Secador Reforma e adaptação de secador tubular Assistência técnica Soma Vida útil Custos anuais Fonte: Winrock International Brasil, 2002 Unidade R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ anos R$ Valor 7.000 6.000 8.000 3.000 1.000 3.000 15.000 43.000 10 4.300 Com base numa produção anual de 6000 m³ de biogás a partir de estrume de gado, os custos fixos unitários alcançam R$ 0,72 por m³ de biogás. Os custos variáveis do biogás dependem, além dos custos da energia elétrica utilizada em bombas e sistemas de agitação, dos custos dos substratos utilizados na alimentação do biodigestor. No caso do biodigestor na Fazenda Cascata, os gastos como energia elétrica podem ser desprezados, uma vez que o projeto construtivo do sistema prescindiu do bombeamento e da agitação artificial do substrato. Os custos variáveis, neste caso, se resumem ao custo associado ao substrato de alimentação. O estrume, antes de entrar no biodigestor, é misturado com água na proporção mássica de 1:1. A água e o estrume na Fazenda Cascata não possuem valor de mercado, porém, para a água foi adotado um preço de oportunidade, baseado no Decreto 9.747, de 28 de dezembro de 2005 (TELES, 2006), de R$ 0,02 por m³. Considerando que a biodigestão não altera o valor nutricional do estrume como fertilizante, pode-se desprezar os custos com estrume e os custos variáveis podem então ser aproximados como sendo os custos associados à glicerina adicionada ao substrato e ao custo de oportunidade da água. 99 5.4.3.4. Efeitos da glicerina bruta Com a adição da glicerina observou-se um aumento na produção de biogás e no seu teor de metano, reduzindo proporcionalmente o custo energético de produção do biogás, quando comparado ao seu custo utilizando somente o estrume de gado. A Tabela 19 apresenta os custos fixos, variáveis e totais para a geração de 1,0 GJ de biogás considerando os tratamentos controle, Gli 5 e Gli 10. Tabela 19 - Custos da produção de 1,0 GJ de biogás Item Custos variáveis (água, glicerina brutaa) Custos fixos (construção) Custos totais por GJ de biogás a Preço da glicerina: R$ 0,05 por kg (Nilles, 2006) Unidade R$ R$ R$ Gli 0 0,03 34,62 34,65 Gli 5 1,60 5,99 7,59 Gli 10 2,20 4,12 6,32 Observa-se na Tabela 19 que, apesar dos tratamentos Gli 5 e Gli 10 apresentarem o maior valor para os custos variáveis, devido ao custo adicional da glicerina bruta, os custos fixos foram proporcionalmente reduzidos devido à sua maior produção relativa de biogás, resultando num custo total inferior. O tratamento Gli 10 apresentou o menor custo energético total de produção, com aproximadamente, R$ 6,30 por GJ de biogás equivalente. A Tabela 20 apresenta os custos de secagem de uma tonelada de cacau utilizando biogás produzido a partir do estrume de gado sem adição de glicerina, e com adição de glicerina (Gli 5 e Gli 10). Tabela 20 - Custos da secagem por tonelada de cacau usando biogás de estrume bovino sem e com a adição de 5% e 10% m/m de glicerina Item Valor calorífico do biogás (MJ m-³) Energia necessária (GJ) Quantidade de biogás necessária (m³) -1 Custos totais por GJ de biogás (R$ GJ ) Custos da secagem (R$) Gli 0 20,70 6,76 326,80 34,70 234,40 Tratamento Gli 5 Gli 10 24,10 25,90 6,76 6,76 280,40 261,70 7,60 6,30 51,30 42,70 A quantidade de biogás (C-2, 57,5% CH4), com PCI de 20,7 MJ m-³, necessária para satisfazer a demanda de energia de 6,8 GJ calculada para a secagem de uma tonelada de cacau, foi de 326,8 m³, no tratamento Gli 0 (Tabela 20). Já no tratamento Gli 5, a quantidade do biogás necessária diminuiu em 14,8% e os custos da secagem foram 22% dos custos do tratamento Gli 0, devido ao maior PCI do biogás (24,1 MJ m-³). 100 A quantidade de biogás necessária no tratamento Gli 10 diminuiu em 19,9%, comparado ao controle, e os custos da secagem foram 18% dos custos do tratamento Gli 0, devido ao maior PCI do biogás (25,85 MJ m-³). 40 R$ GJ-1 35 30 25 Gli 0 Gli 5 20 Gli 10 15 10 5 0 50 550 695 R$ t-1 Gráfico 25 - Análise de sensibilidade dos custos da glicerina bruta. Os custos associados à glicerina bruta oriunda da produção do biodiesel podem variar muito, a depender da qualidade e da demanda por este produto no futuro. Com base nesta constatação, optou-se por realizar uma análise de sensibilidade para o custo de produção do biogás em função do preço adotado para a glicerina. Os dados do Gráfico 25 mostram a influência do preço da glicerina bruta na economidade dos tratamentos com a adição de glicerina ao substrato do biodigestor. Mesmo considerando um preço elevado para a glicerina (R$ 695,00 por tonelada), a adição de 5% de glicerina bruta (Gli 5) no substrato do biodigestor ainda seria economicamente vantajosa. A tendência de aumento na produção do biogás observada durante o experimento para o tratamento Gli 10 (item 5.1) permite deduzir, que, mesmo com os preços mais elevados para a glicerina, a adição de 10% de glicerina bruta seria economicamente favorável, desde que o processo da biodigestão possa alcançar a máxima eficiência na digestão da glicerina. 5.4.3.5. Comparação dos três combustíveis A comparação dos custos de secagem entre os três combustíveis considerados neste trabalho revela que os custos de secagem, utilizando a lenha, são os menores, 101 mesmo quando se considera para a lenha, tanto os custos de oportunidade, como os de replantio. O custo do GJ lenha foi a metade do custo do biogás, produzido através da biodigestão anaeróbica do estrume de gado (controle) do e do GJ GLP. Já quando se considerou a adição de 5% m/m de glicerina (Gli 5) ao substrato do biodigestor, o custo do GJ biogás caiu para aproximadamente um terço do preço do custo do controle (Gli 0). O custo do GJ biogás, quando se considera o tratamento Gli 10, foi ainda menor, devido ao maior volume de biogás produzido por unidade de substrato e ao maior PCI do biogás produzido. Os custos de secagem de uma tonelada de cacau, usando o biogás oriundo dos tratamentos Gli 5 e Gli 10, estão próximos a um terço e um quinto dos custos energéticos da lenha e do GLP, respectivamente (Tabela 21). Tabela 21 - Comparação da demanda dos combustíveis usados na secagem do cacau PCI por volume (GJ m-³) PCI por massa (GJ t-1) Energia necessária (GJ) Quantidade do combustível necessária (m³) Custos energéticos na secagem de 01 t de cacau (R$) a da mata nativa, com 20% de umidade b em base de C-2. Lenhaa GLP 4,69 114,00 14,00 45,70 23,45 6,76 5,00 96,40 145,78 408,10 Gli 0b 20,70 19,50 6,76 326,77 234,40 Gli 5 b 24,12 20,10 6,76 280,44 51,30 Gli 10 b 25,85 21,45 6,76 261,69 42,70 No uso do GLP na cocção doméstica, os custos com o GLP foram assumidos em R$ 432,00 por família por ano, baseado no preço do GJ gerado pelo GLP de R$ 60,33. A Tabela 22 mostra que o biogás gerado somente com estrume de gado proporciona um benefício de R$ 183,70 por família por ano, quando comparado com o uso do GLP na cocção. Quando se adiciona 5% de glicerina bruta ao substrato, a diferença em favor do biogás sobe para R$ 377,70 e com a adição de 10% este valor alcança R$ 386,70 por família por ano. Tabela 22 - Consumo e gastos com GLP e biogás, para cocção Item Consumo anual de energia (GJ a-1) Preço do GLP / Custo do biogás (R$ GJ-1) -1 Gastos anuais totais com cocção (R$ a ) -1 Gastos anuais por família (R$ a ) Economia por família e ano GLP 286,42 60,33 17.279,72 432,00 0 102 Biogás Gli 0 286,42 34,65 9930,90 248,30 183,70 Biogás Gli 5 286,42 7,58 7.363,31 54,30 377,70 Biogás Gli 10 286,42 6,32 9.395,76 45,30 386,70 6. Conclusões e perspectivas O objetivo deste trabalho foi avaliar a glicerina bruta como suplemento na biodigestão de estrume de gado para a geração de biogás. Os resultados indicaram que a glicerina bruta pode ser usada como suplemento na biodigestão anaeróbica, proporcionando um aumento na produção de biogás e no seu teor em metano quando adicionada em proporções de até 10% m/m. Isto provavelmente foi resultado dos efeitos sinérgicos da combinação favorável de nutrientes provocada pela adição da glicerina bruta ao substrato original, estimulando a ação dos microorganismos que atuam no processo de biodigestão. A adição de 15% m/m de glicerina bruta ao esterco bovino levou a problemas no processo, culminando com o colapso da biocenose do biodigestor. Conclui-se que na adição de glicerina bruta deve-se considerar o limite máximo para adição de glicerina bruta e um tempo de adaptação para a biocenose. A avaliação das emissões de gases estufa, considerando todo o ciclo de vida dos combustíveis, demonstrou que a emissão provocada pela lenha, 2,31 kg CO2eq GJ-1, foi consideravelmente menor que a provocada pelo GLP com 65,74 kg CO2eq GJ-1, desde que o CO2 emitido na combustão da lenha seja considerado neutro, ou seja, o corte e a reposição florestal sejam mantidos em equilíbrio. O biogás apresentou vantagens consideráveis com relação aos dois primeiros combustíveis, sendo que o seu balanço com base no ciclo de vida resultou em emissões negativas de CO2eq.. Por um lado, a biodigestão e a combustão do biogás evitam as emissões de metano pelo estrume armazenado sem tratamento e por outro, a substituição de combustíveis fósseis pelo biogás, evita emissões de CO2 de origem fóssil, resultando num balanço negativo de emissões de gases estufa, mesmo considerando perdas de 5% durante a produção, armazenamento e transporte do biogás. A viabilidade econômica do uso do biogás e da adição de glicerina como suplemento no processo de biodigestão foi analisado com base em comparações do seu uso em substituição à lenha e ao GLP na secagem de cacau e ao GLP na cocção de alimentos, considerando os valores econômicos em termos de R$ GJ-1, 103 uma vez que se trata de combustíveis com diferentes conteúdos energéticos e diferentes eficiências de combustão. Os custos de produção do GJ biogás foram de R$ 34,65 para o tratamento controle e de R$ 7,59 e R$ 6,32 por GJ para os tratamentos com a adição de 5% e de 10% m/m de glicerina bruta, respectivamente. Como referência para os cálculos econômicos foram adotados preços de R$ 3,50 para o GJ lenha (R$ 6,20, quando se considerou os custos de replantio) e R$ 60,33 para o GJ GLP. Quando se avaliou o uso do biogás como alternativa na secagem de cacau, o uso do biogás produzido pelo tratamento controle, ou seja, sem a adição de glicerina, gerou custos de R$ 234,40 por tonelada de cacau, superior ao custo de secagem com lenha, R$ 145,78 e inferior ao custo de secagem com o GLP, R$ 408,10. Quando se adicionou glicerina, os custos de secagem com o biogás decresceram para R$ 51,30 e R$ 42,70 para os tratamentos Gli 5 e Gli 10, respectivamente. Na cocção de alimentos o custo do biogás foi comparado ao custo do GLP utilizado atualmente na Fazenda Cascata. Tomando como base o consumo médio mensal de um botijão de GLP por família, o uso do biogás pode representar uma economia financeira de R$ 183,70 por família por ano, com base no biogás produzido pelo tratamento controle, já com a adição de 5% e 10% m/m de glicerina bruta, cada família pode economizar R$ 377,70 e R$ 386,70, respectivamente, por ano. Não foram considerados nos cálculos os custos de investimento para implantação da rede de distribuição de biogás, nem recursos auferidos através da venda de créditos de carbono. Conclui-se que através da adição da glicerina bruta foi possível reduzir os custos de produção para o biogás e conseqüentemente para suas aplicações na secagem de cacau e na cocção de alimentos, combinando benefícios econômicos e ambientais, na medida em que a substituição da lenha pode reduzir o impacto da exploração predatória de florestas nativas e a substituição do GLP contribui para a redução das emissões de gases estufa. A valorização energética da glicerina bruta utilizando a tecnologia da biodigestão oferece uma solução “win-win-win”, contribuindo para a geração de energia e o tratamento adequado de resíduos orgânicos em bases economicamente e ambientalmente sustentáveis, colaborando para o desenvolvimento de comunidades 104 descentralizadas através do fornecimento de energia de baixo custo e reduzido impacto ambiental, aproveitando os recursos naturais de maneira mais inteligente. A adição de glicerina bruta oriunda da produção do biodiesel pode potencializar os benefícios econômicos e ambientais da utilização de biodigestores no tratamento de resíduos orgânicos em nível de propriedade rural e na produção de energia renovável de baixo impacto ambiental para o processo de secagem do cacau e cocção de alimentos nas propriedades rurais da região. Isso reduz a pressão sobre os recursos naturais, os impactos ambientais e apresenta um custo compatível com os resultados econômicos da produção de cacau. Como forma de potencializar os benefícios econômicos e ambientais desta tecnologia, sugere-se a ampliação do leque de aplicações para o biogás, com destaque para: o aproveitamento de frutas regionais através da secagem, produção de doces e geléias e a adaptação das casas de farinha para combustão do biogás. 105 Referências bibliográficas AGÊNCIA CT. Aporte em biodiesel chega a R$ 240 milhões na Bahia. Desenvolvimento Regional 06 set. 2005. Disponível em: <http://agenciact.mct.gov.br/index.php?action=/content/view&cod_objeto=29092>. Acesso em: 04 nov. 2005. AGENDA 21 BRASILEIRA: Disponível em <http://www.mma.gov.br>. Acesso em: 12. mai. 2004. ALMEIDA, J. A. Produktion von Biodiesel in Bahia, Brasilien: Konzept für die Planung einer Anlage mit Berücksichtigung ökologischer und sozioökonomischer Aspekte. Tese de doutorado. Universidade de Kassel. Julho de 2006, 223p. ALMEIDA, J.A., MARTINS, T., ROBRA, S. SANTOS, C. Relatório final do acompanhamento do biodigestor da Fazenda Cascata. 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Comportamento do biodigestor? Produção de biogás? Qualidade do biogás? Secador de cacau Funcionamento e desempenho Produto seco kg h-1 Problemas relacionados ao secador Temperatura, escassez de biogás Outras aplicações planejadas Casa de farinha Cozinha comunitária Cocção doméstica Outros Problemas gerais Financeiros? Gerenciais? De informação? Vantagens, desvantagens? Custos? Responsabilidade? Considerações gerais? Apêndice B - Avaliação estatística dos resultados experimentais Resultados da ANOVA das quantidades de biogás geradas por g de MF adicionado 117 F - Fcrit P Hipótese Gli 0 – Gli 5 69,82 - 4,75 0,0000024 H0 - H1 > 0 Gli 5 Gli 10 4,998 - 4,965 0,049 H0 - H1 > 0 Gli 10 – Gli 15 6,53 - 4,965 0,029 H0 - H1 > 0 Gli 0 – Gli 15 8,36 - 4,96 0,016 H0 - H1 > 0 Resultados da separação das médias das quantidades de biogás geradas, por g de MF adicionado, pelo teste Tukey qcalc qtab α = 0,05 Gli 0 vs. Gli 5 6,39 3,96 qcalc > qtab H1 Gli 5 vs. Gli 10 2,84 3,96 qcalc < qtab H0 Gli 10 vs. Gli 15 4,77 3,96 qcalc > qtab H1 Gli 00 vs. Gli 15 4,47 3,96 qcalc > qtab H1 150 137,7 126,0 118,5 109,5 100 83,7 72,0 61,6 61,6 50 72,0 72,0 61,6 53,1 19,6 16,8 11,1 0 11,1 14,5 11,1 Gli 0 Gli 5 Gli 10 14,5 14,5 Gli 15 Boxplot (Mediano, quartiles, valores mínimos e máximos) das quantidades de biogás produzidas por g de MF, no controle e nas três variações.Resultados da ANOVA dos quantidades de biogás geradas por g de MS adicionado F - Fcrit P Hipótese Gli 0 – Gli 5 62,58 - 4,75 0,000013 H0 - H1 > 0 Gli 5 Gli 10 0,204 - 4,965 0,661 H0 - H1 < 0 Gli 10 – Gli 15 16,11 - 4,965 0,0025 H0 - H1 > 0 Gli 0 – Gli 15 5,43 - 4,96 0,042 H0 - H1 > 0 Resultados da separação das médias das quantidades de biogás geradas, por g de MS adicionado, pelo teste Tukey 118 qtab qcalc α = 0,05 Gli 0 vs. Gli 5 8,6448 3,96 qcalc > qtab H1 Gli 5 vs. Gli 10 0,7420 3,96 qcalc < qtab H0 Gli 10 vs. Gli 15 6,7235 3,96 qcalc > qtab H1 Gli 0 vs. Gli 15 2,6633 3,96 qcalc < qtab H0 1600 1400 1200 955,2 1000 815,0 800 735,9 600 545,1 400 200 0 946,8 757,6 713,9 545,1 495,0 245,5 209,7 138,9 138,9 138,9 Gli 0 Gli 5 Gli 10 656,4 495,0 361,6 306,1 218,8 218,8 Gli 15 Boxplot (mediano, quartiles, valores mínimos e máximos) das quantidades de biogás produzidas por g de MS, no controle e nas três variações. Resultados da ANOVA dos quantidades de biogás geradas por g de CV adicionado F - Fcrit P Hipótese Gli 0 – Gli 5 10,09 - 4,96 0,0099 H0 - H1 > 0 Gli 5 Gli 10 1,331 - 4,965 0,257 H0 - H1 < 0 Gli 10 – Gli 15 16,11 - 4,965 0,002 H0 - H1 > 0 Gli 0 – Gli 15 2,669 - 4,964 0,133 H0 - H1 < 0 Resultados da separação das médias das quantidades de biogás geradas, por g de MS adicionado, pelo teste Tukey qtab qcalc a = 0,05 Gli 0 vs. Gli 5 8,54 3,96 qcalc > qtab H1 Gli 5 vs. Gli 10 0,0058 3,96 qcalc < qtab H0 Gli 10 vs. Gli 15 6,72 3,96 qcalc > qtab H1 Gli 0 vs. Gli 15 1,83 3,96 qcalc < qtab H0 119 1600 1400 1244,7 1165,2 1200 1000 1003,0 932,3 960,9 931,9 795,0 800 400 713,2 713,2 600 609,1 609,1 438,0 363,7 310,6 200 205,7 370,7 205,7 205,7 265,2 265,2 0 Gli 0 Gli 5 Gli 10 Gli 15 Boxplot (Mediano, quartiles, valores mínimos e máximos) das quantidades de biogás produzidas por g de CV, no controle e nas três variações.Resultados da ANOVA dos quantidades de metáno geradas por g de CV adicionado F - Fcrit P Hipótese Gli 0 – Gli 5 65,64 - 4,96 1,05392E-05 H0 - H1 > 0 Gli 5 Gli 10 2,00 - 4,96 0,187 H0 - H1 < 0 Gli 10 – Gli 15 16,63 - 4,96 0,002 H0 - H1 > 0 Gli 0 – Gli 15 7,92 - 4,96 0,018 H0 - H1 < 0 Resultados da separação das médias das quantidades de metano geradas, por g de MS adicionado, pelo teste Tukey qtab Gli 0 vs. Gli 5 qcalc a = 0,05 11,458 5,70 qcalc > qtab H1 Gli 5 vs. Gli 10 2,002 5,70 qcalc < qtab H0 Gli 10 vs. Gli 15 5,777 5,70 qcalc > qtab H1 Gli 0 vs. Gli 15 3,980 5,70 qcalc < qtab H0 120
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