Habitat for Humanity e os direitos à moradia

Transcrição

Habitat for Humanity e os direitos à moradia
2007:Volume 14 Edição 4
Moradia como um direito humano
promovendo diálogo entre os parceiros mundiais da Habitat for Humanity
Habitat for Humanity e os direitos à moradia
Steven Weir
O
Moradia como base para o avanço dos direitos humanos
“Eu era um homem sem endereço fixo. Quando
via abusos e corrupção na escola onde leciono, eu
não me atrevia a me expressar por medo de ser
transferido para um lugar remoto do país onde eu
não pudesse cuidar de minha família. Com essa
casa, minha família e eu temos um endereço fixo.
Nunca viveremos com medo de nos expressarmos
novamente.
Em 1823, a família de meus antepassados foi
avanço da comunidade de transformação é crucial para
o avanço dos direitos humanos com bases sólidas e as
moradias seguras são os alicerces para a participação
de uma família naquele processo. O Informe das Nações Unidas
sobre o Direito a Moradias Adequadas expressa a conexão e a
escada de necessidades dessa maneira: “A moradia adequada é
vista universalmente como uma das mais básicas necessidades humanas”. [ênfase adicionado] A Declaração Universal dos Direitos
Humanos das Nações Unidas (1948) indicou a moradia como
uma parte integrante do direito a um padrão de vida adequado.
(Consulte a página 11 para informar-se sobre o Artigo 25.)
forçada a se mudar do sul da Índia para o Sri Lanka
para trabalhar em fazendas de chá. Após gerações
economizando, meu avô comprou um pequeno
terreno (aproximadamente 5 m x 10 m), mas nossa
família não tinha dinheiro para construir uma casa e
sair das condições desumanas de moradia da linha
da empresa. Como professor eu teria direito a um
empréstimo do governo, mas como pertenço a uma
casta inferior, minha solicitação nunca foi processada. Os bancos, a igreja local, a escola e o governo
têm recusado nos ajudar—não tínhamos para quem
pedir ajuda. A assistência de Hatton da Habitat for
Humanity mudou a vida da minha família para sempre. Agora somos uma família com endereço fixo e
eu nunca mais terei medo de me expressar.”
—S. Durairaj, na dedicatória da nova casa de sua
família em abril de 1995.
Continua na página 2
índice
Habitat for Humanity e os direitos à moradia. . . . . . . . . . . . . 1
Dos editores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
Vivendo o amor e os ensinamentos de Jesus . . . . . . . . . . . . 5
O uso dos direitos humanos para o desenvolvimento
humano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
O direito à moradia adequada: Da lei à prática. . . . . . . . . . . . 8
As Nações Unidas e a moradia como um direito
humano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Direitos Humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Moradia como um direito humano: Uma perspectiva do
Oeste da África: O caso da Costa do Marfim . . . . . . . . . . . . 12
Uma rápida análise dos direitos à moradia na região
da Ásia/Pacífico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Moradia como um direito humano: Uma visão
européia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
A HFH Equador ajuda com esforços de apoio a moradias
como um direito humano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Avanço progressivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Moradia como um direito humano nos Estados Unidos. . . 22
Habitat for Humanity e os direitos à moradia
Continuação da página 1
Um informe do Alto Comissariado das Nações Unidas para
Direitos Humanos (UNHCHR) acrescenta que desde a declaração original de 1948, “nada menos do que 12 textos diferentes
adotados e proclamados pelas Nações Unidas reconhecem
explicitamente o direito à moradia adequada. É interessante notar
que desses tratados os Estados Unidos ratificaram apenas um—A
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial”.1
Dos editores
B
em-vindo a essa edição de “O Fórum”. Nesta edição, examinamos “a moradia como um direito
humano” e o que isso significa em diferentes
contextos em que a Habitat trabalha no mundo. Como
este é um assunto relativamente novo dentro da
organização, nosso objetivo é informar e fornecer um
meio de compartilhar informações. Embora os artigos
aqui representem um amplo espectro de opiniões,
está claro que o acesso a moradias é vital para todas
as pessoas neste planeta e que moradias inadequadas
são moralmente inaceitáveis — algo que a Habitat for
Humanity anuncia claramente há 30 anos.
Esperamos que essas informações fortaleçam nossa determinação de desenvolver novas metodologias
para alcançar mais famílias e aprofundar nosso desejo
de trabalhar em prol daqueles que precisam de moradias decentes, seguras e adequadas. Continuemos
então, sabendo que o que nós somos chamados a
fazer é uma tarefa de importância vital.
Gostaríamos de lembrá-lo de que esta edição
e as anteriores de “O Fórum” podem ser acessadas on-line: http://beta.partnernet.habitat.org/
OrganizationalLearning/TheForumEnglish.
Como sempre, agradecemos sua opinião sobre
esta publicação.
Anita Mellott e Karan Kennedy
Karan Kennedy é diretora de Apoio Internacional
da Habitat for Humanity. Ela tem 14 anos de experiência na HFH em várias áreas, principalmente na divisão
da África/Oriente Médio.
Anita Mellott serve como editora de Operações
Internacionais de Campo. Ela está na HFH há 10
anos. É formada em jornalismo e comunicação.
Tanto Karan quanto Anita podem ser contatadas
pelo e-mail: [email protected].
Moradias como um imperativo moral—A resposta da Habitat
for Humanity
Em 1996 na II conferência da Habitat nas Nações Unidas,
líderes de 171 países se reuniram em Istambul para reafirmar
e analisar o progresso feito sobre o direito à moradia. O fundador da Habitat for Humanity, Millard Fuller, em várias ocasiões
afirmou a concorrência da Habitat for Humanity com o chamado
Volume 14, Edição 4
O Fórum é publicado trimestralmente em inglês,espanhol e português
Editor:
Anita Mellott
Consultor:
Karan Kennedy
Editor literário:
Heather Myers
Gerente de distribuição:
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Artista gráfico:
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o boletim Afiliadas Internacionais em Notícia. Reservamo-nos, no entanto,
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fax: (229) 924-0577, e-mail: [email protected]
Declaração da Missão
“O Fórum” existe para permitir que os parceiros da Habitat for
Humanity de todo o mundo cumpram sua missão ao proporcionar
meios para:
•Promover a discussão, a troca de idéias e as melhores práticas e o
compartilhamento de conhecimento;
•Compartilhar as preocupações e desafiar nossos padrões para
fazer as coisas e,
•Explorar as diferentes metodologias e problemas relacionados à
moradia e à pobreza em todo o mundo.
121 Habitat St., Americus, GA 31709-3498 USA
2007: Volume 14 Edição 4
Moradia como um direito humano
Habitat for Humanity e os direitos à moradia
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a ação das Nações Unidas dizendo que “A Habitat for Humanity
acredita que é política, social, moral e religiosamente inaceitável
que as pessoas vivam em moradias abaixo do padrão mínimo.”²
Como orador do plenário em Istambul, Fuller afirmou a preocupação universal com as moradias e ofereceu um caminho para se
seguir em frente: “A tarefa em questão—isto é, garantir um abrigo
adequado e habitável, comunidades sustentáveis que criem e
melhorem a vida em vez de degradá-la e destruí-la—é tão grande
e muito intimidante para deixar qualquer aliado em potencial
ocioso e sem se envolver. Cada um desses aliados em potencial de
qualquer região, governo ou outra entidade, deve ser estimulado
Está claro conforme a declaração de
Fuller que embora o direito legal à
moradia adequada possa ser reconhecido
mundialmente, nossas obrigações pessoais e
corporativas são mais amplas.
a dar a máxima contribuição possível para aliviar o sofrimento
de nossos semelhantes que padecem em condições miseráveis
de habitação. Não podemos nos dar ao luxo de deixar nenhum
deles à margem de nossa valiosa batalha de fornecer um abrigo
adequado para todos”.3
Está claro conforme a declaração de Fuller que embora o direito
legal à moradia adequada possa ser reconhecido mundialmente,
nossas obrigações pessoais e corporativas são mais amplas. O que
é necessário é a vontade política ou, mais amplamente, um contrato social para eliminar as condições sub-humanas de moradia em
cada uma de nossas comunidades.
A experiência da Habitat for Humanity é que envolver
cidadãos na participação direta na comunidade em áreas estreitamente consideradas questões de direitos culturais, sociais e
econômicos levou a uma maior conscientização e melhoria das
normas da comunidade na área dos direitos civis e políticos.
Como muitas organizações internacionais de ajuda humanitária, o foco da Habitat no desenvolvimento amplo, holístico e de
transformação leva a uma melhoria também ampla e holística dos
direitos humanos.
Moradia como um direito humano
A transformação ocorre em um sistema imperfeito,
freqüentemente complicado por conflitos culturais
que requerem comprometimento conforme as
ONGs internacionais procuram implementar sua
visão e filosofia principal. Em “Ethics in Action, The
Ethical Challenges of International Human Rights
NGOs,” (Ética em Ação, os Desafios Éticos das ONGs
Internacionais de Direitos Humanos), Steven Weir
escreveu um capítulo “Transformation as the Key
to Human Rights”1 (A Transformação como Fator
Chave para os Direitos Humanos) em que destaca
vários conflitos encontrados pela Habitat e descreve
os comprometimentos, falhas e estratégias de longo
prazo que foram adotadas ocasionalmente. Elas são
agrupadas de um modo geral como:
• Discriminação e favoritismo na seleção dos proprietários: Melhorias dos direitos humanos—Uma
visão, não uma realidade
• Direito ao desenvolvimento e normas culturais de
controle: Melhorias de direitos humanos em conflito
umas com as outras—Escolha uma
• A mídia, doadores e os direitos humanos em
desastres complexos: Melhoria dos direitos humanos—Feito para a TV
• Abusos de direitos humanos relacionados:
Melhorias de direitos humanos—A visão limitada
1
Cambridge University Press 2007; Chapter 3
cidade. A Fazenda Koinonia foi boicotada, bombardeada e suas
casas foram crivadas de balas. O seguro foi cancelado e os comerciantes tinham medo de negociar com eles. Em 1968, quando
a sobrevivência da fazenda estava em dúvida, Clarence Jordan
uniu forças com um empreendedor, Millard Fuller, e iniciou um
novo programa chamado Parceiros de Koinonia através do qual
Continua na página 4
hfhi file photo
Fazenda Koinonia: O precursor da estratégia do envolvimento
holístico da Habitat na comunidade
Em 1942, 20 anos antes do movimento dos direitos civis,
Clarence Jordan e Martin England iniciaram o projeto de uma
fazenda experimental na área rural da Geórgia. “Seus objetivos
eram dois: criar uma comunidade de inclusão racial na qual (1)
os Cristãos viveriam em obediência radical aos ensinamentos de
Jesus; (2) trabalhar de uma maneira que ajudasse os fazendeiros—
especialmente os pobres.”4
Durante os anos 50, Jordan foi excomungado da igreja Batista
e os membros da KKK (Ku Klux Klan) tentaram expulsá-lo da
Mudanças transformadoras
Voluntários na Fazenda Koinonia, uma comunidade com inclusão racial
na Geórgia.
2007: Volume 14 Edição 4
Habitat for Humanity e os direitos à moradia
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programas como assistência jurídica, aconselhamento, orfanatos,
visitas a prisões e “Fund for Humanity” começaram.5
A visão radical da fazenda Koinonia de uma comunidade
com integração racial antecede o movimento dos direitos civis e é
um antecedente óbvio da estratégia da Habitat do envolvimento
holístico da comunidade como elemento chave para as mudanças.
Esse princípio fundamental continua moldando a estrutura de
intervenção normativa, assim como a abordagem às questões de
direitos humanos da Habitat.
Melhorias dos direitos humanos
Várias observações interessantes sobre as melhorias dos
direitos humanos podem ser baseadas na história do Sr. Durairaj.
Curiosamente, essas questões raramente são entendidas ou articuladas na linguagem dos direitos humanos em parte porque nem a
nidade. O envolvimento pessoal freqüentemente é a motivação
mais forte para a continuidade das mudanças.
Embora a melhoria na segurança e no conforto físico de
Durairaj tenha sido drástica, esse nível de transformação pessoal
não é observado normalmente nas vidas dos residentes que participam dos programas de distribuição de moradias do governo
que experimentam melhorias similares em seus direitos humanos
através da melhoria das condições de moradia. Uma melhoria
apenas na moradia geralmente é insuficiente para sustentar o
desenvolvimento constante em uma comunidade necessário para
afetar seus direitos humanos. O excesso de programas falhos de
Continua na página 24
Bibliografia
Barnette, Henlee H., Jordan, Clarence, Turning
Dreams into Deeds (Macon, GA: Smyth & Helwys
Publishing Inc., 1992)
Talvez o mais instigante seja a eficácia de
uma metodologia que combina
envolvimento pessoal com a motivação
baseada na fé e que parece resultar em uma
transformação muito além da melhoria
ideal dos direitos humanos.
Carens, Joseph, Fiji paper
Chambers, Robert, Whose Reality Counts?
Intermediate Technology Publications 104
Government of India, DEC evaluation report, Shelter
and the use of contractors, 2001
Fuller, Millard, More than Houses (Nashville, TN: Word
Publishing, 2000)
motivação nem a experiência se originam de um plano de direitos
humanos.
• Motivado por obrigações baseadas na fé ao invés de
obrigações com os direitos humanos, as atividades do comitê
de voluntários da Habitat iniciaram uma série de melhorias na
comunidade, ajudando uma única família.
• A melhoria das moradias resulta na melhoria da posição
econômica e social de Durairaj na comunidade. A discriminação
cultural é vencida quando vizinhos de castas diferentes e origens
étnicas se oferecem como voluntários para ajudar Durairaj através
de seu próprio trabalho. A assistência subseqüente de Durairaj
a outras pessoas demonstra ainda mais a queda das divisões
culturais. As melhorias políticas e civis ocorrem quando Durairaj,
anteriormente desprovido de qualquer direito civil, agora organiza
uma pequena comunidade e negocia com sucesso as aprovações
municipais para seus projetos de desenvolvimento.
• Através de uma metodologia de envolvimento participativo,
as melhorias ocorrem nas áreas de direitos humanos econômicos,
civis, sociais, culturais e políticos.
• A transformação pessoal de Durairaj e a participação individual de outras pessoas na melhoria das condições de moradia
de Durairaj resultam não apenas na criação de comunidades
holísticas, mas também na transformação da motivação da comu
2007: Volume 14 Edição 4
Fuller, Millard, Bokotola (Piscataway, NJ: Association
Press, New Century Publishers Inc., 1977)
Hiebert, Paul, The Flaw of the Excluded Middle (1982)
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Meyers, Bryant, Walking with the Poor: Principles
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Newbigin, Leslie, Foolishness to the Greeks: The
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United Nations, Universal Declaration of Human
Rights (1948) Article 25.1 (http:/www.unhchr.ch)
Moradia como um direito humano
Vivendo o amor e os ensinamentos de Jesus
Jonathan Reckford
Não é difícil encontrar documentos
que declaram o abrigo adequado
como um direito humanos—O
Artigo 25 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, por exemplo,
menciona isso claramente (veja a
página 11).
Desde 1948, tem havido muito
debate sobre se as famílias têm direito a moradia e se os governos são
juridicamente obrigados a garantir
abrigo a todos. Imagino que essa
conversa continuará futuro adentro.
Ezra Millstein
O Conselho de Administração
da Habitat for Humanity endossou
formalmente esse artigo alguns anos
atrás, enfatizando o fato que “Todas
as pessoas de todos os lugares têm
a responsabilidade de trabalhar juntas para garantir que todos tenham
um abrigo decente em condições
Jonathan Reckford (centro) participa de um painel de discussões do World Habitat Day nas
Nações Unidas. Na foto também estão os membros do painel Zachary D. Mubiri-Muita,
Embaixador do Quênia (extremidade esquerda), Ryan Galvin, Vice-Diretor de Política do
Escritório da Sub-Prefeitura de Manhattan (esquerda) e o Professor Gautam Dasgupta da
Universidade de Columbia (extremidade direita). O World Habitat Day destina-se a lembrar
o mundo sobre o estado dos assentamentos humanos e sua responsabilidade coletiva pelo
futuro das habitações humanas.
que possam pagar. Além disso, acreditamos que o
Lucas 10:30-35 fornece o contexto bíblico. Ao ser inda-
fornecimento de moradias adequadas para todos é uma
gado sobre a definição de próximo, Jesus conta a história
obrigação religiosa, moral, social e política a ser cumprida,
do Bom Samaritano. Ao terminar, ele pergunta “Qual dos
não por uma única organização, mas através do compro-
três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas
metimento de todas.”
mãos dos salteadores?”
“O que usou de misericórdia para com ele”, foi a resposta. Então Jesus instrui “Vai e procede tu de igual modo”.
Como uma organização baseada na fé,
assumimos nosso trabalho de construir
casas em razão de um chamado maior de
viver o amor e os ensinamentos de Jesus e
devido a um compromisso de servir nossos
vizinhos—filhos de Deus—que precisam de
um local melhor para viver.
Somos chamados a servir “esses pequeninos”. Isso
está manifestado na construção de casas, no trabalho que
estamos fazendo e que muda as vidas em relação direta
com Deus, uns com os outros e com aqueles necessitados
de moradias decentes.
Comprometamo-nos com nossa missão compartilhada—e com o tipo de comunidade que Cristo nos chama
a criar. Não há dúvidas de que nossa obrigação é servir
aqueles com necessidades urgentes ao nosso redor para
Como uma organização baseada na fé, assumimos
nosso trabalho de construir casas em razão de um
consertar esse erro abominável em nosso mundo.
E essa é seguramente a coisa certa a se fazer.
chamado maior de viver o amor e os ensinamentos de
Jesus e devido a um compromisso de servir nossos viz-
Jonathan Reckford é CEO da Habitat for Humanity
inhos—filhos de Deus—que precisam de um local melhor
International.
para viver.
Moradia como um direito humano
2007: Volume 14 Edição 4
O uso dos direitos
humanos para o
desenvolvimento
humano
Mary Engelking
steffan hacker
O que é a abordagem baseada nos direitos humanos?
O
O princípio da abordagem baseada nos direitos humanos é a existência das obrigações éticas do processo
de desenvolvimento na lei. As obrigações éticas dos
governos e indivíduos, como provenientes das normas dos direitos humanos acordados, já estão codificadas nas leis nacionais da
maioria dos países. As leis nacionais e internacionais existentes
indicam que direitos existem, quem pode reivindicar cada direito,
quais são as obrigações daqueles que detém um direito e quem
está obrigado a garantir cada um dos direitos.
A caridade não é suficiente para garantir e sustentar o desenvolvimento humano—os profissionais no campo do desenvolvimento estão conscientes do interesse relativamente breve dos
doadores às causas de caridade. É frustrante porque a disponibilidade de recursos direcionados pelo interesse dos doadores pode
possibilitar ou impedir programas de desenvolvimento. Os doadores de caridade não se sentem obrigados a aplicar seus recursos
nem de aplicá-los de uma maneira particular. A caridade pode
levantar muitos recursos, mas não é compatível com a capacidade
dos governos e estruturas de mercado para fornecer fundos.
“Não é apenas uma boa idéia. É a lei.” No desenvolvimento
baseado nos direitos humanos, todas as pessoas, independentemente de sua riqueza ou poder, recebem proteção igual sob a
lei e o gozo de seus direitos. A mentalidade precisa ser mudada
de provisão “caridosa” para causas “dignas” para capacitação
2007: Volume 14 Edição 4
“obrigatória” de condições “justas”. As “coisas” não são “dadas”
para pessoas “subdesenvolvidas”, mas ao contrário “todas as pessoas” têm “acesso igual” a “direitos legais”. A maioria das pessoas
não precisa de caridade—precisa que as barreiras que impedem a
melhoria de suas vidas sejam removidas.
A sustentabilidade do trabalho de desenvolvimento é alcançada mais facilmente porque não é necessário confiar na autoridade moral da causa, nem na caridade prolongada, mas ao invés
disso, confiar nas obrigações legais. As obrigações legais são mais
duráveis porque são definidas mais claramente do que as obrigações morais. Elas sobrevivem às pessoas que as implementam e
a popularidade de uma causa em particular. Para a maioria dos
países uma abordagem baseada nos direitos não é uma questão
de novas leis e obrigações, mas uma questão de uso e aplicação da
autoridade legal existente.
Uma abordagem de desenvolvimento humano clássica se
concentra na identificação das necessidades e de programas que
atendam essas necessidades. A abordagem baseada em direitos
humanos defende que a negação a esses direitos é a principal
causa da pobreza e é uma barreira estrutural social ao desenvolvimento humano.
Os princípios da Habitat baseiam-se nos direitos humanos
Acima de todos os outros conceitos organizacionais, a “teologia do martelo” engloba melhor a natureza universal do direito
Moradia como um direito humano
O uso dos direitos humanos para o desenvolvimento humano
Continuação da página 6
à moradia e a necessidade de se agir para eliminar as barreiras a
esse direito fundamental.
A idéia da “fé em ação” ecoa no Artigo 1 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (consulte a página 11, Artigo
25). A diferença da abordagem baseada nos direitos humanos é
que ela usa leis internacionais formadas em torno de conceitos de
direitos jurídicos como a base da obrigação.
A Habitat for Humanity sempre se viu como uma entidade
que fornece assistência e não esmolas. A organização se declara há
muito tempo que não é uma instituição de caridade. As pessoas
carentes do mundo não precisam de “caridade”, apenas de um
pouco de assistência para resolverem seu problemas de moradia,
com seus próprios meios. A abordagem baseada nos direitos
concorda que as pessoas não precisam de caridade, apenas uma
oportunidade igual e a remoção das barreiras para que elas possam adquirir o que precisam com seu próprio esforço.
Possíveis passos futuros da HFH
Há uma forte concordância entre os conceitos de direitos
humanos e os princípios da Habitat. Milhares de novas famílias
por ano podem receber ajuda para saírem das moradias inadequadas somando ação política com autoridade legal às atividades
tradicionais baseadas na teologia da HFH.
A Habitat for Humanity é um poderoso ministério Cristão
que tem atacado ferozmente as barreiras financeiras e melhorado
a acessibilidade a moradias em seus 30 anos de história. Boa parte
de sua popularidade vem de resultados palpáveis e facilmente
enumeráveis—casas. A erradicação de moradias inadequadas
necessitará de trabalho adicional que vise solucionar os problemas
dos direitos humanos, mais provavelmente nas áreas de política e
justiça.
A Habitat tem o potencial de fazer o que muitas outras
organizações não conseguem realizar—a integração dos direitos
humanos em práticas de desenvolvimento promovendo um
ambiente promova os direitos. Os conceitos da organização sobre
a teologia do martelo e a fé em ação—conceitos que ecoam repetidamente nos instrumentos dos direitos humanos—proporcionam
a oportunidade de incursões estratégicas críticas que possam
multiplicar o número de famílias servidas através de atividades
que promovam os direitos nos níveis institucional e sócio-político.
O foco decidido da HFH na eliminação das moradias inadequadas mostrou ao público que não tem nenhuma motivação
política ou de lucros oculta em seu trabalho. Com essa reputação
e a ação contínua em programas tradicionais e visíveis, a Habitat
está bem posicionada para realizar mudanças de moradias no
local de construção. As atividades baseadas nos direitos no nível
sócio-político e as ligações a tais atividades através de programas
Moradia como um direito humano
tradicionais podem potencializar o trabalho da organização. Ao
invés de ajudar dezenas de milhares de famílias todos os anos, a
HFH poderia estar ajudando centenas de milhares.
A Habitat poderia se posicionar como líder mundial em
políticas voltadas para a moradia ou apoiar esse tipo de política,
assim como líder na construção de moradias. As afiliadas de todo
o mundo combatem as políticas de moradia mal concebidas e/ou
mal executadas. São encontrados temas universais como procedimentos difíceis de registro de terra, procedimentos onerosos para
obtenção de licenças de construção e procedimentos administrativos desnecessários. Se a Habitat agisse nessas áreas, não apenas os
proprietários da Habitat e as afiliadas colheriam os benefícios, mas
todos o fariam. A remoção dessas barreiras aumentará o número
de pessoas que constrói legalmente e estimularia a conformidade
com as normas de moradias. Também abaixará os custos de construção—um dos principais objetivos da acessibilidade.
Existe potencial para ajudar um número maior de famílias
pesquisando as barreiras ao fluxo de capitais através de mecanismos bancários comerciais em um país. A Habitat poderia
ser ou poderia fazer parceria com uma instituição de pesquisa
de financiamento de moradias; poderia investir no aumento da
capacidade do governo para fazer boas leis e políticas e poderia
estimular os governos a investirem a porcentagem adequada de
fundos públicos em mecanismos como incentivos fiscais ou subsídios bem empregados.
A Habitat deve pensar em todos os governos como grandes
doadores, mas não necessariamente em termos de dinheiro. As
leis e as políticas governamentais adequadas são equivalentes à
injeção de capital—o financiamento e a política de moradias são
peças muito grandes e desejáveis da infra-estrutura governamental. A Habitat poderia usar sua extensa experiência organizacional
e seu conhecimento nas técnicas de grandes angariamentos de
fundos para abordar os doadores governamentais. As técnicas do
tipo como encontrar a pessoa certa para fazer a proposta certa, o
valor do investimento nos grandes doadores e as taxas de investimento adequadas são transferíveis para esta situação e atividade.
Como um movimento de base, a Habitat tradicionalmente
tem relutado em se ver como um realizador poderoso. Mas a
organização é poderosa e rica de acordo com vários padrões e
tem muitos apoiadores influentes. A organização deve optar por
ser a voz das pessoas que vivem em moradias abaixo do padrão
nos níveis de política pública e se manter leal aos princípios de sua
missão.
Mary Engelking é consultora em desenvolvimento organizacional e
gerenciamento de empresas sem fins lucrativos. Mary é formada em
engenharia aeroespacial na Geórgia Tech e em direitos humanos e
gerenciamento de conflitos na Scuola Superiore Sant’Anna em Pisa,
Continua na página 13
2007: Volume 14 Edição 4
O direito à moradia adequada:
Da lei à prática
Claude Cahn
C
omo resultado dos esforços de muitos nas últimas duas
décadas, o direito à moradia adequada é provavelmente
o direito humano mais elaborado no sistema de leis
internacionais das Nações Unidas. Entretanto, garantir o direito
à moradias adequadas para todos é algo difícil em um mundo
de disparidades dramáticas entre pobres e ricos e em que os governos alardeiam suas obrigações relativas aos direitos humanos
internacionais.
O direito a moradias adequadas é visto mais frequentemente
como provenientes do Artigo 11(1) do Pacto Internacional sobre
os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que lista “moradia”
entre os componentes de uma garantia de um padrão de vida
adequado. Em 1991, o Comitê das Nações Unidas de Direitos
Econômicos Sociais e Culturais adotou seu Comentário Geral No.
4 sobre o direito a moradias adequadas, definindo um contexto
para o direito à moradia adequada. O Comentário Geral No. 4
indica sete critérios, elaborados detalhadamente, de acordo com
os quais a moradia deve ser entendida como adequada: segurança
jurídica do direito à propriedade, disponibilidade de serviços,
viabilidade econômica, habitabilidade, localização e adequação
cultural.¹ O comitê substituiu o Comentário Geral No. pelo
Comentário Geral No. 7, particularmente sobre o relacionamento
entre o direito à moradia adequada e a questão dos desalojamentos forçados. No Comentário Geral No. 7 o comitê julgou que “os
desalojamentos forçados são, à primeira vista, incompatíveis com
os requisitos do Pacto,”² o que significa que qualquer desalojamento é extremamente questionável à luz das obrigações do pacto
de um estado e sua legalidade deve ser submetida a um rígido
escrutínio.
Os Comentários Gerais No, 4 e 7 se tornaram o padrão mundial sobre o conteúdo do direito à moradia adequada. Os órgãos
regionais desenvolveram, no entanto, certos aspectos do regime
de leis de direitos humanos ao trabalhar na direção de aspectos
específicos da implementação. Por exemplo, o Tribunal Europeu
de Direitos Humanos, que aplica a Convenção Européia sobre
Direitos Humanos—um documento que não tem a garantia explícita do direito à moradia adequada—interpretou aspectos dos
direitos à moradia como direitos à privacidade, vida em família e
Kim MacDonald
A rápida urbanização em alguns países resultou no crescimento de mega-favelas.
2007: Volume 14 Edição 4
Moradia como um direito humano
O direito à moradia adequada: Da lei à prática
Continuação da página 8
gozo pacífico de posses, dentre outros direitos. Por outro lado, a
Comissão Africana sobre Direito Humanos e dos Povos expandiu
o direito à moradia adequada de um indivíduo para um direito
coletivo.
O Comitê das Nações Unidas de
Direitos Econômicos Sociais e
Culturais ... indica sete critérios ...
de acordo com os quais a moradia
deve ser entendida como adequada:
segurança jurídica do direito à
propriedade, disponibilidade de
serviços, viabilidade econômica,
habitabilidade, localização e
adequação cultural.
Na prática, embora a lei internacional tenha se expandido
nessa área, as vitórias têm sido principalmente nas brechas. Na
lado positivo, os tribunais internacionais acharam por bem punir
os governos que abusam flagrantemente dos direitos à moradia. Assim, por exemplo, o Comitê Europeu de Direitos Sociais
considerou três estados—Bulgária, Grécia e Itália—culpados de
violação sistemática dos direitos dos ciganos à moradia adequada. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou a
Romênia, a Rússia, a Espanha e a Turquia culpados pela violação
da Convenção Européia por permitir a exposição de pessoas
à condições ambientais degradantes próximas às suas casas. A
Comissão Africana considerou a Nigéria culpada pela violação
da Convenção Africana de Direitos Humanos e dos Povos pela
degradação ambiental sistemática em Ogoniland.
Entretanto, as condições mundiais gerais de moradia pioraram consideravelmente nas últimas duas décadas como resultado
de forças além do alcance dos tribunais internacionais.
Uma questão tem sido o crescimento maciço de favelas nas
margens das cidades, entre outras questões, devido a pressões
para que as pessoas deixem as áreas rurais para irem para as
cidades, onde as autoridades falham ao fornecer condições
adequadas. As décadas recentes têm visto o nascimento de megafavelas ao redor de cidades como Delhi, Rio de Janeiro, Abuja e
em outros lugares. O colapso do comunismo de maneira similar
disparou um retrocesso maciço no campo da moradia em todo o
espaço pós-comunismo.
Moradia como um direito humano
Uma análise mais detalhada das condições que levam ao
abuso dos direitos à moradia revela que em muitos casos, se não
na maioria deles, ocorre devido a falhas da política. Apesar de
os governos poderem garantir que os direitos à moradia sejam
usufruídos por todos, em muitos casos, as prioridades são outras.
Entretanto, existem progressos em alguns países. Por exemplo, a
Escócia transformou em lei um compromisso prático que obriga
a autoridade pública a evitar a falta de moradia. Na Hungria,
quando as autoridades locais começaram a alocar alojamentos
sociais escassos de acordo com critérios arbitrários, o Tribunal
Constitucional interveio e ordenou que a “moradia social deve ser
alocada de acordo com critérios sociais”. Infelizmente, os tribunais húngaros não foram capazes de evitar a venda completa das
moradias sociais—uma das principais causas do problema de falta
de moradias na Hungria.
Um empecilho especial ao progresso é a visão amplamente
difundida de que os direitos econômicos e sociais “não são
direitos reais”. Até recentemente, grandes organizações de direitos
humanos não trabalhavam em questões de direito à moradia e algumas ainda o fazem apenas parcialmente ou de modo relutante.
Por décadas os estados firmaram compromissos de sustentar
os direitos humanos, mas os responsáveis se concentraram em
outras prioridades. É hora de mudar essa situação.
Claude Cahn é chefe da Unidade de Advocacia do Centro
contra os Desalojamentos Forçados e pelo Direito à Habitação
(COHRE), uma iniciativa baseada em direitos à moradia mundial,
sediada em Genebra (www.cohre.org). Entre 1996 e 2007, ele foi
diretor de programas do Centro de Direitos dos Ciganos Europeus
(ERRC), uma organização jurídica internacional de interesse público que trabalha para acabar com o abuso sistemático dos direitos
humanos dos ciganos na Europa.
A especialidade de Cahn inclui o gerenciamento de missão e
causa, instituições internacionais, política e leis de direitos humanos, metodologias de monitoramento, análise de leis e políticas,
assistência pública e questões relativas às comunidades ciganas. As
principais realizações do ERRC incluem a criação da política da
União Européia sobre questões ciganas, que molda a lei dos direitos
humanos da Europa no campo dos direitos à moradia, garantindo
uma solução justa para as vítimas da esterilização coercitiva e
levando vários países da Europa Central e Oriental a implementar
uma política de dessegregação nas escolas. Ele pode ser contatado
pelo e-mail: [email protected].
1
Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos Sociais e Culturais,
Comentário Geral No. 4. par. 7. Sexta Sessão, 1991.
2
“Comentário Geral No. 7 (1997), O Direito à Moradia Adequada
(Art.11(1) do Pacto): Desalojamentos Forçados,” adotado pelo Comitê
das Nações Unidas de Direitos Econômicos Sociais e Culturais em 20
de maio de 1997, contido no documento das Nações Unidas E/1998/22,
anexo IV.
2007: Volume 14 Edição 4
As Nações Unidas e a moradia como
um direito humano
Susan Corts Hill
E
m 1945, após o final da Segunda Guerra Mundial, as
Nações Unidas (NU) foram criadas para ajudar as nações do mundo a cooperarem entre si e garantir a paz
e a segurança. As NU foram oficialmente formadas quando A
Carta das Nações Unidas, criada e assinada por 50 países foi
ratificada pela maioria deles. Essa carga estipulou a criação de
uma Comissão de Direitos Humanos (UNCHR), um comitê
criado para proteger e promover os direitos humanos.
Eleanor Roosevelt, a viúva do Presidente Americano
Franklin Roosevelt, foi indicada como chefe da comissão que
incluía líderes da China, França, Líbano e vários outros países.
A primeira tarefa da UNCHR foi criar uma declaração internacional de direitos humanos. O comitê decidiu criar uma
declaração—uma afirmação com importância e significado
político mas sem a obrigação de uma lei—ao invés de um
tratado, que é uma lei internacional obrigatória. Isso permitiu
que a declaração evitasse muitas das difíceis questões políticas
que foram posteriormente abordadas pelos tratados.
Como resultado, a comissão pode produzir uma declaração relativamente curta e fácil de ler. Desde sua criação em
1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem sido
considerada um padrão para os direitos humanos em países
de todo o mundo. As NU primeiro reconheceram o direito
à moradia adequada como um direito humano básico nessa
declaração. (Consulte as informações adicionais para ver o
que diz a declaração.)
As Nações Unidas criaram algum outro documento declarando a moradia como um direito humano?
Após a adoção da declaração pelas Nações Unidas, a UNCHR
começou o processo de criação de tratados internacionais que
incorporavam os princípios da declaração e podiam ser adotados e ratificados por nações individuais.
Após quase duas décadas de discussão, a UNCHR
criou um tratado, o Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, em 1966, que reconheceu
o direito à moradias adequadas para todos. (Esse tratado foi
10
2007: Volume 14 Edição 4
chamado de “pacto”. Algumas vezes os tratados também são
chamados de “convenções” ou “protocolos”.) Esse tratado se
tornou lei em 1976, quando foi ratificado por 35 países. Além
disso, as UN incluíram um direito à moradia em pelo menos
10 outros tratados. (Consulte as informações adicionais.)
O que as Nações Unidas querem dizer com “moradias
adequadas”?
O Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos
Sociais e Culturais explicou sobre os direitos à moradia em
um documento publicado em 1991. Esse documento incluía
padrões mínimos de segurança jurídica do direito à posse, a
disponibilidade de serviços, instalações e infra-estrutura, viabilidade econômica, habitabilidade, acessibilidade, localização
e adequação cultural. Além disso, o comentário reitera que o
direito à moradia deve se aplicar a todos independentemente
da idade, status econômico e outros fatores e proíbe explicitamente despejos forçados. O documento inteiro está disponível
no site das Nações Unidas: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/
(symbol)/CESCR+General+comment+4.En?OpenDocument.
As Nações Unidas trabalham ativamente voltadas à moradia para todos?
As NU continuam a promover a moradia como um direito
através do trabalho do Programa de Assentamento Humano
das Nações Unidas (comumente chamado de UN-Habitat),
cuja missão inclui a obtenção de abrigos adequados para
todos.
Susan Corts Hill trabalhou na HFHI por três anos. Atualmente
ela é diretora de Políticas Públicas e trabalha fora do Escritório
de Defesa dos Direitos e de Relações Governamentais da HFHI.
Ela é formada em administração pública e está se formando
em direito na Georgetown University Law Center. Ela pode ser
contatada pelo e-mail: [email protected].
Moradia como um direito humano
Informações adicionais
O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, Artigo 11.1 diz:
Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de todos a um padrão de vida adequado para si e sua família, incluindo
alimentação, roupas e moradia adequadas e a melhoria contínua das
condições de vida.
É possível ler o documento inteiro em http://www.unhchr.ch/html/
menu3/b/a_cescr.htm.
Até hoje, mais de 150 países ratificaram esse tratado. Alguns países,
inclusive os Estados Unidos, assinaram o tratado mas não o ratificaram. Para consultar a lista completa de países, visite o site: http://
www.ohchr.org/english/countries/ratification/3.htm.
Outros documentos das Nações Unidas que declararam a moradia
como um direito humano incluem:
• Declaração de Desenvolvimento e Progresso Social (1969)
• Declaração da Vancouver sobre Assentamentos Humanos (1976)
• Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (1969)
• Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra Mulheres (1979)
• Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
• Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (1990)
Direitos Humanos
“Todos têm o direito a um padrão
“Os Estados Partes do presente Pacto
“Escolhemos como meio de mani-
de vida adequado para a saúde e
reconhecem o direito de todos a um
festar o amor de Deus, construir
bem-estar de si e de sua família,
padrão de vida adequado para si e
moradias adequadas e duráveis com
incluindo alimentação, vestuário,
sua família, incluindo alimentação,
pessoas necessitadas de um teto,
moradia, assistência médica, os ser-
roupas e moradia adequadas e a
levando a crença de que a moradia
viços sociais necessários e o direito à
melhoria contínua das condições
segura e acessível é um direito huma-
segurança em caso de desemprego,
de vida. Os Estados Partes tomarão
no básico e um componente funda-
doença, incapacidade, viuvez, velhice
as medidas adequada para garantir
mental da dignidade e do bem-estar
ou outra falta de meio de subsistên-
a realização desse direito, reconhe-
a longo prazo para todas as pessoas
cia em circunstâncias além de seu
cendo para esse efeito a importância
na face da terra.” Princípio 3, Foco
controle”. — A Declaração Universal
essencial da cooperação interna-
da Missão da Habitat for Humanity
dos Direitos Humanos, Artigo 25 (1),
cional baseada no consentimento
International
adotada pela Assembléia Geral das
livre”. —Pacto Internacional sobre
Nações Unidas em 10 de dezembro
os Direitos Econômicos, Sociais e
de 1948. http://www.un.org/Overview/
Culturais, Artigo 11 (1) http://www.
rights.html
unhchr.ch/html/menu3/b/a_cescr.htm
Moradia como um direito humano
2007: Volume 14 Edição 4
11
HFH Cote d’Ivoire
Moradia como um direito humano:
Uma perspectiva do
Oeste da África: O caso
da Costa do Marfim
Richard Yao
E
A realidade:
Crianças em um “cour commune” em uma favela de Boribana.
HFH Cote d’Ivoire
Os despejos permanecem como uma
ocorrência comum em Abidjan. As
autoridades públicas justificam suas
ações como um meio de defender os
princípios do planejamento da cidade que estão sendo comprometidos
pelas moradias não planejadas.
A cada que desabou, matando uma família inteira em Boribana,
uma favela de Abidjan.
A necessidade de moradias acessíveis
na Costa do Marfim é estimada em
40.000 unidades por ano, incluindo
20.000 exclusivamente em Abidjan. Essa
necessidade enorme gerou um aumento dos assentamentos precários em
Abidjan.
12
2007: Volume 14 Edição 4
m junho de 2007 uma casa em Boribana, uma favela de
Abidjan, desabou matando uma família inteira de 9 pessoas. Por isso a prefeitura de Attecoube decidiu despejar
todas as pessoas que moram na área “para sua própria segurança”
sem fornecer uma alternativa adequada de moradia. A decisão
ainda está por ser executada, mas mais de 30.000 famílias de baixa
renda estão vivendo agora em constante medo de serem despejadas.
A necessidade de moradias acessíveis na Costa do Marfim é
estimada em 40.000 unidades por ano, incluindo 20.000 exclusivamente em Abidjan.1 Essa necessidade enorme resultou em
um aumento de assentamentos precários em Abidjan. Os assentamentos precários são definidos como aqueles com status de
ocupação ilegal de terra, que vão de casas em favelas até casas de
família chamadas cours communes—várias famílias morando em
um mesmo local.
Os despejos permanecem como uma ocorrência comum em
Abidjan. As autoridades públicas justificam suas ações como um
meio de defender os princípios do planejamento da cidade que estão sendo comprometidos pelas moradias não planejadas. Devido
ao tempo extenso envolvido na obtenção de status de ocupação
legal de terras, as pessoas geralmente não relatam ao Ministério da
Moradia para obter o status de ocupação adequada antes de se assentarem em um terreno. Nos subúrbios de Abobo ou Yopougon
as pessoas se assentam em qualquer terreno disponível, solicitando o status de ocupação adequada somente após a construção
da casa. Os objetivos de planejamento da cidade ficam portanto
comprometidos e os desalojamentos continuam. O Ministério da
Moradia leva mais de dois anos para emitir o status de ocupação
legal aos solicitantes. Algumas vezes as pessoas solicitam mas não
obtêm nenhuma resposta, resultando em freqüente indiferença
aos regulamentos governamentais.
Moradias como direito humano no contexto da Costa do
Marfim
Essa é a realidade das moradias inadequadas em áreas urbanas da
Costa do Marfim. Assim, o que significa quando falamos sobre
moradias como um direito humano na Costa do Marfim?
Moradia como um direito humano
Moradia como um direito humano: Uma perspectiva do Oeste da
África: O caso da Costa do Marfim
Continuação da página 12
A Costa do Marfim, como com muitos outros países do
Oeste da África, ratificou a Declaração Internacional dos Direitos
Humanos. Essa convenção inclui, entre outros, o Pacto de
Direitos Políticos e Civis; o Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; e a Convenção Africana sobre
Direitos Humanos e dos Povos. Ratificando o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Costa do
Marfim concordou que as moradias adequadas são um direito
humano. Por trás disso está o fato de que moradias adequadas
são caras e que é necessário tempo para que todos usufruam
desse direito. Entretanto, enquanto isso, a Costa do Marfim pode
garantir que as pessoas não sejam despejadas por nenhuma razão
e fornecer às famílias de baixa renda o status de ocupação legal da
terra.
A moradia adequada da perspectiva dos direitos humanos
significa que uma casa:
• protege as pessoas contra intempéries como chuva, neve,
calor ou frio
• protege as pessoas contra perigos como animais selvagens e
outras ameaças
• deve ser perto o suficiente de instalações sanitárias e de água,
sem prejudicar a saúde das pessoas ou o meio ambiente
• deve ser perto o suficiente de locais como escolas, clínicas e
empregos, para que as pessoas possam garantir seus outros direitos humanos como o direito de ser saudável e de estudar.
As pessoal também não serão capazes de manter esses outros
direitos se suas casas forem muito caras. Portanto, as casas devem
ser acessíveis.²
Futuros passos
Através de uma análise SWOT que a HFH da Costa do
Marfim conduziu com alguns funcionários do ministério de moradias bem como através da análise situacional em áreas urbanas,
acreditamos que os itens a seguir façam diferença e também sejam
os próximos passos realistas para o governo:
• Um claro compromisso do governo para implementar o
planejamento municipal adequado antes que um número grande
de pessoas se mude para uma área
• O governo deve emitir status de ocupação legal da terra
oportunamente de maneira a estimular a conformidade com os
regulamentos do planejamento
• O governo deve fornecer subsídios para a construção para
famílias de baixa renda nas principais cidades onde a população
aumenta continuamente
Moradia como um direito humano
• O despejo sem o fornecimento de alternativas adequadas de
moradia deve ser interrompido
• As favelas devem ser melhoradas para proporcionar moradias adequadas para os moradores de baixa renda
Por último, a moradia é um direito humano que precisa ser
cultivado e protegido como qualquer outro direito humano. A
proteção das pessoas de baixa renda que vivem em favelas deve
ser prioridade do governo. A Habitat for Humanity pode desempenhar uma papel chave defendendo as moradias adequadas
em terrenos garantidos pelo governo no tempo certo. A Habitat
também pode estimular o governo a seguir em frente de maneira
oportuna para implementar políticas que protejam os direitos das
pessoas à moradias.
Richard Yao é diretor nacional da Habitat for Humanity
da Costa do Marfim. Antes de entrar na HFH há dois anos, ele
trabalhou por vários anos em desenvolvimento de comunidades e
trabalhos sociais. Ele pode ser contatado pelo e-mail: rkyao2002@
yahoo.fr.
IMF, 1998.
Centro contra os Desalojamentos Forçados e pelo Direito à Habitação
(COHRE), “Um Lugar para Viver: Direitos de Herança das Mulheres na
África”, página 7.
1
2
O uso dos direitos humanos para o desenvolvimento humano
Continuação da página 7
Itália. Ela serviu por 12 anos na Força Aérea Americana e trabalha
na Habitat desde 1992. Originalmente ela era uma voluntária de
construção das afiliadas da Habitat local e entrou para o programa
HFHI International Partner em janeiro de 1997. Mary serviu como
IP no Quirguistão, Grã Bretanha e Bulgária antes de se tornar diretora do programa da E/CA. Em 2002 ela deixou a HFHI para abrir
uma empresa de consultoria.
Sua tese recente, “O Direito Humano à Moradia: O Uso dos Direitos
Humanos e Práticas de Paz para Inovação em uma ONG Cristã”
pode ser encontrada no site “O Fórum”na PartnerNet. Ela pode ser
contatada através do e-mail: [email protected].
2007: Volume 14 Edição 4
13
Uma rápida análise dos direitos à
moradia na região da Ásia/Pacífico
Wong Hiew Peng
A realidade
Embora o direito à moradia seja reconhecido na maioria das
constituições asiáticas, a falta de uma lei capacitadora significa que
os direitos à moradia permanecem não realizados em face a leis
de propriedade bem definidas. Em países em que as leis capacitadoras foram elaboradas, a implementação é bastante ruim, de
acordo com um documento do Coordenador do Eviction Watch,
um programa regional da Coalisão Asiática para os Direitos à
Moradia.¹ Essa foi a conclusão a que chegou um grupo de ativistas de moradias e trabalhadores de desenvolvimento em 2003
quando analisaram a Lei de Moradia e Desenvolvimento Urbano
das Filipinas de 1992.
A capacidade de um indivíduo de exercer seu direito à moradia
continua a depender amplamente da renda familiar, ligações
políticas, sexo e identidade étnica ou religiosa. Depende também
amplamente da disposição política e da política do governo.²
A capacidade de um indivíduo de exercer seu direito à moradia continua a depender amplamente da renda familiar,
ligações políticas, sexo e identidade
étnica ou religiosa. Depende também
amplamente da disposição política e da
política do governo.
14
2007: Volume 14 Edição 4
Índia
Considere a Índia, por exemplo, lar de 22 % dos pobres do mundo. Esse país do Sul da Ásia precisa de cerca de 50 a 60 milhões
de novas moradias para atender a carência total. No último plano
de 5 anos que vai de 2002 a 2007, o governo da Índia reconheceu
que cerca de 90% da carência de moradias pertence à população
economicamente mais fraca. Portanto, existe a necessidade de
aumentar o fornecimento de moradias acessíveis a esse grupo de
pessoas através da
alocação de terra,
da extensão da assistência de fundos
e da provisão
de serviços de
suporte.
Além das
políticas do governo, os tribunais
indianos apoiaram
a relação entre o
direito à moradia
e o direito à vida
conforme garantido pelo Artigo 216
da Constituição
A rápida urbanização da Índia resultou em
da Índia. Por
uma população em favelas do tamanho da
exemplo, em
população da Grã Bretanha.
Moradia como um direito humano
Ilene Perlman
Em países em que o governo fez um esforço concentrado para
melhorar as condições de moradia, são feitas grandes incursões.
Muito freqüentemente, no entanto, qualquer compromisso com
as moradias adequadas é sacrificado em favor de outros objetivos
como a restauração urbana ou projetos de embelezamento.³
Mega projetos também levam a despejos, como pode ser
observado no projeto da Barragem Three Gorges (China), no projeto da Barragem Bakun (Malásia), os programas de desenvolvimento do Rio Mekong (Camboja, Laos, Tailândia, Vietnã), os projetos Manila Northrail e Southrail (Filipinas), o Projeto de Melhoria
Ambiental de Kolkata (Índia) e o Projeto de Recuperação da Baía
de Jacarta (Indonésia).
Quando as comunidades pobres urbanas sendo despejadas
procuraram recursos jurídicos, os tribunais geralmente decidiam
em favor dos proprietários de terra, quer fossem governo ou
particulares. O direito da população pobre urbana a um processo
justo e a uma alternativa de moradia raramente era reconhecido,
exceto em casos raros no Paquistão, Bangladesh e Indonésia.4
A rápida urbanização na Ásia também afeta o direito das
pessoas à moradia adequada limitando o acesso ao terreno, aos
serviços básicos e à segurança do direito de posse. A maior parte
do crescimento urbano do mundo nos próximos 25 anos ocorrerá
no Leste e no Sul da Ásia. Até 2030, 2,65 bilhões de pessoas, mais
da metade da população urbana projetada de 5 bilhões de pessoas
no mundo morarão em cidades da Ásia, com base em estimativas
das Nações Unidas. Como uma grande parte do crescimento
urbano futuro será efetuada pelos pobres5, vale à pena examinar
sua experiência na área das moradias adequadas.
Uma rápida análise dos direitos à moradia na região da
Ásia/Pacífico
Continuação da página 14
Embora o direito à moradia seja reconhecido na maioria das constituições
asiáticas, a falta de uma lei capacitadora significa que os direitos à moradia
permanecem não realizados em face a
leis de propriedade bem definidas.
Além disso, o rápido crescimento urbano resultou na Índia
como tendo uma população em favelas que agora ultrapassa a
população inteira Grã Bretanha. O governo da Índia anunciou em
maio de 2007 que a população de moradores de favelas do país
aumentou de 27,9 milhões em 1981 para 61,8 milhões em 2001,
quando o último senso foi feito.9
Dada a imensa necessidade de moradias decentes na Índia, a
abordagem da Habitat vai além de apenas assumir os seus próprios programas de construção. Ela também age como catalisador
para melhorar as condições de moradia oferecendo seu apoio,
conhecimento e experiência a outros grupos e parceiros.
O trabalho da Habitat na Índia vem sob a proteção do
IndiaBUILDS, uma iniciativa estratégica para servir 250.000 pessoas com moradias melhoradas e o saneamento básico corresponMoradia como um direito humano
O cenário urbano das Filipinas inclui grandes ocupações ilegais onde as
pessoas vivem com medo constante de desalojamento.
Kim MacDonald
1998, a Suprema Corte afirmou em uma sentença que o “abrigo
para um ser humano, portanto, não é uma mera proteção de sua
vida e integridade física. É em casa que ele tem oportunidade de
crescer física, intelectual e espiritualmente. O direito ao abrigo,
portanto, inclui espaço adequado de moradia, estrutura segura e
decente, cercanias limpas e decentes, luz suficiente, água e ar puros, eletricidade, saneamento básico e outras amenidades cívicas
como estradas, etc., de modo a se ter acesso fácil a suas atividades
regulares diárias.”
Mas o apoio judicial parece ter enfraquecido nos últimos
anos. Em uma sentença em 2000 contra os moradores de favelas
que receberam locais alternativos, a Suprema Corte declarou:
“Recompensar um invasor de terras públicas com um local
alternativo gratuito é como dar uma recompensa a um batedor de
carteira”.7
Os desalojamentos também ameaçam o direito das pessoas
a uma moradia adequada. Estimativas do Hazards Centre, um
grupo de apoio profissional e centro de recursos para questões de
moradias urbanas em Nova Delhi, mostra que entre os anos 2000
e 2006, mais de 100.000 famílias foram despejadas com uso da
força de suas casas em Delhi.8
dente em cinco anos, assim como mobilizar 1 milhão de voluntários no processo e levantar o capital para atingir esse objetivo.
As Filipinas
No Sudeste da Ásia, as Filipinas oferecem idéias interessantes
sobre o fornecimento de moradias adequadas. Em contraste
com a menos urbanizada Índia, as Filipinas têm mais da metade
da população vivendo em áreas urbanas. A capital das Filipinas,
Manila, com sua população de mais de 10 milhões de pessoas,
está entre as megacidades do mundo. Cerca de 60% dos residentes da Manila metropolitana são sem-teto, que freqüentemente
vivem em várzeas, morros precários, margens de rios expostas e
em zonas altamente tóxicas próximas a estradas e ferrovias. Eles
também enfrentam riscos de incêndio.10
Apesar de os direitos à moradia serem protegidos por lei tanto
pela Constituição das Filipinas quanto pela Lei de Moradia e
Desenvolvimento Urbano de 1992 (UDHA), a realidade é menos
confortante.
De acordo com Centro contra os Desalojamentos Forçados
e pelo Direito à Habitação (COHRE) sediado em Genebra, tem
havido um aumento significativo no número de desalojamentos forçados na área metropolitana de Manila desde o início de
2005 devido à reabilitação do sistema de Ferrovias Nacionais das
Filipinas, conhecido como os projetos Northrail e Southrail.
Um relatório do COHRE em 2006 revelou que o Projeto de
Ligação Northrail-Southrail seria responsável pelo desalojamento
forçado de 400.000 pessoas (80.000 famílias) — o maior desalojamento planejado de pessoas na história das Filipinas. Até hoje,
quase 29.000 famílias (145.000 pessoas) foram deslocadas para
vários locais de reassentamento, a cerca de 40 km da área metropolitana de Manila. A pesquisa do COHRE revela que os moradores, na maioria dos locais de reassentamento, são atormentados
pela falta de água potável, eletricidade e instalações sanitárias.
Embora o impacto adverso de mega projetos como o
Continua na página 16
2007: Volume 14 Edição 4
15
Uma rápida análise dos direitos à moradia
na região da Ásia/Pacífico
Mikel Flamm
Continuação da página 15
Northrail-Southrail não possa ser negado,
o governo fornece melhorias de abrigos
para pessoas de baixa renda de algumas
maneiras. Por exemplo, vários órgãos estaduais fornecem ou apóiam financiamento
de moradias, com a Autoridade Nacional
de Moradias preocupada com a moradia
socializada.11
No financiamento de moradias, o papel
do estado é o de principal emprestador.
Muitos dos esforços do governo para reA comunidade de Malabon, a 30 km da Manila metropolitana, é uma nova comunidade da Habitat
solver o problema das moradias inadequaque fornece 409 casas para pessoas que foram desalojadas de ocupações ilegais próximas às
das se tornaram supostamente descentralestradas de ferro.
izados, estimulando a participação no nível
1 Struggling for Housing Rights in Asian Cities, Ted Anana, Eviction
da comunidade.12 Entre 1993 e 2001, quase 1 milhão de pessoas se Watch,
publicado no Vol. 34 da Newsletter FOCUS Ásia-Pacífico,
tornaram proprietários de casas através do Programa Nacional de Dezembro de 2003, disponível no site da HURIGHTS OSAKA: http://www.
hurights.or.jp/asia-pacific/no_34/02.htm.
Abrigo que auxilia o reassentamento, as moradias fundamentais e 2 A Right to A Decent Home – Mapping Poverty Housing In The Asia/
Region por Jennifer Duncan, publicado pela Habitat for Humanity
a proclamação de terrenos de propriedade do governo para abri- Pacific
International, Escritório da Ásia/Pacífico, 2007.
3 Ibid.
gar pessoas carentes. O governo também definiu um Programa
4 Struggling for Housing Rights in Asian Cities, Ted Anana, Eviction
Nacional de Financiamento da Comunidade para fornecer crédito Watch, publicado no Vol. 34 da Newsletter FOCUS Ásia-Pacífico,
Dezembro de 2003, disponível no site da HURIGHTS OSAKA: http://www.
popular para indivíduos e comunidades que estejam enfrentando hurights.or.jp/asia-pacific/no_34/02.htm.
5 State of the World’s Population, 2007, United Nations Population Fund.
desalojamento forçado ou falta da segurança do direito de posse
6 Artigo 21 da Constituição da Índia que declara que nenhuma pessoa
deve ser privada de sua vida ou liberdade pessoal exceto de acordo com
para adquirir um pedaço de terra inteiro. Entre 1989 e 2003, o
os procedimentos estabelecidos pela lei.
7 Almitra H. Patel v Union of India, caso citado no The Human Right
programa de financiamento ajudou mais de 140.600 famílias de
to Adequate Housing and Land, por Miloon Kothari, Sabrina Karmali,
baixa renda a garantir a moradia e os direitos de posse da terra.13 Shivani Chaudhry, 2006, Comissão Nacional de Direitos Humanos (Nova
Índia)http://nhrc.nic.in/publications/housing.pdf.
Nas Filipinas, a Habitat também está exercendo um papel ati- Delhi,
8 The Human Right to Adequate Housing and Land, por Miloon Kothari,
vo no fornecimento de soluções de moradia urbana construindo Sabrina Karmali, Shivani Chaudhry, 2006, Comissão Nacional de Direitos
Humanos (Nova Delhi, Índia) http://nhrc.nic.in/publications/housing.pdf.
unidades médias na cidade de Taguig, diminuindo a necessidade 9 População de favelas da Índia dobra em duas décadas, The Times
Online, 18 de maio de 2007. http://www.timesonline.co.uk/tol/news/world/
de casas em um escasso fornecimento de terra e uma população
asia/article1805596.ece.
10 Understanding Asian Cities: A Synthesis of the Findings from the City
urbana crescente.
Case Studies, D. Satterthwaite, Outubro de 2005 (Asian Coalition Housing
Tanto a Índia quanto as Filipinas representam os desafios
Rights) disponível no site: www.achr.org.
11 Under the Urban Development and Housing Act (UDHA) of 1992,
diversos que a Habitat encontra para fornecer moradia adequada moradias socializadas é a principal estratégia do estado para resolver
a falta de moradia através de programas e projetos fornecendo casas e
na região da Ásia/Pacífico. Embora a necessidade permaneça
loteamentos ou lotes para pessoas desprivilegiadas de todo o país. De
acordo com a UDHA, os desenvolvedores podem obedecer os requisitos
grande, a Habitat continua a criar oportunidades para seus
de 20% das casas socializadas através do desenvolvimento de novos
parceiros domésticos para crescer física, intelectual e espiritualassentamentos, assumindo a melhoria das favelas, renovando áreas de
desenvolvimento prioritário, fazendo joint ventures com as unidades
mente, seguindo assim o que está proclamado no Artigo 25 da
governamentais locais ou órgãos de moradia do governo ou participando do programa de financiamento de moradias para a comunidade
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Wong Hiew Peng é escritor e editor da HFH na Ásia e no
Pacífico. Ela trabalhou no setor jornalístico em Cingapura antes de
entrar para a HFH em 2006. Ela pode ser contatada pelo e-mail:
[email protected].
16
2007: Volume 14 Edição 4
(CMP).
12 A Right to A Decent Home – Mapping Poverty Housing In The Asia/
Pacific Region por Jennifer Duncan, p. 94, publicado pela Habitat for
Humanity International, Escritório Ásia/Pacífico, 2007.
13 Ibid.
Moradia como um direito humano
Moradia como um direito humano:
Uma visão européia
Maria Koutatzi e Don Haszczyn
O
A interpretação da lei por meio da legislação e da política de
princípio da dignidade de cada ser humano da Habitat
moradia tem variado muito na Europa: de moradias sociais extene o foco da organização nas pessoas pobres e marginalizadas não é uma idéia original de direitos humanos.
sas a mínimas, de subsídios de moradias e pensões para finanTodos os que oram “Venha a nós o vosso reino, seja feita a Vossa
ciamentos subsidiados e empréstimos. Ainda assim, as moradias
inadequadas e não acessíveis são um problema que os estados euvontade assim na terra como no céu” têm o dever de trabalhar em
ropeus estão enfrentando, apesar de em contextos extremamente
prol do objetivo implícito dessa oração, sendo o amor o motivo
diversos. Um tema comum, entretanto, surge—os membros mais
para a ação e o amor ao próximo a essência do plano de direitos
humanos.
vulneráveis e normalmente excluídos da sociedade européia
sofrem mais no setor de moradias (como em outros setores).
A idéia de direitos e direitos de posse, entretanto, é um asEssa é outra razão pela qual vale a pena olhar as moradias de uma
sunto controverso. Desde a aprovação pelas Nações da convenção
perspectiva dos direitos humanos, pois ela torna obrigatório para
de direitos humanos em 1948, que incluiu o direito à moradia,
governos e cidadãos igualmente garantir a proteção desse direito.
a Europa tem sido um dos poucos continentes que colocou
Na União Européia, a política de moradias é considerada há
uma estrutura para funcionar para aplicar esses direitos em seus
muito tempo uma questão nacional a ser resolvida unicamente
48 estados membros que formam o “Conselho da Europa”. É
por cada estado membro. O fato de que a falta de moradias e
importante aplicar uma estrutura de direitos humanos porque ela
as moradias inadequadas têm um impacto maior nas vidas dos
garante, por lei, que todo cidadão tem o direito de fazer respeitar
cidadãos e no bem-estar
suas necessidades mínimas
geral; o fato de que melhorar
ou seus direitos: “Quando um
A
moradia
é
um
direito
reconhecido
as moradias é imperativo para
Estado aceita as obrigações
por lei em todos os 48 estados
aliviar a pobreza e a exclusão
vinculadas ao direito à moramembros do Conselho da Europa
social; e a expansão da União
dia, ele concorda em garantir
Européia para incluir algumas
que todos tenham acesso a
que assinaram a Convenção Social
das economias de transição do
recursos de moradia adequaEuropéia
Leste colocaram as moradias
dos para saúde, bem-estar e
na agenda européia e, nos
segurança.”¹ Caso o estado não
últimos cinco anos, tem havido cada vez mais disposição política
cumpra suas obrigações, o cidadão pode reivindicar a provisão do
para se criar uma política de moradia européia. Em 10 de maio de
estado e pode usar os mecanismos em vigor, inclusive o Tribunal
2007, o Parlamento Europeu adotou uma promissora resolução
Europeu de Direitos Humanos, para obrigar a alteração da
sobre Moradia e Política Regional (2006/2108(INI),3 incluindo o
política e da legislação nacional.
seguinte trecho:
A moradia é um direito reconhecido por lei em todos os
1. Considera que o direito à moradia adequada de boa quali48 estados membros do Conselho da Europa que assinaram
dade a preços razoáveis é um direito fundamental importante
a Convenção Social Européia.² A Convenção Social Européia
reconhecido por várias convenções internacionais e constituições
garante entre outros direitos e liberdades, o direito à moradia fornecendo um mecanismo de supervisão para os seguintes direitos
dos Estados Membros;
2. Espera-se que os Estados Membros adotem as cláusulas legà moradia:
islativas necessárias para tornar esse direito à moradia adequada,
• acesso a moradias adequadas e economicamente acessíveis
de boa qualidade e acessível eficaz.
• redução da falta de moradias
A Habitat for Humanity na Europa somente agora está surgin• política de moradias voltada para todas as categorias
desamparadas
do como um participante no setor de moradias dessa região.
A crescente experiência da Habitat em 15 países da Europa,
• procedimentos para limitar os desalojamentos forçados
juntamente com as soluções orientadas para a ação da organiza• acesso igual para estrangeiros a moradias sociais e benefícios
de moradias, construção de moradias e benefícios de moradia
ção em trabalhar com grupos marginalizados e de baixa renda
relativos às necessidades da família
Continua na página 18
Moradia como um direito humano
2007: Volume 14 Edição 4
17
Moradia como um direito humano: Uma visão européia
Ela pode ser contatada através do e-mail: [email protected].
Continuação da página 17
como os ciganos da Europa Central e Leste, significam que a HFH
está bem localizada para contribuir com o setor de moradias.
(Consulte “Ajuda aos Ciganos” de Lucija Popovska em “O Fórum”
Volume 13:4 para obter mais informações sobre o trabalho da
HFH com as comunidades ciganas.) A habitat já começou a trabalhar com outros grupos sociais e de baixa renda e alianças sobre
moradias na Polônia e na Romênia, não apenas para compartilhar
sua experiência de trazer soluções, mas também insistindo nas
mudanças necessárias da legislação e na mentalidade para fazer a
visão se tornar realidade: Um mundo em que todos têm um lugar
decente para morar, com dignidade.
Maria Koutatzi é consultora jurídica na HFH na Europa e Ásia
Central. Antes disso, ela trabalhou para a HFH E/CA por três anos
como gerente de programas de melhorias e gerente de treinamento.
Don Haszczyn é vice-presidente de área da HFH na E/CA.
Ele serviu como voluntário e diretor da Habitat for Humanity na
Eslováquia, Hungria e Reino Unido por mais de 10 anos. Haszczyn
começou sua carreira na Arthur Andersen e entrou para a Habitat
for Humanity vindo da GE Medical Systems onde serviu como
diretor financeiro no Norte da Europa. Ele é contador certificado do
Reino Unido, é formado em engenharia e pós-graduado em gerenciamento de desenvolvimento.
COHRE (Centro contra os Desalojamentos Forçados e pelo Direito à
Habitação), Material de treinamento
2
Para obter mais detalhes, visite: http://www.coe.int/t/e/human_rights/
esc/1_general_presentation/SocialCharterBrochure2007_en.pdf
³ Para obter mais informações, consulte: http://www.europarl.eu.int/oeil/
FindByProcnum.do?lang=2&procnum=INI/2006/2108
1
steffan hacker
Enxergar a moradia como um direito humano obriga os governos a garantirem a proteção desse direito mesmo às
comunidades mais vulneráveis. A Habitat for Humanity está trabalhando para fornecer acesso a soluções de moradia a
comunidades marginalizadas tais como os ciganos.
Um tema comum, entretanto, surge—os membros mais vulneráveis e normalmente excluídos da sociedade européia sofrem mais no setor de moradias (como em outros setores). Essa é outra razão pela qual vale a pena olhar as moradias de uma perspectiva dos direitos humanos, pois ela torna
obrigatório para governos e cidadãos igualmente garantir a proteção
desse direito.
18
2007: Volume 14 Edição 4
Moradia como um direito humano
A HFH Equador ajuda com esforços de
apoio a moradias como um direito humano
Colleen Fitzgerald
E
m 2005, a Habitat for Humanity Equador ajudou a formar
Desenvolvimento Urbano. As manifestantes levavam placas com
uma coalisão de apoio que trabalhou para restabelecer
mensagens como “Pelo direito à moradia” e “Nós, as crianças
o financiamento para um subsídio de moradia nacional
temos direito à moradia.”
vital. Essa coalisão chamada Contrato Social Por La Vivienda ou
O CSV foi bem sucedido ao restaurar o financiamento do
Contrato Social para Moradias, centralizou seus esforços de apoio
subsídio para a moradia em 2005 e foi até mesmo capaz de
sobre o conceito de moradia como um direito humano.
conseguir o acréscimo de um subsídio para a titulação de terras.
O histórico desse esforço data de 1998, quando o Equador fez
Em parte devido ao trabalho de apoio do CSV, os subsídios foram
um acordo com o Banco de Desenvolvimento Interamericano
aumentados e expandidos em abril de 2007 para:
(IDB) para receber US$ 62 milhões em empréstimos para
• Titulação de terras—até US$ 200,00 por família
melhorar as moradias. O objetivo principal dos empréstimos
• Melhorias nas moradias existentes—até US$ 1.500,00 por
era de definir um sistema de subsídios diretos para beneficiar
família
os equatorianos de baixa renda. O resultado foi o sistema de
• Construção de novas moradias—até US$ 3.600,00 por
subsídio, Sistema de Incentivos para la Vivienda (SIV). O SIV
família
forneceu doações para melhorias das moradias e construção de
A Habitat for Humanity Equador utiliza todos os três subsínovas casas.
dios em seus trabalhos com famílias e continua a desempenhar
Para criar o programa, o IDB concordou em fornecer fundos
um papel chave no CSV.
parciais em uma escala decrescente (80% no primeiro ano, 60%
O CSV agora está trabalhando para se capitalizar em uma
no segundo ano, etc.), com o governo do Equador assumindo a
oportunidade única no Equador—a chance para ajudar a criar
responsabilidade no devido
uma linguagem para moradia
tempo. Entretanto, em 2005,
para a nova Constituição do
O
CSV
foi
bem
sucedido
ao
restaurar
o
quando chegou a hora do
país. No início deste ano, os
financiamento do subsídio para a moraEquador financiar integraleleitores equatorianos aprdia em 2005 e foi até mesmo capaz de conmente o SIV, o programa
ovaram um referendo para
seguir
o
acréscimo
de
um
subsídio
para
foi eliminado do orçamento
reelaboração da Constituição
a titulação de terras.
nacional.
e espera-se que o processo
Em resposta a essa elimitenha início no outono dos
nação, o Contrato Social Por
EUA. O CSV está apoiando a
La Vivienda (CSV) organizou uma campanha de apoio nacional
Constituição para que ela vá além de declarar que a moradia é um
para restabelecer o financiamento do SIV. Após a conclusão
direito humano fazendo uma declaração mais específica e detalde uma pesquisa inicial, determinou-se que a Constituição
hada sobre o que significa o direito para o povo do Equador.
Equatoriana reconheceria a moradia como um direito fundamental. O CSV potencializou essa descoberta para argumentar que o
Colleen Fitzgerald trabalhou para a HFHI por mais de dois anos.
SIV foi uma das poucas políticas nacionais que ajudou a tornar
Ela iniciou sua carreira na Habitat como diretora associada do
esse direito à moradia uma realidade; conseqüentemente, ele deve
Congress Building America, um programa que ligava membros do
ser protegido e expandido.
Congresso com afiliadas da Habitat em seu distrito local. Antes de
O CSV continuou a usar o conceito de que a moradia é um
vir para a Habitat, ela trabalhou no Capitólio dos EUA para um
direito humano para moldar efetivamente suas mensagens de
senador americano. Ela freqüentou a Penn State University onde se
apoio. Por exemplo, uma tática da campanha de apoio foi uma
envolveu na filial da Habitat no campus.
série de passeatas em locais chave ao redor do Equador, incluindo
em frente ao Congresso Nacional e ao Ministério de Moradia e
Ela pode ser contatada pelo e-mail: [email protected].
Moradia como um direito humano
2007: Volume 14 Edição 4
19
Kim MacDonald
Moradias abaixo do padrão na estrada da Paraíba do Sul até o Rio de Janeiro, Brasil.
Avanço progressivo
Yolanda Hernandez
A
maioria, se não todos, os países da América Latina e
Caribe demonstraram seu compromisso com a moradia
como um direito humano básico assinando a Declaração
Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e acordos
similares da Organização dos Estados Americanos. Alguns
também incorporaram o direito à moradia em suas constituições.
Mas, além de colocar a caneta no papel, que passos concretos
as nações da região deram para apoiar significativamente suas
palavras?
De acordo com Rodolfo Ramirez Soto, diretor de Moradias
e Assentamento Humano da HFH América Latina e Caribe,
muitos países planejaram e implantaram uma ampla variedade
de políticas para promover os direitos à moradia dentro de
suas fronteiras. Entretanto, ele previne, freqüentemente essas
políticas são planejadas para se adequar a segmentos amplos e
gerais da população. Como resultado, as condições específicas
de certas comunidades incluindo os mais necessitados, são
negligenciadas.
Dessas estratégias adotadas para alcançar as comunidades mais pobres, os programas de subsídio estão no topo
da lista e existem em países como Chile, Costa Rica, Brasil e
Colômbia. “Não é um presente ou uma forma de caridade”,
afirma Ramirez. “É um mecanismo através do qual a sociedade
20
2007: Volume 14 Edição 4
reconhece que a moradia é um direito. ...Ao mesmo tempo,
reconhece que existem membros da comunidade que não têm
acesso a esse direito por outros meios.”
Talvez o precursor da região em definir e implementar
as políticas efetivas de moradia seja o Brasil. Ramirez credita
o sucesso dessa nação sul americana em apoiar os direitos
à moradia à sua estrutura exclusiva de tomada de decisão
que inclui a participação de todos os membros da sociedade.
Representantes das comunidades marginalizadas, os setores
financeiros e comerciais, organizações não governamentais e
o governo, todos se reúnem para planejar estratégias conjuntas. “Como resultado, as políticas criadas são mais adequadas
para a realidade do Brasil e, especialmente, para os mais
vulneráveis, diz o diretor da LA/C. Ele também cita um grau
maior de transparência e responsabilidade como benefícios
adicionais desse conselho participativo.
Outra reflexão da postura firme do Brasil quanto aos direitos à moradia é o volume de fundos que aloca para a implementação das políticas de moradia. “Não é suficiente planejar
mecanismos”, diz Ramirez. Os governos federal, estadual e
municipal do Brasil designam, cada um, fundos de seus orçamentos para sustentar os programas de moradia.
Moradia como um direito humano
Kim MacDonald
Uma comunidade da Habitat for Humanity de 86 casas na Paraíba do Sul, Brasil.
Avanço progressivo
Continuação da página 20
Ramirez também elogia o apoio do Brasil na participação
da comunidade no processo de construção, uma característica
de moradia chave na América Latina e no Caribe. Ele diz
que as famílias que unem seus recursos constroem a grande
maioria das casas na região e não o governo ou o mercado. “É
uma realidade que não deve ser interrompida ou limitada. Ela
deve ser permitida e promovida; o Brasil está fazendo isso”, diz
Ramirez.
Enquanto governos como o do Brasil e outros lutam para
apoiar o compromisso para adequar o abrigo como um direito
humano, as estatísticas de moradias inadequadas indicam
sobriamente a enormidade da tarefa. Ramirez reconhece as
limitações do governo, incluindo recursos finitos e interesses
conflitantes.
Mas, referindo-se a um panfleto das Nações Unidas, ele
observa que as responsabilidades, ações e resultados dos
governos devem aparecer “progressivamente” e não imediatamente. Apesar desse processo criar uma falta de satisfação
completa, diz Ramirez, ele também indica que esse compromisso não está unicamente nas mãos do governo, mas na
sociedade como um todo. “É nossa responsabilidade cuidar e
Moradia como um direito humano
criar as condições que possibilitarão que o direito à moradia
atinja seu potencial máximo”, diz Ramirez.
Rodolfo Ramirez é diretor do departamento de Moradias e
Assentamento Humano no escritório da Habitat na América
Latina e Caribe. Ele é formado em arquitetura e desenvolvimento urbano.
Em mais de 20 anos de experiência, trabalhou em
vários cargos, inclusive diretor de planejamento, Conselho
de Desenvolvimento Humano, diretor de projetos especiais;
diretor geral de coordenação do ministro do trabalho, conselheiro do presidente da assembléia legislativa do estado de
Pernambuco, Brasil. Também foi conselheiro geral da República
da Costa Rica em Pernambuco e coordenador e co-fundador da
Comissão Ecológica Urbana e Movimento da Comunidade de
Pernambuco.
Yolanda Hernandez é escritora freelance da HFH na
América Latina e Caribe.
2007: Volume 14 Edição 4
21
steffan hacker
Tomas, de 2 anos, sentado em frente à varanda de sua casa onde ele e sua família moraram antes de construírem a casa da Habitat em
Thompsonville, Michigan, EUA.
Moradia como um direito humano
nos Estados Unidos
Marty Kooistra
O
século 20 viu muito envolvimento do setor público
na arena das moradias acessíveis. A criação de uma
oferta através de unidades de moradia públicas evoluiu
para uma controvérsia, pois alguns bairros densos tiveram um
declínio rápido na qualidade de vida. Os documentos para apoiar
a capacidade individual de alugar foram usados para apoiar o lado
da demanda.
A Lei de Moradias dos Estados Unidos, aprovada pelo
Congresso em 1949, afirmava que deveria haver um lar decente
e um ambiente adequado de vida para toda a família americana.”
Esse objetivo nunca foi alcançado e, embora alguns sustentem que
foi obtido um progresso significativo nos anos intervenientes, a
disposição de atingir tal estado nunca se consolidou.
Hoje, por toda a América, um número cada vez maior de
22
2007: Volume 14 Edição 4
famílias está encontrando dificuldades para achar uma moradia
que possa pagar próxima a seus empregos. O tormento daqueles
que se encontram na condição de sem-teto persiste, incluindo um
número grande de famílias com filhos pequenos. As taxas de execução de hipoteca de financiamentos subprime não pagos estão
subindo ao céu. Enquanto isso, alguns ativistas continuam a nos
lembrar que os Estados Unidos, diferentemente de muitas nações
industrializadas, ainda tem que declarar um direito garantido à
moradia.
Contexto à parte, a HFH continua a fazer seu trabalho nos
Estados Unidos através de suas afiliadas baseadas na comunidade
local. Essas entidades de vários tamanhos e desempenhos construíram ou reformaram coletivamente aproximadamente 4.400
casas por ano, por cinco anos, antes de 2006, o que terminou
Moradia como um direito humano
Moradia como um direito humano nos Estados Unidos
Continuação da página 22
com um novo referencial de excelência de cerca de 5.600 novos
proprietários da HFH, o que a tornou a 16ª maior construtora de
casas nos Estados Unidos.
Enquanto vários anos de iterações de planejamento organizacional da HFH se passaram, alguns milhares a mais de famílias
alcançaram a realização de uma casa decente. Em geral, o foco do
trabalho permanece:
1. Como a Habitat, como provedor de serviços, se torna
sustentável e aumenta significativamente a escala para criar mais
oportunidades de moradia?
2. Como a Habitat, como catalisador, faz com que os sistemas
e processos mudem para limitar o acesso a um lugar para viver
acessível e durável?
O debate segue sobre que faceta da necessidade é mais crítica
para ser resolvida para gerar uma transformação individual e da
comunidade—é a educação, a assistência médica, a alimentação
ou o treinamento profissional? Nós da HFH, obviamente, acreditamos que a moradia é um alicerce básico da transformação.
Cada vez mais, estamos nos tornando conscientes das ligações
entre todos os setores e a necessidade de sermos cuidadosamente
holísticos em nossa abordagem. Esse cuidado aprofunda nosso
respeito pelo indivíduo, por cada indivíduo, como uma criação de
Deus e o direito do indivíduo de acessar uma suficiência ampla de
recursos para alcançar a subsistência.
fundarem em seu trabalho como catalisadores.
3. Um programa de treinamento e apoio está sendo formado
para trazer consciência para todos os americanos de que a falta de
um local decente e seguro para dormir à noite, em qualquer lugar
do mundo é algo inaceitável.
4. Novas alianças estratégicas com fornecedores de serviços
sociais, profissionais e conselheiros em moradia para auxiliar as
famílias a se tornarem realmente “prontas para a compra”, estão
trazendo nova vida ao apoio holístico das afiliadas para a transformação da comunidade.
Embora pareça que “justiça social” e “alívio da pobreza” não
sejam necessariamente tópicos populares em conversas políticas
e o termo “moradias acessíveis” esteja sendo recomposto em um
termo mais aceitável, “moradia de força de trabalho”¹, pode-se
perceber um compromisso fortalecido de encontrar maneiras
inovadoras de realizar nossa visão de um mundo em que todos
tenham acesso a um local decente para morar.
Com esse objetivo, oremos por ousadia e coragem!
Continua na página 24
O tormento daqueles que se encontram na condição de sem-teto persiste, incluindo um número grande
de famílias com filhos pequenos.
Moradia como um direito humano
steffan hacker
Que sinais palpáveis podemos apontar e que evidenciam que
estamos progredindo? Eis alguns exemplos:
1. O programa Thrivent Builds Neighborhoods tem quatro
afiliadas da Habitat—Baltimore, Detroit, Milwaukee e Des
Moines—trabalhando em parceria com coalizões locais para
desenvolver uma Ação Abrangente de Bairros.
Planos para um planejamento holístico. (Para obter mais
informações sobre o programa Thrivent Builds Neighborhoods,
consulte o artigo “Servindo famílias através do
Thrivent Builds Neighborhoods,” que apareceu no “O Fórum”
Volume 14:3.)
2. A equipe de liderança dos EUA desenvolveu um modelo de
entrega de serviços de afiliadas concentrado que desloca recursos
de apoio da HFH para ajudar as comunidades afiliadas a se apro-
A futura proprietária de uma casa, Rhonda Savage, e seus filhos estão
morando com um vizinho até que a casa da Habitat esteja pronta. Seu
filho, Jonathan, foi envenenado com o chumbo da pintura e do encanamento da casa antiga.
2007: Volume 14 Edição 4
23
Continuação da página 23
Marty Kooistra é diretor sênior de Projeto e Implementação
de Programas Globais da HFHI. Ele serviu em vários cargos na
Habitat for Humanity por mais de 16 anos, inclusive na liderança
da afiliada local, no apoio e supervisão de campo e no desenvolvimento de currículo e programa da matriz.
No outono de 2004, participou do Centro Conjunto de Estudos
de Moradia da Universidade de Harvard, onde conduziu uma
pesquisa e análise posicionando a Habitat for Humanity no contexto das iniciativas das moradias acessíveis e com o professor Jane
Wei-Skillern da Faculdade de Administração de Harvard, analisou
Habitat for Humanity e os direitos à moradia
Continuação da página 4
reassentamento e os esquemas de moradias em massa do governo
são evidências da transformação única pela qual Durairaj passou.
Talvez o mais instigante seja a eficácia de uma metodologia
que combina envolvimento pessoal com a motivação baseada na
fé e que parece resultar em uma transformação muito além da
melhoria ideal dos direitos humanos.
Conclusão
A Habitat for Humanity apóia as preocupações relativas aos
direitos humanos das Nações Unidas sobre abrigos adequados e
decentes para pessoas carentes, mas acredita que uma abordagem
fundamentada exclusivamente nos direitos é ineficaz. A Habitat
acredita que é política, social, moral e religiosamente inaceitável
que pessoas vivam em moradias abaixo do padrão mínimo. É
apenas através do envolvimento construtivo de todos os participantes da comunidade ampla que uma visão comum pode
ser forjada e que seja suficientemente inclusiva para eliminar as
condições sub-humanas de vida. Essa visão deve ser então transformada em ações concretas.
A moradia como a intervenção de um setor único, usando a
metodologia participativa, funciona como um catalisador para a
obtenção de direitos humanos mais amplos através de seu papel
de iniciar e encorajar o desenvolvimento de uma comunidade
holística e da sociedade civil. Essa abordagem deve ser holística
em sua natureza para ter o poder de transformação.
O desenvolvimento transformativo é crítico para a reversão
da dinâmica do poder que permite a continuação dos abusos dos
direitos humanos. Essa transformação é uma jornada que deve
incluir pessoas economicamente desfavorecidas e não desfavorecidas, bem como a equipe dos órgãos governamentais e de
desenvolvimento envolvidos. Ela deve incluir mudanças materiais,
sociais e espirituais para se alcançar a plenitude da dignidade pessoal e da sociedade civil. São necessárias mudanças nos paradig24
2007: Volume 14 Edição 4
o papel das redes em empresas sem fins lucrativos de vários locais.
Ele é formado em serviço social no Dordt College.
De acordo com a Wikipedia, “‘moradia de força de trabalho, é um termo
relativamente novo que está se tornando cada vez mais popular entre
planejadores, administradores públicos e ativistas de moradia e está
ganhando prestígio com construtores de casas, desenvolvedores e
emprestadores. ‘Moradia de força de trabalho’ pode se referir a quase
qualquer moradia, mas sempre se refere a ‘moradias acessíveis’.
‘Moradia de força de trabalho’ é definida por quatro fatores básicos:
viabilidade econômica, posse da casa, força de trabalho crítica e proximidade.” Para obter mais informações, consulte o site: http://en.wikipedia.
org/wiki/Workforce_housing.
1
mas pessoais e comunitários.
Renovamos nossas esperanças e estímulo toda vez que
ficamos sabendo de um Durairaj que não apenas se transformou,
mas também está transformando sua comunidade. Se tivermos
que ser bem sucedidos na eliminação dos abusos dos direitos
humanos, isso deve começar com Durairaj e seus vizinhos, uma
família e uma comunidade por vez.
Steven Weir trabalha na Habitat for Humanity há 14 anos e atualmente é vice-presidente de Apoio e Desenvolvimento de Programas
Globais. Ele e sua família se mudaram para Sri Lanka em 1993,
onde serviu como Parceiro Internacional por dois anos. De 1995 a
2007, trabalhou como vice-presidente dos programas da HFH na
Ásia e no Pacífico. Antes disso era membro fundador do conselho e
voluntário ativo na East Bay HFH em Oakland, Califórnia, EUA.
Formado em arquitetura, Weir trabalhou 16 anos nesse setor antes
de entrar para a HFH em 1993. Weir publicou e apresentou vários
trabalhos de pesquisa sobre moradias inadequadas e questões de
desenvolvimento.
Fuller, Millard “More than Houses”, Word Publishing,
Nashville,Tennessee, p. 285
Ibid., xi
3
Ibid., 287
4
Henlee H. Barnette, Clarence Jordan, “Turning Dreams into Deeds”, viiviii
5
Ibid.
1
2
3498PORT/110/IFO/11-07
Moradia como um direito humano nos Estados Unidos
Moradia como um direito humano

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