n"Ed - Tire suas dúvidas (Direito Penal)

Transcrição

n"Ed - Tire suas dúvidas (Direito Penal)
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EDUARDO C. S. SITTAR
Z.5. I>ivisõcs da élicn
Livre-Ducente c Ooutor. Profeswr Associado ou Dcp:.u1amCn1{)
de Filosofia c Teoria Geral do Direito da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo.
A ética. CO"M ' "'Iher fillll'Óúco. pode ser dividida. seguindo uma
dctcrrmnada orientação conceituaI. cm dois grand~ ramos: a éhca
nnnnaliva c a mctaética. Enquanto n ética nonnativa se detém no c...;tooo
hiSlórico.. filoSÓúc" ou w nccitual da moralidade. ou seja. das normas
mo.... is espalhadas pela sociedade, praticadas ou não•.• mctaética se pro..
jlÕC a ser uma investigação do tipo epistemológico, ou seja. uma avalia..
ção da. condiçõe._de possibilidade de qualquer estudo ou proposta teóricu ética". Se a ética normativa estuda as normas sociais"'. se detendo
wbre a moralidade ro_itiva, a metaélica estuda e avalia a ética normativa.
Há que sedizer que a ética normativa abre espaço para a discus ..
são das diversas correntes de pensamento acerea da ética, e, nesse
sentido, é o que permite-o estudo histórico-filosófico da ética {ética
socrática. ética platônica ...)". Pode..se, então, identificar. as princi ..
pais correntes de pensamento ético<Xlmo constituindo grandes·grupa..
ÉTICA GERAL E PROfISSIONAL
34. cr. Margaroth Rago; Luiz B. Lac:erda Orlandi;Alft<do Vciga..Nc:to(orgs.).
lmoge", de Fouca.uit e ~úuu: R$Son.&t.cias nielr..schi.an.as. Rio de Jaociro: DP&tA.
W02. p. 185.. 186.
3S. A meut<iça é o "ludo critico dos ......".. _ : "I&ual que la ética
nocmativa "'pane una reflQ;i6n acerca de las 'nocmas mon.les CJiwn1cs (moraUdad
positiva). la met.aWca implica una reflcxi6n sobre los SÚtem&S ~cos exiscc.o=
(monlidad<rítica)" (Ouisin. Inlroducci6. a Ià itica, I99S , p. 43).
Jó. "No campo da Étiça filosófica cnoonttamos • ~. oonnaliv. ;; • Étia
cspoculativa. A Étia nonnativaé mais do que ~_ oleis, pois_
cnuDci&r u ncxmas que assqurem e satisfaçam a autoridade do. que deve $CC. para
que • soc:icdade atinja $CUS objcúvos. Apóia·" em rU6es ~ ~ ~
costumes • também nciooais cropCricas. Iouvando-se cm C><pCri&>cias antcnO<CS
(Kone.lnicilJf4o d itica. 1999, p. lOS).
37. TamItbn chamada étiça cspoculaóva: "A Ética cspocu\aliva _
to..
coalrV,"COm. sistcmatizaçãodos dados coahccidos. as razl\c$ ú.1timas(tcl<oI6gicas)
ou ru6c.s primei.ras{dcoatológicas). por meio das quais possa. quantificac c avaliar
os rcnõmenos _, atribuilJdo.lhes jufz.ns de valor moral, ou seja, de valor segun..
do os wmcs" (Konc.lnicútçDo à étic4, 1999, p. lOS).
3'edIção'
revista
2005
n"
Ed
~Saraiva
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mentos de estudo da ética normativa. a saber: 1) as éticas normativas
teleológicas (eudemonistas e hedonistas), para as quais a noção pri·
mordial é a de que a ética deve conduzir a um fim natural, ou à felici·
dade, ou ao bem-estar, ou à utilidade geral... (Sócrates, Platão,
Aristóteles, Epicuro, Hume, Bentham, Stuart MilI ... )"; 2) as éticas
normativas deontológicas, para as quais a noção primordial é a da
necessária e imperativa obediência ética pela consciência do dever e
da responsabilidade, individual ou social... {cristianismo, ética kantiana,
ética do contmto sociaL.)". Não obstante se poder assim dividir as
dimensões filosóficas ético-normativas, nunca é demais dizer que os
grupamentos não sufocam a independêncial6gica, conceituai, e muito
menos as peculiaridades, de cada proposta filosófica.
Outra distinção importantlssima a ser feita é aquela que divide a
ética em dois grandes ramos: a ética geral e a ética aplicada.
A primeira deter-se-ia na análise e ~R.,estudp. c!a~. 'l0rm a.s S't
ciais, aquelas que atingem a toda a coletividade, e que possui lineamentos os mais abrangentes posslveis, correspondendo ao conjunto
de preceitos aceitos numa detenninada cultura, época e local não pelo
consenso da população, mas sim pela maioria predontinante. A ética
geral incumbir-se-ia, portanto, de tratar do~ temas gerais'de interesse' .
ligados à moralidade. Essa faceta da ética seria a mais aberta, e, por
conseqUência. a mais abrangente. lidando com os interesses sociais
de um modo geral.
A segunda deter-se-ia na apreciação de normas morai s e códigos de ética especificamente localizáveis na sociedade, uma vez que
estes estariam relacionados ao comportamento de grupos, coletividadcs, cntegorias de pessoas, não possuindo a abrangência da primeira.
E~sa faceta da ética: chamadà ética aplic'ldtt. dcter-~c- ia no ~tudo
qualificado (por um interesse espec!!ico por ramo de atividadc, grupo de pessoas envolvido ... ) de questões ético-sociais. São desdobramentos da ética aplicada: a ética ecológica, a ética profissional. a
ética familiar, a ética empresarial...
1\Ido isso em função da especialização desses estudos edas exigências principiológicas que acabam se formando em tomo deles.
Porém, é certo que todas convergem, em seus interesses, para uma
reflexão sintética e, g~ral, proposta pela ética geral. Também é certo
que todas essas'étic8S;10<;a.li%lldas e esPecIficas incrementam quando
se comunicam e vivem em dialética social; mas a distinção, além de
didática, é necessária para efeitos de diferenciação e de análise
<antificada do saber.
A parte da .ética aplicada que se procurará abordar com maior
profundidad~ ndsui' óbrà'será '' 'da éUtá iNdOssldhal. Quando a ética
se deita sobre a projeção profissional, quer, de fato, detectar as normas que presidem o relacioniunento humano por meio do trabalho; é
da conjugação enn:c, açlla I~boral ~ ', ação !l'~r~1 Rue se procurará extrair uma refl,exão,
.\Dais , aprin1Ora~~ ,sob(e ~ssa parte da ética aplica.
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da. De fato, deter-se-á • segunda parte à~ste escrito na investigação
das normas morais:, aos lirlnêfpfMI ~'ib:f~lii-ttia~'jurfdico-disci plina­
res que.governam a' atuação de uin cipó' espeélfico de profissional, a
saber, O profissional do direito, em suas Várias é diversificadas funções, cargos e papéis sociais".
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. 38. "as camlln distinguir, dentro de las iticas teleológicas que proponen como
meta cl bienestar humano, las eudemonistU (que ,61~tomlUÍanlcn consid'eraciónlos
,placeres más o menos intelectuates o espiritualçs) y I~ hedonis~ ~de.fl.t4o~~,,~!a~r
en griego), que tendrlan como objecto la penecución de placéres f(\U materiaJes"
(Guisin, lntroducci6n o lo ética . 1995, p. 37).
.
39. "La diferencia esencial entre las c!tiw teleológicas y las deontológicas o
de principios. C$ que mientras las primeras exigen un fin más o menos natural I
perseguir por la nzón humana, fin que presenta lu características de ser bueno
prudeneillmente y bueno ttieamente. tn las segundas lo que importa es obmr con(onne a deberes (dlon .. deber en gOego) exigidos por 11 e,,;istencil de principi~ y
dictados por la rll.ón pura. como la ttica kantiana. y dercchos (naturales y/o
fundamentaJes) o principios producidos mediante consenso o contrato por los hu ·
manos (aunque en este 1l1timo caso podrl'a darse un importante acercamiento a las
tticas teleológicas o de fines)" (Guis'n. /ntrodutddn a la Itfca. 1995. p. 38-39).
40. o que importa dizer neste momento t que a aproximação de ambas as
ci!nciu se toma ainda mais clara quando se procura estudar I ~tica di sciplinar do
profissional do direito. En1l0 se passa a compreender o quanto uma cieneia (~tica) t
cara l outra. (direito) na compreenslo de sua. preceptlstica.
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JOSÉ RENATO NAL1Nl
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A tmCA 00 ES'ruOAtm! Dfi DIREITO
intuição. So a humanidade não se converter e não vivenciar a solidariedade, pouca esperança haverá de subsistência de um padrão civilizatório preservador da dignidade,
,
A melhor lição ~ o exemplo, Temos falhado ao legar à juventude
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A Etica
um modelo pobre de convlv!ncla, Estamo<nos acostumando a uma sociedade ego!sta, hedonista, imediatistae consumista. Ego(smo distando estudante
ciado da visão otimista de Shaftesbury e ~utler, para quem o indivIduo
é altruísta por natureza,' Ego!smo na sua versão mais pessimista, a conde direito
ceber o homem "como um ser ego(sta, preocupado primeiro consigo
mesmo e logo pelas pessoas mais próximas a ele, disposto a competir
com os demais e a prejudicá-los, se isto for necessário à satisfação de
seus desejos".' Hedonismo exacerbado, pregando o prazer a qualquer
custo o a conversão da vida em uma etema festa, Aju ventude é passagei•
SUMÁRIO: 7,1 Ética é assunto para todas as idades - 7,2 Deveres
ra e, alémde prolongá-Ia mediante utilização de todos os recursos, reela"'",
para consigo mesm,~, :-?:~ ,R~~,!~i~~,,,:m.~~t~ cO,m os col~g~s;- !,4, , '"
, ,ma-se ao jovem vença um campeonato de resistência para participar de
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Relacionamento
com os~rofessores
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a SOCl~rndosos certames.• sexuals'''''r_
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7,8 O futUrO ético dá·UiiIVersldachi. ' .. , "
como se o mundo estivesse prestes a se aca. ar e . ouvesse pressa em
usufruir de todas as suas benesses. Consumismo Impregnando a pró'
pria concepção de vida: tudo constitui produto na sociedade de IIIllS,
, .. " .. J~',:,:" .. ,,:,'C, c.. ,'.', _"' ,," .... .. .." .. ,,: , ", .. "sas, que descarta valores, descarta a velhice, os sacrifícios e iudo aqui\!
7.1 Ética é ass'\lIt'l'Ra.r.<>.;tp4!1$. iII$:Ílhule:>c, muIIen' c ,!d, u',
lo que não significar um permanente desfrute.
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N :H)"'C nn<ir J'.~n\~r:u· .. k\~"'t'\·II~.lI"t" ,1 .1 . ", n)~ ... , !~';il'\ ' ..,' ii"" ;' ·, n 11 .• NãosepodeesperardeescolarescujasmãesquaseseagridernflSica:',' ;'" '.'::t:':" 'I, , :':
" ' J P',fCocul'ar-s: !:?,~:~ ~g~d~~~~~f!"~,R.~~u.Y~~o:d~~ldos.oSQ':Id,Os,, ,! .. ,:, :, " : mente na disputa de vaga para estacionar seu carro à saída da escola Ve'. ' :
Já formado~, Assl~ ~o~o ,e.,~1l~~~tJ:B~?: i§r::2I~~a ~:~B;I ev?,I~~~~:,; ,:,;:, , _.' ,nharn a se portar eticamente quando adultos. Nem se aguarde que os fi" ," '" ,,,
sem prevls~o
finãI; asSimilar conceitos cucos e em~nhar-<e -, , , Jhosde pais que lesam o fisco seus empregados ou patrões .nue se refe"
e' "~ I "deolr~mO,
l v }', \I\.:~ta\..lt:H , ~r\ Cll\~!;)t \Ja~ CLl.' t· II!~J Jl:..!c.:. .l \ J " uulr<n\l J\:l , lU!.: ;')
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_ n~essidad~ da cP.!\Y'\Y~!l~i8t,J:I~P;~.fWi,il!1iç!~~PI\f1l"II1<erP!lP~,:p'~' h,,.,, """ ranjos de duvidosa moralidade, se vem ~ se gabar de haver enganado
,:. " , ,:.., , :,' ,. ,' Ie:aJó~de;, pru:aocq~C(~,I!1~,!(Mql~l'aâ~y"q\l,em~~"~lI\~~l'\'"", '/' ""I,outrem ou de Dão ser alguém que deil<.e de tirar vantagem em ludo,está
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competitiva: onde, ~ ;<j~,!,I(.I~:-\II\', vl!!lt;lj~~lrw. ,~d~ Ugl~ sociedade enconstruindo os filhos com padrões idênticos,
...
ferma, a~onviver tranqUilamente com o marginalizado, a se despreocupar com o idoso, a agredir a natureza e o patrimOnio alheio, pode ser'esUI LORD SHAFTESBURY, ..An inquiry conceming virtue. or mentn , in D,
cola cruel das futuras gerações: '
,
D. RAPHAEL (comp.l, British moroljst. Oxford: Clarendon Press. 1969,
Nem por isso se deve abaIldonar o projeto de torná-Ias mais sensit, I, p, 173-175 oJOSEPH BUTLER. "Fifleen semons", idem. p. 325, apud
veis e solidárias. De um ideal de formação em quea razão e a informaMARTIN DIEGO FARREL. Métodos de la ética. Buenos Aires: Abeloção prevaleceram deve-se partir para novo paradigma. É hora de deso<Io-Petrot, 1994, p. 18-19.
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bstruircanais pouco utilizados, como os sentimentos, as sensações e a
CD ,MARTfN DIEGO FARREL. Métodos d.1a ética, cit., idem. p. 26.
ÉTICA GERAL
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PROFISSIONAL
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ÉTICA GERAL E PROASSIONAL
o universitário brasileiro precisaria serilotado de uma ética especial. São poucos os privilegiodos que chegam aos bancos da universidade. Para propiciar ensino superior a esses selecionados, o Brasil deixou
de investir em saneamento básico, saóde, moradia, educação de base,
emprego. Cada vaga numa universidade representa investimento que se
deixou de fazerem outras áreas. Nem se fale queem escolas particulares
quem paga é O aluno. Toda escola privada recebe subsídios do Estado e
este é sustentado por uma legião de excluídos que delc pouco recebe, em
comparação com aqueles que- na catincia de recursos de uma nação emergente- podem ser considerados verdadeiramente privilegiados.
Todavia, o exemplo ético mais intenso deveria provir de quem escolheu o direito como curso universitário e como forma de subsist!ncia. O
estudante de direito optou por uma carreira cujo nóeleo é trabalhar com
o certo e com o errado. Ele tem responsabilidade mais intensificada,
diante dos estudantes destinados a outras carreiras, de conhecer o que é
moralmente certo e'o que vem a ser eticamente reprovável.
Alguma ética todo jovem possui. Mesmo que seja a ética do deboche, a ética do acinte, ou a ética do desespero, a ética do resultado ou
a ética do deixa disso. O ideal é fazer com que as éticas individuais encontrem um ntlcleo comum bascado num princípio denso e que inspira
todo O ordenamento jurfdico pátrio: O princípio da dignidade humana.
Na Faculdade de Direito o estudante precisa serestimulado a desenvolver sua formação ética inicial e, depois de cinco anos, queira-se ou
não, estará ele entregue a um mercado,de trabalho com normativa ética
bem definida. Os advogados têm Código de Ética; juízes e promotores
também. E, até há pouco, nada ouvia o estudante q'uanto à ciência dos
deveres em seu curso.
Os Tribunais de Ética da OAB vêm enfrentando inúmeras dentlncias
de pessoas prejudicadas por seus advogados. Avolumam-se as queixas,
multiplicam-se as apurações. Ainda recentemente, no Estado de São Paulo, que concentra o maior n6mero de advogados do País - aproxima-se a
200 mil advogados o número dos credenciados pela OAB - , dez porcento
deles respondiam a processos no Tribunal deÉtica e Disciplina, processos
que vão da apropriação indébita dos valores dos clientes, do conluio, da
desídia, do erro grosseiro. Participar de algumas sessões do Tribunal de
Ética e Disciplina da OAB é lição de que os futuros advogados não se esquecerão. É óbvio que O ser humano, criatura faUvel , comete infraçOes as
A ÉTICA 00 ESTIJOANTE OE DIREITO
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mais variadas,em todos os campos de suaatuação.1bdavia, tudoissotambém decorre de nãoexistirpreocupaçlio séria dos mantenedores das escolas de direito com a formação ética dos futuros profissionais.
Seria ilusão pueril acreditar-seque o salto qualitativo nas carreiras
jurídicas, vinculado ao incremento ético de seus integrantes, decorra de
um processo de aperfeiçoamento espontâneo da comunidade. A decantaçlio dos maus costumes para ver anorar os bons não tem sido a regra mi
históriadascivilizaçães. Há razões para muitoceticismoe, até, paracerto pessimismo. O momento de se pensar seriamente em ética era ontem,
não amanhã. O futuro cobrará do profissional posturas cujo fundamento
ele não entenderá perfeitamente e de cuja experiência n~o dispõe, pois
nada se lhe transmiliu ou cobrou.
Todo professor experiente já ouviu indagações de seu alunado de
Direito que chegam a chocar, talo despreparo. Poucas as vocações alertadas do que significa estudar Direito e qual o compromisso assumido
por quem ingressa na Faculdade de Ciências Jurídicas. Afinal, está-se a
viver um tempo em que as sociedades criminosas destinam parcela considerável de seu dinheiro para formar profissionais voltados à sua tutela
jurídica e, portanto, operadores destinados a atuar pró-criminalidade. S6
O estudo aprofundado e a meditação conseqüente sobre a ética profissional é que poderá fazer frente a essa situação nova.
Ainda é tempo, embora se faça a cada dia mais urgente, de propiciar
uma renexão crítica sobre a6tica e de envolverajuventude nesse projeto digno de reconstrução da credibilidade no Direito e na Justiça. O entusiasmo da mocidade e óconvfvio com heterogeneidades próprias àatual
formação jurídica são propícios a fornecer aos mais Itlcidos os instrumentos de sua conversão em profissionais irrepreensivelmente éticos,
se os responsáveis pela educação jurídica se compenetrarem de que o ensino e a vivência ética não constituem formalismo. A inclusão da discipHnaÉtica Geral e Profissional no currículo das Faculdades de Direito
surgiu do reconhecimento de que os patamares de legitimidade das carreiras jurídicas, em virtude das denúncias disseminadas e ampliadas pela
mídia, chegaram a níveis insuspeitados.
O momento, agora, é o da reversão. Para isso, a juventude também
há de serconclamada e as lideranças acadêmicas precisam se cansei entizar de que mais importante do que promover as tradicionais e pouco
criativas Semanas Jur(dicas, delas se reclama um investimento na for-
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221
EnCA G!!RALll PROASSfONAL
A EnCA DO ESTUOAtm! OB DIREITO
mação de um profissional ético, em quem se possa confiar. Projeto que,
se não começou antes, é inadiável tenha inicio na Faculdade de Direito.
Todavia, mais importante do que a forma 6 o conteúdo. A criatura
humana é destinada à perfectibilidade. Todos podem tornar-se cada dia
melhores. Melhor seria dizer: uma vida só se justifica seo compromisso
de se tornar cada dia um pouco menos imperfeito vier a ser um projeto
sério. Essa é uma proposta individual que<1epende apenas de cada consciência. Ao se propor a estudar Direito, O estudante assume um compromisso: o derealmente estudar. Isso parece óbvio e realmente o é. Quem
conhece o aluno do bacharelado jurídico sabe que as obviedades precisam ser enfrentadas. Exemplo disso é que continua a existir o uso da cola
ou de outros artifícios para obtenção de graus favoráveis nas avaliações
periódicas. Cresce a praxe da contratação de profissionais ou equipes para
a confecção de trabalhos cientificas ou da monografia, hoje necessária à
obtenção do grau de bacharel em Direito.' O advento da informáticapropicia a,pesquisa.e o acesso às maiores bibliotecasdas melhores universidades do mundo. S6 que muitos alunos, em lugar de se valerem dapesquisa e a aprofundarem com ~ sua análise pessoal, se limitam a inserir
nas monografias - sem a utilização das aspas -enormes trechos elaborados por outros estudiosos.
'
Todos os anoS - e agora, todos os semestres - milhares de jove~s são
chamados ao vestibular e optam pelo Direito. Grandepartedeles desconhece o que seja o compromisso jurídico. Estão pensando em fazer um
curso que lhes permita a continuidáde do trabalho, ou de acesso relati vamente fácil, diante da quantidade'de vagas oferecida. Seja na escola pública, seja na particular, os esquemas de aprovaçao permitem que, de,pois de cinco anos, esse universitário seja um bacharel. A passagem de
uma série ailutra 6 sempre facilitada. PoucaS as exigências eos obstáculos postos ao estudante. O resultado é que o número de advogados no
Brasil vai logo chegar a um milhão, pois são mais de setecentas faculdades, lançando - dir-se-ia até, arremessando -, semestralmente, ao mercado de trabalho milhares de novos bacharéis.
Parcela considerável da responsabilidade pelas deficiências doensino de direito é de ser tributada aos educadores. Chame-se de educador
alguém bem intencionado. Não merece essa denominação o mero em-
7.2 Deveres para consigo mesmo
Os principias que·regem acon,duta humana devem contemplar, em
primeiro lugar, os deveres postos em relação à própria pessoa. Não se
fale em ética para consigo mesmo, que ética é algo a ser cultivado em
relação aos outros. Ninguém contesta aexistência de deveres para com a
própria identidade. Assim O dever de subsistir, Insito ao instinto de sobrevivência, o dever de se manter corporal e espiritualmente hlgido, o
dever de higiene pessoal e o de se apresentar em condições compatfveis
com o local, momento e circunstâncias.
As Faculdades de Direito de antigamente eram reflexos dasolenidade
que imperava na atuação judicial. Os alunos freqUentavam aulas de paletó
e gravata e se portavam como futuros operadores.' A multiplicação das
Escolas, com a conseqUente ampliação das turmas -quantos milhares de
brasileiros hoje estudam Direito?:", as transformações da sociedade, vieram a gerar um fenômeno visual na maiorparte das Faculdades. Hoje não
se distingue o estudante do Direito do estudante de Educação Física. Ambos comparecem às aulas vestindo Irainings, quando não calções, chinelos de dedo e outros trajes. Se o hábito nãofCl1. o monge, tudo sendo permitido em nome da informalidade e da franqueza maior que preside o relacionamento humano neste início de milênio, como se explicara preservaçãode alguns símbolos em Justiças mais tradicionais e respeitadas do que
a brasileira? Pense-se, como exemplo, na cabeleira do juiz inglês, forma- '
lidade essencial e sem a qual os julgamentos são nulos.
Um pouco mais de adequação no traj';;' e nos modos como se apresentam os alunos não causaria malefício à educação jurídica. Até os treinos para a futura atuação restam prejudicados quando se faz uma simulação de julgamento e o aluno escolhido para representar o juiz se apresenta de bermuda e com camiseta cavada ... Hoje, com a necessidade de
um treino efetivo da futura profissão, substituindo-se as desnecessárias
simulações por uma prestação de justiça real, não meramente virtual, o
traje é mais importante ainda. A pane que trouxer os seus problemas à
resolução dos Juizados Especiais sentir-se-á mais confortada se estiver
diante de alguém que se vista adequadamente.
tJI
Este é um sinal qucdepOecontra o estudante, não apenas eticamente. Deixa
de executar o trabalho so~icitado .e"em·lugar de aprender, está pagando
para alguém aprender mais em seu nome.
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ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
presário, que abre escola apenas para gan har dinheiro e que poderia estar
<e dedicando a qualquer outra atividade lucrativa. Nilo que o lucro seja
abominável-é legítimo, embora não possa representaro único objetivo
doempresário da educação, pois os bonseducadores,.muitas vezes, conformam-se como curso tradicional, mantêm as grandes turmas, com aulas
proferidas em auditórios. Há faculdades<jue congregam vár;asclasses
num único espaço e só formalmente separam as turmas, como se elas
ocupassem dependências separadas. Com isso podem·burlar as autoridades e a fiscalização, mas propiciam péssimo exemplo ético e estão longe
de propiciar o melhor ensino. A qualidade do estabelecimento passa a
ser uma promessa vã.
Os professores de direito, como regra, nunca se dedicam exclusivamente ao ensino. Limitam-se, em grande maioria, a ministrar aulas
prelecionais, quase sempre resumidas ao exame seqUencial da codificação. Não há espaço para a reflexão crítica, nem para a t)esquisa. Inviável O acompanhamento individual do' aprendizado ou orientação
direta sobre os estudos. O ensino é sofrível, a pesquisa quase ausente,
nem se fale na extensão,"
Outra parcela de responsabilidade pelas carências da formação jurCdica, não se negue, decorre dos próprios estudantes. Ressalve-seo fato
de não conhecerem arealidade do ensinojurídico, quantos atraídos para
o estudo do' Direito por fatores que não imbricam com O objetivo de
aperfeiçoar as carreiras jurídicas_ Há uma parcela de estudantes que
ingressa na faculdade de direito sem saberexatamente o que ali encontrará. Parta-se do pressuposto, por amor à argumentação, de que a maiof~1
A Universidade brasileira goza de autonomia didático-cient(ficn, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerá ao princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extendo. Longo caminho res-
ta a ser trilhado para se atingir ao ideal do equilíbrio entre esses tres pilares. Se o ensino vem sendo transmitido. embora com deficiencias reconhecidas, pouco se realiza em tennos de pesquisa na Universidade privada e os trabalhos de extendo ainda carecem de eficiencia e visibilidade.
São os estudantes que precisam motivar as mantenedoras a promover tais
objetivos, comandos cogentes do constítuinte-brasileiro em relaçAo à
Universidade, conforme se verifica do artigo 207, capul, da ConstituiçAo
da República.
A ~nCA DO ESTUDANTIl DE DIREITO
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ria adentrou conscientemente na faculdade de direito. Ainda esses, em
expressiva maioria, se impregnam do espírito conservador e inerte da
academia e resistem às tentativas de transformação <as mudanças importam em esforço maior e necessidade de abandonar hábitos antigos).
Preferem o velho método das apostilas, das provas clássicas, dos enunciados exigíveis conhecidos previamente pelo alunado . Resistem aos
trabalhos, à pesquisa, à avaliação continuada, pois uma avaliação éontínua importaem estudo permanente.·É mais confortável o sistema clássico das provas periódicas, centenas de alunos reunidos, estudo muito
superficial e atribuiçilo de notas favoráveis a todos quantos estejam em
dia com os seus carnês de pagamento.
A resistência àHransformações não é incomum. Os alunos resistiram ao examede avaliação da uni versidade, conhecido por Provão, a cujos
propósitos não se pode recusar idoneidade. Essa avaliação permanente
da peiforml1nce da universidade e dos universitários vai se integrando
na realidade educacional brasileira e passará a produzir outros frutos. O
desempenho dos alunos tende a ser considerado pelas futura s empregadoras e pelas instituições às quais eles recorrerão quando disputarem as
reduzidas vagas nas carreiras jurídicas mais prestigiadas.
Engana-se o universitário que só pretende facilidades, ao se opor às
modificações, ao não exigi-Ias ou ao deixar de lutar por elas, ao preferir
a via singela. Da obtenção do diploma sem maiores sacrifícios os efeitos
não tardarão a ser sentidos pelo próprio aluno. Terminado o curso, virá a
angústia de quem não sabe exatamente o que fazer com o diploma: "Sou
bacharel em Direito! E do.(?". Haverá dia, não muito longínquo, no Brasil, em que será necessário perguntar quem não é-bacharel em Direito.
Seria interessante que todo brasileiro conhecesse direito, ao menos
para poder reclamar seus direitos. Se acorrida aos cursos jurídicos se der
para o exereício da cidadania, não haverá razão para maiores preocupações. A questão mais preocupante é a possível ilusão com que se acenar
para os incautos que acreditarem que um diploma em direito abrirá todas
as portas. O aluno precisa ser conscientizado de que a maior parte das
escolas só lhe dará um diploma. Conseguir extrair dele todas as conseqUências benéficas, conseguir sobreviver no exercício de uma carreira
jurídica dependerá exclusivamente de seu mérito e esforço pessoal. O
pressuposto do diploma é o mínimo, condição necessária, mas não suficiente, para o êxito profissional.
•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••
224
A STICA 00 IlST1JOANTIl De DIReiTO
STICA GERAL e PR.OASSIONAL
A advocacia toma-se aos poucos um território inexpugnável. Será um
paradoxo<:oncluir que a multiplicaçãodos profissionais representa dificuldade também multiplicada noexercrcio da atividade jurídica básica?
Ocorre que, em virtude mesmo do crescimento da oferta, só os mais capazes possuem condições de sobrevivência. Enormes escritórios, verdadeiras empresas jurídicas, recrutam os mais qualificados. Os demais procuram sobreviver, mas cul minam por continuar a fazer aquilo que já realizavam antes de formados. Desaparece aos poucos o advogado profissionalliberal. Somente um seleto grupo de profissionais que atendem aos
casos emblemáticos, os advogados mediálicos, sobrevivem desse exercreio artesanal.
O caminho para o jovem advogado ser reconhecido não é róseo. Se
não tiver uma famíliajá respeitada na área equeoencaminhe, a trilha até
o êxito profissional dependerá de enorme esforço e de redobrados sacrifícios. Aqueles que insistem só eocontram espaço para servir como qualificados office boys de advogados hámais tempo nomercado. Será longo e árduo o caminho até à redenção profissional.
O concurso constitui via atraente para ingresso a carreiras ainda dotadas de certa aura de respeitabilidade. Tais certames congregam cada
vez número maior de interessados. São milhares de candidatos que acorrem à chamada e uma percentagem mínima logra aprovação. Tanto assim que várias iniciativas exitQsas têm suprido a falta de preparação
desses profissionais. A função prec!pua de preparo, que seria da própria instituição - Poder Judiciárioe Ministério Público, especialmente
_, foi de fato delegada a alguns educadores que descobriram essa via e
são hoje, na realidade, os responsáveis pela renovação de quadros nas
carreiras públicas.
.
.
O defeito maior do concurso é o seu atrelamento a uma forma arcaica
de seleção. Ela é baseada apenas na memorização de legislação, doutrina e jurisprudência. Vence o candidato que consegue se recordar de minúcias, não raramente encontradas com facilidade nos Códigos. Descuida-se, ainda, de maior preocupação vocacional. A dificuldade no acesso
ao mercado de trabalho faz do nOVO bacharel umcandidalo cr6nico. Inscreve-se para todos os concursos. Encontra-seo mesmo concorrente igualmente interessado a disputar as provas nas seleções para os quadros da
Magistratura, do Ministério Público, das Defensarias, das Procuradorias,
das Polícias. Precisa. na verdade, de um emprego.
1
225
A visão aparentemente pessimista - na verdade é realista, ao menoS para a visão das metrópoles, nas quais existe a grande concentração de Faculdades e-de profi ssionais - poderia vir a ser aten~ada se o
estudante de Direito souber exatamente o 4ue pretende. Ao Ingressar
no primeiro ano da Faculdade de Direito, já terá condições de se e~ca­
minhar para uma das opções profissionais abertas a quem se propoe a
obter o grau de Bacharel em Direito. O direito é instrumento de solução de conflitos e de garantia do Estado de Direito de I~dole democrática. Somente o direito poderá oferecer respostas ViáveiS para uma so<:iedade enferma. Sinais de sua moléstia o convívio entre tecnologia de
ponta e ignorância, entre abundância e miséria, entre inclusão e exclusão, dentre tantas outras situações polarizadas.
A juventude é naturalmente inquieta e revoltada contra a injustiça.
Fora despertada ades cobrir a potencialidade ~o direito para ~ solução de
todas as grandes indagações do final do mnemo e mergulhana,num projeto de transformação do mundocoin iníc!Q na conversão pesso~: Conversão à causa dajustiça. Justiça que tem míclo emse autoproplclllfum
curso de direito da melhor qualidade.
O primeiro dever do estudante de direito é se o:>anter lúcido e ~ons­
ciente. Indagar-se sobre o seu papel no mundo, allllssão ~u~ lhe fo~ confiada e que depende, exclusivamente, de sua vontade. Atmgtdo o ~scer­
nimento o estudO continuo, sério e aprofundado será conseqUênCia natural. A ;,ossoa lúcida sabe que ela pode, no seu universo, pequeno e insignificante lhe pareça, transformar o mundo.
Saberá reclamar um padrão de qualidade àsua escola, desde os aspectos flsicos à excelência do ensino, aí incluídas as virtudes do corpodocente, direção e funcionalismo. A maior parte d~s que se dedicam ao ensino é
formada de pessoas bem-intencionadas. Esllmul~~ por um. alunado. entusiasta, reagirá para converter a Faculdade.de ~ll'CltO ~m ~ma de~natl­
vidade concretizando a reforma do enSInO Jurldlco hOJe dehneada.
O ~cadêmico brasileiro deve ier sempre na consciência o fato de ser
um privilegiado. Ínfima a pereentagemdos nacionais qu~ ingressam ~a
Universidade. Como na parábola dos talentos, a quem !IUllS 6 dado, m8ls
'" Sobre a reforma do ensino juódico, ver JOSÉ RENATO NALIN1, "O novO
ensino do Direito", RT715/342 e ss.
I·················································
226
,
rnCA GERAL E PROFISSIONAL
é pedido. O universitário tem um débito para com a comunidade e a forma adequada de começar a saldá-lo é procurar<:xtrair proveito máximo
desua permanência na Faculdade.Bstudandoe exigindo ensino adequado, pois alguém está pagando para recebê-lo e alguém está sendo pago
para ministrá-lo. Empenhando-se na pesquisa, parte indissociável do
processo educativo. Participando da extensão, que é forma de abertura
da Universidade à comunidade.
Tanto pode ser feito pelo universitário de Direito para melhorar a situação dos seus semelhantes. Basia, para isso, acionar a sua vontade.
Assim, os mutlrõesjurídicos para resolver problemas de documenta.ç!io das pessoas necessitadas, o atendimento para a resoluçilodedúvidas
jurídicas, as cruzadas da cidadania, para alertar a população quanto aSeUS
direitos. Muitos projetas especiais podem ser desenvolvidos e já encontram exemplo em inúmeras Faculdades: a instalação de juizado especial
.no interior da escola,.çom funcionamento a cargo dos alunos. Juizado
especial que pode ser o informal deconciliaçilo ou o de pequenas causas.
As Faculdades também podem ser detentoras do arquivo dos Tribunais,
propiciando a seus alunos o cantata direto com os processos e devem ter
cartórios-modelo, para treinar o aluno com a rotina forense.
A falência do Estado como instituiçilo onipotente e pronta a atender a
todos os reclamos deve incentivara participação do alunado de Direito na
resolução dos problemas locais. O trabalho voluntário do estudante de
Direito poderá resgatar muitos semelhantes de uma situação de marginalidade. Os Diretórios Acadêmicos poderão se encarregar de prover os excluCdostle documentação civil e profissional, auxiliando-os a obtercertidões dos assentos indispensáveis - nascimento c~samento -, regularizando as situações conjugais, encaminlJando-os ao mercado de trabalho.
Um trabalho de conscientização dajuventude para os problemas da
droga e da delinqUência poderia ser realizado pelos universitários. Afinal, parece que a dependência vai conquistando.a juventude e cada dia
mais cedo. À infração praticada por menor é uma percentagem considerável da grande criminalidade pátria.
Os encarcerados precisam tamMm de assistência juódica plena. Ela
não significa apenas assistência judiciária. Há situações pessoais dos
presos que precisam ser resolvidas. Questões familiares, de vizinhança,
de benefícios paralisados ou suspensos. Esse atendimento poderia vir a
e
A rnCA DO ESTUDANTE DE DIREITO
227
ser feito pelos acadêmicos. A população carcerária de São Paulo, por
exemplo, alcança hoje o razoável número de ccrn mil presos. Não existe
condição de assistência jurídica integral prestada por advogados. Os jovens acadêmicos podem desempenhar relevante serviço se vierem a se
interessar pela sorte daqueles que a sociedade priva da liberdade por haverem delinqUido. E passarão a entender melhor arealidadede que o crime é
um fenômeno social edeque o preso nãoé problema da polCcia ou questão
da administração penitenciária, mas é um desafio para toda a sociedade.
A participação do aluno na vida concreta do direito é essencial. A
escola não pode ser transmissora inerte da verdade codificada e de alguma orientação jurisprudeneial. Ela tem o dever de formar umaconsciêneia crCtica no alunado. O novo bacharel deve ser um agente transformadorda realidade, imbu!do do compromisso de aperfeiçoara ordenamento. E, antes de a faculdade lhe oferecer tudo isso, é seu dever ético dela
exigir a fidelidade para com esse ideário .
Outro exercício recomendável é a participação na política acadêmica. A Faculdade é formadora de Uderes. LIderes precisam treinar os
seus talentos de liderança, de maneira a estarem preparados quando recorrerem a eles na vida profissional. O treino poUtico auxilia o enfrentamenta da tensão dialética, sem a qual o direito n!io opera. Se existe pretensão a uma ética na poUtica, esse paradigma há de se iniciar na disputa democrática dos cargos diretoriais, para que a poUtica propriamente
dita não perca a qualidade.
A Escola de Direito s.empre foi o celeiro dos poUticos. As Arcadas,
a tradicional Faculdade do Largo de São Francisco, proveu O Brasil de
seus primeiros Presidentes da incipiente República. Era dali que saCa a
reação contra a ditadura, contra os desmandos e o autoritarismo. Hoje,
o território dos acadêmicos de direito é um vazio poHtico. Não se reivindica, não se reclama, não se participa da vida poHtica nacional. A
comprovar a velha ponderação do notável André Franco Montara, de
que seria tarefa fácil derrubar a ditadura, mas missão extremamente
dificil a construção da democracia.
Um Estado de Direito de índole democrática exige Democracia. E a
Democracia brasileira tem o modelo constitucional participativo. Deve
ser reinventado o princípio da subsldlariedade. Tudo aquilo que a comunidade puder fazer por si, ela deve fazê-lo, desnecessitando de invocara governo. O jovem acadêmico de Direitoéo protagonista mais indi-
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228
A ÉTICA DO EST\JOANTI! 06 DlR.E1TO
ÉTICA GERAL E PROPlSSIONAL
audácia: modera o medo para que sejamos firmes diante do obst4culo e
não fujamos covardemenle; modera a audácia para que não enfrentemos
o perigo alaba/hoadomente. Ajustiça modera a paixão do lucro, levando-nos a honraros contratos sem lesãoao próximo e sem danos pessoais",'
A reiteração de condutas equilibradasconduzàracionalidade. Quando se
é racional, pode-se afirmarque a virtude triunfou. O ser humano venceu a
paixão, que não deixa de ser paixão, mas segue racionalizada.
A ética deve servirpara·isso. Não para alimentar discussões teóricas,
mas para a vida real, parau prática existencial de todae qualquer pessoa.
Senão houver o compromisso de viver1lticamente, o estudo e o aprendizado da ética de nada servirá.
cado para mostrar ao povo como se faz uma verdadeira Democracia e
como seedifica o Estado de Direito.
Tudo isso pertineà ética. Um estudante desprovido de ética não será
um bom profissional. A Democracia resultante de sua atuaçãonãoserá a
forma ideal de vida comunitária em que se procuragai"anti ro bem de todos,
prevalecendo a orientação da maioria, mas será um regime hegemônico,
baseado na priorização dos intéresses sociais. É por esse motivo que a
ética reveste uma importância absoluta neste início de milênio.
Ouso afirmar que o estudante de direito deve procurar agir eticamente e ser virtuoso desde os bancos escolares. A prática da virtude
não significa perder a alegria, renunciar ao prazer ou aos jogos lúdicos
de sua idade.' Ser virtuoso não equivale a ser circunspecto, arredio,
azedo e mal-humorado. A verdadeira virtude é aquela que Aristóteles
já encontrava na parte superior da alma sob forma dúpl ice: a sabedoria,
a considerar as supremas razões dos seres, e a sabedoria prática.
Todo o sistema ético está centrado na sabedoria prática. As tendencias, apetites e desejos devem estar num justo meio-termo, no equilíbrio
que deriva da prudência. A idéia de moderação, ou do justo meio, "consis·
le emfazero que se deve, quando se deve, nas devidas circunstâncias, em
relação as pessoas às quais se deve, para ofim devido e como é devido".'
O justo meio não é outra coisasenllo o dever. "Por exemplo, a virrude da
coragem modera o medo; ela é o justo meio-lermo entre a covardia e a
I"
7.3 Relacionamento com os colegas
O companheirismo acadêmico é sempre espontâneo e prazeroso. Os
anos passados na Universidade podem ser considerados dentre os mais
felizes na vida dequalquer profissional. Costuma-se recordar com saudades desse·tempo que, enquanto transcorre, é célere e inconseqUente.
Mesmo assim, a massificação do ensino fez com que algumas práticas fossem relegadas. As antigas turmas das academias tradicionais levavam muito asério a circunstância de integrarem homogêneo grupo que,
a partir.da formatura, era designado pelo respectivo ano. Os laços de
convívio erarn'Verdadeirarnente fraternos. As tunnaS seguiam unidas pela
vida, reunindo-se a cada aniversário de fortnatura, irmanadas na memó- .
ria do um tempo de sadia e gostosa convivência. Até mesmo a alegria
espontânea da organização da festa de formatura foi substituída e delegada a uma empresa. Aquele tempo destinado a um estreitamento de
convívio, às brincadeiras e jogos jocosos, foi irocado pela co\ltratação
de umaempt:CSa especializada em realizar a cerimônia dacolação de grau
e de entrega dI' diplpma.
Compl'l!!'nde-se que tudo muda. Mas parece tiav~ mudado para pior.
Os formandos se limitam a pagar mensalidadeseacomparecer a umafesta
que não foi por eles programada, mas parece um grande happening, com
projCÇÕCS, músicas eaté fogos de artifício.Tudo para disfarçar o des~pare­
cimento da alegria genuína que deveria ser a tônica daquela comemora-
Spinoza já observara: "Certamente, apenas uma feroz e triste superstição
proíbe ter prazeres. Com efeito, o que é mais conveniente para aplacar a
fome e a sede do que banir a melancolia? Esta a minha regra, esta a minha
convicção. Nenhuma divindade, ninguém, a não ser um invejoso, pode ter
prazer com a minha impotência e a minha dor, ninguém toma por virtude
nossas lágrimas, nossos solu,ÇOs, ~osso çemor e OUI,rOS sinais de impotência interior. Aocontrário, quanto maior a alegria que nos afeta, quanto maior
a perfeição à qual cnegamos, mais é necessário participannos da natureza
divina. Portanto, 6 próprio d~ um homem sábio usar as coisas e ter nisso o
maior prazer possrvel (sem chegar ao fastio, o que não 6 mais ter prazer)".
SPINOZA, "Éthique", IV, escólio da prop. 45, trad. Appuhn, apud ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno Iralado das grandes virtudes, São
Paulo: Martins Fontes, .\ 996, p.'45: .
'" ARISTÓTELES, Élica a Nic5maco, VI, 1, 1138 b 19-20, apud OLINTO
A. PEGORARO, Ética éjusliça, Petr6polis: Vozes, 1995, p. 26.
229
i
,I
•;
'" OLINTO A. PEGORARO, Élica é juSliça, cil .. idem, p.. 26-27..
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230
m1CA OERAL E PROFISSIONAL
ção. Sem dizer que oti'eino<leorganizaçlioda festa era uma prova concreta
da capacidade de administrar o interesse ooIetivo, de vivenciar a idéia do
condomínio, de respeitara orientação da lI1aioria, de saber conciliar as diferenças. Tudoessencial a quem sepropõea exercer,profissionalmente, a
atividade da composição dos conflitos, rumo à obtenção da pacificação.
A oferta do ensino jurídico massificado, objet.) de consumo educacional e colocado 11 disposição do aluno como verdadeira mercadoria,
esmaeceu a sensibilidade desses contornos. Alunos de uma mesma classe não se conhecem. Passam anos ocupando o mesmo espaço físico sem
trocarem palavra. Nada sabem a respeito da vida, das vicissitudes, das
angústias e sonhos de seus colegas. São passageiros transitórios da nave
mercantil que se propOs a dar-lheS um diploma.
Umdeveréticopara.comocolegaéconhecê-lo.Identificá-lopelonome.
Participar de sua vida. Ser solidário nas dores -quem as não sofre1-e nas
alegrias. Não se está pOr aCaSO na mesma turma. Essa é a oportunidade de
fazer amigos, de se irmanar com aqueles que estão submetidos à mesma
experiência convivida em tempo idêntico. É triste respirar o mesmo ar de
um semelhante dias, meses e anos seguidos, sem chegar a apreender o
universo de suas qualidades e partilhar com ele as próprias angllstias.
Interessar-se pelo colega leva também ao dever ético de solidariedade. A ausência de um companheiro durante alguns dias deve motivar
a indagação da classe e a sua proposta de auxiliá-lo a enfrentar eventual
problema. De maneirllidêntica, a ética impõe se visite o colega acidentado ou enfermo, que se faça presenle ao funeral de seu familiar, que se
compareça à sua casa quando convidado. Exatamente como se' faz com
os ámigos. Não se exclui a oportunidade de se proceder a uma coleta,
sem alarde e sem constranger o beneficiado, quando algo lhe tenha ocorrido que impeça de satisfazer às mensalidades ou taxas da Faculdade.
Ao se defrontar com o colega aparentemente perturbado ou preocupado, aquele que estiver motivado por uma sadia ética de coleguismo deverá procurar mitigar-lhe o desconforto. Este pode ter origem na famflia, no
trabalho, em tantas outras fontes. Oangustiado gostaria de serouvido, mas
não encontra quem se disponha a abandonar, momentaneamente, as próprias atribulações para tentar compreender o sofrimento alheio.
Esse é um fenOmeno generalizado na vida contemporAnea. As pessoas já nilo têm paciência para ouvir. A única audiência que se consegue
A ~l1CA DO ÉsTUDAN'I'B DB DIREITO
231
hoje. cronometrada e mediante pagamento, é ados profiSSionais da psicanálise. Eo ombro amigo sempre foi necessário e ainda funciona como
terapia de apoio para quase todos os humanos.
Outra postura ética a ser perseguida é respeitar as diferenças. No
univer.;o de uma classe há muitas individualidades diversos. Pessoas que
se distinguem por raça, cor, aspecto físico, origem social, prererências
sexuais. Todas elas merecem respeito e compreensão. O preconceito é
alguma coisa a ser banida e chega a ser intolerável numa comunidade
jurfdica. Pois nesta se ensina que o ser humano, qualquer seja ele, é titular de difeitos e de igual dignidade perante a ordem jurfdica.
A juventude pode ser cruel quando seleciona alguns caracteres que
considera estranhos e sobre eles faz recair a ironia, o sarcasmo ou o deboche. A classe é expressão gregária e obedece a alguns condutores. Os
Ifderes naturais, formadores de opinião, respeitados por todo o grupo,
estes precisam estar atentos para impedir que os colegas martirizem outros, submetendo-os acontfnuos vexames. Episódios lamentáveis uma e
outra vez são registrados, em que o aluno é obrigado a se transferir, talo
clima de animosidade instaurado em sua classe.
A virtude, em todas essas hipóteses, é geradora de consistente satisfação naquele que se dispOs a abrir-se ao convfvio. Ela dá prazer enorme
a quem a pratica. Envolver-se na tentativa de mitigar a carga alheia de
problemas é remédio para o trato da sua própria cota de infelicidade. Eo
{reino durante a Universidade não é senão experiência adquirida para um
saudável exercfcio profissional pouco adiante.
7.4 Relacionamento com os professores
Recrutam-se professores para a Faculdade de Direito dentre os profissionaisexitosos em suas respectivas carreiras. Os fonnados em Direito fornecem quadros para um dos poderes do Estado - o Judiciário - e
para instituições prestigiadas como o Ministério Público e a advocacia,
ambas essenciais à administração daJ ustiça.Existe, portanto, contingente
enorme de potencial mão-de-obra para a indústria do ensino jurfdico.
Tal circunstância vai condicionar o perfil do professor de Direito. O
juizéconvidado a lecionar porque vepceu o severO concurso de ingresso
e tomou-se expressão da soberania estatal. O mesmo vale para o integrante do Ministério Público. Não se indaga sobre seus pendores didáti-
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232
IlnCA GERAL E PROFISSIONAL
co-pedagógicos. Aexigência de uma formação para o magistério sempre
foi encarada com resistência pelos operadores jurídicos. Aquestão é realmentepoiêmica. O sucesso na carreirajá credencia o profissional como
vitorioso, apto a demonstrar com sua experiência que a opção do estudante está no reta caminho, valeu a pena e propicia êxito. Nem sempre,
contudo, a proficiência na~arreira se faz ncompanhar por inequívocos
dotes na transmissão do conhecimento. Profissionais de reconhecido
prestígio niio são professores de mérito. Outros há, privilegiados, que
acumulam as qualidades.
Novamente se invoque o princípio do justo-termo. O operador jurídicobem sucedido .. respeitado em sua profissão, reveste condições para
ser um educador eficiente. Para isso, não constitui demasia reclamar-se
formação específica. Não parece necessário um curso universitário reguiar de pedagogia, mas algumas noções de didática, de metodologia do
ensino jurídico poderiam formar o formador, com reflexos evidentes na
qualidade da educação do Direito.
Em virtude da especialíssima situação do corpo docente da Faculdade de Direi to, nem sempre o convívio com Oalunado é o ideal. As turmas
ainda são muito numerosas. Isso impede o contato pessoal entre professor e aluno. É raro tenha o mestre condições de identificar por nome os
estudantes de sua classe. Não lhe é permitido trabalhar em grupos, orientar estudos e privar da companhia dos seus discípulos.
O fato de dedicar-se a outra carreira, que é aresponsável por seu sustento, faz com que as aulas sejam objeto de preocupação secundária. A
remuneração nas Faculdades não estimula o professor a uma dedicação
mais intensa. Envolvido com seus afazeres profissionais, devota-se ao
ensino pelo tempo necessário à ministração das aulas. São fatores de distanciamento para os quais o aluno deve atentar, pois os mestres do Direito sempre são estimulados quando o discente demonstra um interesse
genuíno por sua formação.
Todo universitário que fizer chegar ao seu mestre a pretensão legítima a uma orientação intelectual direcionada a determinado concurso ou
atividade sem düvidaserá bem recebido. A aproximação mestre/aluno é
sempre benéfica ao processo do aprendizado. Nada obsta que o passo
inicial parta do discfpulo, se não brotar do próprio mestre.
Algumas regras há que nem se podem dizer éticas, mas se mostram
relevantes para a edificação de um clima de cordialidade e estima. Sãoos
A IlnCA DO ESTUDAN1l!ÓE DIREITO
1
233
pequenos gestos denunciadores de respeito, como prestigiar a aula, atentar para a exposição, indagare contribuir para um debate fecundo. Os ai unos de antigamente faziam .saudação inicial ao, professores, quando toinavam contato com eles pela primeira vez. Saudavam-nos no dia do
professore, a final, agradeciam pela oportunidade de convivência acrescentadora de seus conhecimentos e experiência.
Os tempos são outros. Mas as pessoas continuam as mesmas. Suscetíveis de se sensibilizarem com gestos singelos. mas que predispõem o
professor a conferir maior afinco à missão de ensinar.
.Ética é também a conduta do aluno que, tendo razões de queixa em
relação ao professor, as expõe ao próprio interessado, antes de procurar
direção ou entidade mantenedorapara solicitar a substituição do docente. Essa praxe até ocorre em grandes empresas de prestação educacional,
onde O consumidor é o aluno e ele deve estar sempre satisfeito com o
. ., produto. Afasta-se ela, todavia, do ideal ético da verdade, dMransparência, da lealdade e da carroção. Oprofissional do Direito'deve enfrentar
todas as questões de maneira frontal, sem se abrigar no anonimato e sem
recorrer a técnicas pouco preservadoras da dignidade do próximo.
A relação p~fes;or/aluno deve ser franca, amistosa, cooperati ViL Se
assim for, O ensino fluirá mais naturalmente, o aprendizado será um processo espontâneo. O encontro entre estudantes de Direito menos experientes e mais'exPerientes'- outra coisa não é o professor - deve ser uma
parcela prazenteira do período regular de estudo. O ideal seria o estabelecimento de laços de amizade entre eles. Onde existe afeição, a conduta
ética virá por acréscimo, desnecessáriasprofundas cogitações. Só muito
mais tarde o profissional terá condições de reconhecer o mérito daqueles
educadores que o orientaram, que serviram de sinalizadores e de paradigmas em'sua formação. Quase sempre, quando isso ocorre, li falta da
presença física do Mes.tre já lião permitirá ao discfpulo agradecido a exteriorização de seu reconhecimento.
7.5 O estudante e a sociedade
Todo estudante é um devedor, inicialmente insolvente, da comunidade por ele integrada. Para assegurar-lhe vaga no sistema reconhecido
de educaç~o regular, ela investiu consideravelmente. Num país.de escassos recursos ante inesgotáveis necessidades, outros bens da Vida fo-
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IlTICA GERAI. E PROFISSIONAL
ram sacrificados para garantir essa oportunidade deconclusão-do ciclo
normal de formação . .
o estudante precisa devolver à sociedade um pouco daquilo que ela
.investiu nele, mediante participação efetiva no processo político. não
deixando de se interessar por eleições, votandO e podendo ser eleito, e
mediante aproveitamento eretivo dos recursos postos à sua disposiçãO. É
engano pensar que a mensalidade atende a todas as ne=sidades da escola.
Aeducação é subsidiada, considerando-se a párticipação estatal em seus
projetas privados. Pagar é obrigação de quem contrata os serviços'educacionais de uma empresa. Mas esta se beneficia'também de recursos governamentais, resultantesdeumacoletaaqueacorrem todas as pessoas. Mesmo aquelas subtraídas ao processo educacional comum. Raramente se
detém a.pensarquedexcluído, aquele que não pode estudar na época mais
favorável. também sustenta Osistema educacional de seu país. Se o estudante tivesse noção plena dessa realidade, saberiadedicar-secomresponsabilidade maior ao seu projeto pessoal de aprendizado.
Todo estudante pode melhorar seu país, mesmo antes de se formar,
participando de projetas de promoção humana, integrando-se a serviços
voluntários tendentes ao resgate dos excluídos. atu;mdo decisivamente
na fixação dos rumos da conduta dos titulares de funções públicas.
A nacionalidade parece haver despertado para a vergonha da miséria
e o movimento Comunidade solidária precisa de todos os brasileiros
para reduzir os índices de exclusão que envergonham qualquer compatriota. Inúmeras organizações não govemamentais-ONGs -se prestam
a motivar a comunidadeazelarporinteresses descuidados ede cuja tuteIa pode depender a própria subsistência da humanidade. Os detentores
de funções públicas são exercentes transitórios de um mandato outorgado pela cidadania. Esta tem o dever ético de fiscalizar o eleito. para que
a sua postura parlamentar ou de governo não se afaste do ideal assinalado pela comunidade.
O estudante de Direito tem grande poder e a História está pontuada
de episódios heróicos em que a luta dos acadêmicos serviu à {fefesa da
democracia. da1iberdade e da ordem jurfdica. O Brasil está a viver uma
tênue experiência democrática. de futuro ainda condicionado ao êxito da
estabilização econOmica. Por isso toda atuação acadêmica tendente ao
fortalecimento democrático é bem-vinda.
I
I
A IlTICA DO ESTUDANTIl OS DIREITO
235
FreqUentar aulas. estudar. fazer trabalhos, pesquisar e se submeter a
avaliações é o míni mo ético reclamado ao universitário. Mais do que isso,
ele precisa ingressar na vida política, num sentido bastante amplo. favorecendo com as ·luzes de seu conhecimento e com o entusiasmo de sua
juventude, a consecução de objetivos .prop,iciadores de um futuro cada
vez mais digno à sua Pátria.
O crescimento das Organ izaçôes Não-Governamentais - ONGs, após
o advento da Constituição de 1988. deveria estimular o estudante a participar -obrigatoriamente - de uma delas. ou de criar alguma outra para
o desenvolvimento de sua área de interesses. Toda comunidade precisa
de ajuda. e o estudante. idealista como devem seros jovens - e jovens são
todos os que estão atualmente numa sala de aula - pode transfonnar o
entorno de sua escola.
Inúmeros sãoos projetas que poderiam ser desenvolvidos pelo alunado. em trabalho de verdadeira extensão, algo de que se descuida muito na
universidade brasileira. Basta mencionar as carências dos excluídos. da
educação de base, da vacinação. do meio ambiente. da educação ambiental. do treino paraacidadania, da verdadeira incursão ao objetivo primeiro
da República, que é reconhecer a-dignidade de cada ser humano.
7_6 A Ética do professor de Direito
Este tópico não está deslocado no capítulo dedicado à ética dos estudantes de Direito. O professor de Direito não é senão um estudante qualificado, mais experiente e responsável pelo despertar de outros colegas
para viver a paixão fascinante pelas ciências jurfdicas.
O que leva uma pessoa a aoeitaruma função deprofessorde Direito?
As respostas podem ser múltiplas. Amenos provável delas éadc que
pretende, com isso. sustentar-se e à famOia. A remuneração. quase sempre. chega a ser indecorosa, mesmo naqueles estabelecimentos integrados em grandes empresas educacionais, voltadas à exploração de uma
atividade lucrativa como outra qualquer no desenfreado capitalismo da
pósemodernidade. A sociedade brasileira vem adquirindo fisionomia
singular. onde o valor reside na aparência, no físico. no lazer e no entretenimento. Qualquer propagador de cultura tradicional está excluído do
processo do enriquecimento. Não se premia a cultura e a erudição. mas o
show e o circo.
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236
ETICA GERAL E PROFlSS tONAL
Existem ainda os professores vocacionados. Aqueles que acreditam
que o Direito é instrumento de solução das controvérsias, de pacificação
e harmoni zação comunitári a ede realização da democracia. Estes fazem
do magistério um sacerdócio e nulrem a esperança de estar a construir o
futuro. Mas também nãoseexclua,a meta da obtenção de prestígio, favorecedor do êxito em outras atividades, nas quais o título de professor
universitário ainda impr~ssiona. E os~ue pretendem conviver com ajuventude, extraindo dela um poucodcânimopara vencer os embates ex istenciais. Ou os que nisso enxergamoportunklade para atualizaros estudos, enfrentar o desafio de se colocar diante da mocidade e ouvir suas
cobranças, sua sinceridade cruel e até, muita vez, insolente,
Há um misto de tudo isso nos quadros do magistério superior jurídico brasileiro. Pane-se de umàconstatação~mpíricae genérica, sem contemplar alguns casos episódicos e extremados. Como o daqueles que, na
,cátedra, pretendem apenas criar uma clientela fixa para a compra de suas
apostilas ou livros, Ou de quem precise de um argumento forte para estar
fora de casa ao menos duas vezes por semana, convivendo com jovens
que se tornam companheiros"- mais ainda companheiras - de noitadas,
de chopadas e de esticadas em barzinhos de convívio,
Esta reflexão não serve a caracterizar o magistério em outras caireiras e a sofrida classe do magistério doensino básico e fundamental. Conseguiu-se, em algumas décadas, proletarizar o professor, hoje mal remunerado, sem perspecli vas de carreira, sem possibilidade de continuar seus
estudos e às voltas com um alunado a cada dia mais rebelde, indisciplinado e sem limites. Enquanto não se conferir seriedade ao trato da educação, a começar da seleção eda reciclagem dos professores, não haverá
solução eficiente para muitos dos problemas brasileiros.
O que também não existe ainda no Brasil é um processo completo e
real de formação do professor de Direito. A pós-graduação em sentido
estrito contribui para aelaboração de dissertações e teses relevantes. Pouco
investe, porém. na preparação de educadores. Favorece-se exclusivamente o estudo do Direito, sem se deter no ensino da didática, da pedagogia, da psicologia educacional e das modernas técnicas ,de transmissão do conhecimento.
Não são muitos os professores preocupados com isso. Raros aqueles
que se propõem uma reciclagem ou um aprendizado de tais saberes, sem
os quais grande parte da cultura jurídica do docente deixa de chegar ao
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. A ÉTlCA DO ESTUDAlmfoB DIREITO
237
discente. Um pouco de técnica de ensino auxiliaria notáveis juristas a
um salto qualitativo no desempenbo docente, com reflexos favo ráveis
no processo formativo das novas gerações de estudantes do direito.
O primeiro cânone ético do professor de Direito é conscientizar-se
de que, na cátedra,de nãoé juiz, nem promotor, nem advogado ou qualquerootro proflssional do direito, Eleé professor, éalguém cuja incumbência é formar um colega, é fazer com que os quadros jurídicos de reposição sejam preparados com ciência e com ética.
Tornar-secada vez melhor professornão é impossfvel. Quem gosta
de ensinar ou aprecia o con vívio com ajuveritude não encontrará dificuldades em desobstruir os canais impeditivos de uma eficiente transmissão <lo conhecimento.
Exigências éticas também residem no compromisso de oferecer ao
educando não somente préstimos de ensino técnico, senão de orientação
moral, pois nãohá verdadeiro progresso senão houver progresso moral.
Mais do que um compilador de juri~prupência, alguém proficiente no
manuseio dos códigos e na assimilação da doutrina, o mundo precisa de
umjurista eticamente engajado num projeto de redenção de seus semelhantes, O profissional do Direito é aquele que poderáforneceraltemativas à violência, à competição, ao menosprezo à dignidade humana. Somente umaalma bem formada.leiácondiçôe5 de contribuir para uma nova
era, mais sensível aos verdadeiros valores, menos oprimida pela necessidade<le vencer a qualquer llreço.
O professorjá não seconsideraresponsávelpelamoral de seus alunos. Principalmente na Faculdade, eles chegam cidadãos feitos, de caráter e personalidade praticamente acabada. São os filhos da TV, dos video
games, das salas de chal da conversa virtual, da liberação dos costumes,
da permissividade, das mães que abdicaram das tarefas domésticas e não
encontraram quem as substituísse, de pais assustados com o avanço do
feminismo. Alguém deve,ter coragem de dizer a esses jovens em que
acreditar, redescobrindo a singeleza das coisas essenciais - o valor da
família, da solidariedade, da l~dade.,., a fmitude da vida e a sua celeridade, o destino,de transcendência da humanidade, o compromisso de
contínuo aperfeiçoamento na breve avent!1I"8 terrestre.
Ainda é tempo de o professor resgatar as qualidades de uma carreira
que já teve concretamente reconhecida a sua nobreza na hierarquia das
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1
238
troCA GERAL EPROFlSSIONAL
profissões liberais. Basta aceitar que sua missão envolve mais do que
ensinar direito. Do autêntico mestre se aguarda transmita lições e prática
do respeito, da moral, da amizade, da tolerância e da compreensão.
Para desincumbir-se de um cómpromisso de tamanha abrang8ncia,
não basta conhecer ética. Antes, é preciso acreditar na ética e viver
eticamente.
Impregnando-se de consciêncià ética, o docente jurldico de imediato reconhecerá que a escola de Direito deve formar bons profissionais,
tecnicamente preparados, mas, antes disso, deve preocupar-se com a
formação de cidadãos conscientes. A escola não pode se limitar a transmitir algum conhecimento jurldico e lançar à competição do mercado
profissionais que encontram dificuldade nos exames da OAB, delllQnstram resultados sofrlveis nos concursos públicos às carreiras forenses e,
em sua imensa maioria, continuam a desempenhar as funções e a ocupar
os empregos anteriores à colação de grau. Ela também tem o dever ético
de tornarútil odiplomade Direito, deconscientizaro alunosem vocação
de que deverá procurar um curso compat(vel com suas aptidões e de que
aqueles que permanecerem deverão demonstrar paixão pelo Direito.
As escolas, em geral, não estão educando para a vida. Transmitem
conhecimento de que o aluno não extrairá proveito em sua subsistência,
pois divorciado das exigências concretas postas à pessoa. Mas a escola,
a mantenedora, a Universidade, a Reitoria, a direção constituem realidades abstratas para o aluno. A pessoa que, concretamente, ocupa o
seu dia-a-dia é o professor. Este nllo pode deixar de se imbuir da responsabilidade de alertar o educando de todos os desafios que encontrará a
partir da conclusão do curso. A relação que se estabelece entre professor
e aluno é pessoal, palpável e duradoura. Ela gera efeitos cuja qualidade
está condicionada ao senso crítico do docente. Oele depende tornar-se
alguém que exerça influência permanente sobre a formação do aluno, ou
ocupar sem convicção um lugar no professorado universitário.
Não se é professorcompulsoriarnente. O corpo docente da Faculdade de Direito é integrado de profissionais competentes e pessoas idôneas
em suas carreiras. Embora o sistema esteja todo comprometido com a
inércia, a reforma do ensino jurídico pode partirde uma reforma da consciência do professor. Ele poderá transformar o mundo se iniciar uma
conversão de sua consciencia, pondo-a a serviço da formação integral
do jovem perante ele colocado.
A trrrcA DO ESTUDANTE DE DIREITO
239
7.7 A Ética da Universidade
Muitos falam que a universidade já morreu, ou vislumbram sua morte
próxima. Algo que nasceu há mais de mil anos deveria continuar a existir com idêntica estrutura?
Ricardo Dip analisa o que poderia ser a morte da Universidade, ao
ponderar: "Quando autores de variada geografia e diversa doutrinafdIam. numa linguagem comum e atutU, na Universidade moribunda (Vargas Uosa), na Universidade que agoniza (AIÚln Bloom), na Universidade que reclama socorro para não morrer(Pierre Aubenque), parece que
cabe ver nesses alardes em un{ssono uma perspediva até então não vislumbrada para o século XXI: o desaparecimento da Universidade ".'
Conclua-se ou não como esses autores, a Universidade vive uma crise. E
em Estado-Nação de desenvolvimento heterogêneo como o Brasil, uma
crise angustiante, pré-comatosa. "Merafábrica de habilitações (Patricio
Randle), supermercado de guloseimas (Bernardino Montejano), a Universidade dos nossoS tempos. apoiada na cosmovisão da aparência, abdicou, senão inteiramente, em muita parte, de sua autoridade moral e in-
telectual, pennitindo que, com um poder extraordinário, os meios de comunicação ocupassem o espaço e a tarefa que à Universidade estavam
destinados pela sociedade que a nutre. Apartada da tradição de sua cul·
tura, alheia de umafilosofia que a pudesse alimentar, cerrada aos pro·
blemas de seu tempp, a UniversidadeagonizaJaz-se moribunda,pede um
socorro que não se pode predizer chegue a ponto de recobrá-la ".10
A sociedade não se mostra satisfeita com sua Universidade. A própria comunidade universitária tambémjá não se aceita nos moldes como
funciona. Seus alunos não se conformam com o distanciamento entre
as necessidades do mundo é o acervo de conhecimentos que lhes é transmitido. Seus professores vivenciam desalento, vendo o paIs remunerar com generosidade os apresentadores de TV, os jogadores de fute'" RICARDO HENRY MARQUES DIP. "Para a retificação do ensino jur!dico no Brnsil". in Temas Aluais de Direito, edição comemorativa do Ju-
bileu de Prata da Academia Pautista de Direito, São Paulo: Ltr, coord.
Milton Paulo de Carvalho, 1998, p. 59.
". RICARDO HENRY MARQUES DIP. "Para a retificação do ensino jur!dico no Brasil'" cit., idem. p. 60.
__.J
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240
ÉTICA GERAL E PROASSIONAL
,
1
boI, as dançarinas do sensualismo e'a elesreservaruma carr~ira med(ocre, sem garantia de subsistência dignaquandoda aposentadoria. Quem
se dedica à pesquisa, depois de uma vida toda empenhada em estudos
e análises, não percebe o suficiente para sustenlar uma velhice digna.
Não há est(mulo para o estudo. Os premios para a cultura são simbólicos. O Governo, em fase de enxugamento, pretende sacrificar ainda mais
as dotações para a Universidade.
De situação tal não escapam nem as Universidades Católicas, nascidas no coração da Igreja e inseridas no sulcada tradição que remonta à
própria origem da Universidade como instituição, revelando-se sempre
um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saberpara o
bem da humanidade." .
.
.
.
A educação é necessidade a mais premente para Um país de terceiro
mundo. O terceiro milênio será a era do saber, erjgida sqpre O capital único do conhecimento. Essa constataçàoé um tru(smo, reiterado e recorrente em solenes proclamações..A implementação de um programa.consistente de educação para todos - sem contemplar idade, pois o projeta içleal
é continuado e para sempre-esbarra em I\lguns'óbices-de (ndole ética.
A educação é direito de todas e dever dO.&tado e dafamrtia e será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.12 A coexistência de instituições públicas e privadas de ensino" permite o desenvolvimento de significativo número de iniciativas. Nem todas poôem ser
consideradas padrões éticos de instituições educacionais.
Aos proprietários de escolas precisa acudir a límpida admoestação de Miguel Reale: "A educação tem, em verdade, como fim primordial aformaçãoe a realização da personalidade, o que significa aconstituição de um sujeito consciente de sua própria valia e, por conseguinte,
em condições de afirmare salvaguardar sua própria liberdad~"." Não
há perversão em se obter lucro com educação. Perverso é pensar ape101 .
••••••••••••••
A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIRErro
241
nas em lucro, em detrimento da excelência nos sistemas de aprendizado e ensino.
O novo currículo jurldico" representa significativa intenção de avan<;0 no estudo do Direit<l. Ele também gerou uma cultura de'lualidade
total no ensino, preocupando-se as mantenedoras em qualificar o pessoal docente, em-dotar as bibliotecas de elementos de consulta e empreparar os alunos para as provas{fe avaliação.
Está em causa, todavia, algo muito mais relevante. A Universidade
está sendo chamada a uma cont(nua renovação, pois "está em causa o
significado da investigação cieTÚ(jica, da tecnologia, da convivencia
social, da cultura, mas, maisprofundameTÚe ainda, está em causa o pró·
prio significado da homem "." Embora destinadas às instituições católicas de ensino superior, as disposições~onti<las na Constituição Apost6lica de João Paulo II sobre as Uni~rsidades Católicas podem representar um parâmetro seguro de atuaçãodos institut.<>s de ensino superior
em um Estado-Nação como o Brasil.
Toda Universidade, "enquanto Universidade, é uma comunidade
acadêmica que, dum moda rigoroso e crítico, contribui para a defesa e
o desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às comunidades/ocais, nacionais e internacionais"." Para bem desempenhar
sua tarefa, precisa de autonomia institucional e de garantia de liberdade acadêmica preordenada à salvaguarda dos direitos do indivíduo e da
comunidade, no âmbito das exigências da verdade e do bemcomum."
"" Ponaria 1.886, de 30.12.1994, do Ministro de Estado de Educação e do
D~porto, que fixou as diretrize~ curriculares e ocontelldo mínimo do curso
juridico.
"" JOÃO PAULO II, Alocução ao Congresso Inte~acional sobre as Universidades Católicas, 25.04.1989, n.34, AAS-18, 1989, p. 1.218.
"" La Magno Charta delle Universitd Erupee, Bolonha, Itália, 18.09.1988,
JOÃO PAULO lI, Constituição Apostólica sobre as Universidades Cat6~
Princípios Fundamentais.
/icas, de 15.08.1990.
'U, Anigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil.
"" Anigo 206, inciso !II, da Constituição da Repllblica.
'''' MIGUEL REALE, "Variações sobre a educação", O Estado de S. Paulo
de 31.10.1998.
".. CONcILIO VATlCANO II, Constituiçáb Pastoralsol>re a Igreja no mun·
do contemporâneo GawJium ti Sp ... , n.59, AAS·58, 1966, p.1.08Q, Gravissimum educationis, n. 10, AAS-58, 19Cí6, p. 737. Autonomia Institu·
cional significa queo governo de uma instituição acadêmica é e pe~ne­
ce interno à instituição. Liberdade acadêmiça é a garantia, dada a quantos
j
I
I
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!
1
242
anCA GERAL E PROFISSIONAL
A consciência das fi nalidades de uma Univernidadeque pretenda subsistir no lerceira milênio conduzirá a uma coesão de princípios, com o trabalho em comunhão d.os dirigentes, dos prafesso(1:S, dos alunos e do pessoal administrativo. Ea Universidade imbuída de sua responsabilidade ética
é solicitada a ser instrumento cada vez mais eficaz de desenvolvimento
<:ulturnl para os indivíduos<! para a sociedade.. "As suas atividades de investigação, portanto, incluirão o estudodos,graves probleflUls contemportineos, como a dignidade da vida humana, a promoção dajustiça para
todos, a qualidade da vida pessoal efamiliar, a proteção da naJurew, a
procura da pato e da estabilidade pol{tica, a repartição fIUlis equélnime das
riquezas do mundo e uma nova ordem económica e poUtica, que sirva
melhora comunidade humana em n{vel nacional e internacional. A investigação universitária será dirigida a estudar em profundidade as ra(7.es e
as causas dos graves problemas do nosso tempo, reservando atenção es-.,
pedal às suas dimensões éticas e religiosa!. "lO
A responsabilidade ética da Univernidade num Estado-Nação de
miséria crescente é de evidência palmar.20 Essa a Instituição especificase dedicam 80 ensino e à. investigaç!o de, no âmbito do seu campo específico de conhecimento e de acordo com os métodos pr6prios de tal área,
poder procurar a verdade em toda a parte onde a análise e a evid~ncia 8S
conduzam, e de poder ensinar e publicar os resultados de tal investigação,
tendo presentes os critérios de salvaguarda dos direitos do indivíduo e da
comunidade, das exig!ncias da verdade e do bem comum.
"" JOÃO PAULO II, Constituição Apost6/ic~ sobre as Universidades Cat6licas, cit .. idtm.
"" O relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, intitulado Enfrentando a Du/gualdade na Amtrica Latina, divulgado el1l novembro de 1998, constata que a Am6rica Latina6 a regiao do mundo que exibe
a maior desigualdade de renda e o Brnsil6 o campeao absoluto da categoria. Os 10% mais ricos do Pars detem 47% da renda nacional, ou 58 vezes
mais do que os 10% mais pobres. E ofenOmeno está intimamente vincula4
do à educaçDo. O tempo da escolaridade entre os 10% mais ricos 6 de 10.53
anos. enquanto entre os !O% mais pobres 6de 1,98. Apenas 19% dentre os
mais pobres completam o curso primário'. E quem sfto os mais ricos? São
pri ncipalmente empregados e profissionais que recebem uma alta taxa de
retomo por suaeducaçAo e experiência. As diferenças de escolaridade são
transmitidas de uma geração a outra pela ramma. pela mnsferência de
,
A trlCA DO ESTUDANTE DE DIREITO
243
mente destinada a reformaro mundo. assegurando a verdade que liberta
e promovendo a consecução dos objetivos nacionais rumo à edificação
de uma comunidade jus!a, fraterna e solidária. É da Univ,ersidade que
poderia provir a alternativa ao esvaziamento da cidadania. fenômeno
reiteradamente constatado por José'Eduardo Faria: ..... a simbiose entre
aero.ão da ordem estatal e a conversão do mercado em árbitro das tlecisõesfinais desarticula os mecanismos de formação das vontades coletivas, mina a efetividade da ação redistributiva<ios governos, dissolve a
distinção entre público e privado e esva7.ia o papel transformador das
práticas po/{ticas. Como nesse contexto a cidadania simplesmente se
esvanece, ao impedir a democracia de assegurar padrões mlnimos de
igualLiade material e integraçõo social, a simbiose entre Estados fracos, governos impotentes e mercados cada ve7.fIUlisdesregulamentados
e autônomos também liquida todo um padrão ético e toda um sistema de
direitos constru{dos em torno de valores como o respeito à dignidade
humana e às liberdades públicas"."
Abandone-se a sua destinação episódica de legitimadora de requisitos para o exercício profissional ou de mera mercadora de diplomas, para
assumi r-se como instAncia privilegiada de repensamento do pacto social.
Afinal, a Universidade é a fábrica da educação. E a idéia da educação foi
concebida como "condição imprescind(velpara quea história, tal como
recursos que os pais fazem quando limitam seu consumo para pagar pela
educação dos filhos, que gozarão dos beneHeios do capital humano .cumulado no merendo de trabalho futuro. As informações necessárias estão
na página do BID da Internet - http://www.iadb.org.
nu JOSÉ EDUARDO CAMPOS DE OLIVEIRA FARIA. O direito na economia g/obaliltlda, Malheiras-Editorial Trotta. no prelo. A visão do sociólogo e Mestre da USP 6 pessimista: "Por ironia, tudo isso vem ocor-
rendaJustamente quando aDtc/araç40 Uni ••naldos Direi/os do Homem ,
forjada COInÔ resposta slmb6lica às barbdries da 2. -Guerra, completa seu
primeiro cinqlJentenário. Com a exclusão social trivializando o desrespeito sistemático de seus princfpios, comprometendo ofuturo imediato das
novas gerações por falta de oportunidades profissionais, tornando os
mecanismos representativos mant'pulávcis pela demagogia, pelo messianismo, pela xenofobia e pelo cinismo. abrirido caminho para formas tardias defascismo e levando a banalitaçdo da violência autodefensiva por
parte dos incluldos, hd motivos para alguma comemoração?".
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I
244
ÉTICA CERAL E PROFISSIONAL
foi postulado pelo filósofo Benedetto Croce, seja efetivamente afaçan"a da Iiberdade.Jruroda ~ducação, outrora mo=nto inicial daformação do homem e, já agora, exigência perene que acompanha o homem ao (ongode toda asua~xistência. Vivemos! com efeito. num mundo
tão marcado pelas constanles mudanças-que, dia a dia, nos reciclamos,
isto é, nos educamos, tanto para enriquecimento interior como para nos
tornarmos aptos a viver com a virtude da contemporaneidade" .22
A Universidade brasileira tem uma hipoteca a resgalar junto aos exclufdos. Seo não fizer, terá decretada a sua insolvência moral, apressando o seu destino rumo ao nada, como anteveem não poucos pensadores
contemporâneos.
7.8 O futuro ético da Universidade
Acomunidade foi despertada para areivindicação participati vae tem
adquirido treino social progressivo. Já se~eivindica mais,já se fIScaliza
a atuação do homem público edas instituições,já se<:obraI!) coerência e
transparência. Parece chegado o mOmento de inverter a perversa equação reinante, traduzível por uma insensibilidade quanto à coisa pública, considerada res nul/ius (coisa sem dono).
AUniversidade poderá colher os frutos dessa participação consciente
da cidadania. A conquista de estágio mais condigno para a nação brasileira, aspiração de um Estado de Direito de índole democrática, está condicionada a um salto qualitativo na educação. E um projeto consistente
de educação integral se subordina à formação de quadros, tarefa indelegável da Universidade.
'
A preocupação com uma educação mais consistente, otimizadora de
seus instrumentos e resultados, não é apenas brasileira. Mas o Brasil é
um país que necessita muito mais do que os outros de um tratamento sério
para o tema. Todos os males brasileiros residem na educação. Miséria,
exclusão, corrupção, maltrato da coisa pública, destruição da natureza,
violência, nada existe de ruim que não possa ser atribuível à falência do
projeto educativo de uma sociedade heterogênea.
A Educação para o presente século, o século XXI, se assenta sobre
quatro pilares: aprender'a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos
(UI
MIGUEL REALE, Variações sobre a educação, cit., id~m, ibidem,
1\
I,
A ÉTICA DO ESTUDANTl! DE DIREITO
245
e aprender a conhecer." Na visão de Basarab Nicolescu, Presidente do
Centro Internacional de Estudose Pe<quisas Transdisciplinares-CIRET,
"há uma transrelação que liga 10' qualro pilares do nova sistema de
educaçllo e que /em sua origem em nossa própria constiluição como
seres humanos. Uma educação só pode ser viável sefor uma educação
inleg raldo ser humano. Uma educação que se dirig~ à tOlalidade aberta
do ser humano e não apLnas a um de seus componentes ".l4 Depende
detoda a sociedade brasileira investir nesses quatro pilares, para converter a Universidade em um centro de transformação do mundo, muito mais do que u\TI espaço fechadode diletantismo e esgrima entre inteleetualidades vaidosas.
A educação do futuro precisa ser tcansdisciplinar. Estão superadas
as compartimentações. Antes da multiplicação preservada de formulações medievais - esse o modelo universitário ainda vigente e reproduzido sem criatividade - é mister oferecer um novo paradigma de
ensino neste século.
Edgar Morin aceitou o desafio de aprofundar a visãotransdisciplinar da educação, atendendo a uma solicitação da UNESCO. Produziu
um texto instigante, quedenominou Os Sele Saberes Necessários à Educaçllo do Fuluro, e este pode ser um ,roteiro para os atuais estudiosos da
questão educacional.
O primeiro dos saberes contempla as cegueiras do conhecimento: o
erro e a ilusão. Segundo o próprio Morin, "é impressionanle que a educaçllo que visa a Iransmilir conhecimenlos seja cega quanlo ao que é o
conhecimenlo humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades,
lendlncias ao er.ro e à ilusão, e não se preocupe emfazerconhecer Oque
é conhecer".iJ É essencial introduzir e desenvolver no processo educacional o estudo das caractensticas mentais e culturais do conhecimento,
com vistas a evitar o erro ou a ilusão.
"" Estes quatro pi",res são aqueles indicados pelo Relatório DeloIS, assim
chamado pois coordenado por Jacques Delo,", pela Comissão Internacio·
nal sÔbre a Educação para o Século XXI. Ler Os sele sabe,es necessários
à educação do fUluro, Edgar Morin, s~o Paulo/BrasOia, Editora Cortez,
Unesco, 2000. p. 11.
tt" EDGAR MORIN, Os sele saberes, cit.. idem. Ibidem.
(ln EDGAR MORIN,op. cit.• ,;d~m. p. 13·14.
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246
1IT1CA CIlRALI! PROFlSSiONAL
o segundosabtrdiz com os princfpios do conhecimento peninente.
A técnica da compartimentação na transmissão do conhecimento impede a apreensão do conjunto, rompe o vfnculo entre partes e totalidade.
Cumpre fazer com que sejam apreendidos os objetos em seu contexto,
sua complexidade e seu conjunto.
Como terceiro saber está o ensino da condição humana. "O ser humano é a ums6 tempo/fsico, biol6gico, psrquico, cultural, social. hist6rico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por =io das disciplinas. lendo-se tomado impossrvel aprender o que significa ser humano"." Investindo nesse saber. capacitar-se-áo indivfduo a reconhecer a unidadee a complexidade humana. O ser educando poderá, a partir{jele, tomar consciência de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos.
Ensinar a identidade terrena é o objeto do quarto saber. A chamada
globalização, que teve infcio muito antes do que se convém afirmar, mas
já existia no século XVI, deve ser encarada sob a ótica da solidariedade.
A humanidade partilha de um destino comum. Basta examinar as agressões causadas à natureza. O efeito estufa não interessa apenas aos mais
agressivos dentre os emissores de carbono. O suicfdio da humanidade é
obra coletiva e ninguém se salvará sozi nho se a Terra vier a perecer.
O quinto saber é enfrentar as incertezas. Se as ciências permitem que
tenhamos hoje muitas certezas, ainda perduram as zonas de incerteza. Nossa
educação tradicional se preocupa<:om a transmissão das certezas e se descuida de abordar as incertezas. Estas são muito maiores. Os teoremas esUio quase todos resolvidos. Mesmo assim, insiste..se em submeter os alunos ao suplfcio de resolvê-los, assim como às equaçÕes e logaritmos. Aindaexiste preocupação com a memorizaç!o das fórmulas qufmicas e com a
classificação sintática das palavras e das expressões na frase.
Será que isso contribui, efetivamente, para tornaroeducando um ser
mais crftico, consciente e, a final, mais feliz?
A Escola precisa preparar para a vida. E a vida oferece mais imprevistos do que o previsfve\. A Universidade repete o conhecimento já
mastigado e sedimentado, sem fornecer ao alunado as eslratégias hábeis
ao enfrentamento do inesperado. Lembra Morin, '" preciso aprender a
I
A rnCA DO ESTUOAI'ITE DE OtRErro
navegar em um oceano de incerte1.Qs em me;o a arquipélagos de certez""." E completa: "Af6rmu/a do poeta grego Eurrped.., que data de
vinte e cinco séculos, nunca/oi tão aluai: o esperado não se cumpre, e
ao inesperado um deus abre o caminho. O abandono das concepções
deterministas da história humana, que acreditavam poder predizer no.'iSO
futuro, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres de nosso sépulo, todo.'i inesperados, o caráter doravante desconhecido da aventura
humafUl devem-nos incitar a preparar as mentes para esperaro inesperado. paraenfrentú-/o. É necessário que todos o., que se ocupam da educação constituam a vanguarda ante a incerteza de nossos tempos ". li
O sexto saberé O ensino da compreensão. Embora sendo meio e fim
da comunicação humana. a compreensão é ignorada pela educação convencionaI. Dela apenas se ocupam as confissões religiosas e essa transmissão é considerada propagandística, vinculada a objetivos salvíficos
e, como regra, pouco respeilada pela comunidade cientffica. Adverte
Edgar Morinque "oplanetanecessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua"" Sem compreensão não haverá espaço para a verdadeira
democracia, nem para aedificaçãode uma sociedade menos infqua. Para
haver compreensão, haverá necessidade de reforma de mentalidades. Este
um dos principais objetivos da educação do presente.
À compreensão s6 se chegará se houver conhecimento mais preciso
do que é a incompreensão. Mergulhando no estudo das causas e rafzes da
incompreensão humana, saber-se-á imunizar o homem contra o preconceito, o racismo, a xenofobia, o desprezo, a indiferença, a insensibilidade. Haverá, com isso, condições mais propfcias para o reconhecimento
do outro, de seu espaço e de seus direitos, um dos dramas da vida democrática. Conhecendo-se a incompreensão e suas causas, estar-se-á educando para a paz, destino ao qual a humanidade precisa estar vinculada,
por essência e fnsita destinação.
O último dos saberes é o mais importante para estas reflexões, pois
incide sobre a ~tica do gênero humano. Explica-o. com palavras muito
lúcidas, o formulador Edgar Morin: "A educação deve conduzir à antro(211
(lIl
nO!
EDGAR MORIN. op. cit.. idem. p. 14-15.
247
(191
EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 16.
EDGAR MORIN, op. cit., idem. ibidem.
EDGAR MORIN, op. cit .. idem , p. 17.
•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
248
ÉTlCA GERAL EPROFlSSIONAL
po-ética, levando em conta o caráter ternário da condição humana, que
é serao mesmo tempo indivfduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a itica
indivíduo/espécie necesista do controle mútuo da sociedade pelo indiv(duo e do indivIduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indiv(~
I
duo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre ".)0
A educação ética é a alternativa mais eficazde tornarcada indivíduo
uln zeloso conlrolador da vida democrática. O melhor terlTlÔmelro dos
índices democráticos é a vigilância ativa porparte de uma cidadania consciente. Não se ensinará tal ética apenas mediante lições de morai. Será
mais eficienle semeá-Ia nas mentes juvenis -nilo necessariamente juvenis em termos cronológicos. mas em vista da vontade de transformar o
mundo-com fundamentos na consciência de que o homem não é um ser
uno e isolado. Cada homem é. simultaneamente. indivIduo. cidadão e
parcelada espécie. A tríplice realidade impõe um desenvolvimento também complexo. O desenvolvimento verdadeiramente humano precisa
autonomias indiviabranger o crescimento em plenitude e conjurito
duais. das participações comunitárias e da consciência de pertença à espécie humana, a mais nobre dentre as criadas.
Uma Universidade fundada sobre os quatro pilares e empenhada em
desenvoler esses novos saberes será um laboratório de vida democrática e
uma usina produtora da compreensão. Ocampo está aberto para tentaressa
nova utopia. Há lugar para isso. Não apenas porque o projeto deexpansilo
educacional promovido pelas autoridades brasileiras acredita num processo
de decantação natural. com futura sobrevivência das boas escolas e sufocamento das más. todavia por um outro motivo mais profundo.
Éque as utopias estão na moda. Estão sendo revigoradas. "Normalmente a mudança de idéias precede às mudanças sociais, não o contrário. Assim, uma descoberta cientifica acontece às vezes por acaso, mas
uma visão nova (uma revolução ciend./ica. no dizer de Thomas Kuhn
anterior tornou-a possível. (". Deste modo. é possível definir o sentido
atual de utopia. Antes de ser o produto de uma mente genial trancada
em um gabinete. ela é resposra a uma siruação e a um problema comum,
ela é uma aspiração partilhada "."
ails
"'" EDGAR MORIN, op. cil., itkm, ibidem.
"" PHILIPPE J. BERNARD. Perversões da utopia moderna, Bauru-SP,
EDUSC, 2000, p. XVI.
1,
A ÉTICA DO ESTUDANlB DE DIREITO
249
Essa aspiração partilhada já está disseminada. Todos os seres lúcidos se preocupam com a Universidade brasileira, com suas falhas e suas
carências. Divide-se. no sentido exato de partilha, o sonho de uma Universidade essencialmente ética. A etapa essencial é a primeira. Depois
dela. inexoravelmente, virá o agir.
Muitos há que estão desesperançados com o elevado número de faculdades de direito. Será que, efetivamente, os "nichos de excelência"
vão suplantar as más escolas, aquelas que na verdade estão a "vender
diplomas" a seu alunado. geralmente o alunado mais pobre e menos preparado a obter uma vaga em universidade pública?
O tema da deficiência do ensino jurfdico não é novo. Já em 1955. em
aula inaugural da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, San
Tiago Dantas salientava a perda de credibilidade do direito como técnica
de controle social. Recomendava a reformado ensino como alternativa a
essa derrocada: "O ponto de onde;.a.l7Uu ver, devemos partir, nesse exame
do ensino que hoje prtiJicamos, /ia dejiliíçâo do pr6prio objetivo da educação jur(dica. Quem percorre os programas de ensino das nossas escolas, e sobretudo quem ouve as aulas que nelas seproferem. sob aforma
elegante e indiferente da velha aula-douta coimbrâ, vê que o objetivoarual
do ensino jur(dico é proporcwnar aos estudantes o conhecÚMnto descritivo e sistemárico das instituições e normas jur(dicas. Poder(amos dizer
que o curso jur(dicoé. sem exagero. umcúrso de institutosjurrdicos, apre:
sentados sobaforma expositivo de tratado te6rico-prático"."
Aparentemente pouco teria mudado. Muitos especialistas se detêm
a formular propostas de renovaç.ão do ensino juddico e continuam a se
frustrar, Paulo Luiz Netto Lobo. ao prefaciar alentada obra de Horácio
Wanderley Rodrigues. observa: "a reforma curricular, por si s6. não
resolve o problema da elevação da qualidade"." Todavia, também ao .
aperfeiçoar currículo se investe na renovação do ensiná jurídico. Hoje,
as diretrizes curriculares devem contemplar: "a perfil do formandol
egressolproflSsional- conforme o curso, O projeto pedag6gico deverá
"" DANTAS; San Tiago, "A educação jurídica e a crise brasileira". encontros da UNB. Ensino Jurfdico Brasnia, UNB, 1978/1979, p. 52.
"" PAULO LUIZ NE'ITO LOBO. apresentação de Ensino do Direito no
Brasil, Horácio Wanderlei Rodrigues e Eliane Botelho Junqueira. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002.
• ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
250
lITICA GERAL B PROFISSIONAL
orientar O curnculo para um perfil profissional desejado; b competência, habilidades/atitudes; c habilitações e ênfases; d conteúdos curriculares; e organização docurso;J estágios e atividades complementares; g acompanhamento e avaliação ..."
Examinar se a sua faculdade de direito está a contemplar cada uma
dessas diretrizes é um bom começo para o aluno que pretender um ensino
de qualidade. Para a finalidade desta obra, interessante anotar<jue hoje a
ética geral e profissional surge no novo texto normativo de forma autOnoma. Corrigiu-se o equívoco epistemológico da revogada Portaria MEC1886/94 que, ao integrá-Ia na filosofia, confundia as esferas muito diversas. Estudar ética passou aserobrigat6rio desde 1997, Ue sua manutenção
éfundamental dentro de uma imjpos/à que visa trabalharcompet2ncias e
habilidades, tendo por base um perfil proposto para o formando"."
Seja qual for a proposta das novas escolils de direito - formação de
. advpgados para empresas, formação de advogados para as relações internacionais - ALtA, Mercosul- ou formação de profissionais para as
car:reiras pdblicas - magistratura, Ministério POblico, Procuradorias,
Defensorias, Policias -, a contemporaneidade reclama um operador jurídico essencialmente ético. A ética é muito mais importante do que o
conhecimento jurídico, pois, se o profissional tiver ética, sem dúvida
cuidará de suprir suas deficiências técnicas. Já pelo contrário, só o tornaci mais lesivo aos interesses do desenvolvimento moral do Brasil.
PARA REFLEXÃO EM GRUPO
I. A base da educação ética deve ser ministrada no lar ou na escola?
2. A utilização de cola ou outros meios de obter boas notas, considerada a facilidade de aprovação na escola particular, ainda constitui
falta ética?
3_ Representa infração ética a contratação de profissional para a elaboração de trabalhos científicos e para organizar a monografia exigível
para encerramento do curso de Direito?
".. HORÁCIO WANDERLEI RODRIGUES e ELlANE BOTELHO JUNQUEIRA, Ensino do DIreito no Brasil, cit., idem, p. 60.
"" HORÁCIO WANDERLEI RODRIGUES e ELlANE BOTELHO JUNQUEIRA, op. cit., idem. p. 79.
1
A ÉTICA DO ESTUDANTE Da DtREITO
251
4. Existe alguma falha ética na concepção de que é legitima a multiplicação das Escolas de Direito, pois no futuro as boas escolas sobreviverãoe sufocarão as deficientes?
5. A Universidade brasileira caminha rumo a um despertar ético ou a
um anestesiamento da consciência, diante do volume e intensidade de
suas deficiências?
6. A função de preparar juízes é da universidade ou do Poder Judiciário?
7. A função de preparar promotores é da universidade ou do Ministério Público?
8. Como deveria ser o concurso de..-ecrutamento para as carreiras
jurídicas?
9. O ensino do direito deve continuar a ser baseado no processo, na
postura adversarial, ou abrir-se para outras alternativas de realizaç§o
do justo?
10. Quais seriam as perspectivas do profissional do direito no sécu lo XXI?

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