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AFRICADEUS: REPERCUTIR O DA MÚSICA NEGRA N N A Á V A S C O N C E L O S HARMONIPAN Índice: p4. NA NÁ VA S CON C E L O S A F R I C A D E U S : O R E P E RC U T I R DA M Ú S I C A N E G R A A MÚSICA NEGRA NO BRASIL Autor: Manuela Nascimento, Mestre em História Regional. p15. N A N Á VA S C O N C E L O S Biografia Naná Vasconcelos p27. O B R A S Naná Vasconcelos em colaboração com outros artistas. p32. D I S C O G R A F I A O livro contém um CD com as músicas originais do disco “Africadeus” lançado1972. Material paradidático em formato Livro + CD. Re-edição Africadeus no Brasil. Projeto contemplado no edital FUNARTE Arte Negra. Título Original: Africadeus: O Repercutir da Música Negra. Naná Vasconcelos. Edição: Primeira, 2014 © 2014 Harmonipan Studio. w w w. a f r i c a d e u s . c o m DISTRIBUIÇÃO GRATUITA. PROIBIDO A VENDA. p34. M E M Ó R I A S Entrevista Naná Vasconcelos por Juci Reis. p46. B I B L I O G R A F I A E F O N T E S C O N S U LTA DA S p47. C R É D I T O S p48. A G R A D E C I M E N T O S MÚSICA 4 MÚ SI CA NE GRA NO BRA SIL NEGRA NO BRASIL Dentre as formas negras de auto-inscrição a música, é, sem dúvida, uma das expressões mais sublimes. Capaz de carregar elementos sagrados e ancestrais das diferentes culturas presentes no Brasil, a música negra tem demonstrado seu caráter inventivo e moderno, quando é amplificada nos pulsantes sound systems, ou, simplesmente, quando ecoa de reverberantes tambores. Nesse sentido, o fenômeno da música afro-brasileira tem merecido a nossa atenção por sintetizar em suas letras, ritmos e danças, um universo de sensações, que ultrapassam a barreira da simples audição configurando-se como um dos elementos fundamentais da cultura negra no Brasil. Foi no interior da conjuntura escravista com toda sua violência e segregação racial, que as populações negras reconstruíram “pequenas Áfricas” pelo Brasil. Áfricas que foram recriadas num espaço social e historicamente diferente e extremamente plurais. Recriadas no interior e fora das senzalas, nos aglomerados urbanos das cidades brasileiras, nas áreas rurais, nos quilombos, no seio da família escrava, família essa que ia além dos laços sanguíneos incluindo as mães, pais e irmãos de santo ligados pelas religiões afrobrasileiras guar1 diãs de grande parte da memória dos escravizados no país. Foi nesse refazer de Áfricas no Brasil que toda sonoridade e estética negras geraram variações rítmicas que foram do lundu ao jongo e o caxambu no sul e sudeste do país, aos diversos tipos de coco (de cordão, de parelha, de roda, virado, bambelô) pelo norte e nordeste, até os variados estilos de samba (de 5 BRASIL NO NEGRA MÚSICA 6 roda, lenço, rural, maculelê, bate-baú, partido-alto e tambor de 2 crioula) espalhados pelo país . Contrariando as hierarquias, desconcertando as vanguardas intelectuais, as músicas criadas pelos pretos, escravizados, ou ex-escravos, autodidatas ou estudiosos se transformaram em verdadeiras plataformas de discurso, onde homens e mulheres negras traduziram em notas, toques e acordes o terror da escravidão, as angústias de uma liberdade limitada, as tradições religiosas afrocentradas reconstruídas e reformuladas nas Américas e, inclusive, o desejo de uma vida boêmia ou, de uma vida com amor/amores e o desejo de outras felicidades. Cantava-se para trabalhar. O canto de trabalho fez e faz parte, do cotidiano das populações negras seja no Brasil ou em outras partes do território das Américas para onde foram levados africanos para o trabalho compulsório. Grande parte dos ritmos musicais marcadamente negros surgiu de cantos de trabalho no plantio ou na colheita, entre os carregadores de rua que enquanto faziam movimentar tudo que precisava ser carregado nas cidades e nos cais entoavam cânticos que ditavam o ritmo do trabalho. Cânticos que eram a expressão dos desejos por liberdade, cantos subversivos que teciam críticas ao regime escravista o tempo in3 teiro e sem branco perceber! A música assim como a religiosidade foram as expressões elementares da visão de mundo africana trazida para o Brasil. Canta-se pra trabalhar, canta-se para o santo “baixar” e se canta para o santo “subir”. Nas religiões afrobrasileiras a música é o elemento primordial para o início de qualquer cerimônia. São os diferentes ritmos ditados por instrumentos percussivos, como os três atabaques pre4 sentes no candomblé baiano o rum, o rumpi e o lé , chocalhos, toques e cantos que ditam o início, a continuidade e o fim das 7 “A música afrobrasileira encontra em Africadeus os elos que nos ajudam a compreender a formação da música negra no país traduzida em memória, ancestralidade, sonoridades e performance do corpo que produz música.” BRASIL NO NEGRA MÚSICA de esquerda a direita collin wolcott, don cherry e naná vasconcelos 8 9 cerimônias religiosas. A música “estabelece a comunicação com o mundo invisível das divindades”5. Os toques identificam as divindades e quem toca segue o ritmo dos deuses. A herança musical das religiões afroancestrais recriadas no Brasil é mais um dos elos da nossa tradição sonora. As performances musicais encontraram na memória dos que aqui chegaram seu veículo de transmissão. Memória, oralidade, narrativas e imagens formam outro conjunto de tradições afrobrasileiras contidas nos folhetos de literatura de cordel e nas disputas entre cantadores no Nor6 deste brasileiro. Os cantadores negros entoavam nas feiras livres as sagas de vaqueiros, as vozes do sertão, lutas por sobrevivência e 7 contra as desigualdades. A tradição oral foi o traço das tradições “pequenas Áfricas” pelo Brasil. Áfricas que foram recriadas num espaço social e historicamente diferente e extremamente plurais. BRASIL NO NEGRA MÚSICA 10 africanas que mais resistiu ao processo de escravidão no Brasil e se conecta com todos os territórios para onde foram levados os povos de África. O sujeito escravizado que desembarcou nu conseguiu conservar em sua mente aquilo que não se perdeu, a memória do 8 corpo foi recuperada através da música, da dança e do conto. Mesmo passando por tentativas de silenciamento, as tradições africanas na literatura e no canto de cordel estão ligadas a tradição dos griots, grandes mestres africanos contadores de histórias, músicos, poetas que percorrem cidades animando os espaços populares levando 9 música e sabedorias por onde passam. A musicalidade dos mestres cordelistas que mesmo tendo muito pouco acesso ao letramento formal nas escolas, já que as populações egressas da escravidão não tinham direito a alfabetização e no pós-abolição, só o ensino noturno era permitido aos negros, tornam as narrativas dos folhetos e os cantos de cordel preciosos documentos da poética, da luta política e da performance das populações afronegras. A memória contribuiu para a reconstrução da música negra no Brasil. Essa memória musical negra que possui diversas raízes agregou ao longo de sua formação novas tecnologias e linguagens que podem ser encontradas hoje, por exemplo, na cultura hip hop que integra música, poesia, grafite e dança ecoando nas periferias do mundo as vozes dissonantes da modernidade. Nas periferias de todo o Brasil, traços rítmicos das populações negras são, cotidianamente reinventados, seja nas aparelhagens, carimbós e guitarradas, nos sambas, pagodes, axé music e forrós, na música funk carioca, no rap e nas músicas do sertão. A força dessa memória auditiva que consegue agregar ancestralidade e modernidades são a marca da música negra e de seus artistas. Dessa forma, o projeto Africadeus vem no intuito de fazer ecoar o som da música negra em toda sua riqueza e trajetória sincopada com suas tradições afroancestrais. A obra do percussionista e multinstrumentista pernambucano Naná Vasconcelos, que já completou mais de quarenta anos só foi lançada na França em 1972 e, não por falta de tentativas, não havia ainda sido lançada no Brasil expressa de maneira transcendental as conexões sonoras, percussivas e vocais da música afrobrasileira. A música afrobrasileira encontra em Africadeus os elos que nos ajudam a compreender a formação da música negra no país traduzida em memória, ancestralidade, sonoridades e performance do corpo que produz música. 11 Robertinho da Silva, Naná Vasconcelos e Milton Nascimento. naná vasc onc e los africa d eus 1972 Despois de 30 anos, Africadeus é finalmente lançado no Brasil em formato de CD livro. Músicas originais do disco Africadeus: 1. Africadeus 2. Aboios 3. Seleção de Folclore 14 N A N Á AFRICADEUS VA S CON CE LOS B I O G R A F I A 15 B I O G R A F I A Nana Vasconcelos multi-instrumentista brasileiro é o reflexo de uma Brasil plural. De um afro-brasil revestido de cores, formas e ritmos. Naná foi percussionista da Banda Municipal do Recife. Tocou maracás também em gravações na Rozenblit, em discos de frevo com Nelson Ferreira e acompanhou algumas vezes os cubanos da Sonora Matancera, com Bievenido Granada, El Bigode que Nos anos 70 Naná Vasconcelos tocou com grandes nomes da música internacional, como Pat Metheny, B.B. King e Paul Simon. canta, que vinha gravar no estúdio da Estrada dos Remédios. Hoje é mestre do berimbau, conhecido instrumento de percussão, de origem africana, com o qual se acompanha a capoeira. Como mesmo afirma “ o berimbau me reinventou”. Começou a estudar o berim- 16 bau, de forma instintiva, depois de participar do musical folclórico Memórias de Outros Cantores, realizado em 1966 no Recife. Antes de Naná, a percussão estava condicionada aos tocadores de pandeiros, tambores, tumbadores, maracás e bangôs. Naná percebeu as inúmeras possibilidade do berimbau e dedicou-se em explorar todas as potencialidades do instrumento. Os experimentos ocorriam a partir da percepção aguçada das peças sonoras de Jimi Hendrix. O senso de improvisação do guitarrista americano mostrou-lhe as ilimitadas possibilidades dos instrumentos. Passando a tocar berimbau de uma forma completamente distinta a dos ritmos que eram da capoeira tradicional. Depois de tocar por algum tempo em cabarés e bandas de Recife, mudou-se em 1966 para o Rio de Janeiro, onde conheceu Luiz Eça, Wilson das Neves, Gilberto Gil, e passou a acompanhar Milton Nascimento e o Som Imaginário. 17 R A A Não Falei de Flores)”, G I F nhou Geraldo Vandré no show “Caminhando (Pra Não Dizer que logo interditado pela O Flauta e Geraldo Azevedo) em 1968, mesmo ano em que acompa- censura. I Participou do Quarteto Livre (com Nelson Ângelo, Franklin da foi convidado para B integrar a turnê do Em 1970 saxofonista argentino Gato Barbieri pelos Estados Unidos e Europa. Com Barbieri, Naná ganharia mundo, 20 mas o antes gravou, na Argentina, um LP (long-play), disco fonográfico, cuja trilha sonora é g r a v a d a e m microssulcos, hoje substituído pelo CD (disco óptico), intitulado El incredible Naná com Augustin Perreyra Lucena. Naná radicou-se em Paris, onde gravou seu primeiro disco, “Áfricadeus”. Segundo o artista em entrevista: “Africadeus foi um Naná radicou-se em Paris, onde gravou seu primeiro disco, “Africadeus”. redescobrir de um instrumento, o berimbau”. Em 1973 gravou no Brasil “Amazonas”, um disco que se tornou um marco na combinação de percussão e voz na MPB. De volta ao Brasil, trabalhou com Egberto Gismonti por oito anos, tendo gravado juntos três álbuns, entre eles o aclamado “Dança das Cabeças”. Nos anos 70 Naná Vasconcelos tocou com grandes nomes da música internacional, como Pat Metheny, B.B. King e Paul Simon. Já se apresentou como solista 21 A I F A R divulgação internacional do berimbau. Dados Artísticos: I de instrumentos de percussão, Naná Vasconcelos contribuiu para a B By Law”, de Jim Jarmush). Além de dominar uma grande variedade G com dançarinos do Bronx e fez trilha sonora para cinema (“Down O acompanhado por orquestras sinfônicas, excursionou pela Europa Iniciou sua carreira profissional em Recife, tocando bateria em cabarés. Mais tarde, foi percussionista da Banda Municipal lo- Em 1979, gravou o LP “Egberto Gismonti & Naná Vasconcelos & Walter Smetak” cal. Acompanhou Gilberto Gil em shows pelo Nordeste. Em 1967, viajou para o Rio de Janeiro, onde conheceu Maurício Mendonça, Nélson Angelo, Joyce e Milton Nascimento, com quem atuou na gravação de dois LPs. 22 No ano seguinte, seguiu para São Paulo. Ao lado de Nélson Angelo, Franklin e Geraldo Azevedo, fez parte do Quarteto Livre, que acompanhou Geraldo Vandré em “Pra não dizer que não falei de flores” na fase paulista do III Festival Internacional da Canção. Em 1969, apresentou-se com Gal Costa no Curtisom e no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Regressou ao Rio de Janeiro, formou o Trio do Bagaço, com Nélson Angelo e Maurício Maestro, apresentando-se, com o grupo, no México, a convite de Luís Eça. Atuou na trilha sonora de “Pindorama”, filme de Arnaldo Jabor. Nessa época, conheceu Gato Barbieri, com quem viajou para Nova York (EUA) para a gravação de um disco. Nesta cidade, participou de festivais de jazz, como o de Chateau Vallon, e gravou com Jean-Luc Ponty, Don Cherry, Roff Kün, Oliver Nelson e Léon Thomas. Mais tarde, viajou para a Europa. Fez contato com gravado- ras parisienses através de Pierre Barrouh. Apresentou-se no Teatro Ranelagh e foi convidado a gravar com Joachin Kunhu, na Alema- 23 A F A fazendo pesquisas. Seu primeiro LP, “Africadeus”, foi gravado no exterior. Ainda na Europa, compôs a trilha sonora de uma novela para a televisão francesa com temas brasileiros. Em Portugal gravou um disco no dialeto angolano quimbundo. B I O Seguiu, depois, para a África, onde permaneceu durante seis meses R um show. Atuou durante dois anos com o Quarteto Iansã, na Europa. G Í nha, seguindo, depois para Montreux (Suíça), onde realizou mais No ano de 1972, retornou ao Brasil e apresentou, no Tea- tro Fonte da Saudade, o material com que participou de festivais e gravações com Don Cherry, Tony Williams, Art Blakey, Miles Davis e Oliver Nelson, entre outros, utilizando instrumentos de percussão como o berimbau e a queixada de burro. Nessa apresentação, interpretou o repertório de seu disco “Africadeus” e uma bachiana 24 de Villa-Lobos, regendo um coral e atuando como único músico do show. No ano seguinte, gravou seu segundo LP, “Amazonas”, lançado pela Philips, mesclando o ritmo brasileiro ao folclore africano. Ainda na década de 1970, voltou a Paris, onde realizou um trabalho com crianças excepcionais.Trabalhou durante oito anos com Egberto Gismonti, com quem gravou, na Alemanha, o LP “Dança das cabeças” (1977), nomeado Álbum do Ano pela “Stereo Review” e premiado com o Grober Deutscher Schallplattenpreis. Em 1979, gravou o LP “Egberto Gismonti & Naná Vasconce- los & Walter Smetak”. Nessa época, transferiu-se novamente para Nova York. Atuou com artistas internacionais como Pat Metheny, B.B. King e Paul Simon. É autor da música de “O sertão das memórias”, filme de José de Araújo. Já em 1997, voltou ao Brasil para organizar, com Gilberto Gil, o IV Panorama Percussivo Mundial, realizado no Teatro Castro Alves, do qual participaram artistas de vários países do mundo. Em 1999, lançou o CD “Contaminação”, contendo suas composições “Science” (c/ Vinicius Cantuária e Mércia Rangel), “Tá na roda tá”, “Irapurú”, “Quase choro”, “Luz de candeeiro”, “Cajú” e “To you to”, todas com Vinicius Cantuária, “Lágrimas”, “Coco lunar”, “Forró do Antero” e “A seca” (c/ Dino Braia, Mércia Rangel e Alceu Valença), além de “Ciranda” e da faixa-título, ambas com Mércia Rangel. Na virada do século (2000), participou do CD da banda Via Sat. No ano seguinte, lançou o CD “Fragmentos”, uma compilação de temas que compôs para filmes e espetáculos teatrais. No repertório, “ Vento chamando vento”, “Mundo verde”, “Sertão das memórias”, “Forró do Antero”, “Vozes”, “Vamos pra selva”, “Caminho dos pigmeus” e “Gorée”, além de sua versão para “Marimbariboba” (Domínio Público). Também nesse ano, participou, como arranjador, do CD “Cordel do Fogo Encantado”. Em 2002, lançou o CD “Minha Lôa”, contendo suas composi- ções “Futebol”, “Afoxé do Nêgo Véio”, “Estrela negra” (c/ João de Souza Leão), “Goreé”, “Macaco”, “Don’s rollerskates (Tributo a Don Cherry)” e “Curumim”, além de “Voz Nagô” (Paulo César Pinheiro e Pedro Amorim), “Isleña” (Kiko Klaus), “Caboclo de lança” (Erasto Vasconcelos e Esdras) e “Forró das meninas” (Erasto Vasconcelos, Guga e Murilo). Lançou, em 2005, o CD “Chegada”, com a participação de César Michiles (flautas e saxes), Lui Coimbra (cello, charango e violão), Chiquinho Chagas (piano, teclados e acordeon) e Lucas dos Prazeres (percussão). Em 2006, lançou o CD “Trilhas”, reunindo temas que compôs para os filmes “Quase dois irmãos”, de Lucia Murat, “Nizinga”, de Rose Lacret e Otávio Bezerra, e “Ori - Canção 25 A Í F de Rua, de Uberlândia. Em todas as faixas, o músico assina voz e percussão. O Em parceria com Marcos Suzano, Caito Marcondes e Cora- I ção Quiáltera, lançou, em 2010, o CD “Sementeira: Sons da Per- B G to, e “Balé de Rua - Uma história brasileira”, da companhia Balé A “Corpos luz”, da companhia de balé Dança Vida, de Ribeirão Pre- R para Aisha”, de Raquel Gerber, e para os espetáculos de dança cussão”, contendo suas composições “Sementeira”, “Ifá”, “Convite” e “Ensaio geral”, todas com Caito Marcondes, Marcos Suzano e Coração Quiáltera, “Lua Nova” (c/ Coração Quiáltera) e “Nada mais sério”, além de “Triciclo” e “Ditempus Intempus”, ambas de Coração Quiáltera), “Canto de trabalho” (Caito Marcondes) e “No morro” (Marcos Suzano). 26 O Egberto Gismonti & Naná Vasconcelos. B R A S 27 S A R B O 28 4 cavaleiros do apocalipse, A seca (c/ Dino Braia, Mércia Rangel e Alceu Valença), Afoxé do Nêgo Véio, Amazonas, Aquela do Milton, Balança rede, Batalha do Nego Santo, Bird boy (c/ Don Cherry), Bush dance, Cajú (c/ Vinicius Cantuária), Calmaria (c/ Mário Toledo) Caminho dos pigmeus, Cara com cara, Chegada “Corpo”, Ciranda (c/ Mércia Rangel)Clementina (No terreiro), Coco lunar, Codona (c/ Collin Walcott e Don Cherry), Coisas do norte, Contaminação (c/ Mércia Rangel), Convite (c/ Caito Marcondes, Marcos Suzano Coração Quiáltera), Cortina (Curtain), Curumim, Dado, Dida, Don’s rollerskates (Tributo a Don Cherry), Ensaio geral (c/ Caito Marcondes, Marcos Suzano e Coração Quiáltera), Espafro, Estrela brilhante (c/ E. Vasconcelos), Estrela negra (c/ João de Souza Leão), Forró do Antero, Fui fuio (Na praça) (c/ Teese Gohl), Futebol, Gorée, Ifá (c/ Caito Marcondes, Marcos Suzano e Coração Quiáltera), Irapurú (c/ Vinicius Cantuária), Lágrimas, Let’s go to the jungle, Lua Nova (c/ Coração Quiáltera), Luz de candeeiro (c/ Vinicius Cantuária), Macaco, Macacos “Corpo”, Mamãe cadê Baleia (c/ Erasmo Vasconcelos), Marimbariboba, Morte do Nego Santo, Mundo verde, Nada mais sério, Noite das estrelas (Night of stars) (c/ Erasmo Vasconcelos), Nos olhos de Petronila “Ondas”, O berimbau, O dia, a noite, Ondas (Nos olhos de Petrolina), Paletó, Passo, Pregões “Rua”, Quase choro (c/ Vinicius Cantuária) Que fazer, Rain dance (c/ P. Scherer), Rameverde (c/ Antonello Salis), Science (c/ Vinicius Cantuária e Mércia Rangel), Sementeira (c/ Caito Marcondes, Marcos Suzano e Coração Quiáltera), Sertão das memórias, Tá na roda tá (c/ Vinicius Cantuária), Terreiro, Tira o Leo To you too (c/ Vinicius Cantuária), Trayra boia (c/ Milan), Tu nem quer saber (You don’t want to know), Um dia no Amazonas (A day in the Amazone), Um minuto, Uma tarde no norte (Na afternoon in the north), Vamos pra selva, Vento chamando vento (Wind calling wind), Vozes (Saudades), Xaxado, Xingu Xangô (c/ Clive Stevens), Zumbi. Que fazer, Rain dance (c/ P. Scherer), Rameverde (c/ Antonello Salis), Science (c/ Vinicius Cantuária e Mércia Rangel), Sementeira (c/ Caito Marcondes, Marcos Suzano e Coração Quiáltera), Sertão das memórias, Tá na roda tá (c/ Vinicius Cantuária), Terreiro, Tira o Leo To you too (c/ Vinicius Cantuária), Trayra boia (c/ Milan), Tu nem quer saber (You don’t want to know), Um dia no Amazonas (A day in the Amazone), Um minuto, Uma tarde no norte (Na afternoon in the north), Vamos pra selva, Vento chamando vento (Wind calling wind), Vozes (Saudades), Xaxado, Xingu Xangô (c/ Clive Stevens), Zumbi. 29 F 3 0 D E A D E P R U C A S A N O S O I S I 32 DISCOGRAFIA (2013) 4 Elementos- CD (2010) Sementeira: Sons da Percussão (Naná Vasconcelos, Marcos Suzano, Caito Marcondes e Coração Quiáltera) – Tratore – CD (2006) Trilhas (Naná Vasconcelos) • Azul Music • CD (2005) Chegada (Naná Vasconcelos) • Azul Music • CD (2002) Minha Lôa (Naná Vasconcelos) • Net Records • CD (2001) Fragmentos (Naná Vasconcelos) • Núcleo Contemporâneo • CD (2001) Cordel do Fogo Encantado (Cordel do Fogo Encantado) - participação • Rec Beat Discos • CD (2000) Via Sat (Via Sat) - participação • Morango Music • CD (1999) Contaminação (Naná Vasconcelos) • M. Officer • CD (1994) Contando estórias (Naná Vasconcelos) • Velas • CD (1990) Lester (Naná Vasconcelos e Antonello Salis) • Brass Star • CD (1989) Rain dance (Naná Vasconcelos & The Bushdancers) • Island Records/Polygram • LP (1986) Bush Dance (Naná Vasconcelos) • Island/WEA (1985) Nanatronics (Naná Vasconcelos) • Europa Music • LP (1984) Duas vozes (Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos) • ECM Records (USA) (1983) Codona 3 (Collin Walcott, Don Cherry e Naná Vasconcelos) • ECM Records/Ariola • LP (1983) Zumbi (Naná Vasconcelos) • Europa Music • LP (1982) Codona 2 (Collin Walcott, Don Cherry e Naná Vasconcelos) • ECM/WEA • LP (1979) Egberto Gismonti & Naná Vasconcelos & Walter Smetak (Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos e Walter Smetak) • LP (1979) Codona (Don Cherry, Collin Walcott e Naná Vasconcelos) • ECM Records/WEA • LP (1979) Saudades (Naná Vasconcelos) • ECM/WEA • LP (1978) Sol do meio dia (Egberto Gismonti) - participação • ECM/EMI-Odeon (1977) Dança das cabeças (Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos) • ECM/EMI-Odeon (1974) Naná Vasconcelos, Nelson Ângelo e Novelli (Naná Vasconcelos, Nelson Ângelo e Novelli) • Saravah (França) • LP (1973) Amazonas (Naná Vasconcelos) • Phonogram • LP (1972) Africadeus (Naná Vasconcelos) • Saravah (França) • LP. 33 34 AFRICADEUS ME MÓ RIAS “Tudo que eu faço hoje vem do berimbau, eu transponho para os outros instrumentos.” – Naná Vasconcelos 35 M E M Ó R I A S 36 Africadeus é o nome do meu primeiro disco. Foi para mim uma missão, mudou minha vida. É o que eu estava descobrindo no instrumento. A primeira vez que peguei no berimbau, o instrumento foi para uma peça de teatro da época que falava dos folclores e da cultura nordestina. Quando chegava na Bahia era o berimbau por causa da capoeira, foi por isso que eu peguei esse instrumento, na realidade eu era baterista. Então comecei a estudar o instrumento, aprendi os toques: são bento, cavalaria, angola e as coisas da capoeira tradicional. Só que depois que peça terminou eu fiquei com o instrumento e como eu morava num lugar pequeno no poderia estudar minha bateria. Ai foi então que comecei a estudar Berimbau, mais por intuição ou mesmo por uma força espiritual que mudou minha vida, por que eu comecei a fazer coisas que não era da capoeira, comecei a tocar ritmos bem diferentes. Parecia uma missão eu deixei de tocar tudo para tocar berimbau, mais ao mesmo tempo eu fiquei com medo, eu tinha medo de tocar no Brasil, essas coisas, por que eu estava saindo das tradições. No Brasil tradição é tradição, não se pode mexer com isso. Na naquela época, isso nos finais dos anos 60 e eu tinha medo de tocar. Na realidade eu estudava e ia comecei a encontrar aquelas coisas que não tinha nada a ver com a capoeira, era um negócio tão intenso, ficou como uma missão. Eu tenho que mostrar isso para o mundo, uma coisa assim, uma coisa muito forte espiritualmente. Procurei em muitas referências saber como esse instrumento era tocado na África, e tudo muito parecido como era na capoeira, como “Esse instrumento me deu uma concepção musical e fez com que mudasse a minha percepção de pensar a música.” os griots que contavam as histórias. Então eu comecei a descobrir coisas do berimbau e ele começou a tirar de mim coisas que eu não pensava dessa maneira, e ai tudo virou música: barulho virou música, ruído virou música, silêncio virou música. Então foi o berimbau que me levou a isso. Eu comecei a usar minha voz como instrumento, não como cantor. Esse instrumento me deu uma concepção musical e fez com que mudasse a minha percepção de pensar a música. Ao mesmo tempo abriu uma dimensão muito grande sobre a música, os instrumentos e as formas como podem ser usados. Imagine que ai de repente comecei a ver outros artistas por exemplo o que Jimi Hendrix o que fazia com a guitarra, eu queria fazer com o Berimbau e sentia uma coisa dentro de mim bem forte espiritualmente. O que Jimi Hendrix fazia com a guitarra, me mostrou que os instrumentos não tem limitações, mesmo naquela época, o que ele fez com a guitarra ninguém conseguia fazer, nem hoje com toda a tecnologia, ninguém consegue fazer aquelas coisas que ele criou, aqueles sons. Então para mim o berimbau era assim, era uma coisa muito séria dentro de mim. Uma manifestação mesmo espiritual, e cada coisa que aparecia eu tinha que tecnicamente fazer forma perfeita, exigia de mim a perfeição. Tudo que eu faço hoje vem do berimbau, e eu transponho para os outros instrumentos. Ele me fez passar fazer improvisações com a voz, tirar sons, tocava tanto que as vezes a respiração era bem forte que destruía o som do berimbau, começou a fazer que o primeiro instrumento é a voz, todas essas percepções vem do Berimbau. A primeira vez que me apresentei com berimbau como solista foi fora do Brasil como o Gato Barbieri, que me convidou para fazer uma série de concertos com ele lá na Argentina. Ai no meio do show ele me dava dois minutos para fazer o solo de Berimbau, ai vinha a baixo, os jornais só falava de mim, nesse contexto apareceu o primeiro contrato para o Gato fazer um disco nos Estados Unidos, ai ele me disse vamos para os Estados Unidos? eu disse vamos, ai foi que explodiu mesmo tudo, como por exemplo em Nova York, os jornais só falavam de mim, o The New York Times falava: “the jungle man”, achava que o berimbau vinha dos índios por que parecia um arco. Isso me fez entender que eu tinha uma coisa que não parecia com nada, isso me fez tomar consciência de uma coisa que só eu 37 M E M Ó R I A S 38 tinha, essa intuição com o instrumento, eu comecei a assumir a cidadania dessa coisa, isso me ajudou para que eu não perdesse a minha identidade. O sucesso era tanto que isso incomodava o Gato Barbieri e o grupo. O produtor levou o Gato para os Estados Unidos por que era músicos do terceiro mundo e que era moda se falar assim. Nos Estados Unidos era novidade um músico do terceiro mundo. Eu coincidentemente quando cheguei em Nova York fui morar com Glauber Rocha e politicamente já dizia sobre os músicos do terceiro mundo, que o caminho da música ia mais além. O Gato tocando Tango: “Mi Buenos Aires querido”, o Gato era um grande músico improvisador, então o produtor do disco colocou os músicos negros famosos que tocava com John Coltrane para apoiar o Gato. Mais mesmo assim os jornais só falava de mim. E isso, o que é isso? O Gato dizia os “O que Jimi Hendrix fazia com a guitarra, me mostrou quez os instrumentos não tem limitações” jornais só falam desse brasileiro. Então fizemos o disco e a turnê pelos Estados Unidos e logo lá nos Estados Unidos fizeram um filme sobre mim, um Documentário chamado “Berimbau”. O Glauber inventou logo tudo para que eu tivesse possibilidades de tocar nas universidades. Foi tanto que a primeira turnê na Europa, quando terminou na França com Marlon Brandon, num filme do Bertolucci. Eu conhecia todos esses cineastas por que todos iam beijar o pé do Santo, que era Glauber Rocha lá em Nova York. Nessa época Bertolucci ia fazer o filme “Último tango em Paris” com Marlon Brandon, e coincidentemente nós fomos tocar na “cena da manteiga do filme”. Terminando o concerto Marlon Brandon ficou impressionado comigo e eu já falava um pouco inglês e me perguntou: o que você sente quando toca esse instrumento? E ficou realmente maravilhado. Terminando o concerto eu ia voltar para os Estados Unidos com o Gato, mais alguma coisa me dizia, uma certa intuição me dizia para não voltar, isso porque eu já estava chateado com a atitude do Gato que falava sempre ao engenheiro do som baixar o som na hora do meu solo. Então a minha intuição dizia tu tem alguma coisa ai. No aeroporto de Paris falei com Gato, muito obrigado por tudo eu fico por aqui, ele disse que aconteceu? Nada está tudo certo, muito obrigado! Eu pensei tenho um dinheiro da turnê, eu vou ficar aqui mais uns dias, se não der certo eu volto para tocar com Milton Nascimento, que era que eu fazia antes de partir com o Gato. E não é que deu certo! Na semana só dava meu nome nos jornais de Paris, foto minha e tudo. E no meio dessa coisa apareceu esse cara o Pierre Bardou que fez aquele filme: “O Homem e a Mulher”. Então eu deixei o Gato por que estava me incomodando. O Pierre disse eu tenho uma gravadora, um selo pequeno, você quer fazer um disco? eu quero. Então eu fiz o disco e me veio na cabeça em Africadeus, por que via naquela época o instru- “Eu o sou Brasil um Brasil que não conhece.” mento como deus, que era um tipo de deus que me fez me tornar um solista, impressionante esse instrumento quando apareceu e até hoje continua. Africadeus me fez espiritualmente tomar consciência de mim mesmo, me disciplinar, me organizar ao ponto de virar um solista de percussão, não só dele e também me deu possibilidade de estudar e perceber que todos os instrumentos tinham potencial. Ao longo dos anos fui redescobrindo o instrumento berimbau, ao ponto de ampliar minhas percepções sobre a obra Africadeus, então é isso, Africadeus é resultado de que a África é a espinha dorsal da nossa cultura. Antes eu falava Africadeus era um deus, agora já posso falar mais simples que é a espinha dorsal da nossa cultura. Representa a espinha dorsal da nossa cultura que é a África. Por que depois eu pesquisei lá na África, e também através de documentários, livros e percebi que ninguém tocava esse instrumento com eu. Só eu toco berimbau dessa maneira. É uma missão por que eu tirei esse instrumento da capoeira, que era o centro da 39 “Africadeus “Africadeus éé oo resultado resultado de deque queaaAfri Afri ccaaééaaespinha espinha dorsal dorsal da da no no ssa ssa cultura”. cultura”. –– Naná Naná Vasc Vasc oncelos oncelos M E M Ó R I A S 42 tradição e do folclores e virei solista botei ele no centro do palco. O berimbau me fez virar um percussionista solista. E assim sendo fazer um solo de percussão que não seja divisão do batuque de quem toca mais forte e mais rápido, é procurar fazer a música com percussão, não somente essa coisa de sons pelo ritmo e por ser percussionista. Acho quando explica muito perde a essência, no fundo Africadeus representa a espinha dorsal da cultura brasileira. Africadeus é uma manifestação afro-brasileira por isso é importante dizer que muita coisa que veio da África para o Brasil hoje não existe mais na África, porque os colonizadores proibiram e destruíram. Esse é um ponto, mais o ponto mais importante na realidade é que muita coisa que veio da África para o Brasil se transformaram por que veio de muitas partes os negros africanos, chamo assim por que não gosta de chamar de escravos. Então essa mistura é um fenômeno que aconteceu particularmente aqui. Hoje os africanos quando chegam aqui dizem, esse instrumento é da África, mais eu nunca vi sendo tocado assim ou nesse contexto. Foram diferentes partes da África que chegou aqui, o samba é resultado disso, o pandeiro por exemplo é de origem árabecigano e se encontra no contexto diferente, está presente no Brasil. Nós pegávamos aquilo que as etnias africanas trouxeram e transformamos, então o que eu faço são coisas afro-brasileiras, é uma mistura de coisas. O berimbau me mostrou essas áfricas e me ensinou a usar cada instrumento de uma forma orgânica. Por exemplo eu tocando a conga e junto faço um som com boca, a mesma divisão do som orgânico e o som do instrumento vira uma terceira coisa. Faço com a cuíca e fica parecendo dois sons de cuíca, tudo isso devido ao estudo do instrumento, o berimbau me re-inventou, sou autodidata, como se diz e hoje realizo workshops em conservatórios acadêmicos de música. Mesmo na África quando eu toco todos ficam perguntando o que é isso? Tocar berimbau foi um grande desafio, pois quando você faz uma coisa que só você faz, não é fácil, eu procurei criar um grupo com brasileiros não deu muito certo por que todo mundo estava querendo a Bossa Nova. Esse negócio de solo, fazer show com apresentação de berimbau me levou a descobrir o corpo, ai ninguém topava, mesmo os africanos falavam que é isso Naná? O berimbau fez com que eu não perdesse a minha identidade, eu fui muitas vezes o melhor percussionista do mundo, não gosto muito de falar isso, por que é coisa de Americano. Mais na realidade isso pela intuição com o instrumento e até hoje é assim. Mais foi muito difícil até eu criar todos conceitos e depois produzir o conceito para trabalhar em orquestra sinfônica. Quando eu fiz Africadeus lá na França, nasceu o disco o meu sonho era mostrar isso aqui no Brasil. Pensei agora posso ir e mostrar meu trabalho com berimbau no Brasil, o que antes tinha medo por que não era tradicional, não era capoeira. Então apareceu uma oportunidade de ir para Bahia, e na época estava fazendo a trilha sonora de uma novela Francesa, que veio aqui para o Brasil, mais precisamente para a Bahia. Foi então que pude vir junto turma do Pierre Bardou. Foi nesse contexto que surgiu a história da resistência de lançar Africadeus no Brasil e ocorreu na casa do Jorge Amando, que nos convidou para almoçar e tal, ai fui levei meu berimbau chegando lá estava o senhor André Midani, que era o diretor da Gra- “Tudo que eu faço hoje vem do berimbau, eu transponho para os outros instrumentos.” vadora Phillips, muito conhecida por que na época que estava os músicos como o Caetano, Gil, Bethania e Benjor. Então lá na casa do Jorge Amado eu vim com essa ideia de lança Africadeus. Jorge Amando disse: Mostra esse berimbau, ai quando toquei, ele falou o que é isso? Ou André você tem que lançar esse disco, o Brasil tem ouvir isso. André falou tudo bem, me procura lá no Rio. Com um tempo fui para o Rio e liguei para o diretor da gravadora, e nada de me atender, sempre a secretária e desculpas. Ai certa vez liguei para Jorge Amando e falei seu Jorge Amado, liguei para André Midani e não está me atendendo. Ai o Jorge Amando ligou para ele e deu um carão, você faz isso com o rapaz. Passando uns dias o diretor da Phillips me disse vem aqui ai foi quando me explicou tudo e por que não podia lançar Africadeus esclareceu que era um selo pequeno da França, ele não conhecia e ele era da Phillips e tal. E me disse, se você tivesse outro? eu disse tenho. E foi quando eu fiz o Amazonas. Isso por que eu estava impressionado aqui no 43 M E M Ó R I A S 44 Brasil com a Transamazônica, pensei tão destruindo e rasgando o amazonas. Foi um disco que antes de sair, eu regressei a França. Percebi que cheguei num momento errado por que ninguém queria música instrumental. Todo mundo estava naquela coisa com o Gil e Caetano voltando da prisão, do exílio político, isso em 1972. Então não tinha vez, todo mundo querendo “aquele abraço” a palavra era muito mais importante do que a música instrumental sabe e continua sendo assim, agora menos, mais naquele momento era assim. Eu cheguei no momento errado. Sendo assim eu fiz os disco dentro das minhas concepções do que eu entendia por música. Então antes do disco sair voltei, pois em Paris, os músicos americanos quando ia de turnê falava meu percussionista está lá na França. Eu também tinha trabalho numa clínica de psiquiatria infantil, trabalhava para o governo Francês e isso me dava uma salário eu não precisar tocar em bares. Tocar com como um instrumentista solista era muito complicado, uma coisa que ninguém fazia e não faz até hoje. Eu sou um Brasil que o Brasil não conhece. Sou de pernambuco e dirigir na Bahia o PERC PAN, isso gerou um rebuliço forte, imagina que um pernambucano dirigindo um festival de música percussiva na Bahia. Foi quando falei com Gilberto Gil. Eu convidei o Gilberto Gil e o Milton Nascimento, foi eu que coloquei os dois para cantarem por primeira vez. Eu falei Milton os tambores de Minas estão dormindo, ai fez os Tambores de Minas. Hoje Minas é o estado brasileiro com maior movimento percussivo, assim de criação tem músicos africanos, indianos é impressionante, mais veio do Perc Pan e logo depois o Gil fez uma disco com o Milton. Africadeus é muito importante pois trás referências e conceitos que o meu trabalho com berimbau despertou para alguns músicos, a exemplo do Marcus Suzano, eu não conheci naquela época, mais fiquei sabendo que ele falou que queria fazer o mesmo no pandeiro, do que o Naná Vasconcelos fez com o Berimbau. Isso por causa dos conceitos que eu falava nas entrevistas, do Jimi Hendrix e de que os instrumentos não tem limitações. O berimbau não foi somente feito para a capoeira, assim como a cuíca para o samba. Essas concepções vem por causa de Africadeus. Eu também na época que fiz Africadeus entrei para a área de músicos contemporâneos, por causa das sonoridades que eu fazia. O berimbau me levou ao mundo de misturas incríveis e variações sonoras: Lapônia, Japão, China, Austrália. Tantas portas me abriu, me levou criar, a compor um conceito solista de percussão que seja musical. Me levou a África do Sul, na celebração do Apartheid, por que o berimbau é o símbolo do arco e da luta, estava na presença de Mandela. O berimbau abriu as portas para a música moderna e étnica, gerando uma maneira orgânica de tocar. Que impressionaram todo o mundo e inclusive os japoneses quando falavam que o berimbau era Zen tanto na forma harmônica como é construído e como era tocado. “Então eu fiz o disco e me veio na cabeça em Africadeus, por que via o instrumento como deus, que era um tipo de deus que me fez me tornar um solista, impressionante esse instrumento quando apareceu e até hoje continua. ” 45 BIBLIOGRAFIA: TEXTO MÚSICA NEGRA NO BRASIL. CRÉDITOS: 1- REIS, Isabel C. F. dos. Histórias de vida familiar e afetiva de escravos na Bahia do Século XIX. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 2001. 2- NASCIMENTO, Uelba A. do. As influências afro na música brasileira (1900-1920). In: Anais Eletrônicos do XXVII Simpósio Nacional de História – ANPUH, 2013, Natal-RN. <http://www.snh2013. anpuh.org/resources/anais/27/1364949662_ARQUIVO_artigocompletoANPUH2013.pdf> 3- REIS, João J. A greve negra de 1857 na Bahia. Revista USP, n. 18, 1993. 4- Segundo Parés, “a orquestra do Candomblé baiano contemporâneo se compõe do ferro (gã ou agogô) e de três atabaques de tamanhos diferentes chamados, indo do maior para o menor, ‘rum, rumpi e lé, deformação das palavras fon hum e humpevi, para os dois primeiros e da palavra nagô omele, para o terceiro’”. A presença de diferentes povos postos em contato num mesmo território gerou no Brasil fortes cruzamentos entre os povos de origem nagô, angola, jeje, ioruba, ketu, dentre outros, presentes muitas vezes, elementos de dois povos num mesmo terreiro de candomblé. PARÉS, Luis N. A Formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. 2ª Ed. Campinas-SP. Editora da Unicamp, 2007. p. 320. 46 D I R E Ç Ã O Juci Reis P E S Q U I S A Juci Reis e Manuela Nascimento 5- PARÉS, 2007, p.321. T 6- ANTONACCI, Maria A. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ, 2013, p. 40. Música Negra no Brasil por Manuela Nascimento 7- A tradição oral é o fundamento essencial para se compreender a visão de mundo africana, a existência de ritos e tradições de povos, que não tem na cultura escrita seu veículo principal de herança cultural. É o meio pelo qual, a sabedoria ancestral é transmitida de geração em geração e encontra na fala seu principal meio de transmissão. HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: Ki-Zerbo, J. (org.) História Geral da África. Metodologia e pré-história da África. Vol 1. São Paulo: Ática/UNESCO, 1982. p.158. 8- CHAMOISEAU, P. Retrouver la memoire du corps. Le Point, n. 22. Paris, Réseau France Outremer, 2009, p. 40-41. 9- HAMPATÉ BÂ, 1982, p. 193. FONTES CONSULTADAS: NANÁ VASCONCELOS, talento internacional. Continente Multicultural, Recife, ano5, n.55, p.72-81, jul. 2005. PERNAMBUCO de A/Z. Disponível em: <http://www.pe-az.com.br> Acesso em: 13 fev. 2006. PHAELANTE, Renato. MPB: compositores pernambucanos: coletânea bio-músico fonográfica. 19201995. Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1997. Fonte: ANDRADE, Maria do Carmo. Naná Vasconcelos. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/ >. Acesso em: dia mês ano. Ex: 6 ago. 2009. ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira - Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006. AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014. E X DESIGN T O EDITORIAL Paco Barba / Harmonipan Studio E N T R E V I S T A Juci Reis e Naná Vasconcelos ACERVO FOTOGRÁFICO Artista Naná Vasconcelos. Fotografias por João Rogério Filho, Bárbara Wagner e Itamar Crispim. 47 AGRADECIMENTOS: 2013 Naná Vasconcelos, Patricia Vasconcelos, FLOTAR, Manuela Nascimento, Marina Dos Santos, Ben Cohen, Daniel Parra, Lucia Barba, Mario Gonzalez, Kassin, Domenico Lancelotti, Marcelo Frota (Momo), Vanessa Bittencourt, Erik Keldsen, Ava Reis, Totoem Oliveira, Gilberto Peixoto, Enriqueta Macías, Amalia Ribeiro, Daniel Castrejón, Guillermo Santamarina, David Neves, FUNARTE (Prêmio Funarte de Arte Negra), Saravah, Diego Aguire, Alfonso Muriedas, Mestre Roque, Mestre Zê do Lenço, Rogelio Sosa, Mariela Brazón, Comunidade do Mutum BA, União Palmares AL, Comunidade Mangueira RJ, Pedro Azevedo e Audio Rebel, Submarine Records, Noropolis, Brava, Arte Rumo, Desmonta, Thrill Jokcey, Fatoumata Diawara, Tony Allen, Sun Ra Arkestra e Orquestra Afrobrasileira. PRÊMIO FUNARTE DE ARTE NEGRA HARMONIPAN
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