DEUS MEUMQUE JUS

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DEUS MEUMQUE JUS
ISSN 2318-3462
Recebido: 13/05/2015
Aprovado: 02/07/2015
DEUS MEUMQUE JUS
Autor: Douglas Estevam Silva ¹
Ítalo Godinho Silva²
Resumo
O p r e s e n t e a r ti g o t e m p o r o b j e ti v o o f e r e c e r u m a d e f e s a a o s D i r e i t o s H u m a n o s . P a r a i s s o , l a n ç a m ã o d e u m a a n á l i s e h i s t ó r i c o - fi l o s ó fi c a , a b o r d a n d o p o r m e n o r i z a d a mente cada movimento do pensamento humano que deu ensejo à fundamentação
d o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s . A o c a b o d e s s a p e r s p e c ti v a , p r e t e n d e - s e e x p o r u m a c r í ti c a a o e n t e n d i m e n t o c o m u m q u e p a i r a a o r e d o r d e s s e t e m a , e x p l i c i t a n d o e r e b a t e n d o o p i n i õ e s e i v a d a s d e s e n s o c o m u m , a l i m e n t a n d o o d e b a t e d e m o c r á ti c o e p r o m o v e n d o u m j a r g ã o a r g u m e n t a ti v o m a i s d e n s o p a r a o d i á l o g o i n s ti t u c i o n a l p e r ti n e n t e à t e m á ti c a .
Palavras-chave: Direitos Humanos; História do Pensamento Humano; diálogo dem o c r á ti c o ; D e M o l a y I n t e r n a ti o n a l .
Abstract
T h i s a r ti c l e a i m s t o p r o v i d e a d e f e n s e f o r H u m a n R i g h t s . T h e r e u n t o , i t m a k e s u s e
of a historical-philosophical analysis, addressing in detail every movement of hum a n t h i n k i n g w h i c h g a v e r i s e t o t h e f o u n d a ti o n o f F u n d a m e n t a l R i g h t s . A t t h e e n d
o f t h i s p e r s p e c ti v e , i t i n t e n d s t o e x p o s e a c r i ti q u e o f c o m m o n u n d e r s t a n d i n g h o v e r i n g a r o u n d t h i s t h e m e , e x p l a i n i n g a n d r e b u tti n g o p i n i o n s b e s e t w i t h c o m m o n
s e n s e , f u e l i n g t h e d e m o c r a ti c d e b a t e a n d p r o m o ti n g a d e n s e r a r g u m e n t a ti v e j a r g o n
f o r i n s ti t u ti o n a l d i a l o g u e r e l e v a n t t o t h e t h e m e .
Keywords: H u m a n R i g h t s ; H u m a n T h i n k i n g ’ s H i s t o r y ; d e m o c r a ti c d i a l o g u e ; D e M o l a y
Internacional.
¹ Ilustre Comendador Cavaleiro eleito do Priorado Mensageiros da Luz, nº 150, graduando em Direito — e-mail: [email protected]
² Graduando em Direito do 4º período da Faculdade de Direito da UERJ — e-mail: [email protected]
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ESTEVAM, D; GODINHO, I. DEUS MEUMQUE JUS
1. Introdução
Logo após a Segunda guerra Mundial, era de
se esperar que temas como os direitos humanos passassem ao primeiro plano. Uma catástrofe propositada e estupendamente lúgubre que levou a 50 milhões
de mortos não podia fazer outra coisa senão despertar a consciência sensível do valor humano. Isso se
expressou desde a atmosfera mórbida relegada pelo
trauma de Auschwitz a diversos outros pontos de vista: perpassando as urgentes reflexões sobre o Holocausto, até a necessidade imperiosa de enxergar o
humanum genum por um prisma valorativo e não
mais utilitário.
Em 10 de dezembro de 1948, em Paris, é estabelecida a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Diploma de vocação global, de pronto, interpretado, nas palavras de José Pablo Feinmman, como “a
bíblia da humanidade”1, já que aglutinou em torno de
seu cartaz, sob supervisão combativa de Eleanor Roosevelt, todas as ligeiras diferenças que constavam na
proclamação de Ciro, na Lei Natural da opulenta Roma, no Bill of Rights, na Declaração de Direitos do
Bom Povo de Virgínia, ou na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, entre outros.
Isto é, o conteúdo da Carta comporta um fim
em si, bem como prescreve uma comunidade jurídica
ideal a fim de perseguir condições de vida humana
digna assim como o que quer que seja para salvaguardar predicados naturais do Homem. À luz dessa
concepção, fica simples compreender que tais preceitos, por corolário, são de caráter perpétuo e inalienável, os quais não admitem qualquer discricionariedade ou paixão idiossincrática por parte do Legislador
em se tratando do seu próprio conteúdo, porque é
instrumento que consola até mesmo as bases dos
governos, que devem, por sua vez, espelhar a alma
de seu povo. 2
Os Direitos Humanos consagrados na fundação do referido Diploma, tornaram-se, nas últimas
décadas, um dos grandes consensos éticos do mundo
ocidental. Eles são mencionados em incontáveis documentos internacionais, em Constituições, leis e de-
cisões judiciais. No plano abstrato, poucas ideias se
equiparam a eles na capacidade de seduzir o espírito
e ganhar adesão unânime1. No entanto, estabelecer
uma carta global com um teor análogo só não é possível como, hodiernamente, corrente e encorajável.
Porém, as Cartas não funcionam por si, todavia, há de
se sustentá-las até os seus limites. De outro modo, as
nações que pleiteiam esse desejo de comunidade
ideal — haja vista que propõem como evento central
ou lateral o espírito de fraternidade e a educação social —, mesmo naturalmente incorrendo em faltas
onerosas advindas do tempo, devem peremptoriamente perseguir a verdadeira diretriz nelas selado.
Desenvolve-se, portanto, o raciocínio de que
os direitos em pauta são, por excelência, os instrumentos que alçam o Homem a um patamar superior
e consequentemente este é o referencial axiológico
para o Direito. Com efeito, é a expressão real e concreta da Justiça e dos demais valores, sendo os critérios de convalidação de todo e qualquer ordenamento jurídico e da comunidade política, antes e, sobretudo, na Sociedade Internacional, já que sintetizam
um paradigma de sociedade; ou melhor, esse catálogo de direitos impõe um comando, tal qual é de funcionar como critério teleológico dos ordenamentos
nos direitos domésticos e na aliança universal, que
vise buscar, com igual ímpeto e cooperação no plano
internacional, a sustentação e efetivação desses direitos que nos são tão caros.
É por isso que se defende um Modelo Humanitário: Os direitos fundamentais são garantidos pelo
núcleo indisponível do Direito, e este núcleo é a Realização Social3, como diz J. J. Gomes Canotilho.
2. Costura histórica: origem e evolução
Para começar a discorrer sobre direitos humanos, primeiramente, há a necessidade de se verificar a construção histórica de tais garantias, assim como a forma de legitimação desses direitos. Ademais,
como explica Gadamer4, em suas lições sobre hermenêutica filosófica, todo o horizonte de interpretação
humana está contido num pano de fundo histórico,
sem o qual não seria possível ao homem compreen-
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ESTEVAM, D; GODINHO, I. DEUS MEUMQUE JUS
der a realidade à sua volta. Consequentemente, a
compreensão está no próprio modo de ser do homem5; sendo a compreensão uma apreensão e projeção de possibilidades do agir no âmbito do contexto
prático, social e histórico.
2.1 Um tablete de barro
Alguns estudiosos defendem a controversa
ideia que o embrião dos direitos humanos se deu, por
evento inédito, com a declaração do rei aquemênida
da Pérsia Antiga, Ciro, o Grande, após a conquista da
Babilônia. Materializado naquilo que ficou registrado
nos anais da historiografia moderna como Cilindro de
Ciro: um diminuto objeto de argila cozida em formato
cilíndrico, descritos em grafia cuneiforme acadiana,
que exalta expressamente a linhagem e grandeza de
seu senhor, bem como sua legitimação, que por sua
vez teria sido concedida pelo deus Marduque, aquele
que o convocou para ser governante daquelas terras.
No mesmo conjunto, patrocina a permissão de seu
povo a viver livre da tirania e de eleger seus deuses,
independente dos grupos e das diretrizes que comungavam e dos grupos que se integravam. 6
ra como esses direitos foram substancialmente inovadores.
Um dos documentos mais famosos do
mundo inspirou algumas das liberdades fundamentais de hoje. No entanto, ele começou apenas como
uma solução prática para uma crise política há 800
anos. 10
Entretanto, urge salientar que a Magna Carta não se constitui como pedra angular dos direitos
fundamentais haja vista dois aspectos essenciais. Primeiro, somente nobres detinham tais direitos; segundo, o conceito universal do tema inerente à natureza
humana ainda não possuía suas raízes que somente
iriam se estruturar posteriormente com as obras contratualistas.11 Ainda assim, desde 1215, a Magna Carta viu-se defronte outros quadros político-sociais
(especialmente no século XVII, com o recrudescimento do conflito entre a coroa e o Parlamento) que a
lançaram até a categoria de símbolo do surgimento
do constitucionalismo.
2.3 O giro maquiavélico12
A despeito da marcação supramencionada
dos eventos que se gravaram na história como insígnias do constitucionalismo contemporâneo e dos direitos humanos, cumpre sobrelevar que a fecundação
desses mesmos direitos é — intrínseca e eminentemente — moderna, uma vez que, com o advento das
Revoluções Burguesas, viu-se nascer um instrumento
inédito à época (que seria absurdo pleitear na Idade
Média), qual seja, “os direitos fundamentais protegendo aqueles que são agredidos pelos poderes verticais do Estado”13
2.2 Magna Carta: sombras futuras de direitos
Dando um salto cronológico que cá é peculiar, o esforço de alinhavar mais um ponto é agora remetido à História que se configurou sob a luz ofuscante da Idade Média, mais precisamente no ano de
1215 com a Magna Carta7. O rei João Sem-Terra, numa conjuntura política envolvendo territórios e a manutenção da coroa, tal como desentendimentos entre o próprio monarca, o Romano Pontífice e os baEm vista disso, significa dizer que os direitos
rões ingleses acerca das prerrogativas do poder régio,
viu-se obrigado a conceder e garantir determinados fundamentais são paralelos e complementam-se na
direitos8 que delimitavam o poder soberano. Tal fei- medida em que o Homem é elevado a dimensões superiores na camada sociopolítica. O vento das muto, até então, inovou a História do Direito.
danças trazido pelo período de transição denominaO que de mais importante se verifica nesse do Renascimento é atrelado ao humanismo que vai
memorável capítulo é que, primeiramente, esculpiu- instaurar toda uma nova concepção do homem frense como marco da concessão de direitos do poder te ao universo. Desse jeito, muda-se o paradigma da
regno aos indivíduos: “o que alguns teóricos vão con- existência, que agora se assenta sobre a flecha do
siderar é o fato de a Magna Carta instituir acordo de racionalismo, ou seja, a razão que servirá como meio
direitos e não acordo entre homens, como se perce- de excelência para se encontrar a verdade no mundo.
be em cartas anteriores [...]”9 e, além disso, a maneiFinP | Rio de Janeiro, Vol. 2, n.2, p. 25-32 Mai/Ago, 2015.
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Nessa perspectiva, o homem ganha um caráter preponderante. Perfilhando a noção, é-lhe dado
um novo papel no palco de atuações, sendo agora
aquele que concede significado ao Mundo
(revelando, assim, um contraponto teórico, tendo em
vista que Paulo de Tarso e Tomás Aquino arguiam
que, com a ausência total do Homem na Terra, Deus
e o Mundo permaneceriam iguais). E é isso que vai
começar a mudar no contexto do pensamento filosófico moderno, pois alvitram que o mundo pode até
existir na pouquidade ou mesmo numa total apartação do gênero humano, porém, este Mundo só possui sentido quando na existência latente do Homem.
Permanecendo então nessa mesma perspectiva, a característica expoente da dinâmica artísticoliterária desse período é realocar o Homem a um patamar de superação que até então estava encoberto
por instituições, há muito tempo, perenes e inatacáveis, que a fé cristã estabelecera ao longo do medievo. Isto posto, a fé passa a ser vitimada pelo ceticismo ou por inevitáveis atitudes de renovação, cuja
consequência mais vistosa será a Reforma Protestante impulsionada por Martinho Lutero e João Calvino;
semelhante ocorrido no campo religioso, também
surgem propostas de reformas na ciência e na filosofia. É nesse derredor complexo, onde pesam as polêmicas religiosas e científicas modelando o mundo
moderno.
Estabelecida essa nova postura de inserir o
indivíduo numa nova existência, os novos ares da
modernidade vão possibilitar a união para a construção do chamado Estado Moderno. Decorrentemente
no campo filosófico, o movimento que se destaca é o
humanismo cívico italiano — outra face do Renascimento — também no século XIV, tendo como seu
arauto mais competente o polímata de Florença, Nicolau Maquiavel. Vai engendrar, em termos de filosofia política, a negação de toda aquela construção medieval, resgatando por corolário o idealismo dos Antigos Gregos — com a descoberta de novos textos da
Antiguidade greco-latina — para construir, num plano paradigmático, as Cidades.
A conclusão de todo esse apanhado faz compreender que a dignidade da pessoa humana tem
origem espiritual imanente, qual seja, na Bíblia Sagrada: “Deus criou o homem à sua imagem, /à imagem
de Deus ele o criou,/homem e mulher ele os criou.” (Gn 1:27). Por sucesso, a dignidade da pessoa
humana migra para a filosofia no contexto iluminista,
fundamentando-se na razão, na capacidade moral
em sua vertente axiológica e na autodeterminação
do indivíduo.
Calha aqui ressaltar a tríplice transformação
pela qual passou o paradigma humano do conhecimento. Primevamente, erigido numa concepção que
abarca filósofos pré-socráticos de primoroso quilate
cujo destaque direciona-se a Pitágoras — em sua forma de compreensão de mundo geometrizada, simétrica, ao passo em que, mística — e, principalmente,
Anaximandro — em seu ideal de perfeição e harmonia cósmica centrada no Logos.
A seguir, no século IV, agora adentrando nos
estudos dos Doutores da Igreja encabeçados por
Agostinho de Hipona14, a apropriação do Logos grego
desemboca numa construção teológica voltada a
Deus e seus domínios. Isto é, o arcabouço teórico,
que antes era fundamentado no conceito de Logos,
toma Deus como seu argumento precípuo.
Somente com o advento do Iluminismo é
que a última transformação é efetivada. O homem,
servindo-se de um novo baldrame por meio do qual
funda a nova ciência, estabelece as bases seus conhecimentos não mais em Deus, tampouco no Logos,
mas sim na razão!
2.4 Um paralelo inevitável
As ditas Revoluções Liberais, aquelas principiadas no século XVIII e que se desenvolveram no século XIX, forjaram-se sob o arrimo dos sustentáculos
iluministas, promovendo avultado reforço e profunda
estruturação para a ideia de direitos humanos. Com
a Revolução Gloriosa, a Emancipação das 13 Colônias
norte-americanas e a Revolução Francesa (a mais ínclita e jactante delas), observa-se uma perseguição
homérica aos direitos inatos, mormente engendrados
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com as teorias do empirista britânico e ideólogo do
liberalismo John Locke, que faz saltar aos olhos a necessidade (útil a uma demanda específica) do Estado
em retribuir o pacto social para seus indivíduos, qual
seja, a não subversão dos fins para os quais foi criado
e a defesa diligente dos direitos naturais sob o risco
de ser dilapidado.
Dessa maneira, o contratualismo lockeano é
o fundamento filosófico do poder limitado. Como o
pacto é firmado entre os cidadãos e o soberano, é de
sua população que o monarca recebe seu poder e
investidura. Se os cidadãos podem conceder, também podem tirar o poder que emprestam, e esse é o
fundamento da democracia política burguesa15.
Essa concepção torna Locke o antípoda de
Hobbes, ou seja, a despeito de ambos terem em comum a figura do pacto ou contrato para explicar como os homens passavam de um estado para outro,
Hobbes, apesar da solidez de sua argumentação e a
consistência de suas conclusões (que arquitetou para
ser a mais competente defesa intelectual do Leviatã),
foi fiel de uma só vocação, o absolutismo. Por outro
lado, o gênio inglês pode ser distinguido como um
devoto de que entendia ser uma predestinação: o
culto à liberdade política, à tolerância religiosa, a defesa dos direitos dos cidadãos e a cruzada em busca
de uma nova era16. Tal contraste o faz ainda mais digno de admiração.
Na discrepância conceitual entre os dois
pensadores, reside outra consequência. Ainda em
Locke, a propriedade deve ser percebida como uma
concessão ou liberalidade do Estado, e sendo um direito inalienável como a Vida, o Estado não poderia
dela dispor17. E a propriedade, como se sabe, é uma
das conquistas do estado burguês. Sem propriedade,
não há burguesia e, sem domínio da burguesia, não
há Estado burguês. Efeitos concatenados que não
importam em nada de pejorativo, apenas representam axiomas fundantes de uma classe essencialmente comercial que ascendia, fantasiando-se com a segurança jurídica e dominando o campo das ideias.
Em princípio, o que se conflagrou com a insurreição dessa camada é que todo homem nasce
igual e livre. Destarte, põe-se um ponto final aos privilégios de berço que se arrastavam pelos séculos das
sociedades de castas, como também se perseguia a
limitação e controle do poder soberano.
Essa é a cruzada original da burguesia, que
ressoa, através de seus juízos, até nossos dias colocando-se como medida indicativa que pode ser ilustrada até em nossa Constituição: “sem distinção por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica
ou política” ou “por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil”.18
Portanto, sem esgotar mais tinta que o assunto exige, apenas é imprescindível sublinhar a alomorfia do conceito romano de Lei Natural para Direitos Naturais, o que constata, faticamente, a universalidade de seu caráter, visto que se comprovam válidos e exigíveis a qualquer tempo e em qualquer lugar, pois pertencem à própria natureza humana.
Dessa maneira, não é mister insistir, neste
trabalho, em uma pretensa distinção entre direitos
humanos e direitos fundamentais, ora, pois, o cerne
da questão se resume a constatar o rol de direitos
que atinam ao gênero humano pelo tão somente fato
da identidade de ser humano, independentemente
da recepção ou positivação do Legislador pátrio.
3. Libertas, aequalitas, fraternitas19
Em relação ao lema da Revolução Francesa,
pode-se afirmar que os três postulados não passam
de reverberações de si mesmos. Ou seja, primeiramente, a Revolução ocorre por uma insurgência liberal e, portanto, era necessário que houvesse liberdade formal, isto é, para que a classe burguesa ascendente pudesse gerir seus negócios de maneira independente tendo guarida na segurança jurídica, era
fulcral que não houvesse a pretensa desigualdade do
Antigo Regime. Logo, firma-se o princípio da Liberdade.
Logo em seguida, vem a Igualdade. Para que
exista a igualdade entre os homens, primeiramente,
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é necessário que eles sejam livres. Todavia, a questão
que clama passagem é: para que essa liberdade?
Aristóteles, imerso numa sociedade aristocrática, dizia que se deve “tratar igualmente os iguais, e desigualmente aos desiguais”20. Na Grécia Antiga, o ideal
de homem era voltado à menção honrosa ao herói,
os homens nobres, aristói, em contraposição à plebe21. O homem, desse modo, que nasce condicionado, não pode galgar igualdade no seio social.
Tão só quando é lançada a pedra angular da
Liberdade, é que o homem, livre em suas próprias
determinações e escolhas, pode se igualar a seus
iguais e não mais ser taxado por habilidades e qualidades inatas. A Igualdade é um corolário da Liberdade.
Portanto, no novo contexto, exsurge uma
nova maneira de enxergar o homem e as relações
entre si: de que maneira é possível fazer com os homens vivam em perfeita união e harmonia? Daqui
promana o conceito de Fraternidade. Ela é imersa nas
novas concepções de Liberdade e Igualdade implantadas no seio histórico humano, e é partir desses dois
princípios é que se pode conceber esse terceiro, ou
seja, sendo o homem livre e igual, o que apenas resta
para que ele viva de modo como Hobbes, Locke ou
Rousseau afirmam após instituição do Pacto Social é
a Fraternidade. Isto é, o homem concebendo os outros como seus iguais e assim podendo conviver em
paz. “Vede: como é bom, como é agradável habitar
todos juntos, como irmãos” (Sl 133:1)
problema não filosófico, mas político.”22
No estado da arte aqui amparado, tomando em
conta todos os vieses e matizes que soergueram o
entendimento sobre a importância e relevância dos
direitos humanos, a sua defesa constata, para além
de um núcleo personalíssimo, a redenção de um Estado Democrático de Direto no qual o homem desenvolve suas potencialidades e, efetivamente, consagra
uma vida em comunidade; “A liberdade política sem
as liberdades individuais não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. E as
liberdades individuais, sem efetiva participação política do povo no governo, mal escondem a dominação
oligárquica dos mais ricos.”23
É nesse compasso, cadenciando as três virtudes
máximas de DeMolay: liberdade civil, religiosa e intelectual, que reluz a primorosa teoria da dimensão
objetiva dos direitos fundamentais. Em pormenores,
significa enxergar tais direitos sob o prisma dos principais preceitos apregoados pela sociedade, e, lançálos como desígnios norteadores das relações humanas, em todos os seus âmbitos.
No entendimento de que tais direitos condensam os valores centrais a determinada comunidade
política, remanesce, pois, o dever de encarná-los no
panorama crítico social com o intuito de moldar o
horizonte opinativo democrático, que vem sofrendo
crescentes desgastes argumentativos e humanísticos,
à mercê de discursos inflados e passionais. Significa,
ainda assim, tornar à opinião pública a verdadeira
importância do debate amparado em direitos e gaEm outras palavras, os direitos são subjetivos ao rantias que tardaram séculos para se efetivar e custahomem pelo simples e mero fato de ser homem.
ram vidas para que pudessem ser legitimados.
4. A corrupção de Babel
Após o todo, no que ainda resta para elucidar a
real pretensão deste artigo, é de bastante esmero e
consideração que se exponha as garantias e defesas
de uma teoria institucional calcada numa concepção
objetiva dos direitos humanos. Não mais além, nas
palavras de Bobbio: “O problema fundamental em
relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o
de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um
Precisando ainda mais essa nova visão já lançada, Daniel Sarmento explica que “a dimensão objetiva expande os direitos fundamentais para o âmbito
das relações privadas, permitindo que estes transcendam o domínio das relações entre cidadão e Estado,
às quais estavam confinados pela teoria liberal clássica. Reconhece-se então que tais direitos limitam a
autonomia dos atores privados e protegem a pessoa
humana da opressão exercida pelos poderes sociais
não estatais, difusamente presentes na sociedade
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ESTEVAM, D; GODINHO, I. DEUS MEUMQUE JUS
contemporânea.”24 Assim, faz-se imperativo observar 3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito de acesso
o pedestal assumido pelos direitos humanos funda- à justiça constitucional. Luanda, junho de 2011.
mentais - apropriando-se de toda a redundância que 4 GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und Methode.
o assunto permite25 - e a nova ótica a partir da qual o Tübingen, 1960.
homem moderno deve pautar a sua compreensão.
5
HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Berlim, 1927
6
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986.
5. Considerações Finais
Sem a presunção de esgotar a temática, perseguindo o fio condutor que leva a uma cosmovisão
multifacetada e centrada na dignidade da pessoa humana, todo o supracitado faz remeter o debate democrático a um patamar cujo principal valor é voltado à dimensão axiológica do ser humano. É, com toda
a clareza possível, munir as categorias discursivas das
instituições contra os vis assédios que insurgem-se
contra o antro da jurisdição calcada no homem perseguido por valores aptos a lhe permitirem uma vida
digna e justa. Ainda assim, nos versos do pastor evangélico Martin Niemöller (1892-1984), perseguido pelo
regime nazista em 1938, jaz a importância que esse
diálogo suscita ainda hoje:
7
http://www.bl.uk/magna-carta
8
http://www.legislation.gov.uk/aep/
Edw1cc1929/25/9/contents
9
MARRAFON, Marco Aurélio. Direito e Pensamento
Político. Faculdade de Direito, UERJ. Maracanã, 2014.
10
http://www.bl.uk/events/magna-carta—law-liberty
-legacy?
ns_campaign=magnacarta&ns_mchannel=display&ns
_source=bl_website&ns_linkname=mcspace944_90&
ns_fee=0
11
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social.
E não sobrou ninguém
Primeiro eles vieram atrás dos comunistas,
e eu não protestei, porque não era comunista.
Depois, eles vieram pelos socialistas,
e eu não disse nada, porque não era socialista.
Mais tarde, eles vieram atrás dos líderes sindicais,
e eu me calei, porque não era líder sindical.
Então foi a vez dos judeus,
e eu permaneci em silêncio porque não era judeu.
Finalmente, vieram me buscar,
e já não havia ninguém que pudesse falar por mim.
6. Referências bibliográficas e Notas de Fim
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre Direito Civil.
Hobbes, Thomas. O Leviatã.
12
MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira
década de Tito Lívio.
13
http://www.encuentro.gov.ar/sitios/encuentro/
programas/ver?rec_id=104210
14
NOGUEIRA FILHO, Octaciano da Costa. Introdução à
Filosofia Política. Ed. - Brasília: senado Federal, Unilegis, pp. 106, 2010.
15
WEFFORT, Francisco Correia. Os Clássicos da Política 1.
16
NOGUEIRA FILHO, Octaciano da Costa. Introdução à
Filosofia Política. Ed. - Brasília: senado Federal, Unilegis, pp. 106, 2010.
17
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre Direito Civil.
18
http://www.encuentro.gov.ar/sitios/encuentro/ BRASIL, Constituição Federal. Artigos 5º, VIII e 3º,
IV.
programas/ver?rec_id=50205
1
19
OZOUF, Mona.
Liberté, égalité, fraternité,
JEFFERSON, Thomas. Escritos políticos. São Paulo:
Editora Abril Cultural. Coleção Os Pensadores, 1973. dans Pierre Nora (dir.). Lieux de Mémoire, vol. III : Les
2
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31
ESTEVAM, D; GODINHO, I. DEUS MEUMQUE JUS
France.
De
l'archive
à
limard, 1997, p. 4353-4389.
l'emblème,
Gal-
20
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: Pietro
Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2006.
21
NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral.
22
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus Ltda., 1992, p. 24
23
COMPARATO, Fábio Konder. Comentário ao artigo
1º, in 50 anos da declaração universal dos Direitos
Humanos 1948 - 1998, Conquistas e Desafios, OAB,
Comissão Nacional de Direitos Humanos. Brasília,
1998, p. 38
24
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Revista Lumen Juris, 2ª edição.
25
SARLET, Ingo Wolfgang. O conceito de direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. ConJur,
27 de fevereiro de 2015, 8h02.
FinP | Rio de Janeiro, Vol. 2, n.2, p. 25-32 Mai/Ago, 2015.
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