Teorias e Práticas de Semiótica

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Teorias e Práticas de Semiótica
TEORIAS E PRÁTICAS DE SEMIÓTICA
Coordenação: Prof. Dr. Roberto Ramos ([email protected] )
MESA 1
#VEMPRARUA: LINGUAGEM, PODER E JORNALISMO
Bibiana de Paula Friderichs1
Maria Joana Chaise2
Resumo:
A presente pesquisa, ainda em andamento, propõe uma leitura semiológica do
movimento #vemprarua (percursos anteriores e posteriores), que acontece no
Brasil deste junho de 2013. Trata-se de um estudo da discursividade em nível
verbal e não verbal de alguns textos ligados ao movimento, especialmente de
textos jornalísticos, observando as interfaces entre o jornalismo, a linguagem e
as estruturas por meio das quais o poder se particulariza. O estudo tem como
teórico norteador Roland Barthes para quem a relação que temos com a
linguagem e, consequentemente com o signo, é política. Entretanto, não se trata
de perceber esta relação como se a própria política, algo exterior a linguagem,
implantasse nela figuras para politizá-la; mas de pensar a linguagem como algo
que se elabora na práxis, fazendo dela espaço de realização da subjetividade,
atravessada por formas transindividuais que se arrastam no Discurso. A
despeito da complexidade paradoxal do fenômeno, decidimos arriscar uma
reflexão inicial ancoradas pela Dialética Histórico Estrutural e pela técnica
semiológica, a partir de quatro categorias barthesianas: Discurso, Estereótipos,
Poder e Cultura; e da categoria Jornalismo, considerando a perspectiva
construtivista, de Nelson Traquina.
Palavras-chave: Produção de sentido, Barthes, jornalismo, #vemprarua, discurso.
1 Doutora pela PUCRS, professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade da Faculdade de
Artes e Comunicação, da Universidade de Passo Fundo. E-mail: [email protected]
2 mestre pela UNISINOS, professora do curso de Jornalismo da Faculdade de Artes e
Comunicação, da Universidade de Passo Fundo, também é pesquisadora envolvida com esta
investigação.
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“Para dizer-se homem, o homem precisa de uma linguagem, isto é, da própria
cultura”. Embora o trecho encontrado no ensaio A paz cultural, de Roland
Barthes (1988, p.105), seja breve, seu axioma guarda uma imensurável trama de
perspectivas inquietantes acerca da dialógica entre o lugar do sujeito e o
Discurso, no diligente jogo de constituição dos cenários histórico-sociais aos
quais estão ligados.
O homem se constitui na linguagem, e os textos em circulação são espaços de
realização da sua subjetividade, não apenas porque constrói este ou aquele
significado na medida em que é atravessado pelos signos, mas pelas vicissitudes
próprias do trabalho de significação, que o colocam diante do caleidoscópio da
alteridade. A linguagem não lhe confere só identidade; mais do que isso,
confere-lhe existência. É como se o Discurso nos mantivesse invariavelmente
frente a um espelho cujo reflexo, embora possa ser reconhecido como igual (um
duplo), não é o mesmo (porque é o outro, que nos reconhece e, por ser diferente
de nós, dá tangibilidade a essa distinção). Assim, a linguagem também é produto
de um contrato coletivo e diacrônico, matéria prima na tecelagem da
comunicação.
Sob esta perspectiva, é certo que existe uma constate individual de linguagem, a
que Barthes (1988) chama de idioleto (tomando emprestada uma noção de
Saussure). Trata-se da tensão que todo sujeito enfrenta ao fazer valer a sua
palavra
(aqui
compreendida
num
sentido
amplo),
“para
não
ficar
completamente sufocado pela linguagem do outro”, (p.111). Mas como essa
linguagem foi tecida? O autor pondera (para além do empréstimo) que mesmo
sendo a linguagem o lugar onde se efetiva a subjetividade absoluta,
particularmente no que tange ao Discurso (ao produzi-lo ou acessar o do outro),
ela também é o lugar da realização de formas transindividuais. Na sua tessitura
se desenvolve um jogo afinado às regras da cultura, que fornece uma lista de
códigos, convenções, protocolos e estereótipos conduzindo-o, como quem
dispõe de peças numa partida de xadrez sem vencedores. E tudo é cultura: “da
roupa ao livro, da comida a imagem, a cultura está por toda parte, de uma ponta
à outra das escalas sociais” (p.105).
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No entanto, apesar dessa ubiquidade, não é possível apanhá-la plenamente;
qualquer descrição seria restritiva - como a desta escritura - porque nada lhe é
exterior, não há restos na cultura; e seus elementos dispersos nos cenários sociais,
estão presentes na maneira como falamos (ou nos nossos silêncios), na nossa
sintaxe, no entrelaçado que fazemos dos signos, de tal modo que, “não podemos
passar para o não discurso porque o não discurso não existe” (1981, p.159),
uma vez que ele é metonímia da cultura (e, destarte, da linguagem, onde esta
cultura se materializa).
Compreender tal dinâmica equivale a apontar para a problemática com a qual
nos surpreendemos envolvidos: uma vez que a linguagem é parte do que é o
homem, e, em tempo, é fundada pelo atravessamento de todos os textos que ele
acessa ao longo da vida, ou seja, da cultura construída pelos grupos sociais aos
quais está conectado; podem existir tantas linguagens quantos forem os grupos
existentes; o que faz delas linguagens sociais. E, por isso, ainda que a cultura
esteja aí “por toda a parte e para toda a gente”, como observa Barthes (1988,
p.107) “sem infelicidades aparentes”, em seu úbere se aninha uma guerra: “as
nossas linguagens se excluem umas às outras: numa sociedade dividida (pela
classe social, o dinheiro, a origem escolar), a própria linguagem divide”
(p.106); e para o autor, sua divisão mais simples diz respeito à relação da
sociedade com o Poder.
Uma vez que esta linguagem traduz as relações sociais, é nela também que se
inscreve o Poder; a cada dobra do tecido-texto ele coloca os estereótipos e a
edificação das articulações estruturais a serviço de sua manutenção. Os
discursos midiáticos, e mesmo a mídia como instituição, embora suplantadas no
universo horizontal e colaborativo da Cibercultura, seguem multiplicando-se
como os principais canais de produção e distribuição de bens culturais,
dominando os espaços de alteridade e de troca. E o Jornalismo, tangibilizado
em uma diversidade de formatos discursivos é, consequentemente, uma forma
de fala, um texto público, que circula pelo ambiente social e, portanto, provoca
certo movimento.
Nesse contexto evidencia-se a relevância do movimento #vemprarua e,
consequentemente, dos discursos jornalísticos sobre ele (percursos anteriores e
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posteriores). Observamos, empiricamente, no encontro das plataformas e das
narrativas em torno do movimento espaço de fruição, ora provocados pelos
descaminhos do texto e do sentido, provocando rupturas na cristalização dos
sentidos anteriormente naturalizados, ora observamos sua edificação, a
manutenção de figuras de linguagem e, por meio delas, dos poderes já instituídos;
enfim, a guerra das linguagens.
#vemprarua é uma onda de manifestações por todo o território Brasileiro, e
mesmo fora dele - talvez devido à força da noção de identidade nacional e da
necessidade de reafirmá-la quando estamos fisicamente distantes. Entretanto a
própria descrição do fenômeno, deverá, com o desenvolvimento da pesquisa,
ganhar um olhar cauteloso no sentido de identificar e, compreender, quais
Discursos (e os respectivos textos que os tangibilizam) serviram como pretexto
para sua fundação.
Por ora podemos dizer que é um movimento ainda em curso – o que pode
comprometer esta análise, fazendo-a parecer ingênua –, e que teve início em
junho de 2013. Supostamente a gênese dos protestos está no aumento das
passagens de transporte público, primeiro em São Paulo e depois em todo o país;
mas tão logo as manifestações se revelaram, associadas a elas, surgiram outras
demandas (e outros Discursos?), como efeito dominó: crítica aos investimentos
da copa, discussão sobre o papel do ministério público, sobre a precariedade do
atendimento médico, o baixo salário dos professores, a questão da ocupação de
terras envolvendo agricultores e indígenas, o problema da corrupção.
As imagens empiricamente encontradas nas redes sociais, nas publicações
imprensas e mesmo nas reportagens televisivas, nos revelam que cada sujeito (e o
grupo com o qual construiu relação de pertencimento) sente-se à vontade para
fazer valer seu Discurso, expressar sua palavra, até então excluída ou sufocada
pelo Discurso vigente, de uma cultura caricaturalmente unificada e que agora,
talvez, tenha sua diversidade exposta pela paleta digital. Temos então a
impressão da uma explosão de socioleto (quiçá, de idioletos também), e as ruas
transformadas no campo de combate das linguagens, tomadas de tal visibilidade
que o Discurso amaciado da doxa, desarranjou- se de susto.
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Para tipificar o cenário (de linguagens) caótico que se configurou nas ruas e nas
redes digitais, os Discursos da mídia de massa recorreram aos estereótipos, que
se arrastam
pela
história,
como
<<vandalismo>>,
da
<<violência
inexplicável>>, da
<<revolução>>, <<da esquerda>>, <<da direita>>. Evidenciando que a
linguagem do outro sucessivamente acaba “percebida segundo as arestas mais
vivas da sua alteridade: daí as tão frequentes acusações de ‘jargão’ e uma velha
tradição de ironia contra linguagens fechadas que são pura e simplesmente
linguagens outras”, (BARTHES, 1988, p.114-115).
Procurando dar-lhe um rótulo, muitos programas midiáticos sobre o assunto
(ainda reféns de uma lógica massiva de produção - em oposição as
possibilidades evidenciadas pela comunicação em rede da internet) investiam em
descobrir e explicar a linha em torno da qual todo aquele tecido se amarrava,
como se os falares da multidão pudessem ser centralizados em torno de um
único tema – uma verdade absoluta – ou um único líder. Tal qual fazia o
Formalismo e a Crítica, como eram praticados tradicionalmente, obstinados em
encontrar o fundo das narrativas, o sentido oculto por trás do texto, o que
estivesse escondido nas entrelinhas, na combinação de enquadramentos da
imagem, de sons, como se as formas e, enfim, a estrutura, o Discurso (neste
caso disperso) fosse constituído por camadas removíveis. Á medida que
conseguíssemos remover tais camadas, poderíamos chegar a uma origem, a uma
fonte de significação, a um conteúdo correto, ou melhor: <<ao que está
acontecendo e de quem é a culpa>>.
Mas rompendo com esta tradição, propomos (ancorados pela Semiologia) olhar
para estes falares como um lugar sem fundo, lugar da multiplicidade de
perspectivas e entendimentos, lugar inclusive de contra-sensos, apresentados
pelo plural rolante das combinações descobertas pelos sujeitos (na produção e
leitura dos Discursos), e que por serem polissêmicas o deslocam, colocam-no
em derrisão (destroem ou destituem a conteúdo lido como único).
Dizemos isso porque empiricamente observamos que a <<natureza da cultura>>
neste fenômeno, está ligada a subjetividade múltipla da identidade do sujeito
contemporâneo (o multivíduo, de Canevacci, 2009), que não necessariamente é
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mobilizado pela massa (cujo líder se perpetua), mas por uma comunicação
descentralizada, viabilizada pela internet e pelas redes de conexão social
(Facebook, Twitter, Tumblr, Instagram, Pinterest e etc). O ciberespaço, é um
não-lugar (para citar Augé, 2006) numa cultura de transição, território (sem
evitar o paradoxo) mais vivido (particularmente através da linguagem) do que
historicizado. A ecologia cognitiva que se estrutura ao seu redor supera a lógica
de uma comunicação de um para todos, em favor de uma comunicação de todos
para todos; cultura essa que estorva o esforço de unificação das linguagens ou
coincidência da fala e da escuta. Segundo Levy (2003, p.49) “é como se a
digitilazição estabelecesse uma espécie de imenso plano semântico, acessível
em todo lugar, e que todos podem ajudar a produzir, a dobrar diversamente, a
retornar, a modificar, a dobrar de novo [...]”.
Há também outro elemento que temos de levar em consideração na leitura deste
fenômeno político e, por assim dizer, da linguagem, ao apontar para suas relações
com o Poder; e não se trata de perceber a linguagem política como se a própria
política, algo exterior a linguagem, implantasse nela figuras para politizá-la. Mas
uma linguagem que se elabora como prática social. Ela é a própria política,
porque a política só existe através e no discurso. Assim, a mediação que
intervém entre o poder e a linguagem não é de ordem política (uma cultura
política talvez?), mas de ordem cultural.
A guerra parece figurar-se, então, na disputa pela propriedade da linguagem
(quem é dono do movimento) ou pela apropriação da linguagem do outro (a
modo de fazê-lo de tolo, achincalhando sua fala). Nessa brecha de interditos
parece-nos haver espaço para nos descondicionarmos da finitude do sentido,
deixando-nos desarranjandos diante dos falares, especialmente se a cultura
prévia que nos servia de referência não guarda uma verdade absoluta sobre sua
origem (ou enfrenta obstáculos para revelá-la), já que esses mesmos Discursos
estão sendo, ou precisam ser, reinventados num <não lugar> desconhecido. Para
encontrar essas fissuras no Discurso (e se de fato existem fissuras possíveis),
onde podemos estar em fruição, dependemos, porém de identificar e reunir os
textos que corporificam a linguagem dos diferentes grupos sociais manifestos
no movimento; textos esses que hoje são múltiplos e estão dispersos. Precipita-
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se daí, e a partir da reflexão inicial proposta neste artigo, o próximo passo da
pesquisa.
Nosso objetivo é, então, estudar a produção de sentido em nível verbal e nãoverbal dos Discursos jornalísticos construídos durante as jornadas de junho no
Brasil (ou a partir delas), tendo como âncora a Dialética Histórico Estrutural, a
Semiologia Barthesiana e a Teoria Construcionista. O corpus da investigação é
fundado por notícias publicadas no dia 17 de junho (de forma impressa,
televisionada ou online) pela chamada grande mídia, mas também por grupos
de mídia alternativa. Trata-se de uma investigação que busca compreender de
que forma a discursividade construída pelas narrativas midiáticas evidencia as
pertinências e as impertinências do Jornalismo na constituição dos discursos
sociais ligados ao movimento #vemprarua. Uma problemática que abundou ao
observamos empiricamente que a gênese do movimento se constituiu nas redes
sociais digitais, tangenciando a mídia tradicional e criando uma guerra em
busca da titularidade discursiva ou pela apropriação da linguagem do outro;
uma guerra cujas fissuras criadas por seus interditos evidenciam as invariâncias
do Poder.
O Poder sempre foi objeto de discussão. Diante de sua característica invariante
(pois está sempre presente, mesmo nos diferentes tempos históricos, assumindo
estados distintos) desperta a atenção e o esforço conceitual de muito pensadores
e, consequentemente, tem sido objeto de uma pluralidade de interpretações.
Segundo Ramos (2006), nas reflexões barthesianas o conceito de Poder foi,
mais uma vez, renovado.
Weber (1967), por exemplo, notabilizou o sentido de poder como
dominação. Anotou-o como a capacidade de uma elite impor o seu
projeto de desenvolvimento a uma maioria. É a expressão da dominação
em seu aspecto vertical, na relação entre elite e o povo. Barthes não
jogou fora o sentido weberiano, mas o poluiu. Concedeu-lhe uma
abordagem dialética, desembraçando-o de uma perspectiva mecanicista,
de enquadramento automático. Vislumbrando-o, com recorrência de um
ver psicanalítico (p. 5 e 6).
Para Barthes (1978), o Poder é a libido dominandi, não como prazer sexual, mas
como energia prazerosa, que dá motivações ao homem para viver. Baseado
nesse pressuposto, não pode ser percebido segundo uma ótica simplista, como se
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fosse apenas um objeto político: alguns o têm; outros, não. Além disso, o autor
adverte que o poder também é um objeto ideológico, que pode ser alcançado
através da linguagem, entendida numa perspectiva social; não se restringe ao
Estado, mas está em todos os mecanismos de intercâmbio, como nas relações
familiares, nos espetáculos teatrais, nos esportes e, até, “nos impulsos
libertadores que tentam contestá-lo” (p.11).
A linguagem é, então, a expressão das relações às quais estamos submetidos, e
os signos, dos quais se apropria para organizar seus Discursos, são instrumentos
de Comunicação que tornam possível estabelecer um consenso acerca das ideias
de
mundo
dos
diferentes
indivíduos
envolvidos
neste
ambiente
e,
consequentemente, reproduzir ou questionar a ordem social e o modo como seu
cotidiano está organizado. Desse modo, o Discurso pode ser o lugar de exclusão
ou encerramento dos sujeitos sociais, dependendo da forma que os poderes
tomam para se interdizer ou excluir.
Em outras palavras, o Poder habita a linguagem, especialmente através da língua
como instituição social, que se reproduz trans-socialmente. Sobreviver no
cenário social, nos impõe recorrer a ela, utilizar os seus códigos, respeitar sua
estrutura – caso contrário podemos não ser escutados –, embora tal apropriação
signifique se submeter às suas regras; o que “implica uma relação fatal de
alienação. Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete
com demasiada frequência, é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada”
(BARTHES, 1978, p.13).
Presos, de forma compulsória, aos entreténs desse exercício, cada um dos grupos
que compõem o ambiente social configura formas particulares de fala, os
chamados Socioletos. Para Barthes (1988), eles surgem como uma espécie de
arma discursiva, a partir da consciência absoluta desses grupos de que é
necessário fechar o sistema, proteger-se e excluir dele o adversário ou o
diferente (e voltamos a divisão da linguagem).
Isso acontece porque, numa sociedade caracterizada pela circulação de textos e
bens simbólicos, não há uma cultura homogênea. Existem vários grupos
compondo o cenário social, cada qual com seus discursos, dos quais alguns
prevalecem e, por isso, são os mais consumidos. Entretanto, consumir o mesmo
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Discurso
não
garante
homogeneidade;
cada
um
desses
grupos,
independentemente da fala que consome, continua produzindo o seu próprio
Discurso.
Por um lado, os socioletos emergem, então, como reflexo de uma luta para
sobrepor o Discurso peculiar a um grupo ou para que ele não seja asfixiado
pelo discurso do outro; de certa forma, oferece algumas vantagens, as mesmas
que a posse de uma linguagem dá a todo o Poder que se quer conservar ou
conquistar. Por outro, os Socioletos não são apenas linguagens de resistência,
mas comportam elementos de intimidação com o objetivo de impedir o outro de
falar. Para isso, utilizam figuras ofensivas no discurso, responsáveis por
constranger o outro.
Observada essa natureza, Barthes (1973) acredita que os Socioletos podem ser
de dois tipos: Acrático e Encrático, estruturadas a partir dos discursos de Poder.
No Socioleto Encrático a linguagem enuncia-se e desenvolve-se sobre as
relações instauradas nos aparelhos estatais, institucionais e ideológicos. É um
discurso difuso, disseminado, que impregna as trocas, os ritos sociais, os lazeres,
e busca legitimar a fala das classes dominante; constitui-se a partir da doxa ,
submisso aos seus códigos, que são, eles próprios, as linhas estruturantes da sua
ideologia.
Ora a linguagem encrática (aquela que se reproduz e se espalha sob a
proteção do poder) é estatutariamente uma linguagem de repetição; todas
as instituições oficiais de linguagem são máquinas respiradoras: a escola,
o esporte, a publicidade, a obra de massa, a canção, a informação,
redizem sempre a mesma estrutura, o mesmo sentido, amiúde as mesmas
palavras: o estereótipo é um fato político, a figura principal da ideologia.
(BARTHES, 1973, p.55).
Barthes (1988) destaca que, enquanto o Discurso Encrático age por opressão, o
Acrático age por sujeição, ambos determinados a intimidar o outro, pressioná-lo.
E não apenas o outro; todo socioleto coage também aqueles que o
compartilham, pois comporta ¿rubricas obrigatórias¿, estruturas cristalizadas,
rótulos, formas que lhe dão consistência, fora das quais a clientela do socioleto
(os membros de determinado grupo cultural) não pode falar (não pode pensar),
sob pena de exclusão.
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Já o Discurso Acrático representa as linguagens que se formam fora do Poder,
mas não necessariamente contra ele; trata-se de uma fala revolucionária que
busca conquistá-lo, portanto, existe como práxis. Enquanto houver movimento,
luta, desejo de escritura polissêmica – diversa dos sentidos amarrados pela
linguagem dominante –, o Discurso Acrático pode existir. É, aliás, mas simples
percebê-lo, já que para se distinguir (porque quer a ruptura) soa com um
assalto, prendendo o sentido em uma direção outra daquela cerceada pelo doxa,
não com o objetivo de invadi-lo, mas constrangê-lo; e, ao contrário do Discurso
Encrático, não utiliza figuras de amaciamento, não recorre aos álibis de natureza
travestindo-se de não discurso (como se isso fosse possível).
No
entanto,
“esta
divisão
social
das
linguagens,
parece
perturbada
simultaneamente pelo peso, pela força unificadora do idioma nacional e pela
homogeneidade da cultura dita de massa”, (BARTHES, 1988, p.114). Há, para o
autor, uma aparente <paz cultural> nas sociedades atuais, exaltada pela
democracia do objeto (já que ninguém fica fora da cultura) e sob efeito de
determinações aparentemente técnicas (dentro de um dado território todos falam
a mesma língua); como se a sequência óbvia desse silogismo fosse o adágio: <
logo, só existe uma única cultura, da qual todos são reféns>.
Ao se definir a cultura de uma sociedade pela circulação dos símbolos que nela
se cumpre, a nossa cultura se mostraria tão homogênea e cimentada como a de
uma pequena sociedade etnográfica. A diferença é que só o consumo é geral em
nossa cultura, não a produção: todos entendemos o que ouvimos em comum,
mas nem todos falamos a mesma coisa que ouvimos; os `gosto¿ estão divididos,
por vezes até opostos de maneira inexorável (BARTHES, 1988, p. 110).
Evidentemente que Barthes pauta estas questões mergulhado em um tanque
histórico e um cenário midiático refém do fortalecimento crescente das formas
massivas de comunicação. Já nascida, mas não instalada, a Cibercultura
enquanto processo de produção de Discursos horizontal, disseminado e
colaborativo era pouco tangível no palco onde o autor estava instalado. Hoje a
imagem é outra, que desestabiliza nossas referências de linguagem e antepara o
intento de sua unificação, o que não inviabiliza recorrer à ele como teórico
norteador desse estudo, já que sua preocupação debruça-se sobre aspectos
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invariantes na sociedade: a produção de sentido e o poder. Ao contrário, a
diáspora da linguagem apontada por Barthes, só se intensifica e fortalece nesse
novo cenário.
No homem se acumulam linguagens (em guerra) que o fracionam. A escuta está,
parcialmente, comprometida (o mesmo idioma, muitas das mesmas figuras de
linguagem); mas o desejo da escritura, o gosto e a produção de Discurso ainda é
múltipla, subjetiva/socioletal – o que faz com que haja uma pluralidade de falas
lutando pelo Poder. Além disso, para Barthes (1988) a divisão de linguagens
não dá conta de glosar a divisão de classes, porque há muitos deslizes,
empréstimos, negociações, estorvos, que permitem apropriações marginais dos
signos e perversão das estruturas, a partir das quais nascem novos Discursos, tal
qual uma roda de moinho, que posto na beira do rio, nunca é abastecido pela
mesma água.
Essa conjetura revela o crédito barthesiano à polissemia dos signos, ou seja, a
suposição de que eles não são filiados a um sentido perene e exclusivo e nem a
uma origem, mas constituem-se através do jogo dialético com o qual os
significantes e significados estão imbricados. Entretanto, a ligação entre o
significante e o significado tem muito menos importância do que a organização
dos significantes entre si. Isso porque o significante é vazio; o signo é que é
pleno. “O que se transmite não são ideias, mas linguagens, quer dizer, formas
que se podem encher de maneiras diferentes” (BARTHES, 1981, p. 31); por
conseguinte, que possibilitam ao sujeito atribuir sentidos diversos a um
Discurso, negando a existência de uma relação estável entre forma e conteúdo,
como quer nos convencer a doxa.
Daí de pensarmos nos descaminhos do Discurso e dos textos que o compõe
diante do sujeito,
menos como um sumidouro e mais como um mapa sem
mina, sem ¿xis¿, uma rota abalada, onde a significação pode dispersar-se. E,
sob esta perspectiva, ele torna-se o lugar da multiplicidade de perspectivas e
entendimentos, lugar inclusive de contra-sensos, apresentados pelo plural
rolante das combinações descobertas pelo sujeito, mas que por serem
polissêmicas o deslocam, colocam-no em derrisão (destroem ou destituem a
conteúdo lido como único). Trata-se de uma libertação da linguagem (no que
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concerne aos significados, e à propriedade do Discurso), através da produção de
um novo modo de fala.
Por isso, para a semiologia interessa uma crítica ativa à monossemia ou a
polissemia hierarquizante do sentido, condição esta que pauta a escolha do
movimento
#vemprarua como objeto deste estudo. Se o Poder é invariante ao longo da
história, sempre presente, mas camaleônico, também o são os momentos de
ruptura dessas suas fantasias ¿ palavra aqui adotada para utilizar a noção de
Ficção que Barthes toma emprestado de Nietzsche, ou associar o Discurso a
uma “encenação de argumentos, agressões, réplicas, fórmulas, um mimodrama
em que o sujeito pode jogar o seu gozo histérico” (1988, p.125).
Esse recorte mencionado, o arcabouço não-linear dos Discursos que constituíram
o movimento #vemprarua parecem revelar-se ora como um jogo previsível de
signos, ora como um aloucamento da estrutura; acordando novos e múltiplos
sentidos
sobre
concepções
ordinárias
que
estavam
confortavelmente
acomodadas na bagagem cultural construída pela doxa. E para compartilhar o
alvoroço dessa nova narrativa social, este texto característico e muitas vezes
privado em que ela se constitui, é que propomos tal investigação. A despeito da
complexidade paradoxal do fenômeno, decidimos arriscar uma reflexão;
incialmente, a mais vaga possível.
Nesse sentido, nossa opção pelos discursos Jornalísticos. Eles estão na
interseção entre a referência barthesiana à mídia, a cultura de massa, e a
emergência de uma nova forma cultura e estrutura narrativa, a cibercultura.
Entretanto, o nascimento da Cibercultura não significa, por metonímia, a morte
do discurso midiático, porque ele tem o Poder de se transfigurar nas mais
diversas estruturas. Aliás, a linguagem e toda a sua complexidade é a matériaprima na tecelagem da Comunicação, em particular, da Comunicação Midiática;
portanto, é nos seus Discursos que o sujeito contemporâneo se faz e se refaz.
Uma vez que esta linguagem traduz as relações sociais, é nela também que se
inscreve o Poder; a cada dobra do tecido-texto ele coloca os estereótipos e a
edificação das articulações estruturais a serviço de sua manutenção. Os
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discursos midiáticos, e mesmo a mídia como instituição, embora suplantadas no
universo horizontal e colaborativo da Cibercultura, seguem multiplicando-se
como os principais canais de produção e distribuição de bens culturais,
dominando os espaços de alteridade e de troca. E o Jornalismo, tangibilizado
em uma diversidade de formatos discursivos é, consequentemente, uma forma
de fala, um texto público, que circula pelo ambiente social e, portanto, provoca
certo movimento.
Sob esta perspectiva Traquina considera que as notícias são índices do real.
Entretanto, também destaca que ao produzir determinado Discurso jornalístico o
sujeito realiza uma operação de seleção, exclusão, ou até de acentuação de
diferentes aspectos do acontecimento, e com isso o recria, constrói a realidade. A
notícia é, portanto, o:
resultado de um processo de produção, definido como a percepção,
seleção e transformação de uma matéria prima (os acontecimentos) num
produto (as notícias). Os acontecimentos constituem um imenso universo
de matéria- prima; a estratificação deste recurso consiste na seleção do
que irá ser tratado, ou seja, na escolha do que se julga ser matéria-prima
digna de adquirir a existência pública de notícia, numa palavra ¿
noticiável (newsworthy) (TRAQUINA, 1999, p. 169).
O conceito apontado acima torna claro o paradigma surgido nos anos 1970 que
defende as notícias como uma forma de construção. A perspectiva, inspirada na
sociologia de Berger e Luckman (1971) e trabalhada por Hall (1999), Tuchman
(1978), Traquina (1999, 2001, 2005), entre outros autores, rejeita a própria
ideologia jornalística e sua hipótese das notícias enquanto espelhos da realidade
– primeira teoria oferecida
para explicar por que as notícias são como são, e que propõe a realidade como
fator que determina o conteúdo noticiado.
Nesse sentido Alsina (2009) destaca, por um lado, que não devemos vincular o
conceito de ‘construção social da realidade’ única e exclusivamente com a
prática jornalística. De acordo com ele, a noção de “construção social da
realidade”, tal como está definida por Berger e Luckmann (1979), localiza-se
inicialmente no nível da vida no quotidiano; mas por outro, lembra que também
é no quotidiano, em que se dá, no entanto, um processo de institucionalização
das práticas e dos papeis. Assim, embora a notícia exista `fora´ ou `antes´ de ser
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institucionalmente preparada no sistema produtivo midiático, a atividade
jornalística tem um papel socialmente legitimado para gerar construções da
realidade
publicamente
relevantes;
de
forma
que
as
narrativas
e
consequentemente a memória e as reverberações das jornadas de junho no Brasil,
são ao mesmo tempo, social e intersubjetivamente construídas. O que o presente
projeto de pesquisa está descobrindo é como esse processo se estrutura.
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15
A Complexidade na cobertura da morte de Fernandão e a
construção do Mito
Bruna Provenzano3
Resumo
A cobertura jornalística da morte trágica de Fernandão ocupou muitas páginas em
jornais que trataram da perda de um dos mais importantes jogadores de futebol da
história do Rio Grande do Sul. Neste ensaio, voltamos nosso olhar para a primeira
matéria publicada pelo jornal Correio do Povo sobre o tema. Utilizamos o Paradigma
da Complexidade, de Edgar Morin, e a Semiologia, de Ronald Barthes, para desvelar
os aspectos obtusos nos textos e nas imagens apresentados pelo periódico. Este
trabalho representa um recorte da nossa pesquisa para dissertação de Mestrado, na qual
analisaremos, também, produções do jornal Zero Hora.
Palavras-chave: comunicação social; Fernandão; Complexidade; jornalismo esportivo;
Mito.
A trajetória de Fernandão
A morte de Fernando Lúcio da Costa, o Fernandão, ocorrida após a queda do
helicóptero no qual viajava, no dia 7 de junho de 2014, pautou os principais jornais do
Rio Grande do Sul pelos dias que seguiram ao falecimento do ídolo do Sport Club
Internacional. O tema foi abordado a partir de diferentes aspectos como as possíveis
3 1Jornalista,
Especialista em Jornalismo e Convergência de Mídia pela Universidade Feevale.
Mestranda do PPGCom - PUCRS E-mail: [email protected]
16
causas do acidente aéreo, as homenagens de colegas e torcedores e a retrospectiva da
carreira do ex-jogador que morreu aos 36 anos de idade. A morte de um ídolo do
futebol que havia deixado os campos há pouco tempo e que dava início à carreira de
comentarista, pautou os veículos de comunicação durante vários dias e semanas. Nos
dias que se seguiram, entre as pautas estavam os detalhes e possíveis causas do
acidente aéreo e as retrospectivas da carreira do goiano que conquistou os principais
campeonatos de futebol pelo Internacional na última década.
Dos 36 anos que viveu, Fernando Lúcio da Costa dedicou mais de três décadas ao
futebol. Ainda criança começou a jogar no time de coração, o Goiás, clube que leva o
nome do estado em que nasceu. A altura, 1,90 metro, justifica o apelido que tornou
Fernandão mundialmente conhecido. Nascido em família de classe média alta, o filho
de fazendeiro mostrava desde os primeiros passos que teria história diferente da
maioria dos colegas de profissão que, pela falta de oportunidades e estudo, encontram
no esporte uma das poucas possibilidades de ascensão na vida.
Correio do Povo
Fundado por Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior em 1º de outubro de 1895, o
Correio do Povo é o jornal impresso mais antigo do Rio Grande do Sul e um dos mais
antigos do Brasil. Na época de sua fundação, no final do século XIX, a sociedade
gaúcha estava politicamente dividida, então o Correio do Povo surgiu com o objetivo
de atingir a massa, independente das preferências partidárias.
Logo nos primeiros anos de experiência, o periódico passou a ostentar o título de
jornal de maior circulação e tiragem do Rio Grande do Sul. Atualmente, o Correio do
Povo é 2º maior veículo em número de assinantes no estado e o 5º no Brasil. Na
história deste veículo, se destacam o pioneirismo na contratação de profissionais de
jornalismo e o investimento em tecnologia.
Com a morte de seu fundador, em 1913, o veículo passou alguns anos sendo
gerenciado pela viúva Dolores Alcaraz Caldas, até 1935, quando o filho do casal,
Breno Alcaraz Caldas, assumiu e permaneceu na direção da empresa jornalística por
mais de 50 anos. Como presidente da empresa, o sucessor de Caldas Júnior ainda
17
fundou outros dois jornais: Folha da Tarde e Folha da Manhã, além da Rádio Guaíba e
da TV Guaíba.
Em 16 de junho de 1984 o Correio do Povo deixa de circular, e retoma as atividades
dois anos mais tarde, em 31 de agosto de 1986, já sob controle do novo proprietário da
companhia, o empresário gaúcho Renato Bastos Ribeiro. Em 1987, com novos
investimentos tecnológicos, o jornal assume o formato tabloide.
Em março de 2007, mais uma vez o Correio do Povo – assim como toda a companhia
– passa para o comando de novas mãos. Foi comprada pela Central Record de
Comunicação, conglomerado de mídia controlado pelo empresário e líder da Igreja
Universal, Edir Macedo.
Embora o interesse principal da Rede Record fosse a aquisição da TV Guaíba, que se
transformou na afiliada gaúcha da TV Record, a família Ribeiro condicionou a
negociação à venda de todos os veículos da companhia.
Fundamentação Teórica
Definimos como Fundamentação Teórica para a realização deste ensaio categorias a
priori que nos nortearam neste estudo. Representam nosso ponto de partida. São
elas: Fotografia, com
as subcategorias Studium e Punctum; Fait Divers; Mito e
Socioleto. Todas estas categorias terão como referência as produções do escritor,
filósofo, crítico literário e sociólogo francês Roland Barthes.
Fotografia: Studium e Punctum
Para Barthes (1984), a Fotografia é capaz de reproduzir infinitamente algo que
aconteceu uma única vez e que não poderá mais se repetir. Neste processo, envolvemse três práticas: o Operator é o fotógrafo; o Spectador é quem vê esta foto e o
Spectrum representa o que é fotografado.
Nesta categoria, conforme Barthes (1980), é possível identificar dois elementos que
estão copresentes na imagem: são o Studium e o Punctum. O primeiro deles é
percebido culturalmente e interpretado a partir do conhecimento prévio sobre o mundo
de quem vê a Fotografia. O contexto histórico é entendido a partir da observação de
18
elementos como vestuário, cenário, ambientação, etc. A leitura é feita, portanto, por
meio de objetivos e critérios definidos.
O Punctum, por sua vez, se lança sobre quem vê a Fotografia conforme descreve o
autor, "não sou eu que vou buscá-lo (como invisto com minha consciência soberana o
campo do studium), é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar"
(BARTHES, 1984, p. 46). Esta subcategoria pode ser percebida como um detalhe
específico da imagem que é capaz de mobilizar o observador. Estes dois elementos
apresentados por Barthes permitem uma apreensão distinta por quem observa uma
fotografia: enquanto o Studium gera um interesse racional, o Punctum desperta um
estado emocional.
Fait Divers
O termo que designa a informação sensacionalista recebeu de Barthes (1971) tipologia
baseada em duas categorias básicas: Causalidade e Coincidência. Cada uma delas
subdivide-se em dois subtipos. A primeira pode ser manifestada nas formas: Causa
Perturbada, na qual não há o conhecimento da causa ou quando uma pequena causa
gera um grande efeito; e Causa Esperada, na qual a causa é normal porém envolve os
personagens dramáticos definidos por Barthes: mãe, criança e velho.
No Fait Divers de Causalidade não se encontra uma lógica para a compreensão dos
fatos e, assim, recorre-se a um Sujeito Absoluto. A fatalidade passa a ser a explicação
daquilo que não pode ser explicado.
Já o Fait Divers de Coincidência subdivide-se em: Repetição, quando o mesmo fato
ocorre diversas vezes; e Antítese, na qual temas opostos são fundidos em um mesmo
fato.
No cerne do Fait Divers está a notícia sensacionalista, cuja importância está menos no
que se diz e mais na maneira como o faz.
Mito
19
Para Barthes (1993), o Mito é uma forma de linguagem, de fala, produzida pela
conotação que não nega a história, apenas a torna ingênua, inocente. Desta forma, o
Mito é uma fala definida pela sua intenção e está presente em diversas representações
como, por exemplo, uma reportagem jornalística. “O Mito está presente em todo lugar
onde se façam frases, onde se contem histórias” (Barthes, 1988, p.82).
Para o semiólogo, existem sete diferentes tipos de Mito. São eles: Mito Vacina: se
revela um problema secundário para se esconder um problema essencial; Mito da
Omissão da
História: quando se perde o sentido histórico; Mito da Tautologia:
repetição do discurso; Mito da Constatação: utiliza provérbios, bordões, etc; Mito da
Identificação: o outro só é considerado existente caso seja igual ao receptor; Mito do
Ninismo: se equilibram duas possibilidades de mudança optando-se pela não-mudança
e Mito da Quantificação: se reduz a qualidade em detrimento da quantidade.
Socioleto
Conforme Barthes (1988), o Socioleto determina o conjunto de características da
linguagem de determinado grupo social. Para o autor, toda palavra está naturalmente
inserida em algum Socioleto, linguagem social que une língua e discurso de maneira
segmentada na sociedade. O pensador define dois tipos de Socioletos: Encráticos,
discursos no Poder que agem por opressão e Acrátivos, discursos fora do Poder, que
age por sujeição.
Opções metodológicas
Para a realização deste ensaio, optamos pela utilização do Paradigma da
Complexidade, método apresentado por Edgar Morin (2011), que propõe a
Transdisciplinariedade. Neste conceito, não há barreiras entre os diferentes teóricos e
disciplinas; ao contrário, se propõe, de modo permanente, o diálogo entre os diferentes
saberes. Entendemos este método como coerente para nos guiar neste ensaio visto que
o esporte, neste caso o futebol, é um tema que perpassa distintos aspectos na sociedade
20
contemporânea e, portanto, a possibilidade de nos nutrirmos de diferentes fontes de
conhecimento contribui para a realização deste estudo.
Como forma de nos mantermos coerentes à metodologia escolhida para a realização
deste ensaio, optamos pela utilização da primeira pessoa no plural na escrita do nosso
texto e por considerações provisórias.
O Paradigma de Morin (2011) é constituído pelos sete Princípios da Complexidade,
que são apresentados pelo autor sem valoração de hierarquia: Sistêmico ou
Organizacional; Hologramático; Anel Retroativo; Anel Recursivo; Auto-ecoorganizacional; Dialógico; e Reintrodução.
Sistêmico ou Organizacional: é preciso conhecer as partes para conhecer o todo, e
vice-versa. A cobertura da morte de Fernandão é destacada, principalmente, pelos
momentos de vitória do atleta. Entretanto, são vários os casos em que a relação dele
com o clube, a torcida e os profissionais do clube que o destacou internacionalmente
são marcados por contradições.
Hologramático: a parte está no todo e o todo está na parte. A cobertura da morte do
ex-atleta reconta os principais momentos da carreira de Fernandão. Os feitos realizados
em vida estão contidos na morte e na cobertura realizada pela imprensa.
Anel Retroativo: o efeito retroage sobre a causa. Toda vez que existem manifestações
jornalísticas relacionadas à morte de Fernandão, renova-se o olhar sobre o tema, que
reacende a reflexão sobre a vida e a morte do atleta.
Anel Recursivo: o produtor faz o produto e vice-versa. O discurso produzido pela
mídia é um dos responsáveis pela construção do Mito. Entretanto, esta construção só é
possível nos casos em que o indivíduo pode sustentar esta narrativa a partir de seus
feitos e sua trajetória, como é o caso de Fernandão.
Auto-eco-organizacional: o sujeito é autônomo, mas depende da sociedade em que
vive. Embora aspectos como liderança e a capacidade técnica no futebol fossem
inerentes ao Fernandão, o fato de fazer parte de uma equipe que se encontrava em
momento vitorioso foi fundamental para que ele atingisse o patamar de ídolo da
torcida colorada.
21
Dialógico: aproxima e associa temas contrários. Em relação à cobertura da morte de
um indivíduo que se destacou pelo desempenho esportivo e que sempre teve sua
imagem ligada à atividade física faz com que este princípio seja identificado a partir
das relações entre esporte e morte, temas que estão, aparentemente, distantes.
Reintrodução: afirma que o conhecimento é um processo que abriga o diálogo entre o
sujeito e o objeto. Para a compreensão deste princípio, é preciso entender o diálogo
que se estabelece entre o sujeito, no caso o Fernandão, e a cobertura de sua morte,
realizada pela imprensa e definida como nosso objeto de estudo.
O resultado destes sete princípios indicados por Morin é justamente a
Transdisciplinariedade, capaz de eliminar a distância entre diferentes conhecimentos e
identificar pontos de intersecção entre eles.
A Semiologia em Roland Barthes
Como técnica metodológica, nos baseamos na Semiologia de Roland Barthes (1997),
em sua essência, qualitativa, que tem como foco menos o “o quê”, e mais o “como e o
porquê”. Definida pelo autor como um “aventura”, a semiologia nos indica o caminho
para o desvelar daquilo que está obtuso em nosso objeto, valorizando, sobretudo, a
conotação em detrimento à denotação. De acordo com Ramos (2001), Barthes foi
capaz de imprimir suas marcas na Semiologia, o estudo universal dos signos,
especialmente a partir de um objeto específico: o papel mítico da Mídia.
É a partir da obra Aula, pronunciada em 1977, que Barthes começa a se desprender de
seu mestre e a produzir o que hoje se conhece como Semiologia barthesiana: o signo
não é mais percebido como uma verdade absoluta, mas passa a dialogar com a
subjetividade e com o social. Para Barthes (1996), o semiólogo tem duas tarefas
básicas que são capazes de aproximar a teoria da prática: a formulação de conceitos e o
desenvolvimento da pesquisa. Por entender que nenhum homem é capaz de representar
uma ideia, um método, Barthes (1984, p.12) rechaça o título de representante da
Semiologia.
Em sua essência, qualitativa, a Semiologia tem como foco menos o “o quê”, e mais o
“como e o porquê”. Definida pelo autor como um “aventura”, a semiologia indica o
22
caminho para o desvelar daquilo que está obtuso no objeto de estudo, valorizando,
sobretudo, a conotação em detrimento à denotação.
O conjunto de uma análise semiológica mobiliza
ordinariamente, ao mesmo tempo, além do sistema estudado e
da língua (denotada) que dele se encarrega mais
frequentemente, um sistema de conotação e a metalinguagem
de análise que lhe é aplicada; poderíamos dizer que a
sociedade detentora do plano da conotação, fala os significantes
do sistema considerado, enquanto o semiológico fala-lhe os
significados; ele parece possuir, pois, uma função objetiva do
deciframento (sua linguagem é uma operação) diante do mundo
que naturaliza ou mascara os signos do primeiro sistema sob os
significantes do segundo sua objetividade, porém, torna-se
provisória, pela própria história que renova as metalinguagens.
(BARTHES, 2003, p.99)
Como ciência geral dos signos, a Semiologia pode se referir não só à linguagem mas,
também a imagens, um dos focos de análise deste trabalho. Para a definição do corpus
desta pesquisa, recorremos ao Princípio da Pertinência, necessário na Pesquisa
Semiológica, conforme Barthes (1997).
(...) decida-se o pesquisador a descrever os fatos, reunidos a
partir de um só ponto de vista e, por conseguinte, a reter, na
massa heterogênea desses fatos, só os traços que interessem a
esse ponto de vista, com a exclusão de todos os outros.
(BARTHES, 1997, p. 103).
Apresentamos, portanto, uma Pesquisa Semiológica, que valoriza o caráter qualitativo
do objeto.
As questões que nos motivaram a realização deste ensaio, de acordo com nossas
categorias a priori, são: Como são reveladas, na Fotografia, as subcategorias Studium e
Punctum? De que maneira os elementos do Fait Divers podem ser observados no
discurso? De que forma podemos identificar os tipos de Mitos propostos por Barthes?
Como o Socioleto pode ser identificado na matéria?
Nosso objetivo Geral na realização deste ensaio É “Estudar a produção de sentido na
cobertura da morte de um ídolo esportivo como Fernandão”. Já como objetivo
Específico, tivemos o de “Compreender e explicar de que forma a matéria observada
colabora na construção do Mito do Fernandão”.
23
Análise
No domingo, dia 8 de junho de 2014, o jornal Correio do Povo dedicou a contracapa da
sua edição para a cobertura da morte do ex-jogador Fernandão, ocorrida na madrugada
do dia anterior em decorrência da queda do helicóptero em que o atleta estava com
amigos e o piloto da aeronave. Mais da metade da página é ocupada por uma foto
colorida, de autoria do fotógrafo Ricardo Giusti, que apresenta Fernandão no campo de
futebol, durante um jogo, atuando pelo Internacional. De braços abertos, o jogador
parece correr com o olhar voltado à torcida após a marcação de um gol. A contradição
fica por conta da fisionomia do atleta que, ao contrário da posição do corpo, que indica
comemoração, apresenta um misto de cansaço e emoção latente. Os olhos parecem
marejados e a boca, entreaberta, não destaca alegria pelo gol marcado. Vestindo a
tradicional camisa vermelha do Internacional e um calção branco, a imagem apresenta
o corpo do jogador da altura da virilha para cima. No pulso do braço direito Fernandão
apresenta uma pulseira ou elástico para o cabelo na cor preta. No braço esquerdo a
braçadeira de capitão da equipe colorada. Mesmo utilizando uma camisa de mangas
cumpridas, o atleta está com as duas mangas puxadas para cima, o que indica se tratar
de um dia de frio mas em que o jogador estava se exercitou o suficiente para sentir
calor.
Em segundo plano, o Estádio Beira-Rio com sua torcida e um jogador da equipe
adversária. Além de Fernandão, a única imagem que também pode ser identificada em
primeiro plano é a do antebraço e da mão direita de um jogador do Internacional.
Localizados abaixo da mão esquerda de Fernandão, a imagem indica que, logo
após o disparo da fotografia, os dois jogadores, provavelmente, se encontraram.
No momento exato da captura da imagem, a distância entre as
mãos dos dois
jogadores, que estão na mesma linha, mas uma abaixo da outra, apresenta a ideia de
separação, de despedida: a mão que está para voltada para cima - a de Fernandão indica quem se foi. A mão que está para baixo - do outro jogador - mostra quem ficou.
A posição de Fernandão na foto, de braços abertos, pode levar a diferentes
interpretações. O título da matéria, inserido na fotografia e que diz “Fernandão o adeus
do ídolo”, remete a imagem à ideia de um abraço, como se representasse uma
despedida dos torcedores. O cabelo comprido preso por uma tiara e a posição de
24
braços abertos também podem remeter à imagem de Jesus Cristo crucificado,
interpretação que ganha forças quando observada a fisionomia do atleta que emana um
“ar de sofrimento”.
Em relação ao texto escrito, observamos a presença das categorias apontadas por
Barthes como Fait Divers. A Causalidade pode ser percebida a partir da identificação
da fatalidade como causa da morte do atleta. Já a Coincidência está presente da
proximidade dos temas aparentemente antagônicos: a morte e um jovem atleta.
Embora Fernandão não possa ser caracterizado como os personagens dramáticos
descritos pela autor, a matéria faz referência à esposa de Fernandão (mãe) e dos filhos
(crianças).
Sobre a construção do Mito, Barthes entende que ela é feita a partir da forma de
linguagem, produzida pela conotação e que não nega a história, mas a torna ingênua.
Entre os sete diferentes tipos de Mitos apresentados pela autor, identificamos na
matéria observada neste ensaio: Vacina, que não detalhe os motivos ou possibilidades
de causa do acidente aéreo; Omissão da História: são destacados apenas os momentos
de boa relação entre Fernandão e o Inter, embora ele e o clube tenham se desentendido
em algumas oportunidade; Tautologia: em diferentes trechos da matéria são destacadas
as conquistas de Fernandão e o seu talento como atleta; Constatação: a matéria faz uso
de bordões e de provérbio para falar do retorno de Fernandão ao Inter (“volta para
casa”), por exemplo; Identificação: o texto busca aproximar Fernandão aos torcedores
do Internacional, apresentando possíveis semelhanças entre o jogador e os fãs da
equipe.
Em relação ao Socioleto, percebemos que diversos termos utilizados pelo jornal
Correio do Povo têm referência direta ao jornalismo esportivo e ao universo do
futebol, tanto utilizada por profissionais do esporte como por torcedores no que diz
respeito ao comportamento nas arquibancadas diante dos jogos.
Considerações provisórias
25
A morte precoce de um ídolo do futebol é tema complexo para torcedores, jornalistas e
pesquisadores da área da Comunicação. A partir do Paradigma da Complexidade,
proposto por Edgar Morin, diferentes fontes de conhecimento podem contribuir para o
estudo e compreensão deste fenômeno. A Semiologia baseada em Barthes nos guia na
busca de desvelar os elementos utilizados pela imprensa para contar a morte de
Fernandão e relembrar a trajetória como jogador e ídolo, levando em consideração a
conotação.
A identificação dos sete Paradigmas da Complexidade nos fenômenos que envolvem a
morte de Fernandão nos ajuda a compreender o fato como tema complexo, ou seja, que
envolve diferentes aspectos e áreas do conhecimento. O princípio Sistêmico ou
Organizacional se revela a partir do destaque dado aos momentos de vitória do jogador
ao passo que suas contradições não são abordadas. Os temas que se repetem na
cobertura da morte de Fernandão auxiliam no entendimento dos Anéis Retroativo e
Recursivo, já que os discursos dos veículos de comunicação renovam o olhar sobre o
ex-jogador e, por sua vez, reascendem a reflexão sobre as realizações do atleta.
Em seguida pensamos no Princípio da Reintrodução, em que é preciso entender o
diálogo que se estabelece entre o sujeito, no caso o Fernandão, e a cobertura de sua
morte. O Princípio Dialógico aproxima os temas contrários percebidos na cobertura
jornalística da morte de um indivíduo que se destacou pelo desempenho esportivo, ou
seja, sempre teve sua imagem ligada ao movimento, à atividade física e à vivacidade.
Ao relembrar as principais conquistas do Fernandão, a cobertura da morte do jogador
nos apresenta seu caráter Hologramático.
Por sua vez, o Princípio Auto-eco-organizacional se manifesta ao entendermos que,
embora aspectos como liderança e a capacidade técnica no futebol fossem inerentes ao
Fernandão, o fato de fazer parte de uma equipe que se encontrava em momento
vitorioso foi fundamental para que ele atingisse o patamar de ídolo da torcida colorada.
Podemos observar na matéria elementos que indicam as notícias sensacionalistas, seja
pelas causas do acidente ou mesmo pela presença dos personagens dramáticos. A
utilização de termos que estão intimamente ligados ao universo do jornalismo
esportivo e ao futebol nos indicam a presença do Socioleto, tal qual descreve Barthes.
26
Nossas observações iniciais à matéria do Correio do Povo, objeto deste ensaio,
apontam para a utilização de elementos que reforçam a construção do Mito, entendido
por Barthes como uma forma de linguagem produzida pela conotação e que não nega a
história, apenas a torna ingênua. O tema, como indica a Complexidade, não se esgota
por aqui e envolve diferentes áreas do saber, motivo pelo qual justificamos a
ampliação do estudo e nossa continuidade nesta análise.
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27
Proposta de análise semiótica para identificação de aplicação de
tração de identidade gaúcha nos rótulos de cervejas artesanais.
Prof. Dr. César Steffen
Mestrado em Design
Centro Universitário Ritter dos Reis – Porto Alegre
- RS [email protected]
Resumo: o rótulo é um dos principais elementos de identificação com o consumidor.
O rótulo desempenha um papel essencial na decisão de compra do consumidor, pois
identifica a marca, o estilo e as características físicas, funcionais do produto, muitas
vezes refletindo estilos, gostos, cultura e expectativas do público-alvo. Tendo estes
elementos como premissa, este estudo investe em construir um percurso de
28
problematização que objetiva fundamentar uma pesquisa sobre o impacto da cultura
local na organização visual de rótulos de cervejas artesanais gaúchas.
Palavras-chave: rótulos; comunicação visual; design gráfico; cultura e identidade.
1. Introdução
Jean Marie Floch, semiólogo francês, em seu texto “Diário de um bebedor de cerveja”
(1997), narra suas experiências ao desenvolver uma análise de rótulos de cervejas por
encomenda de uma grande empresa francesa. Observando bebedores em uma estação de
trem, Floch nota que o ato de beber vai além do simples consumo, mas se comporta
como uma ação social com conteúdo simbólico, onde a forma de reagir à bebida, a
preferência de sabor e marca e mesmo o ambiente que se procura para o consumo do
produto se mostra como uma forma de manifestação identitária pessoal.
Como coloca Barthes (1975) ao discorrer sobre a questão do gosto e da alimentação
como elemento cultural e passível de análise semiótica, cada situação possui a sua
própria situação alimentar, onde o “gosto”, as preferências se manifestam. Mas estes
gostos
podem
ser
afetados
e
formados
em
um
ambiente
cultural
e
comunicacionalmente.
Assim, o consumo de uma bebida não será uma simples escolha, mas um ato
simbólico formal, formatado pelas percepções culturais que sustentam estas escolhas.
Ou seja, o ato de beber, e a escolha do que será bebido, está permeado por
elementos e estímulos sensoriais e culturais, onde se somam o paladar da bebida e o que
ele representa.
Por outro lado, olhando o mercado, devemos citar que o Brasil é o nono colocado em
ranking de consumo de cerveja no mundo, com uma média de 47 litros per capita.
Produzindo cerca de 8,5 bilhões de litros por ano, as cervejarias nacionais empregam
diretamente cerca de 150 mil pessoas. Ao mesmo tempo em que se observa queda de
até 7,6% na venda das cervejas indústrias ditas “comuns”, o mercado de cervejas
premium reage, aumentando em 8,6% a rentabilidade do segmento no mesmo período.
29
Num setor dominado por grandes conglomerados internacionais, como InBev, The
Coca-Cola Company e Brasil Kiryn, pequenos fabricantes, com pequenas estruturas e
distribuição local ou regional, buscam se colocar no mercado ofertando produtos
diferenciados em termos de receitas, sabor e visual ou marcas diferenciadas, e com alto
valor agregado. As chamadas cervejarias artesanais ou micro cervejarias entram e
atuam no mercado de bebidas fermentadas do Rio Grande do Sul com força e
qualidade, impactando no mercado e gerando novos empreendimentos e novas
oportunidades.
Apesar de um longo histórico de produção caseira de cerveja em pequenas
quantidades, muito ligada a formação étnica pela colonização alemã no estado, o
conceito mercadológico de micro cervejaria surgiu, no Rio Grande do Sul, no ano de
1995 com a Dado Bier, empreendimento de entretenimento noturno para público
adulto focado no segmento premium.
Passados mais de 25 anos, a Dado Bier se transformou em uma marca de bebidas
reconhecida no mercado regional, com produção de mais de 1 (um) milhão de litros ao
mês, e se transformou numa rede de bares e restaurantes com vários pontos na cidade e
no estado. A cultura local favorece este setor. O público gaúcho é reconhecido no
Brasil pela sua exigência em termos de qualidade e credibilidade, sendo Porto Alegre
considerada, junto com Curitiba, uma das principais praças para teste de produtos e
marcas no país.
Neste cenário, observa-se alto potencial para o desenvolvimento e crescimento de
cervejas de pequena produção, com sabor diferenciado e alto valor agregado. Não é
por acaso que o Rio Grande do Sul é segundo estado Brasileiro em número de
cervejarias e marcas de cervejas artesanais.
Em um levantamento prévio e exploratório foram identificadas, somente nos bares da
Cidade Baixa, tradicional ponto da boemia de Porto Alegre, mais de 40 marcas
diferentes de cervejas artesanais, produzidas nos mais variados locais do estado do Rio
Grande do Sul. Conta-se aqui apenas as marcas, sem levar em conta as diferentes
qualidades e estilos de bebida que cada uma produz, e exclui-se deste número as
30
originadas de outros estados, como Santa Catarina, São Paulo e Pará, também
tradicionais centros de produção e onde a área encontra-se em franco crescimento.
O sabor, o estilo, a formulação e a qualidade da bebida são elementos indispensáveis
para o sucesso e manutenção de uma marca no mercado. Neste contexto, a identidade
visual facilita o processo de identificação do público com o produto,
reduzindo resistências a primeira experiência e, logo, podendo aumentar as vendas e
até mesmo fidelizar a consumidores.
Um exemplo que podemos citar é a gaúcha “Coruja”, lançada ainda nos anos 1990,
cuja marca está ligada ao conceito de segredo, de sabedoria e, claro, de vida noturna,
sendo considerada hoje uma das mais fortes e sólidas empresas do ramo no estado.
Observar os elementos gráficos e visuais formais que geram identificação do público
com esta classe de produtos, além de estabelecer um retrato da construção ou
manifestação da identidade gaúcha nas bebidas, fornecerá subsídios para o
aprimoramento do planejamento de marcas, rótulos e embalagens, reforçando as
relações de identidade e consumo em seus mercados, ofertando informações para os
profissionais de design que atendem estas empresas e, assim, ampliando as
oportunidades de desenvolvimento do mercado, e ofertando reforço para as condições
competitivas destas pequenas empresas num setor com ampla e forte concorrência.
Assim, este estudo se propõem a apresentar uma caminho de problematização que
inicia uma pesquisa focada na relação entre cultura, identidade local e design gráfico.
Foca nos rótulos de cervejas artesanais gaúchas, tendo por objetivo identificar traços
da cultura local no design gráfico dos rótulos e seu possível impacto na relação de
consumo.
2. Rótulos, embalagens e percepção
O período que seguiu ao encerramento da segunda guerra mundial trouxe um rápido e
forte crescimento no mercado consumidor. Os soldados que voltavam da guerra se
empegavam, obtiam renda, ocorreu uma explosão populacional, chamada por alguns
de “baby boom”, e o consumo cresceu de forma rápida, fazendo surgir nas empresas
uma nova área responsável por produtos e serviços, o Marketing (KOTLER, 2008).
31
Se até então o mercado era composto de poucos produtos e marcas, o crescimento da
demanda estimulou o desenvolvimento de mais e mais produtos, criando novas marcas
e linhas. A fabricação em série alia utilidade e custo, mas gera produtos padronizados,
que nem sempre atendem os desejos do consumidor.
Surge então a necessidade de diferenciação de produtos. As empresas passam a se
ocupar não somente em gerar novas unidades, mas também em construir e gerenciar
aspectos além do uso formal, mas de nível e caráter estético, psicológico e social,
trabalhando no que o produto significa, seus benefícios intangíveis. O marketing passa
a atuar diretamente sobre toda as áreas da empresa.
A simples funcionalidade, a aplicação, não é mais suficiente para garantir o sucesso ou
mesmo a manutenção de um produto no mercado. É preciso construir o produto no
imaginário do consumidor. Neste momento, além do Marketing, o Design passa a
assumir papel fundamental nas estratégias mercadológicas das empresas, atuando não
somente nos produto em si, mas em suas representações, como marcas, rótulos,
embalagens, e outros elementos que compõem o conjunto de variáveis que travam
contato direto com o consumidor.
O produto deve agregar valores além da funcionalidade, sejam estes de ordem técnica,
estética, cultural ou emocional. Na relação do homem, consumidor ou usuário, com o
objeto, faz-se necessário a manipulação e aplicação de elementos como textura, cor,
formas, marcas. O produto ascende definitivamente à uma dimensão simbólica,
atuando sobre as sensações e emoções humanas.
Em seu livro “Design Emocional”, Donald Norman (2004) coloca que quanto maior
for o apelo sensorial do produto, quanto mais sensações gerar, mais eficiente será o
objeto, mais necessidades supre e melhor será seu funcionamento. Assim o designer,
profissional do design, irá utilizar de uma série de recursos e estratégias projetuais para
gerar o vínculo e o apelo emocional, gerenciando as informações sobre o público, o
consumidor em foco, de forma a gerar o produto e o conjunto de informações que o
compõem de acordo.
32
Os conceitos de elementos culturais do consumidor apresentam o quadro simbólico
que irá gerar o produto, de forma a que se relacionem com o campo de significados do
receptor-consumidor. Isto se reflete na construção da embalagem e do rótulo, que deve
atrair a atenção deste consumidor, destacando o produto frente a sua concorrência. E
uma das áreas de conhecimento aplicáveis a interpretação destes elementos é a
semiótica.
3.Semiótica
A palavra semiótica surge do termo grego semeion, que significa signo. À Semiótica é
atribuída a Teoria Geral dos Signos, um campo de estudos lógicos que pretende
estudar e categorizar os signos, e que se pretendeu como uma teoria de todas as teorias,
uma ciência de todas as ciências.
Santaella (2006), um dos expoentes da semiótica brasileira, coloca que o signo é tudo o
que está no lugar de alguma coisa outra coisa, ausente, passando a representá-la.
Conforme a semiótica pierciana, o signo é composto como uma tríade entre o
representâmen; o objeto, e o interpretante.
A parte real ou mesmo imaginária, perceptível do signo é o representâmen, sendo esse
a coisa real ou imaginária que é percebida e colocada no lugar da outra coisa
representada. O objeto do signo é a coisa real ou imaginada que é representada ou
referenciada pelo representâmen do signo. O interpretante é a relação mental
estabelecida entre o signo percebido ou representâmen e o objeto do signo, que é
referido e representado. Com relação ao signo, esse interpretante é sua significação
(NÖTH, 1996).
33
Figura 01 – triângulo de Pierce – fonte: Nöth, 1996
Pierce cita a semiose como a ação do signo na relação dos três elementos, gerando a
interpretação ou significação de cada elemento. Isto implica em ver o processo de
percepção e interpretação de um objeto ou fenômeno como uma fenomenologia
específica, a “quase ciência” de Pierce (SANTAELLA, 2006), que prevê três
categorias perceptivo-interpretativas: a primeiridade, a secundidade, e a terceiridade.
A primeiridade são as sensações, os sentimentos e as impressões subjetivas que são
produzidas na mente. A secundidade ocorre quando a mente se dá conta destas
sensações e impressões como algo externo. Finalmente, as associações decorrentes das
relações estabelecidas entre as sensações e impressões subjetivas de primeiridade e as
percepções de secundidade, mediadas por processos culturais, caracterizam a
terceiridade. E a articulação destes três formam a semiose, o processo de geração de
sentido.
Assim, tudo que nos chega ao aparelho sensorial, que é percebido como estímulo por
nossos sentidos, gera um processo de significação, que é mediado pelos processos
culturais e sociais em que estamos participando. Ou seja, o signo e sua significação
serão sempre formados pelos processos culturais em que o sujeito em foco atua e se
insere.
Isto será válido para toda a áreas e campos de atividades humanas, inclusive o Design
em sua amplitude de características, que em sua construção deve levar em conta o
processos de formação de percepção conforme os valores vigentes do consumidor,
34
comunicando o valor e objetivos do produto através de elementos visuais e textuais
que destaquem e chame a atenção do público-alvo.
Recordamos, então, de Umberto Eco (1976), quando afirma que há ideologia em toda e
qualquer comunicação e objeto, e que a “ideologia do consumo” se manifesta no
cenário econômico através de um amplo contexto formado por mensagem textuais e
visuais, codificadas para persuadir o consumidor. A percepção de um produto vai além
da simples informação, mas utiliza de um amplo conjunto de elemento visuais e
textuais para transmitir ideias, conceitos, comportamentos, atitudes, e gerar
identificação com o público consumidor.
A significação cultural dos elementos se fará presente em todos os aspectos, pois o
produto deve dialogar com o público-alvo. Assim, temos que o desenvolvimento de
qualquer aspecto de um produto ou serviço irá além de seus aspectos formais, mas
lançará mão de um complexo conjunto de elementos e significações de forma a criar
identidade e relevância para o produto.
4. Considerações Finais
A pesquisa encontra-se atualmente em fase de levantamento formal das marcas de
cerveja artesanal em fabricação e venda do estado do Rio Grande do Sul, e de registro
fotográfico ou imagético dos rótulos para análise. Uma olhar ainda amplo, bastante
incipiente, permite observar que são poucas as marcas que buscam ou utilizam de
elementos da cultura local.
Isto não significa que não existam, pelo contrário, mas aparentam ser minoria dentro
do grupo observado. “Farrapos”, lembrando o movimento separatista; “Coruja”, que
remete a um símbolo de sabedoria, são alguns exemplos de marcas que aparentam
explorar o imaginário da cultura gaúcha. Já marcas como “Malvadeza”, “Al Capone”,
“SteinBerg” e outras criam sua identidade dentro e a partir de elementos gerais - que
35
neste momento nos permitimos colocar como universais - não vinculados diretamente
a qualquer elemento característico do estado.
A cultura e a tradição, com seus símbolos e mitos, pode ser um valioso elementos para
despertar a atenção e o interesse, gerar relações, e construir e manter de marcas e
produtos junto a um público específico, principalmente em um estado tão ligado, que
valoriza profundamente suas tradições.
Identificar as formas e origens das imagens das marcas em atuação pode fornecer pistas
de como está a relação do público com sua cultura, e de como estas novas marcas
podem se beneficiar ou ampliar suas oportunidades o mercado. A aplicação da
semiótica como elemento de análise irá revelar mais detalhes desta relação, em um
setor pequeno e naturalmente fragilizado frente aos grandes concorrentes, onde todas
as formas de obter a atenção e o apreço do consumidor podem e devem ser lançadas.
As teorias semióticas não rejeitam os aspecto ideológico e cultural do produto. Pelo
contrário, ressaltam este fator, colocando como elemento chave do discurso
mercadológico. Conforme os estudos da semiótica, a marca e o rótulo podem
ser caracterizados, cada um, como um gênero do discurso publicitário e
mercadológico, cuja função é chamar a atenção e despertar o desejo do consumidor.
Trata-se, sim, o rótulo, de um gênero formado por vários subsistemas semióticos, onde
imagens, cor, formas, tipos e letras e textos se articulam na geração do sentido. E na
medida em que se constitui de um gênero discursivo, reflete as intenções e os objetivos
daqueles que dele se servem. E neste aspecto será aplicada.
Referências Bibliográficas
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signo. In: 29o ENANPAD,2005, Brasília. Anais eletrônicos do XXIX ENANPAD.
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36
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NÖTH, Winfried. A Semiótica no Século XX, São Paulo: Annablume, 1996.
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guia sobre o marketing de marcas e como representar graficamente seus valores.
RJ: Rio Books, 2003.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2005. 212 p.
O professor universitário na Revista Veja: um olhar complexo
RIBEIRO, Cristiele Magalhães (doutoranda – PUC/RS)4
RAMOS, Roberto José (orientador)5
4
Doutoranda em Comunicação Social e Mestre em Administração e Negócios pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. E-mail: [email protected] (orientanda).
37
RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo a produção de sentido do Discurso
do artigo de opinião O muro de arrimo do “doutorzeco”, publicado pela Revista
Veja, em 2013. O método utilizado foi o Paradigma da Complexidade, de Edgar
Morin, a técnica foi a Semiologia, de Roland Barthes, e o tipo de pesquisa foi a
semiológica, também de Roland Barthes.
Palavras-chave: Jornalismo de Opinião. Revista Veja. Educação. Professor
Universitário. Paradigma da Complexidade. Semiologia.
1. Introdução
Analisamos na presente pesquisa o artigo de opinião (expressão do Gênero
Opinativo), O muro de arrimo do “doutorzeco”, escrito pelo economista Cláudio de
Mora Castro, publicada no dia primeiro de maio de 2013 (data em que se comemora
o dia internacional do trabalhador), na página 27 da Revista Veja (edição 2319),
questionando a formação acadêmica e profissional dos professores que atuam nas
instituições de ensino superior brasileiras.
Escolhemos a revista Veja por ser a revista de maior tiragem no Brasil, cerca de 1,1
milhão, conforme o Instituto Verificador de Circulação (IVC Fev/2015) e a segunda
maior no mundo. Estima-se que sua versão impressa possua em torno de 8,6 milhões
de leitores e, somando todas as suas plataformas, estima-se uma audiência de 12
milhões de pessoas6.
Para entendermos como se dá a construção da imagem do professor universitário no
artigo em questão e analisar a idealização projetada sobre este profissional,
abordaremos os aspectos históricos da Educação, o papel deste profissional ao longo
do tempo e as categorias estabelecidas a priori: Estereótipo, Discurso, Mito, Cultura
5
Pós-Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, doutor em
Educação e mestre em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul – PUC/RS (orientador).
6
PUBLI ABRIL. Veja +: todo o Poder da audiência de veja em várias plataformas por uma semana.
Disponível em: <http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais>. Acesso em:
14.06.2015.
38
(e subcategoria Gênero Opinativo, em José Marques de Melo) e Poder, em Roland
Barthes; e, ainda, Sujeito, em Edgar Morin.
Ao utilizarmos como método o paradigma da complexidade, trabalharemos
conjuntamente (Complexus: o que está tecido junto), os temas comunicação,
educação, complexidade e semiologia, já que, segundo Morin (2003a), o pensamento
complexo é proveniente da vontade de unir diferentes conhecimentos, integra
pensamentos simplificados e recusa consequências reducionistas e unidimensionais.
Utilizaremos a técnica da Semiologia porque ela decifra criticamente os Discursos,
transforma significados em novos significantes, inverte a mensagem mítica, muda e
gera um novo objeto e, também, realiza avaliações ao entrelaçar Discursos diversos (
BARTHES, 1975).
Escrevemos o texto na primeira pessoa do plural, pois, de acordo com o
Paradigma da Complexidade, quando fazemos algo, este algo também nos faz. O
produto é produtor do que o produz, o efeito causador do que o causa (MORIN,
2003b). O conhecimento propicia diálogos entre o sujeito e o objeto, um compondo o
outro e ambos permanecendo abertos, considerando certezas e incertezas.
2. Aspectos históricos da Educação no Brasil
No Brasil, a Educação tornou-se um assunto estritamente estatal no século XVIII (nos
200 anos anteriores ela foi de responsabilidade dos jesuítas) e cada governante deu
um enfoque diferente para a Educação, considerando os interesses do Estado, da
indústria e as mudanças ocorridas na sociedade. Em 1930, por exemplo, Getúlio
Vargas promoveu o ensino público, especialmente o técnico-profissionalizante em
função da intensa industrialização e migração do campo para a cidade
(GHIRALDELLI JUNIOR, 2009).
Após 1968, ainda no período ditatorial brasileiro, houve incentivo ao surgimento das
faculdades privadas, ocasionando uma expansão do ensino universitário e a criação
de um sistema gradativo de educação superior (graduação, mestrado, doutorado).
Ocorreu também a departamentalização do ensino, a implantação da mentalidade
empresarial e a burocratização. Em 1972, o ensino público de segundo grau tornou-se
39
completamente profissionalizante, enquanto que as escolas privadas mantiveram sua
proposta de propiciar aos seus alunos a preparação para o acesso ao ensino superior
(GHIRALDELLI JUNIOR, 2009).
O governo de Fernando Henrique Cardoso estabeleceu sistemas de avaliação do
ensino, e, em 2001, instituiu o Fundo de Financiamento do Estudante do Ensino
Superior (FIES) que possibilitou o preenchimento de parte das vagas no ensino
superior privado, por meio de verbas públicas. No governo Lula, houve a continuidade
de algumas destas diretrizes e um aumento no valor da verba pública destinada para as
universidades federais (Ifes), possibilitando a expansão para as cidades do interior e a
contratação de novos professores. O Programa Universidade para Todos (ProUni), de
2008, normatizou a atuação de entidades beneficentes de assistência social na
educação superior (FERREIRA, 2012). No governo de Dilma Roussef, foi criado em
2011 o programa Ciência Sem Fronteiras, com o intuito de subsidiar a ida de
estudantes universitários, professores e pesquisadores brasileiros para estudarem no
exterior (FERREIRA, 2012).
Com esse breve histórico sobre o sistema de ensino brasileiro, podemos verificar a
importante influência do Poder sobre a Educação. Segundo Nóvoa (1999), há uma
retórica sobre o papel do professor que destina a ele a responsabilidade pela construção
da “sociedade do futuro” e o papel de formar os recursos humanos necessários para o
desenvolvimento econômico da sociedade da informação e da globalização. Ao mesmo
tempo em que este Discurso delega ao professor este papel, é uma tentativa de isentar
as demais esferas (sociedade, política) da responsabilidade sobre a formação dos seus
indivíduos.
3. Opções metodológicas
Um paradigma é constituído por conceitos fundamentais e por categorias dominantes
da inteligibilidade, ele estabelece relações lógicas entre estes conceitos e categorias.
Assim, os paradigmas organizam e controlam de forma oculta todas as observações,
todos os enunciados, todas as teorias que obedecem a seu comando (MORIN, 2003b).
Ao analisarmos o artigo em questão, encontramos os sete princípios do Paradigma da
Complexidade:
40
- Auto-eco-organização: o ser humano, apesar de autônomo, depende de sua
Cultura, assim como a sociedade depende de seus aspectos geográficos e ecológicos
(MORIN, 1996b). O professor universitário depende dos subsistemas: recepção e ou
interação com o aluno, a produção e ou interação com a universidade, a influência do
contexto em que está inserido, o reconhecimento e ou avaliação de órgãos
governamentais, como o Ministério da Educação (MEC).
- Anel recursivo: fazemos algo e este algo também nos faz. O produto é
produtor do que o produz, o efeito causador do que o causa (MORIN, 2003b). O
professor universitário é fruto de uma educação que o influenciou tanto linguística
quanto Culturalmente e, na medida em que ele é professor, também precisa
constantemente atualizar-se para poder ensinar. Ou seja, o aluno que aprende com
este professor também o estimula a aprender.
- Anel retroativo: as causas determinam os efeitos e os efeitos determinam as
causas. Na medida em que há o incentivo à presença de professores doutores nas
universidades (por meio da legislação do MEC), há uma contratação maior destes
profissionais e um maior foco em pesquisa. Aumentando o número de professores
doutores nas universidades, aumenta também qualitativamente a avaliação realizada
pelo MEC. Uma maior avaliação qualitativa tem repercussão na imagem da
universidade e, muito provavelmente, no aumento do número de alunos. Na medida
em que aumenta o número de alunos (com exceção das faculdades públicas, em que
há um número limitado de vagas), aumenta também a contratação de professores.
- Hologramático: a parte está no todo, assim como o todo está contido na parte
(MORIN, 2003b). O todo revela a parte e a parte revela o todo, extrapolando o
reducionismo (MORIN, 2011). Assim como não há a possibilidade de estudar a
sociedade sem estudar o indivíduo, não há a possibilidade de estudar o papel do
professor universitário sem considerar a sociedade em que ele está inserido.
- Sistêmico: para conhecermos as partes, precisamos conhecer o todo, e para
conhecermos o todo, precisamos conhecer as partes (MORIN, 2005). O papel do
professor universitário é resultado de um contexto social, econômico, tecnológico,
Cultural e
histórico; para entendê-lo é necessário conhecer a influência que a legislação
(lemos aqui MEC) exerce sobre ele e, também, conhecer como esses contextos o influenciam
e vice-versa.
41
- Reintrodução: o conhecimento é um processo em que há diálogos entre o
Sujeito e o objeto. É provisório. Abriga certezas e incertezas. É necessário que o
Sujeito e objeto mantenham-se abertos. As modificações nas leis que se aplicam à
educação influenciarão as universidades e, também, os professores. A mudança no
perfil do professor universitário influenciará diretamente na forma com que o ensino
será desenvolvido nas universidades.
- Dialógico: os contraditórios possuem possibilidades de diálogos (MORIN,
2003b). Na reportagem analisada, é apresentada a dualidade entre o professor que tem
experiência profissional, mas não é doutor (e por isso não é valorizado pelo MEC) e o
professor que é doutor, mas não possui experiência profissional. Segundo o
economista, o MEC deveria valorizar os dois profissionais, considerando as suas
áreas de conhecimento. O professor que possui alta vivência prática e o que possui
doutorado possuem conhecimentos complementares e não antagônicos, importantes
na formação e desenvolvimento de um futuro profissional.
4. Análise
O Estereótipo utiliza-se da força da linguagem (BARTHES, 1975) e ao repetir
palavras, naturaliza-as como se fossem verdades (BARTHES, 2008). No artigo
analisado, verificamos a seguinte linguagem estereotipada sobre o professor
universitário: que para ser professor o aprofundamento teórico não é suficiente, este
precisa ensinar a fazer (visão tecnicista). O artigo explicita que os professores recémingressantes nas universidades não sabem ensinar nem sequer sabem fazer o que um
experiente profissional de engenharia faz.
O Discurso possui um conceito intencional (BARTHES, 1993), contempla ideologia,
mas não contempla uma linguagem dialética (BARTHES, 1975); a verdade está em
outro lugar (BARTHES, 2008) e não no Discurso proferido. No artigo analisado,
conota-se a ideia de que o professor universitário precisa ser o professor com
habilidades práticas e teóricas, com reconhecida experiência como educador e
profissional de mercado. O Discurso utiliza-se da terceira pessoa do singular,
estabelecendo “a separação desejada entre o objeto e o Sujeito.O primeiro se converte
em protagonista. Humaniza-se. O segundo é reprimido” (RAMOS, 2012, p. 140).
42
Utilizando-se do Gênero Opinativo, o economista realiza a valoração dos
acontecimento, sendo que a angulagem do artigo, apesar de não citar a universidade
que demitiu seus professores sem mestrado (perspectiva espacial), é publicada na
revista que foi impressa e distribuída no dia internacional do trabalho (perspectiva
temporal).
No artigo analisado encontramos como Mito, fraseologia estereotipada (BARTHES,
1975), a ideia de que o professor deve ser alguém detentor de todo o conhecimento,
que tenha profundo conhecimento teórico e vasta experiência prática. O Mito é uma
fala que simplifica os atos humanos e naturaliza o conceito (BARTHES, 1993).
Como exemplos de formas retóricas do Mito (BARTHES, 1993), encontramos:
1 – A Vacina – apresenta a avaliação do MEC como um problema a ser tratado
e defende a ideia de que a educação universitária deve ser tecnicista em primeiro
lugar.
2 – A Omissão da História – não contempla os motivos pelos quais o MEC
avalia as universidades e seu corpo docente, assim como não apresenta a história e o
contexto da educação e das relações de Poder envolvidas.
3 – A Identificação – por um lado, defende os professores que foram demitidos;
ao mesmo tempo em que desqualifica os novos contratados. No artigo, ele ainda
transforma em vilão um órgão público (MEC).
4 – A Tautologia – protege-se atrás de um argumento de autoridade e define o
mesmo pelo mesmo. Segundo o economista, o MEC “premia quem ensina uma
profissão que não tem”, que as universidades deveriam perder pontos quando
contratassem professores em tempo integral.
5 – O Ninismo – equilibra dois contrários e rejeita-os. O economista afirma que
seria melhor se houvessem doutores com conhecimento prático, porém, segundo ele,
estes não existem. Considera positivo o fato de os professores possuírem dedicação
parcial nas universidades para que possam dedicar-se a sua atividade profissional
quando, na verdade, as universidades são melhores avaliadas pelo MEC se possuírem
professores com titulação stricto sensu e carga horária integral.
6 – A Quantificação da qualidade – reduz a qualidade à quantidade,
economizando inteligência. Ao falar do caso de uma universidade, generaliza a
43
realidade desta às demais que não são citadas.
7 – A Constatação - a frase presente no artigo analisado “tiraram nossos
engenheirões e os substituíram por ‘doutorzecos’ que jamais fizeram um muro de
arrimo”, tem a intenção de induzir o leitor a pensar que a contratação de engenheiros
(sem formação stricto sensu) garantirá o ensino de um “ofício” aos alunos.
Se Cultura é o intertexto e o sentido é o produto da Cultura (1975), supor que ministrar
aulas significa exercer uma atividade secundária já que o professor ideal, segundo o
colunista, deveria dedicar-se à profissão de engenheiro primeiramente para, então,
estar habilitado para ministrar aulas. No intertexto está presente a ideia de que quem
está atuando no mercado de trabalho possui um tipo de conhecimento mais valorizado
(ou melhor) do que o professor que está em sala de aula.
Para Barthes (2004), o Poder parte de todos os Discursos, independente se vêm de
instituições fora do lugar do Poder. Podemos dizer que a revista impressa de maior
circulação no Brasil, distribuída semanalmente desde 1968, é um lugar de Poder.
Influencia na formação de opiniões e não está isenta de Ideologia. Barthes (1997)
ressalta, ainda, que tudo o que é dito, é provisoriamente verdadeiro. Ou seja, a opinião
do economista é verdadeira, ela foi divulgada, está exposta para ser lida, discutida e
argumentada. O fato de ser um colunista em uma revista com tamanha tiragem,
demonstra o Poder do seu Discurso que pode ser naturalizado ao ser repetido várias
vezes.
Sobre o(s) Sujeito(s) evidentes ou implícitos no texto (MORIN, 1996a), observamos
que o texto é escrito na terceira pessoa do singular, mas evidencia claramente a opinião
do colunista da revista, que não abre espaço para outras opiniões, a não ser para alunos
não nominados, que ele refere-se quando cita a “conversa de corredor”. No artigo
também são citados (mas sem voz), a instituição pública e regulamentadora (MEC), a
instituição de ensino superior não nominada, os engenheiros demitidos e os professores
doutores recém- contratados.
Com relação ao Sujeito exercer liberdades, mas parte dele ser submissa (MORIN,
2010), não está claro no texto se a opinião do colunista é uma orientação explícita da
gestão do jornal, se existe influência política, da sociedade (público estudantil), dos
profissionais de engenharia ou até mesmo influência econômica (pressão das
universidades), pois
professors doutores com dedicação integral demandam um
44
investimento maior das instituições de ensino do que engenheiros sem titulação stricto
sensu e com dedicação parcial.
5. Considerações provisórias
Ao professor, é fornecido o papel de responsável pelas grandes mudanças sociais ou
econômicas sendo que, ao longo da história, vemos a influência do Poder no que tange
à disseminação da educação, promovendo uma educação tecnicista voltada às pessoas
de classes menos favorecidas, para que possam o quanto antes assumir um cargo no
mercado de trabalho, e de uma educação de qualidade para as classes de maior poder
aquisitivo.
Ao observarmos a história da educação, sabemos que são diversos (nem sempre
expressos) os interesses do governo em permanecer com o seu controle, não sendo
somente a preocupação em formar cidadãos mais preparados para o mercado de
trabalho e para a pesquisa. Por isso, não é possível falarmos sobre Educação, sem
falarmos sobre a Ideologia permanentemente presente que influencia na formulação de
livros, na contratação, treinamento e vigília (a exemplo de períodos ditatoriais) das
ações dos professores.
O artigo O muro de arrimo do “doutorzeco” tem como característica ser opinativo,
representa a opinião do colunista que a escreve e, sendo este um colaborador de uma
revista de grande circulação, subentendemos que sua opinião também represente a dos
proprietários da revista e esteja de acordo com as premissas ditadas pelo conselho
editorial. Publicá-lo no dia internacional do trabalhador, enaltecendo profissionais que
atuam no mercado e desmerecendo profissionais que possuem uma formação
acadêmica maior, reforça ainda mais o Discurso e demonstra o Poder que lhe é
atribuído.
Se o Poder parte de todos os Discursos (BARTHES, 2004), independente se eles vêm
de instituições fora do governo, qual seria o alcance e a influência de um Discurso
divulgado na revista brasileira de maior tiragem que existe desde 1968? Ela não está
isenta de ideologia, ela influencia na formação de opiniões (principalmente se for
repetida várias vezes, naturalizada), e na construção de imagens como a do professor
universitário, aqui abordada.
45
Em estudos futuros, sugerimos que sejam analisados não somente artigos do Gênero
Opinativo, mas, também, reportagens sobre o assunto, entrevistas, imagens que foram
utilizadas para ilustrarem estas matérias; possibilitando constatar se o Discurso
presente no artigo agora estudado representa a opinião do conselho editorial e do que
foi publicado nas demais matérias.
REFERÊNCIAS
BARTHES, R. Aula. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
. Escritores, intelectuais, professores e outros ensaios. Lisboa:
Presença, 1975.
Editorial
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. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried
(Org.). Novos paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas,
1996b. p. 274-287)
. O método 1: a natureza da natureza. 3ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.
. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Instituto Piaget: 2003a.
. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.
46
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pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun,
1999.
RAMOS, R. Os sensacionalismos do sensacionalismo: uma leitura dos Discursos
midiáticos. Porto Alegre: Sulina, 2012.
VEJA. O muro de arrimo do “doutorzeco”. Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx?termo=doutorzeco>. Acesso em: 15
jun. 2015.
O discurso organizacional barroco através da análise
semiótica
Fernanda Lopes de Freitas
Doutoranda em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul – PUCRS. Mestra em Comunicação Social, pela PUCRS.
Bacharel em Relações Públicas – PUCRS. Bolsista Capes/Fapergs.
e-mail: [email protected]
47
Resumo:
O presente trabalho visa discutir como a estética barroca, uma das características
pós-modernas tem se evidenciado nas discursividades organizacionais,
principalmente em organizações familiares, as quais possuem características
específicas, dentre elas o arcaísmo discursivo. Para tanto utilizaremos a analise
semiótica, embasada na pesquisa semiológica de Roland Barthes. Viabilizando
nossa análise teremos os pressupostos de Michel Maffesoli, Bernhoeft, Morin e
Fossá.
Palavras-chave: Semiótica, Discursos organizacionais, barroco, organizações
familiares. Abstract:
This paper aims to discuss how the baroque aesthetic, one of the post-modern
features have been evident in organizational discourses, mainly family firms,
which have specific characteristics, among them the discursive archaism. For
this we use semiotic analysis, based on semiotic research of Roland Barthes.
We are enabling our analysis we will have the assumptions of Michel Maffesoli,
Bernhoeft, Morin and Fossá.
Keywords: Semiotics, organizational Speeches, baroque, family organizations.
O retorno ao tempo e a estética barroca organizacional
Na pós modernidade, a sociedade e suas interfaces vem se transformando de
maneira rápida e constante. De um dia para outro, tudo pode mudar na vida dos
sujeitos. Assim, as organizações como espelho da macrossociedade passam a
também incorporar essas modificações sejam elas advindas de seus públicos, ou
impostas pelas “leis” de mercado, as quais delineiam seus nichos.
Nas organizações familiares o mesmo acontece, o que faz com que algumas
contradições e paradoxos despertem tensionamentos entre seus discursos e suas
ações de fato. Isso porque temos ao menos dois tipos organizacionais
imbricados em um mesmo ambiente, pois há uma família e uma empresa, dois
modos diferentes de comportamento e cultura.
48
As organizações familiares, carregam um arcaísmo único em seu cerne, visto
que, utilizam tradições em seu cotidiano, ainda que aliado às tecnologias o que
concerne a estas o caráter pós-moderno e barroco. Os rituais e a adoração ao
fundador da empresa fazem parte dessa cultura arcaica a qual é o aspecto
principal do barroco organizacional.
Uma nova estética da comunicação organizacional parece emergir, na qual a
volta às tradições, ao que há de mais genuíno parece relacionar-se em
espiralidade complexa com aspectos pós-modernos, tecnológicos, o que nos
encaminha para uma idéia de barroquismo da comunicação organizacional nos
mais diversos aspectos.
Mas como podemos identificar essa nova estética através dos discursos das
organizações familiares? Esta é a pergunta norteadora de nosso artigo, no qual
buscaremos através de uma análise semiológica, ancorada por Roland Barthes,
das discursividades organizacionais em nível institucional compreender essa
nova estética barroca, proposta pela pós-modernidade, tendo como objeto as
organizações familiares.
No Brasil, temos a o menos dois casos de empresas familiares que dominam o
quadro midiático do país, que são as famílias Abravanel (proprietários do
Sistema Brasileiro de Televisão - SBT, uma emissora voltada à classe média e
classes mais baixas brasileiras) e família Marinho (proprietária das
Organizações Globo o terceiro maior conglomerado midiático do mundo).
Tanto o SBT, quanto à Globo, temos uma comunicação mercadológica que
passam a ideia de família, bem como, no caso do SBT, o proprietário e suas
filhas tem programas de auditório, e suas propagandas são sempre
protagonizadas por Silvio Santos proprietário da empresa.
Isso demonstra o quanto as organizações familiares são Barrocas, pois em seu
arcadismo estabelecido pelas características mais modernas e conservadoras se
unem às novas tecnologias da comunicação, como as redes sociais. A
emocionalidade no caso destas duas organizações, é evidenciada e propagada a
49
exaustão, o que faz com que os públicos apresentem opiniões contrastantes à
respeito da imagem das mesmas, bipolarizando os espectadores, ou odeiam
determinada emissora, ou a amam. Mas esta característica também pode ser vista
em outros modelos organizacionais.
A emocionalidade presente no Barroco (movimento artístico), é aguçada pelo
sentido coletivo pós-moderno. Hoje temos uma sociedade interligada e
conectada, ainda que, através da distância e do tempo. Estes fatores, são postos
à prova na atualidade, visto que, passam a ter outra significação para os
sujeitos. A partir das novas tecnologias, as quais permitem a interação constante
entre os sujeitos, temos um espírito de união e comoção muito mais forte. O que
acontece em determinada nação, não pode ser vivenciado, mas, pode ser sentido
por outros. O ideal tribal parece se sobrepor a individuação tão pronunciada
pelas sociedades modernas.
Entendemos que o barroquismo, estabelecido na Pós-Modernidade, está
fundamento naquilo que Maffesoli (1996) nos diz ser uma colcha de retalhos,
com tecidos e materiais diversos, a fim, de construir um tear concreto e
constante. Assim, mesmo que nesta sociedade atual, sejamos tão desiguais, tão
diversos, mantemos interações constantes e contínuas, através das diferenças. A
aceitação e o sentido compreensivo da pós-modernidade nos fazem integrantes
de organizações híbridas, arranjadas pelos opostos.
As antíteses e a hibridez, juntamente, com as noções de tempo e espaço fluidos,
fazem com que, sejamos coadjuvantes e protagonistas desta sociedade veloz e
fugaz, na qual, estamos inseridos. Somos coadjuvantes, porque somos
influenciados por uma Cultura Pós-Moderna, determinada por algo, muito
maior que o indivíduo, concomitantemente, somos protagonistas, quando
estamos em nossas tribos, fazendo o sentido da pluralidade prevalecer.
Percebemos com isso, que as Organizações Familiares, parecem ser pósmodernas por excelência, pois mesmo, em idos tempos, conviviam com variadas
tribos, bem como, com os opostos de entendimentos entre o que era familiar e o
50
que era mercadológico. Todos estes contrastes que, consequentemente, as
faziam frágeis frente ao mercado em que estavam inseridas, as transformaram
em instituições resilientes capazes de adaptarem-se às novas exigências, como
também, voltarem ao sentido original, de abrigar diversos interesses e
pluralidades de seus públicos.
O que podemos perceber diante deste estudo, é que a comunicação
organizacional, na pós-moderna está tendo que adaptar-se a um novo modo de
socialidade, no qual o processo comunicacional, não deve ser burocrático a fim
de cumprir apenas o papel de informar, mas deve, acima de tudo, proporcionar
o compartilhamento de informações, ideias e, conforme o novo ambiente
organizacional, o qual está impregnado pelos diversos modos de ser de cada
sujeito e pela identificação que os públicos tem com seus pares.
O retorno no tempo, e nos costumes, bem como, a utilização das novas
tecnologias, ampliam o desafio da comunicação na sociedade, visto que,
atualmente, em quase todos os cantos do planeta, temos acesso à informação,
podendo a mesma ser compartilhada infinitas vezes. Nunca estivemos tão
próximos e ao mesmo tempo tão distantes uns dos outros, mas há um cimento
que nos une apesar das divergências conjunturais – a comunicação (Maffesoli,
2012).
Não apenas o processo comunicacional midiático, como em outras esferas,
também, como no âmbito organizacional, vem sofrendo inúmeras influências
pós- modernas. Os sujeitos e suas características mais peculiares são absorvidos
por administrações mais humanizadas, logicamente, inseridas nesta sociedade
da informação, ou sociedade da economia da velocidade como Castells (2009)
denomina.
Mesmo nas organizações mais antigas em nossa civilização – que são as
organizações familiares, as transformações foram muitas. Se antes tínhamos,
somente, a família trabalhando nas mesmas, hoje temos a família e demais
profissionais compondo o público interno. Há uma barroquização e hibridez
51
organizacional, neste espaço temos
tribalizações e segmentações que
concomitantemente separam e unem os públicos.
Uma nova estética da comunicação, voltada ao relacionamento contínuo entre os
sujeitos, agregando-os a partir de suas peculiaridades emerge. A segmentação
na sociedade é refletida na comunicação, socioletos 7 são utilizados a fim de
agregar os “pares”, comunidades nas redes sociais são desenvolvidas para que
aqueles sujeitos com interesses semelhantes possam encontrar-se, entre outros
modos de estar-junto, como propõe Maffesoli (2010).
As organizações, assim, são espaços agregativos, nos quais os públicos
procuram identificarem-se com a imagem empresarial que a mesma possui
frente à sociedade. O comportamento das empresas também merece uma atenção
especial diante da socialidade pós-moderna, visto que na contemporaneidade
somos movidos pela nossa emocionalidade coletiva e não pela razão
individualizada.
Uma das características mais essenciais da Pós-Modernidade é o retorno de
determinadas tradições, como a adoração a totens, emblemas – a sacralização
dos líderes. Nas organizações familiares este aspecto torna-se mais evidente,
pois o fundador geralmente representa uma figura carismática e mítica.
Não por acaso, os maiores conglomerados midiáticos são de propriedade de
famílias que detém o poder destas empresas. Claramente, imagem desses clãs
são utilizadas para agregar valor à imagem da organização. As marcas pósmodernas se aproveitam desse vínculo para estabelecer sua afetividade e
proximidade ainda maior com seus consumidores.
A emocionalidade emergente na sociedade contemporânea pode ser percebida
através não somente de uma comunicação mais humanizada, mas, sobretudo,
pela sentimento de estar junto, do estar compartilhado, seja compartilhado
pessoalmente ou com a ajuda de novas tecnologias da comunicação. Observamos
7 Para Barthes (1975) Socioleto pode ser entendido, como uma linguagem comum, uma linguagem social.
52
é que a comunicação na sociedade pós-moderna assume o seu sentido
etimológico mais profundo, visando compartilhar, trocar informações e
sensações (Morin, 2001).
Vemos nos últimos tempos, as tribos se organizarem a fim de dar voz a suas
reivindicações, o que tem se tornado possível, graças á democratização e acesso
que as novas tecnologias da comunicação possibilitam. Os suportes
comunicacionais convergem e conversam entre si, a Televisão que durante a
Modernidade reinou absoluta como principal meio comunicacional, hoje
necessita de outros suportes para conquistar seus telespectadores.
As empresas através de suas marcas incorporam estas tendências em sua
comunicação organizacional. Não basta apenas apresentar a seus públicos
narrativas
e
discursos
estáticos,
racionalizados
e
burocratizados.
Os
stakeholders, sejam eles funcionários, proprietários ou consumidores dessas
corporações, necessitam de
uma maior atenção por parte das mesmas, e o
processo comunicacional organizacional necessita ser resiliente diante das
exigências sociais.
As crises mundiais, tidas como econômicas vão além das questões financeiras –
estabelecem uma realidade diversa daquela que podemos dominar. As questões
sociais e os valores, mesmo que, imperceptivelmente, são reavaliados
constantemente, e parecem emergir com força ainda maior, determinada pelo
sentido de identificação estabelecido pelo tribalismo.
No mundo organizacional, as mesmas características são observadas, já que há
uma relação hologramática com a sociedade, na qual uma pode ser vista na
outra. As transformações estabelecidas, a partir dos momentos críticos, fazem
com que as empresas e instituições sejam resilientes a fim de sobreviver às
intempéries mercadológicas.
Os sujeitos, desde o nascimento, vivem organizacionalmente, tem seus
cotidianos permeados pela fugacidade presenteísta, mesmo que sob forte
53
identificação tribal, seja com a família, ou espaço laboral, estão sempre na
busca de um presente ideal, o instante em que a felicidade e a concretude de um
cotidiano de bem estar serão estabelecidas. Há uma saturação espaço-temporal,
fazendo com que, tenhamos a nítida impressão, de que o tempo é restrito e, as
fronteiras são rompidas – formando uma entidade global presente.
Ao mesmo tempo em que temos a sensação de eternidade em determinadas
situações, percebemos o quão de pressa passam as horas. Nas organizações
presenciamos ações velozes, a fim de acompanhar o ritmo do mercado. Os
públicos que a compõem, precisam, necessariamente, ser ágeis e maleáveis, a
fim de desenvolver atividades não próprias de suas funções.
O adaptar-se parece-nos, essencial, no Presenteísmo, bem como, na vida PósModerna, pois a necessidade de reinventar-se é constante, devido à mutação
rápida da sociedade. As organizações familiares que, muitas vezes, perduram
por décadas, e algumas por séculos, acabam assistindo e sendo protagonistas
destas transformações, mostrando-se resilientes às exigências mercadológicas e
sociais.
Estes paradoxos entre o novo e o antigo, entre o bem e o mal, o concreto e o
fluído, parecem compor o tecido do viver pós-moderno. Tal característica
paradoxal fundamenta a característica principal das organizações pós-modernas o Barroco.
Estudado originalmente como um movimento artístico, caracterizado pelos
contrastes entre céu e inferno, angelical e demoníaco, tem delineado momentos
e comportamentos da sociedade, principalmente, na vida pós-moderna, na qual,
os opostos não necessitam ser refutados. Os sujeitos possuem a opção de viver
os antônimos, sem escolher, mas sim na pura convergência de sentidos.
Quando nos deparamos com as obras de Aleijadinho, com a imagem de Nossa
Senhora na mais profunda tristeza, provida, também, de um êxtase,
compreendemos que os dois sentimentos fazem parte da mesma moeda. São
54
intrínsecos aos ser humano, não podemos dicotomizá-los, mas, convivem em
plena sinergia.
Se estes contrastes durante algumas eras puderam ser visto como algo
inimaginável, ou até mesmo, impossíveis de serem reais, na Pós-Modernidade,
eles convergem e se sobrepõem um ao outro, podem ser vistos e sentidos
concomitantemente. O bem e o mal, o sagrado e o profano se confundem, e,
entre o arcaico e o tecnológico tecem o viver atual.
Maffesoli (2001) discorre esclarecendo que o retorno às origens, a individuação
dando lugar à Tribalização, é a sensibilidade do viver pós-moderno. O autor,
ainda corrobora que, “é a explosão dos valores sociais, o relativismo ideológico,
a diversificação dos modos de vida, que engendram essa barroquização da
existência, com a qual estamos confrontados” (MAFFESOLI, 1996, p. 187-188).
As organizações convivem com esta barroquização cotidianamente, pois os mais
diversos públicos a compõe. São subjetividades múltiplas, fazendo com que,
culturas diferentes, se relacionem no mesmo ambiente. Esta pluralidade, tem
dado o novo “tom” às gestões empresariais, as quais buscam explorar novos
caminhos para a eficiência organizacional, compreendendo as diferenças entre
os sujeitos, a fim de construir um espaço mais homogêneo, a partir da
hetorogeneidade dos mesmos.
Os públicos se distribuem em determinadas tribos, que representam segmentos
de culturas distintas, mas, o que os une, certamente, são as paixões por
determinadas “coisas”, cujos ideais são quase uniformes. A individualidade tão
proclamada por causa das novas tecnologias, a qual nos permite viver quase
solitariamente, é deixada de lado em prol à Tribalização das sociedades.
É necessário sentir-se identificado com outrem. Identificação é uma das
características mais marcantes da Pós-Modernidade, bem como, no Barroco,
pois não distingue, um sujeito do outro, mas os une pelo laço que os identifica
como um grupo. As paixões marcam este sentimento de pertencimento.
55
Podemos notar essa característica, nas organizações que se mostram, através de
um ideário muito forte, como aquelas, que por serem familiares, preservam sua
cultura de origem, por exemplo
– as empresas que são de origem judaica – as quais buscam ter suas simbologias
e rituais preservados, mesmo diante das mudanças impostas pela sociedade e
pelo mercado. Maffesoli (1999, p. 310) aclara-nos: “o instante de identificação
parece dar sentido de eternidade”. Eternidade ligada às paixões do barroco, que
se contrapõe, à fugacidade do Presenteísmo.
Para Maffesoli (2001, p. 23) a pluralidade de paixões está inscrita numa
“bricolagem mitológica autônoma e particularizada, que demarca o território
real ou simbólico, para expressar seu modo de representação, o que prevalece é
perder-se no outro e em função do outro, onde a lei é do outro”. Tanto a
pluralidade, quanto a bricolagem, ou seja, a união das partes, parecem expressar
as particularidades do Barroco.
As organizações, através de suas marcas procuram criar uma agregação aos seus
públicos em torno de seus mitos, seus totens. Como já dissemos, nas
organizações familiares, o fundados e muitas vezes algum representante da
família proprietária da mesma, passam a ser venerados, pois ocupam o
imaginário dos sujeitos co uma figura paternal ou mesmo fraternal, mas que
deseja preservar a imagem de que todos são iguais.
Se observarmos a comunicação de algumas empresas familiares, sejam elas de
que esfera mercadológica forem, perceberemos que nas suas propagandas ou
ainda material de divulgação, sua imagem está sempre atrelada a algum
membro do clã, e comumente, presenciamos grandes empresas fundarem seus
memoriais ou fundações de nível assistencial intituladas pelo nome de seus
fundadores. Há um endeusamento dos proprietários deste tipo de empresa,
como se estes pudessem ser onipresentes na sociedade.
No Brasil, temos a o menos dois casos de empresas familiares que dominam o
quadro midiático do país, que são as famílias Abravanel (proprietários do
56
Sistema Brasileiro de Televisão - SBT, uma emissora voltada à classe média e
classes mais baixas brasileiras) e família Marinho (proprietária das
Organizações Globo o terceiro maior conglomerado midiático do mundo).
Tanto o SBT, quanto à Globo, temos uma comunicação mercadológica que
passam a ideia de família, bem como, no caso do SBT, o proprietário e suas
filhas tem programas de auditório, e suas propagandas são sempre
protagonizadas por Silvio Santos proprietário da empresa.
Isso demonstra o quanto as organizações familiares são Barrocas, pois em seu
arcadismo estabelecido pelas características mais modernas e conservadoras se
unem às novas tecnologias da comunicação, como as redes sociais. A
emocionalidade no caso destas duas organizações, é evidenciada e propagada a
exaustão, o que faz com que os públicos apresentem opiniões contrastantes à
respeito da imagem das mesmas, bipolarizando os espectadores, ou odeiam
determinada emissora, ou a amam. Mas esta característica também pode ser vista
em outros modelos organizacionais.
A emocionalidade presente no Barroco (movimento artístico), é aguçada pelo
sentido coletivo pós-moderno. Hoje temos uma sociedade interligada e
conectada, ainda que, através da distância e do tempo. Estes fatores, são postos
à prova na atualidade, visto que, passam a ter outra significação para os
sujeitos. A partir das novas tecnologias, as quais permitem a interação constante
entre os sujeitos, temos um espírito de união e comoção muito mais forte. O que
acontece em determinada nação, não pode ser vivenciado, mas, pode ser sentido
por outros. O ideal tribal parece se sobrepor a individuação tão pronunciada
pelas sociedades modernas.
Entendemos que o barroquismo, estabelecido na Pós-Modernidade, está
fundamento naquilo que Maffesoli (1996) nos diz ser uma colcha de retalhos,
com tecidos e materiais diversos, a fim, de construir um tear concreto e
constante. Assim, mesmo que nesta sociedade atual, sejamos tão desiguais, tão
diversos, mantemos interações constantes e contínuas, através das diferenças.
57
A aceitação e
o sentido compreensivo da pós-modernidade nos fazem
integrantes de organizações híbridas, arranjadas pelos opostos.
As antíteses e a hibridez, juntamente, com as noções de tempo e espaço
fluidos, fazem com que, sejamos coadjuvantes e protagonistas desta sociedade
veloz e fugaz, na qual, estamos inseridos. Somos coadjuvantes, porque somos
influenciados por uma Cultura Pós-Moderna, determinada por algo, muito
maior que o indivíduo, concomitantemente, somos protagonistas, quando
estamos em nossas tribos, fazendo o sentido da pluralidade prevalecer.
Síntese provisória conclusiva
Percebemos com isso, que as Organizações Familiares, parecem ser pósmodernas por excelência, pois mesmo, em idos tempos, conviviam com
variadas tribos, bem como, com os opostos de entendimentos entre o que era
familiar
e
o
que
era
mercadológico.
Todos
estes
contrastes
que,
consequentemente, as faziam frágeis frente ao mercado em que estavam
inseridas, as transformaram em instituições resilientes capazes de adaptarem-se
às novas exigências, como também, voltarem ao sentido original, de abrigar
diversos interesses e pluralidades de seus públicos.
O que podemos perceber diante deste estudo, é que a comunicação
organizacional, na pós-moderna está tendo que adaptar-se a um novo modo de
socialidade, no qual o processo comunicacional, não deve ser burocrático a fim
de cumprir apenas o papel de informar, mas deve, acima de tudo, proporcionar
o compartilhamento de informações, ideias e, conforme o novo ambiente
organizacional, o qual está impregnado pelos diversos modos de ser de cada
sujeito e pela identificação que os públicos tem com seus pares.
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58
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Para
quem? Lisboa, Edições 70 , 1975.
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FOSSÁ, Maria Ivete. A Cultura de devoção nas empresas familiares e
visionárias – uma definição teórica e operacional. Porto Alegre: UFRGS, 2003
MAFFESOLI, Michel. Saturação. São Paulo: Itaú Cultural, 2012.
MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2012.
MORIN, Edgar. As duas globalizações. Porto Alegre: Sulina, 2001.
RANDAZO, Sal. A Criação de Mitos Na Publicidade. Rio de Janeiro: Rocco,
1997.
59
A “objetividade” em uma reportagem sobre artes visuais
Gilmar Hermes8
Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Resumo
O artigo faz uma análise de uma reportagem da revista Bravo!, tratando da exposição
Bauhaus.foto.filme, ocorrida em São Paulo no ano de 2013. Conforme a semiótica de
Charles Sanders Peirce, através da observação de ícones, sinsignos e legissignos na
elaboração do texto, é possível identificar elementos que contribuem para o melhor
tratamento jornalístico de exposições de arte, levando em conta os seus aspectos
estéticos.
Palavras-chave
Semiótica; artes visuais; estética; Bauhaus.
No grupo de pesquisa Estudos sobre Jornalismo Cultural, vinculado ao curso de
Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas, está sendo desenvolvida uma
pesquisa sobre a editoria de Artes Visuais nas últimas edições da revista Bravo! O
corpus
de pesquisa inclui as edições que vão de janeiro de 2012 até o último
exemplar publicado pela editora Abril, de São Paulo, no mês de agosto de 2013.
Fazendo uso de uma metodogia semiótica, com conceitos originários da obra de
Charles Sanders Peirce (1839-1914), associados a definições práticas e teóricas do
jornalismo, pretende-se avaliar como a publicação alcançou ou não o intento de tornar
a arte mais acessível ao grande público, conforme foi anunciado nas primeiras
edições da revista (ANTENORE, 2012).
Neste artigo, é feita uma análise da reportagem com o título “Outro Lado” (BUENO,
2013), assinada pelo designer gráfico e ilustrador Daniel Bueno. Embora a
reportagem não seja escrita por um jornalista, é marcada por aquilo que
convencionalmente entende-se por “objetividade jornalística”, ao sobretudo descrever
uma exposição. Desta forma, reflete-se quais são as implicações de um tratamento
“objetivo” aos acontecimentos artísticos.
8 Gilmar Hermes ([email protected]) é professor do curso de Bacharelado em Jornalismo da UFPel. Este
trabalho está vinculado ao Grupo de Pesquisa Estudos de Jornalismo Cultural, na linha Estudos Semióticos sobre
Jornalismo Cultural.
60
Semioticamente, a reportagem pode ser vista como um signo. E como tal produz
ações sígnicas. A semiose pode ser tomada como um conceito fundamental, assim
como o de signo, sendo definida da seguinte forma pelo autor Gérard Deladalle
(1996):
[La] semiosis es siempre ese proceso triádico mediante el cual un primero
determina que un tercero remita a un segundo al cual él mismo remite. La
semiosis, que es
proceso de inferencia, es el objeto propio de la semiótica. La palabra fue
tomada por Peirce del filósofo epicúreo Filodemo, para quien [la semiosis] es
una inferencia a partir de signos… [...] Los componentes formales de la
semiosis son, pues, el representamen, el interpretante y el objeto que Peirce
llama inmediato para distinguirlo (discrimirnalo) del objeto fuera del signo o
mejor dicho de la semiosis, y que él llama objeto dinámico. (DELADALLE,
1996, p.86)
Nesta citação são colocados os conceitos fundamentais de signo e semiose. O texto
jornalístico pode ser visto no seu conjunto como um signo, embora possa ser
decomposto em aspectos não verbais (ícones) e verbais (símbolos). Numa análise
semiótica, pode-se deduzir qual se trata do objeto dinâmico da reportagem, o assunto
ou objeto para qual o texto produz sentido, mas considera-se sobretudo o objeto
imediato, que consiste nos aspectos do objeto ou do assunto que a reportagem utiliza
para produzir sentido.
É importante salientar, que os conceitos semióticos não visam classificar certas
palavras ou imagens – que são o objeto deste estudo - como certos tipos de signo. O
intuito é sobretudo perceber como se dá a produção de sentido, o que pode contribuir
para uma reflexão sobre a retórica jornalística, a qual tem implicações estéticas, éticas
e lógicas. A autora Lucia Santaella (2000), elucida os propósitos da semiótica:
A semiose é uma trama da ordenação lógica dos processos de continuidade. O
pensamento é o campo privilegiado da continuidade. Muito cedo, Peirce deuse conta de que não há pensamento ou formas de raciocínio – nem mesmo as
formas puramente matemáticas, e mais ainda estas – que se organizem
exclusivamente por meio de signos simbólicos. A semiose genuína é um
limite ideal. No plano do real, só ocorrem misturas. Outros tipos de signos,
além dos símbolos, intervêm e são necessários à condução do pensamento e
das linguagens. A mistura sígnica é parte integrante do pensamento e de todas
as manifestações de linguagem. Desenredar a meada das misturas sígnicas foi
uma das tarefas a que Peirce dedicou boa parte de sua existência. Junto a essa
tarefa, colocou-se aquela de dar conta das cifras do universo que não se
reduzem aos processos de continuidade, mas incluem a força bruta dos fatos e
a indeterminação do possível. (SANTAELLA, 2000, p.90)
61
Fazendo-se uma análise no ponto de vista do signo em si, ou seja, o representamen,
pode-se recorrer aos conceitos de qualissigno, sinsigno e legissigno. A linguagem
verbal constitui-se de legissignos, que correspondem a regras de sentido instituídas
pelas línguas ou pelas culturas. A semiose das palavras é produzida a partir de uma
convenção, mas, quando elas são usadas nos textos jornalísticos, buscam dar conta de
fenômenos de forma a repetir uma experiência no mundo concreto. A semiótica
peirciana concebe os sinsignos como réplicas de ideias gerais, atualizada em contextos
específicos que produzem um sentido relacional.
Deladalle (1996) explica:
El “signo” no analizado se presenta siempre primero como sinsigno, como
signo existente único: singular. Tomado entre el cualisigno que es, en
un sentido, el
“fundamento” del sinsigno, y el legisigno que es el “signo” en un sistema
organizado, el sinsigno se definirá de diferente modo según sea simple
sinsigno (fuera de todo sistema de signos) o “réplica” de un legisigno. Tanto
en un caso como en el otro, será un existente singular, pero, en tanto simple
“materialización” de un cualisigno, el sinsigno propriamente dicho no podrá
establecer relación tercera con su objeto, lo que sí podrá hacer la réplica
porque es la “materialización” de un legisigno tercero (DELADALLE, 1996,
p.97).
Quanto à relação do signo com o objeto dinâmico, aparecem as definições mais
conhecidas da semiótica de Peirce: ícone, índice e símbolo. O ícone é um signo que,
quanto às relações com o objeto dinâmico, ou seja, os aspectos comuns que definem o
objeto imediato, é marcado por semelhanças qualitativas. O índice é de alguma forma
afetado pelo objeto, sendo caracterizado sobretudo por relações físicas, de comum
presença, por exemplo. O símbolo relaciona-se com o objeto por convenções ou
generalizações lógicas, servindo esta classificação tanto para as palavras como para
imagens que tenham um sentido convencional. “En relación a su objeto, puede o bien
parecérsele, indicarlo o tomar su lugar. Es entonces respectivamente ícono, índice y/o
símbolo” (DELADALLE, 1996, p.127)
Em geral as reportagens da revista Bravo! são ricamente ilustradas, com fotografias,
ilustrações e imagens relacionados aos assuntos tratados. Na reportagem “Outro
Lado”, os ícones cumprem com um papel especial, produzindo as primeiras semioses
em torno do assunto. Sendo uma matéria jornalística escrita por um designer gráfico,
teve um cuidado especial, sendo composta com as cores preto e branco predominantes,
sendo que a revista é toda impressa a cores. A cor preta sobre o fundo branco
estabelece a unidade qualitativa entre os destaques gráficos, as imagens e a redação.
62
A dimensão de sinsigno da reportagem, como um objeto palpável, é dada por esses
aspectos cromáticos, mas estabelece-se uma mistura de sentidos pelas relações de
semelhança. Os ícones, apesar de materialmente palpáveis, funcionam como sinsignos,
réplicas de legissignos, que a princípio podem ser compreendidos como “elementos
gráficos”, já que a maioria das imagens consiste em formas geométricas e abstratas.
Poderia-se tomar as imagens simplesmente como “elementos gráficos decorativos”,
mas a leitura do texto vai evidenciar o objeto dinâmico. Também contribui para a
semiose inicial, o fato de aparecerem fotos de aspecto antigo com figuras humanas,
sugerindo assim um objeto dinâmico vinculado a tempos passados, com outras
tecnologias de produção de imagem.
Os sinsignos, relacionados entre si, constituem o texto, que como tal, tem uma
singularidade que é própria deste tipo de signo. Lendo o título, a chamada e as
legendas, as imagens são situadas semioticamente em relação ao objeto dinâmico do
texto: A mostra “Bauhaus.Foto.Filme”.
Primeiramente a análise semiótica consistirá em esmiuçar quais aspectos desse objeto
dinâmico aparecem no objeto imediato que constitui a reportagem, vista como um
signo. O título escrito em maiúsculas, “OUTRO LADO”, não situa o objeto
dinâmico, ainda pouco evidente. Pode cumprir com a função de causar um impacto
no leitor, prometendo uma nova versão de um assunto conhecido. O elemento textual
que cumpre com o papel de situar a reportagem inicialmente, como é prescrito pelas
normas jornalísticas (legissignos) é a chamada (ou “antetítulo”)9: “A mostra
‘Bauhaus.Foto.Filme´ exibe uma faceta pouco conhecida da célebre escola alemã
de arquitetura e design”. Lendo as legendas percebe-se que cada uma das imagens
corresponde a um dos trabalhos dos artistas ou designers vinculados à Bauhaus. Desta
forma o principal objeto imediato da reportagem evidenciado é a “exposição que
trata da faceta pouco conhecida da Bauhaus”. Para que a semiose se produza de forma
a produzir interpretantes lógicos, é necessário, contudo, que o leitor já tenha alguma
9
O Manual de Estilo Editora Abril define simultaneamente “Título, Antetítulo e Olho”: “Eles
formam um único conjunto. Quando bons, um leva ao outro. O título é a chave. Para funcionar,
precisa ter impacto. Sem impacto, não chamará atenção. [...] Procure construir um título com curtas
e poucas palavras. [...] Um título bem-feito vende uma reportagem. [....] [É] fundamental dizer logo
do que se trata. Se você estiver editando uma matéria sobre Roberto Carlos, escreva o nome dele ou
no título, ou no antetítulo ou, no mínimo, como uma das primeiras palavras do olho. Embora o título
deva valer por ele mesmo, o antetítulo serve para situá- lo. O papel do olho é resumir de forma
atraente, sob o impacto do título, a essência do texto.” (EDITORA ABRIL, 1990, p.22)
63
noção do que se trata o legissigno “Bauhaus”, estando aí a leitura restrita às pessoas
já vinculadas de alguma forma ao meio das artes visuais.
É importante observar que há uma “tese” a respeito da exposição, que consiste na
definição de que há um “outro lado” pouco conhecido da Bauhaus. Neste sentido
tenta-se criar uma semiose que gere interpretantes do tipo “lógico”. As classificações
de Peirce quanto ao interpretante são das mais proveitosas, mas, ao mesmo tempo,
controversas. Para o propósito desta análise toma-se a classificação de signo
peirciana, que se refere ao tipo de interpretante produzido pela semiose, com as
concepções de interpretante emocional, energético e lógico.
El interpretante de un signo es su resultado significativo. […] Un signo puede
tener tres tipos de interpretante respectivamente: afectivo (emotional),
energético y lógico. ‘El primer efecto propiamente significativo de un signo
es el sentimiento que produce. Hay casi siempre un sentimiento que
interpretamos como la prueba de que comprendemos el efecto propio del
signo, aun cuando esta base de verdad sea a menudo muy frágil. Este
interpretante afectivo, como lo denomino, puede ser mucho más que un
simple sentimiento de reconocimiento (acknowledgment) y, en ciertos casos,
es el único efecto propiamente significativo que el signo produce.’ Así, un
fragmento musical es un signo cuyo interpretante afectivo es el único
interpretante. El interpretante energético implica un esfuerzo para actuar por
parte del sujeto, ya sea corporalmente, ya sea mentalmente. Aun mental, este
interpretante no es la ‘significación de un concepto’ (5.475) en que consiste
en cambio el interpretante lógico (5.476). El interpretante lógico de un signo
es pues, […] [el] efecto significativo de ese signo (PEIRCE in
DELADALLE, 1996, p.29).10
A reportagem produz uma concepção lógica sobre a Bauhaus, que é compartilhada
pelo leitor, a medida em que a leitura é feita sem questionar o posicionamento
estabelecido. Também quanto ao interpretante, o signo “Bauhaus” pode produzir
somente um interpretante energético a medida em que o leitor tem contato com este
signo, mas não possui um repertório de forma a produzir um interpretante lógico.
As imagens e os aspectos gráficos tendem a produzir interpretantes emocionais,
criando predisposição ou não para a leitura da reportagem assim como para a visita à
exposição que é o objeto dinâmico do texto. A medida em que o interesse aumenta e
se produz uma maior curiosidade sobre do que tratam as imagens, são produzidos
interpretantes energéticos, que provavelmente serão semelhantes aos produzidos à
presença na mostra. As legendas contribuem para produzir interpretantes lógicos,
deixando as imagens de funcionarem como sinsignos, para serem réplicas de
10
Os números entre parênteses correspondem a ordenação dos textos de Charles Sanders Pierce, os
Collected Papers.
64
legissignos relacionados à produção individual de artistas, à Bauhaus ou um gênero
da produção artística (a exemplo da “arte abstrata”).
A abertura11 do texto busca cativar o leitor com a descrição de um filme de Lásló
Moholy-Nagy. É o primeiro sinsigno usado para produzir semioses sobre a
exposição. Partindo deste exemplo, que busca sobretudo motivar o interesse para a
leitura da reportagem, o texto situa quem é Moholy-Nagy e de seu vínculo com a
Bauhaus. A seguir explica o que foi a escola de design, principal sinsigno atualizado
no texto e, como foi observado anteriormente, imprescindível para que um público
mais amplo entenda do que se trata a exposição. Justificada por sua retórica elogiável,
segue a descrição da primeira parte do texto:
No filme Um Jogo de Luz: Preto-Branco-Cinza, de 1930, imagens de uma
engrenagem metálica em movimento exploram as possibilidades da arte
cinética. Com uma dança cadenciada, círculos, espelhos e tubos de metal
giram e transitam harmoniosamente pela tela, sintetizando a vida na cidade
moderna e uma nova época imersa na tecnologia. Tanto o filme quanto a
máquina são do húngaro Lásló Moholy-Nagy. Ligado ao construtivismo
russo e principal teórico da Nova Visão (conceito elaborado nos anos 20 para
designar as possibilidades de percepção oferecidas pelas técnicas
fotográficas), ele entendia que a câmera amplia nossa capacidade de ver o
mundo, propiciando imagens que não são percebidas a olho nu. Em 1923,
Moholy-Nagy entraria para a Bauhaus. Fundada quatro anos antes na
Alemanha, a escola teve um impacto fundamental no desenvolvimento do
design e da arquitetura, ao articular arte e artesanato, produção industrial e o
dinamismo das sociedade moderna (BUENO, 2013, p. 62).
Objetivamente, o texto parte de um dos trabalhos que provavelmente poderiam ser
vistos na exposição, descreve os sinsignos Mohoy-Nagy e a Bauhaus. O segundo
parágrafo é que vai corresponder às técnicas do lead jornalístico, com a descrição do
quê (a exposição), onde e como. Como é determinado editorialmente pela revista
(semelhante a outros exemplos do jornalismo cultural impresso), os detalhes completos
da programação cultural, aparecem em um box ao final da reportagem, com o
“quando” e o “onde”.
11 A
técnica básica para a introdução de textos jornalísticos consiste no lead, que responde às perguntas
quem, quando, o quê, como, onde e porque. No entanto para textos de revista utiliza-se a noção de
“abertura”, como
explica Sergio Vilas Boas: “Obviamente, não há ‘o lead’ certo, nem uma fórmula que possa garantir o
sucesso de sua narrativa. Em termos de interesse, a abertura segue a mesma proposição do lead. Porém,
não segue as mesmas normas. [...] As informações principais, assim como o fato que originou a matéria,
não têm, necessariamente, de vir nas primeiras linhas. O interesse do leitor tem de ser ‘capturado’. Ele
não pode abandonar a leitura até tomar conhecimento do que foi anunciado na matéria...” (VILAS
BOAS, 1996, P.45)
65
No segundo parágrafo, a “tese” proposta pelo título fica evidente: “Em vez de objetos e
protótipos, desenhos e maquetes – o que é comum quando se trata da instituição alemã
– são exibidos 12 filmes e 100 fotografias de artistas, alunos e professores que
passaram por lá.” (BUENO, 2013, p.62) Desta forma, entende-se que normalmente as
exposições sobre a Bauhaus tratam de arquitetura e design, mas negligenciam a sua
produção imagética e filmográfica.
No caso de reportagens sobre exposições, um sinsigno frequente é o nome do curador
ou do organizador da exposição, que neste caso, é Alfons Hug. Ao lado do seu nome
vem outro sinsigno recorrente, que se trata da “proposta da exposição”, com um
detalhamento maior do que já foi colocado inicialmente no texto sobre os aspectos
experimentais da Bauhaus, geralmente negligenciados, e o fato de que a escola foi
encerrada quando ocorreu a ascensão do nazismo na Alemanha. Os nomes de Paul
Klee, Wassily Kandinsky e Josef Albers são associados à Bauhaus, conferindo
noticiabilidade ao assunto por envolver nomes de celebridades artísticas.
São detalhadas as quatro partes do setor de fotografia da exposição. É dada maior
atenção ao setor das oficinas do professor Walter Peterhans, que não é um nome dos
mais conhecidos. “Ele foi convidado em 1929 por Hannes Meyer, segundo diretor da
Bauhaus, para integrá-la e abriu seu primeiro curso naquele mesmo ano. Antes disso, a
fotografia já
se fazia presente na escola, mas Peterhans pôde se concentrar nos
aspectos técnicos e estéticos do assunto”, explica a reportagem.
A seguir são descritas várias obras, que podem ser tomados como diferentes sinsignos
a serem também vivenciados por futuros visitantes da exposição:
Na mostra, é possível conferir a diversidade dessas experimentações, como a
busca por efeitos obtidos com a sobreposição de sombras de copos alinhados
em Copas 1, de Gertrud Arndt. Ou a sutil silhueta sugerida por detrás das
esbranquiçadas linhas verticais de uma máquina de tear em Michiko
Yamawaki ao Tear, de Hajo Rose. Além das explorações vanguardistas, o que
muitas das obras deixam entrever são momentos do dia a dia, com grupos de
jovens em situações descontraídas em escadarias, salas, refeitórios e outros
espaços. (BUENO, 2013, p.64)
Nota-se aqui um esforço do autor da reportagem para antecipar ao leitor a possível
experiência de visitar a exposição. Há uma tendência na reportagem específica do
campo das artes de descrever legissignos da área, no lugar de compartilhar com o leitor
o que pode ser vivenciado ao desfrutar obras de arte, ou seja sinsignos. A expressão
“explorações vanguardistas” funciona como um legissigno, mas na maior parte deste
66
trecho são
colocados sinsignos que dependem da produção de interpretantes
energéticos, seja quanto ao imaginário visual, seja quanto à necessidade de visitar a
exposição.
Os últimos parágrafos continuam com o mesmo tom descritivo. O fecho, no entanto,
assim como outras partes do texto, apresentam opiniões, interpretantes lógicos
produzidos pelo autor da reportagem a partir da possível experiência de visitar a
mostra. A reportagem encerra com a seguinte frase: “Enriquecida com os registros
espontâneos das fotos do cotidiano, a seleção permite um contato com um lado mais
humano da Bauhaus.” Os sinsignos apresentados no transcorrer do texto permitiram
esse posicionamento. Foi enfatizado o aspecto mais experimental e não tão
racionalista, como o legado da Bauhaus tende a ser tratado, por suas concepções
funcionalistas. Também foi enfatizado o fato da mostra dar lugar ao elemento humano,
que aparece diretamente com as fotos dos estudantes, presentes na exposição.
Por haver de fato a preocupação em compartilhar com o leitor a possível experiência
de ver a mostra, com o texto estruturado com sinsignos próprios disso, ao lado das
imagens que constituem a elaboração visual da reportagem, pode-se dizer que o texto
está impregnado de uma “objetividade”, pouco observada em textos sobre artes
visuais, em tempos em que as artes visuais são marcadas pelo conceitualismo e são
muito afeitas às ideias. Vale destacar que, antes da arte moderna, o tema das pinturas
era o cerne do discurso que se fazia em torno das obras e que esse “falar” é um aspecto
definidor da própria arte.
O que está em questão, no entanto, é qual seria a melhor forma de mediar através de
um texto jornalístico uma exposição para um público amplo. Neste sentido, o texto
serve como um bom exemplo. Os signos escolhidos para constituir o texto contribuem
para despertar no leitor o desejo de ter a mesma experiência estética.
O autor Nelson Traquina (2004) define a “objetividade jornalística”, assim como a
“teoria do espelho”, como falsas teorias, que na verdade são caracterizadas mais como
crenças ideológicas que constituíram a profissão do jornalismo, do que teorias que
tentam pensar esse tipo de saber. No seu livro, Traquina sistematiza várias tendências
de reflexão da atividade, e chega ao que define como teorias construcionistas e
interacionistas. Percebe o jornalismo como um constructo social, em que interagem
profissionais da área, fontes de informação, representantes das diversas forças sociais,
além das audiências ou públicos leitores.
67
Quando se tratam de obras de arte e ainda mais exposições, são acontecimentos que
podem ser vivenciados por todas as audiências e leitores e isto seria uma maneira de
testar a “objetividade”. Evidentemente, no entanto, o valor artístico também é um
constructo social e muitas vezes o que as reportagens fazem é reafirmar os juízos e
concepções a respeito das obras que já preexistem no meio cultural. A descrição das
obras e a ênfase na experiência estética propiciada pelos acontecimentos artísticos
podem contribuir para uma compreensão mais crítica e libertária da produção cultural.
Já que essa vivência é inesgotável, trata-se justamente do terreno frutífero do
jornalismo cultural.
A experiência estética é um tipo de relação semiótica em que se é atraído ou
interessado pelos objetos por que de alguma forma eles mexem com a sensibilidade. O
texto da revista Bravo! desperta o interesse, por motivar essa relação com a descrição
dos signos presentes na exposição, reconhecidos na análise como sinsignos.
O autor Adolfo Sánchez Vásquez, em seu livro Convite à estética (1999) contrapõe as
definições de “objetivismo estético” e “subjetivismo estético”. Segundo Vásquez
(1999), “todo o objetivismo concebe o objeto como o que existe em si e por si, à
margem de qualquer relação com o sujeito, seja qual for essa relação e o modo como é
concebido o sujeito” (VÁSQUEZ, 1999, p.166). Seja da forma idealista, como algo
que existe de maneira perfeita, seja da forma materialista, observada na natureza por
exemplo. “Entre as propriedades naturais do objeto estariam a simetria, a proporção, a
harmonia, o ritmo, etc”, explica o autor (VÁSQUEZ, 1999, p.169) Do outro lado,
estaria o subjetivismo estético. Para explica-lo, o autor cita David Hume: “A beleza
não é nenhuma qualidade das coisas em si mesmas. Existe na mente que as contempla,
e cada mente percebe uma beleza diferente” (HUME in VÁSQUEZ, 1999, p.173).
Ao contrapor dos dois aspectos Vásquez, chega a algumas sínteses bastante
promissoras para a reflexão sobre o jornalismo cultural:
[No] caso particular do interesse estético, não se trata [...] de um interesse
prévio, aplicável a qualquer objeto; mas sim de um interesse que surge e
se mantém na relação do sujeito com ele, e justamente quando possui certas
qualidades que o tornam possível (VÁSQUEZ, 1999, p.173-174).
O objetivismo acerta ao ressaltar a objetividade do estético, mas segue um
caminho errado ao concebê-la como uma objetividade em si, à margem da
relação com o homem. O subjetivismo, por sua vez, acerta ao assinalar o
papel do sujeito, mas perde o rumo ao absolutizar este e desconhecer as
68
qualidades objetivas... [...] Ambas as posições incorrem no mesmo erro:
separar o que só existe em relação mútua... (VÁSQUEZ, 1999, p.175).
[O] estético – como categoria geral – caracteriza um tipo de objetos que, por
sua forma sensível, possuem um significado imanente que determina, assim
mesmo, o comportamento do sujeito que capta, percebe ou contempla esses
objetos de acordo com a sua natureza sensível, formal e significativa. Mas o
estético só classifica um e outro (sujeito e objeto) na relação humana,
histórica e social que torna possível sua existência estética, e na situação
concreta, singular, em que essa possibilidade se realiza efetivamente
(VÁSQUEZ, 1999, p.181).
Através da abordagem deste autor, pode-se questionar o porquê do mérito da
reportagem analisada. Nas junções de ícones e a descrição de sinsignos, em boa parte
sem remetê-los à condição de legissignos, permite-se algo que é próprio da experiência
estética, ou seja, uma relação de interesse para com objetos criados na cultura
moderna, como algo a ser vivenciado sensivelmente, dentro desta “relação mútua” que
caracteriza a arte. A dimensão de sinsigno dos objetos artísticos, que convidam à
contemplação e à reflexão, é algo a ser desenvolvido pelo jornalismo cultural.
Referências bibliográficas
ANTENORE, Armando. Os poderes sobrenaturais do sal grosso. Bravo!: música, cinema,
literatura, artes visuais, teatro, dança. São Paulo: Abril, ano 15, n. 182, out. 2012, p.10.
BUENO, Daniel. Outro Lado. Bravo!: música, cinema, literatura, artes visuais, teatro, dança.
São Paulo: Abril, ano 15, n. 190, jun. 2013, p. 62-65.
DELADALLE, Gérard. Leer a Peirce Hoy. Barcelona: Gedisa, 1996.
EDITORA ABRIL. Manual de estilo Editora Abril. São Paulo: Nova Fronteira,
1990. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2000.
SANTAELLA, Lucia. A Teoria Geral dos Signos: Como as linguagens significam as coisas.
São Paulo: Pioneira, 2000.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como são.
Florianópolis: Insular, 2004.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Convite à Estética. Rio de Janeiro, 1999.
VILAS BOAS, Sergio. O estilo magazine: O texto em revista. São Paulo: Summus, 1996.
69
Estrutura simbólica do poder: O primeiro casal de militares gays do
Brasil.
Juliana Figueiró Ramiro Jornalista, Mestranda em Design
Centro Universitário Ritter dos Reis - Uniritter
[email protected]
César Steffen
Doutor em Comunicação Social Centro Universitário Ritter dos Reis Uniritter [email protected]
Resumo
Este artigo se propõe a explorar a composição gráfica da capa da revista
Época de 2 de julho de 2008, que trouxe, com exclusividade, a história do
primeiro casal de militares a assumir sua homossexualidade dentro do
Exército brasileiro, sob a ótica de aspectos centrais da semiótica peirciana e
os eixos de produção de sentido (acima-abaixo, dentro-fora, claro-escuro),
propostos por Harry Pross (1980), no livro Estrutura Simbólica do Poder.
Para analisar a produção de sentido do objeto serão considerados os aspectos
gráficos de maior destaque na capa – cor, disposição do conteúdo e
fotografia e, ainda, o ambiente sócio-histórico e cultural em que a capa está
inserida, possibilitando identificar os principais elementos do discurso da
revista em relação ao caso.
Palavras-chave: Design Gráfico, Semiótica, Estrutura Simbólica do Poder.
Abstract
This article aims to analyze the graphic composition of Época magazine´s
cover of July 2, 2008, which brought, with exclusivity, the story of the first
military couple in the Brazilian Army to admit their homosexuality. This
analysis will be done on the perspective of the peircean semiotics and the
axes of production of meaning (up-down; inside-outside; light-dark)
proposed by Harry Pross (1980) in the book Symbolic Structure of Power.
In order to analyze the production of meaning of the object, the most
relevant graphic aspects of the cover - color, content arrangement,
photography and the sociohistorical and cultural contexts in which the
magazine´s cover is inserted will be considered.. Thus, it will be possible to
identify the main elements of the speech from the magazine in regards to
the case.
Keywords: Graphic design, Semiotics, Symbolic Structure of Power.
70
1 Introdução
Exclusivo: “Eles são do Exército. Eles são parceiros. Eles são gays.” Dois de julho de
2008, os sargentos da infantaria Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de
Araújo têm seus rostos expostos nas bancas de revista de todo o país. Além dos rostos,
sua história: o primeiro casal de militares brasileiros a assumir sua homossexualidade.
A exposição do casal foi capa da revista Época, que noticiou o caso com exclusividade.
Este artigo se propõe a explorar a composição gráfica da capa da revista Época
sob a ótica de aspectos centrais da semiótica peirciana e os eixos de produção de
sentido (acima-abaixo, dentro-fora, claro-escuro), propostos por Harry Pross (1980),
no livro Estrutura Simbólica do Poder. O objetivo central deste artigo é analisar a
produção de sentido e a intencionalidade das escolhas feitas na criação do objeto,
considerando a composição de cor, hierarquia de conteúdos e diagramação da capa da
revista.
Para
identificar
essa
intencionalidade
será
considerado
o
ambiente
sóciohistórico e cultural em que o objeto está inserido, possibilitando identificar os
principais elementos do discurso da revista em relação ao caso.
2 Fundamentação Teórica
2.1 A semiótica de Peirce
A semiótica enquanto ciência dedicada ao estudo da teoria geral dos signos teve seu
início ainda no período greco-romano antigo, onde a filosofia se preocupava com a
teoria dos signos verbais e não verbais. O primeiro nome que aparece na história da
semiótica é Platão (427-347), filósofo grego que, entre inúmeros estudos, teorizou a
cerca dos signos, conceituando signo verbal, significação e apresentando ideias críticas
para a teoria da escritura.
71
Na história, a contar de Platão, muitos foram os estudiosos preocupados com a
semiótica. No final do século XX, Charles Sanders Peirce, cuja obra é utilizada em
inúmeras áreas do conhecimento, iniciou seu estudo acerca da semiótica, ocupando o
posto de fundador da chamada moderna semiótica geral. Para ele, o mundo está
permeado de signos e, a partir disso, poder-se-ia sugerir que o universo é composto
exclusivamente de signos.
De forma resumida, o centro da teoria peirceana está na relação entre o signo, o
significante e o significado. O signo, para ele, é algo que está no lugar do outro,
representa a alguma outra coisa e é entendido ou interpretado por um sujeito. Neste
breve conceito de signo, o outro é o significante e o processo de interpretação por
alguém está sob o conceito de significado.
Em diferentes períodos, inúmeros filósofos tentaram explicar os fenômenos do mundo
a partir de um modelo limitado de categorias. Peirce, que chegou ao mais reduzido
deles, desenvolveu uma fenomenologia de três categorias universais, isto é, um modelo
de três classes capaz de explicar os diversos fenômenos do mundo, sejam eles
matemáticos, químicos, filosóficos, políticos. Peirce o chamou de Primeiridade,
Secundidade e Terceiridade.
Santaella (2007), no seu livro O que é semiótica, explica as terminologias
estabelecidas por Peirce. Para ela, as três representam modos como os fenômenos
aparecem à consciência. A pesquisadora, que dedicou-se a interpretar e compreender o
legado de Peirce, salienta que as categorias são instâncias peculiares e, na maioria das
vezes simultâneas, por onde os pensamentos são processados. De acordo com
Santaella, a primeiridade pode ser compreendida como a categoria das sensações, ou
seja, o momento em que o indivíduo recebe o estímulo do meio no seu aparelho
sensorial e não tem uma compreensão.
Conforme Santaella (2007), a secundidade acontece quando o indivíduo toma
consciência da sensação recebida, sem atribuir valor a ela. Pode-se entender a
secundidade como o ato de sentir o que se está sentindo. Já a terceiridade é o momento
em que os pensamentos tomam sentido, vinculam-se a valores e ganham significado.
Para Santaella (2007), a terceiridade é a categoria que aproxima a primeiridade e a
72
secundidade numa síntese intelectual. De acordo com a autora, corresponde ao
pensamento em signos através do qual representamos e interpretamos o mundo.
2.2 Harry Pross e a estrutura simbólica do poder
O semioticista alemão Harry Pross, numa de suas principais obras, afirma que
os pares “acima­abaixo”, “dentro­fora” e “claro­escuro” são pontos de partida para a
produção de sentido humana. Para ele, o homem, via esses três eixos, compreende os
fenômenos do mundo e vai
atribuindo significado a eles. Pross alerta, ainda, que a
manipulação dos eixos faz com que profissionais que trabalham com produção de
sentido, isto é, comunicadores, designer, artistas, políticos, etc., construam discursos
argumentativos e intencionados, baseados nessa estrutura simbólica, sem que o seu
interlocutor, por muitas vezes, dê-se conta de determinada intenção. O semioticista
chamou os três eixos de Estrutura Simbólica do Poder, mesmo nome do livro em que
apresenta a teoria, datado de 1980.
Para Pross (1980), as vivências primárias de claro e escuro, dentro e fora e acima e
abaixo determinam como o indivíduo reconhece, experimenta e se comunica com o
mundo que o cerca. Outro conceito central na obra semioticista de Pross, que reforça e
evidencia a estrutura simbólica do poder é a teoria relacional dos signos. Segundo o
autor, o que se chama de realidade e o que se considera como tal está repleto de coisas
que estão em lugar de outras coisas diferentes do que elas são.
Ao considerar o centro da teoria peirceana na relação entre o signo, o significante e o
significado, pode-se dizer que Pross tem suas raízes na semiótica de Peirce, mas em
alguma medida a extrapola. Para ele, o signo não é algo que não existe e que está no
lugar do outro para representar algo para alguém, e sim uma coisa que está
significando outra dentro de um contexto. O nome de um aluno na chamada de um
professor, por exemplo, não é o aluno, mas o representa sem deixar de ser um nome. A
partir desse exemplo e da teoria relacional dos signos pode-se entender a forma, já
naturalizada, com que o homem observa o mundo e o ambiente que o cerca. E o faz
sem entender as coisas como meras coisas, mas como representações de algo que estão
forjadas a revelar.
73
Segundo Pross (1980), o signo deve ser percebido sempre como uma relação onde
estarão presentes o próprio signo, um meio e um sujeito interpretante. Os signos fazem
parte do viver humano e é através deles que as relações sociais se constituem. Inseridos
numa espécie de catálogo e em constante relação com o ambiente em que estão
imersos, os signos são interpretados pelos sujeitos através da estrutura simbólica do
poder, e essa está baseada nos eixos: acima-abaixo, dentro-fora, claro-escuro.
2.2.1 Eixo Acima-Abaixo
O status vertical do homem na sua relação com o horizonte trouxe a ele o alto como
símbolo, representado na sua grandeza pelo céu. Numa relação direta de submissão,
abaixo do céu está localizada a terra. Partindo de si como referência, o homem vai
simbolicamente organizando os fenômenos de forma a posicioná-los e convencioná-los
numa relação superior ou inferior a ele mesmo e seus dogmas.
Pode-se observar essa estrutura sígnica comportamental do homem em diversos
conceitos enraizados na sociedade. Expressões como alto-clero e baixo-clero se
originam desta percepção. As religiões advindas da moral judaico-cristã, por exemplo,
têm esse entendimento como doutrina. Para elas, existe um deus superior, representado
pelos céus e um rival, satanás/diabo, que está abaixo da terra. Na linha do horizonte,
encontram-se os homens, posicionados entre um polo e outro, podendo sucumbir a
fatia debaixo se não forem obedientes as doutrinas do alto. Entre os dois polos,
segundo Pross (1980), também existe uma forte relação de superioridade. A utilização
desta estrutura simbólica como elemento de produção de sentido dá ao emissor uma
fórmula de direcionar sua produção de forma intencional, a fim de forçar determinada
interpretação no sujeito receptor.
2.2.2 Eixo Dentro-Fora
O eixo dentro-fora está intimamente relacionado a busca por pertencimento do
homem e pode ser explicado tendo por base uma experiência pré-predicativa, aquela
quando a criança ainda está no útero da mãe, num ambiente seguro. Tal experiência se
74
repete ao longo da vida adolescente e adulta do indivíduo, pois ele sempre estará
dentro-fora de casa, dentro-fora do ambiente familiar, dentro-fora de um grupo de
pessoas, dentro-fora de uma normativa social. De acordo com Pross (1980), o
indivíduo não só se percebe neste eixo, como percebe o outro baseado na sua posição
em relação ao ambiente. Se ele, por exemplo, foi gerado numa família constituída por
uma figura masculina representando o pai e uma figura feminina representando a mãe,
constituições familiares diferentes dessa, na sua percepção primeira, estarão
posicionadas no polo oposto, isto é, do lado de fora daquilo que ele reconhece como
família. Regimes políticos e religiosos também se utilizam deste eixo para delimitar
suas fronteiras e estabelecer a própria ordem.
O autor ainda sugere que, muitas vezes, quando os símbolos que dão o
contraste ao eixo não existem eles são forjados, para que possam servir aqueles que
desejam reafirmar suas forças através destes símbolos de poder. A cultura, nesse
contexto, tem papel de fomentar e catalisar a existência dos polos, pois os sujeitos e as
instituições se comunicam através deles. Por outro lado, o ambiente sóciohistórico e
cultural sofre a influência dos indivíduos e se auto transmuta. “O terreno em que as
plantas crescem é modificado pelo seu crescimento e a atmosfera em que vivem os
organismos se modifica por sua própria presença” (LOZANO, 2004).
2.2.3 Eixo Claro-Escuro
Segundo Pross (1989, p. 37), “onde faltem os signos, nós imaginamos o nada.
E onde parece haver o nada nos apressamos em colocar um signo de ordem”.
Habitualmente, o escuro é associado ao nada, à ausência, a falta de luz. Outra vez,
pode-se relacionar o eixo com o momento do parto. Quando um bebê nasce, a mãe o
está dando a luz, desse modo, afirmando sua existência. É a partir do ato simbólico de
dar a luz que se inaugura a existência social daquele indivíduo. As religiões também se
utilizam destes polos opostos, quando contrastam o céu luminoso com a escuridão das
trevas ou os raios de sol em contraste com o breu das profundezas das águas. Ainda, a
contraposição de cores aparece na produção de ícones e imagens que têm por objetivo
marcar a oposição de ideias em embates de grupos políticos e sociais.
75
3 Metodologia
Utilizando o modelo fenomenológico de Peirce - Primeiridade, Secundidade e
Terceiridade, o presente artigo identificará os elemento gráficos que compõe a capa da
revista Época, de 2 de junho de 2008. Num segundo estágio, irá submeter e relacionar
tais elementos com os eixos da estrutura simbólica do poder, propostos por Pross,
buscando, ainda, observar esses signos inseridos no ambiente sócio-histórico e cultural
em que se manifestam, tendo como referencial a teoria relacional dos signos, também
desenvolvida por Pross.
Para Pross (1980), os signos devem ser percebidos em relação ao meio em que estão
inseridos e ao sujeito que os interpreta. Eles fazem parte da vida do homem, pois é
através dos signos que ele se comunica com o ambiente que o cerca. Para analisar os
elementos que compõe a capa da revista Época, este artigo considerará cinco aspectos
que compõe o ambiente sócio-histórico em questão – a revista Época, a
homossexualidade, a moral judaico-cristã, as leis e o Exército.
3.1 O ambiente sócio-histórico e cultural
Dois de junho de 2008. Exclusivo: “Eles são do Exército. Eles são parceiros.
Eles são gays.” Os sargentos da infantaria Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci
Marinho de Araújo têm seus rostos expostos para todo o país. Vinha a tona a história
do primeiro casal de militares brasileiros a assumir sua homossexualidade. O caso foi
noticiado pela revista Época, com exclusividade.
A revista Época foi lançada pela Editora Globo, no ano de 1988. Orientada pelo
slogan “Conteúdo que transforma”, a revista semanal chegou ao mercado com a
missão de preparar conteúdos inovadores capazes de transformar a forma como seus
leitores percebem o mundo. De acordo com sua editora, a Época é uma revista de
interesses gerais com abordagens segmentadas, baseadas nas atitudes dos seus
leitores-alvo, que buscam se desenvolver, pessoal e profissionalmente, por meio da
informação. Seu público consumidor é praticamente metade homens, metade mulheres
e mais de 60% membros das classes AB.
O termo homossexualidade, em boa parte dos dicionários da língua portuguesa, aponta
a atração ou afinidade entre indivíduos do mesmo sexo. Segundo Soares (2007), a
76
palavra foi pronunciado pela primeira vez no século XIX, quando criou-se tal discurso.
Para o autor, a homossexualidade foi produzida, assim, ser homossexual não é uma
opção ou uma condição e sim uma construção discursiva.
Embora esse discurso tenha ganhado forma apenas no século XIX, seu significado
vem dos primórdios da humanidade, não havendo, no entanto, registros de sua origem
exata. O que se sabe é que desde os povos mais selvagens e das civilizações primitivas,
por exemplo, a egípcia e a romana, já havia prática homossexual.
Na moral judaico-cristã, em que a doutrina predomina no ambiente em que o processo
simbólico analisado neste artigo se dá, apenas o adultério era tido como ato sexual
defeso pelos Dez Mandamentos. No entanto, nos últimos anos pré-cristãos, em virtude
da associação do ato homossexual a cultos pagãos, passou-se a condenar o
envolvimento sexual entre pessoas do mesmo sexo, numa tentativa de separar cristãos
e pagãos, como é possível observar na Bíblia, em Levíticos 18:22: “Como homem não
te deitarás como se fosse mulher; é abominação.” Seguindo no texto vem a punição em
Levítico 20:13: “Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse
mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; e seu sangue cairá sobre
eles.”
Sabe-se que a história religiosa, política e social das civilizações caminham lado a
lado,
uma sendo o reflexo da outra. Ainda hoje, por exemplo, a homossexualidade é
um dos temas marginalizados pela moral judaico-cristã. E essa interdependência entre
religião, política e sociedade evidencia-se nos códigos de justiça que regem o Brasil.
No Código Penal Militar Brasileiro, de 1969, que ainda vigora, está o Capítulo VII –
Dos Crimes Sexuais. Nele, no artigo 235: “Praticar ou permitir o militar que com
ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração
militar: Pena – detenção de seis meses a um ano”. Embora a lei seja clara quando
restringe o delito sexual ao ambiente militar e contemple atos homossexuais ou não,
observa-se que na sua construção textual há um destaque para o termo
homossexual. Tal destaque se evidencia em forma de preconceito nas palavras de
membros do Exército, quando são chamados a falar sobre o tema. Orlandi (1987, p.26)
reitera que “todo discurso nasce de outro
discurso”.
77
Considerando discurso como algo que está em curso, em movimento, o conceito
aponta para o fato de que as palavras se movem para uma ou mais direções, formando
uma espécie de teia discursiva, que une conteúdos sobre uma mesma temática,
discursos com os mesmos objetivos, e exclui o que foge desta similaridade.
O filósofo francês Folcault em seus estudos sobre a sexualidade e o poder fala sobre a
heteronormatividade, que ele afirma ser uma espécie de camisa-de-força que oprime
comportamentos que fujam da norma. Segundo Britzman (1996, p. 79), a
heterormatividade é: “a obsessão com a sexualidade normatizante, por meio de
discursos que descrevem a situação homossexual como desviante”.
3.2 Metodologia aplicadas ao objeto de estudo
Considerando a fenomenologia peirceana e o entendimento de Santaella sobre
o fato da primeiridade ser uma qualidade que só é percebida frente ao estado de
matéria de um fenômeno, isto é, reconhecida já num processo de secundidade, os
elementos que compõe o layout da revista serão listados em dois grupos:
Primeiridade/Secundidade e Terceiridade, sendo analisados na terceiridade sob os três
eixos proposto por Pross na teoria da estrutura simbólica do poder.
78
Figura 1 - Capa da revista Época
3.2.1 Acima-abaixo
Identifica-se como Primeiridade/Secundidade a capa de uma revista, a existência de
três cores principais, a fotografia de dois homens com semblante sério, vestidos com
roupas camufladas. Na disposição dos elementos que compõe o título da matéria
principal “Eles são do Exército. Eles são parceiros. Eles são gays”, existe uma seleção
hierárquica de conteúdos, que coloca o Exército acima e os gays abaixo, numa relação
de submissão.
Entre as cores, percebe-se uma relação de maior e menor ocorrência, que também pode
ser confrontada com o eixo acima-abaixo. O verde, que é a cor característica do
Exército brasileiro, pois remete as vestimentas e ao camuflado, é a cor em
predominância; o branco, que está no título da matéria, serve para dar contraste com o
verde camuflado do fundo e também está ali para contrapor o Exército com o conteúdo
79
apresentado no título, isto é, o fato de existir um casal de sargentos gays dentro da
instituição; ainda nas cores tem-se o vermelho, que grifa a palavra “exclusivo” e pode
significar um alerta por tal destaque. O vermelho, de acordo com a Heller (2012, p.
54): “é a cor de todas as paixões, as boas e as más.” Assim, na capa da revista,
considerando a pequena mancha vermelha, pode-se afirmar que há uma negação a
paixão e ao amor entre dois iguais, afirmando que ele deve ser menor que o Exército e
suas regras. E essa negação é reafirmada na moral judaico-cristã, nas leis e no Código
Militar, quando todos tratam a homossexualidade como ato sexual entre pessoas do
mesmo sexo, ignorando a homoafetividade, isto é, o amor entre dois iguais. A autora
ainda sugere que o ódio é um tipo de paixão que também é simbolicamente relacionado
a cor vermelha. Outro caminho interpretativo possível seria a incitação ao ódio, mesmo
que pequena, expressa na capa da revista.
3.2.2 Dentro-fora
A foto que ilustra a capa da revista é nitidamente uma foto produzida, isto é, não foi
obtida de forma espontânea. Assim, existe uma intencionalidade na sua escolha.
Considerando o eixo dentro-fora e a heteronormatividade, apontada por Folcault
(2009), percebe-se o uso desses dois conceitos para traduzir na imagem o conteúdo da
matéria. A foto evidencia que os sargentos são um casal, a partir da utilização de uma
consagrada e padronizada pose de casal heterossexual - o homem na frente, com
semblante imponente e sério, num sinal de proteção, e a mulher atrás, submissa a ele,
indefesa e com traços delicados; o contato entre eles, que caracteriza-os enquanto
casal, quem faz é a mulher, que é mais afetuosa dentro da relação e o faz de forma
delicada, com uma mão suavemente pousada sobre o ombro do cônjuge. Na capa em
questão, mesmo se tratando de dois homens, ficam evidenciados os papéis homem e
mulher visualmente estereotipados, o que facilita a compreensão do signo casal.
A partir dessa mesma configuração é possível reconhecer o eixo dentro-fora, fazendo
uma espécie de contraponto a normativa construída, pois quando o sujeito reconhece o
casal gay, a partir da heteronormatividade, ele confronta a imagem com aquilo
que ele entende como casal que, pela própria heterormatividade, é constituído por um
80
homem e uma mulher. Neste momento, na sua terceiridade, o sujeito coloca o casal da
capa do lado de fora na relação com aquilo que ele entende ser o lado de dentro.
Ainda sob a luz deste eixo, pode-se perceber a construção do título da matéria,
especificamente na pontuação de suas frases. A primeira frase “Eles são do Exército”
tem ponto final; “Eles são parceiros” idem; na frase “Eles são gays” não existe um
ponto final. Considerando o que significa o símbolo ponto numa frase, isto é, o fim, o
seu encerramento, pode-se afirmar que o objetivo da ausência do ponto, na terceiridade
e de forma implícita, é construir a ideia, via eixo dentro-fora, de que a frase sem ponto
é diferente das outras. Assim, ser gay é diferente de ser do Exército, diferente de ser
parceiro e está ou deveria estar do lado de fora desse contexto.
3.2.3 Claro-escuro
No eixo claro-escuro observa-se, mais uma vez, o contraste do título em branco com a
imagem do casal, que acaba ficando no polo escuro. Ainda, extrapolando o conceito,
temos a seriedade dos rostos, que remete ao escuro e que se contrapõe com o título em
branco, que hierarquicamente destaca a palavra Exército.
4 Considerações finais
Na análise da capa da revista Época de 2 de julho de 2008 sob a luz da semiótica
peirceana e dos eixos da estrutura simbólica do poder, considerando o ambiente
sócio-histórico e cultural que o objeto está inserido, fica evidente que a construção
gráfica da capa - a produção e escolha da foto, o uso das cores, a hierarquia da
informação, o contraste, enfim, todos os apelos gráficos utilizados - serviram para
reforçar conceitos enraizados cultural e socialmente no Brasil. Embora a revista Época
se venda como um veículo de conteúdos que transformam, nesta capa ela apenas
reforçou e expressou graficamente o preconceito e a discriminação em relação à
homossexualidade na sociedade brasileira.
Charaudeau (2006. p.29) diz que a mídia é “uma máquina de fabricar o sentido social”,
ou seja, um ambiente composto de produções discursivas que disseminam
81
determinados efeitos de sentido. Alguns desses efeitos, identificados na capa da revista
Época, servem para reforçar a representação social hegemônica da hetenormatividade e
estabelecer que elementos e manifestações sociais pertencem aos eixos de cima, de
dentro e claro e que parcelas da sociedade estão fadadas aos eixos de baixo, de fora e
escuro. E toda a produção de sentido se dá de forma implícita e simbólica, reafirmando
o alerta de Pross, quando o autor afirma que os profissionais que trabalham com
produção de sentido utilizam a estrutura simbólica de interpretação para construir
discursos argumentativos e intencionados sem que o seu interlocutor, por muitas vezes,
tome consciência.
A semiótica, nesse contexto, é o método capaz de analisar a mídia enquanto máquina
de fabricação de sentido social. Para Perez (2004), a semiótica é uma ciência
essencialmente teórica que não prevê o contato direto com o receptor dos signos. Ela
fundamenta suas investigações na compreensão desses signos e na semiose por eles
produzida e disseminada.
Os resultados deste artigo consideraram o ambiente em que os signos ocorrem e são
percebidos, porém a atitude fenomenológica, isto é, a capacidade contemplativa, de
distinção e de generalização das observações, típica da semiótica, é que possibilitou a
obtenção dos resultados.
Referências
ASSIS, Jorge César de. Código de processo penal militar anotado. 3.ed. Curitiba:
Juruá, 2010. v. 1
Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revisada e
Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
BRITZMAN, Deborah. O que é esta coisa chamada amor: identidade
homossexual, educação e currículo. revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v.
21, p. 71-95, jan./jun. 1996
CHARAUDEAU, Patrick. O Discurso das Mídias. Tradução: Ângela S. M. Corrêa.
São Paulo: Contexto, 2006.
82
FOUCAULT, Michel.. História da sexualidade I: A vontade de sabe. Tradução de
Maria Tereza da Costa Alburqueque e J. A. Guilhon Alburqueque. Rio de Janeiro,
Edições Graal. 19 ed, 2009.
HELLER, Eva. A Psicologia das Cores: Como as cores afetam a emoção e a razão. 2
ed. Barcelona. 2012.
LOZANO, Jorge. La semiosfera e la teoría de la cultura. Faculdade de Ciência de
la
Información,
UCM.
Disponível
em:
<http://www.ucm.es/info/especulo/n8/lozano.htm>, 2004.
ORLANDI, Eni. Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do
discurso. 2. ed. Campinas, SP: Pontes, 1987.
PEREZ, Clotilde. Signos da marca: Expressividade e sensorialidade. 1 ed. São
Paulo, SP: Thomson Learning, 2004.
PROSS, Harry. Estructura simbólica del poder. Barcelona: Gustavo
Gili, 1980. SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo:
Brasiliense, 2007.
SOARES, Lenin Campos. Homoerotismo e Homossexualismo, a História de um
Conceito.
revista Eletrônica Artciencia.com, Ano III, n.7, nov. 2007, mar. 2008.
83
Semiótica e o design de infográficos: estudo de caso Runtastic
Lilian Landvoigt da Rosa12
César Steffen13
Resumo
Integrando diferentes recursos gráficos que visam a compreensão mais rápida, o
uso de infográficos é cada vez mais frequente entre marcas que se utilizam da
web para o engajamento de usuários. Este trabalho tem como objeto de estudo
um infográfico apresentado por uma dessas marcas, a Runtastic, desenvolvedora
de aplicativos de monitoramento de atividades físicas. Propõe-se uma análise sob
a perspectiva da Semiótica Peirceana, que aqui será utilizada como ciência e
método. Para embasamento da análise, será realizada breve revisão bibliográfica
de recursos gráficos encontrados em infográficos, como composição, tipografia e
cor.
Palavras-chave: Visualização de dados; Infográficos; Semiótica.
Abstract
Integrating different graphics features aiming a faster understanding, the use of
infographics is increasingly common among brands that use the web to engage
users. This work’s object of study is an infographic presented by one of these
brands, Runtastic, an application developer for monitoring physical activity. It is
proposed an analysis from the perspective of Peirce’s Semiotics, that will be
used here as both science and method. Grounding the analysis, a brief literature
review will be conducted in graphics capabilities found in infographics, such as
composition, typography and color.
Keywords: Data Visualization; Infographics; Semiotic.
1 Introdução
Marcas que se utilizam da internet para o engajamento de usuários, têm
crescentemente utilizado infográficos como forma de comunicação de informação de
12
13
Mestranda em Design, Uniritter. E-mail: [email protected]
Doutor em Comunicação Social, Unirriter. E-mail: [email protected]
84
forma mais clara, concisa e atraente. A Runtastic3, que atua no desenvolvimento de
aplicativos para monitoramento e motivação para a prática de esportes e outras
atividades físicas, é uma dessas marcas. A empresa austríaca, em seu website se
autodefine como uma “inovadora suite de aplicativos, produtos e serviços que rastreia
e administra dados de saúde e fitness para motivar indivíduos a ficar em forma e
melhorar o condicionamento físico em geral”.
Para motivar a prática de exercícios físico e hábitos saudáveis, a Runtastic trabalha a
comunicação com seu público alvo buscando oferecer conteúdos relacionados à sua
área de atuação que sejam também significativos para seus usuários. Alinhados a
esses objetivos de comunicação, se utiliza com frequência de infográficos que são
periodicamente divulgados em seu blog e disseminados nas redes sociais.
É objetivo deste estudo, identificar os elementos do design gráfico utilizados na
publicação e analisar como estes elementos transmitem ideias de forma individual e
como composição. Busca-se apontar os elementos mais recorrentes e analisa-los no
contexto do infográfico selecionado sob a perspectiva tríade fenomenológica da
Semiótica Peirceana, que dentro dos conceitos de primeiridade, secundidade e
terceiridade, classifica a forma como os fenômenos impactam as pessoas.
O volume das publicações selecionadas foi delimitado, neste estudo de caso, em um
exemplar: o último infográfico mensal divulgado pela marca, no mês de junho.
Sistematizando a análise, em prol de maior imparcialidade, o estudo será feito com
foco nos elementos gráficos referidos na fundamentação teórica deste artigo, que
aborda composição, forma, cor e tipografia.
2 Infográficos e a comunicação visual
No estudo do objeto, foram considerados composição, cor e tipografia dentre os
aspectos do design que compõe o infográfico. Para tanto, apresenta-se as bases
teóricas
destes aspectos que irão, na sequência, fundamentar a análise.
Complementando os conteúdos base do estudo está uma breve fundamentação teórica
a cerca de infográficos.
2.1 Infográficos
85
Segundo Koosminsky e Giorgio (2004, p.84), o termo inforgráfico tem origem na
palavra do inglês que sintetiza a expressão “informational graphic”, e podem ser
definidos como recursos do design gráfico que integram elementos de linguagem
verbal e não-verbal como desenhos, fotos, gráficos e pequenos blocos de texto. O
objetivo é a sintetização de conteúdos complexos ou de grande volume de dados,
transformando-os em blocos de informação com o objetivo de otimizar a compreensão.
Apesar de serem utilizados na mídia há muito tempo, os infográficos se popularizaram
com o avanço tecnológico dos programas de animação e editoração eletrônica e sofrem
constantes mudanças quando às técnicas e suportes para sua elaboração. Dentre
diversas categorizações existentes, e nomenclaturas utilizadas, para este estudo
consideramos a classificação dos tipos de infográficos segundo Cirne (2010, p.4),
conforme abaixo:
 Relação com o texto: complementares (ao servirem de suplemento ao texto)
ou independentes (quando não estão vinculados a nenhum texto);
 Estrutura: individuais (quando possuem estrutura simples) ou compostos
(quando possuem recursos multimídias);
 Conteúdo: jornalísticos (ao aparecerem em matérias jornalísticas e se fixarem
a uma singularidade do tema) ou enciclopédicos (quando um assunto é tratado
mediante caráter totalizante).
 De acordo com o que oferecem: não-interativo, multimídia, interativo
No jornalismo, este recurso pode “melhorar substancialmente a narrativa
jornalística e torná-la mais compreensível aos leitores, além de ser atrativo”
(TEIXEIRA, 2007, p. 114). Para Caixeta (apud MÓDOLO, 2008, p. 24) o infográfico
vai ao encontro de uma nova geração de leitores que é predominantemente visual e
busca um entendimento rápido e prático das coisas.
2.2 Composição, Cor e Tipografia
Os infográficos têm como caracterísctica a combinação de elementos de linguagem
verbal e não-verbal. Na delimitação deste estudo, buscou-se priorizar os aspectos
visuais por meio da tipografia, das cores aplicadas e da composição, suas formas
(ponto, linha, massas) e efeitos psicológicos dos padrões de composição destas formas
(Gestalt).
86
2.2.1 Tipografia
Ribeiro (2003, p. 37) contextualiza o surgimento das letras como uma evolução da
comunicação humana, passando dos desenhos rudimentares do homem primitivo, à
representação gráfica dos sons de uma lígua. O conjunto dessas representações é o que
se denomina alfabeto. No desenvolvimento das tecnologias de reprodução de textos,
em tempos da prensa de Gutenberg, surgem os primeiros tipos móveis, e a tipografia
era definida, então, como a arte de compor e imprimir em tipos.
Ribeiro (2003, p. 71) ainda salienta a ação psicológica dos caracteres, que podem
variar de acordo com a sua forma fundamental. Por isso a relevância da seleção de uma
família que esteja alinhada com a natureza do texto e o sentimento que ele evoca.
Segundo Ribeiro (2003, p. 71), há caracteres que podem dar a impressão de positivos,
ponderados, racionais, outros a impressão de rigidez e peso, e há ainda os que pela
natureza maleável e fluída, podem evocar a alegria e frivolidade.
2.2.2 Composição
Além dos textos expressos pela tipografia utilizada, a composição de um infográfico
também é constituida de formas. O ponto, sendo a mais básica de todas, é o pixel do
mundo físico, por assim dizer. Base de toda a geometria, sozinho ele “nos dá pouco
efeito decorativo, mas repetido ou combinado com outras figuras, ele pode nos
oferecer um interessante motivo de decoração” (RIBEIRO, 2003, p. 151). Os pontos,
quando alinhados sucessivamente, formam uma linha, que pode ser classificada em
três espécies: segmento de reta, curva e quebrada.
Ainda segundo Ribeiro, a disposição da linha por si só, já evoca sentimentos. Quando
reta, “produz uma impressão de tranquilidade, de solidez, de serenidade”. Esta reta, na
vertical, atrai o olhar para cima, na horizontal remete a repouso, e curva, transmite
movimento, instabilidade, e até alegria. O peso das linhas também transmitem ideias:
finas – delicadeza, grossas – energia, carregada – resolução e violência.
87
Figura 2 – Sentimentos e linhas. Fonte: RIBEIRO, 2003, p. 152.
Outro elemento citado por Ribeiro (2003, p. 153) é a massa, um “negro de notável
expansão” que é tão grande quanto o número de pontos e linhas a ela adicionadas. Sua
silhueta ou contorno é denominado forma, e esta pode ser regular ou irregular de
acordo com sua uniformidade e simetria. A disposição dessas massas, linhas e pontos é
denominado composição gráfica.
É intrínseco ao ser humano a busca por harmonia, equilíbrio e clareza visual. Esta
característica, que se reflete na sua percepção das coisas, é tema de estudo da Gestalt,
escola austríaca de psicologia experimental. “A teoria da Gestalt, extraída de uma
rigorosa experimentação, vai sugerir uma resposta ao porquê de umas formas
agradarem mais e outras não” (GOMES FILHO, 2009, p. 18). Ainda segundo o autor,
os principais princípios extraídos dos estudos da Gestalt são:
 Unidade: agem em virutde da igualdade de estimulação, ainda que uma para
formação de uma unidade a descontinuidade seja necessária.
 Segregação: ocorre por uma desigualdade na estimulação.
 Fechamento: tendência de unir intervalos e estabelecer ligações.
 Continuidade: tendencia de prolongar direção e movimento.
 Proximidade: elementos próximos tentem a ser vistos juntos.
 Semelhança: a igualdade de forma ou cor tende ao agrupamento.
 Pregnância da forma: princípio que abrange os demais, pois é a tendência das
forças
de organização se manterem tanto quando permitidas as condições de clareza,
unidade e equilíbrio.
2.2.3 Cor
88
A cor, assim como os demais elementos gráficos já citados, tem forte relevância no
design e grande impacto na percepção humana. Pedrosa (2010, p.20) as cores, por sua
forma de estímulo, podem ser cores-luz ou cores-pigmento. Tratando-se de um objeto
de estudo disseminado no meio digital, este artigo terá foco nos conceitos relacionados
à cor-luz.
A classificação das cores apontada pelo autor, por suas características e formas de
manifestação são:
 Cores primárias: são cores indecomponíveis a partir das quais se produzem
todas as demais cores do espectro.
 Cores secundárias: é a cor formada por duas cores primárias em equilíbrio
ótico.
 Cores terceárias: cor intermediária entre uma secundária e qualquer uma das
primárias que lhe deram origem.
 Cor complementar: são as cores que, quando misturadas, produzem o branco.
Estão em lados opostos no círculo de cores.
As cores podem ainda ser classificadas como quentes ou frias. As cores
quentes são aquelas nas quais predominam o vermelho e o amarelo. Nas frias, a
predominância é do azul e do verde.
Farina et al. (2011, p.96) aborda o significado cultural e psicológico das
cores, confirmando seus “estímulos psicológicos para a sensibilidade humana,
influindo no
indivíduo para gostar ou não de algo”. A definição de como esta
dinâmica se dá, no entanto, é uma discussão ampla e objeto de estudos desde a
Antiguidade, pois depende de uma percepção individual imersa em fatores de cotexto
sóciocultural. O branco, por exemplo, “é tanto um signo de paz e harmonia, quanto de
tristeza e morte (no oriente, particularmente na Índia)” (FARINA et al., 2011, p.96).
3 A Semiótica Peirceana: ciência e metodologia
Para este estudo, a linha semiótica do Charles Sanders Peirce será aplicada.
Definida por Santaella (1983, p. 9 e 10) como a ciência que estuda toda e qualquer
linguagem, sejam las verbais ou não-verbais, a Semiótica Peirceana buscou conceitos
89
generalistas, que pudessem servir como base para qualquer ciência e fossem aplicáveis
à qualquer assunto.
“Devemos começar por levantar noções diagramáticas dos signos,
das quais nós retiramos, numa primeira instância, qualquer
referência à mente, e depois que tivermos feito aquelas noções tão
distintas como o é a nossa noção de número primitivo, ou a de uma
linha oval, podemos então considerar, se for necessário, qiaos são as
características peculiares de um signo mental...” (Peirce, apud
Santaella, 1983, p.56)
Desta forma, Peirce chega à tricotomia que se compõe: do signo em si mesmo (qualisigno, sin-signo e legi-signo), sendo o signo um conjunto de sinais/sentimentos puros;
o signo com seu objeto (ícone, índice e símbolo), relacionando o signo com o seu
significante; e o signo com seu interpretante (rema, dicente e argumento), onde a
intelectualização acontece, resultando em um valor, significado.
A tricotomia Peircena também se aplica no estudo sobre como os signos atingem
nossos sentidos. Peirce estruturou uma fenomenologia também baseada em três
categorias e diretamente relacionada à tríade mencionada acima. Mantendo seu viés
generalista, são “três modalidades possíveis de apreensão de todo e qualquer
fenômeno” (SANTAELLA, 1983, p. 42): a Primeiridade (o sentimento ou estímulo
puro), Secundidade (a conscientização destes sinais e sentimentos, sem atribuição de
valor) e Terceiridade (que acontece quando se dá o sentido e valor em uma síntese
intelectual). Santaella (1983, p.42) aponta a que as três camadas possuem infinitas
gradações e são na maioria das vezes, simultâneas. Ainda assim, reforça que é possível
distingui-las qualitativamente.
Utilizando, então, o modelo fenomenológico de Peirce, como metodoligia na análise
de infográgicos, o presente artigo se utilizará dos conceitos de primeiridade,
secundidade e terceiridade na identificação e análise dos elementos do design gráfico
que compõe o objeto de estudo.
3 Análise do objeto
Os objeto de análise foi delimitado no último infográfico (junho) dos mensalmente
90
divulgados pela Runtastic em seu blog, e apresenta como tema a “saúde e felicidade”.A
representação gráfica utilizada neste documento não é a mesma usada para análise,
posto que o formato dos infográficos selecionados funcionam somente no digital, onde
as elimitações de spaço podem ser expandidas com os recursos de navegação.
Figura 3 – Infográfico do mês - junh
julho de 2015.
o. Fonte: Blog Runtastic em
O infográfico, sob a luz dos conceitos de primeiridade e secundidade de Peirce
apresenta um bloco grande de informações, vertical, subdividido em blocos menores,
diferenciados por cores de fundo. Identifica-se neste primeiro momento um grande
texto em destaque, acompanhado de figuras humanas em movimento. Na sequencia,
um bloco de fundo escuro traz predominantemente informação textual, acompanhado
de uma figura humana em menor prorporção. Posteriormente, há uma seção com
ordem claro/escuro de fundo/forma invertido, estando o fundo em cinza claro e os
textos e figuras em cores mais escuras. Esta seção é composta predominantemente por
figuras humanas, e números em destaque na parte textual.
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A sequência para a próxima seção é interligada por uma linha pontilhada curva
relativamente vertical que vai até a base da figura humana da seção acima. Este bloco é
delimitado na base por um gráfico composto de figuras humanas em ordem crescente
de tamanho. A área seguinte possui duas formas grandes, um termômetro segmentado
por cores diferentes, e um coração com segmentação semelhante e uma figura humana
dentro. Blocos de texto são dispostos próximos à estas formas e ligados à elas por
linhas. Figura humana, dois blocos de textos dispostos um sobre o outro e mais uma
figura humana sobre uma forma, compõe mais uma área na sequencia da leitura do
infográfico. Ainda com fundo cinza, mais um bloco vem disposto com 2 formas
grandes (laço e túmulo) nas extremidades e texto no centro.
Os últmos blocos voltam ao padrão fundo escuro sob formas mais claras do começo do
infográfico. Com uma seção onde o azul predomina ao fundo, se observa a síntese de
uma cara feliz, uma balança ao lado de uma figura humana, seguidas por uma linha
que ocupa quase toda a extensão horizontal, ligada a outra figura humana na exterma
direita. Abaixo da linha, outras figuras humanas com formas ao fundo, dispostas ao
lado de um texto. O bloco seguinte tem fundo preto sobreposto apenas por texto, este
tendo tamanho bem inferior aos demais utilizados até então. O infográfico é finalizado
ou outro bloco azul com texto branco centralizado.
A classificação por tipo de infográfico se dá na terceiridade, ao passo que a
intelectualização do seu contexto é essencial à esta categorização. Pode-se dizer que o
infográfico analisado é independente, pois mesmo que precedido de um pequeno texto,
seu entendimento não necessáriamente precisa de contextualização textual. Foi
considerado um infográfico individual, pois mesmo que visualmente seja parte
de
um
conjunto,
seus conteúdos não são diretamente relacionados nem
multimidiáticos. Não-interativo, o objeto analisado depende somente da navegação
vertical do usuário, não reagindo às ações do mesmo. Foi também, categorizado como
enciclopédico, tratando o assunto mediante caráter totalizante.
Na análise em terceiridade dos elementos gráficos dispostos, primeiramente referente à
tipografia: foi utilizada uma família de tipos bastão, com desenho mais retilíneo, com
eixo racionalista (vertical) e sem a presença de serifa. Entende-se que a intenção desta
escolha foi a de transmitir simplicidade, disciplina e contemporaneidade. A graduação
de espessura das letras, transmitem graduações de força, onde as mais grossas ganham
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destaque na composição. Aqui se observa a intencionalidade de destacar resultados
expressos em números.
A verticalidade do objeto, não é percebida no meio digital, sendo limitada a sua
visualização vertical à altura da tela. Porém, quando analisada a composição como um
todo, percebe-se a segmentação cadenciada por blocos de cor, realizada de forma
horizontal, como uma aplicação do princípio da continuidade, em uma busca por
prolongar direção, orientar/instigar assim a navegação vertical e transmitir a ideia de
movimento.
A representação da figura humana foi propositalmente apontada já na secundidade, em
detrimento de uma descrição de formas, para uma análise mais conceitual na
terceiridade. Observou-se a predominância absoluta da sua representação em
movimento, instigando a ideia de prática do exercício físico. Apesar de exemplificar
algumas opções esportivas disponíveis, a maior parte das figuras é representada
correndo, o que vai ao encontro da principal prática esportiva disseminada pela marca
e que inclusive está na composição do nome da mesma: a corrida (running em inglês).
As cores mais utilizadas foram o azul, branco, cinza, preto e verde. O azul é a cor
institucional e pode ser usada para atrair e incitar permanência, ao passo que “é a mais
profunda das cores, o olhar penetra sem encontrar obstáculo e se perde no infinito”
(PEDROSA, 2010, p.126), além de instigar a busca, sendo também, segundo o autor,
uma analogia ao inatingível.
O verde, neste contexto, remete à saúde, esperança e resultados positivos, sendo a cor
relacionada ao objetivo final no gráfico sobre a melhora do humor com a atividade
física, e a cor predominante no smile face que representa o número de usuários que
se sentem
com o preto, “não-cor” de fundo nos conteúdos com maior volume de
texto, tem papel de levar seriedade ao mesmo tempo que destaca a luz das informações
textuais. Usado em volumes menores, funciona também como base e ponto de
equilíbrio em algumas das representações gráficas. Segundo Pedrosa (2010, p.130),
seu oposto, o branco, é fisicamente a “soma das cores; psicologicamente, a ausência
delas”. É representativo em rituais de iniciação e pode remeter à morte ou nascimento,
a cor da pureza, que no caso do objeto de estudo, pode representar a busca pela
limpeza, purificação do corpo através do esporte.
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O conteúdo do infográfico visa mostrar de forma atrativa e motivacional como a saúde
e a felicidade estão interligados, destacando os benefícios de um estilo de vida ativo.
Reforçando o título, a representação de uma mulher e um homem “pulando de
felicidade”, cheios bom humor e energia. O primeiro bloco de texto aborda a chegada
do verão (no hemisfério norte), e como as pessoas associam a nova estação à prática da
musculação. Mas na sequência textual instiga o usuário, falando sobre como a
atividade física está relacionada à saúde mental e convida o leitor a entender o porquê.
Na sequencia, lança dados sobre o percentual de diminuição da depressão e aumento
da expectativa de vida com a atividade física. Aqui, os números ganham destaque
como síntese, resultado de uma análise de dados, que valoriza os pontos que reforcem
a ideia que se deseja transmitir.
A representação de um relógio de mesa, apresenta a ideia da melhora na
qualidade do sono que, por consequência, resulta em uma pessoa mais alerta e disposta
durante o dia. Os baixos percentuais de risco de pegar uma gripe ou desenvolver uma
doença cardíaca, também são reforçadas pela valorização do número e representação
com as formas de um termômetro e um coração. Os números também são destaques
nos blocos seguintes, sempre reforçados pelas escolha das formas, cores e textos.
A volta do azul na cor de fundo, traz a ideia de retorno ao início, fechamento de um
ciclo, além relacionar os conteúdos mais “alegres” do infográfico. A intencionalidade
de associar a cor institucional cm o conteúdo mais diveritido e motivacional, fica mais
clara na repetição desta associação no primeiro e penúltimo bloco. Finalizando com
seriedade e pouco destaque está a lista de sites que serviram de referência para a
criação do infográfico.
4 Considerações finais
Percebeu-se o uso extenso dos recursos do design gráfico na compilação das
informações e reforço das ideias que se desejou transmitir. Cada item gráfico
apresentado capta a atenção do leitor na reafirmação os valores associados à marca
como o movimento, a preocupação com a saúde, a disciplina, e os resultados positivos
da prática de exercícios físicos.
É importante ressaltar que a fenomenologia Peirceana como método de análise
tem como característica uma parte de seu viés composto de uma interpretação que é
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individual. Ainda assim, considera-se que o estudo do infográfico conseguiu explicitar
de forma satisfatória como os recursos gráficos são usados na transmissão da
informação e podem, também, subjetivamente, transmitir conceitos, conforme as
estratégias de comunicação da marca.
Referências
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KOOSMINSKY, Doris; GIORGIO, Selma. Design de informações científicas na
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PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 10. ed. Rio de Janeiro: Senac Nacional,
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Runtastic
Press
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SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
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