violência urbana – beowulf revisitado
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violência urbana – beowulf revisitado
VIOLÊNCIA URBANA – BEOWULF REVISITADO AMENO, Helena Alvim¹; SILVA, Nilson Antônio² ¹ Doutora em Letras e Literatura Brasileira-PUC-Minas ² Graduado em Letras (FUNEDI/UEMG); pós-graduando em Docência do Ensino Superior – Universidade do Norte do Paraná-UNOPAR RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo abordar as possíveis relações entre o herói medieval Beowulf e o contexto urbano atual, no sentido de compreender como os temores sociais baseados no desconhecido e no diferente, presentes na vida contemporânea, acompanham os seres humanos há muito tempo. Palavras-chave: literatura, história, herói, monstro, violência urbana. ABSTRACT: This work aims at presenting the possible relationships between the medieval hero Beowulf and the actual urban context, trying to understand how the social fears based on the unknown and on the different have been accompanying the human beings for a long time. Keywords: literature, history, hero, monster, urban violence. A violência, em suas mais diversas formas, parece caracterizar os centros urbanos durante as últimas décadas. As pessoas têm sido informadas, diariamente, sobre ocorrências de fatos assustadores que alimentam os meios de comunicação nas grandes cidades e, também, nas comunidades menos populosas. O fato é que o tema sobre a violência faz parte do cardápio de todos os dias da população que se vê acuada e desprotegida. Não faltam opiniões que explicam a violência como uma das resultantes do progresso que ocorre como uma dinâmica natural da sociedade. A violência seria, então, o preço a ser pago pelo desenvolvimento? É o que nos perguntamos, após tomarmos conhecimento das notícias que recebemos diariamente, pelo simples clique em um controle remoto ou em um mouse. Segundo Marilena Chauí (2003, 307), o tema da violência e dos meios para evitá-la é uma preocupação encontrada na história das ideias éticas desde a Antiguidade clássica até nossos dias. Ao longo do tempo, podemos observar que as mais diversas formações sociais e culturais procuraram adotar condutas que garantissem a segurança física e psíquica de seus membros, em benefício da conservação dos próprios grupos. Nossos ancestrais teriam, portanto, padecido e enfrentado sofrimentos tais como, agora, os vivenciamos, nas cidades, no campo e em tudo aquilo que nos sustenta. O século XX, especialmente, em suas últimas décadas, foi marcante no que se refere ao desenvolvimento das comunidades, que se transformaram em cidades com as características de núcleos urbanos complexos. Na região Centro-oeste de Minas Gerais, o fenômeno do desenvolvimento não ocorreu de forma diferente. O progresso contemplou as cidades ali existentes, trazendo-lhes, por um lado, muitos benefícios e, por outro lado, muitos problemas relacionados à violência social. Os moradores, desde cedo, perceberam a violência e procuraram barrá-la. Muros e grades foram se acrescentando à paisagem, pois, invasões, roubos e mortes tornavam-se temas das conversas da população. Outras instituições, ainda precárias, não tardaram em aparecer. Aos poucos, as delegacias de polícia e “cadeias” foram compondo com as igrejas e escolas o mapa urbano, na tentativa de preservar a integridade de seus habitantes. De um modo geral, as comunidades urbanas e rurais foram se equipando, de acordo com suas posses. Inventaram e adquiriram os mais variados e sofisticados artefatos para se protegerem contra a violência, que, por agora, não se pode imaginar de onde, quando e como virá. O pensamento de Chauí, mencionado neste estudo, nos leva à Idade Média, onde conhecemos o herói Beowulf, cujas façanhas, relatadas em um longo poema com o mesmo nome, nos fazem pensar sobre a questão da violência como um embate entre o bem e o mal. Em lutas sanguinárias, Beowulf – o bem - enfrenta o monstro Grendel – o mal – para libertar o reino da opressão que este lhe impunha. Em ataques noturnos, as mortes haviam deixado o país em profunda desolação. As comemorações ruidosas cederam lugar ao silêncio. As pessoas não mais se reuniam no famoso salão. Escondiam-se, isoladas em suas casas afastadas. As pessoas tinham medo. Sua liberdade havia sido cerceada pela violência. Ao abordar o medo do desconhecido e diferente os quais dão vida a monstros sanguinários e têm sido parte essencial da natureza humana, o poema se reveste de uma atualidade marcante e possível de ser encontrada em nossos ambientes urbanos. As cidades brasileiras, de uma maneira geral, possuem contextos nos quais a vida de seus moradores vê-se em constante perigo frente à violência e à morte, da mesma forma como aquela narrada pela história medieval de Beowulf. Os monstros atuais que assombram as cidades se escondem sob a roupagem das drogas, do abuso sexual, dos assaltos e homicídios e, de um modo geral, sob as mais diversas formas que a violência assume. Chauí nos fala da história das ideias éticas, e, aqui, exemplificamos a violência, ou seja, o embate entre o bem e o mal, a partir de um texto literário, supostamente, oposto ao texto histórico, considerando que, para muitos leitores, o texto literário é desprovido de referentes reais. Contudo, confiamos na explicação de Todorov em As categorias da narrativa literária, Análise estrutural da narrativa, (BARTHES, 1974, 211) de que o texto literário apresenta dois aspectos em sua estrutura: uma história, no sentido de que ela evoca uma realidade, um acontecimento real, e um discurso ou o modo como o acontecimento é narrado ou se torna conhecido. Assim, acreditamos que a literatura pode nos fornecer muitos elementos para a abordagem de problemas sociais, uma vez que, em uma visão contemporânea, transdisciplinar e midiática, a literatura não permanece alheia às relações entre os seres humanos e inumanos. A violência social que permeava as comunidades medievais, notadamente entre os povos nórdicos, era constante e, até certo ponto, era tida como parte intrínseca de seu próprio modus vivendi. Ora, além de viverem em constantes disputas territoriais de caráter histórico e cultural, tinham ainda que conviver da melhor forma possível com a violência social interna de cada comunidade. Literariamente, a forma como esses povos entendiam e representavam o mundo em que viviam assumia geralmente um caráter mitológico. Assim, a violência social, que envolvia monstros e heróis, era representada em lendas e, posteriormente, escrita em poemas épicos constitutivos da identidade coletiva. Os tempos atuais, especialmente no decorrer do século XX, foram marcados pela rápida e, por que não dizer, pela imediata divulgação das notícias pelos meios midiáticos. A mídia impressa aliada ao rádio e à televisão foi fator determinante da forma como a sociedade moderna, especialmente a sociedade urbana, pôde se posicionar perante a violência social e política. O terceiro milênio começou sob a influência da informação divulgada na e pela internet, recurso este que modificou de maneira radical o modo como as sociedades atuais vivem. Este fato, naturalmente, proporcionou ao ser humano um conhecimento não mais somente de sua comunidade ou cidade, mas do mundo inteiro. Assim, a divulgação de uma notícia sobre um acontecimento qualquer tem repercussões mundiais praticamente no mesmo instante. Mas, em nosso tempo, será que não continua a existir o monstro Grendel agora chamado de violência urbana? A violência urbana não se manifesta em monstros que destroem, matam e provocam o medo entre as pessoas? Onde eles se escondem? Completando melhor a pergunta: de onde, quando e como eles surgem? Eles chegam a qualquer momento, não apenas à noite, como no poema citado. Invadem as casas e apavoram os moradores, do mesmo modo como agiam os monstros medievais. Assim como, naquela época, os monstros, hoje em dia, rompem qualquer tipo de barreira, constatando a falta de segurança. Esta se tornou o tema predominante nos discursos da sociedade. As grades, os muros, e os mais diversificados dispositivos que a tecnologia vem criando não impedem os arrombamentos, sejam eles físicos, psíquicos, morais. Algumas formas de agressões, ainda, nem são previstas pelas leis sociais, permitindo a impunidade a seus infratores. O poema conta que Beowulf venceu Grendel e os outros monstros daqueles tempos. Será que foram mesmo exterminados e que as pessoas puderam seguir as suas vidas em paz? Ora, parece que, a cada dia, os monstros, vencidos e mortos, renascem, como Fênix, para desafiar novos Beowulfs. E, da mesma forma como aqueles povos medievais precisavam de um herói, também, hoje é necessário que existam heróis para destruir todos os monstros que ameaçam nossas vidas o tempo todo. Enfim, os monstros, os quais têm sido uma ameaça constante à vida em todas as épocas e entre todos os povos, sempre foram mortos por heróis destemidos. Mas, se foram exterminados, como é possível que ainda permaneçam vivos nas sociedades modernas? Ora, heróis e monstros coexistem em todas as sociedades desde a antiguidade até os tempos atuais. Assim, parece que tanto o herói quanto o monstro, ambos metáforas do bem e do mal, são elementos constituintes da natureza do ser humano. Embora sejam antagônicos, são, ao mesmo tempo, a síntese do que é próprio da natureza humana. Referências CAMPBELL, Joseph & MOYERS, Bill. O poder do mito. 1990. CHAUÍ, Marilena. In Ética e violência. 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