paulo mendes_sem titulo final_2013

Transcrição

paulo mendes_sem titulo final_2013
Andar 1
TRÓIA
filmagem em Tróia em 2008 durante a
construção do empreendimento Tróia Resort
cor, som, vídeo em loop
CONVERSA
som captado na cidade do Porto em 2010
instalação de som em loop
Andar 3
Andar 2
HOMEM
filmagem realizada em Lisboa, na
Rua António Maria Cardoso, durante as
obras de construção do condomínio de
luxo Paço do Duque na antiga sede da PIDE,
polícia política do Estado Novo, em 2008
cor, vídeo em loop
CAPRI
filmagem realizada no Porto na
zona de Campanhã em 2009
cor, vídeo em loop
PATHÉ
filmagem realizada em Lisboa junto do
antigo cinema Pathé já desactivado, em 2004
cor, vídeo em loop
MULHER
filmagem realizada no Porto,
no Mercado do Bolhão em 2010
cor, vídeo em loop
VENTOINHA
filmagem realizada no edifício sede da
Fundição de Oeiras, quando as instalações
já se encontravam devolutas, em 2008
cor, vídeo em loop
PERSIANA
filmagem realizada no edifício sede da
Fundição de Oeiras, quando as instalações
já se encontravam devolutas, em 2008
cor, vídeo em loop
ALEIXO
filmagem realizada no Porto, durante a
demolição da Torre 5 do Bairro do Aleixo
em Dezembro de 2011
cor, vídeo em loop
Untitled-2.indd 2-3
SEM TÍTULO
Produção executiva _ Paulo Mendes
com Rui Manuel Vieira e Juan Luís Toboso
Registo de imagem e som _ Paulo Mendes
com Rui Manuel Vieira e Israel Pimenta
07/02/2013 08:43:37
“Nas minhas propriedades tudo é plano, nada se move; e se surge uma forma aqui ou ali,
de onde virá a luz? Nenhuma sombra.
Às vezes quando tenho tempo, observo, sustendo a respiração; à coca. E se vejo alguma
coisa emergindo, corro que nem uma seta e salto-lhe para cima; mas a cabeça, porque
regra geral é uma cabeça, volta para o pântano; ponho-me a tirar ao balde, energeticamente;
é só lama, só lama, perfeitamente vulgar; ou areia, areia.”
Henri Michaux, As minhas propriedades
Do alto das suas cadeiras do poder, os políticos decidem sobre o futuro de Portugal.
Dignitários eleitos subordinados às directivas dos anónimos burocratas que vasculham os
livros de contas correntes nos gabinetes da república portuguesa. Proeminentes carreiristas,
eles falam, eles dizem, eles fazem e desfazem, balbuciam palavras incongruentes, desinformados e inconsequentes. Eles estão atestados de importância simbólica e esvaziados de
ideias. Nada de novo, a agonia persiste, para a frente, marche!
À direita e à esquerda, o pluralismo partidário converge numa cronologia de asneiras feitas. Os académicos da escola de Chicago coçam as virilhas e os admiradores da Goldman
Sachs lambuzam-se na sofreguidão do último rating. Anacronismo de pensamento, o vigor
económico e auto-regulado dos discípulos de Chicago e do poderoso dólar espatifou-se
contra o muro da realidade há vários anos. As regras iriam mudar, nada mudou.
A subsidiodependência, a sustentabilidade, programas políticos sem estratégia, estamos
prisioneiros de discursos dependentes da sebenta política de consumo imediato. Políticos
com carreiras de um cinzentismo requentado, correligionários primários de ensinamentos
internacionais que há muito provaram a sua falência. Esforçados burocratas impregnados
de uma mesquinhez claustrofóbica, espécie de autismo e ansiedade perante a matéria
desconhecida.
As imagens apresentadas foram filmadas ao longo da última década, fixando momentos
banais de um quotidiano que se relaciona de forma directa com locais ou acontecimentos
simbolicamente relevantes da história política recente de Portugal.
Narrativas em que aparentemente nada acontece e que evocam o que está para além do
enquadramento apresentado, o que se situa “fora de campo”. Não há nada de heróico na
lassidão de um quotidiano cinzento. Histórias não lineares cortadas com as lâminas de
uma crua realidade. Fragmentos de um filme sobre o Portugal presente, de uma realidade
estilhaçada, entre a desintegração social de um país à deriva e a contestação social em
surdina num gesto de desespero contido.
Micro histórias de uma macro história política, de utopias interrompidas, entre a incoerência
e a demagogia de uma classe política irresponsável e impune, o país move-se, entre a
vulgaridade da sua decadência e as histórias menores dos seus protagonistas anónimos.
Um país nostalgicamente sem memória, sem projecto de futuro, que procura um rumo,
uma nova narrativa para o seu futuro, mais uma vez adiado.
A realidade é um facto ruidoso com consequências dissonantes.
P.M., Fevereiro 2013
www.paulomendes.org
Excertos deste texto foram apropriados de “Os políticos e as suas propriedades”
que escrevi e foi publicado na revista Parasita em 2012.
Este texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
A arte não altera a vida, mas a vida altera a arte. Como pode o individuo coexistir no
espaço da sociedade? A comunidade que vem, a insurreição que vem. O diálogo está
bloqueado. É preciso dinamitar os modos convencionais, as regras. A crítica perdeu o
poder a favor da massificação. Produz-se para consumir não para pensar, reflectir, criticar.
Desenganem-se os ingénuos, resta o poder da palavra e a força do gesto.
Ministros e conselheiros da área económica reafirmaram a reconstrução iminente do
tecido económico. Discutiram na reunião concessões e privatizações, com a trivial rigidez
cerimonial, omitindo a corrupção entre o passado e o presente. Eles justificaram-se na sua
linguagem técnica e encriptada como funcionários diligentes em regime de austeridade de
ideias. Não é aceitável mas é lícito.
Untitled-2.indd 4-5
07/02/2013 08:43:37