Terra e Vida
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Terra e Vida
Sede do Cimi no Acre é invadida duas vezes em menos de um mês Página 9 Página 12 ISSN 0102-0625 No MS, comunidade Pyelito Kue passa fome e alimentos são sonegados pelo governo Em defesa da causa indígena Guarani-Kaiowá comem terra durante ato em frente ao STF – Foto: Midia Ninja Ano XXXVI • N0 369 Brasília-DF • Outubro 2014 – R$ 5,00 Terra e Vida Guarani-Kaiowa reagem por seus territorios Depois de decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anular demarcação da Terra Indígena Guyraroká, em Mato Grosso do Sul, 40 indígenas do povo Guarani-Kaiowá vieram a Brasília reafirmar o direito dos povos indígenas às terras tradicionais Páginas 8 e 9 Artigo Porantinadas A cada eleição, os índios perdem Egon Heck Secretariado Nacional - Cimi V otamos em Lula! Nas eleições de 2002 os índios votaram massivamente em Lula, pois tinham a firme convicção de que a proposta de política indigenista construída durante vários anos, pela militância do PT e pelos povos indígenas, finalmente teria guarida no coração, nas ações e nas políticas do novo governo. As visitas de Lula a várias terras indígenas, suas palavras de compromisso com os direitos desses povos e as promessas de demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro governo marcariam um novo momento da relação do Estado brasileiro com os povos indígenas. Ledo engano. Para chegar ao poder Lula teve que vender, negociar e adequar a política indigenista aos interesses de sustentação de seu governo. E o que se viu foi um imediato avanço dos interesses anti-indígenas, com o assassinato de várias lideranças já no primeiro mês do novo governo. Lula teve vários encontros com lideranças indígenas, foi inclusive na festa da homologação da Raposa Serra do Sol, mas deixou uma grande dívida: a maioria das terras indígenas não teve seus processos de regularização concluídos, outros sequer foram iniciados. Não foi criado um canal de interlocução com autonomia, como o Conselho Nacional de Política Indigenista... Decepção. Alguns se sentiram traídos. Lula reconheceu a dívida e a repassou para a sucessora. Com Dilma a decepção aumentou. Apenas um único encontro com uma delegação indígena, no contexto dos protestos de junho de 2013, onde a presidente recebeu os movimentos sociais em bloco sob pressão da opinião pública e estrategistas do governo. se a “presidenta” tomou conhecimento do texto. Promessa de empenho para que não se consuma a retirada de direitos indígenas descritos na Constituição, com referência à PEC 215. Quem sabe, presidenta, poderia seu novo mandato dar uma sinalização de boa vontade revogando a Portaria 303, que é do seu governo, mostrando efetivamente empenho em evitar retrocessos com uma série de medidas, inclusive a alteração do processo de demarcação anunciado pelo ministro da Justiça, há muito especulado como um possível indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por que os índios perdem a cada eleição parte do que, a duras penas, conquistaram na Constituição de 1988? Em primeiro lugar, porque as elites nunca aceitaram e nem se conformaram com os direitos dos povos indígenas. Isso fica evidente quando olhamos para o período pós-Constituinte. A duras penas e muitas lutas os índios conseguiram evitar retrocessos, o que se deu graças à sua permanente mobilização e apoios conquistados no país e no mundo. Pelos posicionamentos dos Três Poderes com relação aos povos indígenas na atual conjuntura e considerando os possíveis cenários, são previsíveis turbulências e tempestades com graves consequências para os povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais, unidades de conservação e meio ambien- te. Muitos “junhos” serão necessários para não haver retrocessos. O Jornal da Câmara do dia 24/10 nos deu números preocupantes. A bancada ruralista passou de 191 para 263 membros. Portanto, 51% do total dos votos. Somado a isto a pequena margem da vitória de Dilma, teremos pela frente um quadro nada animador para os povos indígenas, quilombolas, sem terra, e outros setores empobrecidos. Em recente artigo, Frei Beto, ao analisar os processos dos governos progressistas no continente, afirma: “Esse processo exportador-extorsivo inclui recursos energéticos, hídricos, minerais e agropecuários, com progressiva devastação da biodiversidade e do equilíbrio ambiental, e a entrega da terra aos monocultivos anabolizados por agrotóxicos e transgênicos. O Estado investe em ampla construção de infraestrutura para favorecer o escoamento de bens naturais mercantilizados. Eis a contradição desse modelo neodesenvolvimentista que, no frigir dos ovos, anula as diferenças estruturais entre os governos de esquerda e de direita”. Tem sido praxe dos governantes das últimas décadas definir as políticas indigenistas depois de terem sido satisfeitos e acomodados todos os interesses. Só então se procura definir, no espaço que sobrou, os direitos indígenas. Dessa vez parece que não vai ser diferente. MARIOSAN Carta da véspera ISSN 0102-0625 Às vésperas das votações do segundo turno, uma carta aos povos indígenas. Redigida por um assessor, nem sabemos Na língua da nação indígena Sateré-Mawé, PORANTIM significa remo, arma, memória. Publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). APOIADORES Dom Erwin Kräutler Presidente do Cimi Emília Altini Vice-Presidente do Cimi Cleber César Buzatto Secretário Executivo do Cimi Outubro–2014 2 Dilma cumpre promessa... EDIÇÃO Carolina Fasolo CONSELHO DE REDAÇÃO Antônio C. Queiroz, Benedito Prezia, Egon D. Heck, Nello Ruffaldi, Paulo Guimarães, Paulo Suess, Marcy Picanço, Saulo Feitosa, Roberto Liebgot, Elizabeth Amarante Rondon e Lúcia Helena Rangel REPORTAGEM: Carolina Fasolo, Renato Santana, Luana Luizy ADMINISTRAÇÃO: Marline Dassoler Buzatto SELEÇÃO DE FOTOS: Aida Cruz Fotos: Arquivo Cimi EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Licurgo S. Botelho (61) 3034-6279 IMPRESSÃO: Mais Soluções Gráficas (61) 3435-8900 Antes da votação do 2º Turno, a presidente Dilma Rousseff começou a cumprir promessas feitas aos aliados do setor de mineração. No dia 10 de outubro, Dilma criou a Estação Ecológica (ESEC) Alto Maués, no estado do Amazonas, permitindo a mineração na zona de amortecimento da unidade. A presidente, na verdade, legalizou a atividade que já ocorria de forma clandestina no entorno da ESEC. Cinco de 15 propostas de criação ou ampliação de unidades de conservação foram desengavetadas do Ministério do Meio Ambiente. Agora a sociedade sabe a razão. ...Cardozo defende os povos indígenas... “Temos a necessidade de assegurar o direito dos povos indígenas, garantir os seus territórios”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na 1ª Conferência Mundial dos Povos Indígenas. Sem nenhuma vergonha de enganar a opinião pública internacional, e já forte concorrente a uma das vagas ociosas do STF, o ministro é o títere governista da paralisação das demarcações das terras indígenas e o autor incompetente das ineficientes mesas de diálogo, sempre precedidas de um atentado ou assassinato de indígenas que lutam pelas terras tradicionais. ...e as aparências enganam Marina Silva despontou como a candidata dos povos indígenas e da ecologia. Aqui e acolá fazia uma fala pela demarcação das terras indígenas e contra a destruição do meio ambiente. Tais defesas compunham parte de um novo jeito de fazer política, dizia. Logo na liderança da corrida presidencial, Marina passou a defender setores do agronegócio. Ressaltou que nunca foi contra as sementes transgênicas. Exaltou os biocombustíveis, cuja matéria prima é plantada de forma extensiva em terras indígenas. No 2º turno foi ao fundo do poço: saiu em defesa de Aécio Neves, que tinha como promessa, se eleito, garantir segurança jurídica ao produtor rural ante conflitos fundiários. A nova política de Marina se comprovou transgênica. REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: Faça sua assinatura pela internet: SDS - Ed. Venâncio III, sala 310 CEP 70.393-902 - Brasília-DF [email protected] Tel: (61) 2106-1650 Fax: (61) 2106-1651 [email protected] www.cimi.org.br Registro nº 4, Port. 48.920, Cartório do 2º Ofício de Registro Civil - Brasília PREÇOS: Ass. anual: R$ 60,00 Ass. de apoio: R$ 80,00 Ass. dois anos: R$ 100,00 América latina: US$50,00 Outros Países: US$70,00 Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores. Eleições 2014 RenatoSantana Apib: “Partidos que controlam o poder ignoram os povos indígenas” Da Redação A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiu não apoiar nenhum candidato ou candidata durante as Eleições 2014, seja na corrida ao Executivo quanto a do Legislativo; tanto no primeiro quanto no segundo turno das eleições. Nas regiões, observando as correlações de forças e articulações locais, os povos fizeram suas opções, sendo que em muitos casos lançaram candidaturas próprias, praticamente em todo o país. Nestas eleições, 85 indígenas, que compõem um universo de quase 900 mil (IBGE, 2010) divididos em 305 povos, disputaram cargos para vice-governador (1), senador (3), deputado federal (25), deputado estadual (52), deputado distrital (2), senador 1º suplente (1) e senador 2º suplente (1). Conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pela primeira vez mapeou os candidatos por cor ou raça, entre os cinco grupos analisados, os povos indígenas ficaram em 5º na lista de candidaturas, com 0,33%. Os negros lideraram o mapa, com quase 10% (2.420). Para a Apib, o mais grave é que o “modo como os grandes partidos que controlam o poder no país têm desconsiderado os direitos constitucionais dos nossos povos originários” se refletiu na ausência da questão indígena durante a campanha eleitoral. Sobretudo quanto ao fato de que os grupos que mais oprimem os povos e buscam descontruir direitos territoriais depositam volumosas quantias nas próprias candidaturas ou em aliados. À margem de discussões envolvendo as fragilidades dos povos indígenas frente ao maquinário eleitoral, Sônia Guajajara, liderança da Apib, chegou a desafiar publicamente os candidatos e candidatas a assumirem em seus programas toda a pauta do movimento indígena. Durante o segundo turno foi ainda pior. Em nota, a organização reiterou seu descredito no programa das candidaturas de PT e PSDB, e salientou o descaso com os povos indígenas como marca do “primeiro governo da presidente Dilma Rousseff, que se esforçou a cada dia para estreitar suas alianças com o agronegócio”. Sobre Aécio Neves, a Apib lembrou que no primeiro turno o candidato expressou publicamente ao agronegócio seu apoio à PEC 215, um dos principais projetos de ataque aos direitos indígenas. Lembrou ainda que as duas candidaturas foram financiadas por empresas do agronegócio, caso da Friboi. Leia na página seguinte a carta que a Apib enviou aos presidenciáveis, ainda durante o primeiro turno. n Indígenas ocupam plenário da Câmara dos Deputados em 2013 contra a PEC 215 Ruralistas: latifúndio consolida maioria no Congresso Nacional Da Redação O resultado das urnas consolidou a maioria das cadeiras parlamentares à bancada ruralista no Congresso Nacional. A vantagem se deu por um aumento de 33% do grupo latifundiário; a atual legislatura conta com 205 deputados e senadores. Na próxima, a partir de janeiro de 2015, os ruralistas contarão com 273 – 16 senadores, num total de 81, e 257 deputados federais, de 513. Para a imprensa, o então presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), declarou nos dias posteriores à di vulgação dos resultados do primeiro turno das eleições que a prioridade da bancada será aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas, quilombolas e a criação de unidades de conservação. n Arquivo Cimi 3 Outubro–2014 Eleições 2014 Carta pública aos candidatos e candidatas à Presidência da República A Outubro–2014 4 relação do Estado e da sociedade brasileira com os povos indígenas, mesmos com os novos paradigmas constitucionais que colocaram fim ao integracionismo, reconhecendo o caráter multiétnico e pluricultural do Brasil, em 1988, tem sido marcada por princípios e práticas colonialistas, autoritárias, racistas, preconceituosas e discriminatórias, subestimando a sociodiversidade e a contribuição dos mais de 300 povos indígenas, falantes de 274 línguas, e dos territórios indígenas ao país. Ao invés de efetivar os direitos indígenas assegurados pela Carta Magna (Artigos 231 e 232), sucessivos governos têm se dobrado aos interesses do capital, dos setores vinculados ao agronegócio, às mineradoras, às madeireiras, às empreiteiras e grandes empreendimentos que impactam as terras indígenas, e outros tantos empreendedores, que visam a apropriação e exploração descontrolada dos territórios e das riquezas neles existentes: os bens naturais, os recursos hídricos, a biodiversidade, o patrimônio genético e os conhecimentos e saberes milenares dos nossos povos. Em razão dessa perspectiva os nossos povos têm sido considerados entraves e empecilhos ao (neo) desenvolvimento, que governantes e donos do poder econômico querem implementar a qualquer custo. Ataques sistemáticos, de regressão e supressão dos direitos indígenas verificam-se nos distintos poderes do Estado e na sociedade, notadamente nos grandes meios de comunicação. A flexibilização ou mudança na legislação indigenista e ambiental está em curso por meio de Projetos de Lei (PL 1610, da mineração em terras indígenas, PL 7735/2014, do Patrimônio genético, entre outros), Emendas constitucionais (PEC 215, PEC 038 etc.), Portarias (Portaria 303, Portaria 419, Minuta de Portaria para mudar os procedimentos de demarcação das terras indígenas) e Decretos (Decreto 7957). Ao mesmo tempo, lideranças e comunidades indígenas que lutam na defesa de seus direitos à terra são criminalizadas, vítimas de assassinatos, prisões arbitrarias e ameaças de morte. Diante dessa realidade, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), vem de público apresentar aos candidatos e candidatas à Presidência da República as considerações abaixo, querendo saber se estes terão de fato compromisso para reverter o atual quadro de ameaças aos direitos dos povos indígenas assegurados pela Constituição Federal, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada há 10 anos ao arcabouço jurídico do país e outros tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Ao mesmo tempo que assumem o compromisso político de colocar a questão indígena na centralidade das políticas do Estado, atendendo as seguintes reivindicações: - Demarcação de todas as terras indígenas. Há um passivo de mais de 60% das terras indígenas não demarcadas, situação que gera conflitos desfavoráveis para os nossos povos. A demarcação implica em instalar grupos de trabalho, publicação de relatórios, portarias de identificação, portarias declaratórias, demarcação física, homologação e registro em cartório o na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). - Proteção, fiscalização e desintrusão das terras indígenas, assegurando condições de sustentabilidade aos nossos povos, na perspectiva da segurança e soberania alimentar, e considerando a especificidade étnica e cultural de cada povo e território indígena. Que a efetivação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas – (PNGATI), se torne realidade para todos os nossos povos e que seja garantido o reconhecimento da categoria profissional e remuneração justa dos Agentes Indígenas Ambientais e Agroflorestais Indígenas. - Com relação ao tema da demarcação, são inúmeros os povos que estão em estado de vulnerabilidade, mas é preciso resolver com urgência o caso crítico dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, principalmente os Guarani Kaiowá, submetidos a um processo vil de etnocídio e extermínio a mando de fazendeiros e representantes do agronegócio, sob o olhar o omisso e por vezes conivente dos governantes de turno. Para cumprir com a responsabilidade de demarcar e proteger as terras indígenas, é preciso que o governo fortaleça a Fundação Nacional do Índio – (Funai), sucateada até o momento e objeto de ataques por parte dos inimigos dos povos indígenas. - Inviabilização de todas as iniciativas anti-indígenas que buscam reverter ou suprimir os direitos constitucionais dos povos indígenas no Congresso Nacional (PECs, PLs), sob comando da bancada ruralista aliada a outros segmentos como o da mineração e o das igrejas fundamentalistas, que se apoiam mutuamente até para atacar a cultura e espiritualidade dos nossos povos. - Impulsionar uma agenda positiva que alavanque a efetivação do texto constitucional, por meio da tramitação e aprovação da lei infraconstitucional - o Novo Estatuto dos Povos Indígenas - que deverá nortear todas as políticas e ações da política indigenista do Estado. - Aprovação, ainda, do Projeto de Lei e efetivação do Conselho Nacional de Política Indigenista, instância deliberativa, normativa e articuladora de todas essas políticas e ações atualmente dispersas nos distintos órgãos de Governo. - Aplicação da Convenção 169 em todos os assuntos de interesse dos povos indígenas, tanto no âmbito do Executivo como no Legislativo, assegurando o direito ao consentimento livre, prévio e informado, baseado nos princípios da boa fé e do caráter vinculante do tratado, para superar práticas autoritárias que têm minimizado este direito ao equiparar a consulta a reuniões informais, oitivas ou eventos de informação. Foi assim no caso do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte e assim quer se fazer com relação ao Complexo do Tapajós e outros tantos. É necessário restituir aos povos indígenas a sua autonomia e o exercício de seus mecanismos próprios de deliberação e que sejam respeitadas e fortalecidas as suas organizações e instâncias representativas, para o diálogo democrático, franco e sincero com o Estado. - Implementação efetiva do Subsistema de Saúde Indígena para superar o atual quadro de caos e abandono em que estão as comunidades indígenas. Só em 2013, foram registradas as mortes de 920 crianças indígenas por doenças curáveis, situação que poderia ser evitada se houvesse de fato uma política de atendimento de qualidade. É fundamental para o desenho e implementação da política a participação plena e o controle social exercido rigorosamente pelos próprios povos e comunidades e suas instâncias representativas, conforme estabelece a Convenção 169, a fim de evitar a reprodução de práticas de aliciamento, divisionismo, corrupção, apadrinhamentos políticos, precariedade ou ausência de atendimento humanizado. É igualmente muito importante que o subsistema garanta o respeito e valorização dos conhecimentos e saberes da medicina tradicional indígena (Pajés, parteiras, plantas medicinais) e o reconhecimento da categoria profissional e remuneração justa dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan). - Garantia de acesso de todos os indígenas à educação de qualidade, específica e diferenciada, de forma continuada e permanente, nas aldeias, na terra indígena ou próximo da mesma, conforme a necessidade de cada povo, com condições apropriadas de infraestrutura, recursos humanos, equipamentos e materiais, respeitando o projeto político-pedagógico próprio, calendário e currículo diferenciado, conforme a tradição e cultura dos nossos povos e de acordo com a resolução 03 do Conselho Nacional de Educação (CNE). - Que o MEC crie junto aos estados escolas técnicas profissionalizantes, amplie o ensino médio e programas específicos de graduação para os povos indígenas, assegurando ainda o ensino científico integrado com os conhecimentos tradicionais para os estudantes indígenas, a realização de concurso público específico e diferenciado para os professores indígenas, a valorização, reconhecimento e remuneração justa da categoria de professores indígenas, o reconhecimento dos títulos dos estudantes indígenas formados no exterior, a participação dos povos e organizações indígenas na implementação dos territórios etnoeducacionais. Que seja garantido ainda a permanência dos estudantes indígenas nos cursos regulares de ensino superior, e que se avance do sistema de cotas, ainda limitado, a um programa realmente específico de acesso dos indígenas a esse ensino. - Garantir no âmbito do Ministério da Cultura a participação de indígenas no Conselho Nacional de Incentivo à Cultura e a criação de uma instância específica, com equipe técnica e orçamento próprio, para atender as demandas da diversidade e promoção das culturas indígenas. - Compromisso com o fim da criminalização, o assassinato e a prisão arbitrária de lideranças indígenas que lutam pela defesa dos direitos territoriais de seus povos e comunidades. É preciso influenciar o poder judiciário e orientar a Polícia Federal para que respeitem as nossas lideranças enquanto lutadores por seus direitos e não os trate como quaisquer criminosos, agilizando, em contrário, a punição dos mandantes e executores de crimes cometidos contra os povos e comunidades indígenas. - Disponibilização, por parte do Ministério do Planejamento e Gestão Orçamentária, dos recursos públicos necessários para a implementação efetiva destas políticas e ações voltadas aos nossos povos e comunidades, de tal forma que os planos e metas estabelecidos sejam alcançados. O compromisso dos governantes com a implementação desta agenda constituirá um marco de superação de todas as mazelas e atrocidades cometidas até hoje, depois de 514 anos da invasão europeia, contra os nossos povos, tornando realidade o paradigma constitucional que colocou fim ao indigenismo integracionista, etnocêntrico, autoritário, paternalista, tutelar e assistencialista, para restituir a autonomia aos nossos povos, a condição de sujeitos políticos e de povos étnica e culturalmente diferenciados, em prol do fim do Estado colonial e de uma sociedade realmente democrática, justa e plural. Reafirmamos finalmente a nossa determinação de fortalecer as nossas alianças, solidariedade e lutas conjuntas com outros segmentos e movimentos do campo cujos territórios também estão sendo visados pelos donos do capital: quilombolas, pescadores artesanais, camponeses e comunidades tradicionais. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) Brasília, 14 de setembro de 2014 Privatização da saúde Sesai pretende levar Insi ao Congresso Nacional enquanto bancada do PT o questiona no STF Arquivo Cimi Renato Santana Assessoria de Comunicação - Cimi O ano era 1998, ápice do governo neoliberal de FHC. Entre privatizações e a implementação da cartilha do Estado Mínimo, o Congresso Nacional aprovou as leis 9.637 e 9.648. Tais normas dispensam de licitação a celebração de contratos entre o Poder Público e as organizações sociais para a prestação de serviços públicos, dentre eles a saúde. Naquele mesmo ano, PT e PDT questionaram as leis e ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido liminar, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923. Dezesseis anos se passaram, o PT chegou ao Palácio do Planalto e hoje o governo federal faz uso destas mesmas leis para privatizar a saúde indígena com a criação do paraestatal Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi), no âmbito do Ministério da Saúde. A ADI segue sob análise do STF. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), mentora do Insi, é capitaneada por um grupo de petistas, alguns históricos, ligados ao diretório partidário de Brasília (DF). Como a Sesai não tornou público o documento com a proposta de criação do Insi, informações obtidas pelo Cimi junto a integrantes do governo federal dão conta de que a Lei 9.637 é um dos principais argumentos dos defensores da proposta contra as acusações de que a criação do instituto seria inconstitucional. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, além da própria Sesai, tomaram a lei como desesperada saída para a criação do instituto, diante do fato de que não cumpriram prazos acordados com o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Trabalho (MPT) para a realização de concursos públicos destinados à saúde indígena – que não incluía os cargos de Agente Indígena de Saúde (AIS) e Agente Indígena Sanitário (Aisan). Caso o paraestatal Insi chegue ao Congresso Nacional para ser apreciado como Projeto de Lei (PL), a bancada do PT terá diante de si dois caminhos em rota de colisão: o que o partido expressa na ADI e o posicionamento do próprio governo, que se apoia em uma lei neoliberal para impor a privatização à saúde indígena. Além disso, o Cimi apurou com fontes ligadas ao governo federal de que o PL da privatização da Constituição Federal. “Não seria o caso de permissão e concessão”, salientam os requerentes, “mas de mera terceirização de serviços mediante contrato com pessoa privada”. Concurso público saúde indígena está pronto ao menos desde abril deste ano, circulando inclusive no Ministério da Justiça. “Trata-se de um processo de privatização” Os requerentes da ADI, PT e PDT, argumentam que a Lei 9.637 e diversos artigos da 9.648 permitem ao Poder Executivo “transferir para entidades de direito privado não integrantes da administração pública atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, à prestação de serviços públicos nessas áreas”. Para o PT, “trata-se de um processo de privatização dos aparatos públicos por meio da transferência para o setor público não estatal dos serviços nas áreas de ensino, saúde e pesquisa, dentre outros, transformando-se as atuais fundações públicas em organizações sociais (sic)”. O partido defende na ADI que a lei promove “profundas modificações no ordenamento institucional da “Caso o paraestatal Insi chegue ao Congresso Nacional para ser apreciado como Projeto de Lei (PL), a bancada do PT terá diante de si dois caminhos em rota de colisão: o que o partido expressa na ADI e o posicionamento do próprio governo, que se apoia em uma lei neoliberal para impor a privatização à saúde indígena.” administração pública brasileira”. Em 2009, em ocasião de análise da ADI no plenário do STF, a Procuradoria Geral da República (PGR) concordou com tais argumentos impressos na ADI. Na ação, os requerentes atacam ainda a forma de gestão e aplicação dos recursos públicos da lei orçamentária “sem, todavia, submeter-se às limitações estabelecidas para as entidades administrativas estatais”. Caso o paraestatal Insi seja criado, mais de R$ 1 bilhão anual destinado à saúde indígena passará a ser gerido fora do âmbito do controle estatal, sem licitações ou fiscalização dos órgãos de controle da União, tampouco do MPF. Isso só ocorrerá, conforme os artigos das leis questionadas pelo PT na ADI, diante de pedido do próprio governo. A sustentação dos impetrantes da ADI afirma que as prestações dos serviços públicos se afastam do núcleo central do Estado “mediante um modelo mal acabado de transferências de responsabilidades públicas a entes privados”. Tais “entes”, diz a argumentação, “por não prescindirem da atuação subsidiária do poder público, terminam por se transmutarem pessoas funcionalmente estatais, porém despidas da roupagem que é própria do regime de direito público”. Ou seja, o privado mostra aparência de público na prestação do serviço, mas sem as obrigações inerentes ao regime público – que é exatamente onde se enquadra o caso do Insi. Os partidos acrescentam na ADI que preterir licitações para a concessão ou permissão de serviços públicos fere o artigo 175 da Ao PT não escapou na ADI o concurso público, reivindicação dos povos indígenas. Conforme o descrito na ação, a contratação seria discricionária, feita sem a prévia realização de concurso público, em violação aos princípios da impessoalidade, da eficiência e da isonomia. Outro ponto tange os salários dos dirigentes e empregados destes entes privados, as tais organizações sociais, que, pagos com dinheiro público, não receberiam valores fixados e tampouco atualizados por lei. “A criação das chamadas organizações sociais e seu processo de qualificação conforme estabelecidos na lei desrespeitam a Constituição Federal”, dizem os partidos na ADI. “A criação das organizações se dá mediante um processo induzido de substituição de entes públicos por entes privados criados por encomenda, ad hoc, para assumir funções antes a cargo do Estado”, conclui. Lei que fundamenta criação do Insi foi questionada em 1998 pelo PT e PDT, que ajuizaram ADI no Supremo Tribunal Federal Andamento da ADI Até o fechamento desta edição, a ADI seguia em tramitação na Suprema Corte. Em 1º de agosto de 2007, os ministros do STF mantiveram as leis, por maioria de votos, indeferindo assim a liminar impetrada pelo PT e PDT. Porém, o relator, ministro Ilmar Galvão, se aposentou, e o ex-ministro Carlos Ayres Britto assumiu a relatoria, retomando o julgamento de mérito da norma. Ayres Britto votou pela procedência parcial da ADI. Na sequência, em 2011, votou o ministro Luiz Fux, acompanhando o relator. Neste mesmo ano, o ministro Marco Aurélio Mello pediu vistas e ainda não pronunciou sua posição derradeira. Como é possível constatar na tramitação da ADI, diversos sindicatos ligados à saúde pública se manifestaram a favor da ação. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se posicionou em plenário corroborando com os argumentos da ADI. n 5 Outubro–2014 Megaempreendimentos Caos na Funai de Altamira leva MPF à Justiça mais uma vez contra Belo Monte Assessoria de Comunicação Social MPF/PA O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em Altamira a 22ª ação judicial contra a usina de Belo Monte, pelo descumprimento das condicionantes que deveriam evitar e compensar os impactos da usina às 9 etnias atingidas. A situação da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Altamira é de caos, com metade dos servidores que deveria ter para atender a sobrecarga causada pelos impactos do empreendimento e funcionando em uma sede provisória dentro da Universidade Federal do Pará (UFPA), sem banheiro nem telefone. Os graves problemas fizeram com que a Funai reconhecesse por escrito ao MPF que as obrigações com os povos indígenas não estão sendo cumpridas, o que deveria acarretar a suspensão da licença da usina. Mas nenhuma medida concreta foi tomada. Por isso, o MPF quer que a Justiça reconheça a situação e obrigue os réus (governo, Funai e Norte Energia) a concretizar oito medidas fundamentais, no prazo de 60 dias, sob pena de suspensão compulsória das licenças ambientais. O MPF também pede que não seja concedida licença de operação em caso de descumprimento. A situação das populações indígenas atingidas por Belo Monte no médio rio Xingu é considerada insustentável pelo MPF. Os compromissos e obrigações previstos desde 2010 para evitar e compensar os impactos não foram cumpridos até hoje. A ação enumera os graves prejuízos. “Presença constante dos índios na cidade, em locais provisórios e degradantes; ruptura completa da capacidade produtiva e alimentar; conflitos sociais, divisão de aldeias e deslegitimação das lideranças; vulnerabilidade extrema, com aumento do alcoolismo, consumo de drogas e violência sexual contra menores; modificação radical dos hábitos alimentares; surgimento de novas doenças, como diabetes, obesidade e hipertensão; superprodução de lixo nas aldeias; vulnerabilidade das terras indígenas; diminuição da oferta de recursos naturais; conflitos interétnicos; impedimento do usufruto de seus territórios e desestímulo às atividades tradicionais. Esses são apenas alguns exemplos do que Belo Monte representa hoje aos povos indígenas do médio Xingu.” Para o MPF, a incapacidade do poder público de obrigar o cumprimento das condicionantes e de, nos casos de descumprimento, aplicar as punições necessárias, levou a Norte Energia a controlar totalmente o processo de licenciamento ambiental. “O empreendedor reescreve suas obrigações e implementa políticas anômalas, sem o devido controle da Funai, incapacitada que está de cumprir sua missão institucional e de fazer valer as normas deste licenciamento”, constata o MPF. “A Norte Energia recusa-se a cumprir suas obrigações e as reescreve como se soberana fosse. O poder público faz supor que, dentre suas escolhas políticas, inclui-se a opção de desprezo às normas do devido processo de licenciamento. E a Funai se omite de seu dever de proteger os povos indígenas e de fiscalizar a implementação do componente indígena deste licenciamento”, concluem os procuradores da República Thais Santi, Cinthia Arcoverde, Higor Rezende Pessoa, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr, signatários da ação judicial. “É inegável que, sem as ações indispensáveis para que a região suportasse os impactos de sua instalação, o custo socioambiental de Belo Monte está sendo transferido, de maneira ilegal, aos atingidos. E, considerando que a implementação do componente indígena sempre foi o ponto mais sensível das discussões que se travaram, desde a década de 80, em torno deste projeto, eventual alegação de reserva do possível por parte do governo federal implica no reconhecimento de sua incapacidade para a realização de uma obra com um grau de impacto dessa magnitude. O que imporia o reconhecimento da inviabilidade da usina”, dizem os procuradores da República. n Renato Santana, Assessoria de Comunicação - Cimi C Ações de proteção territorial iniciaram no fim de outubro. “Não vamos parar. Queremos providências do governo federal sobre nossas terras”, diz o cacique Juarez Munduruku Outubro–2014 6 om a previsão do leilão da usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no complexo do rio Tapajós, sul do Pará, para 2015 e a paralisação do procedimento de demarcação do território tradicional, o povo Munduruku do Médio Tapajós, que abrange os municípios de Itaituba e Trairão, iniciou no final de outubro a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu. Cerca de 60 guerreiros Munduruku foram destacados para a abertura das picadas da autodemarcação. A ação, por sua vez, ganhou um importante respaldo. Atendendo de forma parcial a pedido liminar do Ministério Público Federal (MPF) do Pará, o juiz Rafael Leite Paulo, da Vara Federal de Itaituba, determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) se manifestasse acerca da aprovação ou não do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu no prazo máximo de 15 dias. Dentro deste mesmo período, caso o relatório seja aprovado, o resumo de seu teor deve ser publicado no Diário Oficial da União (DOU). O relatório, porém, já está aprovado pela Diretoria de Proteção Territorial (DPT) do órgão indigenista estatal, em conformidade ao pedido do juiz Federal, faltando então sua publicação. A autodemarcação é realizada com base nos pontos definidos pelos indígenas como de ocupação tradicional, e informados aos técnicos da Funai durante os estudos para a elaboração do Relatório Circunstanciado. No final de 2013, durante reunião dos Munduruku com a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, em Brasília, ficou definido que o relatório seria publicado em março deste ano. Conforme as lideranças indígenas, a autodemarcação foi uma decisão do povo frente a não publicação do relatório de demarcação do território tradicional. A paralisação do procedimento salienta a intenção do governo federal de construir o complexo hidrelétrico, que afetará ainda as terras Munduruku do Alto Tapajós, altura do município de Jacareacanga. “Sabemos que se demarcar atrapalha a usina. Tem esse entendimento no governo”, afirmou o cacique Juarez Munduruku. Na região do Alto, inclusive, já perto da divisa com o Mato Grosso, há quase três anos os indígenas resistem às investidas do governo para a efetivação dos procedimentos necessários à construção de outras usinas do Haroldo do Espirito Santo Munduruku do Médio Tapajós iniciam autodemarcação e juiz Funai publicar relatório complexo – um total de sete espalhadas pelo Tapajós com previsão para começar as operações em 2020. “Foi uma decisão política diante de uma situação que não deixou outra saída. Os Munduruku têm afirmado que só saem mortos dali. Dizem que nenhum projeto que não esteja em sintonia com a natureza será aceito pelo povo. Esses indígenas são parte daquele meio ambiente. A autodemarcação é então uma forma de dizer ao governo que eles estão ali”, informa Haroldo Espírito Santo, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Nos últimos meses, os Munduruku definiram que as conversas com o governo estavam suspensas até a publicação do relatório. O povo Munduruku colocou em prática no fim de outubro as estratégias definidas de proteção territorial. A articulação contou com a participação do MPF/MS Suspensão de liminar da usina de São Manoel Governo federal promete mudanças, mas volta a atacar indígenas pelas costas Cinco aldeias serão impactadas pelas usinas. Projeto não considerou indígenas nem sítios arqueológicos Suspensos licenciamentos de três hidrelétricas em MS Imasul e Iphan acataram recomendação do MP e suspenderam a tramitação de três projetos de empreendimentos, que ameaçam cinco terras indígenas e sítios arqueológicos inexplorados Assessoria de Comunicação MPF/MS E stão suspensos os licenciamentos ambiental e de instalação de três Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na bacia do Rio Amambai, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Os processos só deverão ser retomados depois da realização de estudos de dá 15 dias para Movimento Ipereg Ayu, do próprio povo. Presentes há pelo menos cerca de mil anos naquelas terras às margens do rio Tapajós, os Munduruku destacaram grupos de guerreiros oriundos de todo Tapajós e, reunidos na Terra Indígena Sawré Muybu, iniciaram a ação. “Não vamos parar. Queremos providências do governo federal sobre nossas terras”, salientou o cacique Juarez. No território, afirmam os indígenas, estão presentes garimpeiros, madeireiros, tiradores de palmito, fazendas de gado e grileiros. A grilagem de terras, conforme foi constatado nestes primeiros dias de autodemarcação, aumentou de forma significativa. Acreditam as lideranças indígenas que o fenômeno seja decorrente da busca por indenizações governamentais diante das desocupações a serem geradas pela construção das usinas previstas pelo projeto do complexo hidrelétrico. A entrada de grileiros acontece, sobretudo, pelo município de Trairão. Nas aldeias da Sawré Muybu o cotidiano segue sem exaltações. Por ordem do cacique, os três horários das escolas indígenas são cumpridos, as equipes de saúde seguem em suas visitas e atendimentos, os caçadores e pescadores vão à mata e aos rios e nas casas de farinha a produção não foi interrompida. Não há notícias de conflitos com prováveis invasores da terra indígena. n impacto a sítios arqueológicos e terras indígenas da região, que não haviam sido considerados nos procedimentos. O Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) informou que os processos de licenciamento ambiental das PCHs Foz do Saiju, Barra do Jaguari e Bela Vista, todas no Rio Amambai, foram paralisados, e que as falhas apontadas pelo Ministério Público serão verificadas. Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se comprometeu a não autorizar nenhum tipo de intervenção enquanto não forem realizados estudos de impacto aos sítios arqueológicos e previstas medidas compensatórias a danos potenciais. O local a ser impactado pela instalação das hidrelétricas abrange 5 áreas indígenas: Terras Indígenas Amambai, Guaimbé, Jaguari, Jarara e Rancho Jacaré, todas homologadas e demarcadas pelo governo federal. A Fundação Nacional do Índio (Funai) deverá realizar consultas prévias às comunidades indígenas afetadas, para só então se manifestar, de acordo com o que determina a Constituição. Outras irregularidades O Ministério Público constatou ainda que os Estudos de Impacto Ambiental apresentados anteriormente também não abrangeram o trabalho de recuperação de áreas degradadas ao longo do rio, já em andamento, nem medidas compensadoras de eventual supressão e deslocamento de áreas de preservação permanente e reserva legal das propriedades atingidas pelos empreendimentos. Foi notada também a ausência de processo de licenciamento ambiental para uma das PCHs planejadas. Além disso, as audiências públicas obrigatórias não foram realizadas em conformidade com a lei e não tiveram participação da Funai nem do MP. PCHs A PCH Foz do Saiju abrange os municípios de Amambai, Juti, Caarapó e Laguna Carapã. A estimativa é que custe R$ 80 milhões e tenha capacidade instalada total de 20 megawatts. Já a PCH Barra do Jaguari localiza-se entre os municípios de Amambai e Laguna Carapã, com capacidade para gerar até 29,7 megawatts. Estima-se o custo de R$ 118,8 milhões. Os dois projetos são da empresa Sigma Energia. Há, ainda, a previsão de instalação da PCH Bela Vista na mesma bacia hidrográfica. n E xcluídos ao ponto de quase inexistência do debate eleitoral do último período, os povos indígenas da Amazônia foram vítimas de mais um brutal atentado por parte do Judiciário, impelido pelo governo, ao verem negado, por meio de uma suspensão de liminar, seu direito à consulta sobre o empreendimento hidrelétrico de São Manoel, no rio Teles Pires, fronteira entre o Mato Grosso e o Pará. No dia 3 de outubro o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), desembargador Candido Ribeiro, suspendeu a liminar da Justiça Federal do Mato Grosso que, em 13/09, paralisou o processo da usina pelo descumprimento da obrigação da consulta prévia, livre e informada aos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Ibama já concedeu licença de instalação ao empreendimento, autorizando o início das obras sem que os povos fossem consultados de maneira prévia. Por cinco vezes, o projeto de São Manoel foi paralisado por desrespeitar as populações ameaçadas. Planejada a menos de um quilômetro dos limites da Terra Indígena Kayabi, a usina afetará as aldeias Munduruku do Teles Pires e causará impactos severos sobre populações Apiaká em isolamento voluntário. “Juízo de primeira instância suspendendo licenciamentos, leilões ou audiências públicas, que interferem no cronograma estabelecido pelo Poder Público para o empreendimento UHE São Manoel, motivado pela discussão relativamente ao estudo do componente indígena, supostamente afetados pelo empreendimento UHE São Manoel, tem o condão de acarretar grave lesão à ordem e à economia públicas”: este é o único argumento apresentado pelo desembargador Ribeiro na peça dantesca que houve por bem apresentar como “decisão jurídica”. Seguindo as premissas utilizadas pelo governo federal em todos os projetos do PAC com elementos letais à população e ao ambiente onde está inserida, Ribeiro sentencia que a “ordem e economia pública” têm absoluta primazia sobre a vida humana. Não importa lei, não importam acordos internacionais, não importa Constituição, não importa direitos humanos, sofrimento, degradação, morte, nada. Importa a economia e a garantia das benesses prometidas aos que compõem o consórcio da usina: Furnas e as multinacionais chinesas Three Gorges Corporation e portuguesa EDP. O governo que, pressionado pelos Munduruku do Tapajós e obrigado por uma decisão do STJ, adotou discursos de mediação sobre a barragem de São Luiz do Tapajós, garantindo que realizaria a consulta prévia, revela no caso de São Manoel que sua intenção nunca foi respeitar os direitos dos povos indígenas. Adota novamente a suspensão de liminar – recurso que permite ao Presidente do Tribunal suspender decisões judiciais pautadas na lei sem analisar o mérito e a partir de argumentos políticos e econômicos – para impor, covardemente, seus projetos vergonhosos na Amazônia. O uso deste recurso já motivou denúncia do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e no Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) por movimentos indígenas e de direitos humanos do país. Do Judiciário, conclamamos aos demais desembargadores do TRF-1 que reavaliem a decisão da Justiça Federal contra São Manuel e julgue seu mérito. Quanto ao governo, se minimamente dá valor à palavra empenhada, que respeite o direito à consulta dos povos a serem afetados por São Manoel, como afirma que fará com os Munduruku, ameaçados pelos projetos hidrelétricos do Tapajós. Estas ações são requisitos legal e moralmente não negociáveis, e devem ser seriamente considerados quando das campanhas de angariamento de votos. n Nota elaborada por 27 organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil. 7 Outubro–2014 Ana Mendes Luta pela Terra STF anula demarcação da TI Guyraroká e povo Guarani-Kaiowá reage Por Carolina Fasolo, Luana Luizy e Matias Rempel Indígenas acamparam em barracos de lona armados em frente ao STF, onde passaram a noite do dia 15 de outubro em vigília para sensibilzar ministros sobre suas precárias condições de vida Guyraroká e marco temporal em pauta B aseado numa interpretação equivocada do marco temporal – que condicionou o reconhecimento da terra tradicional, no caso da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, à sua habitação pelos indígenas no ano de 1988, o ministro Gilmar Mendes, seguido pelos ministros Carmen Lúcia e Celso de Mello, acatou o pedido de um dos proprietários de fazenda incidente sobre a TI Guyraroká e anulou sua Portaria Declaratória, publicada pelo Ministério da Justiça em 2009. Para os representantes da Terra Indígena em questão, que estiveram em Brasília no dia 2 de outubro, o marco temporal foi aplicado de maneira arbitrária, pois a comunidade indígena não foi ouvida no processo. Ava Rendy Poty’Ju desabafa: “Os ministros deveriam estar fazendo cumprir a Constituição, garantindo nossos direitos previstos na Constituição e não cedendo à pressão dos ruralistas e nos deixando sem terra. Eles eram nossa última esperança, mas estando deste jeito só nos sobra a retomada de nossos territórios, só resta a nossa luta”. Sobre o marco temporal, a posição dos indígenas é unânime e pode ser bem compreendida nas palavras da liderança Ava Kaaguy Rete: “A coisa está tão absurda que hoje querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa pelo crime deles. Durante décadas nos expulsaram de nossa terra à força e agora querem dizer que não estávamos lá em 1988 e por isso não podemos acessar nossos territórios?”. Comitiva Guarani Outubro–2014 8 A decisão, por se tratar de um retrocesso dentro do procedimento demarcatório há muito em curso em relação a esta terra indígena, é temida pelos povos por significar um precedente fundamental aberto junto aos interesses ruralistas. Assim, entre os dias 14 e 16 de outubro, 40 lideranças Guarani-Kaiowá de nove Terras Indígenas do MS (Taquara, Arroio Korá, Guyrá Kambi’y, Guyraroká, Kurussu Ambá, Guaiviry, Laranjeira Nhanderu, Jagua Piru, Mykuréati) estiveram em Brasília representando todas as aldeias Guarani-Kaiowá do estado. No Supremo Tribunal Federal (STF), as lideranças protocolaram um memorial sobre o contexto histórico e a situação de extrema vulnerabilidade a que está submetido o povo Guarani-Kaiowá no MS. Entregaram ainda duas cartas – uma da Aty Guasu e outra da comunidade Kurusu Ambá - nos gabinetes dos 10 ministros do STF a fim de reivindicar a garantia do direito às suas terras tradicionais. Depois de protocolarem os documentos e concederem coletiva de imprensa, os indígenas acamparam em barracos de lona armados em frente ao Supremo, onde passaram a noite do dia 15 em vigília para sensibilizar ministros sobre suas precárias condições de vida. Poder Executivo No dia 16, as lideranças Guarani-Kaiowá protocolaram em órgãos do Poder Executivo dois documentos assinados pelo Conselho Aty Guasu. Um deles, destinado ao Ministério da Justiça, demandou o ingresso imediato de pedido de anulação do processo de reintegração de posse contra Kurussu Ambá, assim como o envio da Polícia Federal ou da Força Nacional de Segurança para o local, onde já ocorreu um ataque em que os barracos dos indígenas foram queimados e, mesmo com determinação judicial, nenhum tipo de segurança foi oferecida a comunidade, que é ameaçada diariamente. O Ministério da Justiça se comprometeu, nos termos do documento, a dialogar com a Força Nacional e a Polícia Federal a fim de instalar um programa de Midia Ninja Depois que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu pela anulação da Portaria Declaratória de demarcação da Terra Indígena Guyraroká, em Mato Grosso do Sul, uma comitiva de 40 indígenas Guarani-Kaiowá veio a Brasília entre os dias 14 e 16 de outubro para reafirmar seu direito às terras tradicionais no estado acompanhamento “em caráter de ação mais ostensiva e com maior contingente destes órgãos nas áreas e rotas de fronteira que hoje estão ameaçadas de despejos forçados pelos pistoleiros e jagunços dos fazendeiros. São elas: Kurussu Ambá, Guaiviry, Yvy Katu, Pyelito Kue, Sombrerito, Arroio Korá e Ipo’y”. Em Mato Grosso do Sul existem 36 veículos da Força Nacional de Segurança, mas, de acordo com o documento, “estes veículos estão parados junto a sede da Funai de Dourados, enquanto isso nosso povo vem sendo massacrado”. Nesse sentido, solicitam um programa semelhante para áreas em “perigo constante de conflito”, como Guirá Kambi’y, Laranjeira Nhanderu, Passo Piraju, Apyka’i, Taquara e Pacurity. A respeito das retomadas, os indígenas finalizam “Não recuaremos mesmo sabendo que nosso povo está ameaçado de um genocídio coletivo que pode começar a qualquer momento. A partir desta data, tendo ciência destes fatos, o Governo será responsável por qualquer dano sofrido pelo nosso povo. A decisão está nas mãos da Justiça e do Governo Federal”. Marcelo Veiga, assessor do ministro da Justiça, disse que uma audiência para tratar de outras medidas de segurança se- ria providenciada entre Eduardo Cardozo e membros das aldeias Guarani-Kaiowá “para a data mais urgente possível”. O segundo documento foi protocolado na Advocacia Geral da União (AGU), Casa Civil e no Ministério da Justiça para anunciar que, caso os processos de demarcações de terras indígenas continuem paralisados, iniciarão “um grande movimento de retomadas de todas nossas áreas tradicionais porque entenderemos que não existe para nós outro caminho e estamos ficando sem espaço e condições de vida digna. [...] Toda a violência que estamos sofrendo é conseqüência da paralisação das demarcações de nossas terras e das tentativas da implementação na prática de artifícios como a PEC 215 e a portaria 303 da AGU, já repudiadas pelos povos indígenas em definitivo. Essas medidas atacam nosso direito a Tradicionalidade e demais direitos conquistados junto a Constituição Federal de 1988”. Os indígenas pediram ainda segurança para as áreas em conflito no estado e a revogação da Portaria 303 da AGU. “A portaria é uma afronta a todos nossos direitos conquistados com muito sangue e com a luta do nosso povo. Resistiremos a ela sempre e se chegar a ser aprovada faremos grande movimento nacional”. Roberto Antonio Liebgott A “ Em decisão unânime, STF nega recurso que pretendia anular demarcação da TI Yvy Katu Por Carolina Fasolo O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Tribunal, decidiu, por unanimidade, negar recurso em um mandado de segurança que pretendia anular a demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, em Mato Grosso do Sul, onde vivem cerca de cinco mil Guarani Ñandeva. Interposto por Pedro Fernandes Neto, proprietário da fazenda São Jorge, uma das 14 propriedades incidentes sobre a TI, o agravo enunciava que a demarcação da área “não se amolda no conceito de ocupação tradicional” e que “não se pode ampliar reserva indígena já demarcada”, sustentando que tal preceito, estabelecido pelo STF como condicionante nos autos do caso ‘Raposa Serra do Sol’, deve servir de “parâmetro para a apreciação das ações que tratem de demarcação de terras indígenas”. O STF entendeu que a parte autora, para alegar que as terras não estão caracterizadas como de posse tradicional indígena, deveria apresentar provas, o que não é possível por meio de mandado de segurança. Sobre a impossibilidade de ampliação de TI já demarcada, o Supremo citou a definição do próprio Plenário, que após o julgamento dos embargos de declaração do caso ‘Raposa Serra do Sol’, em outubro de 2013, estabeleceu que a decisão fosse “desprovida de força vinculante”, ou seja, as condicionantes não podem ser aplicadas a outros procedimentos de demarcação de terras indígenas. Indígena cadeirante sofre tentativa de sequestro em Santiago Kue/Kurupi N Da redação Cimi/MS o dia 22 de outubro, Ivo Martins Tupã’Y, ancião da comunidade de Santiago Kue/Kurupi, sofreu uma tentativa de sequestro dentro do acampamento, próximo à BR – 163, município de Naviraí, MS. Os indígenas relatam que Ivo encontrava-se sentado em sua cadeira de rodas na parte do fundo do mato quando foi levado por um “funcionário” que partia em direção a uma caminhonete. Na direção do veículo foi reconhecido pelos indígenas a figura de um fazendeiro local. Os indígenas correram e conseguiram retirá-lo Ivo chegou a ser carregado para de caminhonete, mas do interior do veículo. O funcionário teria tentado dentro indígenas conseguiram resgatá-lo sacar um revólver, mas com a aproximação de muitos indígenas optou por ir embora. A caminhonete arrancou e sumiu por entre os arbustos até o terreno que dá acesso a fazenda. Ivo, que após ter sofrido derrame ficou paralítico, não consegue falar e se movimenta com extrema dificuldade quando longe de sua cadeira de rodas. O filho e a mulher de Ivo são importantes lideranças da comunidade, que sofre ameaça de despejo por fazendeiros da região. Cimi Regional Sul gente passa fome, mas o que mais dói é o olhar das crianças para gente, elas choram sem ter o que comer e não compreendem que não é nossa culpa”, diz Gerônimo Nunes da Silva, rezador e ancião da comunidade de Pyelito Kue, povo Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Os indígenas denunciaram que a comunidade não recebe há meses nenhum tipo de assistência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). As mais de 50 famílias passam a maioria de seus dias sem realizar nenhuma refeição. Na melhor das hipóteses acabam escolhendo apenas um período do dia para se alimentar, geralmente a partir de soluções compostas apenas por água, farinha e sal. As lideranças informaram que uma criança chamada Mikaela Flores, de pouco mais de um ano, morreu em decorrência da fome. Assim como Mikaela, mais duas crianças foram recentemente hospitalizadas apresentando quadros graves de raquitismo e desnutrição. Entre os Kaiowá de Pyelito, crianças de mais de um ano de idade apresentam peso menor do que sete quilos. No caso de crianças de até cinco meses o peso diminui preocupantemente para menos de quatro quilos. Marcas de uma política de genocídio Há uma determinação do governo federal, segundo a denúncia, para que a Funai não distribua os alimentos contidos no programa das cestas básicas. De acordo com os indígenas, como já ocorreu outras vezes, os alimentos estão armazenados, mas há ordem superior para que não sejam entregues. Denunciam ainda que a situação é de plena ciência dos funcionários da Funai. Esta é a segunda vez que o mesmo fato ocorre neste último semestre. Além da falta de comida, a água que está sendo utilizada para o consumo é imprópria e tem causado uma sistemática onda de doenças, em especial nas crianças. O gosto de metal e a aparência da água, coletada pelos indígenas nos empoçamentos e vertentes existentes, indicam que a mesma possui elevadíssimos teores de ferro. Sendo a única fonte de água, acaba sendo utilizada também para tomar banho. No entanto, há na aldeia uma estrutura de poço artesiano, que até a poucos meses atrás era utilizada pelos indígenas com o auxílio de um pequeno motor que foi doado à comunidade. Seu uso foi interrompido quando um Fazendeiro local tombou o poste de energia que abastecia a aldeia. Há meses a Sesai sabe do acontecido, mas não tomou nenhuma providência. Os Kaiowá denunciam que após inicio das tentativas do governo federal em apro- MPF/MS No MS, comunidade de Pyelito Kue passa fome e alimentos são sonegados pelo governo var o Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi), os atendimentos da Sesai pioraram a ponto do órgão simplesmente não aparecer mais na aldeia. Quando os servidores aparecem, não realizam nem os exames de rotina com a comunidade, tanto que as crianças, mesmo com alto índice de desnutrição, não foram sequer pesadas pelos agentes do órgão. Ataques As famílias Kaiowá relatam que no dia 7 de outubro as lideranças sofreram ameaças por parte dos fazendeiros e um dos barracos ocupados pelos indígenas foi incendiado. As ameaças tornaram-se atentados concretos apenas três noites depois, quando no dia 10, motoqueiros voltaram a disparar contra a comunidade, refugiando-se após os disparos no interior da fazenda Cachoeira. No dia 14, outro ataque. Um sujeito vindo da mesma fazenda disparou quatro tiros contra os indígenas, reunidos para suas rezas. Após este episódio, os fazendeiros passaram novamente a realizar o cerco em torno da comunidade, impedindo os indígenas de sair do pequeno espaço que ocupam e aterrorizando a vida dos Guarani-Kaiowá. A terra de Pyelito Kue está em demarcação e a primeira etapa do procedimento demarcatório foi concluída no ano de 2012, sendo que a Funai publicou o estudo circunstanciado da terra em janeiro de 2013, o qual comprova a tradicionalidade da ocupação indígena. No entanto, o procedimento foi paralisado por determinação da presidência da República. O governo pretende, com isso, obter apoio dos setores vinculados ao agronegócio e da bancada ruralista no Congresso Nacional, que são contrários aos direitos indígenas, especialmente à demarcação das terras. n Em Pyelito Kue, as crianças são as que mais sofrem em decorrência da fome. Criança com pouco mais de um ano morreu e outras duas foram hospitalizadas com quadros graves de raquitismo e desnutrição 9 Outubro–2014 Terras Terena Justiça concede decisões divergentes Egon Heck TRF3 suspende liminar de reintegração na TI Buriti. Justiça Federal de Campo Grande concede a fazendeiro reintegração de posse dentro da TI Cachoeirinha Renato Santana Assessoria de comunicação Cimi C erca de 78 famílias do povo Terena da aldeia Mãe Terra, que integra a Terra Indígena Cachoeirinha, município de Miranda (MS), podem sofrer despejo da área reconhecida pelo Estado como de posse permanente dos indígenas. A Justiça Federal de Campo Grande considerou “flagrante” ato de “esbulho possessório” e de intimidação, o cultivo de plantações, por parte dos Terena, em fazenda de 600 hectares localizada no perímetro declarado indígena desde 2007. Mesmo com recursos liberados para o pagamento de benfeitorias, e com o avançado estágio de demarcação do território, o juiz Federal Renato Toniasso decidiu pela reintegração de posse ao proprietário da Fazenda Santa Vitória, cuja área abrange Mãe Terra. O fazendeiro João Proença de Queiroz se nega a receber a indenização da União e tenta, a todo custo, se manter na área. Esbulho possessório é considerado crime de usurpação - quando alguém invade terreno alheio com violência à pessoa, grave ameaça. O que mais surpreendeu os indígenas foram as justificativas do juiz em sua decisão, ao argumentar que o fazendeiro estava sendo ameaçado por intermédio das plantações dos Terena: “Estariam (os indígenas) adotando atitudes intimidatórias em relação a si (Queiroz) e aos seus familiares. Nesse sentido, teriam lhe comunicado que iriam iniciar o cultivo de plantações. Argui que, diante do flagrante esbulho possessório ali ocorrido, não lhe resta alternativa senão buscar proteção jurisdicional”. Nenhuma investigação foi aberta para apurar as denúncias feitas pelo fazendeiro. “A casa grande fica distante da área onde a aldeia está instalada. Nunca vimos a família dele. Agora é muito estranho um juiz federal dar uma decisão sem nenhuma prova, com boatos inventados por alguém que já não tem mais argumentos. O dinheiro da indenização, pago pela União, está lá para ele pegar”, afirma Lindomar Terena, morador de Mãe Terra. Toniasso optou por uma posição civilista: “O fato de o processo administrativo de demarcação e ampliação da TI Cachoeirinha estar em fase adiantada [...] não permite que os índios tomem a posse da área demarcada, antes do seu desfecho, o que se dará apenas mediante decreto homologatório do Presidente da República”. Porém, conforme o jurista Dalmo Dallari, a discussão de direitos indígenas não se baseia no Código Civil, mas no direito constitucional. “O direito originário é imprescritível e mais: demarcação é ato declaratório e não constitutivo (as terras já são dos índios, o que falta é traçar seus limites) e este é o objetivo do processo administrativo”. Os 7 mil Terena que vivem na TI Cachoeirinha ocupam pouco mais de 2,6 mil ha, cerca de 7,22% do total demarcado. Este perímetro habitado corresponde à reserva destinada aos Terena pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na primeira metade do século XX. “O espaço é pequeno. Se vive confinado. Tem muito terena vivendo nas periferias das cidades, com dificuldades. Então ele (Queiroz) pode inventar o que for, ou qualquer outro fazendeiro, que seguiremos lutando pelas nossas vidas; porque só nossa terra pode nos dar vida”, salienta Lindomar. Juiz Federal concede reintegração a fazendeiro por considerar “cultivo de plantações” do povo Terena “esbulho possessório” MPF obtém efeito suspensivo e comunidade Terena pode permanecer em terras na região de Buriti (MS) O Procuradoria Regional da República - 3ª Região Ministério Público Federal (MPF) obteve efeito suspensivo de decisão liminar que determinava a reintegração de posse de imóveis situados na região de Buriti, Mato Grosso do Sul, ocupados por indígenas da comunidade Terena. A nova decisão, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), também suspendeu, por unanimidade, multa diária de R$ 500 contra a comunidade indígena e de R$ 1 mil contra a Funai em caso de descumprimento. Apesar de o próprio Ministério da Justiça ter declarado a área como de posse permanente dos índios, a liminar atendia pedido de Afrânio Pereira Martins, autor de uma das ações de interdito possessório movidas contra os Terena, que ocupam terras nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti (MS). Martins sustentava que a comunidade indígena estava praticando atos para perturbar ou privar a posse dos imóveis, posse esta que fora determinada pela 1ª Seção do TRF3, declarando válido o domínio particular sobre a área administrativamente demarcada, baseando-se somente nos títulos de domínio. A procuradora Regional da República Maria Cristiana Amorim Ziouva asseverou que mesmo que os autores da ação aleguem ter direito à posse das terras, eles são mero detentores das terras em litígio, sendo certo que a Constituição torna nulos e extintos quaisquer atos relativos à posse e domínio em terras indígenas. Além disso, a procuradora ressaltou que todas as provas constantes nos autos de origem já apontam para a existência da ocupação tradicional pelos indígenas, inclusive a Portaria 3.079/2010 do Ministério da Justiça, que declarou como de posse permanente dos índios Terena aproximadamente 17 mil hectares, incluindo as terras apontadas na ação. “Assim, havendo nos autos direito plenamente comprovado e presumido, qual seja, o direito indígena à demarcação das terras e a sua permanência no local, o que culminou com a edição da Portaria n.º 3.079, é esse que deve prevalecer, não havendo verossimilhança do direito alegado pela parte autora da ação possessória originária”, asseverou Maria Cristiana em seu parecer. A procuradora destacou que quem de fato tem direito à proteção são as famílias indígenas, levando em conta que nem sequer houve perturbação da ordem por parte da comunidade. Ela apontou que grupo indígena é o grupo social mais vulnerável e que deve ser protegido em relação às pretensões privadas defendidas. Maria Cristiana enfatizou ainda em seu parecer que ”a concessão liminar de medidas proibitórias e reintegratórias, tomando-se por base uma decisão que ainda encontra passível de ser reformada, deve ser tida com cautela, ainda mais quando prestigia o direito à propriedade em detrimento dos direitos à vida, à segurança e à saúde.” 3º Encontro de Jovens Terena acontece em área de retomada Outubro–2014 10 A Conselho Terena bordando a temática da História, Cultura e Direito, as lideranças do Conselho Terena participaram nos dias 10 e 11 de outubro do en- contro com jovens na Comunidade Esperança, da Terra Indígena Taunay/Ipegue, município de Aquidauana. Foi a terceira edição do evento, que tem como objetivo propor momento de diálogo entre os jovens e suas lideranças, fazendo análise dos direitos conquistados e os principais desafios na contemporaneidade. A comunidade Esperança é uma área de retomada que está na posse da terra desde maio de 2013. Desde então tem realizado várias atividades voltadas para o fortalecimento da cultura e conhecimento tradicional. n Resistência Povo Gamela, da comunidade de Taquaritiua, resiste para manter o seu território livre Cimi Regional Maranhão H omens, mulheres e crianças do povo indígena Gamela, da comunidade Taquaritiua, localizada há 12 km da cidade de Viana (MA), retiraram a cerca de arame que avançou sobre a área de reserva do território indígena no dia 18 de outubro. A cerca foi colocada por um fazendeiro da cidade de Viana, que se diz comprador da terra e mandou desmatar a área, destruindo aproximadamente um hectare. O senhor Epitácio dos Santos, de 84 anos, se emociona ao lembrar a sua vida inteira de luta e não consegue segurar as lágrimas. “Sou um velho lutador, sempre me conheci nessa luta aqui, muitos dos que lutavam comigo já morreram, mas dou graças a Deus por continuar resistindo”. No começo da semana passada, os indígenas perceberam tratores destruindo a área de uso coletivo do povo, que todos os grupos familiares usam para caçar, buscar palha e madeira para construção de casas, entre outras atividades. “Todo mundo tira seu sustento dessa terra, é aqui que plantamos, é aqui que pescamos e não queremos mais ser um sem título, terra a gente tem, o que não temos é o título”, afirma dona Ivone dos Santos. No dia 17 de outubro, os indígenas registraram queixa na delegacia de Viana pedindo providências sobre a destruição do seu território. Preocupada, a comunidade tomou a decisão de retirar o arame e retomar o seu território para evitar que o desmatamento continue. “Os nossos pais diziam: a gente vive é do sacrifício. E é assim que vivemos aqui. Para garantir o que a gente tem, só com muita luta”, diz seu Cipriano Nonato dos Santos. Em assembleia no local desmatado e agora retomado, a comunidade decidiu dar uma destinação para a área desmatada, colocando ali uma roça de usufruto comum. Os indígenas tentaram dialogar com o responsável pela destruição da mata e continuam vigiando para que seu maior patrimônio, a terra, não continue sendo destruído. O povo Gamela, considerado extinto, vem desde 2013 lutando pelo reconhecimento étnico e territorial. Em agosto deste ano, na Assembleia Cimi/MA de Autodeclaração, o povo indígena deliberou a luta pela conquista desse território e a revitalização da identidade étnica. Cabe lembrar que o território do povo Gamela, doado pelo Império Português, compreendia mais de 10 mil hectares. Atualmente o povo vive em apenas 552 deles, parcela que restou de um violento processo de grilagem ocorrido nos anos 70. Esse pedaço de chão, onde esse povo vive e tira dele seu sustento está novamente sendo objeto de disputa e de fraude. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Jornal Vias de Fato, o Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais Negras, Quilombolas e Indígenas (Nuruni), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), estiveram presentes na comunidade, visitando a área desmatada e prestando apoio e solidariedade ao povo e continuarão acompanhando os desdobramentos dessa situação para que seja respeitado o direito dos Gamela de viverem livres no seu território. n O povo Gamela, considerado extinto, luta desde 2013 pelo reconhecimento étnico e territorial. Comunidade Taquaritiua retirou cerca de arame que avançou sobre a área de reserva do território indígena Articulação 13° Encontro de Lideranças do Vale do Javari repudia medidas legislativas anti-indígenas I Organização Geral dos Mayuruna ndígenas do Vale do Javari (AM) reunidos na aldeia Flores para o 13° Encontro de Lideranças, reivindicaram a revogação de medidas que põem em risco os direitos indígenas garantidos na Constituição Federal. Confira o documento do encontro: Nós, lideranças indígenas reunidas na Aldeia Flores, no 13º Encontro de Lideranças Indígenas no Vale do Javari, falamos para todos os povos do Brasil, que: Primeiro: estamos comprometidos com a defesa dos direitos dos nossos parentes. Queremos demonstrar nosso inconformismo e indignação com a política indigenista de nosso país, bem como com as políticas públicas de saúde indígena de nossa região, e apresentamos nossas reivindicações principalmente para chamar a atenção das autoridades públicas e da sociedade brasileira em geral. Segundo: pedimos respeito ao Direito Constitucional da “posse permanente” e “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos” das terras indígenas, como previsto no Art. 231. É preciso que sejam adotadas medidas efetivas de proteção dos territórios tradicio- nais, com procedimentos adequados de fiscalização. Terceiro: pedimos a revogação da Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU), pois viola direitos indígenas constitucionais, visto que retira dos indígenas o pleno direito de consulta sobre as medidas administrativas e legislativas que os afetem diretamente, direito este também reafirmado na Convenção 169 da Organização Internacional de Trabalho (OIT). Além disso, tal medida legislativa afronta o direito originário, pois caso seja aprovada irá rever processos demarcatórios já homologados. Quarto: demonstramos nosso repúdio ao Projeto de Lei 1610/1996, que regulamenta a mineração em terra indígena, pois afronta o direito à consulta, que é assegurado constitucionalmente, uma vez que transfere a uma comissão formada por não indígenas, decisão final no processo de mineração em nossas terras. Também solicitamos que a regulamentação da mineração seja discutida e revista junto com a tramitação do Estatuto dos Povos Indígenas, que deverá ser inédito, dada a conjuntura da política indigenista. Quinto: considerando as condições econômicas, geográficas, sociais e culturais indígenas, percebemos o quanto o governo não nos respeita. Neste 13º encontro, graves denúncias foram relatadas através do testemunho de diversas lideranças, que demonstram claramente violações aos direitos dos povos. Por todo o exposto, reiteramos nosso repúdio. Solicitamos também ao governo federal e demais órgãos responsáveis que sejam adotadas as ações administrativas e jurídicas necessárias para o cumprimento dos direitos indígenas da região do Vale do Javari. Sexto: A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215) que transfere do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas, afronta o direito dos povos na demarcação de suas terras tradicionalmente ocupadas, ou seja, o governo demonstra que não nos respeita, além de desmatar nossas florestas e se apropriar de nossas riquezas. Por fim, nós, povos indígenas, nos sentimos tratados como imigrantes forçados, exilados em nossas próprias terras! A vida no exílio, imigrações enquanto projeto de vida ou imposição de projetos externos. A defesa da mãe natureza bem como a garantia dos territórios e das terras são as condições primeiras para nossa sobrevivência física e cultural! Nós, do Vale do Javari, queremos respeito dos membros do governo com os povos indígenas deste país. n 11 Outubro–2014 Impunidade Sede do Cimi no Acre é invadida duas vezes em menos de um mês Cimi/AC Assessoria de Comunicação - Cimi A sede Regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Amazônia Ocidental, localizada em Rio Branco, Acre, foi invadida pela segunda vez em menos de um mês na madrugada do dia 13 de outubro. O computador central foi levado e equipamentos destruídos. Vários dos arquivos da biblioteca e da sala da secretaria foram queimados. No dia 22 de setembro um ataque semelhante aconteceu no local. Grades e forros do teto arrancados, cabos de todos os computadores cortados e um HD externo que continha o backup da contabilidade foi levado. Na época, a perícia constatou que os invasores usavam luvas, mas até agora nenhum suspeito foi identificado. Em solidariedade ao Cimi, organizações do estado do Acre fizeram um ato de apoio no dia 17 de outubro em frente à sede da entidade. Uma carta, assinada por 53 organizações oriundas de 19 países, além de organismos Vestígios do primeiro arrombamento da sede, no dia 22 de setembro Ao lado: Documentos foram queimados e computador central levado internacionais, foi encaminhada aos ministros alemães Gerd Müller, da Economia Cooperação e Desenvolvimento, e Barbara Hendricks, do Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Construção e Segurança Nuclear. A carta solicitou às autoridades que demandem do governo do Acre ações imediatas em relação às invasões da sede do Cimi e às ameaças constantes contra membros da entidade e povos indígenas no estado. Leia trecho da carta: “Nós fazemos este apelo para que os senhores se juntem a nós e solicitem ação imediata por parte do governo do Acre, que deveria publicamente denunciar a violência contra os defensores das florestas do Acre. As autoridades competentes deveriam imediatamente iniciar uma investigação profunda sobre as invasões e ameaças contra os membros do Cimi-AO. Ao mesmo tempo, pedimos que os senhores cobrem da Ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, medidas urgentes do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no sentido de garantir segurança ao Cimi e sua equipe no Acre, sem descuidar da investigação dos atentados noticiados nesta carta”. Internacional Cimi leva questão indígena para evento da OIT Lucia Iglesias Da Redação N A Rel-UITA apresentou, em setembro, um dossiê sobre a situação dos povos indígenas do Brasil Outubro–2014 12 o intuito de aprofundar as relações e as articulações com as organizações sindicais e com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de levar informações sobre a situação dos povos indígenas no Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) participou da oficina “Setor Rural, Câmbio Climático e Trabalho Decente”. A atividade é resultado da articulação entre a OIT e organizações sindicais de relevante atuação na América Latina, como a União Argentina de Trabalhadores Rurais e Estivadores/Argentina (UATRE), a Regional Latino-Americana da União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação/Uruguai (Rel-UITA) e a Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas (CSA). Participaram da oficina representantes de organizações sindicais do Peru, El Salvador, Chile, Espanha, Equador, Costa Rica e Colômbia. As organizações sindicais brasileiras se fizeram presentes através de três representantes da Confederação dos Trabalhadores/as na Agricultura (Contag) e Central Única dos Trabalhadores (CUT). Na mesa de abertura, que contou com a participação do Ministro do Trabalho da Província de Buenos Aires, Oscar Antonio Cuartango, de Gerónimo Venegas, presidente da UATRE e de Gerardo Iglesias, secretário regional da Rel-UITA, destacou-se a importância do debate em torno dos temas da oficina, além do papel relevante que tem cada uma das organizações no envolvimento da sociedade para que o assunto mudanças climáticas, por exemplo, seja aprofundado por toda a sociedade. No primeiro dia, a partir das contribuições de Jesús Garcia (OIT), Carmen Benites (OIT América Latina e Caribe) e Fábio Bertranou (OIT-Argentina), os participantes debateram sobre as questões relativas ao tema “Trabalho Decente, Desenvolvimento Sustentável e a Agenda Pós 2015”. Na sequência foram socializadas as experiências das organizações sindicais e o duro processo enfrentado pelos trabalhadores que buscam se organizar por seus direitos na América Latina. Além do agradecimento pelo convite, Gilberto Vieira, secretário-adjunto do Cimi, colocou a sua entidade à disposição para colaborar no processo de debate e fortalecimento dos trabalhadores e trabalhadoras na luta por seus direitos na América Latina. A partir de um convênio de cooperação e de uma intensa articulação entre Cimi e a Regional Latino-americana, foi apresentado pela Rel-UITA à OIT no começo do mês de setembro, um Dossiê sobre a situação dos povos indígenas do Brasil. n Desserviço ao jornalismo MPF/MS: Omissão da prefeitura deixa 600 crianças indígenas fora da escola em Dourados O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul ajuizou ação contra a Prefeitura de Dourados e o atual prefeito, Murilo Zauith, por improbidade administrativa. O administrador é acusado de omissão na gestão da educação escolar indígena, que deixou mais de 600 crianças fora das salas de aula nas aldeias do município. Além da falta de vagas, os estudantes que conseguem se matricular nas escolas municipais precisam ainda conviver com a precária infraestrutura. Imagens encaminhadas pelos professores retratam o abandono das escolas, com salas improvisadas, superlotadas e até alagadas em dias de chuva. Na ação, o MPF pede, liminarmente, a construção imediata de 5 salas previstas desde 2012 para a E.M. Tengatui Marangatu e a restauração da E.M. Francisco Ibiapina. O MPF quer ainda a implementação de planos de investimentos para a educação escolar indígena, com proposta de construção de novas escolas, e a condenação de Murilo Zauith por improbidade administrativa. Retrato das escolas indígenas no MS: estrutura totalmente abandonada; alunos têm que estudar na biblioteca nos dias de calor Reportagem preconceituosa e antiindígena concorre ao Prêmio Esso Luana Luizy Assessoria de Comunicação - Cimi A pós publicar série de reportagens discriminatórias contra os Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), a reportagem “Terra Contestada”, do jornal Diário Catarinense, pertencente ao grupo Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), filial da Rede Globo no estado, foi indicada a concorrer ao 59º Prêmio Esso de Jornalismo, considerado o principal da área no Brasil. Em um especial dividido em cinco partes, os jornalistas afirmam que os indígenas Guarani são responsáveis pelo atraso nas obras de duplicação da BR-101 – rodovia que corta o território – e alegam que a não duplicação da BR gera atrasos e impactos na economia. A abordagem é criticada pelos indígenas, que oficiaram o Ministério Público Federal para que fosse garantido direito de resposta. Até o momento, contudo, o MPF não se manifestou. “Não somos contra a duplicação, mas queremos entender como isso vai acontecer, pois a terra indígena é nossa casa”, apontou durante visita a Brasília, a cacique de Morro dos Cavalos, Eunice Guarani. Com argumentos caluniosos, os jornalistas constroem um discurso preconceituoso e discriminatório ao apontarem que a luta pela demarcação do território Guarani é conduzida por “agentes externos”, desconsiderando, assim, o protagonismo das populações tradicionais na luta pelo reconhecimento de sua terra. Estes, inclusive, nem sequer foram ouvidos, embora na comunidade vivam caciques, anciões e professores. A reportagem usa como fonte o antropólogo Edward Luz, banido da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), principal instituição científica do país na área. Também relata a versão do Guarani Milton Moreira, que não mora no território. Os argumentos apresentados por ele também são desmentidos pelos moradores da região. O desserviço ao jornalismo e à população também é visível quando se desconsideram os verdadeiros interesses econômicos de especuladores interessados na Terra Indígena Morro dos Cavalos, território que ainda hoje aguarda pela homologação pela presidência da República. Não é de hoje que a campanha anti-indígena vem sendo colocada em prática pelo jornal contra o povo Guarani. O jornal criminaliza a luta indígena quando culpa os indígenas por mortes ocorridas na BR-101. Além disso, publica inverdades também ao afirmar que os Guarani não habitam tradicionalmente o Morro dos Cavalos e que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria manifestado que a área não é tradicional. Não obstante, a ocupação da TI Morro dos Cavalos está amplamente demonstrada no procedimento administrativo de demarcação por meio de documentos históricos, mapas, livros e pela ampla memória oral. A exclusão da visão dos indígenas e organizações indigenistas de reportagens que trazem apenas as visões dos grupos que se opõem aos direitos dos povos originários configura-se como um desrespeito ao direito à comunicação e informação. Estes deveriam ser pilares da democracia, mas tornam-se instrumentos de violações a partir do momento em que as empresas jornalísticas adotam uma postura parcial, desinformam e confundem o leitor que não tem familiaridade com o assunto e que acaba formando a sua opinião por meio das informações que chegam até ele, especialmente pelos meios de comunicação. Assumir a comunicação como direito humano significa reconhecer o direito de todas as pessoas de ter voz e de se expressar, princípio ético que a reportagem viola ao não escutar os indígenas da TI Morro dos Cavalos. E para evitar que uma violação seja consagrada como exemplo de bom jornalismo, gritamos: “Esso não! Sou contra premiarem reportagens anti-indígenas”! n Guarani-Kaiowá mantêm posse da terra Jatayvary em Mato Grosso do Sul Superior Tribunal de Justiça A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o ato do ministro da Justiça que declarou a terra indígena denominada Jatayvary, localizada em Mato Grosso do Sul, como de posse permanente dos índios Guarani Kaiowá. O colegiado não acolheu os pedidos dos proprietários rurais que, com a impetração de mandados de segurança, queriam a anulação da Portaria 499/11, assinada pelo ministro da Justiça, para ter de volta o domínio das terras. A terra indígena em questão é composta por aproximadamente 8.800 hectares de área e 40 quilômetros de perímetro, no município de Ponta Porã. n 13 Outubro–2014 Povos Livres Gleilson Miranda/Funai Arquivo Cimi Aumenta o risco à sobrevivência dos povos indígenas isolados na Amazônia brasileira Equipe do Cimi de Apoio aos Povos Indígenas Isolados O “ respeito aos direitos humanos dos povos em isolamento ou contato inicial deve dar-se dentro de um marco que respeite plenamente seu direito a livre autodeterminação, à vida e integridade física, cultural e psíquica dos povos e seus membros, à saúde e aos seus direitos sobre as terras, territórios e recursos naturais que têm ocupado e utilizado ancestralmente”. (Povos Indígenas em isolamento voluntário e contato inicial nas Américas – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH,2013) Os povos indígenas em situação voluntária de isolamento ‘emergiram’, nos últimos meses, nos noticiários nacionais e internacionais e, com frequência, informações sobre a sua presença, em diferentes regiões da Amazônia, chegam até a equipe do Cimi de apoio a estes povos, bem como à Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatos (CGIIRC) da Funai. No Acre, um grupo de indígenas isolados buscou apoio numa aldeia Ashaninka, entre os meses de junho e julho deste ano. No diálogo estabelecido com funcionários da Funai, em jaminawa, traduzido por um falante desta língua indígena, estes indígenas relataram que foram vítimas de massacre, possivelmente por madeireiros ou narcotraficantes na fronteira com o Peru. Além disso, contraíram gripe, o que pode ter um efeito devastador entre o grupo. Todavia, a situação de risco em que este povo isolado vive, dentre os demais desta região banhada pelo rio Envira, era amplamente conhecida pelas autoridades brasileiras. Mesmo assim, a Frente de Proteção Etnoambiental do Envira, da Funai, foi abandonada em 2012, porque o órgão indigenista não contou com respaldo suficiente para oferecer segurança a seus funcionários – atacados por narcotraficantes internacionais. No Vale do Javari, Amazonas, uma família isolada Korubo, composta por seis pessoas, foi encontrada às margens do rio Itacoaí por indígenas Kanamari, no Outubro–2014 14 mês de setembro, e levada para a aldeia Povo Awá Guajá, no Maranhão, está ameaçado pelos madeireiros que devastam seu território. Situação já foi denunciada, mas governo permanece omisso Massapê. Novamente tratase de um pedido de socorro, desta vez diante de uma situação de doença que se manifestava, segundo descrição de uma indígena da família, através de febre alta e muita tremedeira no corpo (sintomas da malária), que estava provocando mortes no grupo Korubo isolado. O fato motivou um posicionamento público da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Nele, a organização denuncia a invasão da terra indígena por caçadores e pescadores, além das dificuldades da Funai para desenvolver as necessárias ações de vigilância e proteção, por falta de recursos financeiros e pessoal qualificado. No Maranhão, os indígenas isolados Awá-Guajá continuam ameaçados pelos madeireiros que impunemente devastam as terras indígenas já demarcadas, por onde perambulam os diversos grupos que compõe este povo. Essa situação já foi reiteradas vezes denunciada ao Poder Público. Diante da omissão governamental, a denúncia foi levada para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). É absolutamente inaceitável que o povo Awá-Guajá continue sendo submetido a essa política de extermínio. Na região da Ilha do Bananal, recentemente indígenas isolados foram vistos dentro e fora da terra indígena, e os sinais de sua presença foram percebidos nas proximidades da aldeia indígena Waotynã, localizada no município de Lagoa da Confusão. Um alerta também foi feito ao departamento de isolados da Funai, sobre a sua presença na região da Mata do Mamão, dentro da Ilha, pelas brigadas de combate a incêndios. As ameaças a este povo vêm das queimadas na Ilha, comuns nessa época do ano, mas também com suspeitas de origem intencional, das invasões de caçadores e pescadores e dos projetos de construção de estradas. A Funai até hoje não fez nenhum estudo sobre a área de perambu- Arquivo Cimi lação deste povo, e também não adotou medidas de proteção. No rio Tapajós, o governo está anunciando para breve o licenciamento ambiental para a construção de diversas usinas hidrelétricas. Até o momento nenhum estudo foi apresentado sobre os diversos povos indígenas isolados que vivem nas proximidades destas hidrelétricas projetadas para a região. Os governos da ditadura militar promoviam a remoção forçada dos povos indígenas isolados, localizados ‘no caminho’ dos megaempreendimentos de infraestrutura na Amazônia, prática que levou a verdadeiras tragédias humanas e genocídio. Os governos atuais optaram por desconhecer a sua existência, repetindo a estratégia dos governos militares, para que não atrapalhem os seus projetos. Essa política é perversa, trágica e violenta porque não considera o que pode acontecer a estes povos. As informações sobre os povos indígenas isolados, nada tranquilizadoras, sinalizam para um agravamento das situações de vulnerabilidade e risco em que estes povos se encontram, com seus espaços territoriais cada vez mais restritos e invadidos, numa Amazônia onde os índices de desmatamento voltam a crescer, a propósito de manter, num contexto de crise da economia globalizada, a reprodução do sistema de dominação e acumulação através da exploração extrema dos recursos naturais. Os fatos revelam igualmente, e de forma contundente, as contradições mais profundas das políticas governamentais que apostam, em termos macro econômicos, em um desenvolvimentismo sem limites, festejado pelas empresas transnacionais dos setores do agronegócio, do extrativismo mineral, petrolífero, madeireiro e da construção civil, que são as grandes beneficiárias dos vultosos investimentos públicos nos empreendimentos de infraestrutura nas áreas de energia, transporte e comunicação na região. As políticas compensatórias, de mitigação de impactos e de proteção aos povos e comunidades locais, expõem neste cenário toda a sua ineficácia, revestidas que são por uma natureza emergencial permanente. Denunciam, por sua inoperância, a reprodução dos decretos de extermínio dos povos indígenas expedidos desde que as caravelas europeias atracaram no continente sul-americano. Reiteramos que a autodeterminação dos povos indígenas isolados, que se manifesta por sua vontade de não estabelecer relações regulares com a sociedade brasileira, deve ser respeitada, assim como seus territórios demarcados e protegidos. A vontade do não contato significa também uma demonstração clara destes povos contra os empreendimentos governamentais em seus territórios, e deve ser vista como o exercício do seu direito de consulta. A atenção à saúde nas aldeias das terras indígenas, onde os grupos isolados vêm aparecendo com relativa frequência, sobretudo no Vale do Javari/AM e Rio Envira/AC, deve ser absolutamente prioritária para evitar a transmissão de doenças infectocontagiosas, fatais a estes grupos. É fundamental que o órgão indigenista oficial, a Funai, seja aparelhado com recursos financeiros e com pessoal qualificado para identificar a presença dos povos isolados, verificar suas áreas de perambulação e evitar que seus territórios sejam invadidos. Por fim é preciso acabar urgentemente com a vergonhosa invasão madeireira nas terras indígenas do Maranhão, que está decretando o extermínio do povo Awá Guajá. n Resenha Livro sobre genocídio Waimiri-Atroari é lançado e respalda trabalho da CNV do Amazonas Renato Santana Assessoria de Comunicação - Cimi A editora Curt Nimuendajú acaba de lançar mais uma obra que já nasce clássica para a historicidade Ameríndia e chega aos leitores cumprindo dois papeis: o primeiro de passar a limpo a história recente dos povos indígenas; o segundo de denunciar um dos mais atrozes massacres promovidos pela ditadura militar (1964-1985): o assassinato de 2 mil Waimiri-Atroari, entre 1972 e 1977, para fins da abertura da BR-174, ligação entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR). No escopo dos trabalhos do Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas, “A Ditadura Militar e o Genocídio do Povo Waimiri-Atroari: por que kamña matou kiña” é fruto da pesquisa que fundamentou o 1º Relatório deste comitê. Tal como em “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, o livro relata em detalhes, com base em farta documentação e literatura indigenista, como os militares massacraram aldeias inteiras utilizando bombas químicas, com o mesmo potencial devastador do napalm utilizado pelo Exército estadunidense no Vietnã, metralhadoras e ataques aéreos impiedosos. O livro, portanto, cumpre um outro papel: de não deixar cair no esquecimento o genocídio contra os Waimiri-Atroari no contexto de estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pela Lei 12528, de 2011, que pretende investigar crimes cometidos contra os direitos humanos, entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, e, conforme declarou recentemente seu presidente, Pedro Dallari, pedir a punição de mais de 100 militares responsáveis por atentados, assassinatos, Assine o torturas, desaparecimentos e toda sorte de arbítrio fundamentado em poderes estabelecidos por golpes contra a democracia. Então, por que kamña matou kiña? A pergunta era comumente ouvida pelos indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egydio e Doroti Schwade, durante o processo de alfabetização dos Waimiri-Atroari em sua língua materna, sobreviventes do massacre. Narrações, desenhos e histórias terríveis, de assassinatos, correrias, desaparecimentos e mortes, com aviões jogando bombas sobre as aldeia, descrevendo como o genocídio ocorreu, chegavam ao casal indigenista que passou a investigar o que havia ocorrido e a registrar tudo aquilo que os Waimiri lhes relatavam. A obra é, antes de tudo, um apanhado articulado das histórias dos próprios Waimiri. “Civilizado matou com bomba”, escreveu Panaxi ao lado de um dos desenhos reveladores do massacre. O waimiri ainda identificou pelo nome os assassinados: Sere, Podanî, Mani, Priwixi, Akamamî, Txire, Tarpiya. Assim, numa série impressionante, outros e mais outros Waimiri desenharam e escreveram nomes de mortos, compondo uma Guernica amazônica – referência ao quadro de Pablo Picasso que retrata o povo da cidade que concede nome à obra, massacrado pelas tropas de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola. Todos estes relatos colhidos por Egydio e Doroti durante o processo de alfabetização dos Waimiri estão no livro e, portanto, no relatório da comissão. O livro demonstra como tal massacre ocorreu de forma planejada, como política de Estado, comandada por generais. Nas palavras do jornalista e ex-editor do jornal Porantim, onde os primeiros relatos deste genocídio foram publicados, José Ribamar Bessa Freire, que assina o prefácio do livro, trata-se da cartilha de Rondon no trato com os povos indígenas, mas pervertida e ao contrário: “Matar ainda que não seja preciso; morrer nunca”. Empresas de jagunços subordinadas ao Comando Militar da Amazônia, especializadas em “limpar a floresta”, faziam também o trabalho sujo, mas tudo com o consentimento dos militares. No lugar das aldeias devastadas, mineradoras, usinas hidrelétricas, estradas. A Mineração Taboca, por exemplo, que se instalou sobre aldeias Waimiri destroçadas pelo fogo militar entre 1979 e 1988, negou e abafou que, mesmo passado alguns anos do genocídio, outros indígenas ainda estivessem circulando pelo local. Fato é que em 1985 estes indígenas, então desconhecidos, apareceram no canteiro de obras da hidrelétrica do Pitinga. Poucos dias depois o motorista de uma carreta os avistou: seis homens e duas mulheres. Depois disso nunca mais foram vistos. Todavia, a razão é aparente e comprovada no livro: a Sacopã, empresa de jagunços comandada por dois ex-oficiais do Exército e um então da ativa, assassinou estes indígenas – que seguiram desconhecidos, mas não esquecidos. A obra desvela a arqueologia da violência de um grupo indígena massacrado que, na redemocratização, foi cercado pelo governo brasileiro. Em 2013, durante audiência com integrantes do povo Munduruku, executivos da Eletrobrás, numa vã tentativa de convencer os indígenas do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, afirmaram que a ação junto aos Waimiri por conta da usina de Balbina, construída ainda na ditadura, só trouxe benefícios para eles. A essa tentativa de esconder o passado sangrento, a família Schwade foi obrigada a se retirar da comunidade, por ordem do então presidente da Funai, Romero Jucá, político de Roraima subserviente e beneficiário das vilanias e devastações causadas por empresas de mineração. O conteúdo resvala na linguagem etnográfica e etnológica, instrumentos da antropologia, para trazer aos leitores um retrato mais próximo o possível da visão dos próprio Waimiri do massacre. Ao contrário do que é mais comum de se ouvir país afora, os povos indígenas foram vítimas diretas da ditadura militar e contam tantos mortos quanto os desaparecidos ou assassinados políticos nas guerrilhas urbanas e rurais. Aos Waimiri se juntam ainda outros povos vítimas do autoritarismo. Lideranças indígenas e suas assembleias dispersas, proibidas. Os reformatórios Krenak e Guarani, onde havia tortura e morte de indígenas. A obra contribui para que o Brasil de hoje repare esses crimes garantindo a terra tradicional e o pleno direito de vida a estes povos. n Obra que traz relatos do povo WaimiriAtroari, massacrado no período da ditadura militar, fundamentou relatório da CNV do Amazônas SOLICITE SUA ASSINATURA PELA INTERNET: [email protected] FORMA DE PAGAMENTO – DEPÓSITO BANCÁRIO: BANCO BRADESCO – Agência: 0606-8 – Conta Corrente: 144.473-5 CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO Envie cópia do depósito por e-mail, fax (61-2106-1651) ou correio e especifique a finalidade do mesmo. PREÇOS: Ass. anual: R$ 60,00 Ass. dois anos: R$ 100,00 *Ass. de apoio: R$ 80,00 América Latina: US$ 50,00 Outros países: US$ 70,00 * COM A ASSINATURA DE APOIO VOCÊ CONTRIBUI PARA O ENVIO DO JORNAL A DIVERSAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO PAÍS. 15 Outubro–2014 A VINGANÇA DE ANDRÉ MAKURAP Benedito Prezia A violência contra os indígenas nos seringais da Amazônia é conhecida, mas pouco registrada, pois a sociedade brasileira procura encobrir as atrocidades e os crimes praticados, como ocorreu com a escravidão africana. Entretanto alguns episódios são resgatados pela memória de algum sobrevivente. A região do antigo Território do Guaporé, hoje estado de Rondônia, abrigou inúmeros povos indígenas, muitos já desaparecidos. Entre os muitos episódios de violência praticados por seringalistas, identifiquei uma história que precisa ser resgatada. Trata-se de um ato envolvendo André, indígena filho de mãe Jabuti e pai Makurap, que trabalhava no “barracão” São Luís, às margens do Rio Branco. Esse APOIADORES Outubro–2014 Historiador 16 assentamento surgiu quando um ex-funcionário do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) comprou uma grande gleba de mata, visando criar um seringal. Morando em Guajará Mirim, ia apenas uma vez ao ano buscar as bolas de seringa, castanha do Pará, ipeca, amendoim, arroz e farinha. Para administrar a gleba, contratou Severino, um boliviano que se apresentou como pessoa acostumada com a região, sabendo lidar com os peões e indígenas, que periodicamente apareciam para trabalho temporário. Arbitrariedades contra indígenas eram frequentes nos seringais, mas no barracão São Luís isso começava a ultrapassar o tolerável. Segundo Franz Caspar, viajante suíço que lá esteve em 1948, a truculência do boliviano era revoltante: “Pela manhã, enfileirava os índios e distribuía o trabalho. Aquele que na véspera não tivesse terminado sua tarefa ou que não a tivesse feito satisfatoriamente por qualquer motivo, era algemado, encarcerado e impiedosamente chibatado. Era ainda pior para com as mulheres e filhas dos índios, que ele tratava pior do que um sultão os seus súditos. Tinha esposa e filhos e, não obstante, tomava para si as índias que lhe agradavam, divertia-se com elas e, depois, distribuía-as, à sua vontade, entre seus empregados brancos ou pretos” (Tupari, s/d, p. 59). Como reagiam os indígenas? Pouco faziam, pois não tinham como enfrentar os capangas do patrão. Sem isso, não poderiam manter-se vivos, tampouco suas mulheres e nem preservar mercadorias, o dinheiro e o barracão. E quem voltasse para a aldeia antes do prazo, era capturado por essa milícia e punido. E foi isso que ocorreu com André Makurap. Irritado, certo dia fugiu com seu grupo familiar, deixando Severino furioso. Aos berros, dirigiu-se a Alfredo, um dos capangas que era indígena, dizendo-lhe que tinha que trazê-lo vivo ou morto. Se resistisse em voltar, que “atirem nele e me tragam sua cabeça!”. A que o capanga Alfredo recusou-se, dizendo que era indígena e que “com parente não fazia aquilo”. No dia seguinte, a milícia composta por quatro pessoas foi atrás do Makurap. Após um dia de caminhada, chegaram à maloca de André, achando-a deserta e queimada. Tiveram que dormir ao relento e, no dia seguinte, pegando uma trilha, chegaram à aldeia onde André se encontrava com sua família. Pego de surpresa, todos os homens foram presos e amarrados. Faltava apenas um casal, que havia saído para a mata. Para concluir o serviço, Alfredo decidiu ir atrás dos indígenas, enquanto os outros três ficaram na maloca, montando guarda. Dividiram as tarefas: um ficou de vigia, na rede, e dois saíram para cortar um pau. Aproveitandose dessa distração, orientado por André, um dos meninos aproximou-se por trás, e com uma faca cortou as cordas. Já livre, pegou um machado, e com um golpe certeiro abriu a cabeça do que estava na rede. Tomando sua Winchester, partiu em busca dos outros três. Quando saía da casa, foi surpreendido por um deles, que voltava. Descarregou um tiro, acertando-lhe o rosto e matando-o na hora. Ao ouvir o estampido, o terceiro capanga apareceu, sendo igualmente atingido. Ouvindo o barulho, Alfredo retornou, imaginando que o casal estava de volta, e presenciou a terceira morte. Por ser “parente”, foi poupado. André e Alfredo partiram para São Luís, onde o boliviano e os demais moradores do barracão foram mortos. Nove ao todo. Escapou apenas um negro que havia partido com um companheiro para buscar castanha do Pará, numa locação mais acima. O delegado de Guajará-mirim, ao saber do ocorrido, mandou um destacamento de polícia, mas que nem chegou ao local da chacina. Nada ocorreu, pois implicitamente a polícia reconhecia que era o preço pago pela violência cometida anteriormente. n