Versão em formato PDF - Colégio Jardim Anchieta

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A revista Dandelion surge no universo do Colégio Jardim Anchieta
como uma brilhante ferramenta para valorizar e projetar as
potencialidades de nossos profissionais, que muitas vezes aparecem no
dia a dia de suas atividades com os alunos, mas não são visíveis ao
público em geral. O modo como a nossa “querida” Dandelion
desenhou a sua trajetória nestes seus quatro anos de existência mostra o
amadurecimento de um projeto que se solidificou e tornou-se
respeitável no meio educacional.
Pensamos que, se cada profissional colaborar com a sua parcela,
estaremos trabalhando em defesa de uma educação de qualidade e
acessível a todos, priorizando a excelência, o empreendedorismo, o
crescimento e o sucesso de todo o processo educativo. Esta visão,
embora pareça um pouco idealista, é possível, basta que os educadores
mantenham a visão comum de esforços a favor do êxito do trabalho
educacional. Boa leitura!
Tiragem
80 exemplares - Distribuição Gratuita
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Com o propósito inicial de disseminar as produções intelectuais da
equipe do Colégio Jardim Anchieta (CJA), aos poucos a Dandelion,
mais do que promover o corpo docente do CJA, vai constituindo uma
verdadeira coleção de ideias, reflexões e relatos educacionais.
Acredito que, com o tempo, o conteúdo de cada uma das edições
passará a ser procurado tal como outras fontes e referências de
conhecimento sistematizado são buscadas, sendo o nosso periódico e
os nossos autores citados em variadas circunstâncias científicas. O
"montante" de autores e produções servirá, ainda, como relato de parte
da história institucional do CJA, revelando entre outros as pessoas, os
pensamentos, as influências e as experiências que o tempo e o espaço
do colégio presenciaram.
É preciso, mais uma vez, agradecer a todos que contribuem e
permitem que essas visões surjam e, de forma coletiva, vão sendo
concretizadas.
Por ora, deixemos os sonhos e previsões nesta página e partamos
para a leitura da presente edição!
Constantemente, há uma grande preocupação
referente a aspectos relacionados não somente a
ensino-aprendizagem de matemática, mas também à
forma como este saber pode ser estruturado para ser
ensinado e aprendido. Esse processo é marcado
historicamente por inúmeros conflitos envolvendo
professor, aluno e objetos matemáticos.
Estudos sobre os aspectos cognitivos envolvidos
no processo de ensino e aprendizagem dessa
disciplina, sobre metodologias de ensino e sobre
como constituir uma melhor maneira de ensinar,
fazem parte de nossas reflexões como educadores
matemáticos.
Em especial, há uma preocupação com os
conteúdos básicos, citada pelos professores de
outras disciplinas que necessitam destes
conhecimentos, como: a Física, a Química e até
mesmo a Geografia ou a História, quando o aluno se
encontra diante de situações-problema ligadas ao
estudo de escalas ou estudos que buscam em gráficos
e/ou tabelas informações relacionadas a algum tipo
de pesquisa. Estes são alguns exemplos, dentre
muitos, que exigem do aluno conhecimentos
consistentes do uso do Sistema de Numeração
Decimal, bem como o Conjunto dos Números
Naturais e Fracionários com suas respectivas
operacionalizações. Contudo, sem a construção do
significado destes tópicos, certamente, o aluno
encontrará dificuldades no acompanhamento de
conteúdos programáticos mais avançados.
É de extrema importância para a sociedade o
desenvolvimento de novas estratégias de ensino,
com o intuito de se chegar a uma melhor
compreensão dos tópicos matemáticos iniciais, a fim
de proporcionar aos alunos um acompanhamento
prazeroso dos demais conteúdos desta disciplina.
Coerente a este ponto de vista, encontramos os
estudos de Raymond Duval¹ que, ao tomar a questão
dos registros de representação semiótica como
premissa para suas investigações, discute a
especificidade do ensino e da aprendizagem da
matemática associada aos aspectos semióticos das
representações matemáticas.
Afinal, o que é uma representação
em matemática?
Para Duval (1993), a palavra “representação” é,
em geral, empregada em forma verbal “representar”.
Ou seja, uma escrita, uma notação, um símbolo
representam um objeto matemático: um número,
uma função, um vetor. Da mesma forma, traços e
figuras representam objetos matemáticos: um
segmento, um ponto, um círculo. No entanto, vale
ressaltar que os objetos matemáticos não podem ser
confundidos com as representações que se fazem
dele, e essa distinção é ponto importante para a
compreensão da matemática.
Segundo Duval, o que diferencia a atividade
cognitiva exigida pela matemática e aquela exigida
em outros domínios do conhecimento é a
importância primordial das representações
semióticas e na variedade dessas, já que os objetos
matemáticos são inacessíveis instrumentalmente ou
perceptivamente, precisando passar necessariamente por suas representações.
Dessa forma, a teoria dos Registros de
Representação Semiótica de Duval (2003) trata de
um conjugado de argumentos que defendem que a
diversificação de representações de um mesmo
objeto é essencial para a compreensão dos conceitos.
Assim, refere-se a uma teoria de aprendizagem em
Matemática que considera o uso que os alunos fazem
dos diferentes sistemas de representação e a
influência que este uso exerce sobre a aprendizagem.
Considerando a importância das representações,
Duval (2003) faz uma distinção entre semiósis, que é
a apreensão ou a produção de uma representação
semiótica e noésis, os atos cognitivos como a
compreensão conceitual de um objeto. Para o autor,
não existe noésis sem semiósis, ou seja, não pode
haver compreensão ou conceitualização de um
objeto matemático sem que para isso se utilize uma
representação.
Entretanto para que um sistema de signos
constitua um registro de representação semiótica são
necessárias três condições:
4
A representação precisa ser identificável, isto é,
é preciso reconhecer na representação o que ela
representa;
4
O tratamento que consiste em transformações
internas ao registro, transformações em que se
tem como registro de partida e registro de
chegada um mesmo registro. Podemos ter como
exemplo a simplificação de uma fração.
4
A conversão que implica em transformar um
registro de representação de um objeto
matemático em outro; a conversão é uma
transformação externa ao registro de partida, ou
seja, são transformações em que o registro de
partida difere do registro de chegada. Observe o
exemplo abaixo:
Neste caso, são registros de representação
semiótica distintos de um mesmo objeto
matemático, com regras e convenções próprias, e
como menciona Colombo et al. (2007), a partir
desses registros, é possível realizar tratamentos
operatórios próprios, pois cada um apresenta um
ponto de vista diferenciado, possibilitando trabalhos
cognitivos diferentes. E de acordo com Duval
(1993), “a existência de muitos registros permite
mudar de registro, e a mudança de registro tem por
objetivo permitir a realização de tratamentos de uma
maneira mais econômica e mais poderosa.”
Ao operarmos, por exemplo, com
podemos
perceber que é possível resolver utilizando as três
representações exemplificadas anteriormente:
Nota-se que cada um dos exemplos acima
caracteriza uma rede semiótica de representação
distinta, mas com a mesma referência, ou seja, o
mesmo objeto matemático, porém, com sentidos e
custo cognitivo diferentes. O item l consiste em
registros simbólicos fracionários, com propriedades
de divisibilidade e razão (é possível perceber que
houve a necessidade de um tratamento para se
efetuar a adição); o item 2 é formado por registros
simbólicos decimais, com propriedades relativas ao
sistema posicional decimal; e por fim, os registros
figurais do item 3 guardam as relações que envolvem
a ideia parte/todo.
Duval chama a atenção para que não ocorra
confusão entre o processo de conversão com as
atividades de codificação e interpretação. A
“codificação” é tida como a transcrição de uma
representação em outro sistema semiótico diferente
do inicial, feita por meio de uma série de
substituições. A “interpretação” necessita de
mudanças no quadro teórico, ou mudanças de
contexto.
Todavia, a coordenação de registros, por sua vez,
c o n s i s t e n a a t i v i d a d e d e m o b i l i z a r,
simultaneamente, dois ou mais registros associados
a um mesmo objeto matemático, identificando
características do objeto em cada um dos registros. É
possível perceber que os diferentes registros podem
se complementar de maneira que um possa expressar
características ou propriedades do objeto que não se
manifestam claramente em outro (Figura 1).
Figura 1: Estrutura de Representação em função de conceitualização
(Duval, 1993)
No esquema acima, as flechas 1 e 2 correspondem
às transformações intra-registro. As flechas 3 e 4
correspondem às transformações inter-registros, ou
seja, mudança de registro por conversões. A flecha C
refere-se à compreensão integral de uma
representação, supondo uma coordenação entre,
pelo menos, dois registros. E as setas pontilhadas
que correspondem à distinção entre o representante e
o representado. No entanto, o autor ressalta que, em
alguns casos, pode haver a necessidade da
coordenação de mais de dois registros.
Contudo, essa coordenação não é trivial, e a sua
ausência pode acarretar uma compreensão limitada,
podendo não favorecer as aprendizagens
posteriores. Neste caso, dizemos que ocorreu um
enclausuramento de registros de representação.
Um fator que pode influenciar no sucesso de uma
conversão é o fenômeno de congruência. Existem
duas relações independentes que é preciso
considerar: a relação de equivalência referencial e a
relação de congruência semântica. Ou seja, duas
expressões diferentes podem ser referencialmente
equivalentes, mas não serem semanticamente
congruentes, ou ao contrário, serem semanticamente
congruentes e não possuírem o mesmo referencial.
Veja o exemplo a seguir:
João possui R$ 4,50 a mais do que a quantia de
Pedro. Sabendo-se que juntos eles possuem R$ 20,00,
qual é a quantia de cada um?
Considerando J a quantia de João e P a quantia de
Pedro, podemos descrever duas expressões para a
primeira frase (João possui R$ 4,50 a mais do que a
quantia de Pedro)
J - 4,5 = P
(A quantia de João menos R$ 4,50 é igual à quantia
de Pedro.)
J = P + 4,5
(A quantia de João é igual à quantia de Pedro mais
R$ 4,50.)
Nota-se que a paráfrase oriunda das duas
sentenças não é congruente à frase do enunciado. Por
outro lado, existe uma sentença que é
semanticamente congruente ao enunciado, mas não
é referencialmente congruente. No exemplo citado
acima (por ser um caso de não-congruência
semântica), percebe-se um custo cognitivo maior
para a compreensão do problema. Mesmo assim,
Duval adverte para o uso de atividades que abordem
os dois casos, além de atividades que possam
trabalhar nos dois sentidos da conversão.
Colombo e Moretti (2007) ao fazerem uma análise
dos PCNs de Matemática constataram que
o documento apresenta elementos que indicam uma
abertura para o trabalho com essa noção na
matemática escolar, quando consideram em algumas
passagens a necessidade de trabalhar com 'outras
representações', e principalmente ao considerar a
resolução de problemas como princípio para a
organização das atividades escolares (COLOMBO &
MORETTI, 2007).
Durante a resolução de um problema, é possível
perceber a necessidade de utilizar pelo menos um
tipo de conversão, a que ocorre na direção do registro
da língua natural para o registro simbólico, e uma
atividade de tratamento ao operar com os dados do
problema.
Os autores consideram a utilização de jogos,
tecnologias da informação e da comunicação e
história da matemática (elementos estes indicados
pelos PCNs) como “possibilidades de encadeamento
com as ideias de Duval, ao permitirem a
flexibilidade no tratamento do objeto matemático”, e
“possibilitam o jogo das conversões entre registros”.
Considerações Finais
De modo geral, a coordenação dos registros não é
uma atividade espontânea. Os estudantes podem
realizar diversas conversões sem ter, no entanto,
relações entre os diferentes registros fortemente
estabelecidas em sua mente. Estas relações podem se
fortalecer na estrutura cognitiva do aluno por meio
da atividade de coordenação. Portanto, o desafio
para nós, educadores, é encontrar formas de
envolver nossos estudantes com a coordenação de
registros e, com isso, proporcionar maior
compreensão dos conceitos matemáticos.
É necessário estar cientes de que estamos lidando
com objetos, em sua pluralidade abstratos e que,
portanto, podem ter vários significados. Temos, no
entanto, relações que podem expressar diferentes
situações ou fatos que, por conseqüência, não são
acessíveis à percepção, necessitando de uma
representação que é à base da comunicação, uma vez
que expressa o conhecimento que se tem de um
objeto de estudo. Essa comunicação pode ser por
meio da escrita, gráficos, símbolos, figuras,
fórmulas, desenhos, conceitos e outros são
representações significativas, uma vez que a sua
utilização permite a comunicação entre as pessoas e
as atividades cognitivas do pensamento.
Ao se tratar de educação matemática, é
fundamental que se leve em conta as diferentes
formas de representar um objeto de estudo. Ao se
trabalhar com problemas, por exemplo, é preciso
observar o entendimento possível que se pode
estabelecer entre o enunciado, a representação
intermediária e o tratamento matemático, uma vez
que este objeto não é claro e acessível como os
objetos físicos e, exatamente por isso, seu tratamento
depende de uma representação semiótica.
1
Raymond Duval é psicólogo e filósofo de formação e investiga
sobre a aprendizagem matemática. Atualmente é professor
emérito na Université du Littoral Cote d'Opale, França.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
COLOMBO, J.A.A.; FLORES, C.R.; MORETTI, M.T.
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produção do conhecimento: compreendendo o papel da
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COLOMBO, J.A.A. ; MORETTI, M. T. Registros de
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2007, Belo Horizonte. Anais do IX ENEM - Diálogos entre
a pesquisa e a prática educativa. Editora da SBEM, v. 1,
2007.
DUVAL, R. Registros de representação semiótica e
funcionamento cognitivo da compreensão em
matemática. In: MACHADO, S. D.A. (Org.).
Aprendizagem em matemática: registros de
representação semiótica. Campinas: Papirus, 2003.
DUVAL, R. Registre de représentation sémiotique et
fonctionnement cognitif de la pensée. Annales de
Didactique et Sciences Cognitives. Strasbourg: IREM –
ULP, vol. 5, p. 37-65. 1993.
Desde que nasce, a criança começa a fazer a sua
leitura do mundo que a cerca. São formas de
expressões pessoais que se manifestam através das
artes plásticas, dos desenhos, das pinturas, dos sons e
ritmos, das músicas, dos jogos de faz de conta e de
sua leitura particular do mundo.
É neste momento que a escola deve propiciar à
criança a apropriação dos papéis existentes na
sociedade através da rotina e principalmente das
brincadeiras que possibilitam abrir discussões
acerca de regras, atitudes, conhecimentos, etc.
Para que isso aconteça é importante que o espaço
da educação infantil seja um espaço de diálogo entre
as crianças e o educador, o que faz com que os
mesmos utilizem-se de suas capacidades de pensar e
agir, promovendo maior interação e uma consciência
reflexiva no que se refere à sociedade, contribuindo
para uma efetiva transformação do mundo que os
cerca a partir da contextualização dos saberes que as
crianças trazem, criando uma relação horizontal de
diálogo, onde educador e crianças aprendem juntos.
Por isso, Gallo (1995) diz que
(...) a escola não poderia ser um lugar de acentuação
das diferenças entre os indivíduos, incentivando a
competitividade. Ao contrário, a escola deveria ser o
lugar da liberdade, curiosidade, expressividade, do
auxílio mútuo, onde as diferenças individuais
harmonizam-se no coletivo (GALLO, 1995).
Para que existam situações criativas é preciso que
haja problemas a resolver e, para que haja problemas
a resolver é preciso que haja curiosidade, liberdade
de expressão. Freire (1982) está convencido de que
para haver espontaneidade, imaginação,
expressividade de si e do mundo, inventividade,
capacidade de criar, é necessário disciplina interior,
ou seja, uma disciplina intelectual que não é imposta,
mas que vai se criando, se buscando na relação
dialética entre autoridade e liberdade.
Criatividade é um momento do processo
comunicativo e seu resultado depende do modo
decisivo, do processo de informações recebidas, do
conhecer e saber. Conhecer é agir, é fazer teoria e
prática dialeticamente. Todo conhecimento começa
pela curiosidade, por uma pergunta. O educando
para conhecer precisa refletir sobre o próprio ato de
conhecimento. O objetivo do conhecimento é então
ser mediador dos indivíduos que querem conhecer
mais, ou seja, deve ser o motivo principal do
encontro entre os mesmos. Todo pensamento que
procura estudar o homem, enquanto ser pensante não
se revela como algo acabado. Na sua relação com o
mundo, o ser humano transforma sua capacidade
tanto criativa, como inventiva em seu benefício. O
homem cria e amplia os espaços e, desta forma,
permanece integrado à realidade e ao seu ambiente
concreto. A transformação do espaço, a
possibilidade concreta da humanização e libertação
do homem se dá a partir da criação, evolução e
ocupação dele no mundo.
Uma boa educação deve levar em conta a
liberdade, a curiosidade e a expressividade. É
importante que a criança esteja sempre colocada
frente a esta realidade. Entende-se que, neste
sentido, é possível que a criança se desenvolva e
adquira valores essenciais para a vida.
A liberdade é o clima no qual vivemos
cotidianamente. Portanto, é necessário construir,
junto com as crianças, o sentimento de grupo entre
todos que fazem parte do ambiente escolar,
incentivando a solidariedade entre os mesmos.
Uma das formas de alcançar essa perspectiva é o
uso do jogo:
No jogo, há um espaço para a liberdade, e a
criatividade encontra-se presente. São permitidas, às
pessoas a discussão e modificação das regras, sem a
presença de uma “autoridade” para decidir por elas e
da qual maneira dependeriam para a aplicação de
regulamentos, aos quais teriam que obedecer sem
contestação, sob a ameaça de expulsão. Nessa
situação particular, o modo como as coisas
acontecem coloca os jogadores sempre em nível de
igualdade na tomada de decisões. Para a ocorrência
desse processo, minutos e centésimos de segundos
não adquirem importância. (BRUHNS, 1996, p. 35).
Para tanto, a escola tem que proporcionar um
ambiente que favoreça o jogo de faz de conta,
permitindo que a apropriação dos papéis existentes
na nossa sociedade aconteçam. É neste espaço da
brincadeira que poderemos abrir para a discussão de
regras, leitura da família, etc.
A brincadeira pode ser um espaço privilegiado de
interações e confrontos de diferentes crianças com
diferentes pontos de vista. Nesta experiência elas
tentam resolver a contradição da liberdade ou das
regras por elas estabelecidas, assim como o limite da
realidade ou das regras dos próprios jogos e desejos
colocados. Na vivência desses conflitos, as crianças
podem enriquecer a relação com seus coletâneos, na
direção da autonomia e cooperação, compreendendo
e agindo na realidade de forma ativa e construtiva
(WAJSKOP, 1995, p. 33).
É nesta busca de significados que o educador
estrutura, organiza e toma consciência do seu viveragir pedagógico. Para isso, é preciso que ele aprenda
a pensar junto com os outros, isto é, num grupo de
interesses coletivos. Aprendemos a ler, construindo
novas hipóteses na interação como outro, assim
como aprendemos a escrever, refletir, estruturando
nossas hipóteses na intenção e na troca com o grupo.
Uma tarefa importante que se coloca para o
professor, portanto, é extrair do cotidiano dos
alunos, através de suas situações-problemas, um
conteúdo a ser trabalhado, procurando responder
questões básicas,que dão origem a bons temas para o
desenvolvimento de projetos.Neste sentido, todas as
situações-problema enfrentadas pelos alunos
poderão fazer parte da aula, uma vez que, se forem
adequadas, as perguntas feitas por eles poderão
conduzir, de forma participativa, o processo de
construção do saber em sala de aula.
No entanto, para não sermos engolidos por uma
rotina do fazer por fazer, que reflete um tipo de
concepção autoritária ou, ainda, espontaneista,
precisamos organizar o tempo, em termos de
planejamento,bem como construindo um espaço e
um tempo com qualidade. Ou seja, se queremos
qualidade daquilo que estamos fazendo, precisamos
aprender a trabalhar com o nosso limite, assim como
o limite dos alunos, respeitando-os em suas
singularidades.
O desafio constante do professor, na construção de
um planejamento, é tecer uma articulação
harmoniosa entre as atividades, no tempo e no ritmo
que se desenvolvem com o espaço. Sendo assim, a
tarefa do educador é “reger” diferentes ritmos para a
construção do saber: a rotina do grupo, como mostra
Madalena F. Weffort (1993, p. 51) quando se refere à
“Construção do Grupo”:
Um grupo se constrói através da Constância de
presença de seus elementos na Constância da rotina
e de suas atividades.
Um grupo se constrói na organização sistematizada
de encaminhamentos, intervenções por parte do
educador, para a sistematização do conteúdo em
estudo.
Um grupo se constrói num espaço heterogêneo das
diferenças entre cada participante: da timidez de
um, do afobamento de outro; da serenidade de um,
da explosão de outro; do pânico velado de um, da
sensatez de outro; da seriedade desconfiada de um,
da ousadia do risco de outro; da mudez de um, da
tagarelice de outro; do riso fechado de um, da
gargalhada debochada de outro; dos olhos miúdos
de um, dos olhos esbugalhados de outro; da lividez
do rosto de um, do encarnado do rosto de outro.
Um grupo se constrói enfrentando o medo que o
diferente, o novo provoca, educando o risco de
ousar.
Um grupo se constrói não na água estagnada do
abafamento das explosões, dos conflitos, no medo
de causar rupturas.
Um grupo se constrói construindo um vinculo com a
autoridade e entre iguais.
Um grupo se constrói na cumplicidade do riso, da
raiva, do choro, do medo, do ódio, da felicidade e do
prazer.
A vida de um grupo tem vários sabores...
No processo da construção de um grupo, o educador
conta com vários instrumentos que favorecem a
interação entre seus elementos e a construção de um
circulo com ele.
Um grupo se constrói com a ação exigente, rigorosa
do educador. Jamais com a cumplicidade autocomplacente, com o descompromisso do educando.
Um grupo se constrói no trabalho árduo de reflexão
de cada participante e do educador. No exercício
disciplinado de instrumentos metodológicos,
educa-se o prazer de se estar vivendo, conhecendo,
sonhando, brigando, gostando, comendo, bebendo,
imaginando, criando; e aprendendo juntos, num
grupo (WEFFORT, 1993, p. 51).
Portanto, cabe à escola estimular o apoio mútuo,
para que todos os envolvidos, juntos, compreendam
e se interessem por todo o processo educativo,
tornando o mesmo um momento de prazer, alegria e
união que culminam na conquista da construção de
um mundo melhor.
Referências
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Paulo: Gente, 1998.
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WEFFORT, M. F. Cadernos de Reflexão. Espaço
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WAJSKOP,G.F. O brincar na Educação Infantil. Cadernos
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WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,1982.
Introdução
Este artigo é em parte o relato de uma experiência,
em parte a apresentação de um conjunto de
procedimentos metodológicos e em parte a defesa de
um ponto de vista e de uma concepção filosófica e
pedagógica. Essa identidade múltipla do texto não
chega a ser um problema, uma vez que se origina da
interação ativa entre teoria e prática ao longo da
condução de um projeto de Extensão Universitária.
Afinal, o que são os procedimentos metodológicos
senão formas de conduzir a experiência de modo
inteligente a seus objetivos? E o que são as
concepções filosóficas e pedagógicas senão formas
de refletir e avaliar a experiência publicamente
acessível a pessoas cujas ações são de certo modo
compartilhadas?
O trabalho refere-se a um projeto de Extensão
desenvolvido ao longo do ano de 2009, com o título
“Novas Leituras”. Este projeto integrou um
Programa de Extensão intitulado “Civilização:
Aprofundamento e prática da leitura”, composto de
três ações de extensão, todas focadas no tema da
leitura. O seu objetivo principal consistia em:
Realizar periodicamente encontros para a leitura e
discussão de textos escritos, de caráter literário e
teórico, combinando obras clássicas com obras
contemporâneas, a fim de desenvolver a habilidade
de compreensão e análise na leitura nos sujeitos
envolvidos (UDESC, 2008, p. 3).
A consecução de tal objetivo envolveria oferecer
ao público de alunos do ensino fundamental, do
ensino médio e ao público interessado em geral a
oportunidade de exercitar a leitura de forma
rigorosa, detalhada, cuidadosa, maximizando a
compreensão da estrutura do texto e sua
problematização nos contextos atuais. E, além disso,
reforçar e incrementar o hábito e a constância na
leitura, como um exercício não só de apreensão, mas
de transmissão e produção de informações e ideias
que envolvem a capacidade cognitiva e a
sensibilidade do sujeito.
Como parte de seus fundamentos, encontra-se a
concepção de que a leitura de textos escritos é uma
das habilidades mais exigidas nos ambientes
contemporâneos de aprendizado, cultura e trabalho.
Ao seu lado está a concepção de que ela pode ser
exercitada e aperfeiçoada de modo a aumentar a
habilidade do leitor. Paralelamente a isso, temos um
vastíssimo legado de ideias, conceitos, formas de
expressão estética que, por meio da leitura, pode
funcionar como um aliado na educação e como
forma de exercício do pensamento e da formação de
hábitos de reflexão e escolha de meios adequados
para a obtenção dos objetivos do indivíduo.
Este projeto pretendeu dirigir-se ao público
formado, sobretudo, pelos jovens estudantes do
ensino escolar fundamental e médio. Realizaram-se
reuniões de leitura dialogada e de discussão de textos
da literatura e do pensamento teórico. Tais textos
eram combinados com variados gêneros discursivos
em diversos suportes como, por exemplo, letras de
músicas, crônicas, filmes, histórias em quadrinhos,
charges. Esperava-se colher como resultado o
desenvolvimento da habilidade de leitura e,
consequentemente, o exercício de pensamento
crítico e reflexivo mais aprofundado e a ampliação
da capacidade de comunicação.
O método adotado e desenvolvido neste projeto
pode servir como um suporte ao processo de ensino e
como oportunidade de reflexões acerca das relações
entre os aspectos e habilidades desenvolvidos na
leitura, resultando na conduta individual e social
bem-sucedida de seus participantes.
A Estrutura do Projeto
O projeto “Novas Leituras” visou reunir seus
participantes para sessões de leitura dos mais
variados textos, com destaque às obras literárias e
teóricas. Com isso, esperou-se criar um ambiente no
qual, de um lado se exerce uma interpretação, uma
discussão que analisa o material a ser lido em
profundidade e relacionado a questões e problemas
atuais e, de outro, a liberdade de julgar e de pensar o
texto, sem estar preso à necessidade de obter índices
de desempenho, e sem prender-se a objetivos
determinados por outrem.
Apesar do controle de frequência realizado a cada
sessão de leitura, a presença nos encontros foi
espontânea e contabilizada (em horas) para a
confecção de certificação entregue ao final do ano a
cada participante. Essa dinâmica possibilitou
autonomia aos participantes que, de acordo com
necessidades e preferências, optaram por estar ou
não presentes nas sessões.
Entre os benefícios dessa atividade coletiva de
leitura, pode-se destacar o desenvolvimento da
capacidade de apropriação do conhecimento e da
experiência social compartilhada, por meio do
acesso dialogado e crítico ao texto escrito. Em
decorrência do contato com os textos, tal como é
proposto nas sessões do projeto, desenvolve-se o
conhecimento formado por informações e
capacidades, ou seja, um saber sobre textos, gêneros,
estruturas textuais, formas típicas de enunciados.
Considerando que a leitura é um processo interativo,
no qual diversos níveis de conhecimento são
empregados – conhecimento de texto, linguístico,
enciclopédico – reconhecer ou “prever” a forma do
texto contribui com os resultados dessa interação.
“Quanto mais conhecimento textual o leitor tiver,
quanto maior a sua exposição a todo o tipo de texto,
mais fácil será a sua compreensão” (KLEIMAN,
1995, p.20).
Esse processo vai fazendo com que o participante
tenha domínio sobre o código escrito, visto que este
representa um veículo da comunicação do ser com o
mundo, fazendo, assim, com que o sujeito se situe no
uso da linguagem gráfica, estimule sua percepção e,
por conseguinte, sua oralidade, passando então a
ouvir, a ver, escrever e ler.
O principal impacto social observado é a
disseminação da atitude analítica e crítica em relação
ao texto escrito, que, afinal, permanece como uma
das principais formas de intercomunicação de ideias
e valores na sociedade atual. Através disso, a leitura
crítica e dialogada, ao estabelecer parâmetros,
contribui para a formação do ser humano por meio
do despertar de emoções e da ação crítica, instigando
no sujeito o autoconhecimento e a compreensão de
mundo, além de ser o “instrumento da autoeducação” (SOUZA, 1998, p.17); contudo, para que
a leitura colocada aqui como proposta aconteça, é
necessário tornar o texto um objeto significativo
para que o leitor se torne, na concepção de Souza
(1998), um decifrador do mundo que o cerca.
Nesta perspectiva, a prática de leitura é vista como
forma de ampliação do processo educativo, que tem
por finalidade a promoção ativa do sujeito para a
tomada de consciência do uso da escrita. E para que
ele perceba que ler é muito mais que decodificar o
código escrito, ou seja, ler é tomar para si o conteúdo
lido e nele refletir, é desmistificar conceitos e
reconstruir ideias.
Justificativa da Implantação
Sabe-se o quanto a educação escolar insiste na
formação de hábitos de leitura e reflexão,
competindo acirradamente com outros hábitos e
outras influências mais imediatas que se impõem ao
estudante. Os meios de comunicação de massa, as
opções de entretenimento, a pressão ideológica do
imediatismo e das formas momentâneas de
autoexpressão são concorrentes de peso diante da
formação dos hábitos de concentração e
profundidade na reflexão, constituintes da leitura
crítica e argumentativa. Enquanto isso o livro, a
literatura e o ato de ler se tornam simplórios e
corriqueiros, observados de uma perspectiva apenas
funcional.
A comunicação e a informação tomaram na
sociedade atual um novo rumo, pois a atenção aos
meios de comunicação como TV, cinema, rádio e
internet possibilita um acesso rápido e sem muitos
esforços para a compreensão. Eles não são buscados,
mas buscam os leitores. Dessa maneira, torna-se o
texto uma ferramenta cotidiana e sem importância e
a leitura passa ser mecânica e “irreflexiva”. Por outro
lado, não se pode deixar de insistir na leitura como
um dos objetivos da educação, entendida como
desenvolvimento da capacidade de autocrescimento
e da capacidade de aprender e se adaptar ao meio
social, com o objetivo de incrementar a habilidade
de leitura crítica, de diálogo, de debate, proveniente
da interpretação de estruturas de pensamento
veiculadas no texto escrito. Por causa disso é que foi
proposto este projeto, a fim de dar suporte à
interação com outras iniciativas, sobretudo as do
ensino escolar, no sentido de formar leitores. Não se
insiste somente no hábito de recorrer a textos
escritos, o que por si só já seria um objetivo
relevante, mas no uso argumentativo, examinador,
crítico e aprofundado que o leitor faz do texto. Dessa
maneira, a leitura analítica, em grupo, reflexiva e
dialogada consegue formar hábitos com repercussão
nos contextos de ação comum. Sendo assim, buscase o interesse no texto como forma de atrair o leitor a
essa ação.
Por essas razões, o texto pode e deve ser utilizado
como espaço de exercício do pensamento, do
diálogo, do ensaio de possibilidades segundo as
quais podem-se ordenar os componentes de uma
situação. E o resultado, embora difícil de ser posto
em forma mensurável, é o aumento da capacidade
comunicativa, da capacidade crítica, e mesmo da
capacidade de complacência e sensibilidade para
sentir o belo.
Utilizando um jargão querido aos educadores no
pensamento contemporâneo, esse contato
aprofundado e dialogado com o texto escrito
promove um alargamento da experiência, em seu
sentido mais amplo e, consequentemente, um
alargamento da própria possibilidade de
experiências subsequentes, de contato mais intenso
com o mundo, com a riqueza da linguagem.
Finalmente, o mais importante de todo o processo:
promove um alargamento no modo como os sujeitos
podem visualizar e dispor de meios para atingir seus
objetivos - intelectuais, estéticos e práticos. John
Dewey afirma, em sua obra Democracia e Educação
que “parte considerável do acervo social é confiada à
escrita e transmitida por meio de símbolos escritos”
(DEWEY, 1959, p. 20). Este fenômeno é resultado
da complexidade crescente do ambiente social, e
demanda um processo de educação e formação que
prepare os sujeitos para lidarem cada vez mais
habilmente com a decifração das estruturas escritas.
Dewey declara ainda que
[...] os símbolos escritos são ainda mais artificiais ou
convencionais do que os falados; não podem ser
aprendidos nas relações casuais com outras pessoas.
Ademais disto, a linguagem escrita tende a selecionar
e registrar matérias que são relativamente estranhas à
nossa existência ordinária (DEWEY, 1959, p. 20).
A maior artificialidade da escrita acaba por exigir
uma atividade mais ordenada, mais atenta e
intencional, no treinamento e prática das habilidades
de leitura. E, associado a isso, o poder de
“reconstruir” ou de representar situações, conceitos
e eventos é muito mais extenso na linguagem escrita
do que na linguagem oral, já que a leitura e a escrita
estendem, ampliam e diversificam o campo de
possibilidades de experiências e situações de
aprendizagem.
Assim, passamos a dar significado, como meio de
adquirir um pensamento reflexivo, àquilo que era
apenas sugestão, o pensamento meramente
hipotético. John Dewey, em sua obra Como
pensamos, defende o pensamento reflexivo como a
ação de investigar e objetivar, constituindo a ação de
dar veracidade ao pensamento, quando afirma que:
“É uma conexão objetiva o elo entre coisas reais,
pelo qual uma se torna o fundamento, a garantia, a
prova da crença em outra” (DEWEY, 1979, p.21).
Este é o pensamento reflexivo tal como proposto
pelo projeto aqui descrito: achar o meio pelo qual os
participantes juntos possam dar significado as suas
reflexões e esse significado pode ser comum a todos
os envolvidos. Desse modo, a leitura resultante pode
se tornar legítima e justificada, fazendo com que
todos os envolvidos passem da dúvida à crença; mas
caso tenha o participante uma nova sugestão, e sobre
ela tente dar justificativa a seu significado, estará ele
refletindo sobre o texto. Assim se constitui nossa
fundamentação teórica e metodológica, sendo mais
adequada à situação, na qual os significados são
compartilhados e, com isso, possíveis de serem
remodelados, defendidos ou questionados pelo
grupo.
Metodologia
O método empregado para a consecução dos
objetivos propostos é o da leitura dialogada e em
grupo. A leitura que se espera realizar toma como
material o texto, considerado como um conjunto de
razões, de conceitos, cujo significado pode ser
explicado. O texto deve ser considerado suficiente
para ocasionar sua compreensão e permitir que o
leitor o analise, o explique a seus interlocutores e
pense a partir dele em outras questões, temas e
problemas que o interessem; entretanto, como o
público do projeto se constitui principalmente de
jovens em idade escolar, e como se pretende
desenvolver e incrementar a capacidade de leitura,
por meio do exercício da leitura em grupo, o aspecto
de seleção do texto seguiu, predominantemente,
alguns critérios importantes.
É recomendável manter certa imparcialidade, por
isso, trabalhar com textos publicados e de certo
modo consagrados publicamente pelos leitores é
mais seguro. Sempre se deve atentar a dados como
edição, tradução, autoria, que são aspectos
fundamentais da identidade do texto, no conjunto
das manifestações culturais do qual o texto participa.
Pelo fato de o projeto visar à habilidade na leitura
de textos, o assunto sempre deve ser secundário em
relação ao procedimento de leitura e reflexão,
produzida na sessão por meio do diálogo entre os
leitores. Ainda se destaca que a preocupação em
encontrar textos adequados à idade e ao nível de
escolaridade do público tem dois lados. Um deles é a
preocupação em permitir ao leitor a comunicação
com o texto, a compreensão suficiente para ele poder
se posicionar em relação ao texto. O outro lado é que
o leitor é que tem de chegar ao nível do texto, não o
contrário. O leitor tem que ir se tornando mais hábil,
mais arguto, mas desenvolto em decifrar,
compreender e apropriar-se criticamente do texto.
Um bom termômetro é escolher um texto que cada
indivíduo do público não leia satisfatoriamente, não
compreenda realmente, se for ler sozinho. Só em
grupo poderá acessar todo o seu sentido. Assim, é a
leitura dialogada que permite a apreensão de seu
sentido, e o desenvolvimento dos hábitos reflexivos
que gradativamente se instalam no leitor individual
por este meio.
Uma vez selecionados os textos que mais atendem
aos objetivos da atividade, a leitura é realizada em
conjunto, assim, cada participante lê um trecho, um
parágrafo, um segmento. Num segundo momento,
este trecho é discutido e explicado em detalhe, e cada
participante é chamado a participar de sua análise.
Significados de palavras, termos técnicos, estrutura
das frases são explorados; mas, mais que isso, os
objetivos do autor, os movimentos, a ordem de
razões que ele articula, e, finalmente, o alcance, ou
seja, o poder do texto de convencer, de provocar no
leitor uma experiência de compreensão ou de
complacência estética, de acordo com o que se supõe
que fosse a intenção declarada do autor, manifesta na
forma do texto. Então, passa-se ao trecho, segmento
ou parágrafo seguinte. A velocidade da leitura, no
momento da reunião, é regulada justamente por essa
discussão, essa análise do texto.
Na verdade, os próprios leitores, durante a
reunião, vão criando suas “ferramentas”, ou seja,
vão imaginando e propondo questões ao texto e,
dialogando com ele e os outros participantes,
enriquecem, por sua própria iniciativa, sua
experiência de leitor. O coordenador da sessão tem,
assim, prioritariamente a função de organizar o
debate, a sequência da leitura e de manter o assunto
focado na estrutura de razões e de conceitos
propostos e estabelecidos pelo texto que está sendo
lido e explicado.
Florianópolis. A proposta inicial era a de funcionar
no contraturno e atrair os alunos e professores a
participarem das sessões.
Entretanto, o resultado foi diferente do esperado.
Algumas sessões tiveram ocasião no próprio horário
das aulas, contando com o apoio de uma das
professoras envolvidas no Programa Civilização, do
qual o projeto Novas Leituras faz parte, embora, em
virtude do modo como o projeto houvesse sido
planejado, ele não estivesse pronto a ser um suporte
pedagógico constante no ensino das disciplinas dos
currículos escolares.
No Colégio Jardim Anchieta, instituição da rede
particular de ensino, localizado no bairro Santa
Mônica, em Florianópolis, o projeto alcançou seus
mais visíveis resultados na forma como fora
inicialmente planejado: sessões periódicas de leitura
de textos, funcionando no contraturno do horário de
aulas como uma atividade extracurricular, e
reunindo alunos de diferentes turmas da escola.
Em sua totalidade, o projeto atendeu a 66 pessoas
em suas 4 sessões, no Colégio Simão Hess e 18
pessoas nas suas 15 sessões, no Colégio Jardim
Anchieta. Os principais textos lidos nas sessões do
projeto foram:
4
“Quem tem medo do lobo mau?”, crônica de
Lene Costa.
4
“Paraíso? Nem tanto...”, crônica de Guilherme
Ricken.
4
“Os robôs, os computadores e o medo”, ensaio
de Isaac Asimov.
4
“Quase”, poesia de Luis Fernando Veríssimo.
Histórico das Atividades
O projeto foi planejado para ter início em 01 de
março de 2009. Deveria inicialmente ter seu espaço
de funcionamento no Museu da Escola Catarinense,
que é um órgão da UDESC com espaços destinados a
Oficinas, reuniões, projeção de filmes e outras
atividades culturais. Apesar da acolhida favorável da
coordenação do Museu, e de uma campanha de
divulgação por parte da equipe do projeto, não houve
público suficiente para justificar a condução do
projeto naquele espaço. Por isso, em abril de 2009, o
projeto foi transferido para o Colégio Estadual
Simão José Hess, no bairro Trindade, em
A fim de diversificar os suportes e com isso
estimular a relação reflexiva do público com o texto,
fez-se ainda a leitura da letra de música “Pescador de
Ilusões” da banda O RAPPA. Complementando a
discussão de textos escritos, o projeto optou pela
exibição e debate acerca dos seguintes filmes:
4
Sociedade dos Poetas Mortos. Direção: Peter
Weir. Produção: Steven Haft, Paul Junger Witt e
Tony Thomas. Roteiro: Tom Schulman.
Intérpretes: Robin Williams; Robert Sean
Leonard; Ethan Hawke e outros. [Touchstone
Pictures, EUA], 1989. DVD (129 min).
4
Eu, robô. Direção: Alex Proyas. Produção:
Laurence Mark, John Davis, Topher Dow e
Wyck Godfrey. Roteiro: Jeff Vintar e Akiva
Goldsman. Intérpretes: Will Smith e Bridget
Moynahan e outros. [20th Century Fox, EUA],
2004. DVD (115 min).
De acordo com o relato de uma das professoras
participantes da equipe do Projeto, os resultados
obtidos podem ser assim descritos:
O que eu teria para dizer, de acordo com os
depoimentos dos próprios alunos, é que as oficinas
foram de grande valia, pois não só aprenderam a olhar
os textos de forma diferente (os seus olhares
reflexivos estavam muito mais apurados depois das
leituras), bem como conseguiram expressar melhor,
através de palavras, os seus pensamentos, suas idéias.
Nesse caso, vale lembrar que a vergonha que se
mostrava presente na sala de aula acabou perdendo
espaço para a vontade de falar, de contribuir, uma vez
que o grupo da oficina de leitura era pequeno e a
própria oficina proporcionava esse momento de
“trocas” de idéias.
Nós, coordenadores, tivemos importante papel nessa
etapa, pois além de darmos a oportunidade de
discussão, instigávamos os alunos para fazerem suas
reflexões através de perguntas estratégicas para
aqueles que de alguma forma ainda assumiam um
papel de mais tímido e calado. As provocações
sempre eram bem recebidas, e isso foi o que fez a
diferença no final.
Os textos de forma geral foram bem aceitos pelos
integrantes do grupo e nessa tentativa de agradar ao
público sempre buscávamos apresentar gêneros
textuais diferentes, tais como: poesia, contos,
crônicas, textos científicos, filmes, letras de música,
histórias em quadrinhos (Professora Alessandra
Barcelos, do Colégio Jardim Anchieta e da E. E. B.
Simão José Hess).
Conclusões e Perspectivas
Como conclusões dessa vigência do Projeto
Novas Leituras, reconhece-se a necessidade de
diversificar as metodologias de acesso aos textos, de
modo a melhor atender ao público e, portanto, à
sociedade. Na visão da equipe, um projeto de leitura
que procure focar a capacidade interpretativa e
crítica dos textos, visando à maior apropriação do
conteúdo do texto pelo leitor, é da maior relevância
social. Contudo, meios mais efetivos de apropriação,
de efetuação de condutas decorrentes da leitura e de
consequente avaliação do efeito pessoal e social do
projeto, é o que se espera desenvolver em suas
próximas edições.
A outra conclusão, de caráter mais teórico, diz
respeito ao grande fundamento de todo o projeto.
Entende-se, depois de um ano de vigência, que a
leitura aqui exercitada, é aparentada, não sem razão,
com o que os educadores do século XX denominam
“pensamento reflexivo”.
Essa modalidade de pensamento, que segue regras
na consideração das evidências em favor de uma
solução a um problema, é ligada à linha teórica do
pragmatismo. Isso fornece uma base sociológica,
pedagógica e filosófica, não somente para a
compreensão, mas para o desenvolvimento e
empregos futuros do projeto, como forma de
participação do leitor na construção da sociedade
democrática.
1
Artigo publicado na Extensio, v. 7, n. 10 de dezembro de 2010. A
Extensio é uma Revista Eletrônica de Extensão, editada
semestralmente pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão da
Universidade Federal de Santa Catarina. O número mencionado
está disponível no endereço <http://www.periodicos.ufsc.
br/index.php/extensio/issue/view/1272>
Referências
DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Cia
Editora Nacional, 1959.
______. Como pensamos: como se relaciona o
pensamento reflexivo com o processo educativo: uma
reexposição. 4. ed. São Paulo: Cia Editora Nacional,
1979.
KLEIMAN, Ângela. “O conhecimento prévio da leitura;
Objetivos e expectativas da leitura”. In: Aspectos
cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes, 1995.
SOUZA, Maria Salete Daros de. A conquista do jovem
leitor: uma proposta alternativa. 2. ed. Florianópolis:
Editora da UFSC, 1998.
UDESC. Relatório do Programa Civilização. Documento
1 6 5 5 2 . 11 8 . 5 0 0 8 . 0 4 1 2 2 0 0 8 . D i s p o n í v e l e m :
<http://www.udesc.br/>. Acesso em: 2010.
Introdução
A obra O cortiço, de Aluísio Azevedo, publicada
em 1890 é considerada um dos clássicos da literatura
brasileira por uma gama de críticos e historiadores.
Conforme aponta o crítico Antonio Candido (2005,
p.80), a verossimilhança, ou seja, o sentimento de
realidade que têm os seres fictícios e a estrutura de
um romance depende da unificação do fragmentário
pela organização do contexto. A concatenação é o
fator essencial para conceder estatuto de realidade e
verdade aos entes literários e fictícios, a mágica que
faz com que pareçam vivos e que lhes dá coesão, tão
inteligíveis e capazes de ações quanto os próprios
seres reais. Ainda no mesmo texto, o crítico
comenta que a eficácia do romance está na
construção estrutural. No livro O cortiço, todos os
personagens são carismáticos e marcantes, o que cria
uma sensação de que o leitor também faz parte do
enredo e que está vivenciando através da leitura as
experiências dos personagens como se estes fossem
entes reais.
Antonio Candido chama este fenômeno de
paradoxo do personagem. O autor descreve que
(...) a criação literária repousa sobre este paradoxo, e
o problema da verossimilhança no romance depende
desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que,
sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão
da mais lídima verdade existencial (CANDIDO,
2005, p.55).
Uma das peculiaridades deste romance do escritor
maranhense reside em não haver um personagem
humano central no enredo do livro. Apesar da
importância e da intimidade que o leitor estabelece
com os personagens, o protagonista não se limita ao
João Romão, ou a Rita Baiana, ou a Bertoleza, ou ao
Jerônimo, entre outros. O que ocorre com o
personagem central é que ele é o próprio cortiço. O
estabelecimento ganha uma natureza das coisas
vivas, é descrito como um organismo, no qual todas
as suas partes e habitantes são integrantes de uma
entidade maior. Aluísio Azevedo descreve o cortiço
desta maneira em vários momentos da narrativa,
como no excerto abaixo:
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e
janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. Como que se
sentiam ainda na indolência da neblina as derradeiras
notas da última guitarra da noite antecedente,
dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem
um suspiro de saudade perdido em terra alheia
(AZEVEDO, 2006, p.30).
Neste caso o paradoxo do personagem a qual
Antonio Candido se refere fica mais complexo ainda
já que é o estabelecimento que aparece
zoomorfizado no enredo. O crítico Anatol Rosenfeld
(2005, p.28) sugere que, em termos
epistemológicos, a personagem patenteia a estrutura
imaginária da ficção. A linguagem pode transformar
qualquer descrição em vivência. O crítico acentua
que na narração tudo aparece antropomorfizado,
pois o homem é o único ente que não se situa
somente no tempo, mas que é essencialmente o
tempo.
As filosofias positivas, a teoria darwinista, o
determinismo de Taine estão presentes no discurso
de Aluísio Azevedo. Quando este descreve que os
moradores do cortiço estão fadados a levar uma vida
marcada por vários aspectos como: pobreza,
violência, prostituição, escravidão, segregação,
indignidade, desigualdade; assim como pelo pagode
e pela parati (cachaça). No excerto abaixo há uma
semelhança muito intensa com a profusão de
notícias e reportagens jornalísticas atuais sobre a
violência e o descaso das autoridades com os
habitantes das favelas e cortiços das grande cidades.
A polícia era o grande terror daquela gente, porque,
sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia
grande estropício; à capa de evitar e punir o jogo e a
bebedeira, os urbanos invadiam os quartos,
quebravam o que lá estava, punham tudo em
polvorosa. Era uma questão de ódio velho
(AZEVEDO, 2006, p.114).
É o discurso do determinismo racial que
considerava como “seres inferiores”, aquela
gentalha das redondezas do cortiço, operários das
fábricas, trabalhadores da pedreira, lavadeiras, a
maioria mulatos, imigrantes e mestiços. Nesse jogo,
os portugueses representavam as camadas que ainda
poderiam ter algum acesso a uma vida de classe
média urbana, com aquisição de propriedades,
escravos, e títulos como no caso do personagem
Miranda que alcança o baronato. Já o casal Jerônimo
e Rita Baiana representa, através de uma união
irregular, o cruzamento das raças, entre o português e
a mulata, o empreiteiro e a lavadeira. O português
que sofre uma metamorfose, um processo de
“abrasileiramento” através dos gestos, jeitos e
costumes.
O autor naturalista procura realçar dentro do
discurso positivo as teorias de Darwin, a entropia
baseada na lei da termodinâmica tão influente no
final do século XIX. A sociedade para os naturalistas
deveria funcionar através da lei da seleção natural.
Os portugueses, Romão, Miranda ou Jerônimo,
conseguem se adaptar às várias situações,
constituindo uma raça superior. Já os mulatos,
negros, mestiços, índios, caboclos, mamelucos,
cafuzos, fazem parte das sub-raças. Porém, estas
fornecem modelos de adaptação ao território para o
português. Podemos observar isto nos três
personagens lusitanos de maneiras diferentes.
João Romão não possui freios morais para
alcançar sua ambição. Bronco, procura se adaptar às
situações passando por cima de qualquer pessoa.
Engana a escrava Bertoleza, desvia seu dinheiro e
explora seu trabalho; rouba o dinheiro do velho
Libório e deixa este morrer carbonizado durante o
incêndio; e a intenção de se casar com Zulmira, a
filha de Miranda, sendo o casamento uma moeda de
troca entre os dois vizinhos. O outro português é o
Miranda. O vizinho e objeto de inveja de Romão,
Miranda (do latim, aquele que se mira, que se
espelha) é aristocrata e alcança o baronato. Sua
adaptação se dá pelo casamento que leva com a
esposa rica reforçando a função do dote na sociedade
brasileira.
O terceiro português é Jerônimo, comparado a um
Hércules, pela força, dedicação e decadência. Ao fim
de um dia de trabalho pegava sua guitarra para
dedilhar os fados de sua terra natal. Entoava plena
expressão às saudades da pátria, através de cantigas
macambúzias. Chorava o desterro das aldeias tristes
da sua infância. Aquela guitarra estrangeira tinha um
lamento choroso e dolorido. Depois que descobriu o
pagode, a mulata e a parati desandou a adaptar-se
demoníaco com Rita Baiana, largando Piedade e a
filha Senhorinha, que tem destino determinado à
prostituição em função das condições sociais do
cortiço. Trocou a guitarra pelo violão baiano,
participando das rodas de pagode.
A música no cortiço
Este antagonismo entre o português e o brasileiro,
expresso magnificamente através dos hábitos e
costumes musicais dos personagens, passa por
processos metafóricos de zoomorfização. Anatol
Rosenfeld (2005) afirma que o papel do personagem
é transformar em evidência de pensamente o que é
obscurecido pelo cotidiano. Segundo o autor, a
relevância da literatura também se dá pela sua
função de afastar-se da realidade e elevá-la a um
mundo simbólico que ajuda o humano a entender sua
própria realidade. Esta é uma das funções da
literatura (ROSENFELD, 2005, p. 49). A música, no
cortiço, também é uma personagem. Ela exemplifica
pragmaticamente o entendimento do mundo. Há
momentos, como o amanhecer de um domingo, em
que o violão pode ser escutado ao mesmo tempo em
vários apartamentos ou cômodos.
Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom
dia de abril. Muita luz e pouco calor. (...) A casa da
Machona estava num rebuliço, porque a família ia
sair a passeio; a velha gritava Nenen, gritava o
Agostinho. De muitas outras casas saíam cantos ou
sons de instrumentos; ouviam-se harmônicas e
ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era de vez
em quando interrompida por um ronco forte de
trombone.
Os papagaios pareciam também mais alegres com o
domingo e lançavam das gaiolas frases inteiras, entre
gargalhadas e assobios. À porta de diversos cômodos,
trabalhadores descansavam de calça limpa e camisa
de meia lavada, assentados em cadeira, lendo e
soletrando jornais ou livros; um declamava em voz
alta versos de “Os Lusíadas”, com um empenho
feroz, que o punha rouco. (...)
Dentro da taverna, os martelos de vinho branco, os
copos de cerveja nacional e os dois vinténs de parati
ou laranjinha sucediam-se por cima do balcão,
passando das mãos de Domingos e do Manuel para as
mãos ávidas dos operários e dos trabalhadores, que os
recebiam com estrondosas exclamações de pândega.
(...) defronte da venda viera estacionar um homem
que tocava cinco instrumentos ao mesmo tempo, com
um acompanhamento desafinado do bombo, pratos e
guizos (AZEVEDO, 2006, p.52-53).
Fica clarividente que os personagens e as
situações descritas dão a impressão de que o cortiço
funciona como um organismo. O acontecer das
coisas no amanhecer de domingo estão sempre
ligadas a algo maior, a um ente que possui um
andamento próprio. Este ato de viver do
estabelecimento através de seus personagens e
cenários, como as células de um corpo vivo, possui
um ritmo, uma dinâmica, que o autor representa
através das sonoridades, da variedade das músicas.
A música parece ter sido um tema recorrente
dentro da literatura no fim do século XIX. Através da
leitura de O cortiço (1890), fica evidente que o autor
procura fazer uma identificação intensa da vida
cotidiana no Rio de Janeiro com a presença da
música. Contemporâneo de Aluísio Azevedo,
Machado de Assis escreve contos em que o enredo
está amarrado pela música. Entre estes contos
considero dois: Um homem célebre (1896) e O
Machete (1878). Nos contos citados o autor carioca
trabalha na linha da peteca entre música popular e
música erudita. O crítico José Miguel Wisnik (2004)
informa que nos textos de Machado de Assis a
música erudita representa a cultura europeia e a arte
legítima, profunda de conteúdo e sofisticada. A
música popular simboliza o gosto menos refinado, o
grotesco, a brasilidade, a lascívia, a sensualidade, o
ritmo do trabalho e da vida cotidiana (WISNIK,
2004, p. 24).
Tereza Virgínia de Almeida (2008) indica que a
análise do conteúdo e da forma das canções permite
o pesquisador tentar perceber como se configuram
em uma determinada cultura os sistemas e
linguagens atuantes. A autora aponta que esta
substância provém daquilo que pertence ao
imaginário do músico, suas ideias e soluções
musicais, suas referências culturais, a maneira como
toca o instrumento, sua performance, o domínio que
ele deve ter nas dinâmicas das canções. Sua história
de vida está descrita no feeling que ele apresenta na
hora de executar as notas. Tanto em O cortiço como
em O Machete os autores descrevem o feeling que o
músico popular exerce ao desenvolver sua atividade,
como no excerto abaixo.
A Rita Baiana essa noite estava de veia para a coisa;
estava inspirada; divina! Nunca dançara com tanta
graça e tamanha lubricidade.
Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca
de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E
o Firmo, bêbado de volúpia, enroscava-se todo ao
violão, e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto,
grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de
bichos sensuais, num desespero de luxúria que
penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de
cobra (...) (AZEVEDO, 2006, 110-111).
O texto de Aluísio Azevedo descreve vários tipos
de música que eram tocados no cortiço. No caso da
guitarra portuguesa de Jerônimo e seus fados
sorumbáticos que o imigrante tocava após um dia
inteiro de trabalho pesado de empreitada. É
perceptível a relação do tipo de canção com os
costumes do personagem.
Depois, até às horas de dormir, que nunca passavam
das nove, ele tomava sua guitarra e ia para defronte da
porta, junto com a mulher, dedilhar os fados de sua
terra. Era nesses momentos que dava plena expansão
às saudades da pátria, com aquelas cantigas
melancólicas em que a sua alma de desterrado voava
sobre as zonas abrasadas da América para as aldeias
tristes da sua infância.
E o canto daquela guitarra estrangeira era um lamento
choroso e dolorido, eram vozes magoadas, mais
tristes do que uma oração em alto-mar, que quando a
tempestade agita as negras asas homicidas, e as
gaivotas doidejam assanhadas, cortando a treva com
seus gemidos pressagos, tontas como se estivessem
fechadas dentro de uma abóbada de chumbo
(AZEVEDO, 2006, 52).
Já os momentos em que os moradores do cortiço
se reuniam para, com violão, cavaquinho e
instrumentos de percussão, tocarem e dançarem, o
autor denomina de pagode, palavra usada por ele em
livro publicado em 1890. O pagode estava
amplamente presente na vida daquele segmento
social do cortiço. O violão do mestre Firmo e o
cavaquinho do Porfiro são os principais
instrumentos que ressoavam no local em dia ou noite
de pagode. Está colocado isto no domingo em que
Rita Baiana volta para o cortiço depois de alguns
meses ausente. Nesta noite ela preparou um
pagodinho em seu cômodo.
E entre a alegria levantada pela sua reaparição no
cortiço, a Rita deu conta de que pintara na sua
ausência; disse o muito que festou em Jacarepaguá; o
entrudo que fizera pelo carnaval. Três meses de folia!
E, afinal abaixando a voz, segredou às companheiras
que à noite teriam um pagodinho de violão. Podiam
contar como certo! (...)
E assim ia correndo o domingo no cortiço até às três
da tarde, horas em que chegou o mestre Firmo,
acompanhado pelo seu amigo Porfiro, trazendo
aquele o violão e o outro o cavaquinho. (...)
Desde a entrada dos dois, a casa de Rita esquentou.
Ambos tiraram o paletó e mandaram vir parati, “a
abrideira para muqueca baiana”. E não tardou para
que se ouvissem gemer o cavaquinho e o violão
(AZEVEDO, 2006, 57; 59; 60).
Nesta noite em que aconteceu a festa na casa de
Rita Baiana, também estavam ocorrendo outros
forrobodós no entorno. Tanto no sobrado do
Miranda, vizinho ao cortiço, como em outras
casinhas do estabelecimento, ouviam-se conversas,
gritos de empolgação, sons de copos e desarrolhar de
garrafas. Na casinha de Jerônimo e Piedade, que
haviam sido convidados pelos colegas para ir ao
pagode, mas não foram, começaram a surgir sons
dos fados macambúzios do velho mundo. Nestas
páginas do livro entra em cena uma das questões
essenciais para Aluísio Azevedo: a afirmação de uma
identidade brasileira através da musicalidade que
diferencia o habitante destas do colonizador de
além-mar.
Nisto começou a gemer à porta do 35 uma guitarra;
era Jerônimo. Depois da ruidosa alegria e do bom
humor, em que palpitara àquela tarde toda a república
do cortiço, ela parecia ainda mais triste e mais
saudosa do que nunca (...)
E, com o exemplo da primeira, novas guitarras foram
acordando. E, por fim, a monótona cantiga dos
portugueses enchia a alma desconsolada o vasto
arraial da estalagem, contrastando com a barulhenta
alacridade que vinha lá de cima, do sobrado do
Miranda (...)
Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos
desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se
concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o
cavaquinho do Porfiro, acompanhado pelo violão do
Firmo, romperam vibrantemente com um choro
baiano. Nada mais que os primeiros acordes da
música crioula para que o sangue de toda aquela gente
despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o
corpo com urtigas bravas. E seguiram-se outras
notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais
delirantes. Já não eram dois instrumentos que
soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em
torrente, a correrem serpenteando, como cobras
numa floresta incendiada; eram ais convulsos,
chorados em frenesi de amor; música feita de beijos e
soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer,
fazendo estalar de gozo (...) (AZEVEDO, 2006, 68).
O narrador deixa clara a diferença entre as
características da música portuguesa e o sentimento
de tristeza que ela gera e as percepções causadas pela
música brasileira, o pagode. As reações físicas e
psicológicas que tomam os personagens por inteiro
são marcantes. Isto são fenômenos que ocorrem de
maneira concomitante nas outras colônias
americanas, mais especificamente com o spiritual, o
blues e o jazz na história dos estadunidenses e no
caso da rumba, da salsa e tantos outros ritmos
caribenhos na América Central, em comparação
novamente com as músicas europeias. Por mais que
todos esses ritmos do novo mundo tenham sido
também influenciados pelos estilos de músicas
advindos da Europa, da África e da Ásia, foi no
continente americano que estas misturas e
sincretismos ocorreram e se tornaram o que são. O
fato de Jerônimo ficar de queixo caído pelos ritmos
da música brasileira e pela malemolência e
sensualidade da Rita Baiana e isso, de maneira
paulatina, ir transformando o bruto português num
malandro brasileiro.
O personagem de Jerônimo, português
acostumado com o trabalho de empreitada, que
sinaliza a superioridade da raça trabalhando com
vontade, vigor, esforço, organização que fazia valer
por três ou mais brasileiros. A estigmatização do
personagem ocorre através da música. Tocador de
guitarra portuguesa, sempre fazia o instrumento
entoar fados e outras formas de canções que traziam
o sentimento de saudade da terra natal. Era uma
música triste como uma lamúria saudosista.
Ao conhecer e se aproximar de Rita Baiana, o
português logo começa a abrasileirar-se. Mais uma
vez, o processo é mediado através dos costumes e
hábitos musicais do europeu. A cachaça, o pagode e a
mulata têm uma ação fulminante e desnorteadora no
personagem. Jerônimo passa a freqüentar os
pagodes no cortiço e troca a guitarra portuguesa e
sua mulher lusitana, Piedade, pelo violão baiano e
pela mulata Rita Baiana. O ponto de inflexão, o
epicentro do texto, está relacionado à cultura
musical do cortiço e passa pela dualidade entre a
música portuguesa, séria e superior, e a música
brasileira, constituída pelo pagode, regado a
cachaça, repleto de mulatas sensuais e brigas de
capoeira.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese
das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela
era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho
das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e
das baunilhas, que o atordoava nas matas brasileiras
(...) (AZEVEDO, 2006, 70).
Nesse processo é notório observar a seguinte
questão: o autor faz uso das palavras samba e pagode
para as reuniões de lundu e maxixe? O termo pagode,
no contexto da música, que na atualidade é
amplamente utilizado, pode, por um lado, sinalizar
os encontros regados a samba, cachaça e cerveja e,
por outro lado, pagode pode indicar um tipo
específico de samba. Principalmente a partir dos
anos 90 do século XX, quando o ocorreu um novo
processo de especialização, na indústria fonográfica
brasileira, baseado na segmentação do mercado
consumidor de discos e CDs. Surgiram rótulos como
pagode, axé e sertanejo. O pagode passa a ser um
segmento específico de produto musical. É claro que
esta definição está muito distante do significado de
que Aluísio Azevedo faz uso. Restam muitas
questões para entender melhor este processo que se
desenrolou no período do autor. O que eram
realmente o samba e o pagode no final do século
XIX?
(...) A noite chegou muito bonita, com um belo luar de
lua cheia, que começou ainda com o crepúsculo; e o
samba rompeu mais forte e mais cedo que de
costume, incitado pela grande animação que havia
em casa do Miranda.
Foi um forrobodó valente.
(...) Mas, lá pelo meio do pagode, a baiana caíra na
imprudência de derrear-se toda sobre o português e
soprar-lhe um segredo, requebrando os olhos (...)
(AZEVEDO, 2006, 110-111).
O autor parece usar os termos samba e pagode
para situações muito próximas das que atualmente
utilizamos. O samba que segundo autores como
Hermano Vianna, Tinhorão e Carlos Sandroni,
surgiu somente no final da década de 1920, no Rio de
Janeiro, em que se diferenciava dos sambas e
pagodes descritos pelo autor de O cortiço?
Malgrado, o samba tem suas conhecidas
peculiaridades sensuais, rítmicas, de promover o
agrupamento de pessoas em torno dos músicos e dos
dançantes. Como eram as características do lundu e
do maxixe? Segundo o narrador, a descrição
corresponde a algo muito próximo das rodas de
samba atuais.
Parece ser realmente uma semente da
musicalidade que marca a identidade da cultura
brasileira. Nos gestos e jeitos, danças e movimentos,
valores e motivos. O mundo representado pelos
instrumentos do pagode como o violão e o
cavaquinho traz consigo o virtuosismo, o
movimento corporal, a lascívia. A expressividade se
dá de forma natural. Pois, a maneira como os
instrumentos musicais, o violão e o cavaquinho são
representados no livro e as situações em que ele
aparece são sempre ocasiões de “passatempo”, que
busca o entretenimento imediato.
Como já comentado anteriormente, por outro
lado, no mesmo momento histórico, Machado de
Assis utiliza a música para fazer discrepante tipo de
análise. Nos textos do autor carioca, o assunto
essencial é a articulação entre a música erudita e a
popular. Em O Machete, ele constrói uma relação
entre o violoncelo e o cavaquinho. Dentre as várias
discrepâncias apontadas pelo autor, podemos citar o
caráter sério e inaudito do músico erudito e o pendor
lúdico e popularesco do cavaquinista. Outro ponto é
a discussão entre glória e sucesso, já debatido em Um
homem célebre e mais uma vez fazendo todo o
sentido dentro do universo da música popular e o
tipo de entretenimento que ela gera.
Portanto, enquanto Machado de Assis procura
mostrar o popular em antagonismo ao erudito,
Aluísio Azevedo trabalha com a ideia da música
popular em si e como ela ocorre dentro do cortiço,
amparando o paradoxo do português que passa por
um processo de abrasileiramento.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se
nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e
alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e
surdo de crisálida (...) A vida americana e a natureza
do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos
imprevistos e sedutores que o comoviam (...) adquiria
desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se
preguiçoso resignando-se, vencido, às imposições do
sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito
eternamente revoltado do último tamoio
entrincheirou a pátria contra os conquistadores
aventureiros. (...) e Jerônimo abrasileirou-se (...)
(AZEVEDO, 2006, 84).
O escritor fluminense em O machete e em Um
homem célebre não parece estar tão preocupado com
as idiossincrasias musicais do lundu, do maxixe e do
pagode. Como informa José Miguel Wisnik (2004),
isto ocorre devido ao fato de que Machado escreve
justamente no interregno entre o período da década
de 1840, quando a palavra polca passa a ser utilizada
de forma hiperbólica (do ragtime ao rock tudo é
polca) até 1897, quando foi impressa a primeira
partitura sob o nome de maxixe. O pesquisador
demonstra em seu texto o mercado de partituras que
havia na época através de crônicas machadianas.
Contudo, denomina todas as canções populares de
polcas.
Porém, o autor maranhense, que também escreve
no mesmo período, ao narrar uma situação cotidiana
de trabalho das mulatas lavadeiras, indica que as
condições da atividade eram fustigantes e que a
música lhes parecia auxiliar e dar mais resistência às
dificuldades da labuta. Sob um sol cáustico, essas
mulheres se empenhavam em seu serviço.
Almoçavam e voltavam para aquele calor febril que
fermentava-lhes o sangue. Comichões assanhadas
pelo mormaço coçavam quadris e virilhas. O
narrador ressalta que enquanto labutavam,
assoviavam e cantavam chorados e lundus. Com
diferentes personalidades, Machona, Augusta,
Leocádia, Bruxa, Marciana, Florinda, Dona Isabel,
das Dores, Rita Baiana, Nenen e o Albino
alternavam suas atividades em esfregar, torcer,
estender as roupas e entoar seus cantos. Isto também
é um outro tipo de associação que pode ser feita com
a origem do blues estadunidense. Lá, este estilo de
música popular é também oriunda das worksongs, as
canções de trabalho que os escravos cantavam
durante as construções das linhas férreas, das
estradas, dos canais, da mineração, do cultivo dos
campos algodão das fazendas do sul dos Estados
Unidos, das prisões do Texas e outras localidades.
O hábito do canto durante uma atividade dos
escravos e seus descendentes é uma ideia que remete
para um texto do pesquisador Rafael Menezes
Bastos (2006). Este afirma que o mito das três raças,
que faz parte da formação do “pensamento social
brasileiro” é suprimido em uma fábula de duas raças
no discurso sobre o pensamento musical brasileiro.
Afro-descendentes e indígenas representam dois
pesos e medidas. Os escravos de origem africana são
admitidos como contribuintes para o nascimento da
sociedade e da música brasileira e de outros países
das Américas, tendo como estandarte sua
corporalidade em função de seu passado cativo. A
sua música e sua dança passam a ser o signo do ritmo
do trabalho escravo. Por outro viés, o índio é
olvidado e passa a ser visto como componente da
memória de um passado longínquo e há muito
assimilado. A “doação” forçada de suas terras para a
nação brasileira e sua “incompatibilidade” para o
trabalho na construção de um país moderno e
industrial justificam seu esquecimento (MENEZES
BASTOS, 2006, p. 123-124).
Não obstante, no contexto urbano do Rio de
Janeiro, além das discutidas características musicais
de origem europeia e africana, havia a música de
origem indígena. As coisas e os costumes dos
antigos habitantes da região que não foram
totalmente extirpados, mas sim incorporados,
mesclados à cultura, ao caldo cultural como fala
Wisnik (2004). Aluísio Azevedo (2006) aponta
também a relevância da música sertaneja no
processo em que Jerônimo estava se abrasileirando,
ganhando sensibilidade para este tipo de canção
tipicamente brasileira.
Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música,
compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos,
quando cantam à viola os seus amores infelizes (...)
(AZEVEDO, 2006, 84).
Conclusão
João Romão chega a dizer que o violão era um
item presente no cotidiano dos residentes do cortiço
durante as noites, apesar de se gabar de não aceitar
inquilino chinfrim. No entanto, na estalagem havia
gente de todo tipo, que tocavam músicas populares
de origens diferentes como o samba, o pagode, o
lundu, o fado, as músicas caipiras ou sertanejas.
Fossem nos momentos de trabalho na pedreira ou
das lavadeiras ou nos instantes ociosos ou durante as
festas. Na casa do vizinho português escutavam-se
as valsas em noites festivas. Aluísio Azevedo
consegue de maneira excepcional dar sensação de
serem entes reais seus personagens, transportando
de forma prazerosa o leitor para um confim existente
no caldo cultural, na memória coletiva brasileira.
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WISNIK, José Miguel. “Machado Maxixe: O Caso
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