Os equilibristas
Transcrição
Os equilibristas
Imprimir () 10/05/2016 05:00 Os equilibristas Por Katia Simões volume Pedro Celso Gonçalves, da Apas: consumo voltou ao nível de 2010 em O setor supermercadista é um dos últimos a sentir o impacto da crise e um dos primeiros a sair dela, dizem especialistas de varejo. Isso não significa que não tenha sido atingido. O faturamento de R$ 315,7 bilhões em 2015 teve crescimento nominal de 7,1%, mas queda real de 3,6%, já deflacionado pelo IPCA. Em São Paulo, a variação real negativa foi de 3,8%. O número de lojas cresceu, chegando a 84,5 mil em janeiro, 1,2% mais sobre igual período de 2015. As expectativas para 2016 apontam para um faturamento de R$ 336 bilhões, com crescimento nominal de 6,5%. "O supermercado continua se destacando no cenário nacional por conta do sortimento apresentado ao consumidor", afirma Fernando Yamada, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). "Para continuar crescendo, intensificará a adequação do mix ao momento e investirá ainda mais em atendimento e inovação." Embora os números sejam positivos, o comportamento de compra do consumidor não é mais o mesmo. O consumo nos supermercados voltou ao nível de 2010 em volume de compras, segundo levantamento da Associação Paulista de Supermercados (Apas) realizado em parceria com a Nielsen e a consultoria Kantar Worldpanel, divulgado durante a 32ª Feira e Congresso de Gestão Internacional em Supermercados Apas 2016. Marcos Troyjo, professor de Columbia: "É preciso adotar novas condutas" De acordo com o estudo, em 2015, o número de idas aos supermercados por domicílio caiu de 85 para 81 vezes, o mesmo acontecendo com o número de produtos comprados em cada visita, que sofreu redução de 1,3%. Mais consciente em relação aos gastos, o consumidor planeja mais antes de comprar. Ao contrário dos últimos tempos, os dez primeiros dias do mês passaram a concentrar o maior volume de vendas. Há três anos, por exemplo, 46% dos brasileiros compravam na primeira semana do mês e, em 2015, este percentual subiu para 52%, com grande concentração no sábado como o dia eleito para as compras de abastecimento (64%). Neste cenário, há um fortalecimento do atacado, que permite a compra de maiores quantidades, a preços mais atraentes e, consequentemente, demanda menos idas ao ponto de venda. O atacarejo, segundo a Nielsen, foi o canal que mais cresceu em compras de abastecimento, saltando de 64,9% em 2014 para 66,4% em 2015 em participação e 12% em volume de vendas, reservandose aos mercados de vizinhança a preferência na hora das compras de reposição, 67,5% em 2015. "A escolha da compra de abastecimento, que tem atraído a maioria, é resultado de uma economia clara", afirma Daniela Toledo, diretora de varejo da Nielsen. "Ao fazerem essa opção, os consumidores gastam 12% menos e levam 9% mais de itens." A executiva destaca ainda que os consumidores estão mais atentos a promoções. Devido a essa mudança, os supermercados precisam perceber quais áreas e setores reagem melhor às ofertas. "Nem sempre oferecer produtos mais baratos gerará, de fato, mais lucratividade", adverte Daniela. "É preciso entender o novo comportamento de compra do consumidor." A Mendonça de Barros: momento de desaquecimento exige austeridade pesquisa divulgada pela Apas mostra ainda que os consumidores passaram a escolher produtos que oferecem opções de reembolso, tais como embalagens retornáveis, acúmulo de pontos e descontos para fidelizados. Na mesma linha, aumentou a busca por itens que tragam custobenefício maior, isto é, que sejam duradouros e aproveitáveis. A CRS Brands, uma das maiores fabricantes de bebidas do país, enxergou a mudança e redesenhou suas estratégias. "Quando percebemos que a tendência de consumo seria de queda, focamos na categoria de produto mais relevante para a companhia, a de vinhos de mesa", diz José Fontelles, diretor comercial. "Lançamos uma promoção com distribuição de sete carros, um por mês, além da intensificação da presença no ponto de venda." Os resultados apareceram. No primeiro trimestre houve um crescimento de 41% nas vendas em relação ao mesmo período de 2015, o equivalente à venda de 1 milhão de garrafas a mais. O bolso, sem dúvida, está mais vazio, daí a corrida em busca de promoções, mas isso não significa que o brasileiro esteja disposto a abrir mão da cesta de compras conquistada na última década. "O consumidor está se permitindo, em alguns momentos, consumir, por exemplo, cervejas premium", diz Christine Pereira, diretora comercial sênior da Kantar Worldpanel. "Mas, para isso, precisa economizar e troca as marcas tradicionais por outras mais em conta em 50% das categorias de compra." De acordo com ela, para equilibrar os gastos, as famílias tomaram uma série de medidas, entre elas, deixaram de jantar fora, gastando 8% menos nesse quesito, e passaram a alimentar os cães com comidas caseiras, diminuindo a importância das rações industrializadas. Na visão do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, o momento atual é um claro sinal de ajuste após o final de um ciclo econômico de crescimento e explosão da bolha de consumo dos últimos anos. É um cenário de desaquecimento que exige austeridade e cortes nos gastos. Mas, segundo ele, há luz no final do túnel. "Sempre que o Brasil passa por um momento desafiador como esse, o país reage", afirma. "Foi assim nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Agora não será diferente". Para o economista, o segredo está em identificar a hora certa de agir, sem deixar que o pânico norteie a tomada de decisão. "O empresariado está vivendo um momento muito importante. Os que entenderem e agirem com planejamento tendem a crescer assim que o cenário começar a mudar." A opinião é compartilhada por Marcos Troyjo, professoradjunto da Universidade de Columbia. "O maior desafio do país é abandonar os velhos costumes econômicos e políticos", afirma. "É preciso adotar novas condutas, criar produtos inovadores e a preços mais atraentes; melhorar a qualidade e pensar fora da caixa." E se por um lado o empresariado brasileiro está com o pé no freio, temendo as consequências da recessão, por outro, empresas estrangeiras continuam a achar o mercado nacional muito atraente. "Em 2015, contamos com 138 estandes estrangeiros, nesta edição esse número saltou para 170", afirma Pedro Celso, presidente da Apas. "Mesmo com a crise, o Brasil é visto como grande consumidor. Só no ano passado, a Apas fez 694 rodadas de negócios internacionais e a expectativa para 2016 é crescer esse volume em 10%."