A Manutenção da Nacionalidade Brasileira da Criança Adotada
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A Manutenção da Nacionalidade Brasileira da Criança Adotada
FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Graciella Lage Capanema ANÁLISE DA NACIONALIDADE DE CRIANÇAS BRASILEIRAS ADOTADAS POR ESPANHÓIS Pará de Minas 2013 Graciella Lage Capanema ANÁLISE DA NACIONALIDADE DE CRIANÇAS BRASILEIRAS ADOTADAS POR ESPANHÓIS Monografia apresentada à Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do curso de Direito. Orientador: Giovanni Vinícius Caetano e Silva Pará de Minas 2013 Graciella Lage Capanema ANÁLISE DA NACIONALIDADE DE CRIANÇAS BRASILEIRAS ADOTADAS POR ESPANHÓIS Monografia apresentada à Coordenação de Direito da Faculdade de Pará de Minas como requisito parcial para a conclusão do curso de Direito. Orientador: Giovanni Vinícius Caetano e Silva Aprovada em _____ / _____ / _____ ___________________________________________________________________ Análise da Nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis. Giovanni Vinícius Caetano e Silva. ___________________________________________________________________ Análise Nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis. Ana Paula Santos Diniz. Dedico este trabalho aos amores mais plenos da minha vida, meus pais, Gustavo e Marilene, pelo amor incondicional e por serem responsáveis por tudo, especialmente pela transmissão dos valores que carrego como ideais de vida. À minha querida irmã, Renata, com quem sempre posso contar, pela amizade e incentivo diário. Ao meu namorado, Filipe, grande incentivador de todas minhas escolhas, pelo amor e companheirismo. Agradeço a Deus, autor da vida, por manter-me constante na busca dos meus desígnios, iluminando a cada um de meus passos. Ao professor e orientador, Giovanni Vinícius, que com tamanha sabedoria, atenção e paciência auxiliou-me na elaboração deste trabalho. Professor de grande competência e profissionalismo proporcionou a ampliação dos meus conhecimentos. Sinceros agradecimentos. À professora Ana Paula, pela disposição de sempre, dedicação e tamanha presteza. Agradeço-a imensamente. RESUMO O tema abordado refere-se à análise da nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, sendo sua problemática consistente em analisar se quando do trânsito em julgado da sentença constitutiva de Adoção Internacional, as crianças brasileiras adotadas por espanhóis, perderão a nacionalidade brasileira e adquirirão a nacionalidade espanhola ou se terão dupla nacionalidade, bem como se adquirirem a nacionalidade espanhola se serão espanhóis de origem ou se será necessária a naturalização. A hipótese é de que as crianças brasileiras adotadas por espanhóis não perderão a nacionalidade brasileira e adquirirão a nacionalidade espanhola de origem, tendo assim, dupla nacionalidade. A justificativa encontra respaldo no fato de que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 - estabelece em seu artigo 12 critérios de nacionalidade, abarcando distinções entre brasileiros natos e naturalizados. No entanto, no que toca à nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, deverá ser observada não só a regra existente na CRFB/88, mas também nas legislações pertinentes naquele país. Torna-se relevante tal estudo pelo fato de que sendo a nacionalidade um direito fundamental, pertinente compreender como este direito irá se moldar quando a relação envolver outro país e outras legislações a serem observadas no caso da adoção internacional. Os objetivos foram verificar os critérios de aferição de nacionalidade na Espanha à luz do Código Civil espanhol, para que pudesse analisar qual a nacionalidade teria a criança brasileira adotada por espanhóis; o estudo da nacionalidade como direito fundamental; a análise da manutenção da nacionalidade brasileira após a adoção internacional, bem como a coleta de dados junto às Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção, informando um número estimado de adoções realizadas entre Brasil e Espanha, desde a ratificação da Convenção de Haia relativa à Proteção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção Internacional pelo Brasil. Utilizou-se como metodologia a pesquisa teóricobibliográfica, legislativa, interpretativa e comparativa de institutos do ordenamento jurídico brasileiro e espanhol, bem como da pesquisa dedutiva e análise de caso. Chegou-se como resultado da temática que as crianças brasileiras não perderão a nacionalidade brasileira, uma vez que a CRFB/88 prevê que não perderá a nacionalidade quando do reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira, como é o caso da adoção internacional, em que o Código Civil espanhol prevê expressamente que as crianças adotadas receberão a nacionalidade espanhola de origem. Assim, as crianças irão manter a nacionalidade que adquiriram no Brasil, quando do seu nascimento, e adquirirão a nacionalidade espanhola de origem, tendo assim, dupla nacionalidade. Palavras-chave: Adoção Internacional. CRFB/88. Código Civil espanhol de 2002. Nacionalidade. Direito fundamental. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................8 2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ACERCA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO INTERNACIONAL.....................................................................................10 2.1 Adoção internacional.........................................................................................10 2.1.1 Conceito de Adoção Internacional.....................................................................12 2.2 Análise da nacionalidade como direito fundamental......................................13 3 EFEITOS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL NA ANÁLISE DA CONVENÇÃO DE HAIA RELATIVA À PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E A COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE ADOÇÃO INTERNACIONAL.............................................................19 4 A MANUTENÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA APÓS A SENTENÇA CONSTITUTIVA DA ADOÇÃO INTERNACIONAL...................................................23 5 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE...................27 5.1 À luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988............................................................................................................................27 5.2 À luz do Código Civil espanhol.........................................................................30 5.2.1 Nacionalidade espanhola de origem.................................................................30 5.2.2 Nacionalidade por carta de naturalização.........................................................31 5.2.3 Nacionalidade por residência............................................................................32 5.2.4 Nacionalidade por opção..................................................................................32 6 A NACIONALIDADE DE CRIANÇAS BRASILEIRAS ADOTADAS POR ESPANHÓIS..............................................................................................................35 7 COMISSÃO ESTADUAL JUDICIÁRIA DE ADOÇÃO – CEJA.............................39 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................42 REFERÊNCIAS..........................................................................................................45 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como escopo a análise da nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, tendo como cerne da temática verificar se quando da efetivação da adoção internacional, as crianças brasileiras adotadas por espanhóis, perderão a nacionalidade brasileira e adquirirão a nacionalidade espanhola ou se terão dupla nacionalidade, bem como se adquirirem a nacionalidade espanhola se serão espanhóis de origem ou se será necessária a naturalização, trazendo, assim, à baila os fundamentos e respostas para tais questionamentos. A justificativa do presente tema encontra-se respaldo no fato de que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 – estabelece em seu artigo 12 critérios de aferição da nacionalidade, abarcando distinções entre brasileiros natos e naturalizados. No entanto, no que toca à nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, deverá ser observada não só a regra existente na CRFB/88, mas também nas legislações pertinentes naquele país. Desta feita, torna-se relevante tal estudo pelo fato de que sendo a nacionalidade um direito fundamental, pertinente compreender como este direito irá se moldar quando a relação envolver outro país e outras legislações a serem observadas no caso da adoção internacional. Os objetivos da pesquisa foram verificar os critérios de aferição de nacionalidade na Espanha à luz do Código Civil espanhol de 2002, para que pudesse analisar qual a nacionalidade terá a criança brasileira adotada por espanhóis; o estudo da nacionalidade como direito fundamental; a análise da manutenção da nacionalidade brasileira após a adoção internacional, a coleta de dados junto às Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção, informando o número estimado de adoções realizadas entre Brasil e Espanha desde a ratificação da Convenção de Haia pelo Brasil e precipuamente um estudo de caso para que pudesse verificar na prática a aplicação das normas brasileiras e espanholas quando da adoção internacional e seu principal efeito, qual seja, a nacionalidade. O primeiro capítulo se refere à análise da contextualização histórica da adoção internacional, bem como à conceituação deste instituto e à análise da nacionalidade como direito fundamental. Em seguida, serão abordados os efeitos da adoção internacional à luz da Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional, uma vez que ela foi o primeiro instrumento a regular a adoção internacional, ultrapassando as fronteiras regionais e denotando interesse mundial. No terceiro capítulo, far-se-á a análise da manutenção da nacionalidade brasileira após a adoção internacional, embasando-se na CRFB/88, na Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional, na Convenção sobre os direitos da Criança, bem como no ECA, sendo, todos estes, regramentos elaborados para proporcionar a efetiva proteção aos direitos da criança. Posteriormente, proceder-se-á à análise dos critérios de aquisição de nacionalidade na CRFB/88 e no Código Civil espanhol, pois para que se possa verificar a nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, primeiramente deverá proceder à verificação dos critérios de aquisição de nacionalidade nestas legislações, uma vez que a adoção não é critério de atribuição de nacionalidade, mas um direito que sofre influências quando da efetivação da adoção internacional. No capítulo seguinte, far-se-á o estudo da nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, verificando-se desta forma, se a criança brasileira adotada por espanhóis manterá a nacionalidade brasileira, se adquirirá a nacionalidade espanhola de origem ou se será necessário requerer a naturalização. Por fim, serão abordadas sobre as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção e o seu papel, verificando-se com as informações obtidas o número de adoções internacionais realizadas entre Brasil e Espanha, desde que o Brasil ratificou a Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional. A metodologia utilizada consistiu na pesquisa teórico-bibliográfica, legislativa, interpretativa e comparativa de institutos do ordenamento jurídico brasileiro e espanhol, bem como no método dedutivo e análise de caso. Assim, passa-se à exposição pormenorizada dos resultados da pesquisa. 2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ACERCA DA ADOÇÃO INTERNACIONAL O instituto da adoção é de origem remota, havendo relatos de sua existência desde o Código de Hamurabi. Com o passar dos anos, o instituto foi ganhando relevante importância devido ao advento de legislações que tiveram como escopo o superior interesse da criança. A adoção não é mais vista como uma forma de dar filhos a quem não pôde conceber, mas sim de dar à criança uma família que lhe acolha. Tão fundamental é o instituto que, quando não encontrada família que possa acolher a criança no Brasil, existe a possibilidade de encontrar um lar substituto em um país estrangeiro, efetivando desta forma a adoção internacional, também chamada de transnacional, sobrelevando assim, o interesse da criança. Quando da efetivação da adoção internacional, existem efeitos que deverão ser observados que são de suma importância na vida da criança, sendo um deles a nacionalidade, um direito fundamental consagrado constitucionalmente. Tendo em vista as considerações acima expostas, passe-se à breve análise dos relatos históricos acerca da adoção internacional, bem como do estudo da nacionalidade como direito fundamental. 2.1 Adoção internacional O instituto da adoção percorreu um longo caminho legislativo anteriormente à CRFB/88 e ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, sendo que, com o advento de ambos, estabeleceu-se um novo parâmetro acerca do instituto. Desde tempos mais remotos, encontram-se relatos da adoção, estando presente em ordenamentos das civilizações grega e romana, no Código de Hamurabi, bem como em passagens bíblicas, perfazendo-se o primeiro caso documentado de adoção internacional, trazido, por exemplo, no livro do Êxodo, no qual relata a adoção pelos hebreus, quando Moisés foi encontrado no rio Nilo e adotado pela filha do Faraó.1 O antigo Código de Hamurabi, conhecido como a lei de Talião, “Olho por olho, dente por dente” trazia em seus parágrafos 185 a 195 normas referentes ao 1 São encontradas as passagens bíblicas em Ex 2,1-10 (Livro do Êxodo, cap. 2, v. 1-10). instituto, como por exemplo, “se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem”. E ainda, fazia menções às normas que traziam em seu bojo, penas severas aplicadas aos filhos adotivos em determinados casos. Nos parágrafos 192 e 193 respectivamente, estabelecia que: “se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz diz a seu pai adotivo ou a sua mãe adotiva: tu não és meu pai ou minha mãe, dever-se-á cortar-lhe a língua”, “se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz aspira voltar a casa paterna, se afasta do pai adotivo e da mãe adotiva e volta a sua casa paterna, se lhe deverão arrancar os olhos”.2 (HAMURABI, 1700?, a.c). De tal forma, percebe-se o quão era distorcida a ideia que se tem hoje da proteção à criança adotada. Importante se fazem os relatos da adoção encontrados na civilização grega, cuja ideia fundamental tinha aspecto religioso, vista como forma de perpetuar o culto doméstico. Os gregos conservavam a memória dos deuses que eram os seus ancestrais, faziam a estes cerimônias fúnebres. Desta forma, não havendo filhos, após a morte do pater famílias, não teria como cultuar a religião, assim era permitida a adoção, tal como coloca Coulanges (2000). A idéia fundamental já estava presente na civilização grega: se alguém viesse a falecer sem descendente, não haveria pessoa capaz de continuar o culto familiar, o culto dos aos deuses-lares. Nessa contingência, o pater famílias, sem herdeiro, contemplava a adoção com essa finalidade. O princípio básico do instituto antigo que passou para o direito civil moderno era no sentido de que a adoção deveria imitar a natureza: adoptio naturam imitatur. O adotado assumia o nome e a posição do adotante e herdava seus bens como conseqüência da assunção do culto. O direito sucessório, permitido exclusivamente pela linha masculina, também era corolário da continuidade do culto familiar. (VENOSA, 2006, p. 279-280). Rodrigues (2007) afirma que no Direito brasileiro, a sistematização do instituto teve início com a vigência do Código Civil de 1916, tendo por base o que coligiu das legislações estrangeiras, e sendo um instituto a dar filhos a quem a natureza não podia dar. Entretanto, mesmo com a sistematização da adoção com o Código Civil de 1916, este não fazia menção ao instituto no âmbito internacional. Sendo a adoção um instituto jurídico de origem remota, novidades que dizem respeito a seu surgimento em âmbito do Direito Internacional foram que, após as guerras mundiais, pelo grande índice de crianças órfãs, o instituto ganhou seu 2 As informações relativas aos artigos do Código de Hamurabi encontram-se no site da Biblioteca Virtual da Universidade de São Paulo-USP. lugar, sendo que “largamente utilizada na Europa para vencer as graves consequências de duas guerras mundiais, a adoção propiciou uma nova rede familiar afetiva aos infantes que tiveram suas famílias dizimadas pelo conflito armado”. (COSTA, 2000, p. 266). Outra questão que tem levado a efeito a adoção internacional na Europa é o fato de que muitos casais interessados em aproveitar mais a vida, preocupados em acumular riquezas, quando se viram totalmente satisfeitos, sentiram necessidade de preencherem o vazio de não terem filhos e, por terem deixado passar o tempo, perceberam que a idade já não estava mais propícia à procriação; dessa forma, interessaram-se pela adoção de crianças, é o que relata Figueirêdo (2011). Segundo relatos, apesar da imprecisão, o primeiro caso de adoção internacional no Brasil foi constatado, em 1927, quando um italiano adotou uma criança gaúcha, caso sobre o qual não se têm maiores detalhes do trâmite processual utilizado à época.3 Por outro lado, noticia-se que a procura de crianças brasileiras por estrangeiros “havia sido registrada em fevereiro de 1979, quando um casal inglês, Tony e Helen Bayliss chegou ao Rio para adotar duas crianças. Depois disso, outros casais interessaram-se por crianças brasileiras”. (CHAVES apud FIGUEIRÊDO, 2011, p. 38). Com a facilidade de mobilidade na atualidade a adoção internacional tornou-se reconhecida, e para que a mesma seja efetivada, deve-se observância à CRFB/88, ao ECA, bem como à Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional, pois, após o advento de tais diplomas normativos deu-se mais segurança às adoções internacionais. 2.1.1 Conceito de Adoção Internacional A adoção internacional é um instituto jurídico de ordem pública que concede a uma criança ou adolescente em estado de abandono a possibilidade de viver em um novo lar, em outro país, assegurado o bem-estar e a educação, desde que obedecidas às normas do país do adotado e do adotante. 3 “A primeira referência sobre uma adoção internacional no Brasil foi feita por J.M. Carvalho Santos, aludindo a um caso de uma criança gaúcha adotada por um cidadão italiano, nos idos de 1927”. (FIGUEIRÊDO, 2011, p.37). Tal instituto é uma excepcionalidade prevista no artigo 51 do ECA, em conjunto com o artigo 2º da Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional. 4 Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou domiciliado fora do país, observa-se que “a colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção” (ECA, 1990) e se dará apenas quando não houver nacional interessado na adoção ou que este não preencha os requisitos necessários para sua efetivação. O caráter subsidiário da adoção estampado no ECA também pode ser explicado pela necessidade em se preservar os laços culturais do adotando, dandose preferência à sua permanência junto à língua pátria, aos costumes do próprio país e todos os demais aspectos que influenciariam na formação do caráter do indivíduo. Ao tratar do tema, Carlos Roberto Gonçalves explica que: A Convenção Relativa à Proteção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção Internacional retromecionada, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto n. 3.087, de 21 de junho de 1999, está inspirada na idéia de que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente a criança para quem não possa encontrar uma família adequada em seu pais de origem, e na necessidade de prever medidas para garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o seqüestro, a venda e o trafico de crianças. (GONÇALVES, 2011. p. 409). Assim, a adoção internacional difere da nacional por referir-se à aplicação de dois ou mais ordenamentos jurídicos, envolvendo pessoas subordinadas a diferentes soberanias. 2.2 Análise da nacionalidade como direito fundamental Importante no estudo do tema abordado, a análise da nacionalidade como direito fundamental, haja vista que efetivada a adoção internacional, um dos grandes e relevantes efeitos a se operar será a nacionalidade que a criança adotada irá ou não adquirir. 4 De acordo com o artigo 51 do ECA, “considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliada fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo 1, de 14 de janeiro de 1999”. (ECA,1990). Entretanto, antes de tal análise, relevante ressaltar a distinção existente entre nacionalidade e cidadania. Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “direito de nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga a pessoa ao Estado, permitindo-lhe desfrutar direitos e cumprir obrigações (BULOS, 2011, p. 423)” , ao revés, o conceito de cidadania trazido pelo mesmo doutrinador, significa “status que qualifica o nacional para gozar direitos políticos ativos (votar) e passivos (ser votado), permitindo-lhe participar da vida do Estado”. (BULOS, 2011, p. 423). A nacionalidade ainda pode ser entendida como sendo: “uma qualidade legal da pessoa que está relacionada com a existência do Estado, uma vez que define o elemento que integra”. (MUÑOZ, 2011). Denota-se com tais conceitos que para ser cidadão, deverá ter uma nacionalidade, ou seja, a nacionalidade é o pressuposto da cidadania. Com o objetivo de estudar a nacionalidade, essencial reportar à análise da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A Declaração, com o objetivo de promover entre os Estados-Membros o respeito aos direitos humanos fundamentais, a dignidade, o valor da pessoa humana e a igualdade de direitos entre homens e mulheres, trouxe em seu texto, dentre vários direitos, a nacionalidade, prevendo em seu artigo 15 que “toda pessoa tem direito a uma nacionalidade”, e que “ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”. (BRASIL, 1948). Deste texto extrai-se que a nacionalidade é um direito fundamental, pois, na medida em que previu que toda pessoa terá uma nacionalidade, quis evitar os apátridas, do alemão, heimatlos, pois em determinados casos, dependendo do critério de aquisição de nacionalidade originária adotado pelo país (jus sanguinis ou jus solis), a pessoa poderá ficar sem pátria. Ressalta-se ainda que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 estabelece que toda criança tem direito a uma nacionalidade, demonstrando assim a importância e a necessidade de tal direito. Ao falar em apátridas, pode-se pensar em um conflito negativo de nacionalidade, pois, são pessoas sem pátria, uma vez que não se enquadram em nenhum critério de aquisição de nacionalidade originária. A CRFB/88 para evitar a apatridia previu hipóteses em que a criança mesmo não nascendo no Brasil será considerada brasileira nata. Para clarear, utiliza-se o exemplo de uma criança nascida na Itália. Imagine-se que uma criança nascida na Itália, filha de pais brasileiros enquanto estes passeavam no país. A criança não será italiana, pois num primeiro momento, o critério adotado na Itália é o jus sanguinis, mas também não será brasileira, pois, em um primeiro momento, o Brasil adota o critério do jus solis, ou seja, os nascidos em território nacional, além do que, os pais não estavam a serviço da República Federativa do Brasil. Daí utiliza-se tanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual garante a todos uma nacionalidade, bem como do artigo 12, I, “c” da CRFB/88, que prevê a possibilidade de registrar a criança em repartição brasileira competente, desde que seja filha de pai brasileiro ou mãe brasileira, ou ainda que venha a residir no Brasil e opte a qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira, assim, a criança será brasileira nata. Ressalta-se que além do conflito negativo de nacionalidade, poderá haver um conflito positivo, sendo nesse caso, um conflito benéfico, propiciando a uma pessoa ter dupla nacionalidade, sendo esta conhecida como polipátrida. Toma-se, por exemplo, o fato do filho de um espanhol nascer no Brasil, a criança será espanhola, pois, adota-se na Espanha, em um primeiro momento, o critério do jus sanguinis e será brasileiro, pois nasceu em território brasileiro. Nesse caso, o conflito positivo opera-se pelo fato dos dois Estados, Brasil e Espanha reconhecem a criança como seu nacional. Outra questão relevante para solucionar a apatridia e demonstrar que a nacionalidade é um direito fundamental é a interpretação trazida por Chimenti (2008). Quando abordado acima sobre qual a nacionalidade terá uma criança brasileira nascida na Itália devido ao critério de aferição de nacionalidade adotado por ambos os países (Brasil e Itália), viu-se que se aplica a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A interpretação trazida pelo autor consiste na aplicação do princípio da máxima efetividade ou da eficiência, uma vez que havendo dúvida se a criança adquirirá uma nacionalidade ou será apátrida, pelos princípios mencionados, devese preferir a interpretação que maior eficácia dê aos direitos fundamentais. Cite-se: De acordo com o princípio interpretativo da máxima efetividade ou da eficiência, a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. No caso de dúvidas, deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos Direitos Fundamentais. (CHIMENTI et al, 2008, p. 55). A abrangência dos direitos e garantias fundamentais na CRFB/88 compreende: direitos e deveres individuais e coletivos, art. 5°, direitos sociais, art. 6°, direitos da nacionalidade, art. 12 e 13, direitos políticos, arts. 14 a 16 e partidos políticos, art. 17. Assim, os direitos fundamentais não se limitam apenas ao artigo 5°, estando presente implicitamente ao longo da CRFB/88. Em que pese a consideração do direito da nacionalidade como sendo um direito fundamental, entende-se classificá-lo também como direitos humanos, haja vista o plano no qual se encontra. Os direitos fundamentais são também conhecidos como direitos humanos fundamentais; direitos do homem; direitos naturais; liberdades fundamentais, dentre outros. Os direitos fundamentais e os direitos humanos possuem similar conteúdo normativo, podendo ambos serem considerados como o conjunto de normas e princípios que possuem como escopo a convivência pacífica, digna e igualitária independente de cor, raça, sexo, idade e condição. Por meio de um estudo realizado por Renato Barbosa de Vasconcelos, estudante de direito da Universidade Federal do Ceará, verificou-se que a teoria dos direitos fundamentais surgiu da teoria dos direitos humanos e tiveram sua origem na disseminação dos ideais iluministas e jusnaturalistas que permearam os séculos XVII e XVIII, quando se passou a admitir que uma pessoa era sujeito de direitos imprescritíveis e inalienáveis simplesmente por pertencer a espécie humana, assim, “entende-se que os direitos fundamentais surgiram somente a partir do momento em que as normas de direitos humanos consubstanciadas nas declarações de direitos passaram a ser constitucionalizadas”. (VASCONCELOS, 2008, p.02). Por considerar que os direitos humanos possuem natureza jusnaturalista, é comum a conceituação em como sendo um direito inerente à condição humana. Não é errado tal conceito, entretanto, não se pode restringir os direitos humanos somente a tal conceituação, haja vista a sua evolução histórica, social, política e econômica. Embora os direitos humanos serem direitos pertencentes às pessoas pelo simples fato de serem seres humanos, deve-se ressaltar que seu reconhecimento adveio de um processo de luta contra o poder, contra as barbaridades cometidas em guerras e com o massacre dos povos, por isso são considerados direitos universais que protegem o indivíduo e a sociedade tanto contra ações, como omissões do Estado. Desta feita, as Convenções, Pactos e Declarações obrigam o Estado e à própria coletividade a agirem com respeito aos direitos humanos, tendo em vista serem esses direitos universais, indivisíveis e interdependentes. A problemática que envolve a distinção de tais direitos pode ser resolvida nos planos da positivação, da titularidade e da eficácia. No contexto da positivação, “a expressão “direitos fundamentais” designa as posições jurídicas básicas reconhecidas como tais pelo Direito Constitucional de um Estado, em um dado momento histórico”. (SARLET, 2005, p.35). Ao revés, os direitos humanos podem ser assim entendidos: […] a expressão “direitos humanos” refere-se aos direitos básicos da pessoa reconhecidos no âmbito dos documentos de Direito Internacional. Assim, humanos seriam os direitos cuja validade desconhece “fronteiras nacionais, comunidades éticas específicas, porque afirmados” por fontes de direito internacional. (SAMPAIO, 2004, p. 08). No que tange à titularidade, as normas de direitos humanos possuem como titulares todos os seres humanos, indistintamente, no entanto, algumas normas de direitos fundamentais possuem como titulares cidadãos exclusivamente de um Estado. Por fim, quanto à eficácia: […] verifica-se que as normas de direitos humanos dependem do status jurídico que o ordenamento que as recepcionou lhes atribui, ao passo que as normas de direitos fundamentais já possuem, em regra, a sua aplicabilidade garantida pelas Constituições que as consagra. (VASCONCELOS, 2008, p.02). E ainda, em relação à nomenclatura utilizada para designar direitos humanos e direitos fundamentais, de grande valia a observação feita pelo professor João Trindade Cavalcante Filho: Há uma verdadeira balbúrdia terminológica que assola a doutrina. Podemos registrar, por exemplo, autores que usam nomes tão díspares quanto “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos dos cidadãos”, “direitos da pessoa humana”, “direitos do Homem”, etc.[...].Consideramos que, no direito interno, a nomenclatura mais adequada é a que ora utilizamos, ou seja, direitos fundamentais. [...] Isso porque a Constituição utiliza essa terminologia (Título II). Ademais, as outras nomenclaturas são inadequadas, por vários motivos. “Liberdades públicas” é demasiadamente restrito, pois se refere apenas aos chamados direitos de primeira geração. “Direitos do Homem” e “direitos da pessoa humana” são, ao mesmo tempo, excessivamente genéricos e indefinidos. Afinal, só existem direitos da pessoa. Por outro lado, “direitos humanos” parecer ser mais adequado na esfera internacional. Realmente, direitos fundamentais e direitos humanos, estes (humanos) são direitos atribuídos à humanidade em geral, por meio de tratados internacionais (Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, 1948, por exemplo). Já os direitos fundamentais são aqueles positivados em um determinado ordenamento jurídico (Constituição Brasileira, Lei Fundamental Alemã etc.). Essa tese é corroborada pela CF: quando trata de assuntos internos, a Constituição costuma se referir a “Direitos e garantias fundamentais”, ao passo que, quando trata de tratados internacionais, se refere a direitos humanos. Em verdade, o conteúdo de ambos é bastante semelhante. São conjuntos diferentes que possuem grande área de intersecção. A diferença é mais de fonte normativa que de conteúdo. (FILHO, 2010, p. 05). Importante as colocações trazidas à baila, pois, embora o conteúdo normativo dos direitos humanos e direitos fundamentais serem similares, denota-se que a distinção permeia os campos da positivação, da titularidade e da eficácia. Outrossim, concernente ao direito da nacionalidade, pode-se afirmar que ao mesmo tempo em que é considerado um direito fundamental, pois vigora no direito interno, sendo um direito positivado na CRFB/88, é considerado um direito humano, pois vigora no plano internacional, destacando sua internacionalização, quando da aprovação da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. 3 EFEITOS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL NA ANÁLISE DA CONVENÇÃO DE HAIA RELATIVA À PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E À COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE ADOÇÃO INTERNACIONAL A Convenção de Haia foi concluída em Haia, na Holanda, em 29 de maio de 1993, “no âmbito da 17ª Conferência de Direito Internacional Privado, com o objetivo primeiro de impedir o tráfico internacional de crianças” (LIBERATI, 2009, p. 01), entrando em vigor internacional em 1 de maio de 1995, tendo sido aprovada no Brasil pelo decreto legislativo n° 1, de 14 de maio de 1999 e promulgada pelo decreto 3.087, de 21 de janeiro de 1999. Segundo Montagner (2009), a Convenção de Haia foi o primeiro instrumento a regular a adoção internacional, ultrapassando as fronteiras regionais, denotando interesse mundial. Os países signatários da Convenção de Haia viram a necessidade de prever medidas para garantir que as adoções internacionais fossem feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças, estabelecendo em seu texto normas que versem sobre os requisitos para as adoções internacionais; autoridades centrais e organismos credenciados. Os artigos 23 a 27 da citada Convenção, estabelecem os efeitos da adoção internacional ressaltando que os mesmos são válidos a partir do trânsito em julgado da sentença que deferir tal medida.5 Assim, a adoção implicará no reconhecimento do vínculo de filiação entre a criança e seus pais adotivos; na responsabilidade dos pais adotivos; bem como na ruptura do vínculo de filiação preexistente entre a criança e seus pais biológicos. O vínculo de filiação que se forma entre a criança e seus pais adotivos, é um importante efeito disposto no artigo 26 da convenção em estudo.6 E assim como na 5 Artigo 23 1. Uma adoção certificada em conformidade com a Convenção, pela autoridade competente do Estado onde ocorreu, será reconhecida de pleno direito pelos demais Estados Contratantes. O certificado deverá especificar quando e quem outorgou os assentimentos previstos no artigo 17, alínea "c". 2. Cada Estado Contratante, no momento da assinatura, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, notificará ao depositário da Convenção a identidade e as Funções da autoridade ou das autoridades que, nesse Estado, são competentes para expedir esse certificado, bem como lhe notificará, igualmente, qualquer modificação na designação dessas autoridades. (BRASIL, 1999). 6 Artigo 26 1. O reconhecimento da adoção implicará o reconhecimento: a) do vínculo de filiação entre a criança e seus pais adotivos; b) da responsabilidade paterna dos pais adotivos a respeito da criança; c) da ruptura do vínculo de filiação preexistente entre a criança e sua mãe e seu pai, se a adoção nacional, a adoção internacional atribui ao adotado a condição de filho para todos os efeitos de direito. Não é errado comparar os efeitos da adoção internacional com os da adoção nacional, uma vez que ambas levam em consideração o princípio do melhor interesse da criança, visando atender as necessidades básicas dos adotados. Deste primeiro efeito advém o da responsabilidade dos pais adotivos, uma vez que a criança será filha dos adotantes, sem sofrer nenhuma discriminação. Todavia, quanto a este efeito, importante a redação do artigo 27 da Convenção de Haia: Se uma adoção realizada no Estado de origem não tiver como efeito a ruptura do vínculo preexistente de filiação, o Estado de acolhida que reconhecer a adoção de conformidade com a Convenção poderá convertêla em uma adoção que produza tal efeito, bastando que a lei do Estado de acolhida o permita e que os consentimentos previstos no Artigo 4, alíneas "c" e "d", da presente Convenção tiverem sido ou forem outorgados para tal adoção. (BRASIL, 1999). O principal efeito pertinente à adoção internacional é aquele relativo à nacionalidade do adotado, uma vez que este direito refletirá diretamente sobre sua vida e a de sua nova família. Entretanto, como a nacionalidade trata-se de matéria constitucional, não foi possível inseri-la expressamente no texto da Convenção, mas para contornar esse impedimento material, seu artigo 23 preleciona que sendo a adoção certificada em conformidade com a Convenção pela autoridade competente do Estado onde ocorreu, a sentença será reconhecida de pleno direito pelo Estado signatário, o que significa dizer que não é necessário o país da acolhida homologar a sentença de adoção prolatada no Brasil. 7 Concernente à homologação de sentenças estrangeiras, necessário tecer alguns comentários. Primeiramente, por homologação, entende-se como sendo “o ato que torna a sentença exequível na ordem jurídica interna”. (DEL’OLMO, 2006, adoção produzir este efeito no Estado Contratante em que ocorreu. 2. Se a adoção tiver por efeito a ruptura do vínculo preexistente de filiação, a criança gozará, no Estado de acolhida e em qualquer outro Estado contratante no qual se reconheça a adoção, de direitos equivalentes aos que resultem de uma adoção que produza tal efeito em cada um desses Estados. (BRASIL, 1999). 7 Segundo Ângela Christina Boelhouwer Montagner “[...] Foi estabelecido que as sentenças estrangeiras sobre adoção internacional tivessem homologação automática, produzindo imediatamente seus efeitos no país de acolhida da criança, sendo desnecessária a concessão de exequatur, incluindo-se aí a concessão da nacionalidade. Esse é o caso da Espanha, Noruega, Finlândia e Dinamarca, para citar alguns, mas não é para totalidade dos países contratantes, dentre outros a Itália.”. (MONTAGNER, 2009, p.403.). p.70). Como visto, a sentença constitutiva de adoção internacional prolatada no Brasil não necessita de exequatur, ou seja, de homologação no país que acolher a criança, tendo em vista a disposição trazida pela Convenção em estudo, pois a sentença proferida no Brasil produzirá efeito imediato quando for certificada em conformidade com a Convenção pela autoridade competente do Estado onde ocorreu. Entretanto, importante destacar que caso a adoção seja realizada em um país estrangeiro, sendo os adotantes brasileiros e criança a ser adotada seja estrangeira, será necessária a homologação da sentença pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ. Os requisitos para execução de sentença estrangeira estão previstos no artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, sendo o sistema mais empregado – a delibação. A delibação, segundo Del'olmo (2006), visa à análise da sentença estrangeira apenas em sua forma, ou seja, será feita uma análise avaliando se os pressupostos para a homologação foram atendidos, sem entrar no mérito da decisão. Como o Brasil exige a homologação de sentença estrangeira, denotam-se alguns percalços, isto porque, o Brasil não reconhece de pleno direito a sentença de adoção proferida no estrangeiro, demonstrando que nessa questão não está cumprindo a convenção de Haia. Outrossim, não reconhece como brasileiro nato o filho adotivo estrangeiro de adotantes brasileiros, exigindo-se processo administrativo de naturalização, haja vista que a impossibilidade da concessão de nacionalidade decorre da CRFB/88, pois, vincula o Brasil ao critério do Jus solis, excepcionando ao critério do Jus sanguinis, no caso de filhos de brasileiros nascidos no exterior, é o que relata Montagner (2009). Ora, o entendimento é contrário ao que a própria CRFB/88 consagra, pois esta não permite qualquer discriminação entre filhos biológicos e adotivos. Com esse raciocínio, permite-se afirmar que, deveria sim, a criança estrangeira adotada por brasileiro, ser brasileira nata e não naturalizada, para que não haja margem ao entendimento de discriminação de filiação adotiva, uma vez que o filho de brasileiro nascido no estrangeiro será brasileiro nato. Mesmo não estando presente na Convenção de Haia, matéria relativa à nacionalidade, percebe-se que tal direito é um importante efeito advindo da adoção internacional, pois com a nacionalidade permite-se a criança exercer em seu novo país os direitos inerentes a todos os cidadãos. Importante ainda esclarecer que a “adoção não é critério de atribuição de nacionalidade, pelo que é de se afastar qualquer possibilidade de, por si só, ela implicar modificação da nacionalidade originária do adotado”. (SALDANHA, 2011, p.18). Interpretando o raciocínio da autora, extrai-se que não será a adoção o fato que gerará a aquisição da nacionalidade, mas sim o fato de estar residindo em outro país, pois a partir daí a pessoa será sujeito de direitos e obrigações, ou seja, para que a pessoa seja cidadã, e possa exercer seus direitos e cumprir seus deveres, principalmente os políticos, deverá adquirir uma nacionalidade. Além do mais, não tem como negar o quanto é conveniente adquirir a nacionalidade do país que reside, principalmente no caso da criança adotada, no tocante a assimilação cultural. 4 ANÁLISE DA MANUTENÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA APÓS A ADOÇÃO INTERNACIONAL Antes de adentrar nos aspectos concernentes à nacionalidade, importante se faz o relato a respeito da natureza jurídica da sentença de adoção. A previsão no ECA é de ter a sentença natureza constitutiva, é o que dispõe seu artigo 47, § 7° (BRASIL, 1990). Por sentença constitutiva entende-se ser aquela que cria, modifica ou extingue uma situação jurídica através de um ato judicial. Desta forma pode-se dizer que a sentença constitutiva da adoção extingue uma relação jurídica preexistente. Quanto a este efeito da sentença, importante o ensinamento trazido por Câmara (2010), o qual consiste “no rompimento dos vínculos (direitos e obrigações) existentes entre as partes e decorrentes da relação jurídica que se extinguiu”. (CÂMARA, 2010, p. 453). Assim, não há que se falar na existência de direitos e obrigações entre os pais biológicos e a criança adotada após a prolação da sentença da adoção, devido ao desligamento de vínculos entre ambos. 8 Ressalte-se que, após a sentença, não só extingue, mas também cria uma nova relação jurídica entre adotantes e adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios. Em se tratando de adoção internacional, depois de prolatada a sentença, terse-á como efeito não só a extinção e criação de vínculo, mas também a questão da nacionalidade. Pretende-se, assim, verificar se a criança brasileira adotada por espanhóis de origem adquirirá a nacionalidade espanhola, bem como atentar pelo fato da manutenção da nacionalidade brasileira, tendo em vista ser a nacionalidade um direito fundamental. A nacionalidade é regulada no artigo 12 da CRFB/88, estabelecendo neste dispositivo quem são os brasileiros natos e naturalizados, bem como as hipóteses de perda da nacionalidade brasileira. No artigo 12, § 4° estabelece quais são às hipóteses de perda da nacionalidade brasileira, trazendo no inciso II as seguintes: Art. 12, § 4°- Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: 8 Importante ressaltar que com a adoção, apesar de haver o desligamento da criança com seus pais biológicos e parentes, a lei põe a salvo os impedimentos matrimoniais, é o que dispõe o caput do artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente. I- tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude atividade nociva ao interesse nacional; II- adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b)de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para exercício de direitos civis. (BRASIL, 1988) (Grifo nosso). Observa-se com tais hipóteses, que a criança adotada por espanhóis não perderá a nacionalidade brasileira, podendo sustentar na primeira hipótese trazida no inciso II, tendo em vista que a Espanha reconhece a nacionalidade originária espanhola às crianças brasileiras adotadas por espanhóis de origem. Desta forma, considera-se que “a perda da nacionalidade segue uma ordem taxativa (numerus clausus), pois só pode ocorrer nas hipóteses definidas pela Constituição Federal”. (BULOS, 2011, p. 435). Assim, nenhum regramento legislativo poderá modificar as hipóteses estabelecidas na CRFB/88. É o entendimento do Supremo Tribunal Federal: A perda da nacionalidade brasileira, por sua vez, somente pode ocorrer nas hipóteses taxativamente definidas na CR, não se revelando lícito, ao Estado brasileiro, seja mediante simples regramento legislativo, seja mediante tratados ou convenções internacionais, inovar nesse tema, quer para ampliar, quer para restringir, quer, ainda, para modificar os casos autorizadores da privação – sempre excepcional – da condição político-jurídica de nacional do Brasil. (BRASIL, 2003). (Grifo nosso). No mesmo sentido, é o entendimento de Del’Olmo (2006), referindo-se que a criança, tendo nascida em território brasileiro e posta em adoção internacional, jamais perde sua nacionalidade e mesmo que seja cancelado o registro de nascimento original, os dados objetivos serão mantidos, como por exemplo, o local de nascimento, data e horário. Mesmo com as hipóteses taxativas trazidas pela CRFB/88, há entendimento contrário. Para Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, a adoção internacional implica em perda da nacionalidade brasileira: Por força do inciso II do § 4° do art. 12, CF, c/c art. 26 da Convenção retro mencionada, a adoção internacional hoje implica que seja declarada a perda da nacionalidade brasileira, ressalvado que os adotantes, ou um deles, domiciliados no exterior, seja (m) brasileiro (s), [...]. (FIGUEIRÊDO, p. 2011, p. 72). Ora, a exceção que o autor estabelece que se os adotantes forem brasileiros não implicará em perda de nacionalidade, não é exceção trazida pelo ECA, nem pela Convenção de Haia relativa à Proteção das Crianças e a Cooperação em matéria de adoção internacional. Quanto aos brasileiros residentes no exterior, o que é estabelecido pelo ECA é que os mesmos terão prioridade em relação estrangeiros quando da adoção internacional, assim, seja estrangeiro ou brasileiro residente no estrangeiro que adote uma criança brasileira, manter-se-á a nacionalidade brasileira. Ressalta-se ainda, conforme Montagner (2009), que a Convenção de Haia não enfrenta a questão da nacionalidade, não servindo assim de argumento para a perda na nacionalidade em relação ao país de origem da criança. Mesmo sendo taxativas as hipóteses de perda da nacionalidade, aspectos outros ainda devem ser observados, considerando também as normas que norteiam o princípio do melhor interesse da criança. Perder a nacionalidade brasileira pelo fato de ser a criança adotada por estrangeiros contraria não só o artigo 12, § 4° da CRFB/88, mas também outros preceitos constitucionais. Seu artigo 227, por exemplo, a CRFB/88 proíbe qualquer discriminação relativa à filiação, devendo os filhos por adoção ter os mesmo direitos dos filhos biológicos, desta forma se a CRFB/88 estabelece esta igualdade, não poderá lei, Tratado ou Convenção trazer hipóteses ampliativas da perda da nacionalidade brasileira quando da efetivação da adoção internacional. Segundo a Convenção de Haia as adoções internacionais devem ser feitas considerando o interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim, caso houvesse a perda da nacionalidade brasileira em virtude da adoção internacional, não teria sentido o Brasil ter ratificado a Convenção. No mesmo sentido, o ECA prevê a proteção aos direitos fundamentais da criança, prelecionando no artigo 17 o direito ao respeito, o que abrange a identidade. Conforme disposto na Convenção sobre os Direitos da Criança, preservar a identidade inclui a nacionalidade. Ora, a perda da nacionalidade acarreta a perda da identidade, o que retira da criança um direito que lhe é inerente. Importante ainda salientar que, segundo informações obtidas no Consulado do Brasil em Barcelona/Espanha, a criança brasileira adotada por cidadãos espanhóis mantém a nacionalidade brasileira e, portanto, deverá cumprir os deveres de todo cidadão brasileiro, quais sejam: A partir dos 16 anos, obter seu título de eleitor e estar apto a votar quando ocorrer eleição presidencial; aos 18 anos incompletos, o adotado de sexo masculino deverá efetuar sua inscrição no Serviço Militar e obter o certificado de alistamento militar. (Consulado-Geral do Brasil em Barcelona) Denota-se, portanto, o quanto são vastos os fundamentos que garantem à criança a manutenção na nacionalidade brasileira quando for adotada por estrangeiros, possuindo embasamento na CRFB/88, na Convenção de Haia, na Convenção sobre os direitos da Criança, bem como no ECA, sendo todos estes, regramentos elaborados para proporcionar a efetiva proteção aos direitos da criança, sobrelevando seu melhor interesse. 5 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE NA CRFB/88 E NO CÓDIGO CIVIL ESPANHOL Para que se possa verificar a nacionalidade de crianças brasileiras adotadas por espanhóis, primeiramente tratar-se-á brevemente sobre os critérios de aquisição de nacionalidade no tocante à CRFB/88 e ao Código Civil espanhol, pois como visto a adoção não é critério de atribuição de nacionalidade, mas sim, um direito que sofre influências quando da efetivação da adoção internacional, uma vez que a criança, ao residir no novo país será sujeito de direitos do mesmo, assim, fundamental torna-se a aferição da nacionalidade do país que lhe acolheu. No entanto, não basta somente verificar se a criança terá dupla nacionalidade após a adoção, mas sim, se ela será espanhola de origem ou se será necessário requerer a naturalização. Para entender tais questionamentos, passa-se à análise dos critérios de aferição de nacionalidade, confirmando desta maneira que não será a adoção que ensejará a aferição da nacionalidade. 5.1 Critérios de aquisição de nacionalidade à luz da CRFB/88 A CRFB/1988 enuncia em seu artigo 12 separadamente quais as hipóteses de aferição de nacionalidade originária e quais as hipóteses de aferição de nacionalidade secundária. A nacionalidade primária, também chamada de origem, originária, nata ou involuntária, decorre de critérios sanguíneos, territoriais ou mistos, ou seja, jus sanguinis, jus solis ou jus sanguinis e jus solis. O Brasil adota os dois critérios, sendo assim um critério misto. As hipóteses são taxativas, não admitindo interpretação que amplie o rol previsto na CRFB/88. Desta feita, serão brasileiros natos, todos aqueles que preencherem os requisitos estabelecidos na CRFB/88. Pela leitura do artigo 12 pode-se perceber que a regra utilizada é do jus loci, ou seja, serão brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que, de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço do seu país. “Não estar a serviço do país significa que os genitores não deverão estar exercendo atividade ligada aos seus respectivos Estados originários” (BULOS, 2011, p. 425). São também brasileiros natos, os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil. Esta regra é reconhecida pela doutrina como a regra do jus sanguinis somado ao critério funcional, pois além do vínculo sanguíneo é necessário que os pais sejam brasileiros natos ou naturalizados, devendo estes estarem a serviço do Brasil. Por fim, tem-se a última regra de aquisição de nacionalidade originária, sendo tal regra conhecida pela junção do jus sanguinis mais critério residencial mais opção confirmativa, sendo chamada de regra da nacionalidade potestativa 9, assim, com as alterações advindas com a Emenda Constitucional 54/2007, os requisitos para aferição de nacionalidade originária previstos no artigo 12, I, “c”, a serem observados serão o registro em repartição competente e a maioridade, dessa forma, serão brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que seja registrado em repartição brasileira competente, podendo o registro ser realizado em repartição diplomática ou consular competente, não necessitando de ingressar ao Judiciário para adquirir a nacionalidade, ou ainda, que venha a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. No tocante à aquisição da nacionalidade secundária, também conhecida como adquirida, derivada, de segundo grau ou involuntária, será aferida por meio da naturalização, podendo a mesma ser adquirida por um estrangeiro ou por um apátrida. Ressalta-se que a naturalização depende não só da vontade do interessado, mas também do consentimento do chefe do poder executivo federal. Salienta-se, todavia, que a concessão da naturalização brasileira é um ato discricionário, ou seja, mesmo após o cumprimento dos requisitos exigidos, o Estado pode recusar a conceder à naturalização, não tendo obrigação de fundamentá-la, tal como coloca Sarlet (2013, p. 639). As formas de naturalização caracterizam-se pelas modalidades ordinária e extraordinária, sendo ambas, modalidades expressas de naturalização. No texto da Constituição de 1891, havia previsão da naturalização tácita, entretanto, a CRFB/88 a eliminou de seu texto. Diz-se expressa, pelo fato de que, para que haja a 9 “Nacionalidade potestativa é aquela em que o interessado, a qualquer tempo, por vontade livre e espontânea, opta pelo vínculo que o tornará componente da dimensão pessoal do Estado”. (BULOS, 2011, p.425). naturalização deverá ser feito um pedido expresso pelo interessado, na forma de requerimento para apreciação do chefe do poder executivo federal. O artigo 12, II, “a” da CRFB/88, preleciona que são brasileiros naturalizados, “os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral”. (BRASIL, 1988). Assim, a expressão “na forma da lei”, exige-se a observância do Estatuto do Estrangeiro, lei n° 6.815/1980, precipuamente seu artigo 112, o qual enumera os requisitos para concessão da naturalização, quais sejam: I - capacidade civil, segundo a lei brasileira; II - ser registrado como permanente no Brasil; III - residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização; IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família; VI - bom procedimento; VII inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e VIII - boa saúde. (BRASIL, 1980). No tocante à modalidade extraordinária prevista no artigo 12, II, “b”, são também brasileiros naturalizados, “os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”. (BRASIL, 1988). Relata Sarlet (2013) que esta modalidade de naturalização, diferentemente da modalidade ordinária, preenchidos os requisitos pelo interessado, será de reconhecimento cogente por parte do Estado brasileiro. Outra hipótese especial refere-se ao casamento como critério para aquisição de nacionalidade, e como ressalta Sarlet (2013) não é objeto de reconhecimento por parte da ordem jurídico-constitucional brasileira. Por esta razão, eventual casamento ou união estável de estrangeiro com brasileiro não será motivo para aferição de nacionalidade, excetuando-se a naturalização especial, prevista no artigo 114 do estatuto do estrangeiro: “Dispensar-se-á o requisito da residência, exigindo-se apenas a estada no Brasil por trinta dias, quando se tratar: I - de cônjuge estrangeiro casado há mais de cinco anos com diplomata brasileiro em atividade”. (BRASIL, 1980). Vistas as formas de aquisição de nacionalidade brasileira, seja esta originária ou secundária, essencial a análise dos critérios de aferição de nacionalidade espanhola, para que possa concluir qual a nacionalidade da criança brasileira adotada por espanhóis. 5.2 Critérios de aquisição de nacionalidade à luz do Código Civil espanhol A Constituição espanhola vigente entrou em vigor em 1978, e no que pese a nacionalidade ser matéria constitucional, é no Código Civil espanhol que se encontram os critérios de aquisição de nacionalidade. O título I da Constituição espanhola trata dos direitos e deveres fundamentais, incluindo em seu capítulo I, nos artigos 11 e 12 o direito da nacionalidade, entretanto, não informa sobre as formas de aquisição de nacionalidade, não podendo assim verificar em seu texto se o critério adotado pela Espanha é o jus sanguinis ou jus solis. Todavia, o Código Civil espanhol vigente trata com detalhes sobre a aquisição de nacionalidade, incorporando as alterações introduzidas pela lei 36/2002, de 08 de outubro, que altera o Código Civil relativamente em relação aos critérios de aferição de nacionalidade. 5.2.1 Nacionalidade espanhola de origem Primeiramente, necessário esclarecer que ser espanhol não é o mesmo que ser espanhol de origem, isso por causa das diversas formas de se adquirir a nacionalidade espanhola, portanto, será espanhol de origem, aquele que recebeu a nacionalidade no momento do seu nascimento, tanto se nasceu na Espanha ou fora dela. Assim, a nacionalidade de origem será a primeira nacionalidade da pessoa, aquela recebida no momento do nascimento, o que não significa dizer que a pessoa não possa ter outras nacionalidades. 10 O artigo 17 do Código Civil espanhol diz respeito à aquisição da nacionalidade originária, e da sua análise vê-se que o critério de aquisição de nacionalidade adotado pela Espanha é também um critério misto, vislumbrando-se o 10 Mais informações a respeito da nacionalidade de origem encontram-se no artigo Espanhóis de origem, da autora Eloi Bermejo. jus sanguinis nas alíneas a e b e jus solis nas alíneas c e d. É preciso notar “em primeiro lugar, a prevalência do ius sanguinis (descendência) no jus solis (nascimento da Espanha), no momento da aquisição da nacionalidade espanhola de origem” (MUÑOZ, 2011). Desta forma, consideram-se espanhóis de origem, aqueles que se enquadram nos seguintes casos: a) filhos de pais espanhóis; b) Os nascidos na Espanha de pais estrangeiros, se pelo menos um deles também nasceu na Espanha. As exceções são filhos de funcionários diplomáticos ou consulares acreditados em Espanha. c) Os nascidos na Espanha de pais estrangeiros se ambos carecem de uma nacionalidade ou a lei de qualquer um deles atribuir que a criança tenha uma nacionalidade. d) Aqueles que nasceram na Espanha, cujo parentesco não pode ser determinado. Estes efeitos são presumidos nascido em menor território espanhol cujo primeiro ficar conhecido território espanhol. (ESPANHA, 2002). (Tradução nossa). 11 Vê-se, portanto, que a nacionalidade originária é pura e simples, pois é recebida no momento do nascimento, não tendo ligação com a origem étnica, adquirindo-a independentemente da vontade da pessoa que irá obtê-la. 5.2.2 Nacionalidade por carta de naturalização Com previsão no artigo 21 do Código Civil em estudo, a nacionalidade por carta de naturalização é concebida em circunstâncias excepcionais. Segundo Bermejo (2010), esse tipo de nacionalidade é uma concessão política, podendo ser considerada um presente do Governo Espanhol para quem se destaca em artes e em esportes, como no futebol, por exemplo. Salienta-se ainda que, conforme previsto no Código Civil espanhol, a concessão da nacionalidade por carta de naturalização expira em 180 (cento e oitenta) dias a contar da notificação, devendo o requerente nesse prazo apresentar perante a autoridade competente para cumprir os requisitos necessários presentes no artigo 23 do mesmo código. 11 Artículo 17.Son españoles de origen:a) Los nacidos de padre o madre españoles; b) Los nacidos en España de padres extranjeros si, al menos, uno de ellos hubiera nacido también en España. Se exceptúan los hijos de funcionario diplomático o consular acreditado en Espana; c) Los nacidos en España de padres extranjeros, si ambos carecieren de nacionalidad o si la legislación de ninguno de ellos atribuye al hijo una nacionalidad; d) Los nacidos en España cuya filiación no resulte determinada. A estos efectos se presumen nacidos en territorio español los menores de edad cuyo primer lugar conocido de estancia sea territorio español”. (ESPANHA, 2002). 5.2.3 Nacionalidade por residência Os artigos 21 e 22 do Código Civil espanhol referem-se à aferição da nacionalidade por residência na Espanha nas condições a seguir estipuladas: a) O candidato emancipado ou maior de dezoito anos. b) O maior de quatorze assistido por seu representante legal. c) O representante legal do menor de quatorze anos. d) O representante legal do incapaz ou desativado, por si ou devidamente representados, como resultado do julgamento de incapacitação. 12 (ESPANHA, 2002). (tradução nossa). Quanto aos prazos para poder requerer a nacionalidade por residência observar-se-á o artigo 22 do mesmo código, estando previsto que, para a concessão da nacionalidade por residência é necessária a residência na Espanha por 10 (dez) anos e 05 (cinco) anos para aqueles que tenham recebido asilo. O prazo será de 02 (dois) anos no caso de brasileiros e pessoas originárias de países latino-americanos, como, por exemplo, Andorra, Filipinas, Guiné Equatorial ou Portugal. Entretanto, em algumas hipóteses será exigida apenas a residência por 01 (um) ano na Espanha, como por exemplo, aquele nascido em território Espanhol; quem estiver casado com um espanhol; quem é neto de um espanhol de origem e mora legalmente há mais de 01 (um) ano na Espanha. Salienta-se, entretanto, que em todos os casos, a residência deve ser legal, contínua e imediatamente anterior ao pedido. 5.2.4 Nacionalidade por opção Como o próprio nome diz, nessa forma de aferição de nacionalidade, a pessoa poderá optar pela nacionalidade espanhola quando se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no artigo 20 do Código Civil espanhol, quais sejam: a) As pessoas que estão ou estiveram sujeitos sob a guarda de um espanhol; 12 Artículo21.3.En uno y otro caso la solicitud podrá formularla: a) El interesado emancipado o mayor de dieciocho años; b) El mayor de catorce años asistido por su representante legal; c) El representante legal del menor de catorce años; d) El representante legal del incapacitado o el incapacitado, por sí solo o debidamente asistido, según resulte de la sentencia de incapacitación. (ESPANHA, 2002). b) Aqueles cujo pai ou mãe são espanhóis de origem e nascidos na Espanha; c) Aqueles que são encontrados cobertos no segundo parágrafo do artigo 17e 19.13 (Tradução nossa). Destaca-se que nesse tipo de nacionalidade que o que importa não é a nacionalidade dos pais no momento do nascimento para que possa optar pela nacionalidade espanhola, mas sim o fato dos pais serem espanhóis de origem. Isso é possível, pois os pais podem ter perdido a nacionalidade espanhola por algum motivo e não tê-la recuperado, o que significa dizer que deixou de ser espanhol, mas não espanhol de origem. As formas de aferição de nacionalidade por opção acima mencionada referem-se à nacionalidade por opção derivada, entretanto, existe ainda, a possibilidade de optar pela nacionalidade espanhola de origem em dois casos. O primeiro caso refere-se à hipótese estabelecida na Lei de Memória Histórica, lei 52/2007, a qual, através de sua disposição sétima, reconheceu e ampliou direitos, além de ter estabelecido medidas a favor de quem sofreu perseguição ou violência durante a guerra civil e a ditadura. A Lei de Memória não está mais em vigor, mas em seu texto previa que a pessoa cujo pai ou mãe tenha sido espanhol de origem poderia optar pela nacionalidade espanhola de origem, devendo formalizar declaração no prazo de 02 (dois) anos desde a entrada em vigor da disposição sétima. Podendo o prazo ser prorrogado por acordo do Conselho de Ministros até o limite de 01 (um) ano. Esse direito de poder também optar pela nacionalidade espanhola de origem foi reconhecido aos netos de quem perdeu ou teve que renunciar à nacionalidade espanhola como consequência do exílio. Ocorre que a Lei de Memória ficou em vigor até dezembro de 2011 e quem não conseguiu obter a nacionalidade espanhola por intermédio desta lei, somente conseguirá através de residência legal de pelo menos 01 (um) ano na Espanha, tal como relata Bermejo (2010). Segundo Bermejo (2010) quem recebeu a nacionalidade pela Lei de Memória será espanhol de origem pelo fato de considerar que estes teriam nascido espanhóis se não tivesse existido as limitações que os impediram de obter a nacionalidade. Frisa-se ainda a autora que a Lei de Memória teve consequências trágicas, pois 13 Artículo 20. Tienen derecho a optar por la nacionalidad española: a) Las personas que estén o hayan estado sujetas a la patria potestad de un español; b) Aquellas cuyo padre o madre hubiera sido originariamente español y nacido en España; c) Las que se hallen comprendidas en el segundo apartado de los artículos 17 y 19. (ESPANHA, 2002). como não era uma lei orgânica, não teve o poder de mudar o Código Civil, além de tratar-se de um tema específico referente à reparação das feridas causadas pela Guerra Civil Espanhola -1936 a 1939, e a Ditadura Franquista que se seguiu até 1975. Com a limitação temática, causaram-se problemas para os netos que lutam pela nacionalidade espanhola, já que submeteu o direito dos mesmos à definição do conceito de exílio.14 O segundo caso de nacionalidade por opção de origem é tratado pelo Código Civil espanhol no artigo 19, cuja explicação será abordada no tópico seguinte. 14 “Exílio no contexto desta lei se refere EXCLUSIVAMENTE aos que fugiram da Espanha seja pela Guerra Civil (1936-1939) como pela primeira parte da Ditadura Franquista (1939 até 1955). Quem deixou a Espanha ANTES ou DEPOIS destas datas PODE SER CONSIDERADO EXILADO, mas só se puder provar os critérios definidos pelo Governo”. (BERMEJO, 2010). 6 A NACIONALIDADE DE CRIANÇAS BRASILEIRAS ADOTADAS POR ESPANHÓIS Após a análise dos critérios de aferição de nacionalidade, tanto no Brasil, quanto na Espanha, poder-se-á verificar se a criança brasileira irá adquirir a nacionalidade espanhola e, adquirindo, se essa nacionalidade será originária ou secundária. Como se verificou, a criança não deixará de ser brasileira pelo fato de ser adotada, pois, não resulta da adoção, a aquisição ou perda da nacionalidade, uma vez que os institutos não apresentam a mesma matriz normativo política. Acredita-se que o contrário, ou seja, perder a nacionalidade em decorrência da adoção, apesar de ter entendimento nesse sentido, seria totalmente equivocado, uma vez que a adoção internacional apesar de extinguir o vínculo com a família natural, não tem o condão de afastar da criança sua realidade, devendo inclusive os pais, incentivarem a criança a manter o vínculo com a cultura brasileira. Ao observar o artigo 7° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – tem-se que “a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família” (BRASIL, 2010). Como a adoção trata-se de instituto do direito de família, essa norma aplica-se a mesma, entretanto, o Brasil não poderá dispor sobre a questão da nacionalidade espanhola uma vez que o instituto da adoção e da nacionalidade não se implicam mutuamente. Assim, para saber se a criança irá adquirir a nacionalidade espanhola, dever-se-á verificar o direito interno de cada país. A criança brasileira não deixará de ser brasileira quando adotada por espanhóis, mas para verificar se será espanhola deve-se observar a Constituição da Espanha de 1978 e principalmente o Código Civil espanhol, pois este disciplina, de forma detalhada, as questões concernentes ao tema proposto. São diversas as formas de aquisição de nacionalidade espanhola, no entanto, em nada influencia se o adotante é espanhol de origem ou apenas espanhol para que a criança adotada possa adquirir a nacionalidade espanhola, pois os efeitos serão os mesmos. Segundo disposição trazida no artigo 19 do Código Civil espanhol, “um estrangeiro de até 18 anos adotado por um espanhol adquiri desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem”. 15 (ESPANHA, 2002). (Tradução nossa). Além de assim dispor expressamente, são vários os fundamentos encontrados para que a criança adotada por um estrangeiro possa adquirir a nacionalidade dos adotantes. Primeiramente, há de considerar que a Autoridade Central Administrativa Federal - ACAF, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República -SDH/PR, além de ser responsável pelo credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, responsabiliza-se ainda pelo seguimento no período pós adotivo das adoções internacionais. Importante referir-se a este período pós adotivo pelo fato de que os organismos credenciados, deverão, conforme previsão no ECA, providenciar as medidas necessárias para que os adotantes encaminhem à ACAF, cópia da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes sejam concedidos. Destaca-se, também, que a Declaração das Nações Unidas concernentes aos princípios sociais e jurídicos relativos à proteção e ao bem estar das crianças, com especial referência à adoção e colocação familiar, a nível nacional e internacional, encontra previsão em seu artigo 22: Nenhuma adoção internacional deverá ser considerada antes de se ter estabelecido que a criança está em condições de ser adotada legalmente e que serão obtidos os documentos pertinentes necessários à conclusão do processo de adoção, como o consentimento das autoridades competentes. Deverá também ser estabelecida a possibilidade de a criança emigrar e ir para junto dos futuros pais adotivos e de adquirir a nacionalidade destes últimos. (BRASIL, 1986).16 Importante salientar que na Espanha, da mesma forma que no Brasil, não há discriminação entre os filhos biológicos e adotivos, assim, não haveria porque privar a criança brasileira de adquirir a nacionalidade de seus novos pais. A escolha da Espanha para tratar do tema proposto justifica-se pelo fato de que durante um estudo concernente à adoção internacional em que o primeiro 15 Artículo 19. “El extranjero menor de dieciocho años adoptado por un español adquiere, desde la adopción, la nacionalidad española de origen”. (ESPANHA, 2002). 16 Mais informações no site http://direitoshumanos.gddc.pt/3_3/IIIPAG3_3_14.htm. contato com o instituto, as crianças foram levadas para este país, verificou-se a necessidade na análise de como ficaria a nacionalidade das mesmas. Como já relatado anteriormente, a sentença constitutiva de adoção internacional não precisa ser homologada na Espanha para que possa surtir efeitos, todavia, para que a criança adquira a nacionalidade espanhola, necessário se faz o registro das crianças no cartório de registro civil espanhol. Conforme informações obtidas no site da Embaixada da Espanha em Brasília, para adoção constituída no exterior ser reconhecida na Espanha é necessário que os adotantes, uma vez que eles estão em seu local de residência, apresentar um pedido de registro de adoção, em seu registro civil local. A necessidade deste registro liga-se justamente na necessidade da criança adotada adquirir a nacionalidade espanhola de origem. Em contato com um casal espanhol que adotou duas crianças brasileiras, o mesmo informou como procederam para que os filhos adquirissem a nacionalidade espanhola após a chegada na Espanha. A mãe, que possui as duas nacionalidades, brasileira e espanhola, informou: [...] Meu marido é espanhol, eu tenho as duas nacionalidades, brasileira e espanhola, os meninos já saíram do Brasil com o nosso sobrenome, e ao chegar em Espanha fui até o registro civil, ou cartório, deixei toda a documentação e demorou mais de um ano para sair a identidade e passaporte dos meninos, o juiz pediu toda a documentação que tínhamos do Brasil, levei tudo e revisaram tudo, nos entrevistaram, tivemos umas três entrevistas, o juiz espanhol pesquisou tudo, para ver se não havia fraude no caso, e como não havia nada errado estávamos tranquilos, e quando finalizaram as "pesquisas" nos chamaram e nos deram uma autorização para o registro, então foram registrados aqui na nossa cidade, a certidão de nascimento deles consta que nasceram aqui e não fala nada de adoção. Nós chegamos em julho/2011 e a autorização saiu em dezembro /2012, ano e meio para ajeitar tudo e em 2013 fizemos as identidades e os passaportes da Espanha. [...] A nacionalidade eles adquiriram porque consta que são nascidos aqui e ao serem filhos de espanhóis, automaticamente a nacionalidade é essa. Não tivemos que fazer nenhum "procedimento" para serem espanhóis, só o registro mesmo. Eles entraram aqui como nossos filhos, o sobrenome nosso, nenhuma dificuldade. (INFORMANTE). Conforme informações obtidas junto à Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pará de Minas, verificou-se que os adotantes espanhóis foram indicados para adoção no Brasil, pela CEJA, após laudo de habilitação expedido na Espanha. Após o deferimento do estágio de convivência, o casal veio ao Brasil, tendo sido elaborado relatório técnico opinando pela procedência do pedido, tendo em vista que o estágio de convivência foi positivo, assim como a adoção, que traria reais vantagens às crianças, sendo que as mesmas já demonstravam afeto com os novos pais, mostrando-se ansiosos para que fossem acolhidos em seu novo lar e estando o casal seguro de seu desejo de tê-los como filhos. O Ministério Público, após analisar os requisitos objetivos e subjetivos do feito, opinou pela procedência do pedido. Desta forma, verificou-se que a adoção atendia aos requisitos do artigo 39 e seguintes e 165 e seguintes, todos da lei 8069/90 e que atendia aos melhores interesses dos adotandos, trazendo a eles reais vantagens, razão pela qual, o pedido foi deferido. Informou ainda que após o trânsito em julgado, expediu-se mandado de transcrição da sentença, no competente Cartório do Registro Civil, cancelando-se o registro anterior, com todos os cuidados e ritos do artigo 47 da lei 8069/90. 7 COMISSÃO ESTADUAL JUDICIÁRIA DE ADOÇÃO – CEJA Com o advento da Lei n. 12.010/2009, foram alterados, bem como acrescentados alguns artigos ao ECA, dispondo assim em seu artigo 52 sobre a Comissão Estadual Judiciária de Adoção - CEJA, também conhecida como Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional - CEJAI. A CEJA, conforme dados obtidos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJMG, foi instituída pelo Poder Judiciário Estadual objetivando aos juízes da Vara da Infância e da Juventude o auxílio referente às adoções nacionais e internacionais. Com a finalidade principalmente voltada à efetivação da segurança jurídica nas adoções internacionais, cada Estado criou uma CEJA, sendo a de Minas Gerais criada no ano de 1992, fazendo com que as crianças de Minas Gerais, vítimas de exploração, violência, crueldade e opressão sejam consideradas adotáveis. De acordo com a Convenção de Haia, a CEJA, é encarregada de dar cumprimento às obrigações contidas em seu texto, tendo em vista sempre o superior interesse da criança. A Convenção traz ainda a faculdade de um Estado designar mais de uma Autoridade Central e especificar o âmbito territorial ou pessoal de suas funções, estabelecendo em seu artigo 7, que a CEJA, tomará diretamente, todas as medidas adequadas para fornecer informações sobre a legislação de seus Estados em matéria de adoção e outras informações gerais, tais como estatísticas e formulários padronizados e informar-se mutuamente sobre o funcionamento da Convenção e, na medida do possível, remover os obstáculos para sua aplicação. (CAPANEMA, SOUZA, 2013, p. 83). Verifica-se dessa forma, que as autoridades Centrais, ao mesmo tempo em que se empenham para que se efetive a adoção internacional, entendem o caráter excepcional da medida, preocupando-se com o período pós adotivo, exigência esta contida no artigo 54, § 4°, inciso v do ECA. A Convenção em estudo elenca atribuições das autoridades Centrais, que podem ser feitas diretamente ou com a cooperação de autoridades públicas ou outros organismos devidamente credenciados em seu Estado, especialmente para o controle de informações relativas à situação da criança e dos futuros pais adotivos, facilitar, acompanhar e acelerar o procedimento da adoção; promover a orientação e desenvolvimento de serviços referentes a adoção, troca de relatórios de avaliação sobre experiências na adoção internacional, bem como responder nos limites da lei, a informações a respeito da adoção, solicitadas por outras autoridades centrais ou públicas. (CAPANEMA, SOUZA, 2013, p.83). Discorrendo sobre o papel das CEJAS, Cápua (2011), trata sobre pontos fundamentais a serem observados no procedimento da adoção internacional, em que as CEJAS deverão fazer um estudo, observando se os postulantes estão devidamente habilitados e se obedeceram às exigências contidas no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando que após o parecer favorável da Comissão, ouvido o Ministério Público, deverão ser juntados a petição inicial e o laudo de habilitação dos postulantes. De grande valia ressaltar, conforme Cápua (2011) que as CEJAS, apesar de terem convênio com o poder judiciário, o juiz não está vinculado ao seu laudo, podendo este exercer plenamente sua função jurisdicional sem se vincular ao mesmo. Aponta também que, o laudo de habilitação não tem validade por tempo indeterminado, é válido pelo prazo máximo de 01 (um) ano e após este período os postulantes não poderão mais querer a adoção de crianças ou adolescentes, a não ser que haja revalidação do respectivo laudo, podendo as Autoridades Centrais exigir a complementação do estudo psicológico dos candidatos à adoção internacional elaborado no país de acolhida. Observa-se ainda que a Convenção de Haia faculta o credenciamento de organismos, sejam eles nacionais ou internacionais, para auxiliarem as Autoridades Centrais na intermediação dos pedidos de adoções internacionais, desde que tais organismos estejam devidamente credenciados pelas Autoridades Centrais tanto do país onde estejam sediados quanto ao país o qual será levado a criança adotada, além de terem competência profissional, experiência, responsabilidade e obedecerem aos requisitos presentes nas legislações do Brasil no que toca à matéria relativa à adoção. As pessoas que façam parte dos organismos deverão ser cadastradas pelo departamento da polícia Federal, bem como serem aprovadas pela Autoridade Central Federal Brasileira, apresentando a esta, relatórios das atividades com cópia para a Autoridade Central Estadual; bem como não perseguir fins lucrativos. Para obtenção de dados consistentes em verificar a quantidade de crianças que foram adotadas por espanhóis desde que o Brasil ratificou a Convenção de Haia relativa à Adoção Internacional, entrou-se em contato com a CEJA de todos os Estados, obtendo respostas das CEJAS do Distrito Federal, Amapá, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro e Ceará. Destes, o Distrito Federal e o Amapá não realizaram adoções internacionais entre Brasil e Espanha, até o ano de 2012. Em Pernambuco, foram realizadas 11 adoções internacionais para Espanha em 1999; na Bahia 01 adoção internacional em 2005, 01 em 2007 e 01 em 2011; no Rio de Janeiro, 04 em 2005, 02 em 2007, 02 em 2008, 01 em 2009 e 03 em 2012; no Espírito Santo foram realizadas 04 adoções internacionais, não informando o ano e 01 em Goiás e 01 no Ceará, também não informando o ano. Quanto ao Estado Minas Gerais, a CEJA informou que os três países que mais adotam crianças brasileiras são, em primeiro lugar, Itália, segundo, França e em terceiro, a Espanha, tendo sido realizadas para este país, 01 adoção internacional em 2004; 04 em 2005; 05 em 2006; 02 em 2008; 03 em 2009; 02 em 2011 e 06 em 2012. Verifica-se com as informações obtidas que desde que o Brasil ratificou a Convenção de HAIA foram realizadas 55 adoções internacionais para Espanha, não podendo ser confirmado o número exato, uma vez que não foram todas as CEJAS que responderam às solicitações. Mesmo sem a quantidade exata, é um número relevante de crianças que saíram do seu país de origem. Assim, percebe-se quão necessário o estudo da nacionalidade das crianças brasileiras que são adotadas por espanhóis, ressaltando ainda o fato de a adoção internacional ser uma medida excepcional, ou seja, este número de crianças que tiveram a Espanha como seu país de acolhida, não conseguiram um lar substituto no Brasil, encontrando na família Espanhola o seu seio familiar. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A adoção é um instituto de origem remota, tendo passado por várias alterações legislativas, não sendo mais conhecida como um instituto a dar filhos a quem a natureza não pode dar, mas sim, um instituto voltando ao acolhimento de crianças em um lar substituto. Com a globalização e a facilidade de mobilidade na atualidade, o instituto da adoção ganhou contornos precisos, transformando a adoção internacional em um instituto que visa acolher crianças que não puderam ser inseridas em um seio familiar no Brasil, sendo então acolhidas por um país estrangeiro, demonstrando de tal forma seu caráter excepcional. Ao ser efetivada a adoção internacional, dever-se-á observar os efeitos dela decorrentes, tendo sido de principal relevância no tema estudado, a análise da nacionalidade. Pode-se afirmar que a nacionalidade ao mesmo tempo em que é considerado um direito fundamental, pois vigora no direito interno, sendo um direito positivado na CRFB/88, é também um direito humano, pois vigora no plano internacional, destacando sua internacionalização, quando da aprovação da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Concernente aos efeitos da adoção internacional no que tange à análise da Convenção de Haia, a mesma diz respeito à extinção de vínculos com a família biológica e a criação de vínculo com a nova família. Como a adoção é matéria constitucional não se tratou de tal assunto na Convenção em estudo, entretanto, para suprir esse impedimento material, seu artigo 27 preleciona que se a adoção for realizada de acordo com os requisitos exigidos na Convenção, a sentença será reconhecida de pleno direito pelo país contratante. Desta feita, a sentença de adoção internacional prolatada no Brasil não precisará ser homologada na Espanha, no entanto, se um brasileiro adota uma criança espanhola necessita ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça- STJ, o que permite concluir que o Brasil não cumpre o artigo 27 da Convenção de Haia. Várias são as formas de se adquirir a nacionalidade na Espanha, verificandose que primeiramente é adotado o critério do jus sanguinis e secundariamente o critérios do jus solis, sendo de tal forma um critério misto, como no Brasil. Conforme verificou-se, o Código Civil espanhol, estabelece que a criança adotada por estrangeiros será espanhol de origem, todavia, deve-se ressaltar que não será a adoção o fato que gerará a aquisição da nacionalidade, mas sim o fato de estar residindo em um outro país, pois a partir daí a pessoa será sujeito de direitos e obrigações, ou seja, para que a pessoa seja cidadã e possa exercer seus direitos e cumprir seus deveres, principalmente os políticos, deverá adquirir a nacionalidade. Além do mais, não tem como negar o quanto é conveniente adquirir a nacionalidade do país que reside, principalmente no caso da acriança adotada, no tocante à assimilação cultural. Interpretando o Código Civil espanhol, no que diz respeito à aquisição de nacionalidade originária quando da adoção por estrangeiros, verifica-se que de outro modo haveria de ser, uma vez que quando os adotantes chegam com a criança na Espanha, os mesmos deverão proceder ao registro, e neste não constará que as crianças são adotadas, mas sim que a criança nasceu na Espanha, sendo filhos de espanhóis, pois, assim, como no Brasil, na Espanha, também não há distinção entre filhos biológicos e adotivos. Pôde-se ainda verificar, que mesmo sendo a nacionalidade um direito a ser analisado conforme normas internas de cada país, o Brasil se preocupa com o fato da criança adquirir a nacionalidade do país em que foi acolhida, uma vez que exige dos organismos credenciados o envio de relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos, devendo o envio do relatório ser mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado. Assim, considerando que a nacionalidade é o pressuposto da cidadania, o relatório será mantido até o momento que se adquirir a nacionalidade espanhola, com o devido registro civil, sendo este expedido mais ou menos em um ano e meio após a entrada dos documentos no cartório de registro civil na Espanha, conforme se verificou com as informações obtidas pelos espanhóis que adotaram as crianças brasileiras. De grande valia ressaltar, que o fato de constar na certidão de nascimento espanhola que a criança será somente espanhola, não significa dizer que perdeu a nacionalidade brasileira, isso deve-se ao fato dos filhos adotivos terem os mesmos direitos que os filhos biológicos. As hipóteses de perda de nacionalidade brasileira são taxativas, não podendo ampliar seu rol, principalmente em um caso delicado como a adoção internacional. Quanto à manutenção na nacionalidade brasileira, vastos são os fundamentos, possuindo embasamento na CRFB/88, na Convenção de Haia, na Convenção sobre os direitos da Criança, bem como no ECA, sendo todos estes regramentos elaborados para proporcionar a efetiva proteção aos direitos da criança, sobrelevando seu melhor interesse. As crianças terão dupla nacionalidade, uma vez que não perdem a nacionalidade brasileira com a adoção, bem como adquirirão a nacionalidade espanhola de origem. Assim, comprova-se a nacionalidade brasileira com o novo registro civil expedido no Brasil, não constando nada referente à adoção, como se as crianças fossem filhas biológicas dos adotantes, da mesma forma que comprovará a nacionalidade espanhola com o registro civil expedido na Espanha. Desta forma, serão cidadãos de direitos e obrigações tanto na Espanha, quanto quando estiverem no Brasil. REFERÊNCIAS BERMEJO, Eloi. Espanhóis de Origem. 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