O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira

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O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira
evista
R
2013 • novembro
C u lt u r a e E x t e n s ã o U S P
10
evista
R
2013 • novembro • volume 10
Cultura e Extensão USP
Presença em diretórios e bases de dados:
Latindex (Catálogo): http://www.latindex.unam.mx
U N I V E R S I D A D E D E S Ã O PA U L O
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U N I V E R S I TÁ R I A
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Universidade de São Paulo. Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão Universitária
Revista Cultura e Extensão – USP. São Paulo
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
Vol. 10 (nov. /2013).
140 p.
Semestral
ISSN 2175-6805
1. Cultura. 2. Extensão. 3. Revista. I. Título
R evista C ultura e E xtensão U S P
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Serviço de Produção Editorial: (11) 3091-3250
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Sumário
Contents
5E D I T O R I A L
EDITOR I AL
Walden yr C aldas
E n trevi s ta
interview
11
O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira
What is Missing over the Discussion on the Brazilian Public Health
e n t re vi st a c o m Mig uel S rou g i p o r Marina Salles
OPINIÃO
OPINION
21
Revista de Cultura e Extensão Universitária: Forma e Abrangência
Culture and Universitary Extension Review: Form and Comprehensiveness
D iana H elena de B enedetto P o z z i
ARTIGOS
A RT I CL E S
29
Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares No Poder)
Pop music vs authoritarianism (Military power)
Walden yr C aldas
43
A Necessidade de Ações Articuladas na Cultura e Extensão
The Need for Jointed Actions in Culture and Extension
V inicius P edra z z i
Marina Miti y o Ya m a m oto
53
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Prospects of The University Extension related to the Project Exchange of Knowledges of Santa Catarina
State University
Guilher m e Da S ilva R icardo
Álvaro L ui z Maf ra
63
Região Central Histórica de Santos e o Território Usado:
Síntese de Múltiplas Determinações
Central Historical Area of Santos City and the Used Territory: Synthesis of Multiple Determinations
A nita Kurka
I veliz e Ferraz
J uliana A nastácio
75
Desenvolvimento Participativo de um Suporte para Almofada das Rendeiras
de Bilro do Município de Saubara, Bahia
Participatory Development of a Support Pillow for Bobbin Lace Makers of the City of Saubara, Bahia
Gabriel R ibeiro
Tatiana R ibeiro V elloso
85
Sistema Estrutural e Construtivo do Módulo (M) em Madeira como
Instrumento de Aproximação Social na Promoção da Cidadania de Crianças
e Jovens Socialmente Vulneráveis
MODULE (M) Structural and Constructive Systems in Timber as a Tool of Social Approach in Promoting Citizenship of Children and Socially Vulnerable Youngsters
Francisco A ntonio R occo Lahr et al
105
Saúde Pública ao Alcance da População: O Papel das Bibliotecas Virtuais nas
Rádios Comunitárias
Public Health Reaching Undeserved People: the Role of Virtual Libraries and Community Radios
A n g ela Maria B elloni C uenca
Paulo R o g é rio Gallo
113
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde Pública: Um Projeto de
Intervenção
Meatless Monday at Public Health School: an Intervention Project
B runa L acerda e t al
121
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde de Pacientes Oncológicos sob
Cuidados Paliativos
Health Quality of Life Related to Cancer Patients’ Health Under Palliative Care
C intia R achel Gomes S ales
J os é C arlos R osa Pires
I dalina C ristina Ferrari Júlio
133 I NS T R U Ç Õ E S P A R A O P R E P A R O E E N C A M I N H A M E N T O D O S T R A B A L H O S
I N S T R U CT I O N S F O R P R E PA R I N G A N D F O RWA R D I N G O F PA P E R S
Editorial
Editorial
A partir deste número, a Revista Cultura e Extensão USP terá um visual dife-
Wa ldenyr Ca lda ss
rente das edições anteriores. A novidade que veio para ficar é seu aspecto cromático,
que certamente tornará a leitura dos artigos mais atraente e agradável aos leitores. As
ilustrações coloridas, os gráficos, os detalhes peculiares de cada ensaio e da própria revista, ganharão mais destaque e, em decorrência, darão um novo visual estético que,
sem dúvida, é muito bem-vindo. Isto não significa apenas um avanço na qualidade do
material empregado nesta Revista. Tem a ver com o aumento do apoio e a dedicação da
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão ao perceber a expressiva acolhida deste periódico
por parte da comunidade científica em nosso país. No mais, é natural que busquemos
sempre o aprimoramento das coisas que estamos realizando. É assim que pensa nossa
equipe e é nessa direção que estamos trabalhando.
O entrevistado desta edição é o Prof. Dr. Miguel Srougi, urologista e professor titular
da Faculdade de Medicina da USP. Com notória experiência profissional e objetividade,
ele respondeu às perguntas que lhes foram feitas acerca do Programa Mais Médicos, mostrando ao leitor as fragilidades e impertinências das decisões governamentais. Para ele,
são medidas que tentam apenas abrandar um problema cuja magnitude requer atitudes
de caráter mais abrangente, relativas à necessidade de repensar a infraestrutura da saúde
em nosso país, e não só de algo que possa ser resolvido a curto prazo. Realizar projetos de
base de forma apressada, que demandam minuciosos estudos apenas para tentar acalmar o
clamor popular, resulta mesmo em “uma solução falaciosa”, como diz nosso entrevistado.
As considerações da Profa. Dra. Diana Pozzi sobre o papel de uma revista de Cultura e Extensão de uma universidade trazem o debate para uma questão, quando menos
original: a necessidade de se pensar sobre os reais objetivos da própria área de cultura e
extensão no âmbito acadêmico. Ao analisar essas duas expressões, a professora enfatiza
o compromisso que a universidade pública deve ter com a sociedade. Levar a todos os
serviços prestados pela academia e democratizar o acesso às manifestações culturais,
proporcionadas por essa instituição, é apenas uma das formas de devolver à sociedade os
Universidade de São Paulo.
Escola de Comunicações e
Artes, São Paulo, Brasil
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.5-6, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p5-6
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benefícios auferidos pela universidade. Assim, estreitaríamos ainda mais os laços sociedade/universidade. Com esta interpretação, temos, ao contrário do senso comum, a real
dimensão da importância dos serviços de cultura e extensão da universidade pública.
Este número inclui ainda três artigos que tratam de forma precisa e em diferentes dimensões da saúde pública, certamente um dos maiores problemas enfrentados, ao mesmo
tempo, pelo Estado e pela sociedade brasileira. Nada mais pertinente. Como se sabe, a
saúde em nosso país está doente, muito doente. Pelo menos para os estratos mais modestos da população. Nesse sentido, os artigos aqui apresentados são bem oportunos. Entre
outros motivos, porque não tratam do problema com emocionalismo, mas com a razão
de quem quer refletir e analisar de forma isenta e descompromissada com ideologias.
Temos ainda quatro artigos que analisam as relações do binômio Estado/sociedade, tendo como eixo condutor para o debate: a história, a reflexão sobre o artesanato,
a canção popular do nosso país, entre outros aspectos. Todos eles, porém, convergem
para o que aqui podemos chamar de participação dos atores sociais na cultura popular brasileira. A bem sucedida análise da formação do porto de Santos, a promoção da
cidadania entre crianças e jovens socialmente vulneráveis, o trabalho das rendeiras de
Saubara, na Bahia, e a importância da canção popular como instrumento de resistência e denúncia do autoritarismo militar completam o bloco dos temas que trabalham a
história e a cultura nesta edição.
Para finalizar, nossa Revista inclui dois consistentes artigos que contemplam o debate
sobre temas relativos à cultura e extensão universitária. A interpretação do Regimento de
Cultura e Extensão é uma das contribuições originais. Ele mostra, entre outros aspectos, o
caráter interativo e transformador entre Universidade e sociedade, ao procurar aproximar
a comunidade do universo acadêmico. Uma tarefa nada fácil, mas que, nos últimos anos,
tem obtido resultados altamente satisfatórios, especialmente no Estado de São Paulo. Outra experiência semelhante vem do Estado de Santa Catarina, mas desta vez envolvendo
significativa contribuição para o desenvolvimento socioambiental. Trata-se do projeto
Troca de Saberes, cujo objetivo precípuo é estimular a prática da cidadania como forma
de participação sobre as mudanças socioambientais em suas diversas formas e práticas.
Pelo exposto neste editorial, o caro leitor tem apenas uma rápida ideia do conteúdo
da Revista e não poderia ser diferente. Desde a entrevista, até o último artigo, pode-se
constatar a presença de temas e reflexões que vão ao encontro de questões contemporâneas ainda abertas ao debate acadêmico, mas não só. A sociedade, as comunidades,
as associações de classes, os pequenos agrupamentos sociais, enfim, os cidadãos na sua
plenitude, devem também engajar-se nessas discussões, que não estão circunscritas apenas à academia. São problemas a serem pensados e resolvidos por todos nós, indistintamente. Os propósitos da Revista Cultura e Extensão USP são justamente esses. Estimular
o debate e a interlocução sobre os problemas latentes do nosso país.
professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA-USP) e editor associado da Revista Cultura e Extensão USP – e-mail: [email protected]
Walden y r C aldas
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Editorial
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
7
8
Editorial
e n t revis t a interview
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
9
Renato Tamaoki
Observar, absorver, dissolver-se
(a partir da obra de James P. Blair)
fotomontagem
ano: 2013
10
entrevistainterview
O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública
Brasileira
What is Missing over the Discussion about the Brazilian
Public Health
Muito tem se falado sobre a situação do sistema de saúde no Brasil, tanto em
Marina Salles
razão das manifestações que ocorreram no país durante o final do primeiro semestre
deste ano, como também em função da lei do Ato Médico e da criação do Programa Mais
Médicos. Mas, além das alternativas apresentadas pelo governo, o que mais poderia ser
proposto para atender às reivindicações por melhorias na rede pública de saúde? Miguel Srougi, urologista e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, em entrevista para a Revista Cultura e Extensão USP, procura colaborar
com a resposta a essa pergunta, oferecendo um novo panaroma sobre questões já tão
debatidas atualmente em nosso país.
A partir de dados relevantes e de um ponto de vista crítico sobre o que interfere de
forma direta no dia a dia da população, ele traz à tona preocupações que devem suscitar novas dúvidas a respeito dos prós e contras do atendimento de saúde oferecido aos
brasileiros em regiões mais afastadas e nos grandes centros urbanos.
Universidade de São Paulo.
Escola de Comunicações e
Artes, São Paulo, Brasil
Revista Cultura e Extensão USP – O número de médicos formados por instituições públicas e particulares tem sido suficiente para suprir a demanda por esses profissionais no país?
Miguel Srougi – Na verdade, o mundo inteiro tem falta de médicos, essa é uma constatação que agora está se tornando clara. Calculou-se que, nos Estados Unidos, faltam
aproximadamente 15.200 médicos na atenção à saúde básica. No estado do Texas há
menos médicos por habitante que no Brasil. Na Inglaterra, os hospitais de emergência
na região de Yorkshire não contam com médicos à noite, sendo que têm sido convocados militares médicos do Exército para cobrirem o serviço de emergência durante esse
período. O que eu estou querendo dizer é que o mundo inteiro está precisando criar
mecanismos para oferecer mais médicos para as populações.
Uma das razões para o aumento da demanda no setor está relacionada ao envelhecimento da população. Nossa pirâmide etária está quase de cabeça para baixo e os idosos
têm alta demanda por assistência médica. Isso significa que está crescendo o número de
pessoas que precisam ser tratadas, apoiadas, orientadas, e os médicos, embora venham
aumentando em número, não estão sendo suficientes. Nos últimos anos, o número de
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.11-17, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p11-17
Miguel Srougi é urologista e
professor titular da Faculdade
de Medicina da Universidade
de São Paulo
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vagas nas escolas médicas brasileiras aumentou em quase 70%, apesar disso, a quantidade de médicos por habitante está aquém do ideal. O governo precisa adotar medidas para compensar um pouco esse desequilíbrio, o que é algo difícil quando ações são
pautadas por interesses pessoais, de grupos ou com função eleitoreira.
RCE – A criação de novas Escolas de Medicina seria uma alternativa viável para suprir a
falta de médicos no Brasil? Além disso, de que maneira uma melhor distribuição dessas instituições de ensino poderia contribuir para a melhoria do quadro de inoperância do sistema
de saúde nas áreas mais afastadas?
MS – Aumentar a quantidade de escolas médicas é uma necessidade, mas é também
algo muito caro, sendo que você precisa ter não só uma tremenda estrutura física e de
equipamentos, como também, dispor de professores, o que não é muito simples. Os
professores existem. Todos os formados na área Médica são professores em potencial,
mas se você quiser criar escolas médicas boas é necessário que eles estejam preparados
para isso. É importante que os professores tenham vocação genuína e saibam como
prover educação médica e não apenas transmitir conhecimentos.
A criação de escolas em locais mais distantes é talvez menos eficaz do que possa parecer à primeira vista, já que os médicos não se fixam nos lugares em que fizeram o seu
curso de Graduação, mas sim em lugares atraentes para o exercício profissional. Nesse
sentido, espalhar as escolas médicas tem um valor social: faz com que as pessoas que vivem nas zonas mais afastadas dos grandes centros possam se decidir pela carreira, sem a
necessidade de se deslocar para longe, o que é caro e às vezes impossível para quem vem
de áreas remotas. Agora, em termos de fixar os indivíduos no local, tal estratégia não funciona, o pessoal se forma e vai para onde há oportunidades de crescer profissionalmente.
De qualquer maneira, o número de médicos precisa crescer e uma proposta que me atrai
seria, ao invés de criar mais escolas médicas, aumentar o número de alunos por meio de algum financiamento governamental que permitisse o aproveitamento da infraestrutura que
já existe. Aumentando em 20% ou 30% a quantidade de alunos em instituições existentes
seria possível usar uma estrutura montada e rapidamente começar a incorporar estudantes
à graduação. Essa proposta é perfeitamente assimilável para a maioria das escolas médicas.
Se fôssemos criar novas escolas, talvez em 2020 ainda não se teria avançado nessa questão.
RCE – E o Programa Mais Médicos seria uma solução nesse sentido?
MS – O governo brasileiro adotou uma medida simples de grande apelo popular com
a criação do Programa Mais Médicos, mas essa solução é falaciosa porque os grandes
gargalos da saúde pública brasileira são a ausência de infraestrutura e de gerenciamento
eficiente; também há falta de recursos financeiros, de interesse sincero e de sensibilidade dos nossos governantes. Com isso, não se criou um sistema de saúde que ofereça
atendimento de qualidade, principalmente, na assistência primária. Colocar médicos
estrangeiros nas pequenas cidades gera, então, um tremendo apelo, de repente uma
cidade que não tinha nenhum profisional vai contar com dois ou três médicos; mas
eles não vão conseguir proporcionar saúde minimamente decente, o que eles vão fazer
qualquer outro profissional paramédico teria condições de fazer também.
Durante semanas o governo e a imprensa oficialista documentaram insistentemente
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O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira
a chegada desses médicos, quiseram criar a impressão de que estava chegando uma legião de estrangeiros no Brasil. Entrevistavam sempre as mesmas pessoas, contando as
histórias de uns e de outros, enaltecendo suas características humanísticas, que nem
sabemos se são reais, procurando seduzir o povo brasileiro, o que acho que conseguiram temporariamente, até que a empulhação apareça de forma clara.
Neste ano o Brasil vai formar 13 mil médicos; se esses médicos tivessem apoio financeiro, material e a colaboração de outros agentes da saúde, tenho a impressão de
que uma parcela deles aceitaria de bom grado ir trabalhar na área de saúde básica em
regiões remotas. Ao invés de financiar Cuba, estaríamos pagando para os brasileiros,
oferecendo oportunidade e vida digna para os nossos cidadãos.
RCE – Em sua opinião, o que tem motivado esses médicos estrangeiros a virem para o Brasil?
MS – Os médicos que estão migrando para cá vieram porque estão mal nos países deles. Só por isso; não porque o Brasil tem um projeto maravilhoso. O assunto tem sido
focado nos valores humanos desses profissionais, que afirmam terem vindo para cá
a fim de ajudar os brasileiros, mas que vão ganhar 80 vezes mais do que eles ganham
em seus países de origem e vão viver em um país lindo, onde, apesar de existir pobreza, prevalece a liberdade. Então, fica fácil entender o porquê do trabalho humanitário.
Você acha que os médicos cubanos vão melhorar alguma indecência que nós temos
na saúde? Até nas grandes cidades estamos cheios de problemas; sabe quanto tempo
um doente demora para ser internado na Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas
de São Paulo? Em média, são seis meses; se ele tiver câncer, serão três ou quatro meses;
se ele for portador de um rim bloqueado e sem funcionar, poderão ser até oito meses.
Atualmente, existem 1.450 pacientes na fila de espera para internação nessa Divisão e a
Urologia representa apenas 1/35 do Hospital das Clínicas.
RCE – E o que motivaria os brasileiros a deslocar-se para atender a demanda por profissionais nas áreas periféricas?
MS – Nenhum médico fez juramento de pobreza. Ele quer trabalhar onde ele possa viver bem, onde ele possa se atualizar, onde ele tenha colegas com quem conversar, onde
ele tenha acesso aos congressos, às bibliotecas, às revistas, aos eventos científicos que
o façam crescer. É óbvio que dinheiro também tem valor, mas a prova de que a questão
não é material, como o governo tenta insinuar (os médicos brasileiros seriam gananciosos), é que nas cidades pequenas os prefeitos pagam quantias de dinheiro absurdas
para os médicos irem para lá, mas a maioria se nega a prestar esse serviço.
Tem lugar que oferece de 15 mil a 20 mil reais de salário para que os médicos aqui do
Brasil trabalhem no interior, só que logo surgem problemas. Primeiro que, após poucos
meses, os salários frequentemente deixam de ser pagos e os médicos acabam desistindo. Vão embora e cidades com prefeitos desonestos têm que oferecer salários cada vez
mais altos, não pela ganância médica, mas pela perspectiva de calote aos médicos. Segundo que, algumas vezes, nas cidades pequenas, os médicos fazem mais sucesso que
os prefeitos e isso cria uma dinâmica perversa. O médico atende à população carente
e o prefeito, enciumado, para de pagar o profissional. Esse é outro motivo que obriga
prefeitos a oferecerem salários maiores, que não serão honrados.
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.11-17, nov. 2013
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O Mais Médicos caiu do céu para os prefeitos mal intencionados, pois agora eles podem
demitir médicos contratados, substituindo-os por profissionais oferecidos pelo Governo
Federal. Os médicos passam a ganhar R$10 mil por mês e a prefeitura fica livre desse ônus.
RCE – Além da bolsa auxílio e de uma ajuda de custo para moradia, algum dos nossos direitos trabalhistas está reservado aos médicos que participam do programa? Essa medida
não é discutível?
MS – O dinheiro que vai ser pago aos médicos do programa é injusto e ilegal. Para uma
sociedade pobre como a nossa, essa quantia parece, à primeira vista, um salário imenso,
mas essa pessoa não tem 13°, não tem férias, direito trabalhista, fundo de garantia, não
tem nada, tampouco progressão na carreira. Totalmente irregular e inconstitucional.
Demonizando os médicos brasileiros, o governo conseguiu implementar essa medida e,
por isso, ninguém tem coragem de reclamar. E, assim, essa situação é omitida, enquanto
o governo se utiliza de eufemismos e repete o óbvio, que é necessário, sim, atender aos
mais pobres: “precisamos pensar nesses outros seres humanos”.
RCE – Como o senhor encara a questão da humanização da Medicina? Quais melhorias
poderiam ser adotadas nesse sentido? Aumentar o contato dos estudantes com os pacientes e
oferecer mais disciplinas relacionadas ao tema na grade do curso são alternativas?
MS – Os médicos se preocupam com isso mais do que as pessoas imaginam. O nosso
curso de Urologia é composto de nove períodos, sendo que dois deles são só sobre humanização. A gente não fala em rim, bexiga, próstata. O que acontece é que o processo
de humanização é um processo complexo. Você não ensina humanização em uma sala
de aula, você ensina pelo exemplo. Por isso é preciso ter professores comprometidos
com essa ação. As Faculdades de Medicina discutem isso a todo momento, mas falta
implementar uma melhor estratégia prática a respeito. É preciso identificar os verdadeiros modelos e colocá-los para ensinar. Os médicos ligados à Academia gostam de
dar aulas para os alunos de graduação, muitas vezes com o objetivo de engrossar seus
currículos, mas, em muitos casos, estão despreparados para transmitir ensinamentos
humanísticos. As escolas médicas deixam de reconhecer essa situação.
RCE – Em relação à proposta de serviço obrigatório a ser realizado no SUS por estudantes
de Medicina que ingressarem na faculdade a partir de 2015, qual a sua opinião?
MS – Essa é outra medida equivocada. Você não pode ferir o direito à liberdade das
pessoas; você não pode obrigar alguém a trabalhar onde não quer. É preciso atrair e
não obrigar, pois essas são coisas bem diferentes. Depois das manifestações de junho,
o governo propôs um aumento do curso de graduação médica de seis para oito anos,
incorporando dois anos de estágio obrigatório no SUS. Pretendia aumentar a mão de
obra barata para a assistência às populações carentes, sem compromisso sério com os
estudantes de Medicina – ao lançá-los à prática clínica totalmente despreparados para
tal – e, pior do que isso, colocando em risco a saúde dos desassistidos.
Outro assunto importante que deveria receber atenção, inclusive antes de serem feitas novas propostas de mudança no curso de Medicina, diz respeito à criação de residências médicas. O Brasil forma 13 mil médicos e tem agora 7 mil vagas no país, o que
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O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira
significa que entre 5.000 e 6.000 estudantes ficam sem treinamento todos os anos. O
governo nunca deu importância para isso e agora fala em criar residências sem compreender a real dimensão do que essa questão representa. Abrir novas vagas não é simples,
você precisa ter hospitais bons e, acima de tudo, bons professores e programas capacitados. Ademais, a proposta governamental promete um número de novas vagas para
residência, que até para qualquer iniciante no tema, é notoriamente irreal e inexequível.
Propuseram, também, que os hospitais filantrópicos passasem a atender mais doentes carentes, como forma de pagar suas dívidas tributárias. Nada mais surrealista,
já que essas instiutições tornaram-se inadimplentes justamente por atender pacientes
do SUS e não serem ressarcidas honestamente pelo Governo Federal. Para se ter uma
ideia do descalabro, em hospitais públicos que dão atendimento a pacientes do SUS,
uma mulher submetida a uma cesariana custa para o hospital R$ 2.038,00, sendo que o
SUS paga ao hospital cerca de R$ 550,00 pelo procedimento, que inclui R$ 150,00 para
a equipe médica e R$ 290,00 para o hospital.
RCE – De que maneira a Faculdade de Medicina da USP contribui para atenuar essa falta
de vagas em residência médica?
MS – A FM-USP cumpre seu papel social nesse processo. Formam-se, a cada ano, em
nossa institutição, 180 alunos e, segundo o Ministério da Educação (MEC), as escolas
médicas têm que oferecer 70% de vagas de residência em função do seu número de
alunos. Considerando essa porporção, a FM-USP deveria disponibilizar em torno de
150 vagas anuais para novos residentes, mas atualmente oferecemos 540. Estamos ajudando a formar médicos graduados em todo o país, suprindo a defiência de outras escolas e retribuindo à sociedade, de forma comprometida, o apoio que dela recebemos.
RCE – Qual a verba destinada à saúde pública no Brasil?
MS – O Governo Federal destinou ao Ministério da Saúde em 2012 mais ou menos
R$ 90 bilhões para gerenciar todos os níveis de atenção à saúde. Mas, no fim desse mesmo
ano, esse Ministério deixou de gastar R$ 9 bi por inoperância e incompetência dos seus
gestores. Com R$ 9 bilhões poderiam ter sido construídas e equipadas 18 mil Unidades Básicas de Saúde, essas clínicas dispersas pela periferia e locais mais pobres, onde os pacientes são atendidos de forma resolutiva, reduzindo a demanda incontrolável nos hospitais
públicos. Outro cálculo demonstra que, com R$ 9 bilhões, poderiam ter sido construídos
e equipados cerca de 90 hospitais, com 200 leitos cada, para atender às pessoas carentes.
O Brasil perde, com a corrupção nos órgãos públicos, cerca de 70 bilhões de reais por
ano, segundo a Fundação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), ou R$ 200 bilhões, de acordo com a ONU. Mais que o dobro dos recursos que o Ministério da Saúde
dispõe para dar atendimento médico a todo o povo brasileiro, de assistência primária a
campanhas de vacinação e prevenção de doenças, fornecimento de medicamentos, finaciamento à rede de hospitais e serviços de emergência. Se eles conseguissem preservar um
terço desse dinheiro manchado, estariam disponíveis cerca de R$ 60 bilhões, que poderiam ser investidos na saúde, contribuindo para atenuar a situação que enfrentamos hoje.
O pouco caso com a saúde reflete-se em outra estatística vergonhosa. A Argentina destina mais ou menos 20% do seu PIB para a saúde, a Colômbia 18% e o Brasil 8,7%, menos
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.11-17, nov. 2013
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do que a média africana, que é da ordem de 10,5%. Em resumo, e apesar do discurso oficial
mentiroso, destinam-se poucos recursos para a área da saúde brasileira e essa improcedência
é agravada pelos desvios criminosos e as perdas impostas pela inoperância governamental.
RCE – Pensando nessas comparações, que exemplos o Brasil poderia seguir?
MS – No Canadá também faltam médicos, mas lá eles optaram por medidas consistentes para enfrentar o problema. Contrataram profissionais de outros países e fizeram um
ranking de universidades. Assim, se o médico vem de uma universidade boa, ele não precisa fazer o exame para ir trabalhar lá e os que vêm de faculdades mal rankeadas fazem
o exame. Uma vez aprovados, os médicos ocupam postos na saúde pública em cidades
pequenas, recebem um salário condigno, auxiliam as esposas a terem empregos estáveis,
seus filhos têm acesso à escola gratuita e de qualidade e o médico também pode manter
relação com uma rede médica que lhe proporciona acesso a bibliotecas digitais, eventos e outros contatos da área. Esse sim é um projeto completo para importar médicos.
No Brasil há muito que se fazer e uma solução seria fixar médicos oferecendo boas
condições de vida para eles; outra ação relevante seria oferecer uma ajuda real para que
as pessoas carentes pudessem sair do estado de pobreza. O Bolsa Família foi uma medida
boa, mas ela está ruindo por um motivo muito simples: esse dinheiro é distribuído para
as pessoas, elas ascendem socialmente, começam a comprar comida, roupa, objetos pessoais – isso foi uma coisa grandiosa – só que o governo esqueceu de exigir que os filhos
dessas famílias crescessem do ponto de vista educacional. Claro, existem as regras, o Bolsa
Família exige que as crianças frequentem a escola, que tenham carteira de vacinação, tudo
direito, mas o governo não cobra isso e vai cobrar menos agora, porque é época eleitoral.
As famílias ascenderam, os filhos não estão estudando, não têm saúde e o que vai
acontecer quando essas crianças forem adultas? O mais provável é que elas migrem de
volta para a pobreza, porque, nas sociedades contemporâneas, sem educação e saúde
ninguém sai da indigência.
Além disso, seria possível privilegiar um programa que já existe, o Programa de Saúde da
Família (PSF), que foi idealizado pelo professor Adib Jatene e tem como base a criação
de equipes multiespecialistas de saúde em comunidades carentes. Essas equipes atendem um certo número de habitantes e dão apoio a eles, sendo formadas por médicos,
enfermeiros, dentistas, psicólogos e assistentes sociais. Estruturado de maneira simples,
o programa representa um modelo excelente para suprir a necessidade de atendimento à
população de baixa renda. O problema é que menos da metade da populacão brasileira
tem direito ao PSF e, em muitos casos, as equipes se dissolveram por falta de pagamento.
Nós médicos também erramos com a insistência na aprovação da lei do Ato Médico. É
importante permitir que profissionais paramédicos atuem nas pequenas cidades nos casos de assistência primária. Criar um posto de saúde e colocar para trabalhar nesse local
enfermeiros, psicólogos e farmacêuticos é uma saída para começar a mudar o quadro de
assistência à população que reside em locais remotos, onde médicos não querem clinicar.
RCE – A busca pela aprovação da lei do Ato Médico não é justificável no contexto da saúde pública brasileira?
MS – O Ato Médico tem sentido quando o assunto diz respeito ao atendimento de
16
O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira
moléstias complexas ou quando procedimentos mais sofisticados são necessários para
uma ação médica eficiente. Contudo, sua proposta carrega certo traço corporativista,
por não admitir qualquer ação em saúde que não seja realizada por médicos.
Em países pobres e com carência desses profissionais não se pode impor o Ato Médico.
Nesses locais, outros profissionais da área da saúde, com certo preparo e experiência prática, podem suprir com relativa eficiência a ausência de médicos no trato de problemas
básicos de saúde. Até nos Estados Unidos, rigoroso com a prática da Medicina, enfermeiras e paramédicos em saúde podem prescrever medicação, examinar doentes, ajudar
em cirurgias e isso aumenta o número de profissionais disponíveis para o atendimento.
RCE – Por fim, é possível afirmar que a discrepância entre o número de médicos especialistas e
generalistas prejudica o atendimento à saúde básica, principalmente na rede pública de saúde?
MS – A fragmentação é uma tendência não só da Medicina, mas também de outras
áreas do saber. O conhecimento médico está se tornando muito vasto, muito específico, então não dá para um profissional dominar todos os avanços da Ciência Médica.
O sujeito, quando faz Urologia, começa a estudar um campo específico e se torna um
grande conhecedor do assunto para poder exercer a função dele com muito mais facilidade, eficiência e êxito. Uma das frases, cujo autor ignoro, mas que reflete com graça
o momento médico atual diz que “o generalista entende nada de quase tudo e o especialista entende tudo de quase nada”. Mas essa é uma tendência própria do ser humano,
querer conhecer profundamente a área em que atua.
Existe um problema também de recompensação financeira: os especialistas ganham
muito mais do que os generalistas. Essa situação cria insatisfações e, às vezes, desalento,
pois, mesmo os médicos impregnados de sentimentos humanísticos e que se colocam
ao lado dos mais humildes, também têm aspirações de propiciar uma vida digna para
si mesmos e para as suas famílias.
Como um bom governo agiria para corrigir essa distorção? Criando facilidades e dando incentivos para se trabalhar na área básica. Como se cria isso? Como o Canadá fez,
pagando um salário melhor, oferecendo moradia para o médico viver descentemente,
garantindo uma boa estrutura de direitos para ele e chances de o médico continuar se
aperfeiçoando. Assim você atrai gente para a saúde pública. Criticar os médicos é fácil,
mas essa pessoa iria para um rincão trabalhar nas condições oferecidas a essa categoria
profissional? Ninguém vai, ninguém quer viver assim.
graduanda do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e bolsista da Revista Cultura e Extensão USP – e-mail: [email protected]
MARINA SALLES
+ C u lt ur a e E x t e n s ã o n a I n t er n e t
Saiba mais sobre dois projetos de extensão desenvolvidos pela USP em: www.prceu.usp.br/revista
Envelhecer Sorrindo: A professora Maria Luiza Frigerio, da Faculdade de Odontologia da USP, fala
sobre o projeto que trata de pacientes idosos.
Poli Cidadã: Antonio Luís Mariani fala sobre a iniciativa que procura oferecer novas soluções para
demandas sociais, de modo a contribuir com o aprendizado dos alunos da Escola Politécnica da USP.
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.11-17, nov. 2013
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O Que Falta Discutir sobre a Saúde Pública Brasileira
O P I N I Ã O opinion
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
19
Renato Tamaoki
A cidade é o absurdo
(a partir das obras de Clifton R.
Adams e Xtazer)
fotomontagem
ano: 2013
Trabalho finalista da 21ª edição
20
do Programa Nascente
OPINIÃOopinion
Revista de Cultura e Extensão Universitária:
Forma e Abrangência
Culture and Universitary Extension Review: Form and
Comprehensiveness
Para refletir sobre o significado de uma revista de Cultura e Extensão de uma
universidade é necessário pensar sobre o objetivo da própria área de Cultura e Extensão
no âmbito acadêmico.
Nesse sentido, é possível promover uma ampla discussão sobre o conceito de Cultura, que está associado, em um primeiro momento, aos usos e costumes de um povo.
Contudo, observamos que, atualmente, o conceito de Cultura tem sido minimizado,
restringindo-se às manifestações artísticas de um povo. Cabe observar, ainda, que a
criatividade e a arte são partes significativas de qualquer ação humana, seja ela artística ou não. E a universidade, uma instituição formadora por natureza, exerce um papel
fundamental na formação cultural de uma sociedade.
Por definição, entende-se por Extensão todas as atividades desenvolvidas no âmbito
da universidade que, de alguma maneira, mantenham contato direto com a sociedade.
Uma universidade tem uma ampla gama de atividades produtivas, formando profissionais nas mais diversas áreas do conhecimento. Ter um papel ativo no atendimento à
população é fundamental para promover uma formação adequada de seu alunado, além
de ser fonte para o fomento da pesquisa científica.
A atividade de Extensão aproxima a universidade e a sociedade e, dessa maneira,
amplia a divulgação dos resultados de pesquisa, o que tem sido feito, primordialmente,
por meio de periódicos direcionados aos pares e na linguagem própria de cada área do
conhecimento. Atualmente, são publicações desse gênero que têm orientado os processos avaliatórios e de ascensão na carreira docente na Universidade.
As atividades de Cultura e Extensão sempre tiveram espaço no âmbito da universidade; entretanto, em 1988, o Ministério da Educação e Cultura decidiu compartimentalizar as atividades universitárias em quatro áreas: Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa
e Cultura e Extensão.
Desde o início, sempre foram claras as ações das áreas de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa; entretanto, a área de Cultura e Extensão tornou-se mais abrangente e
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.21-24, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p21-24
Diana Helena de
Benedetto Pozzi
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Medicina, São
Paulo, Brasil
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abstrata. Para alguns, ela teria sido criada com o objetivo de permitir que fosse exercida uma atividade remunerada na universidade, produzindo eventos para os docentes
que dela participassem. Outros concluíram que esta área deveria compreender todas
as atividades que não fossem próprias das demais áreas.
Contudo, cabe observar que as áreas de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa exercem atividades de Extensão e participam da formação da cultura para bem atender os
seus fins. Sendo assim, qual seria a função de uma área de Cultura e Extensão na universidade? Eis a pergunta que permanece suscitando debates, mas sem chegar a conclusões.
As múltiplas interpretações sobre essa área favorecem uma desvalorização da Cultura e Extensão no âmbito acadêmico. Se sua finalidade fosse tão somente aumentar
proventos institucionais de docentes, poder-se-ia classificá-la como uma atividade administrativa e não como atividade de ensino e pesquisa. Por esta razão, têm sido criadas
normas para reger o processo de avaliação nas quais sejam discriminadas as atividades
remuneradas e não remuneradas.
A área de Cultura e Extensão tem âmbito muitíssimo mais amplo do que as atividades de pós-graduação lato sensu e, principalmente, do que cursos de especialização
voltados para profissionais de mercado bem remunerados em busca de uma eventual
promoção na carreira. A maioria dos cursos ministrados em uma universidade pública
é programada em função do aprimoramento profissional em áreas nas quais os profissionais também precisam se aprimorar, contudo, sem ter ônus financeiro.
Ao mesmo tempo, a área de Cultura e Extensão está vinculada também à Graduação,
Pós-Graduação e Pesquisa, uma vez que proporciona uma melhor formação de graduando e pós-graduandos, além de proporcionar, através de suas “atividades de campo”, uma
grande fonte de questionamentos que podem orientar uma pesquisa original e de ótima
qualidade. Dessa maneira, a Cultura e Extensão não deve ser entendida como uma área
na qual são colocadas as atividades que não se encaixam na classificação tradicional de
Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa e que habitualmente são rotuladas como “outros”.
A Cultura e Extensão é a área na qual todas as demais se encontram; um espaço no
qual é permitida e desejada uma linguagem comum e acessível a toda a sociedade, ao
invés de uma linguagem acadêmica e, principalmente, vinculada a áreas do conhecimento cada vez mais específicas. Notoriamente, nem mesmo os acadêmicos das diferentes
áreas entendem essas diferentes linguagens. Assim, cabe à área de Cultura e Extensão
fazer essa “tradução” e levar à sociedade o conhecimento produzido pela Universidade,
de maneira que, com isso, permita à população em geral usufruir, se aproximar e querer
dela participar. Assim, a universidade deixaria de ser encarada como uma instituição
de elite e alheia à sociedade.
Por que criar uma revista de Cultura e Extensão? A divulgação da produção acadêmica já se faz por diferentes meios, inclusive por periódicos. A atividade docente tem
sido avaliada dessa maneira. Então, qual é a finalidade de mais um periódico?
Quantos periódicos específicos utilizam uma linguagem plural que alcance toda a
população – acadêmica e não acadêmica? Muito poucos. Fica claro que há uma necessidade de ampliar esse espaço e atingir a um público mais amplo. A cultura da sociedade pede por informação e é obrigação da universidade fornecê-la numa linguagem
acessível e com uma apresentação de qualidade.
22
Revista de Cultura e Extensão Universitária: Forma e Abrangência
Poder-se-á argumentar que estamos na era da informática e que uma revista não estaria acompanhando o seu tempo, uma vez que as informações eletrônicas disponíveis
pela rede teriam alcance muito maior, particularmente entre os mais jovens. Eis mais
um aspecto altamente discutível. Umberto Eco e Jean Claude Carrière escreveram, em
2009, Não contem com o fim do livro. De acordo com os autores, pinturas e fotografias,
assim como o teatro, o cinema e a televisão, coexistem e, da mesma maneira, o livro
também irá permanecer. Poderíamos lembrar, ainda, as gravações musicais e os concertos. As gravações podem ser obtidas com facilidade e ouvidas em qualquer local,
mas os concertos permanecem, e com grande procura pelos aficionados. Todas essas
atividades são buscadas também pelos jovens. Isso fica bem claro ao se entrar em uma
livraria e observar o perfil de sua clientela.
Outro argumento é que os docentes precisam ter sua produção avaliada e que uma
revista de Cultura e Extensão não atende a esse propósito, uma vez que as revistas que
têm sido incluídas para avaliação são aquelas ligadas às áreas específicas, que estão indexadas e atendem aos padrões preconizados pela área de pesquisa. Ora, esta é uma conduta
que não pode ser considerada correta e definitiva e que pode e deve ser reformulada. Se
considerarmos a importância social da Cultura e Extensão, inclusive seu papel junto à
Graduação, Pós-Graduação e à Pesquisa, não há como manter esse tipo de conduta depreciativa em relação a uma área que é essencial para a qualidade da produção das demais.
Há quem sugira que uma revista de Cultura e Extensão seria uma maneira de os docentes publicarem trabalhos feitos em suas áreas de especialização que não estão em
conformidade com os requisitos das revistas especializadas. Contudo, esta ideia implicaria na confecção de uma revista que atenderia a especialistas, com artigos escritos em
suas linguagens características e inteligíveis só para os seus pares. Ficaria até a sugestão
de que seria, otimistamente, uma revista de segunda classe. Ora, uma revista que seguisse esse padrão não iria encontrar espaço na população em geral e nem mesmo na comunidade acadêmica. E até mesmo sua validade em processos de avaliação seria discutível.
Esses seriam os argumentos contrários a uma revista não especializada e escrita numa
linguagem acessível aos leitores de formações diversas, como é o caso de uma publicação que deve atender àquilo que se espera de uma área de Cultura e Extensão. Trata-se
de um modo pelo qual a academia pode colaborar com aprimoramento da sociedade.
Por outro lado, existem os argumentos que explicam e justificam a existência de uma
revista de Cultura e Extensão. Temos uma sociedade que, como todas as outras, está
sempre se formando e se transformando. A procura pelo conhecimento é evidente e
é o conhecimento que propicia a cultura. As fontes de informação são múltiplas e variadas; uma das mais acessíveis atualmente é a internet, com inúmeros locais abertos
à população tanto para propagar informações quanto para buscá-las. Face àquilo que
todos nós defendemos – a liberdade de expressão – as informações propagadas são
as mais variáveis e nem sempre são reconhecidamente válidas. Devemos reconhecer,
contudo, que tais informações estão em uma linguagem mais acessível à população em
geral. Qualquer um pode escrever qualquer coisa e, mesmo em alguns sites, como, por
exemplo, na Wikipédia, existe a possibilidade de qualquer um alterar ou inserir as informações que desejar, modificando o texto original. Dessa maneira, a sociedade não está
bem informada por essa via. É fato que podem existir erros em qualquer publicação,
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.21-24, nov. 2013
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assim como se pode descobrir que algo escrito hoje pode estar errado após algum tempo. Tudo isso implica na necessidade de uma formação crítica dos leitores de qualquer
meio de divulgação e, para isso, é necessário não somente a informação, mas também
a formação, ou seja, a cultura.
Fica aparente a relevância de fontes de informação mais seguras e acessíveis para a
sociedade no seu todo, tal qual uma revista publicada e inserida na rede, com artigos
escritos por pessoas que têm conhecimento reconhecido a respeito do tema, em linguagem acessível para todos e avalizados por um corpo editorial pertinente.
Afinal, uma universidade – constituída por profissionais e acadêmicos – tem uma
obrigação com a sociedade que a sustenta e, consequentemente, tem o dever de se comunicar com essa sociedade de uma maneira inteligível. Dessa maneira, essa mesma
sociedade poderá se beneficiar, assim como perceber a Universidade não só como uma
instituição de elite, mas como algo que faz parte da sociedade. Uma revista de Cultura e
Extensão deve, portanto, ter esse objetivo e, consequentemente, ser devidamente valorizada como atividade de ensino lato sensu devido a sua ação formadora e informadora.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, M. A. do N. Carta de São Paulo – Políticas Públicas de Cultura e Extensão Universitária. 2010. Disponível em: <http://www.prceu.usp.br/eventos/
proext/cartasp.pdf>. Acesso em: 28 ago 2013.
ECO, H; CARRIÈRE, J.-C. Não contem com o fim do livro. São Paulo: Editora
Record, 2010.
POZZI, Diana Helena de Benedetto. I Seminário sobre Revistas de Cultura e Extensão:
breve relato. Revista de Cultura e Extensão USP, Brasil, v. 8, p. 11-12, out. 2012. ISSN
2316-9060. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rce/article/view/47731>.
Acesso em: 01 Nov. 2013. doi:10.11606/issn.2316-9060.v8i0p11-12.
I SEMINÁRIO SOBRE REVISTAS DE CULTURA E EXTENSÃO. Disponível em:
<http://www.prceu.usp.br/revista/seminario.php>.
WIKIPÉDIA.< http://pt.wikipedia.org>.
professora doutora da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FM-USP) e editora da Revista Cultura e Extensão USP – e-mail:
[email protected]
D iana H elena de B enedetto P o z z i
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Revista de Cultura e Extensão Universitária: Forma e Abrangência
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
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Revista de Cultura e Extensão Universitária: Forma e Abrangência
a r t i g os articles
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
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Renato Tamaoki
Todo céu que me resta
(a partir das obras de B. Anthony Stewart e Michael Wolf)
fotomontagem
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artigosarticles
Canção Popular Versus Autoritarismo
(Os Militares no Poder)
Pop Music vs Authoritarianism (Military Power)
RESUMO
A política nacional e a música popular brasileira sempre estiveram juntas. Desde a época
do Estado Novo (1937-1945), com Getúlio Vargas, e até mesmo durante a Velha República, compositores e homens da administração pública, especialmente dos três poderes, vêm construindo a história do nosso país até nossos dias. Embora juntas, cada qual
trilhou caminhos diferentes, em alguns momentos convergentes e noutros divergentes.
Os políticos, em que pese todos os percalços e obstáculos inerentes ao jogo de interesses
notórios nessa atividade, atravessaram décadas defendendo causas nobres e espúrias,
democráticas e antidemocráticas. Durante muito tempo e ainda um pouco atualmente,
a sociedade brasileira se vê surpreendida por falcatruas, corrupção e negociatas ilícitas,
que colocam em risco os verdadeiros princípios republicanos da democracia no Brasil.
O caso mais recente é chamado de “mensalão” pela mass media. Ao lado desse quadro,
sabemos que nossa história está entrecortada de golpes contra presidentes legitimamente eleitos, reflexos da nossa frágil democracia. O último acontecimento sinistro dessa
natureza se deu entre 1964 e 1985, com a presença dos militares, que fizeram suas leis
e tomaram decisões à revelia da Constituição. A música popular brasileira participou
deste episódio, contestando e denunciando por meio do discurso poético.
Palavras-chave: Canção. Militares. Autoritarismo. Censura. Democracia.
Waldenyr Caldas
Universidade de São Paulo.
Escola de Comunicações e
Artes, São Paulo, Brasil
ABSTRACT
The national politics and the Brazilian pop music have always been united. Since the New
State time (1937-1945) with Getúlio Vargas and even during the Old Republic, composers
and men of public administration, especially from the three public powers, are building
the history of our country until today. Even though together, each of them trod different
paths. In some instances convergent but divergent at others. The politicians, in spite of
all the setbacks and obstacles inherent in the game of interests notorious in this activity,
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.29-40, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p29-40
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crossed decades championing noble causes and spurious ones, democratic goals and antidemocratic ones. For a long time and also a bit nowadays, the Brazilian society finds
itself surprised by shenanigans, corruption and illicit negotiations, that endanger all the
truly republican principles from democracy in Brazil. The most recent scandal is called
mensalão by mass media. Alongside this, we know that our history is intersected of coups
against legitimately elected presidents. The last of such a sinister event occurred between
1964 and 1985, with the presence of the military, which made up their laws and took decisions in defiance of the Constitution. Brazilian pop music actively participated of this
episode, contesting and denouncing through its poetic discourse.
Keywords: Song. Militaries. Authoritarianism. Censorship. Democracy.
INTRODUÇÃO
A música popular brasileira sempre acompanhou os acontecimentos políticos
do nosso país. Seja por meio da sátira, da denúncia, da mera narrativa dos fatos ou ainda em forma de protesto. Os elogios, a exaltação e o ufanismo, completam o quadro
desse binômio música/política. Assim, através desses recursos, pode-se afirmar que é
possível se conhecer muito bem a história política do Brasil ouvindo canções que tratam dos diversos momentos da nossa trajetória política.
Os exemplos são muitos e, para isso, vamos seguir a cronologia dos acontecimentos.
Apenas como primeiro caso, comecemos pelo governo de Getúlio Vargas e, especialmente, pelo período histórico conhecido como “Estado Novo” (1937-1945). É dessa
época o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que, entre outras coisas, servia
como instrumento de censura do Estado. O rádio, principal veículo de comunicação
da época, era estreitamente vigiado e controlado. Na prática, censurado pelo Governo
Federal, atento a todas as formas de comunicação com a sociedade.
Na música popular, ou qualquer outra manifestação artística, a concepção do trabalhismo, de exaltação ao trabalho deveria estar presente. Mas não era assim que pensava uma
parte dos compositores da canção popular desse período. Wilson Batista, por exemplo,
sempre esteve na contramão do que desejava o Estado autoritário. Seu samba “Lenço no
pescoço”, feito dois anos antes da criação do Estado Novo, não exaltava o trabalhismo
como queriam as autoridades. Ao contrário, a malandragem carioca é quem ganha o destaque e uma imagem bastante simpática no texto poético da canção. Versos e rimas como,
“eu tenho orgulho em ser tão vadio”, “eu vejo quem trabalha andar no miserê”, “eu sou tão
vadio porque tive inclinação”, nos dão a ideia da transgressão daquele compositor. Mas, é
bom que se diga: ele não estava só. Havia, nas mais diversas manifestações artísticas, uma
atitude de resistência à política populista e autoritária implantada por Getúlio Vargas.
Com o fim do Estado Novo, o presidente Eurico Gaspar Dutra governaria o Brasil
(1946-1951). Foi um governo que se propôs a redemocratizar o país, e não poderia ser de
outra forma. Com desempenho sofrível, sua gestão seria ofuscada pela volta de Getúlio
Vargas (1951-1954), mas, desta vez, eleito democraticamente. Agora, a canção popular
volta mais forte à cena política do país. Os compositores Armando Cavalcanti e Klécius Caldas escreveram a marcha “Maria Candelária”, expressivo sucesso do carnaval de
30
Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares no Poder)
1952, que traz elementos da sátira, da denúncia e do próprio protesto. Tudo isso, claro,
de forma muito bem humorada, quase um deboche, revelando-se um meio bastante
inteligente de protesto contra os desmandos e a corrupção na administração pública.
Assim, passados 62 anos, o texto poético dessa marchinha carnavalesca continua
atual. A personagem Maria Candelária representa a imagem do funcionário público
oportunista e corrupto, como em nossos dias, que usufrui de privilégios escusos, como
se nada estivesse acontecendo de grave com seu comportamento. Afinal, ela goza da
proteção de político de prestígio e, entre outras coisas, recebe um salário e não trabalha.
Mesmo assim, “caiu na letra ó, ó, ó, ó, ó!”, o que, na época, destacava os funcionários
mais graduados, de funções mais relevantes e de melhores salários.
Mas, dos tempos de Maria Candelária até nossos dias, o Brasil mudou em muitos
aspectos. Por uma questão de espaço, não podem ser discutidos aqui. Em um desses
casos, porém, continuamos como há 62 anos atrás. A corrupção na administração pública, fez com que a personagem Maria Candelária atravessasse o tempo e passasse a
conviver conosco no século XXI. A única diferença é que agora recebe o nome genérico de “funcionário fantasma”. Como a personagem dos anos 1930, ele também ganha
muito bem, tem proteção de político corrupto e não aparece para trabalhar. Apenas vai
ao Banco no dia de pagamento receber seu salário.
Assim, apesar do sistemático uso da sátira, do protesto e da denúncia que se faz através da música popular brasileira, este vício espúrio permanece incólume, sem alteração
na cultura política do nosso país. Não há dúvida de que, até mesmo em países onde a
democracia já está consolidada, há casos de corrupção. Este exemplo, claro, não vale
para o Brasil. Até porque, como todos sabemos, ainda não temos um processo democrático sólido, firme e consolidado. Em nossa trajetória política, podemos ver, pela canção popular, que as liberdades individuais nem sempre foram respeitadas. Em alguns
momentos, a democracia foi arranhada, maltratada, até mesmo vilipendiada, para ceder
espaço aos governantes autoritários.
Resta-nos um consolo. Sabermos, por exemplo, que a canção popular em todo esse
período de autoritarismo, sempre criou resistência aos desmandos do Estado autoritário. Mas, infelizmente, sabemos que, em última instância, ele deixa resquícios e vícios
abomináveis que se transferem para o Estado democrático. Um deles é a corrupção: em
períodos de autoritarismo, os políticos não dão qualquer satisfação à sociedade sobre as
finanças e muito menos sobre a governança do Estado; o desdobramento disso não é outro senão o aperfeiçoamento da corrupção, do oportunismo e dos desmandos políticos.
Não podemos nos esquecer do governo de Juscelino Kubistchek. Apesar de legitimamente eleito, quase não tomou posse. Ele recebeu o país muito fragilizado democraticamente. Isto, porém, não impediu que repetisse alguns vícios inaceitáveis durante
seu mandato, que são bem próprios dos desmandos autoritários. O cantor/compositor
Juca Chaves, em sua canção “Presidente bossa-nova”, faz uma sátira precisa, inteligente
e bem humorada dos exageros em regalias do presidente. Algumas estrofes como “Voar,
voar, voar, voar / voar, voar pra bem distante, / até Versalhes onde duas mineirinhas valsinhas / dançam como debutantes, interessante! / Mandar parente a jato pro dentista” ,
revelam bem as extravagâncias de um presidente com o dinheiro público. Na verdade,
em que pese as inumeráveis virtudes do seu governo, este comportamento era uma
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.29-40, nov. 2013
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herança do autoritarismo que tomou conta da política brasileira por muito tempo. Insisto em dizer que, apesar de vivermos em uma democracia à procura de sua consolidação,
ainda temos políticos oportunistas que criam privilégios para si mesmos em detrimento
dos cofres públicos e, por extensão, da própria sociedade. Este é o chamado crime de
peculato, conhecido popularmente como “mordomia” com o dinheiro público.
O presidente, como chefe do poder executivo, podia tudo. Ou, quase tudo e, praticamente, não havia contestação a não ser em forma de paródia, sátira, denúncia ou protesto por meio da canção popular. Este é, aliás, um dos motivos fundamentais pelos quais
nossa democracia sempre foi tão frágil. Sempre houve, pelo menos até o governo João
Goulart, certo descompasso de ideias e objetivos entre os três poderes – especialmente
entre o Legislativo e o Executivo. Enfim, são imperfeições do sistema presidencialista.
Entre outros motivos, essa fragilidade democrática, causada justamente por esse
descompasso, facilitou o fatídico golpe militar de 31 de março de 1964. Aliás, mesmo
antes da posse de João Goulart, já se vislumbrava a possibilidade de um golpe militar.
Tanto é assim que, como Juscelino Kubistchek, João Goulart quase foi impedido pelos
militares de assumir a presidência, em face da renúncia de Jânio Quadros. Até aquele momento, ainda tínhamos uma débil democracia. Fraca, muito fraca. Após
a deposição de Goulart, porém, passaríamos a conviver com o mais longo e cruel período na nossa história política. Foram 21 anos de autoritarismo militar no poder entre 31 de
março de 1964 e 15 de março de 1985. Entre tantas formas de luta contra os desmandos e as
arbitrariedades dos militares, deve-se enfatizar a importância da música popular brasileira.
DISCUSSÃO
Em 13 de dezembro de 1968 o governo Costa e Silva instaura o AI-5 e, assim, todos os veículos de comunicação passariam a ser severamente censurados. Era o fim da liberdade
de imprensa. Mesmo assim, a resistência às arbitrariedades do Estado se fazia presente,
às vezes de forma velada, outras vezes explicitamente. Na canção popular, por exemplo,
os compositores usavam muito o recurso do duplo sentido nas letras de suas canções.
Havia um jogo linguístico, metafórico e poético que o ouvinte deveria interpretar para,
enfim, entender as intenções e a mensagem do autor.
É justamente nesse momento que a chamada canção de protesto reage mais intensamente às arbitrariedades do Estado autoritário. Ela assume o papel de resistência contra
todas as formas de autoritarismo dos militares, como se fosse porta-voz da vontade da
sociedade. Há um grande repertório dessas canções. Elas abordam os mais diversos temas como: censura, liberdades democráticas, tortura, desencanto com o país, revolução
socialista, expectativa de dias melhores, imperialismo, pobreza, entre tantos outros. Mas
é para apenas um aspecto que todos eles convergem: o desejo soberano de ver justiça
social e liberdade democrática. Duas canções tornaram-se, especialmente, referências nesse sentido. Elas trazem um
texto poético velado e explícito. São elas, respectivamente, “Apesar de você”, de Chico
Buarque, feita em 1970, e “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré,
composta em 1968, quando a apresentou no Festival Internacional da Canção no Rio
32
Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares no Poder)
de Janeiro, no Ginásio do Maracanãzinho. Em sua canção, Chico Buarque faz um sutil
exercício de linguagem e poesia para não demonstrar ao censor seus objetivos. Com
raro talento, ele dissimula seus versos, justamente para driblar a censura. Em alguns
casos, conseguiu, e noutras ocasiões, foi punido. De qualquer forma, essa punição viria mais cedo ou mais tarde, em função das arbitrariedades e dos desmandos militares.
Ao contrário do que já se veiculou em diferentes ocasiões pelos mass media e mesmo em ensaios acadêmicos, o autor de “A banda” e “Roda viva” não teve, em momento
algum, a intenção de dirigir sua canção “Apesar de você” à pessoa do então presidente
Emílio Garrastazu Médici*. E isso não teria nenhum sentido mesmo. Chico Buarque
estava pensando, isto sim, na sociedade brasileira que vivia as agruras de uma ditadura
terrível e sem qualquer perspectiva de redemocratizar-se.
Não por acaso, após tantas vezes proibido e intimado a prestar depoimento aos censores, o autor decidiu se autoexilar em Roma, entre os anos de 1969 e 1970, quando,
afinal, pôde livremente fazer canções que permanecerão sempre em evidência no cancioneiro popular brasileiro. “Samba de Orly” é uma delas. Aquela situação era angustiante para as pessoas que sempre defenderam a liberdade. Em síntese, vivíamos uma
tragédia. A censura, as prisões arbitrárias, o fechamento do Congresso Nacional, a cassação de mandato dos políticos legitimamente eleitos, mas que contestavam a ditadura,
as torturas e os assassinatos de opositores do regime, são apenas algumas das sinistras
condições a que foi submetida a sociedade brasileira nesse período.
Pela importância histórica que adquiriu essa canção, mas também para melhor compreendermos o momento político do nosso país naquela época, vale à pena reproduzirmos alguns trechos do texto poético de “Apesar de você”.
Vejamos:
*Esta é a declaração de Chico
Buarque sobre a canção
“Apesar de você”: “Faço
menos músicas dedicadas às
pessoas do que as pessoas
pensam. Falaram que ‘Apesar
de você’ era endereçada ao
Médici, quando dizia respeito
à situação do país como um
todo”. Entrevista concedida ao
jornalista José Rezende Júnior,
do Jornal Correio Braziliense
em 2 de setembro de 1999.
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão. Viu?
Pois bem, diante da imposição da força bélica, das baionetas empunhadas em público
e da truculência militar em situações quase pueris, não havia alternativa. Lutar desarmado
contra o autoritarismo terrorista do Estado era algo comparável à escolha pelo suicídio.
Restavam poucas alternativas. E a que se mostrava mais eficiente era mesmo o verbo, a palavra, como forma de denúncia da tragédia que vivíamos. Uma denúncia que,
seguidas vezes, precisava usar de figuras de linguagem como metáforas e metonímias,
por exemplo, justamente para driblar a censura implacável que os militares instalaram
no país. Nos versos, “a minha gente hoje anda / falando de lado e olhando pro chão.
Viu?”, temos a exata dimensão do grau de repressão e de abatimento moral aos quais
foi submetida a sociedade brasileira.
É difícil imaginar, mas não há nada mais humilhante do que ter de falar de lado olhando para o chão. Esta situação só se pode entender realmente quando vivida na prática.
O esforço do poeta, no entanto, nos leva à realidade dos fatos.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.29-40, nov. 2013
33
Figura 1 – Foto publicada no
jornal Estado de S. Paulo sobre manifestação contra a ditadura militar. Disponível em:
<http://integras.blogspot.
com.br/2008/12/h-40-anos-militares-assassinavam.html>.
Acesso em: 15 set. 2013.
Ao longo dos versos de “Apesar de você” o que se percebe, entre outras coisas, é um
justo desabafo do autor já asfixiado pela privação total de liberdade. Não bastasse esse
aspecto, o Serviço de Censura de Diversões Públicas estava sempre propenso a bater o
indesejável carimbo “interditado” nas canções de Chico Buarque.
Foi esse o principal motivo que o levou a adotar, em algumas músicas, o pseudônimo
de Julinho da Adelaide. Mas essa asfixia a que me refiro não se restringia aos artistas,
estudantes, professores, profissionais liberais e jornalistas, entre outros. O trabalhador
das fábricas, dos escritórios, o transeunte das ruas, também sentiam o peso da repressão
e da falta de liberdade. Esse segmento social acima citado era apenas o mais pugnaz, o
mais combativo. Não tinha medo do perigo. Enfrentava sempre as baionetas e a tirania
dos militares. Era um grupo em que seus partícipes corriam mais riscos de serem presos, torturados e até assassinados, como ocorreu ao longo dos 21 anos de regime militar.
Que se pense, apenas como exemplo, no conhecido caso de Vladimir Herzog, diretor
de jornalismo da TV Cultura. Ele foi torturado até a morte nas dependências do DOI-CODI em São Paulo. Como este ensaio tem limite de espaço, não poderei me alongar
sobre este tema. De qualquer forma, registro aqui uma sugestão: especialmente sobre
mortos e desaparecidos políticos no Brasil nessa época, convém ler o livro Reparação ou
impunidade?, organizado por Janaína Teles e publicado pela Humanitas/FFLCH, em 2001.
No tocante à análise do texto poético da canção em pauta, há um bom número de trabalhos feitos sobre a obra musical de Chico Buarque. Alguns deles abordam o binômio
literatura/política, outros tratam da análise literária do texto poético. Vale à pena conferir.
Apenas para registrar, esta é uma das canções mais ricas, mais consistentes em seu
conteúdo, como forma de expressão sobre o autoritarismo dos militares em nosso país.
34
Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares no Poder)
Certa ocasião, em entrevista concedida ao jornal Correio Braziliense, o entrevistador
perguntou a Chico Buarque sobre as chamadas “canções de protesto”. A resposta foi a
seguinte: “De protesto mesmo, eu fiz poucas, talvez uma meia dúzia. Sobre a realidade
social, eu continuo fazendo, como ‘Assentamento’”**. O autor estava se referindo, nesse
caso, à canção que fez sobre o Movimento Sem Terra.
Seja como for, o fato é que “Apesar de você” tem um forte discurso contestatório, que
demonstrava, para a época em que foi composta, profunda angústia, tristeza e decepção
com os rumos do nosso país. Ao mesmo tempo, ela nos traz a expectativa de que aquela
tragédia decorrente da brutalidade dos militares não teria como permanecer. Em outros
termos, é uma canção que inicia com mensagem extremamente forte da realidade sociopolítica brasileira e encerra seu discurso com um otimismo que renovava a energia
das pessoas e das instituições que lutavam pela redemocratização do país. Basta analisar a história política do Brasil nessa época para concluir: Chico Buarque tinha razão,
independentemente da beleza literária do seu texto poético.
A partir do governo do presidente Ernesto Geisel, as arbitrariedades dos truculentos
militares foram diminuindo sensivelmente. O próprio presidente declarou que teríamos
uma abertura política “lenta, gradual e segura”. A ala mais radical, mais reacionária dos militares, bem que tentou impedir este projeto do presidente, mas esbarrou no seu prestígio e
na liderança que ele tinha dentro das Forças Armadas. Para o bem do país, ele cumpriu seu
projeto. Além disso, havia um grande clamor nacional pela redemocratização da nação, o
que foi de grande importância política. Não poderíamos continuar asfixiados, calados, esperando os militares nos devolver o direito de participar politicamente das decisões do país.
Mesmo com toda a repressão do governo Médici, “Apesar de você” não foi imediatamente proibida. A censura não entendeu o texto poético de Chico e a liberou para
divulgação em todos os mass media. Tanto é assim que, segundo a própria gravadora,
a canção chegou a vender cerca de cem mil exemplares. Logo depois, no entanto, foi
proibida e só liberada novamente em 1978.
A trajetória da canção “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré,
é convergente em seus propósitos com “Apesar de você”. Nesse aspecto, elas são unanimidade, especialmente entre os estudiosos desse sombrio período da nossa história
política. Mas, se por um lado, o texto poético de ambas tinha o mesmo objetivo, ou seja,
contestar, lutar por meio das palavras contra a insensatez e a truculência que vinha da
caserna, por outro lado, essa identidade cessava nesse momento. A canção de Vandré,
intencionalmente, não trazia metáforas, metonímias ou qualquer outra figura de linguagem assentada na sutileza do discurso para as pessoas cultas. O que se tem nela é
exatamente a objetividade da linha reta.
Qualquer cidadão que a ouvisse, entenderia o enfático e emocionado convite, aliás,
pode-se falar de convocação, para fazer a revolução contra os militares que se apossaram
do poder após o golpe de 31 de março de 1964. Transcrevo aqui o refrão, que não deixa
dúvida dos propósitos da canção, seguido de uma estrofe que escolhi aleatoriamente.
Sim, exatamente isso, aleatoriamente, porque qualquer uma delas mantém a clareza dos
versos inconformados de Vandré.
Vejamos:
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.29-40, nov. 2013
**Entrevista concedida ao
jornalista José Rezende Júnior,
do jornal Correio Braziliense,
em 02 de setembro de 1999.
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Vem vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão
À parte o refrão que conclama a sociedade brasileira a fazer a revolução, Vandré nos
mostra com refinada ironia a vida dramática e miserável do trabalhador rural dos latifúndios. Nos versos, “pelos campos há fome, / em grandes plantações” percebe-se a
inominável absurdidade. O lavrador, o sertanejo, o boia-fria, enfim, o homem do campo, do meio rural que trabalha a terra para ser produtiva ao seu patrão, vê-se na situação
indigna de passar fome, muito embora sua força de trabalho seja inteiramente dedicada
a gerar a prosperidade das grandes plantações que, no final das contas, revertem-se em
benefício do dono da terra. Mas apenas em benefício deste.
Nesse momento, é inevitável lembrar as obras de João Cabral de Melo Neto, Morte e vida
Severina, e de Cândido Portinari, Os Retirantes. Ambas mostram as agruras da dura vida do
homem nordestino abandonado à própria sorte que Vandré retoma em sua canção. Aqui,
porém, há um aspecto a mais a se perceber em “Pra não dizer que não falei das flores”. O
autor não dirige sua conclamação especialmente ao homem do campo. A canção fala das
pessoas “nas escolas, nas ruas, campos, construções”, ou seja, é indistintamente, um apelo
a todo o povo brasileiro. Esteja ele no meio rural, no interior ou no meio urbano-industrial.
Mas, como já disse anteriormente, escolhi essas duas canções por serem uma forte
referência da época sobre o governo dos militares. No entanto, convém registrar que a
repressão, a censura e as proibições, não se restringiram apenas às canções políticas. A
vigilância imposta pelos militares à cultura brasileira foi além do fato essencialmente
político. Os valores morais, os hábitos, os costumes, enfim, o próprio ethos cultural do
cidadão brasileiro passaria a ser monitorado por uma espécie de moral social estabelecida pelo Estado a ser seguida por toda a sociedade. Apenas um ato autoritário a mais.
O cerceamento à liberdade era feito de forma truculenta e arbitrária. Todas as manifestações artísticas teriam, necessariamente, que passar pelo crivo censor do Estado. Alguns
temas na música popular brasileira, por exemplo, estavam rigorosamente proibidos. Não
por acaso, este período da nossa história ficou conhecido como os anos de chumbo da ditadura militar. Canções que falassem sobre prostituição, homossexualidade, hippies, racismo, exclusão social, drogas, sexo, histórias de amantes e adultérios, entre outros, estavam
fadadas a mofar na gaveta dos censores. Seriam definitivamente proibidas. Segundo esses
senhores, elas usurpavam os valores éticos e morais da sociedade brasileira.
36
Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares no Poder)
A chamada música brega, segmento importante, diria mesmo imprescindível, da
nossa cultura lúdica e musical, foi especialmente prejudicada nessa ocasião. Perseguida.
Este talvez seja o termo mais adequado. Quero, no entanto, esclarecer logo de início que
essa perseguição se explica muito mais pelo despreparo dos censores, e muito menos
pelas dissensões político-ideológicas que vivia o país. Não havia nada propriamente de
político nessas canções.
As proibições às músicas de Odair José, o mais censurado entre os chamados cantores
bregas, Waldick Soriano, Benito di Paula, Sidney Magal, Dom e Ravel, entre outros, são
produtos das arbitrariedades, da incompetência e dos desmandos dos censores da caserna.
A proibição a essas canções era essencialmente moral e objetivava defender, sob a ótica
dos militares, os “valores morais” e os “bons costumes” de uma sociedade acuada pelo
autoritarismo. Nessas circunstâncias, é claro que os temas acima citados seriam proibidos.
Para a censura militar eles eram considerados socialmente subversivos. Além da ação
da força bruta contra todos os segmentos da cultura brasileira, devemos considerar ainda que a cultura lúdica, a cultura do entretenimento, tinha, como tem até hoje, grande
espaço midiático. Isso incomodava muito os militares. Em certos momentos, eles investiam fortemente contra os media, especialmente a partir de 1968 com a brutal instituição do AI-5. Que se pense nas emissoras de rádio, como a Rádio Nove de Julho,
Rádio Marconi, Rádio Cometa, entre outras. Todas elas foram definitivamente lacradas
e todas estavam na cidade de São Paulo.
Assim, temas como drogas, exclusão social, homossexualismo, entre outros, eram
vistos pelos senhores da caserna como algo inteiramente proibitivos. E aqui temos uma
questão muito esclarecedora. Se de um lado, a censura proibia a veiculação de canções
bregas, de outro lado, seus cantores e compositores nem imaginavam os verdadeiros
motivos desse ato. Até porque, os próprios censores, em certas ocasiões, também não
sabiam as razões da proibição. Apenas vetavam a obra sem explicações.
Odair José, por exemplo, não entendia e sempre estranhou ver algumas das suas canções censuradas. Ele jamais se manifestou ou fez protestos contra a opressão política
e a censura dos militares. Suas canções, como de resto todo o segmento da chamada
música brega, tinham um discurso ingênuo. Inofensivo mesmo. Em alguns casos, quase pueril. Tanto era assim, que não se tem registro de nenhuma prisão desses artistas,
nenhum deles foi expulso do país, muito menos torturado.
Até hoje, cantores e compositores bregas daquela época, sabem e declaram que não
lutaram contra a ditadura dos militares. Grande parte deles nem chegou a tomar conhecimento, por exemplo, da guerrilha urbana, dos sequestros, da luta armada, das
torturas, dos desaparecidos, dos assassinatos, das prisões arbitrárias, enfim, do quadro
sociopolítico desse período em nosso país. Faziam seu trabalho como se estivessem
vivendo em pleno Estado de direito.
Para fazer justiça a esses profissionais, não podemos rotulá-los de alienados, como se
fazia naquela época. Era um momento de intenso radicalismo político, que reverberava
por todos os segmentos da sociedade. Não havia mediação político-ideológica. Quem
não era declaradamente de esquerda e agisse como tal, estava sujeito, até mesmo por
seus pares, a ser visto como radical de direita e, portanto, um alienado a favor do autoritarismo militar e do Estado burguês.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.29-40, nov. 2013
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Enfim, uma bobagem. Esse cidadão cairia em desgraça imediatamente; era obrigado a
abandonar seu grupo social, porque passaria a rejeitá-lo ostensivamente. A recíproca era
verdadeira. Quem não se declarasse notoriamente de direita, correria o sério risco de ser
visto como inimigo do Estado. Nesse caso, as consequências eram bem sinistras. A pessoa
passava a ser estreitamente vigiada e, em alguns casos, intensamente interrogada ou expulsa
do país, torturada e até mesmo assassinada. Era assim. Pura insensatez de ambos os lados.
Em todo esse contexto, deve-se registrar, ainda, que havia um segmento da música
popular brasileira que, embora não tivesse propriamente o estatuto de brega naquela
época, era rejeitada pela intelligentsia da esquerda. Os motivos, claro, não eram estéticos e passavam pelas questões político-ideológicas, uma vez que o discurso poético,
ao contrário das chamadas músicas de protesto, procurava reforçar o establishment imposto pela caserna. E aqui, por motivos óbvios, prevalecia o discurso consonante com
o que desejavam os militares. Apologético, ufanista e, em alguns casos, até xenófobos.
A divulgação dessas canções pelos mass media, como já se deduz, era muito maior do
que qualquer outra forma de canção popular.
Quero lembrar a canção “Pra frente Brasil”, composição de Miguel Gustavo e Raul
de Souza, feita em 1970, por ocasião da Copa do Mundo no México. Pela primeira vez,
a televisão transmitia ao vivo jogos desse campeonato. Nessa ocasião, os patrocinadores do evento, Gillette, Esso e Souza Cruz, em parceria com a TV Globo, realizaram
um concurso para escolher a melhor música sobre a Copa do Mundo. A vencedora foi
transformada em uma espécie de hino que antecipava todos os jogos do Brasil. Após
a vitória brasileira, de forma quase uníssona, os mass media, repetidas vezes tocavam
“Pra frente Brasil” e conclamavam o povo brasileiro a sair às ruas para festejar mais uma
vitória brasileira. Estávamos no auge da luta político-ideológica e o governo militar capitalizava de forma sutil as vitórias brasileiras em benefício da sua imagem.
Mas, certamente, o exemplo mais completo do ufanismo vivido nessa época está na
canção “Eu te amo meu Brasil”, da autoria de Dom, integrante da dupla, Dom e Ravel.
Gravada no início dos anos de 1970 pelo conjunto “Os Incríveis”, ídolo do Programa
“Jovem Guarda”, da TV Record, a canção fez grande sucesso junto à juventude brasileira e outros segmentos da sociedade. Para melhor ilustrar, reproduzo o refrão (que se
repete nada menos que três vezes):
Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Ninguém segura a juventude do Brasil.
São muitas as canções desse período que seguem esse padrão discursivo. Esse era o
estado comparativo, e deveria servir de modelo a todos os profissionais que não desejassem ver sua obra censurada. Apenas para lembrar, alguns compositores, já consagrados
nessa época, chegaram a fazer canções que, mais tarde, foram criticadas pela chamada
intelligentsia da esquerda. São os casos, por exemplo, de Ivan Lins, com sua canção “Meu
país” e Jorge Ben, hoje conhecido por Jorge Benjor, com “País tropical”. No tocante à música de Ivan Lins, entendo que há certo exagero quando a interpretam como apologética
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Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares no Poder)
e ufanista. Trata-se muito mais de uma canção romântica, que funde valores do folclore
brasileiro com a imagem da mulher amada. Isto está longe de ser apologético ou ufanista.
No caso de “País tropical”, o que se percebe é um texto poético muito alegre, libertário e inteiramente descomprometido com qualquer conotação político-ideológica.
É preciso fazer justiça a quem é inocente. Ivan Lins e Jorge Benjor jamais apoiaram a
política dos militares e sempre estiveram coesos com os artistas que a rejeitavam. A
canção mais criticada de Ivan Lins intitulada, “O amor é meu país”, nada tem de “adesista” como já se escreveu sobre ela. Por uma questão de espaço não posso analisá-la
aqui, mas o leitor atento saberá interpretá-la.
Em outros termos, quero dizer o seguinte: não são apenas os exageros e as arbitrariedades da censura míope dos militares, que proibia coisas sem nem saber porquê estava
procedendo daquele modo. Se isso era absolutamente repulsivo, não é aceitável também
se fazer o chamado “patrulhamento ideológico”, como aconteceu justamente com Ivan
Lins e Elis Regina. Quando entrevistados pelo jornal O Pasquim foram severamente cobrados a declarar suas respectivas preferências político-ideológicas. Uma situação muito
delicada, especialmente se considerarmos o contexto político que vivíamos.
CONCLUSÃO
Enfim, para a infelicidade da sociedade brasileira, esse foi o quadro político em nosso país
durante 21 anos. Ao longo desse tempo, boa parte dos documentos sobre os acontecimentos
políticos da época permaneceu confinada como segredo de Estado, em lugar incerto e não
sabido, pelo menos por parte do grande público. Apenas a partir dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula é que tomamos conhecimento de alguns documentos que
se tornaram públicos para os pesquisadores, estudiosos e para toda sociedade brasileira.
A Comissão da Verdade instalada pela presidenta Dilma Roussef, em 16 de maio de
2012, certamente trará à luz do conhecimento público, muitos outros fatos e elementos novos ainda desconhecidos desse sombrio período político do nosso país. Restará,
portanto, aos pesquisadores e estudiosos, interpretar e reinterpretar os fatos novos até
então confinados nos arquivos proibidos à pesquisa e ao conhecimento público.
Para terminar este pequeno ensaio, quero fazer das palavras da nossa presidenta, as minhas palavras. Quando da instalação da Comissão da Verdade ela disse em seu discurso:
“Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de
reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens,
sem vetos e sem proibições”. Apenas para manter fidelidade ao texto, mantive a palavra
ocultamentos, mas o correto é ocultações. Nossa presidenta termina seu discurso assim:
“[...] a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente,
o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje esse tempo chegou”***.
Toda a sociedade brasileira precisa realmente acreditar no que disse nossa presidenta. O ódio e o revanchismo não contribuirão em nada. O acirramento de situações
políticas não resolvidas até hoje, especialmente no plano ideológico, devem ficar sob a
responsabilidade do Estado democrático que vivemos.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.29-40, nov. 2013
***Trecho do discurso da
presidenta Dilma Rousseff,
quando da instalação da
“Comissão da Verdade”,
em 16 de maio de 2012, no
Congresso Nacional.
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Não sabemos a quais resultados chegarão a Comissão da Verdade. Estamos conscientes, isto sim, da sua importância para ajudar a elucidar muitos fatos políticos sombrios,
obscuros mesmo, que tanto mal causou às pessoas dispostas a lutar sem limites pela
redemocratização do nosso país.
Quase que diariamente, os grandes veículos de comunicação nos revelam os resultados a que essa Comissão tem chegado, especialmente no tocante aos acordos entre
os militares do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. A troca de presos políticos, de informações, de experiências sobre repressão, enfim, todos aqueles elementos postos em
prática pela fatídica “Operação Condor”.
Que se pense nos torturados, naqueles cidadãos que sobreviveram a essa inominável
barbárie, nas pessoas assassinadas e naquelas que perderam definitivamente sua sanidade mental e hoje vivem compelidos e confinados à profunda reclusão. A Comissão da
Verdade pode chegar aos fatos reais de alguns episódios ainda obscuros. Apenas isso.
Resta saber se isso responde às expectativas da sociedade. A Comissão não tem poder
para julgar e indicar penas por crimes políticos hediondos como a tortura e a morte,
muito embora haja um respeitável grupo de estudiosos do direito penal que considere
esse tipo de crime imprescritível. Nessas condições, se a justiça brasileira não concordar
com esta última tese, a descoberta de novos fatos históricos terá mero efeito de uma
pesquisa de alto nível para se chegar à verdade. Assim, a necessidade imperiosa de se
conhecer a verdade sem ocultações e em sua plenitude, muito provavelmente um dia
será alcançada. A sociedade brasileira anseia por esse momento, muito embora diversos
segmentos, como a nossa juventude, por exemplo, esperem muito mais.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, P.C. de Eu não sou cachorro não. Rio de Janeiro: Record, 2003
CALDAS, W. A cultura político-musical brasileira. São Paulo: Musa, 2005.
COUTO, R.C. História indiscreta da ditadura e da abertura no Brasil: 1964-1985.
Rio de Janeiro: Record, 1998.
SILVA, D. da Nos bastidores da censura. São Paulo: Clube do livro, 1989.
TELES, J. (Org.) Reparação ou impunidade? São Paulo: Humanitas, 2001.
VALLE, M. R. 1968 – o diálogo é a violência. Campinas: Unicamp, 2008.
professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA-USP) – e-mail: [email protected]
WA L D E N Y R C A L D A S
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Canção Popular Versus Autoritarismo (Os Militares no Poder)
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
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(Os Militares no Poder)
A Necessidade de Ações Articuladas na
Cultura e Extensão
The Need for Jointed Actions in Culture and Extension
RESUMO
O Regimento de Cultura e Extensão Universitária regulamenta as atividades de cultura
e extensão da Universidade de São Paulo, entendidas, neste contexto, como um processo
que articula o ensino e a pesquisa para viabilizar a interação transformadora entre a universidade e a sociedade. Nesse sentido, esta ação enriquece o processo pedagógico, favorece a socialização do saber acadêmico e estabelece uma dinâmica que contribui para a
participação da comunidade na vida acadêmica. A proposição de tal documento se deve
à importância dos trabalhos desenvolvidos nesta área pela Universidade de São Paulo e
também pela necessidade de rever suas diretrizes e conceitos. Dessa maneira, o regimento
procura definir as atividades de cultura e extensão universitárias previstas no Estatuto e
no Regimento Geral da USP, bem como estabelecer critérios de avaliação para esta ação.
Com isso, visa também promover a valorização de tais atividades na avaliação de docentes,
alunos e funcionários. Para atingir os almejados fins, é mister uma articulação indissociável entre o ensino, pesquisa e as atividades de extensão e cultura produzidos na academia, bem como a exteriorização dos resultados em prol de benefícios para a sociedade.
Palavras-chave: Cultura. Extensão Universitária. Ações Articuladas.
Vinicius Pedrazzi
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Odontologia
de Ribeirão Preto, São Paulo,
Brasil
Marina Mitiyo
Yamamoto
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade,
São Paulo, Brasil
A bstract
The Culture and Extension Regiment regulates the activities of culture and extension at
University of São Paulo. In this context, it might be known as a process that articulates
teaching and research to enable the transforming action between the University and society. In this way, it enriches the educational process by encouraging the socialization
of academic knowledge and establishing a dynamic which contributes to the community's participation in university life. Due to the importance of the culture and university
extension works which were conducted by the University of São Paulo and the need
to review the concept of university extension activities used till now by the University,
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.43-50, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p43-50
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changes were made in order to define the activities of culture and extension foreseen in
the Statute and the General Regiment of the University of São Paulo. It is to enhance the
cultural and extension activities in the evaluation of professors, students and university
staff, even to encourage the establishment of criteria for the evaluation of university extension activities. To be able to achieve the desired purpose, it is necessary the inseparable articulation between teaching, research and extension activities and the culture produced in the academy, and the externalization of the results in favor of benefits to society.
Keywords: Culture. Extension. Articulated actions.
INTRODUÇÃO
A valorização em igual par entre as atividades-fim da Universidade de São
Paulo, onde se dê mesma valia para o ensino, para a pesquisa e para a extensão, tem sido
uma luta árdua que se mistura com a própria origem da Universidade.
Em sua “Carta de São Paulo: políticas públicas de cultura e extensão universitária”, a
Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda, Pró-Reitora de Cultura e Extensão
Universitária da USP, levanta uma interessantíssima questão: a USP, comparada às coirmãs distribuídas em todo território nacional, apresenta uma característica que a distingue
quando se trata de temas de cultura e de extensão universitária, pois ambas atividades
são temas enlaçados que merecem mesmo peso e valor em uma mesma Pró-reitoria [1].
Ainda nesse documento, exarado após aprovação em plenária no enceramento do
ProExt Cultura-SP, no auditório da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, em 2010, há uma perfeita construção a respeito
de cultura e extensão, e sua articulação entre a Academia e a Sociedade:
A área da cultura e da extensão deve se orientar, em suma, por uma visão pública das
atividades que implementa, resguardando-se, todavia, das apropriações circunstanciais
de suas ações. Por se tratar de instituições públicas, as universidades estão envolvidas
por compromissos republicanos. A condição mesma desse exercício é a de se construir
pontes com a sociedade que não suprimam a essência de sua identidade formada no
axioma do conhecimento, sem o qual as ações extrovertidas não se diferenciariam de
todas as outras que pululam nas sociedades contemporâneas e se perderiam em meio a
inúmeras iniciativas aparentemente assemelhadas. Por fim, a universidade não cumpriria
o papel de formar cidadãos para o mundo em movimento, caso não democratize e difunda o acesso à cultura, êmulo da ultrapassagem das profundas desigualdades sociais[1].
Tal qual para atividades específicas de ensino e de pesquisa, a manifestação e a extrapolação das atividades de Cultura e Extensão ocorrem por meio da elaboração de Projetos.
Projetos de Extensão (ou culturais, ou envolvendo ambas as atividades) são textos
analíticos resultantes de estudos e revisões ou de experiências desenvolvidas nas áreas
temáticas estabelecidas para a cultura e para a extensão universitária, a saber:
1. Comunicação;
2. Cultura;
3. Direitos Humanos;
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A Necessidade de Ações Articuladas na Cultura e Extensão
4. Educação;
5. Meio Ambiente;
6. Saúde;
7. Tecnologia e Trabalho.
Assim, para que sejam alcançadas as atividades almejadas, se faz mister a elaboração
de um projeto de extensão completo, que preveja itens inerentes às atividades propostas; bem como é altamente salutar a articulação entre atividades de ensino, de pesquisa
e de extensão, que pode até prever a assistência à sociedade. Também a interdisciplinaridade em suas distintas emanações é muito incentivada e valorizada.
Para que se desenvolvam ações articuladas na extensão, deve-se iniciar, portanto, com
um planejamento (planejar o projeto), e é preciso haver, necessariamente, um perfeito
engajamento entre o líder e a equipe.
Em se tratando de planejamento estratégico, a Figura 1 apresenta um bom exemplo
de fluxograma denominado “Hélice Tripla" que, citando Ribeiro (2010), “o tripé, que
une a articulação entre governo e setor privado, com forte presença da academia
(negrito do autor), se estabelece cada vez mais como motor para o desenvolvimento
econômico e social” [2].
Note-se aqui o centro de intersecção dos círculos, que coloca em evidência as pessoas e as ideias. E, no conceito de atividades de extensão, a maior valia é dada para a
articulação entre a produção de conhecimento acadêmico (ideias) e a aplicação em
benefício da sociedade (pessoas).
Financiamento
Público
Impostos
Figura 1 – Hélice tripla das
ações articuladas (fomento e
ação)
Governo
Pessoas
e
Ideias
Empresa
Universidade
Recursos
Recursos
Recursos
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.43-50, nov. 2013
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Nesse contexto é de suma importância a obediência do binômio:
1. a responsabilidade de cada um e;
2. o comprometimento de todos.
Um projeto de extensão requer uma integração simbiótica ou de mutualismo para
que possa atingir os melhores objetivos propostos. Isso é articulação.
Um bom exemplo de ações articuladas foi a realização do I Fórum de Integração dos
Serviços de Saúde e das Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão da USP, realizado no
Bloco Didático da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, nos dias 15 e 16 de
março de 2011. O evento teve a finalidade de discutir as relações da universidade com os
serviços de saúde, as fontes de fomento e os programas do Ministério da Saúde. Após
receberem informações nas diversas palestras ministradas no primeiro dia do Fórum,
os participantes foram distribuídos em cinco grupos multidisciplinares de discussão
sob o tema: “Inserção, infraestrutura, recursos humanos e materiais e interdisciplinaridade nos serviços de saúde” [3].
No I Congresso Brasileiro de Extensão Universitária (2002), realizado em João Pessoa (PB) os participantes reafirmam o conceito de extensão como “O processo educativo, cultural e científico, que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável,
viabiliza a relação transformadora entre a universidade e os demais segmentos da sociedade, trazendo para a universidade a pergunta sobre a relevância social da produção
e socialização do conhecimento” [4].
O objetivo da elaboração deste artigo foi divulgar a palestra proferida pelos autores
do artigo durante o 3ºWorkshop de Agentes de Cultura e Extensão Universitária Diagnósticos e Perspectivas, realizado entre os dias 18 a 20 de junho, no Museu Republicano de Itu, ocasião em que se discutiu o impacto das políticas de incentivo à produção
cultural na rotina universitária.
M AT E R I A I S E M É T O D O S
A Pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária, Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda, ministrou a palestra inaugural abordando como o volume da produção
de docentes da USP, no campo da cultura e da extensão, é revertida em publicações,
participações em eventos acadêmicos e, principalmente, como isso é percebido e valorizado pela comunidade uspiana.
O Workshop de Agentes de Cultura e Extensão Universitária foi organizado pela
primeira vez em 2008, com o objetivo de aprimorar o processo de divulgação do acervo
cultural da Universidade e ampliar a interação entre os agentes que atuam nessa área.
Para reforçar esse objetivo, este evento é organizado em espaços da USP normalmente
desconhecidos da comunidade universitária. O evento foi transmitido simultaneamente
pelo IPTV e a programação pode ser acessada em: <http://www.prceu.usp.br/eventos/
workshopagentes2013.php>.
A palestra foi desenvolvida a convite da Comissão Organizadora do Evento, pelos
46
A Necessidade de Ações Articuladas na Cultura e Extensão
autores deste artigo, sendo ministrada no dia 18 de junho de 2013, e teve como objetivo demonstrar e discutir a importância das ações articuladas entre ensino, pesquisa e
extensão, por meio do desenvolvimento de projetos de cultura e extensão dentro dos
programas perenes e também naqueles eventuais e Editais Especiais da Pró-Reitora de
Cultura e Extensão Universitária. Após a palestra, os docentes dialogaram com os ouvintes respondendo a várias dúvidas e questionamentos.
R esultados
A diferenciação de projetos de pesquisa (puros) daqueles de cultura e extensão foi
abordada, bem como explicitados os itens constantes, objetivos, metas, público-alvo e
benefícios para a implantação correta dos projetos almejados.
Foram apresentados brevemente cada um dos programas estáveis da PRCEU, como:
»» Aprender com Cultura e Extensão
»» A USP e as Profissões
»» Editais Especiais
»» Comissão de Estudos de Problemas Ambientais
»» Giro Cultural USP
»» Nascente
»» Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão
»» Caminhos da Cultura
»» Núcleo dos Direitos, com subprogramas:
»» Aproxima-Ação
»» ITCP-USP
»» Núcleo de Excelência pela Primeira Infância
»» Universidade Aberta à Terceira Idade
»» USP Diversidade
»» USP Legal
Os programas de Extensão visam integrar projetos universitários com as necessidades
da comunidade em que estão inseridos e têm caráter de continuidade. Foi citado como
exemplo: projeto de ginástica laboral com música na associação de moradores de uma
comunidade. Os atores do projeto tanto podem operar, aplicando os conceitos diretamente na
comunidade, quanto formando agentes comunitários multiplicadores da ação, com apoio da
Prefeitura ou ACI, para atender trabalhadores que vivem próximos à universidade ou faculdade.
A articulação é importantíssima na ação formadora direta, individual ou em massa, e
na formação de células disseminadoras dos conhecimentos aprendidos para as diversas
comunidades. A socialização do conhecimento é uma das formas mais democráticas
para o desenvolvimento de uma Nação soberana.
Foi apresentado também um quadro sinótico na forma de fluxograma para que os
ouvintes pudessem se inteirar da sistemática de funcionamento da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão dentro do organograma da USP (Figura 2).
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.43-50, nov. 2013
47
Universidade de São Paulo
Figura 2 – Organograma simplificado de atuação da PRCEU na atenção às atividades
de Cultura e Extensão
Reitoria de USP –RUSP
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitáia –PRCEU
Pró-Reitor
Adjunto Extensão
Câmera de Ação Cultural e
de Extensão Universitária
Câmera de Cursos
Câmera de Formação Profissional
Comitê de Fomento
Pró-Reitor
Adjunto Cultura
CoCex
Assessores Técnicos de Gabinete
Assistentes Técnicos do Gabinete
Chefes de Divisão
Comissão de Cultura e Extensão Universitária
Ações Articuladas
Grupo Coordenador das Atividades de Cultura e
Extensão Universitária do Campus de Ribeirão Preto
Pedrazzi, 2013
DISCUSSÃO
O sucesso das ações articuladas na Cultura e Extensão está diretamente relacionado e
comprometido com a elaboração e apresentação de Projetos de Extensão. Estes são, via
de regra, articulações concretas de conhecimentos oriundos de ensino e/ou pesquisa
aplicados em atividades que possam gerar ações transformadoras em uma comunidade,
seja ela interna ou externa à Universidade de São Paulo.
Um bom exemplo de ações articuladas na Cultura e Extensão foi a criação, pela Resolução CoCEx 5.174, de 3 de fevereiro de 2005, do Grupo Coordenador das Atividades de
Cultura e Extensão Universitária do Campus de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo. Composto por um presidente e um vice-presidente, eleitos pelos pares, que são
presidentes das Comissões de Cultura e Extensão das unidades do campus de Ribeirão
Preto, possui representantes discentes (um aluno de graduação e um de Pós-Graduação), dois representantes da Prefeitura do Campus de Ribeirão Preto e um representante da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.
O Grupo coordenador tem as funções precípuas de fomentar a política de ação cultural e extensão universitária para uso qualificado do campus de Ribeirão Preto, promover o desenvolvimento de ações culturais e de extensão universitária interunidades
no campus (articulação e interdisciplinaridade) e aprovar e supervisionar a execução
dos projetos e das atividades culturais do campus.
Os projetos de extensão devem apresentar algumas características para a sua
48
A Necessidade de Ações Articuladas na Cultura e Extensão
implementação e obtenção de melhores resultados. Devem, além da natureza acadêmica, cumprir ao preceito da articulação entre ensino, pesquisa e extensão (com integração da atividade de extensão desenvolvida à formação técnica e cidadã do estudante
e pela produção e difusão de novos conhecimentos, novas técnicas e novas metodologias); ter, sempre que possível, características de interdisciplinaridade, pela interação
de modelos e conceitos complementares, de material analítico e de metodologia, com
ações interprofissionais e interinstitucionais, apresentando consistência teórica e operacional que permitam a viabilização das atividades de extensão.
É salutar ainda que as atividades de extensão gerem impacto positivo na formação
técnico-científica, pessoal e social com a atribuição de créditos acadêmicos, sob orientação ou tutoria docente e a avaliação do estudante, bem como a geração de produtos
ou processos, como publicações, monografias, dissertações, teses, abertura de novas
linhas de extensão, ensino e pesquisa.
A existência no projeto/programa de ações articuladas envolvendo atuação na educação (Educação de Jovens e Adultos, Formação de Professores, Educação Ambiental,
etc.), bem como a sua relação com a sociedade, o impacto social – pela ação transformadora sobre os problemas sociais, contribuição à inclusão de grupos sociais, ao desenvolvimento de meios e processos de produção, inovação e transferência de conhecimento e a ampliação de oportunidades educacionais – facilita o acesso ao processo
de formação e de qualificação.
Deseja-se, também, estabelecer relação bilateral com os outros setores da sociedade,
pela interação do conhecimento e experiência acumulados na academia com o saber
popular e pela articulação com organizações intra e extramuros, objetivando o desenvolvimento de sistemas de parcerias interinstitucionais (interdisciplinaridade – trans,
pluri, multi). Assim, objetiva-se a contribuição na formulação, implementação e acompanhamento das políticas públicas prioritárias ao desenvolvimento regional e nacional.
É importante que, durante todo o processo, desde a sua aprovação e implementação,
haja uma estrutura bem definida para o monitoramento, acompanhamento e avaliação
do projeto e de suas ações transformadoras. A partir da análise dos resultados alcançados,
caberá ao comitê gestor deliberar pela sobrevivência, reapresentação, cancelamento ou
mesmo perenidade do mesmo, que poderá transformá-lo em um programa!
CONCLUSÕES
Projetos de Extensão são textos analíticos resultantes de estudos e revisões sobre temas relacionados à extensão universitária ou de experiências desenvolvidas nas áreas
temáticas estabelecidas para a extensão universitária, a saber:
1. Comunicação;
2. Cultura;
3. Direitos Humanos;
4. Educação;
5. Meio Ambiente;
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.43-50, nov. 2013
49
6. Saúde;
7. Tecnologia e Trabalho.
Os programas de Extensão visam integrar projetos universitários com as necessidades da comunidade em que estão inseridos e têm caráter de continuidade. Os atores do
projeto podem tanto operar aplicando os conceitos diretamente na comunidade, quanto
formar agentes comunitários multiplicadores da ação, com apoio da Administração ou
Prefeitura, para atender trabalhadores que vivem próximos à universidade ou faculdade.
REFERÊNCIAs
[1] ARRUDA, M. A. N. Carta de São Paulo: políticas públicas de cultura e extensão universitária. 2010. Disponível em: <http://www.prceu.usp.br/eventos/
proext/cartasp.pdf>. Acessado em: 09 set. 2013.
[2] RIBEIRO, C. Inovabrasil. FINEP. Brasília, 2010. Disponível em: <http://inovabrasil.blogspot.com.br/2010/09/helice-tripla-acoes-articuladas-dao.html> Acesso em: 17 set. 2013.
[3] SAWADA, N. O.; PEDRAZZI, V.; RODRIGUES, M. L. V. I Fórum de Integração dos Serviços de Saúde e das Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão da
USP. Revista de Cultura e Extensão USP, Brasil, v. 6, p. 33-40, out. 2011. ISSN
2316-9060. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rce/article/view/532>.
Acesso em: 01 Nov. 2013. doi:10.11606/issn.2316-9060.v6i0p33-40.
[4] CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 1, 2002.
(Anais). João Pessoa, 2002. Disponível em: <http://www.prac.ufpb.br/anais/
Icbeu_anais/anais/ficha.html>. Acesso em: 16 set. 2010.
professor associado 3 do Departamento de Materiais Dentários e Prótese da
Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e Coordenador da Câmara
de Ação Cultural e de Extensão Universitária – e-mail: [email protected]
V I N I C I U S P E D R A ZZ I
professora associada da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da Universidade de São Paulo e Pró-Reitora Adjunta de Cultura da Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo
M A R I N A M I T I Y O YA M A M O T O
50
A Necessidade de Ações Articuladas na Cultura e Extensão
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
51
52
A Necessidade de Ações Articuladas na Cultura e Extensão
Perspectivas da Extensão Universitária no
Projeto Troca de Saberes da Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Prospects of the University Extension related to the Project
“Exchange of Knowledges” of Santa Catarina State University
RESUMO
Este artigo aborda a Extensão Universitária em uma experiência de acadêmicos do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV), da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), participantes no projeto Troca de Saberes – Grupo de Trabalho para Preparo
de Ações Junto ao Núcleo Extensionista RONDON (NER) – UDESC, desenvolvido no
Planalto Catarinense. A prática da Troca de Saberes entre a Universidade, através de
seus acadêmicos, e a comunidade, contribui para o desenvolvimento socioambiental
na área que recebe a aplicação direta da proposta deste trabalho. Mudanças de caráter
pessoal, acadêmico e profissional são alcançadas pelos protagonistas dessa iniciativa,
os acadêmicos da UDESC. Dessa forma, o projeto toma suas ações como importante
ferramenta pedagógica para a prática da cidadania e transdisciplinaridade, tornando-se instrumento político pedagógico para a complementação de uma formação acadêmica baseada em valores e experiências sociais vinculadas à localidade onde o projeto
se insere. A gestão participativa é, em muitas situações, providencial para solução de
problemas socioambientais para assim alcançar o objetivo comum. Nesse sentido, a
extensão universitária circunscrita do Projeto Troca de Saberes atua diretamente para
as mudanças socioambientais em suas diversas formas e práticas.
Palavras-chave: Extensão Universitária. Troca de Saberes. Formação Acadêmica.
Guilherme da Silva
R icardo e Á lvaro
Luiz Mafra
Universidade do Estado de
Santa Catarina. Centro de Ciên
cias Agroveterinárias, Santa
Catarina, Brasil
ABSTRACT
This article addresses the theme University Extension through the experience of academics Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) of Universidade do Estado de
Santa Catarina, participants in the project Exchange of Knowledge developed in the
Santa Catarina highlands. The practice of Knowledge Exchange between university
students and the community, contributes to socio and environmental development in
the area that receives the direct application of this work proposal. Changes in personal,
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.53-61, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p53-61
53
academic and career are achieved by the agents of this initiative, academics UDESC. In
this way the project takes your actions as an important educational tool for the practice
of citizenship and transdisciplinarity, assuming as an instrument in complementing of
a academic formation based on values and social experiences linked to location where
the project is inserted. Participatory management is in many situations, providential
for solving environmental problems and thus achieve the common objective. In this
sense the university extension by Exchange of Knowledge project works directly for environmental changes in their different forms and practices.
Keywords: University Extension. Exchange of Knowledge. Academic Formation.
INTRODUÇÃO
A ideia de desenvolver o Projeto de Extensão Troca de Saberes na comunidade
do entorno do campus III da UDESC, o Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV), localizado na cidade de Lages, Santa Catarina, surgiu de experiências em atividades da extensão
universitária do Núcleo Extensionista RONDON (NER/ UDESC) que desenvolve ações
regionais no Estado de Santa Catarina, tendo como principal finalidade atender demandas
da sociedade. O NER já atuou em diferentes áreas do território catarinense abrangendo as
regiões: Meio Oeste, Extremo Oeste, Planalto e Extremo Sul Catarinense. As diferentes
realidades encontradas nas ações do NER, nas quais a academia esteve imersa por dias, em
contato direto com a comunidade local, conduziu o olhar para a identificação das demandas
socioambientais existentes no contexto em que o campus CAV está inserido.
Trazer a metodologia das ações regionais para o local em que os acadêmicos constroem suas graduações é o objetivo deste projeto, que está amparado teoricamente na
literatura de pensadores clássicos como Paulo Freire, e pesquisadores recentes como
Munhoz (2009), Bulhões (2010) e Santos (2012). Dessa forma, as análises das demandas
socioambientais feitas pelos acadêmicos, professores e gestores da educação do CAV/
UDESC e de outras instituições de ensino confirmam a necessidade de intensificar a
participação universitária junto à sociedade sediada ao entorno do campus, com o objetivo de promover o seu desenvolvimento.
Para a academia, buscam-se, nessas experiências, os benefícios de uma complementação na formação do indivíduo que identifica a sua competência e responsabilidade de contribuição direta para a sociedade que financia seu aprendizado. O referencial teórico deste
artigo ancora-se em outros autores que identificam a extensão universitária como atividade imprescindível às universidades, estando apoiado na Política de Extensão Universitária
da UDESC, regulamentada na resolução Nº 007/2011 do seu Conselho Universitário.
A P R E S E N TA Ç Ã O E O R I G E M D O P R O J E T O
O Projeto de Extensão Troca de Saberes conta com uma equipe multidisciplinar que
desenvolve atividades de natureza transdisciplinar, tendo como base o Plano Nacional
de Extensão de 2007, que, por meio do Fórum de Pró-Reitores/as de Extensão das
54
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes
Universidades Públicas Brasileiras, estabelece a necessidade de maior relação entre universidade e sociedade [5]. A partir dessa necessidade, o projeto promove a articulação
de discentes e docentes dos cursos de graduação em Agronomia, Engenharia Ambiental, Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Pós-Graduação do CAV/UDESC,
através de um grupo de estudantes voluntários que se renova semestralmente, atuando em um projeto que tem como pré-requisito o comprometimento com a responsabilidade socioambiental e o interesse em viver experiências como multiplicadores do
conhecimento adquirido na universidade. O projeto está situado na região do Planalto
Catarinense, que detém os seguintes valores no Índice de Desenvolvimento Humano:
Lages/SC – IDH (0,551 em 1991), (0,674 em 2000) e (0,770 em 2010). Atualmente o
IDH situa-se ligeiramente abaixo da média estadual que é de 0,774 para ano 2010, segundo o Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD) [3]. Entretanto,
a condição regular, em relação à média estadual, não coloca a cidade em zona de conforto, em função das demandas socioambientais existentes e identificadas neste projeto.
O projeto sai dos limites físicos da universidade por meio da extensão universitária
levando, através dos acadêmicos, o conhecimento acadêmico às escolas públicas. Estas, que são importantes espaços de diálogo e portadoras de um conhecimento que é
absorvido pelos acadêmicos, uma vez que a Extensão Universitária é uma via de mão
dupla, conforme salienta o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras [5].
O projeto Troca de Sabres nasceu das experiências com as operações regionais do
NER/UDESC organizadas em parceria com cidades interessadas em receber acadêmicos extensionistas voluntários por um período de tempo de operação que tem sido
de, aproximadamente, dez dias, sempre ao final dos semestres acadêmicos. Desde a sua
criação, em 2010, o NER realizou cinco operações em Santa Catarina: Operação Contestado (2010.2); Operação Fronteira (2011.1); Operação Caminho dos Tropeiros (2011.2)
e Operação Serra & Mar (2012.1); Operação Integração (2013-1) [14]. Nessas ações, o
público catarinense contemplado foi maior do que 35.000 pessoas, com participação
efetiva de aproximadamente 650 acadêmicos da UDESC e de outras Instituições do
Brasil, como a Universidade de Brasília (UnB). A partir da Operação Fronteira (2011.1),
o projeto Troca de Saberes começou a ser planejado, tendo suas atividades iniciadas no
primeiro semestre de 2012. Além das ações locais que o Troca de Saberes desenvolve junto
à comunidade, também orienta os acadêmicos extensionistas já capacitados do ponto
vista metodológico, a participarem das operações semestrais do NER, também conhecidas na universidade como “Operações do Projeto RONDON/UDESC”. A UDESC
também participa no Projeto RONDON de abrangência Nacional, coordenado pelo
Ministério da Defesa, que seleciona acadêmicos de todo o Brasil para suas operações*.
M AT E R I A I S E M é T O D O S
O projeto tem suas ações amparadas pela RESOLUÇÃO Nº 026/2012, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), que regulamenta as atividades
complementares nos Cursos de Graduação da UDESC, segundo Art. 2º item III**.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.53-61, nov. 2013
*“[...] O Projeto Rondon,
coordenado pelo Ministério
da Defesa, é um projeto
de integração social que
envolve participação
voluntária de estudantes
universitários na busca de
soluções que contribuam
para o desenvolvimento
sustentável de comunidades
carentes e ampliem o bemestar da população [...]”. E
ainda: “[...] O Projeto Rondon
tem por finalidade levar as
Instituições de Ensino Superior
e seus estudantes àquelas
regiões menos favorecidas
do Brasil, para dar-lhes a
oportunidade de conhecerem
essas realidades, socializarem
seus saberes e, na interação
com as comunidades,
elaborarem propostas e
criarem soluções participativas,
de modo a atenuar as
deficiências estruturais
locais, contribuir para o bemestar dessas populações, e,
simultaneamente, consolidar
a formação dos universitários
como cidadãos” [1].
**Atividades de extensão que
constituam uma oportunidade
da comunidade interagir com
a Universidade, construindo
parcerias que possibilitam a
troca de saberes popular e
acadêmico com aplicação de
metodologias participativas. [4]
55
Os extensionistas desenvolvem oficinas temáticas dentro das áreas da extensão universitária: comunicação, cultura, direitos humanos e justiça, educação, meio ambiente,
saúde, tecnologia e produção, e trabalho.
As oficinas são desenvolvidas com base nas demandas socioambientais locais levantadas inicialmente pelo grupo a fim de determinar as potenciais questões a serem trabalhadas na comunidade. Nesta fase, cada oficina é descrita em documento que orienta as
informações do saber a ser transmitido. São campos a serem preenchidos nesse documento: Justificativa para oficina, Público Alvo, Objetivos Específicos, Resumo de Aplicação,
Carga Horária, Número de Participantes da oficina, Recursos e Materiais Necessários, Descrição Metodológica da Dinâmica, Duração, Resultados Esperados e Avaliação.
Em cada oficina é necessário o desenvolvimento de uma Dinâmica de fixação do conhecimento que utilize linguagens e métodos diferenciados, de acordo com o perfil do
público alvo, o que permite contextualizar a demanda levantada e oferecer, de forma
clara e objetiva, uma ou mais propostas de solução para a temática em questão. A dinâmica permite envolver acadêmicos e público interessado em uma construção coletiva
do saber, tendo ao seu final uma reflexão acerca do conhecimento proposto pela oficina.
Há um direcionamento espontâneo das oficinas para a área temática ligada ao Meio Ambiente, o que acontece de forma natural em função do potencial acadêmico em trabalhar a
temática, uma vez que os cursos do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV/UDESC)
são vinculados à grande área Meio Ambiente, que possue demandas constantemente evidenciadas por lideranças comunitárias, por governantes e atores sociais locais e globais.
Após período de desenvolvimento interno, as oficinas são aplicadas em escola(s)
pública(s), grupos da sociedade civil organizada e/ou entidades parceiras do projeto.
Todas as oficinas são avaliadas posteriormente com relatório e debate interno ao grupo.
Ao final de cada agenda de aplicação, cada oficina documentada e aplicada pelo Projeto
Troca de Saberes é adicionada a um arquivo único que forma uma apostila que é disponibilizada ao grupo e ao NER, formando um acervo de trabalhos a serem utilizados por
outros acadêmicos da universidade em ações futuras da UDESC.
***Tal relação tornou-se
defasta para o ambiente
quando a sociedade
subordinou a natureza a
uma lógica mercadológica.
Esse processo de separação
entre indivíduo e natureza,
não a reconhecendo como
legítima mas como um
recurso, juntamente com as
possibilidades acumuladas
pela técnica e pela ciência,
conduziu a um processo
de crescimento industrial
desordenado, intensificando
os problemas ambientais,
que atingem hoje um largo
espectro, desde a dilapidação
dos ecossistemas até o
aumento da criminalidade [8].
56
DISCUSSÃO
A Extensão Universitária e o Meio Ambiente
O Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) possue em seus cursos de graduação e
pós-graduação corpo docente e discente qualificado para desenvolver ações de Extensão
Universitária na área temática Meio Ambiente, e também o compromisso de desenvolver essas atividades frente às demandas locais identificadas.
O meio ambiente e as relações socioambientais vem sendo foco de discussões e estudos pela atual geração, devido aos casos negativos resultantes da ação humana sobre
os recursos naturais. Neste sentido, buscam-se soluções para problemas ambientais a
partir da reflexão e atitudes que resultem em mudanças dos hábitos negativos impostos pelo capital e pela política do produtivismo em sua atual e influente relação com o
meio ambiente***[8].
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes
O potencial de contribuição das universidades com projetos locais é enorme, atualmente existem cerca de 5 milhões de estudantes universitários (Dados do Censo de Educação, INEP). Se cada estudante dedicar parte de seus estudos em atividade sociais, seria
possível, por meio da extensão universitária, desenvolver inúmeras atividades socialmente
engajadas que contribuiriam para a melhoria dos problemas brasileiros**** [12]. É o que
afirma Lucas Maciel Ramalho, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, coordenador do Programa de Extensão Universitária do Ministério da Educação [7].
O projeto Troca de Saberes identifica essa oportunidade e aposta na extensão universitária como contribuinte para a consolidação de uma sociedade que detenha hábitos e ações mais sustentáveis. A educação ambiental baseada em valores humanos e na
valorização do meio ambiente é o caminho para essa meta global, conforme entende
o documento das Nações Unidas “O Futuro que Queremos” nos parágrafos 229; 233;
251, desenvolvidos na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (RIO+20), respectivamente expostos***** [11].
****Esta ação transformaria
a educação superior em um
verdadeiro vetor de melhoria
da qualidade de vida da
população.
A Extensão Universitária e a Formação Acadêmica
A extensão universitária do projeto Troca de Saberes permite a expansão dos horizontes do pensamento ao colocar acadêmicos em contato com experiências que os fazem
refletir profundamente sobre valores e aspectos da dinâmica social ******. O projeto
confirma a presença da academia na comunidade, dando ao estudante a oportunidade
de ter uma experiência de aprendizado que vai além da cadeira acadêmica em uma relação direta com a sociedade, como explica Freire (1983) [6].
As demandas locais trabalhadas em oficinas estimulam a construção coletiva de saberes que beneficiarão: a comunidade, ao fomentar o raciocínio para solução do tema
proposto, e o acadêmico, pelo fato de possibilitar a visão da problemática a partir de
um ângulo diferenciado, o que contribui para um melhor entendimento de questões
socioambientais que poderão, posteriormente, ser seu objeto de estudo no meio acadêmico ou na vida profissional. São experiências diferentes para cada voluntário, mas
*****Reafirmamos nosso compromisso com o direito à educação e, nesse sentido, comprometemo-nos a
reforçar a cooperação internacional para alcançar o acesso universal à educação primária, especialmente
para países em desenvolvimento. Reafirmamos ainda que o acesso pleno à educação de qualidade em
todos os níveis é uma condição essencial para alcançar o desenvolvimento sustentável [...]. (RIO+20, 2012).
Tomamos a decisão de promover a Educação para o Desenvolvimento Sustentável e integrar o
desenvolvimento sustentável mais ativamente na educação para além da Década das Nações Unidas da
Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). (RIO+20, 2012)
Reconhecemos que há uma necessidade de informação global, integrada, e com bases científicas, sobre
o desenvolvimento sustentável. [...] [...] Também nos comprometemos a mobilizar recursos financeiros e
capacitação, particularmente para países em desenvolvimento, para garantir o sucesso dessa iniciativa.
(RIO+20, 2012).
******“[...] A eficácia do trabalho extensionista está em fornecer um modelo pelo qual é possível
observar a realidade. A realidade, por sua vez, nos fornece elementos para teorizar, e a teoria nos fornece
elementos para expandir a análise da realidade [...]” [9].
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.53-61, nov. 2013
57
*******“[...] O conhecimento
é gerado entre os homens
em uma relação social,
onde existem vários sujeitos
que pensam, dialogam e
comunicam, e que, por meio
dessas ações constroem
o mundo e constroem a si
mesmos” [13].
que possuem um denominador comum, o sentimento de contribuição social*******. As
falas dos estudantes que participaram do projeto são confirmadas por suas experiências
particulares que vão ao encontro com o que o projeto busca e os teóricos observam.
“a todo o momento houve troca de experiências e histórias entre o público alvo e os universitários”;
“pode-se notar um grande interesse dos participantes pelo tema Meio Ambiente. No decorrer da
Oficina houve uma troca de conhecimentos muito positiva”;
“creio que o momento foi de extrema aprendizagem para todos”.
********Para a formação
do profissional cidadão, é
imprescindível sua interação
com a sociedade por meio da
extensão, seja para ele “se
situar historicamente, para se
identificar culturalmente e/ou
para referenciar sua formação
técnica com problemas que
um dia terá que enfrentar”
[10].
Tais experiências oferecem ao acadêmico a oportunidade de se reafirmar nas suas
escolhas********.
R E S U LTA D O S
Entre 2012 e julho de 2013, foram realizadas 31 atividades, sendo 11 trabalhos desenvolvidos no primeiro semestre de 2012, 14 no segundo semestre, e 6 no primeiro semestre de
2013. A temática Meio Ambiente, com 58,0% das oficinas aplicadas, teve maior aplicação
dentre outras áreas associadas à proposta pedagógica do projeto, como a Educação, com
29,0%, e a Saúde, com 12,9% dos trabalhos aplicados. Os diferentes cursos de Graduação
envolvidos no projeto formaram uma equipe multidisciplinar com distintas formações
e conhecimentos, o que tornou possível abranger diferentes demandas socioambientais. Houve um sutil destaque na participação do curso de Engenharia Ambiental em
relação aos outros cursos do Centro, como mostra o Gráfico 1.
Gráfico 1– Graduandos Participantes do Projeto por Curso
12
10
11
9
8
10
8
6
4
4
2
0
58
E ngen h aria
E ngen h aria
A mbiental
F lorestal
A gronomia
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes
M edicina
E ngen h aria
V eterin á ria
A mbiental
O projeto contemplou diferentes públicos com diversas faixas-etárias, tendo maior direcionamento de suas oficinas para alunos entre 0 e 5 anos de idade no primeiro semestre
de 2012 e entre 6 e 11 anos no segundo semestre de 2012. Além desses contemplados, alunos com idade entre 12 e 17 anos participantes do Programa Ensino Médio Inovador do
Ministério da Educação (ProEMI – MEC) [2], receberam oficinas no primeiro semestre
de 2013, e alunos do Projeto Educação Jovens e Adultos (EJA), com faixa-etária entre 18
e 59 anos tiveram grande expressão numérica no somatório dos dois semestres iniciais do
projeto. São os grupos, divididos por faixa etária, conforme o Gráfico 2.
Gráfico 2 – Público Recebedor do Projeto por faixa Etária e Semestre
Faixa
Etária
(anos)
18 a 59
53
12 a 17
68
245
81
6 a 11
233
0a5
162
20
0
1o semestre de 2013
1o semestre de 2012
2 o semestre de 2012
25
50
75
100 125 150 275 200 225 250 275
Quantitativo do Público Participante do Projeto
Durante o período de aplicação do projeto, a temática Meio Ambiente envolveu 444
estudantes. A segunda grande área mais trabalhada foi a de Educação, que recebeu, em
oficinas, 302 participantes. A temática Saúde, também de grande relevância no contexto
local, recebeu 116 alunos em oficinas, como sintetiza o Gráfico 3.
Gráfico 3 – Público Recebedor do Projeto por Área Temática
Saúde
116
Educação
302
Meio
Ambiente
444
0
100
200
300
400
500
Quantitativo do Público Participante
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.53-61, nov. 2013
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CONCLUSÃO
O projeto esteve, até o momento, em contato com a sociedade através de escolas públicas do município de Lages/SC e da escola Serviço Social da Indústria (SESI). Em suas
atividades, o projeto sempre visou proporcionar aos estudantes o conhecimento de distintas realidades em suas relações com os públicos alvos e com os locais de aplicação.
As abordagens das oficinas aplicadas foram além dos seus títulos e conteúdos de base,
expandindo-se em assuntos contextualizados com a temática central da oficina, assuntos
que, na maioria das vezes, foram levantados pelo público alvo conhecedor da problemática, pois este já a percebeu através de sua vivência cotidiana e/ou em situações distintas.
Dessa forma, observou-se uma pré-disposição da sociedade em debater situações
de seu interesse, sendo essas discussões orientadas e amparadas tecnicamente pelos
acadêmicos. Tais debates e reflexões se fizeram positivos e construtivos junto ao público alvo que, conduzidos ao entendimento do objeto de estudo, se autodeclarou conscientizado. Nesse sentido, o trabalho realizado sempre esteve comprometido com os
princípios de uma extensão universitária emancipatória, multidisciplinar e conectada
com uma construção coletiva do saber, colocando em prática o papel e compromisso
da universidade pública para com a sociedade que a financia. O projeto beneficiou ,entre 2012 e 2013, um total de 862 pessoas.
REFERÊNCIAS
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defesa.gov. br/projeto_rondon>. Acesso em: 20 jun. 2011.
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ProEMI. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=13439>. Acesso em: 10 mar. 2013.
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Atlas de Desenvolvimento Humano 2013. Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/download>. Acesso em 1 de ago. de 2013.
[4] CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO (CONSEPE) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). RESOLUÇÃO Nº 026/2012
– CONSEPE. Disponível em: <http://secon.udesc.br/consepe/resol/2012/0262012-cpe.pdf>. Acesso em 10 de mar. de 2013.
[5] FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS. Avaliação Nacional da Extensão Universitária 2000. Disponível em: <http://www.unifal-mg.edu.br/extensao/files/
file/colecao_extensao_univeristaria/colecao_extensao_universitaria_3_avaliacao.pdf>. Acesso em: 8 de fev. de 2013.
[6] FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
[7] MACIEL, L. R. Política Nacional de Extensão: Perspectivas para a Universidade Brasileira. Brasília: Universidade de Brasília, 2010.
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60
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes
ética ambiental. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2006.
[9] MORIN, E. Da necessidade de um pensamento complexo. Tradução de Juremir
Machado Silva. In: MARTINS, F. M.; SILVA, J. M (Orgs.). Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e cibercultura. Porto Alegre: Sulinas/
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[10] NOGUEIRA, M. das D. P. (Org.). Extensão universitária: diretrizes conceituais e políticas. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
[11] ONU. RIO+20 – Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Declaração Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20): O Futuro que Queremos. Rio de Janeiro, 2012.
[12] REVISTA PARTICIPAÇÃO. 90 anos de Paulo Freire. Brasília: Universidade
de Brasília; Decanato de Extensão, 1997.
[13] SANTOS, A. B. Extensão Universitária como Viabilizadora de Políticas Públicas: A Visão de Acadêmicos da UDESC. Dissertação (Mestrado em Gestão
de Políticas Públicas) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2012.
[14] UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA (UDESC). Núcleo
Extensionista RONDON – NER. Disponível em: < www.udesc.br/ner>. Acesso
em: 08 jul. 2013.
graduando do curso de Engenharia Ambiental do Centro de
Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina (CAV/UDESC) – e-mail:
[email protected]
Guilher m e da S ilva R icardo
professor associado ddo Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade
do Estado de Santa Catarina (CAV-UDESC) – e-mail: [email protected]
Á lvaro L ui z Ma f ra
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.53-61, nov. 2013
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62
Perspectivas da Extensão Universitária no Projeto Troca de Saberes da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Região Central Histórica de Santos e o
Território Usado: Síntese de Múltiplas
Determinações
Central Historical Area of Santos City and the Used
Territory: Synthesis of Multiple Determinations
RESUMO
O presente trabalho é produto de um estudo bibliográfico, documental e exploratório
sobre a Região Central Histórica da Cidade de Santos, que visa compreender o uso do
território pelos diversos sujeitos sociais e as expressões da totalidade em movimento
dentro desse recorte em particular.
Palavras-chave: Santos. Território Usado. Totalidade. Movimento.
A nita Kurka , Ivelize
Ferraz e Juliana
A nastácio
Universidade Federal de São
Paulo. Departamento de Saúde, Educação e Sociedade,
São Paulo, Brasil
ABSTRACT
The present work is a product of a bibliographic, documental and exploratory study
about the Central Historical Area of Santos City, which aims to comprehend the use
of the territory by the various social subjects and the expressions of the moving totality
inside of this particular side view.
Keywords: Santos. Used Territory. Totality. Movement.
INTRODUÇÃO
Síntese de múltiplas determinações, a Região Central Histórica de Santos,
outrora valorizada e habitada por famílias tradicionais, era marcada por palacetes e
modo de vida peculiar das elites; a partir da década de 1940, passa por um processo de
acentuada degradação, expresso no abandono da região por parte dos grupos mais abastados que partiam em direção à orla da cidade. Desde a metade final do século XX até
início do XXI, a região esteve esquecida pelo poder público e por parte da sociedade,
tornando-se sinônimo, no imaginário coletivo, de pobreza e periculosidade, devido às
suas zonas de prostituição e de consumo de drogas, por suas habitações coletivas (cortiços) e por seu grande contingente de população em situação de rua.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.63-72, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p63-72
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No entanto, no ano 2003, a Prefeitura Municipal de Santos (PMS), por meio da Secretaria
de Planejamento (SEPLAN), lançou o Programa Alegra Centro, pela Lei Complementar nº
470, que tem por objetivo a “revitalização” da Região Central Histórica de Santos, através da
concessão de incentivos fiscais para determinados empreendimentos que se instalarem em
qualquer um dos seus cinco bairros (Vila Mathias, Vila Nova, Paquetá, Centro e Valongo)
a fim de que a região volte a ser uma área nobre e um símbolo da riqueza de Santos.
O projeto de pesquisa intitulado “Um estudo bibliográfico, documental e exploratório da Região Central Histórica de Santos” constituiu-se em uma aproximação com
a temática de transformação do espaço urbano na área central da cidade de Santos,
suscitando questões relevantes para futuros estudos sobre o uso do território e a coexistência de diversos agentes sociais, tais como empresas, estabelecimentos públicos e
privados e moradias. A seguir, apresenta-se uma síntese das informações e dos dados
coletados durante a pesquisa.
DISCUSSÃO
A partir da compreensão de que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” [9],
torna-se evidente a necessidade de um resgate histórico para propor a análise e compreensão dos processos de transformação dos espaços urbanos em geral.
Em concordância com o assinalado por Karl Marx [8], “o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso”, considera-se que
a “concretude” da Região Central Histórica de Santos, construída por processos decorrentes do uso do território pelos sujeitos, pelas empresas, por estabelecimentos da
sociedade civil, entre outros, numa contínua relação entre o par dialético fixos e fluxos
[17], é produto, enquanto síntese e resultado, mas é também ponto de partida para entendimento do real e produtora de relações sociais.
No século XIX, Santos já era uma cidade vibrante, que pulsava, revelando toda a
efervescência e os múltiplos eventos ocorridos nos lugares de seu território, como evidencia Tavares ao se referir a alguns dos epítetos recebidos por Santos” [19]: “‘Porto
maldito’, ‘Centro sindical nº 1 do Brasil’, ‘Barcelona brasileira’, ‘Montecarlo do café’, ‘Cidade vermelha’, ‘Moscouzinha’, ‘Porto vermelho’, ‘Cidade heroica’, ‘Moscou brasileira’,
‘Cidade de Prestes’, ‘República sindicalista’. Partindo dessas alcunhas recebidas pela
cidade, símbolos dos olhares e opiniões a respeito dela, versaremos sobre aspectos e
processos históricos e sociais gestados em seu interior.
O porto de Santos, hoje o maior da América Latina, com 13 quilômetros de extensão,
era alegoria do crescimento econômico nacional já no início do século XX. Visando
uma melhora qualitativa da organização dos serviços marítimos, sua construção foi
iniciada no ano de 1888 via concessão a uma empresa privada, a Gaffrêe e Guinle [7].
Em razão da construção do cais em local insalubre, resultou o advento de determinadas
doenças, tais como a varíola, peste bubônica e a febre amarela que, adentrando pelo
porto, agravaram-se devido às práticas inadequadas dos moradores da cidade, como o
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Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações
descarte de dejetos nos quintais das casas ou em vias públicas, sendo a causa da morte
de mais da metade da população entre os anos 1890 e 1904. Daí, o porto ser conhecido
também pelo adjetivo “maldito”.
Os bairros da Região Central Histórica de Santos, marcados por profundas desigualdades sócio-espaciais, durante o século XIX e nas primeiras décadas do século
XX, caracterizavam-se pela presença de famílias com grande poder aquisitivo, como a
elite cafeeira santista, que compôs o núcleo moderno e de maior importância econômica para a cidade. Por sua vez, os trabalhadores residiam em bairros próximos a essa
região, como o Macuco, sendo a orla da cidade reservada aos pescadores tradicionais e
a suas famílias. Após a abolição da escravatura e chegada da mão-de-obra estrangeira,
determinados bairros passaram a ser referências do processo migratório. Como assinala
Matos [10] acerca da imigração portuguesa na cidade de Santos e o uso do território
por esse grupo social específico:
O sistema implantado optou preferencialmente pela introdução de europeus e em unidades familiares, o que permitiu aos cafeicultores obter um suprimento de trabalho complementar barato,
fornecido pela mão-de-obra feminina e infantil, garantindo o abastecimento de braços durante a colheita, enquanto ao colono, através da cooperação da unidade familiar, tornava-se possível um melhor
aproveitamento das oportunidades de ganho. [10]
Ainda decorrente do fluxo migratório, um fato curioso é que o atual bairro Valongo
passou a ser conhecido como “Bairro Chinês” devido à imigração japonesa, confusão
provocada por chineses e japoneses serem orientais e possuírem fenótipos semelhantes
[12]. De acordo com Tavares [19],
Do complexo emaranhado de fatores que distinguiam os bairros, os habitantes da época retiveram a distribuição espacial da população santista. Na década de 1930, tal divisão dava margem para que
as pessoas retivessem a imagem de uma heterogeneidade entre os bairros de Santos e uma pretensa
homogeneidade dentro de cada um. [19]
Essa concepção é resgatada na memória social e impregnou o imaginário santista, pois a relação dos moradores (especialmente os mais antigos) com os bairros é de
grande identificação, como se cada bairro da cidade – e cada habitante dele – possuísse
características peculiares que o distinguisse dos demais e que mantivesse proximidade
e semelhança apenas entre os sujeitos no interior de cada bairro.
A elite santista que, até o início do século XX vivia, predominantemente, no bairro
do Valongo, transfere-se para a Vila Nova, pois, com a expansão do comércio cafeeiro e
do porto, o primeiro passa a abrigar inúmeros armazéns de estoque de café. Influenciada
por esse contexto, há a construção do Mercado Municipal, no ano 1902, na atual Praça
Iguatemi Martins. Composto por boxes que vendiam legumes, frutas, verduras, carnes e
peixes, este surge pela necessidade de abastecer a população com produtos alimentícios,
tendo, ainda, a prerrogativa de situar-se próximo a um canal marítimo. Em 1906, com
a construção da rampa dos atracadouros, a Bacia do Mercado passa a integrar o transporte de cargas e pessoas para o antigo Itapema, localizado na cidade do Guarujá [6].
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.63-72, nov. 2013
65
Na atual Rua XV de Novembro, no Centro, agora restaurada, sob a iluminação de época e sobre o calçadão, entre cafés e restaurantes, há o imponente prédio transformado em
museu, que outrora abrigou a Bolsa Oficial do Café, nos tempos áureos desse produto,
pré-crise de 1929. Nessa época, Santos era conhecida como a “Montecarlo do Café”, de
famílias tradicionais, elites palacianas, imigrantes (espanhóis, portugueses e japoneses,
principalmente) e trabalhadores. Desse processo de coexistência e convivência entre diversos sujeitos sociais e espaços públicos e privados nas cidades, Ana Lanna explicita:
O crescimento urbano foi caracterizado pela edificação de belas casas e palacetes, pela negação do
sobrado colonial e das formas de vida nele estabelecidas, pela construção de novos espaços e formas de
lazer, pelo aparecimento de lojas, cafés, restaurantes, teatros e parques. Mas foi, ao mesmo tempo, caracterizado pelo aparecimento de cortiços, de bairros populares, de trabalhadores ditos “arruaceiros”, “incivilizados”, “vagabundos” que com sua presença e movimento também marcaram as novas cidades.[5]
Os chamados “arruaceiros” eram um símbolo de resistência em uma Santos onde
a elite temia ante a possibilidade de revoltas com tendências comunistas (“Moscouzinha”) e anarquistas (“Barcelona Brasileira”), vendo-se obrigada a atender a determinadas demandas da classe trabalhadora a fim de manter o porto em pleno funcionamento
e assegurando a exportação de café. A cidade foi, ainda, espaço de embates entre o Estado Varguista e os trabalhadores. O porto passa, assim, a ser um local onde a vigilância
constante era necessária a fim de evitar influências advindas do exterior que pudessem
ser prejudiciais ao que projetava o governo.
O processo de expansão capitalista, com seus efeitos múltiplos, expresso em Santos
na “expansão comercial e do porto e as facilidades de comunicação com a praia acabaram gerando um novo conceito de ‘morar bem’: os mais abastados se foram para a
porção meridional da ilha” [14].
A consolidação do porto e as consequentes doenças por ele ocasionadas, bem como
o movimento e circulação de trabalhadores na região central, a chegada e o estabelecimento de migrantes e a crise econômica (e social) ocorrida entre 1929 e 1932, que ocasionou a decadência do café, são alguns dos motivos pelos quais as famílias ricas deixaram as imediações do porto e partiram em direção à orla da cidade. Assim, a Região
Central Histórica de Santos passou por um acentuado processo de degradação, revelador de desigualdades sócio-espaciais e do “caráter de classe na ocupação do solo” [19].
Os trechos abaixo assinalados, extraídos de publicações de jornais da cidade de Santos, revelam alguns aspectos dos bairros Paquetá, Vila Mathias e Centro, respectivamente, que integram a Região Central Histórica de Santos, evidenciando características da
degradação política e social sofrida por aquela localidade:
O Paquetá é delimitado pelas ruas São Francisco e Xavier da Silveira, Constituição e João Otávio. Desse quadrilátero que expõe muita miséria, o desenvolvimento parece passar longe. A própria
Secretaria de Planejamento estima que todas as habitações ali são “subnormais”, classificação dada a
moradias sem condições estruturais nem sanitárias de acolher seres humanos. [1]
“Tô aqui na praça. Para onde é que eu vou? Tô sujo, só com essa roupa, mas nunca fui de pedir nada
a ninguém. Tomo banho em torneira de obra, passo fome”. Rafix fala, lembra-se da família que ficou
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Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações
numa cidadezinha perdida no Nordeste e seus olhos se enchem de lágrimas. Ao seu redor, há muitas
outras pessoas na mesma condição de miséria. Na rua, homens e mulheres passam apressados. Uma
mistura de medo e desprezo estampados no rosto. [13]
Onde foi parar aquele mundo de gente e de carros? O silêncio tomou conta do Centro: agora ele
pertence aos bêbados, às prostitutas, às famílias dos porões. Pertence a essa gente amargurada. [11]
Desde a metade final do século XX até início do XXI, a Região Central Histórica de Santos esteve esquecida pelo poder público e por parte da sociedade. Ficou conhecida, a partir
de então, por suas habitações coletivas (cortiços), suas zonas de prostituição e de consumo de drogas, seu grande contingente de população em situação de rua e de trabalhadores informais, tornando-se sinônimo, no imaginário coletivo, de pobreza e periculosidade.
Figura 1 – Pessoa em situação
de rua nas imediações do campus da UNIFESP-BS.
No entanto, no ano 2003, a Prefeitura Municipal de Santos (PMS), por meio da Secretaria de Planejamento (SEPLAN), lançou o Programa Alegra Centro, pela Lei Complementar nº 470, que tem por objetivo a “revitalização” da Região Central Histórica
de Santos. Trata-se de um projeto higienista, vertical, que não objetiva a emancipação
humana e a erradicação da pobreza, mas apenas um manejo das expressões da questão
social, no sentido de esconder e camuflar, transferindo-as para outras regiões da cidade, como a Zona Noroeste e a Serra, por exemplo, e da Baixada Santista, a fim de que
a região central volte a ser uma área nobre e símbolo da riqueza de Santos, atendendo
aos interesses do capital e negligenciando as demandas sociais.
Nas palavras de Comitre,
com o programa Alegra Centro, a região central de Santos vai se reestruturando de acordo com
os interesses do poder público, que neste caso muito se aproxima dos ideais privados, por meio da
permissão ou não de determinado empreendimento se fixar nesta área. [3]
através da concessão de incentivos fiscais para atividades que estejam direcionadas
aos seguintes segmentos: Turismo e Hospedagem, Diversões, Beleza e Higiene Pessoal, Educação e Cultura, Comércio Varejista, Profissionais Liberais e Ateliês Artísticos,
Prestadores de Serviços [15].
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Ante tais requisitos, o Alegra Centro impulsionou para a região empresas privadas
e instituições de ensino, tais como a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP –
Campus Baixada Santista) e a Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo (FATEC), atualmente em construção no local da antiga Hospedaria dos Imigrantes, prédio
datado de 1912, ambas situadas na Rua Silva Jardim, no bairro Vila Mathias.
Incentivando o turismo, há o projeto Linha Turística – Museu Vivo do Bonde, que percorre um trajeto no Centro e passa pelos pontos de interesse cultural e histórico para a
cidade. Junto com tais aparentes indicativos de desenvolvimento e crescimento econômico da região, há a especulação imobiliária, evidenciada na instalação do “Condomínio Trend Home & Office”, empreendimento de alto padrão, residencial e comercial,
localizado entre as ruas Silva Jardim e Emílio Ribas.
Ante essas informações acerca do processo de transformação do espaço urbano e uso
do território da Região Central Histórica de Santos, evidenciam-se algumas questões
que serão abordadas à luz da concepção teórica de Milton Santos.
Partindo-se do conceito de Milton Santos relativo ao espaço geográfico como produto, mas também como produtor de relações sociais, numa perspectiva dialética, a
análise da Região Central Histórica de Santos deve estar pautada na compreensão de
que as marcas legadas pelo passado, no movimento histórico de urbanização e ocupação, são fundamentais no esforço de depreender o atual uso do território em questão.
Para Milton Santos, o território só adquire significado quando é usado ou praticado, podendo conceituá-lo como um “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de
ações (intencionalidade para a qual é construído)” [4], possuindo sua centralidade no trabalho humano, através da ideação e transformação da natureza pelos homens e mulheres.
A cidade é una e indivisível, sendo seu território usado em duas vertentes: como recurso e como abrigo. Tal conceito pode ser observado materializado na Região Central
Histórica de Santos, onde convivem empresas privadas, estabelecimentos da sociedade
civil, habitações coletivas (cortiços), residências de famílias tradicionais e moradores
em situação de rua, em uma totalidade em movimento.
O território usado como recurso é o espaço de ação do poder hegemônico, com preocupações imediatistas e nenhum ou pouco compromisso com o entorno. É o poder
desterritorializado, segundo o qual a lógica de funcionamento pode ser descontínua.
Segundo Bauman [2], as corporações têm a liberdade de movimento para mudarem-se
quando lhes for conveniente, isto é, quando as possibilidades de lucro estiverem esgotadas, mas as consequências de sua passagem permanecem na localidade, revelando o
caráter de uso do território apenas como um recurso volúvel e descartável.
O território como abrigo refere-se ao espaço banal, ao espaço que, enraizado pela
ação social, é o suporte da vida de relações, da solidariedade doméstica. É a ação social
territorializada, cuja lógica de funcionamento obedece à contiguidade, à vizinhança.
Nas cidades, esses territórios convivem, são interdependentes, por vezes apartados,
outras vezes sobrepostos; a proximidade e a vizinhança ganham novos contornos de
cooperação e conflito, pois o que é vizinho pode não ser próximo, daí originando-se
os conflitos que agudizam a vida urbana. Por tal motivo, os conflitos da atualidade
não podem ser compreendidos sem uma clara análise dos diferentes usos do território.
Objetivando a aproximação e a apreensão do uso do território pelos diversos agentes
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Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações
sociais, foi realizada uma coleta de dados acerca da localização e distribuição nos lugares do território da Região Central Histórica de Santos dos equipamentos públicos
de saúde e de assistência social e dos estabelecimentos socioassistenciais filantrópicos,
bem como das instituições religiosas.
Por meio de fontes oficiais, como o site da Prefeitura de Santos, foi possível a construção de listagens, que indicaram a presença de 40 equipamentos públicos de saúde,
15 de assistência social, de 16 equipamentos socioassistenciais filantrópicos e 37 instituições religiosas.
Figura 2 – Área onde foi realizada visita de campo.
Atendendo o objetivo já mencionado, mas visando uma compreensão para além
daquela possibilitada pelos órgãos oficiais, foram selecionadas algumas ruas situadas
dentro de um polígono demarcado, que tem como polos a UNIFESP e o Mercado
Municipal. Nessa área, foram realizadas visitas de campo, observação e início de uma
cartografia da ação, visando um recorte da totalidade em movimento que nos forneça
subsídios para o entendimento das relações contraditórias que marcam o uso do território. Por cartografia da ação [16] entende-se o tipo de levantamento espacial que inclui
os elementos territoriais e os sujeitos sociais que realmente existem e deles fazem uso.
Tal percurso foi escolhido por abrigar construções antigas e de significado social e histórico, como a Hospedaria dos Imigrantes (1888) e o Mercado Municipal (1902); novos
projetos e empreendimentos decorrentes do programa Alegra Centro, como a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); empresas e galpões industriais relacionados
ao Porto de Santos; habitações coletivas (cortiços) e de “famílias tradicionais”; equipamentos socioassistenciais filantrópicos, como o Grupo Amigo do Lar Pobre (GALP);
equipamentos públicos, como a Unidade Básica de Saúde (UBS) Martins Fontes; grupo
de imigrantes, especialmente portugueses; população em situação de rua; pessoas que
trabalham e/ou estudam nas imediações; entre outros sujeitos e equipamentos que coexistem e constroem a vida nos bairros Vila Mathias e Vila Nova. No interior do polígono,
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foram localizados 185 estabelecimentos comerciais, 17 estabelecimentos públicos e 23
estabelecimentos da sociedade civil (instituições religiosas e filantrópicas).
As informações obtidas por meio do processo de pesquisa revelam a existência e
convivência dos mais variados tipos de imóveis, destinados a fins diversos, cada qual
possuindo um público alvo específico, que caracteriza e influencia o cotidiano da vida
social, conforme assinalado por Milton Santos:
O dia-a-dia das sociedades gira em torno dos objetos fixos, naturais ou criados, aos quais se aplica
o trabalho. Fixos e fluxos combinados caracterizam o modo de vida de cada formação social. Fixos e
fluxos influem-se mutuamente. [18]
Embora as cidades não sejam algo planejado e previsível, a distribuição dos fixos
nos lugares do território não ocorre de forma aleatória, mas sim atendendo a interesses
pré-determinados. Geralmente, os fixos privados atendem a interesses econômicos, de
acordo com a lei da oferta e da procura e, os fixos públicos, às demandas sociais, sendo
que a localização espacial destes são reflexo dessas necessidades. No entanto, em países
de capitalismo tardio, como o Brasil, não há a adoção de “um distributivismo geográfico
que sirva de base à desejada justiça social” [18].
Apesar de haver certa defasagem entre os dados da listagem oficial e aqueles coletados através da visita de campo, especialmente ao que se refere a instituições religiosas de pequeno porte, pode-se afirmar que a população residente na Região Central
Histórica de Santos não se encontra desassistida, pois há considerável quantidade de
equipamentos públicos da saúde e da assistência social nas imediações. Contudo, cabe
ressaltar a questão dos problemas estruturais do Sistema Único de Saúde (SUS) e do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em que as necessidades e demandas da
população usuária acabam por ultrapassar a possibilidade de ação, devido, entre outros
motivos, à escassez de recursos e práticas burocratizadas.
Ainda como elemento revelador de desigualdades sócio-espaciais, pode-se citar o fato
de que as instituições religiosas e os estabelecimentos comerciais renomados e de grande porte estão situados em ruas e avenidas de maior visibilidade e facilidade de acesso.
CONCLUSÃO
Ante o resgate histórico e a análise conceitual apresentados, nota-se que o uso do território por todos os agentes sociais gera um princípio a ser considerado: as desigualdades sócio-espaciais, que constituem a essência da dinâmica dos lugares, devendo ser
identificadas e enfrentadas pelos profissionais – da academia e da administração pública
– juntamente com a população, na implantação e consolidação de políticas públicas.
As observações feitas e o conhecimento construído acerca da Região Central Histórica de Santos apontam, ainda, para a realização de novas pesquisas, tal como uma
que já vem sendo realizada atualmente a respeito das estratégias de sobrevivência de
moradores/as de cortiços.
70
Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações
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Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.63-72, nov. 2013
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professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo – Campus
Baixada Santista (UNIFESP-BS) e responsável pelo grupo de estudos Território Usado e Memória
Social, ligado ao Núcleo de Políticas Públicas Sociais
A N I TA K U R K A
graduanda em Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo – Campus
Baixada Santista (UNIFESP-BS) – e-mail: [email protected]
IVELIZE FERRAZ
graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de São Paulo –
Campus Baixada Santista (UNIFESP-BS)
J U L I A N A A N A S TÁ C I O
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Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
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Região Central Histórica de Santos e o Território Usado: Síntese de Múltiplas Determinações
Desenvolvimento Participativo de um
Suporte para Almofada das Rendeiras de
Bilro do Município de Saubara, Bahia
Participatory Development of a Support Pillow for Bobbin
Lace Makers of the City of Saubara, Bahia
R esumo
A economia solidária tem se apresentado como alternativa de geração de trabalho e
renda que, na sua essência, se constitui de valores de cooperação, democracia e solidariedade. Na economia solidária há a preocupação com a inclusão social geradora de
benefícios econômicos e melhores condições de saúde e trabalho. Baseado nesse pensamento, realizou-se a análise ergonômica do trabalho (AET) das rendeiras de bilro
da Associação dos Artesãos de Saubara, cidade localizada no Recôncavo Baiano. Os
resultados da AET das rendeiras de bilro revelaram condições posturais inadequadas,
durante o rendar, aspecto que pode provocar lesões na coluna vertebral e nos membros
superiores. A partir da análise desses dados, foi proposta a criação de um suporte para
as almofadas, onde são confeccionadas as rendas, seguindo o método do design participativo. Espera-se que esse suporte possa melhorar a qualidade de vida das rendeiras
de bilro de Saubara, Bahia, e que essta iniciativa possa ser replicada por rendeiras de
em outras regiões do Brasil.
Palavras-chave: Economia solidária. Design participativo. Rendeiras.
Gabriel R ibeiro
e Tatiana R ibeiro
Velloso
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Centro de
Ciências Agrárias, Ambientais
e Biológicas, Bahia, Brasil
A bstract
The solidarity economy's has emerged as alternative source of employment and income, which in essence there are values of cooperation, democracy and solidarity. In solidarity economy's concern with social inclusion that generates economic benefits and
improved health and work. Based on that thought there was the ergonomic analysis
of work (EAW) of bobbin lace makers of the Association of Artisans Saubara, a city in
Recôncavo Baiano. The results of EAW for bobbin lace makers proved inadequate postural conditions during the render, an aspect that can damage the spine and upper limbs.
From the analysis of these data was proposed to create a support for the cushions, where
rents are made by the method of participatory design. It is hoped that this support can
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DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p75-83
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improve quality of life of bobbin lace makers of Saubara, Bahia and that this initiative
can be replicated by the lace makers in other regions of Brazil.
Keywords: Solidarity economy's. Participatory design. Lace makers.
I ntrodução
A economia solidária surge como uma alternativa de organização capaz de
gerar e de distribuir riquezas considerando que, para a reprodução de qualquer sociedade, são necessários os laços de solidariedade, de forma a contrapor o modelo individualista e competitivo [9]. Dessa forma, pode-se afirmar que a interação social dividiu-se em dois campos distintos na sociedade: o competitivo, vinculado ao processo de
acumulação de capital, e o solidário, com a centralidade no ser humano.
A economia solidária (ES) compreende diferentes tipos de empreendimentos que objetivam proporcionar a seus membros benefícios econômicos. Esses empreendimentos
surgem como reações a carências que o sistema dominante se nega a resolver, assim como
uma forma de inverter o centro das atenções a partir do ser humano e não do capital [9].
Nesse contexto, os empreendimentos solidários possuem formas de organização
como associações, cooperativas, empresas recuperadas autogestionárias, agricultura
familiar, fundos rotativos solidários, redes e articulações de comercialização de cadeias
produtivas solidárias. Segundo Roberto Silva e Maurício Faria [8], o “Brasil identificou,
até agosto de 2007, a existência de quase 22 mil Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), com cerca de um milhão e setecentos mil homens e mulheres”. Dentre as
atividades dos EES, pode-se destacar o artesanato desenvolvido por rendeiras de bilro
em diversas regiões do Brasil.
A renda de bilro é uma arte produzida a partir de cruzamentos e entrelaçamento de
linhas, por meio de bilros (hastes cilíndricas de madeira) que são manejados sobre um
esboço feito no papel. Este esboço de papel é fixado em uma almofada, através de alfinetes, que orientam a passagem dos fios dos bilros. As almofadas são apoiadas sobre um
suporte (caixote) de madeira que é sobreposto em um banco ou cadeira, posicionado
à frente do local onde as artesãs ficam sentadas [5].
Tal prática demanda alta repetição e grande velocidade nos movimentos de braços,
punhos, mãos e dedos, movimentos esses que normalmente levariam ao desenvolvimento de lesões ocupacionais, tais como LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos e
Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) que são lesões que ocorrem em
ligamentos, músculos, tendões e em outros segmentos corporais, relacionadas à repetição
de movimentos, posturas inadequadas e outros fatores, como a força excessiva.
Apesar disso, existe uma baixa prevalência de LER/DORT nas rendeiras de bilro por
conta de fatores como: controle do próprio ritmo e jornada de trabalho; substituição
do medo de demissão devido à insuficiência de produção pelo compromisso com o trabalho acabado; ausência de hierarquia, que minimiza o estado de tensão e alerta. Ainda
assim, foram relatadas dores, parestesias em membros superiores e patologias como
bursite e tendinite, que não foram relacionadas à atividade de rendar propriamente
dita, mas às condições de trabalho inadequadas em que a mesma é desempenhada [5].
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Desenvolvimento Participativo de um Suporte para Almofada das
Rendeiras de Bilro do Município de Saubara, Bahia
Frente a essa problemática, surge a possibilidade de intervenções no ambiente de
trabalho, através de modificações no espaço físico no intuito de diminuir a sobrecarga
musculoesquelética das trabalhadoras a partir do processo de incubação de empreendimentos solidários. O processo de incubação é inovador, porque tem a universidade
como um dos sujeitos que pode contribuir e ter contribuição no sentido de promover
a extensão universitária de forma integrada com o ensino e a pesquisa.
As incubadoras universitárias de empreendimentos solidários buscam atender às
demandas tanto dos trabalhadores como de outros segmentos da economia solidária
que possam apoiar a formação de empreendimentos solidários. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi descrever o processo de construção de uma estrutura de suporte
para as almofadas das rendeiras de bilro da Associação das Artesãs de Saubara (Bahia),
utilizando como referenciais a análise ergonômica do trabalho e o design participativo,
com fortalecimento das ações da associação na sua dimensão econômica, social, cultural e política no processo de incubação.
M ateriais e M étodos
Caracterização da Associação das Artesãs de Saubara
Localizada no Recôncavo Baiano, às margens da Baia de Todos os Santos, Saubara –
nome de origem indígena que significa “terra dos comedores de formiga”. A renda de
bilro e o trançado de ouricuri, artesanatos produzidos nessa comunidade tradicional
da Bahia, são uma marca, passada de geração a geração [7].
Atualmente, a associação conta com cerca de 110 associadas, sendo reconhecida pela
comunidade local como Casa das Rendeiras. O trabalho da Associação de Artesãs de
Saubara baseia-se na preservação de aspectos culturais, como o uso de linha de algodão de cor branca, formato tradicional da renda, e trabalho solidário como princípio
definido por todas as rendeiras. A confecção da renda se transformou num ofício que
complementa o sustento das famílias, visto que a maioria dessas artesãs trabalha pela
manhã como marisqueiras e, à tarde, na atividade da renda de bilro.
Análise Ergonômica do Trabalho das Rendeiras de Bilro
A avaliação ergonômica da atividade das rendeiras de bilro baseou-se nos princípios da
análise ergonômica do trabalho (AET). Esta proposta avalia a adaptação das condições
laborais ao trabalhador por meio de observação do ambiente trabalho, das atividades
que são desenvolvidas pelo corpo e das dificuldades físicas e cognitivas que afetam diretamente a vida dos trabalhadores. Sendo assim, a AET depende da participação efetiva dos indivíduos avaliados que, através de suas interpretações sobre os problemas,
identificam os pontos críticos que os cercam [6].
Primeiramente, a AET procura delimitar o problema específico com base na análise
dos principais pontos críticos, buscando entender o problema para, assim, poder elaborar métodos de intervenção. Nesse sentido, AET centra seus objetivos e métodos em
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melhorias e modificações no ambiente de trabalho, propondo estratégias de prevenção
de riscos, conforto, segurança e bem-estar ao trabalhador [10].
Segundo Fialho e Santos [1],
a AET comporta três fases: de análise da demanda, análise da tarefa e análise das atividades. A
análise a demanda é a definição do problema a ser analisado, a partir de uma negociação com os diversos atores sociais envolvidos; a análise da tarefa é o que o trabalhador deve realizar e as condições
ambientais, técnicas e organizacionais desta realização; a análise das atividades é o que o trabalho,
efetivamente, para executar a tarefa. É a análise do comportamento do homem no trabalho. [1]
A partir da análise da demanda, foram levantadas as questões organizacionais das
situações de trabalho em estudo através de entrevistas com as rendeiras de bilro e da
matriz de priorização de problemas. Esta última técnica, elemento do diagnóstico rápido participativo, é uma ferramenta que permite o levantamento e a discussão dos principais problemas identificados durante o diagnóstico de acordo com sua importância
e/ou urgência [11]. Na análise da tarefa, foram utilizadas observações aberta e armada
(vídeos, fotografias) e o método RULA (Rapid Upper Limb Assessment), descrito por
Mc Atamney e Corlett [3]. A análise das atividades foi feita através da utilização da
técnica de autoimagem, por meio de vídeos e fotografias. Após a visualização das tarefas que executam, as trabalhadoras puderam perceber a sobrecarga a que seus corpos
estão submetidos e, consequentemente, refletir sobre as possibilidades de mudança.
Design Participativo
Segundo Lima et al. [2], design social é aquele que vai além da satisfação das necessidades econômicas e mercadológicas para beneficiar toda a sociedade. Uma ampla
agenda de pesquisa para o design participativo deve começar considerando uma série
de questões. Pode-se usar uma abordagem multifacetada para explorar essas questões.
Questionários de pesquisa e entrevistas com profissionais de serviços humanos, designers e administradores de agências podem ser conduzidos para reunir informações
sobre percepções e atitudes, a fim de solicitar sugestões para mudança. A combinação
de métodos de pesquisa deve explorar questões que variam do amplo contexto social,
dentro do qual os designers trabalham, até especificidades para desenvolver um produto
voltado para um sistema de clientes em particular [4].
Segundo Zanella et al. [12], a renda de bilro é uma manifestação cultural. Assim, deve
ser entendida como atividade social realizada por um coletivo. Ao aprendê-la, o indivíduo toma parte não somente de um fazer, mas também de toda a história e valores que
lhe são característicos, imprimindo-se uma marca singular. A observação participativa
possibilita o ingresso de designers, ergonomistas e outros profissionais em ambientes sociais desse tipo, permitindo observar e documentar as necessidades sociais que podem
ser atendidas pelo design participativo.
O processo de design participativo, desenvolvido neste estudo, teve como principal
foco a adequação do posto de trabalho das rendeiras à atividade por elas desenvolvida.
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Desenvolvimento Participativo de um Suporte para Almofada das
Rendeiras de Bilro do Município de Saubara, Bahia
R esultados e D iscussão
Análise Ergonômica do Trabalho das Rendeiras de Bilro
No processo de análise da demanda, as rendeiras de bilro da Associação das Artesãs de
Saubara relataram que os principais problemas estruturais desta atividade laboral são:
peso da almofada onde se faz a renda, falta de espaço para movimentar os membros inferiores e dificuldades para manter a coluna encostada sobre alguma superfície de apoio
durante o ato de rendar. De acordo com o relato das trabalhadoras, a almofada deve ser
posicionada de forma paralela e perpendicular a elas, durante a ação de rendar, e este
ato de carregar a almofada, para modificar o posicionamento, promove uma sobrecarga
na musculatura do pescoço (músculos da região cervical da coluna vertebral). A falta
de espaço para movimentar as pernas gera câimbras e formigamento (parestesia) em
membros inferiores, enquanto a falta de apoio para a coluna vertebral leva ao aparecimento de dores na região lombar (lombalgias).
A análise da tarefa das rendeiras de bilros evidenciou condições posturais inadequadas, tais como: excessiva flexão do tronco (associado à falta de apoio para a coluna
vertebral) e flexão dos braços (acima de 45 graus). Além disso, foi verificado que o peso
da almofada demanda grandes esforços musculares do trapézio superior e do angular
da escápula (Figura 1).
Figura 1 – Posturas adotadas
pelas rendeiras de bilro da Associação das Artesãs de Saubara durante atividade laboral.
Esses aspectos relacionaram-se às queixas álgicas das rendeiras, localizadas sobretudo na coluna lombar e sobre os músculos da cintura escapular, principalmente, trapézio superior e angular da escápula. A tarefa das rendeiras obteve escore 6, no método
RULA, sugerindo a necessidade de investigações e inserções de mudanças na estrutura
física do ambiente de trabalho.
A análise das atividades feita através da utilização da técnica de autoimagem, com
apoio de fotografias e vídeos, permitiu que as trabalhadoras refletissem sobre o posicionamento adotado durante a atividade laboral, concluindo que a estrutura de suporte
para a almofada, caixote sobre banqueta, não contribui para a realização de um trabalho
ergonomicamente adaptado.
A AET da atividade das rendeiras de bilro sugere a modificação da estrutura de
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suporte para a almofada, no intuito de garantir condições posturais adequadas tais
como, coluna ereta e plenamente recostada, braços com ângulo de flexão menor que
45 graus e pernas com liberdade para deslocamento durante a atividade laboral.
Desenvolvimento Participativo do Suporte para Almofada das Rendeiras de Bilro
O primeiro movimento na construção do suporte para almofada das rendeiras foi informá-las sobre os principais objetivos deste processo, dentre eles, tornar o trabalho
menos insalubre, diminuir os esforços físicos, prevenir doenças ocupacionais e, principalmente, desenvolver uma estrutura de acordo com as sugestões e necessidades apontadas pelas trabalhadoras.
Posteriormente, foi identificada a necessidade de construir um suporte que atendesse
diferentes padrões antropométricos (altura corporal e comprimento dos membros inferiores) e as demandas das atividades laborais. Nesta perspectiva, foi elaborado um primeiro protótipo em madeira composto de um tampo com altura fixa, associado à pernas
articuladas em “X”, dotada de estruturas removíveis de suporte para almofada, formando
uma única peça (Figura 2). Esse protótipo, composto por um sistema de travas, possibilita o uso de um novo modelo de almofada (Figura 2), mais leve, que permite o manuseio
com menos esforço, e consequentemente, diminui a sobrecarga em membros superiores.
Esse protótipo elimina também a limitação de extensão do joelho, pois há espaço suficiente sob o tampo para a sua movimentação. Em contrapartida, as rendeiras
apontaram algumas limitações para o protótipo, dentre elas: largura insuficiente para
acomodação da coxa e perna de algumas rendeiras, falta de praticidade para regular a
altura do suporte e, principalmente, dificuldade para trabalhar com o novo modelo de
almofada. Este último aspecto relaciona-se com a cultura de confeccionar sua própria
almofada de trabalho com materiais da própria região a partir de um conhecimento
repassado entre gerações – tentar alterá-lo não foi a melhor estratégia.
Figura 2 – Primeiro protótipo
do suporte para almofada das
rendeiras de bilro da Associação das Artesãs de Saubara.
De acordo com as inadequações do primeiro protótipo, resolveu-se construir um segundo protótipo, em estrutura metálica, composto por três regulagens. Dentre essas, regulagem da altura do suporte, eixo para rotação do suporte, permitindo que a almofada fique
orientada de forma paralela e perpendicular às rendeiras e eixo de inclinação permitindo
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Desenvolvimento Participativo de um Suporte para Almofada das
Rendeiras de Bilro do Município de Saubara, Bahia
que a almofada fique inclinada em diferentes ângulos. Além disso, o suporte para almofada deveria contemplar a liberdade para deslocamento dos membros inferiores durante
a atividade laboral. A figura 3 representa o croqui do segundo protótipo. Este croqui foi
apresentado às rendeiras de bilro que aprovaram a construção do segundo protótipo.
Figura 3 – Croqui do segundo
protótipo para almofada das
rendeiras. I – barra que permite a rotação do suporte; II
– barra que permite regular a
altura do suporte; III – base do
suporte.
Este segundo protótipo (Figura 4) foi apresentado às trabalhadoras, que solicitaram
um último ajuste relacionado à configuração de sua base de sustentação.
Figura 4 – Teste do segundo
protótipo por uma rendeira
de bilro da Associação das
Artesãs de Saubara.
Segundo as rendeiras, o formato da base não permitiu que o suporte se aproximasse
do corpo, sendo bloqueado pelos pés da cadeira onde as rendeiras ficam sentadas, o que
continua sobrecarregando a coluna, em posição fletida. A adaptação proposta foi realizada (Figura 5) e esse novo protótipo serviu como base para construção de dez suportes, a
um custo de 180 reais por unidade, valor referente ao serviço de serralheiro e aos materiais. Esses suportes serão utilizados pelo período de seis meses pelas rendeiras de bilro.
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Figura 5 – Segundo protótipo
para almofada das rendeiras
de bilro, com a discriminação
das subpartes e suas respectivas medidas de referência
utilizadas na construção do
protótipo.
Esse período de utilização, de seis meses, permitirá que as trabalhadoras verifiquem
a praticidade do uso do novo suporte para que novas unidades sejam construídas de
acordo com a percepção de possíveis inadequações, que só poderão ser identificadas
em médio ou longo prazo. Espera-se que possa melhorar a qualidade de vida das artesãs
e que esta iniciativa possa ser replicada em outras regiões do Brasil. É importante considerar também que o processo da construção foi educativo tanto para as artesãs como
para a equipe acadêmica, que trabalhou com a problematização da questão da saúde e
da necessidade de cuidados preventivos voltados para a qualidade de vida, a partir da
atividade de um empreendimento solidário formado por mulheres.
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professor assistente do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) – e-mail: [email protected]
GABRIEL RIBEIRO
doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe e professora assistente do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB)
TAT I A N A R I B E I R O V E L L O S O
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.75-83, nov. 2013
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Desenvolvimento Participativo de um Suporte para Almofada das Rendeiras de Bilro do Município de Saubara, Bahia
Sistema Estrutural e Construtivo do
MÓDULO (M) em Madeira como
Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e
Jovens Socialmente Vulneráveis
MODULE (M) Structural and Constructive Systems in Timber
as a Tool of Social Approach in Promoting Citizenship of
Children and Socially Vulnerable Youngsters
RESUMO
O artigo trata sobre a apresentação de sistema estrutural e construtivo em madeira perfilada roliça de reflorestamento, denominado MÓDULO (M), cuja aplicação como artefato arquitetônico visa promover a cidadania e garantir os direitos de crianças e jovens
socialmente vulneráveis de comunidades carentes no entorno das cidades de pequeno,
médio e grande porte. Historicamente, no Brasil, a madeira tem uso não compatível
com a sua relevância na construção civil, notadamente em elementos estruturais. Este
trabalho procura um modo não convencional em pensar estruturas, por meio de uma
nova abordagem arquitetônica conceitual, que possibilite configurações espaciais das
mais diversas, permeadas com preocupações estéticas. Um exemplo desta abordagem é
o MÓDULO (M) que reforça a ideia da aplicação da madeira de reflorestamento em estruturas, concebendo espaços arquitetônicos agradáveis e confortáveis e com preocupações ecológicas, causando mínimo impacto ao meio ambiente. O objetivo deste trabalho
é apresentar uma estrutura demonstrativa em madeira de reflorestamento que atende
a programas funcionais de interesse social, privilegiando prioritariamente às necessidades programáticas de comunidades sobrevivendo em favelas (normalmente situadas
nas periferias das cidades) , de crianças e jovens socialmente vulneráveis. Este sistema
é projetado para ser implantado em solos de diferentes declividades e de difícil acesso.
Palavras-chave: Módulo. Sistemas Estrutural e Construtivo. Madeira de Reflorestamento.
F ra ncisco A n ton io
R occo L a hr , Ca r l i to
Ca lil Jr . e D ecio
G onça lve s
Universidade de São Paulo.
Escola de Engenharia de São
Carlos, São Paulo, Brasil
A ndr é L uis
Chr istof oro
Universidade Federal de São
João del-Rei, Minas Gerais,
Brasil
ABSTRACT
This article presenting a timber structural and constructive system of round profiled from
reforestation log wood, named MODULE (M), whose application as architectural artifact aims to promote citizenship and guarantee the rights of socially vulnerable children
and youth from poor communities in the small, medium and large surrounding towns.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.85-102, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p85-102
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Historically, in Brazil, the timber use is not compatible with its relevance in construction,
especially in structural elements. This paper seeks a way to think in unconventional structures through a new conceptual architectural approach that enables spatial configurations
of the most diverse, permeated with aesthetic concerns. An example of this approach is the
MODULE (M) which reinforces the idea of applying reforested log wood in structures,
designing architectural spaces pleasant and comfortable, with ecological issues, causing
minimal impact to its environment. The objective of this paper is to present a timber
demonstrative structure that meets social interest case studies, prioritizing programmatic
needs of a community socially vulnerable of children and young people, usually located
on the outskirts of cities, surviving in housing type slums. This system is designed to be
implanted in soils with different declivities and hard access.
Keywords: Module. Structural and Constructive Systems. Reforested Log Wood.
INTRODUÇÃO
A realidade ocupacional urbana no Brasil, no que se refere às Habitações de
Interesse Social (HIS), reflete a tendência acentuada de localizar-se no entorno das grandes cidades, em terrenos considerados difíceis (região de morros). Sua característica
predominante é a de alojar população de menor poder aquisitivo e carente de informações para reivindicar seus próprios direitos. Histórica e culturalmente, resta a esta população os piores terrenos, devido aos seus parcos recursos financeiros para construção
de moradias ou, como na maioria das vezes, são áreas fruto de invasões.
Ainda que a criação do Estatuto da Cidade no Brasil, em 2001, tenha dado um alento
à questão, constata-se que a maior parte dos empreendimentos para HIS carece de mínimas qualidades projetuais aceitáveis, nos seus mais variados aspectos, o que evitaria
problemas como: interferência inadequada no ambiente, flexibilidade e personalização
projetual inexistentes, falta de sintonia com os anseios e necessidades dos usuários.
Essas edificações são constituídas basicamente por três tipos de habitações: 1) simples barracos em favelas alocados nas encostas, em áreas invadidas e sujeitas à desocupação judicial; 2) casas humildes desprovidas de um mínimo conforto, executadas
pelo processo de autoconstrução, nos loteamentos ditos populares; 3) habitações uni
ou multifamiliares construídas através de programas habitacionais com a participação
do Estado. Via de regra, neste último tipo, os projetos arquitetônicos pensados para
implantações em terraplanos são reutilizados ipse literis em terrenos ditos difíceis, acarretando desastres de grandes proporçõese ocasionando prejuízos financeiros, além de
irreparáveis perdas humanas (Figura 1).
86
Sistema Estrutural e Construtivo do MÓDULO (M) em Madeira como Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
Figura 1 – Desastre em encosta –
Fonte: [6].
Nesse contexto, seria redundante relatar o número crescente e alarmante de acidentes
gerados a partir desse procedimento, causando, entre outros: 1) desastres nas encostas;
2) presença de solos erodidos, resultando assoreamento de fundos de vales e várzeas, o
que cria condições favoráveis de inundações nas baixadas.
Ao longo dos anos tem sido desafiador para projetistas, e particularmente arquitetos
e engenheiros, pensarem sistemas estruturais e construtivos em madeira, quiçá em madeira roliça de reflorestamento, com qualidade projetual que atendam às necessidades
de se implantar artefatos arquitônicos em terrenos íngrimes de topografía acentuada
e de difícil acesso.
No Brasil, como exemplo, têm relevância duas obras elitistas em madeira serrada: a
primeira, a Residência Aflalo, no Jardim Vitória Régia, na capital de São Paulo, fruto da
parceria do casal de arquitetos Marta e Marcelo Aflalo (Figura 2a e 2b); e a segunda, a
Residência Ricardo Baeta, no litoral de São Paulo, na cidade de Guarujá, com projeto do
arquiteto Marcos Acayaba e cálculo estrutural do Engenheiro Hélio Olga Jr (Figura 3c).
Figura 2 – Obra Residência
Aflalo (a) e (b); Residência Hélio Olga Jr (c).
(a)
(b)
(c)
O leitmotiv da obra do casal Aflalo foi demonstrar que, apesar de o Brasil ser dotado de
uma das maiores reservas de matas naturais do planeta, bem como de consideráveis extensões de reflorestamento com espécies exóticas, existe uma manifestada resistência a adotarem-se sistemas estruturais em madeira, utilizando particularmente espécies exóticas.
De uma forma geral, esse “preconceito”, não só em relação às espécies exóticas, mas
também em relação às nativas, foi sendo arraigado firmemente, mas nem sempre em
razões bem expressas, escondendo-se, via de regra, outros interesses. Em geral, tal
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resistência fundamenta-se no mito de que a madeira se tornou sinônimo de algo antiquado, anacrônico, frágil, não resistente ao fogo, desprovido de recursos tecnológicos
de ponta e, o pior, caro.
Esse posicionamento contra a construção em madeira tem sua origem cultural e,
de forma sintomática, advém do desconhecimento de sua tecnologia, por meio de assertivas como: madeira “apodrece”, “pega fogo”, é “fraca”, “entorta”, “racha e entorta”, e
tantas outras “preciosidades” que proliferam em virtude do acúmulo de imagens negativas existentes no Brasil.
As florestas, das quais a madeira se origina, sequestram o gás carbônico durante o dia,
por meio da reação de fotossíntese. O oxigênio também é devolvido para a atmosfera
durante o dia, como decorrência da fotossíntese, minimizando as consequências danosas ao meio ambiente do efeito estufa (aquecimento da temperatura da crosta da Terra
com o passar do tempo devido, prioritariamente, às atividades humanas desordenadas).
Este artigo objetiva, em primeiro lugar, chamar à atenção para a relevância do uso
da madeira perfilada roliça como elemento predominante em sistemas estruturais e
construtivos. No Brasil, ainda nos dias atuais, a madeira não é considerada uma possibilidade consistente quando se pensa em estruturas, sendo priorizados usualmente
outros materiais convencionais como o concreto armado, o aço, entre outros. O Brasil
caminha na contramão da tendência mundial que privilegia a madeira como material
empregado em larga escala como elemento estrutural. Países como os euro-centrais, os
asiáticos, os Estados Unidos, a Inglaterra, entre outros, são exemplos marcantes desta
abordagem. Procura-se neste artigo, em segundo lugar, de forma mais relevante e contundente, apresentar uma alternativa projetual arquitetônica para Habitações de Interesse
Social (HIS) que privilegiem a formação e a inserção no contexto global de crianças e
jovens socialmente vulneráveis em situações habitacionais não dignas de um ser humano, na maioria das vezes sobrevivendo em favelas.
Aspectos envolvidos na temática da formação e
inclusão de crianças e jovens socialmente vulneráveis
A temática da formação e inserção de jovens e crianças socialmente vulneráveis vem
sendo um tópico dos mais relevantes dentro do contexto de uma sociedade dita preocupada com o bem estar de seus cidadãos.
O ato de dar de ombros à questão pode ser considerado no mínimo insano, senão despido
de qualquer lógica e espírito humanitário. Basta ver os altíssimos níveis de criminalidade infantil em comunidades que sobrevivem no entorno das pequenas, médias e grandes cidades.
Atos e ações esparsos têm emergido neste desértico campo de ideias, cite-se, como
exemplar, o Programa da Universidade de São Paulo Aproxima-Ação. O Programa
“[...] pretende tornar-se um espaço privilegiado de interlocução entre ações e projetos da Universidade e as demandas sociais comunitárias, e assim inventariar, articular
e dar suporte a atividades de formação e inclusão social por meio de ações dentro das
diversas áreas de conhecimento” [13].
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Sistema Estrutural e Construtivo do MÓDULO (M) em Madeira como Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
M AT E R I A L E M É T O D O S
Material
Madeira de reflorestamento
A utilização da madeira como material na construção de edifícios remonta a milhares
de anos. Na Grécia antiga, com mais ênfase na passagem do período pré-socrático para
o helênico, nota-se, com maior visibilidade, o emprego da madeira de forma consistente na estrutura de templos. A madeira, um elemento da Natureza, portanto renovável,
com grande oferta, exige pouca energia para o seu processamento, sendo agradável ao
tato, entre outras inúmeras qualidades.
O uso responsável da utilização do material madeira do Brasil e no mundo tem requerido uma abordagem bastante específica no sentido de propiciar condições criteriosas
que privilegiam o seu processamento e seu emprego industrial de forma sustentável.
No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) é o órgão definidor e regulador desta atividade para sua racional preservação,
inclusive no que se refere à emissão de registro de produtos preservativos de madeira.
Segundo o IBAMA, um dos tópicos mais relevantes da preservação da madeira no
Brasil está relacionado com a diminuição da pressão sobre as florestas nativas, desta
forma, o aumento da vida útil da madeira resulta em uma maior conservação dos recursos naturais florestais do Brasil. Tem havido, por parte do setor de preservação de
madeiras, um acentuado estímulo ao reflorestamento no Brasil devido à larga gama de
espécies de reflorestamento para tais fins, como o pinus e o eucalipto, constituindo-se
em alternativa viável para a substituição do uso das madeiras nativas, uma vez que essas
espécies são passíveis de tratamento.
Recentemente, foi adotada pela legislação brasileira a obrigatoriedade do uso de madeira preservada nos serviços de utilidade pública, tendo como paradigma os setores
elétrico e ferroviário. Devido à relevância da questão, o Instituto salienta que, referente
aos riscos envolvidos em sua preservação, “a atividade de preservação de madeiras, envolve a utilização de produtos químicos, na sua grande maioria, altamente tóxicos e que,
se não utilizados corretamente podem causar danos à saúde dos trabalhadores e ao meio
ambiente. Para que os benefícios dos preservativos de madeira superem os seus riscos, o
IBAMA vem intensificando e ampliando diariamente suas atividades específicas” [10].
No caso do sistema estrutural focalizado neste artigo é priorizado o uso da madeira
perfilada roliça de reflorestamento e o aço para as ligações metálicas (LM).
A concepção do sistema parte da premissa da essencialidade do emprego de madeira de
reflorestamento, dando ênfase às espécies pinus (soft wood) e eucalipto (hard wood), cada
uma utilizada conforme as características físicas mais adequadas para a sua aplicação [4].
Segundo Hellmeister [8], como matéria orgânica, a madeira participa “como um dos
mais importantes fatores de equilíbrio biológico da natureza, a mesma tem explicação
para sua formação como vegetal do mais alto nível de desenvolvimento”.
Em relação ao apodrecimento, algumas espécies são suscetíveis ao ataque de organismos em circunstâncias específicas, porém estas têm sua durabilidade prolongada quando
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previamente tratadas com substâncias preservativas. Outros materiais estruturais, como o
aço e o concreto armado, são produzidos por processos altamente poluentes, antecedidos
por agressões ambientais consideráveis para a obtenção de matéria-prima.
Com relação à resistência da madeira ao fogo, Moura Pinto [12] acentua que é àquela
que, “com ou sem proteção contra incêndio, tem grande probabilidade de resistir aos
esforços solicitantes em temperatura elevada, de forma a evitar o seu colapso”.
Por suas características específicas, a madeira torna-se um excelente material para
ser usado como elemento estrutural, tanto em estruturas de pequenos e médios portes, quanto em megaestruturas. A madeira possui grande flexibilidade quanto ao meio
ambiente, apresentando diferentes possibilidades de aproveitamento, com perda pouco
significativa de material nas reformas e ampliações, além de um fator altamente importante: a baixa demanda de quantidade de energia para a sua extração e processamento
quando comparada a outros materiais.
Tabela 1 – Dados comparativos de diferentes materiais estruturais. Fonte: Revista
Brasileira em Engenharia Agrícola e Ambiental – Relatório PIT/SP [14].
M aterial
Densidade
(kN/m3)
E nergia
para
produção
( M J /m 3 )
Resistência
( M Pa )
Relação entre
valores de
resistência e
densidade
Concreto
24
1920
20,3
0,84
Aço
78
234000
250,4
3,21
Madeira
9
630
90,5
10,00
Pode-se observar na tabela 1 a alta resistência da madeira em relação à densidade,
mostrando como a madeira propicia a produção de estruturas leves e resistentes. Outro
aspecto que favorece a madeira é o fato de que o crescimento, a extração e o desdobro
de árvores envolvem baixo consumo de energia, além de não provocarem prejuízo ao
meio ambiente, desde que seja feito o devido manejo da área de extração.
Com relação à tecnologia do MÓDULO (M) é possível visualizar vantagens do sistema,
seu design favorece a distribuição de esforços, de forma a diminuir o número de apoios necessários no solo. Na realização dos cálculos estruturais verificou-se que a estrutura é leve
quando comparada a outros sistemas estruturais, o que acarreta fundações menos robustas.
Como se pôde ver até então, sua tecnologia, além de uma inovação de produto, pode
ser observada como uma inovação de processo, dado que a sua montagem é muito particular frente o das tecnologias similares. Em comparação ao processo padrão realizado
pelas tecnologias similares, esta tecnologia requer pouco espaço no canteiro de obras,
isso porque os módulos da estrutura podem ser transportados em pallets, ocupando
menos espaço no veículo de carga.
O Brasil é um país privilegiado em termos de diversidades de espécies provenientes
de florestas naturais e artificiais, apresentando algumas espécies de alto rendimento
para emprego em elementos constituintes estruturais.
90
Sistema Estrutural e Construtivo do MÓDULO (M) em Madeira como Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
Depreende-se daí, que a madeira possui qualidades especiais para construções civis,
dotada de características únicas de aplicabilidade, pela sua facilidade de manuseio e alto
índice de trabalhabilidade, apresentando, apesar de sua densidade diminuta em relação
a outros materiais, grande resistência mecânica.
A madeira de reflorestamento empregada no MÓDULO (M) apresenta níveis de desempenho estruturais bastante satisfatórios, mostrando-se como alternativa projetual
e construtiva excelente para aplicação em diversos programas funcionais capaz de ser
implantado em diferentes declividades e terrenos de difícil acesso.
Esse sistema, em termos estruturais, é basicamente composto por treliças espaciais, pilares tipo “diamante” (DA), vigas principais, vigas secundárias e vigas barrotes, sendo seus
elementos estruturais em madeira unidos por ligações metálicas (LM), utilizando cavilhas
de madeira como conectores. Empregando-se todos estes meios e métodos, em ensaios de
compressão realizados no LaMEM/SET/EESC/USP com o pilar “diamante” (DA), elemento mais relevante do MÓDULO (M), o seu comportamento estrutural foi excelente.
Aço
Nas ligações metálicas (LM) do MÓDULO (M) empregaram-se aço 1010/1020, pertencendo ao tópico dos itens mais relevantes neste sistema. Inicialmente, optou-se pelo
emprego de (LM) em função de já ter sido utilizada com sucesso pela parceria de autores Herzog, Natterer, Schweitzer, Volz e Winter [9] que desenvolveram ligações deste
tipo em treliças planas dotadas de peças de madeira laminada colada, vencendo grandes
vãos e utilizando cavilhas de madeira.
Em termos de normalização do emprego de ligações metálicas, a NBR 7190 [2] não
privilegia conexões, ligando duas peças de madeira perfilada roliça ou serrada, tendo
entre elas uma chapa metálica; diante disso, empregou-se as Normas Eurocode 5 [5] e
a Espanhola UNE-EN 409 [16]. No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT) tem as normas “Ligações em estruturas de aço”, NBR 8800 [3], que define o
cálculo do dimensionamento das ligações metálicas (LM).
Estas Normas são adaptadas às condições do MÓDULO (M) para a determinação
por meio de esforços de compressão dos deslocamentos relativos correspondentes,
consequentemente às deformações correspondentes e, por fim, a força convencionada
Fc, para o cálculo do número de cavilhas de madeira por ligação metálica (LM).
Outro aspecto envolvido, quando se utiliza chapas metálicas soldadas entre si ou
chapas soldadas a tubos metálicos, é que se consegue estabelecer estruturas com configurações espaciais das mais variadas, inclusive as que remetem à imagem da “árvore”.
O MÓDULO (M) emprega ligações (LM) com chapas soldadas a tubos, utilizando
elementos estruturais de madeira (barras) conectadas por chapas e solidarizadas por
meio de cavilhas de madeira. No caso da junção de madeira com madeira, a ligação é
feita pelo contato direto das peças, por concavidades das mesmas e solidarizadas por
parafusos autoatarraxantes.
A espessura da chapa de aço para as ligações metálicas (LM) no experimento citado
anteriormente foi determinada por cálculo específico conforme a Norma 8800:1986
– “Projeto de execução de estruturas de aço em edifícios” – bem como o número de
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conectores por (LM) da espécie Pau-roxo (Peltogyne recifenses Ducke), Classe C60.
Também fez-se necessário para o cálculo da estabilização da estrutura o uso da Norma
NBR 6123 [1], “Forças devidas ao vento em edificações”. A madeira especificada para os
elementos de barra foi da espécie eucalipto clonado AMARU ou similar.
As ligações apresentam-se como um dos elementos constituintes do SETA e de seu
pilar “diamante” de apoio (DA) de maior relevância na função dessa tecnologia, pois
tornam possível uma configuração espacial do sistema estrutural agradável ao olhar e
essencialmente lógica.
As ligações metálicas (LM) transladam os esforços nas barras, de maneira a simular,
as fibras dos componentes de uma árvore (no caso da árvore, nós rígidos, enquanto
que, nas treliças espaciais, nós articulados). Desta forma, possibilitam que os esforços
axiais sejam contínuos ao longo da estrutura, resultando em reduções das dimensões
das peças, trazendo como consequência uma esbelteza das formas da estrutura (os comprimentos das peças de madeira são no máximo de quatro metros, para compatibilizar
com os comprimentos das carrocerias usuais de caminhões).
Métodos
O MÓDULO (M) é um dos elementos estruturais que compõem o Sistema Estrutural
Treliçado Modular em Madeira (SET-2M), posteriormente denominado Sistema Estrutural Tipo Árvore (SETA), alvo da de Doutorado na FAU-USP, sendo desenvolvido, no
momento, no LaMEM/SET/EESC/USP. Caracteriza-se por se repetir nos planos de
laje (PL) que se superpõem (Figura 3) e formam o sistema estrutural [7].
Figura 3 – Maquete digitalizada do SETA (a) e (b); maquete física do SETA, mostrando
detalhes de modelo de construção (maquete na escala
1:25) – Residência Unifamiliar
de 385 m2 (c).
(a)
(b)
(c)
A análise inicial do cálculo numérico do SETA foi feita pelo Engenheiro Marcos Monteiro da firma PLANEAR/SP, utilizando o software MIX (Figura 3a e 3b).
O SETA tem Pedido de Patente depositado junto ao Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI) sob no P.I. 0.600.454-7 com o título “Sistema Estrutural Modular Tipo
Árvore”, em 27/01/2006, do qual a Universidade de São Paulo figura como Titular. A par
desse fato, o referido Projeto foi encaminhado pela Agência de Inovação da USP para a
sua inserção no Programa de Investigação do Estado de São Paulo (PIT/SP), sendo que
o Relatório de Investigação da Tecnologia foi concluído em setembro de 2007. O mesmo
sistema foi premiado em Concurso Público Federal pelo Conselho Federal de Engenharia,
92
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Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
Arquitetura e Agronomia (CONFEA), sendo a certificação ocorrida durante o WORLD
ENGINNER’S CONVENTION 2008 (WEC 2008) em dezembro de 2008.
A partir do SETA foram desenvolvidos diversos estudos de casos em madeira perfilada roliça, com os mais variados programas funcionais, dentre eles destacam-se:
Residências uni e multifamiliares, Centros de pesquisas, Centros de recreação e cultura, Unidades Educacionais, Abrigos (parada) de ônibus, Cochos para bovinos.
No contexto projetual é difícil desassociar-se o SETA do seu pilar “diamante” de
apoio (DA), referente a essa concepção, todavia, a bem da verdade, o SETA foi projetado a partir do pilar “diamante” de apoio (DA).
O projeto do SETA e, particularmente, o seu “diamante” de apoio (DA) foram pensados segundo abordagem que privilegiou uma Arquitetura que tivesse sérias preocupações com a Natureza, sua preservação, causando o mínimo impacto ao ambiente. Para tal,
tornou-se fundamental a escolha de um sistema construtivo que atendesse a tais requisitos, a começar por ter poucos pontos de contato com o solo, fosse um sistema modular,
pré-fabricado, dotado de racionalidade construtiva e empregasse um material renovável
no seu elemento constituinte mais relevante (a estrutura) e, também, confortável ao tato.
Por sua concepção projetual especial foram criadas condições de dissipação de esforços em suas barras, minimizando assim as cargas que atuam sobre elas e são transferidas aos pilares de concreto que se assentam nas diferentes declividades do solo, possibilitando elementos estruturais de dimensões reduzidas quando comparado a outros
sistemas estruturais convencionais em madeira.
Graças a seu design, a quantidade de mão de obra não especializada (operários) é
diminuta, fazendo-se necessário, ao menos, um profissional carpinteiro no canteiro de
obras e dois ajudantes.
A quantidade de equipamentos no canteiro de obras também é reduzida, dado o menor peso da estrutura, o que exclui a necessidade de tratores e máquinas de içamento
pesadas, sendo necessária apenas uma pequena grua tipo caminhão-Munk (guindaste
menor, mais simples).
Há um mínimo impacto no ambiente a ser implantado do SETA e seu “diamante”,
pois exige mínimo espaço para canteiro de obras e se apoia sobre três pilares de concreto que são ancorados no solo de forma pontual.
Quando de juntam três DA formando o SETA, deve-se também levar em consideração todo o envolvimento de fatores ecológicos, bem como a inserção do artefato arquitetônico no solo se verificar através de somente três pontos de apoio. As montagens
dos elementos constituintes dos DA processam-se através da utilização de recursos simples, exigindo equipamentos e ferramentais disponibilizados correntemente no prazo de
montagem exíguo devido às suas características projetuais de concepção e de construção.
Aliado a todos estes atributos, o SETA e seu pilar “diamante” (DA) apresentam uma
excelente relação custo-benefício quando pensada sua fabricação em termos de escala de mercado, apresentando diversas possibilidades para implantação de programas
funcionais: residências uni e multifamiliares, shopping centers, hangares para abrigar
aeronaves de pequeno, médio e grande porte, chalés, centros de pesquisa, entre outros.
Colocadas todas essas hipóteses e condicionantes, além de outras, em sua concepção
projetual, o sistema estrutural ideal escolhido foi o que remeteu à imagem metafórica
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da árvore, fazendo-se alusão à obra do Arquiteto catalão Antoni Gaudí, na obra Sagrada
Família, em Barcelona, Espanha (Figura 4).
Figura 4 – Obra:
Pilares da Sagrada
Família [11]
Outra característica projetual relevante é a questão dos aspectos bioclimáticos envolvidos na concepção desse sistema estrutural, entre outros, a aeração natural ocorrida em função das características específicas (vazios) do sistema estrutural projetado.
Este sistema é composto por planos de laje, sustentados por três pilares, “diamantes” de
apoio (DA), caracterizando as três treliças espaciais (TE), que ligam estes “diamantes”,
resultando assim a aeração natural.
Com relação à tecnologia em si, já é possível visualizar uma vantagem do sistema,
pois seu design favorece a distribuição de esforços, de forma a diminuir o número de
apoios necessários. Além disso, ainda nessa etapa, verificou-se, na realização dos cálculos estruturais, que a estrutura é leve, o que resulta em fundações menos robustas.
Como se pode ver, a tecnologia, além de uma inovação de produto, conduziu a uma inovação de processo, dado que esse processo de montagem é muito particular frente ao das
tecnologias similares. Em comparação ao processo padrão realizado pelas tecnologias similares, a mesma requer pouco espaço no canteiro de obras, isso porque os módulos da estrutura podem ser transportados em pallets, o que ocupa menos espaço no veículo de carga.
Consideradas todas estas condicionantes e hipóteses, procederam-se aos cálculos
teóricos, elaborados a partir do texto referencial “Dimensionamento de Elementos Estruturais de Madeira” de autoria de Calil Junior, Rocco Lahr e Dias [4], que leva em
consideração a ABNT NBR 7190 [2].
Estes cálculos foram complementados pela aplicação do software CYPECAD, versão 2007.1.i, que tem como base o método de elementos finitos. A opção pela utilização
deste software se deu em virtude do mesmo considerar também no dimensionamento
da estrutura as recomendações da ABNT NBR 7190 [2].
Foi definida a espessura das chapas de aço que compuseram as ligações metálicas
(LM) e, ao mesmo tempo, especificou-se a espécie roxinho (Peltogyne recifencis Ducke),
Classe C60, usada nas cavilhas das ligações metálicas (LM).
A madeira especificada para os elementos das barras em madeira do (DA) foi o Pinus
oocarpa, madeira classificada Classe C40.
Com esses dados e os cálculos elaborados, construiu-se o pilar “diamante” (DA) na
Oficina Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos e o mesmo foi ensaiado posteriormente no LaMEM à compressão paralela às fibras (Figura 5).
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Figura 5 – Ligações metálicas
(LM) – escala real.
C aracteri z ações da tecnologia : função da
tecnologia do S E TA e de seu D A
O SETA é uma estrutura espacial que possui um design diferenciado das estruturas
normalmente utilizadas. Ela tem por principais características ser modulada, feita em
madeira e o fato de poder ser implantada em terrenos de declividade variada. O elemento que articula esta adequação à topografia do terreno é o pilar de concreto, que se
assenta sobre as diferentes declividades do solo de implantação em diferentes alturas.
Esse sistema é definido e composto pelos seguintes elementos estruturais: três pilares
“diamante” de apoio (DA), três treliças espaciais (TE), vigas principais, vigas secundárias e vigas, formando o plano de laje (PL) (Figura 6).
Deve ser evidenciada, neste ponto, a relevância do projeto estrutural ser desenvolvido de modo a serem previstos detalhes construtivos que garantam maior durabilidade
do material empregado, evitando-se a exposição excessiva aos raios solares e à chuva.
Figura 6 – Modelagem do MÓDULO (M) no CYPECAD: perfil
real (a) e discretização de barras e nós (b).
(a)
(b)
O fato de a estrutura ser modular possibilita a maximização do processo de montagem de megaestruturas, pois requer espaços exíguos no canteiro de obras, redução da
mão de obra não especializada e não há a necessidade de uso de equipamentos pesados.
O desenho desse sistema estrutural é singelo por possuir estruturas de sustentação e
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nós particulares, além de possibilitar a aplicação da estrutura em terrenos de alturas
variadas, já que as colunas ajustam-se em função de diferentes declividades do solo.
E nsaio do pilar “ diamante ” de apoio ( D A )
Com o intuito de confirmar em ensaio de laboratório o desempenho altamente interessante do pilar “diamante”, foi construído, na Oficina Mecânica da Escola de Engenharia
de São Carlos, um protótipo com as seguintes características:
»» Elementos de sustentação: peças cilíndricas de Pinus oocarpa, com diâmetro médio
de 16 cm;
»» Elementos metálicos para a composição, incluindo peças cilíndricas vazadas e prolongamentos planos, solidarizados por meio de solda;
»» Ligações com cavilhas de diâmetro de 16 mm, torneadas a partir de peças da espécie
pau-roxo também conhecida como roxinho (Peltogyne recifencis Ducke).
O ensaio ocorreu com o pilar “diamante” (DA) posicionado na horizontal, de modo
a facilitar a aplicação das forças que representam a solicitação de compressão paralela a
que o referido elemento estrutural está sujeito em serviço. Na Figura 7 (a) se apresenta
o pilar na posição de ensaio.
As forças foram aplicadas por intermédio de um cilindro hidráulico de 50 kN de capacidade nominal acionado manualmente. A transmissão das forças para o conjunto
estrutural se processou com o auxílio de aparato metálico integrado por barra (previamente aferida) e placas. A leitura das forças foi feita utilizando o equipamento Kiowa:
STRAIN INDICATOR, modelo SM-60B (Figura 7b).
Foi aplicada força máxima de 15,0 kN, ligeiramente superior ao dobro da força prevista nos cálculos pelo CYPECAD, da ordem de 7,3 kN.
Na Figura 7 (a) aparece o cilindro hidráulico que comprime o pilar “diamante” de
apoio (DA), atuando longitudinalmente, ao passo que, na Figura 6, é mostrado o aparelho medidor de força da célula de carga, o KYOWA. As duas Figuras, 7a e 7b, se complementam, pois, em conjunto, retratam toda a dinâmica do ensaio de compressão a
que foi submetido o pilar “diamante” (DA).
Figura 7 – Ensaio a compressão feito no LaMEM (a); sistema de aquisição de dados (b).
a)
96
b)
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Deslocamentos relativos entre elementos metálicos de solidarização do conjunto
estrutural foram medidos com relógios comparadores com sensibilidade de 0,01 mm.
Tais deslocamentos foram desprezíveis.
O ensaio foi desenvolvido em quatro repetições e confirmou o excelente desempenho, sob solicitação, do pilar “diamante” (DA).
PROGRAMAS FUNCIONAiS DO “MÓDULO (M)” E DO SEU
DESDOBRAMENTO PROJETUAL O “SISTEMA ESTRUTURAL
E S TA I A D O T I P O Á R V O R E – S 2 E TA ”
O programa funcional definido para o MÓDULO (M), desdobramento projetual do
SETA, foi um Centro de recreação e cultura para sete crianças/jovens, contendo um lavabo social, apresentando área construída de 23 m2. Adotou-se para a sua concepção
projetual o triângulo equilátero como elemento geométrico básico (EGB) de 0,90 m
de lado, em função da exiguidade de espaço da área externa do LaMEM, pois sua construção não poderia inviabilizar a passagem de caminhões nesta área.
Em função desta modularidade, o MÓDULO (M) pode ter um gama de variações
abrangentes, como por exemplo, quando o (EBG) de 1,50 m for adotado, a área passa
a ter 64 m2 e neste caso pode acolher 17 crianças/jovens, em princípio, dentro de uma
programação de ocupação de 2 ou 3 dias/ por semana. A Figura 8 expressa a sequência
de montagem do MÓDULO(M) no LaMEM.
Figura 8 – Sequência de montagem do MÓDULO (M) no LaMEM (Julho de 2012).
(a)
(c)
(b)
(d)
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97
(e)
(f)
A Figura 9 apresenta o programa funcional do MÓDULO (M) de um Centro
de lazer e cultura de 23 m2 para crianças e jovens socialmente vulneráveis.
Figura 9 – Plantas do
MÓDULO (M).
(a)
(b)
(c)
98
Sistema Estrutural e Construtivo do MÓDULO (M) em Madeira como Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
Outra característica do MÓDULO (M) é a possibilidade de ser implantado em terrenos difíceis, de diferentes declividades, mas, para isto, é apresentada uma nova abordagem projetual, derivada de sua concepção original. Desta forma, foi criado o Sistema
Estrutural Estaiado Tipo Árvore (S2ETA) que se adapta às diferentes declividades em
função de seus estais, comportando vários programas funcionais, inclusive para Centros de recreação e cultura, sendo dotado de dois ou mais pavimentos, mais a cobertura,
com áreas construídas substancialmente superiores às do MÓDULO (M) (Figura 10).
Destaca-se que o MÓDULO (M) foi o vencedor do “III Concurso Brasileiro de Arquitetura em Madeira”, categoria profissional, com o título “Cobertura em madeira do
Módulo do Sistema Estrutural Tipo Árvore –SETA”, no âmbito do XII Encontro Brasileiro em Madeira e em Estruturas de Madeiras (EBRAMEM), realizado na cidade de
Vitória, Espírito Santo, em julho de 2012.
Figura 10 – Plantas do programa funcional Residência unifamiliar do Sistema Estrutural
Estaiado Tipo Árvore – S2ETA.
(a)
(b)
(c)
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.85-102, nov. 2013
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A Figura 11 mostra maquetes físicas do S2ETA.
Figura 11 – Maquetes físicas
do S2ETA.
(a)
(b)
(c)
(d)
R E S U LTA D O S E D I S C U S S Õ E S
O MÓDULO (M) e o seu desdobramento projetual o Sistema Estrutural Estaiado Tipo
Árvore – S2ETA são caracterizados como “on going projects”, ou seja, são projetos em desenvolvimento, daí serem inseridas algumas alterações projetuais e construtivas de forma consistente e rotineira em função de buscar-se uma tecnologia que esteja up-to-date
com os mais avançados métodos que privilegiem técnicas aprimoradas de pensar e executar sistemas estruturais e construtivos em madeira perfilada roliça de reflorestamento.
10 0
Sistema Estrutural e Construtivo do MÓDULO (M) em Madeira como Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
CONCLUSÕES
O período pós-1990, no Brasil e no mundo, foi marcado por alguns experimentos investigativos singulares e singelos quanto ao pensar uma obra, ainda que esparsos, privilegiando
o emprego da madeira em suas concepções projetual e construtiva. Paralelamente, nesta
época, surge uma nova mentalidade ecológica no trato com esse material. Ao mesmo tempo, com o aparecimento de novos processos de usinagem e montagem, da implantação
de sistemas racionais de pré-fabricação, aliados à vontade de criar algo singular e singelo,
esses fatores somados foram o turning point desta gestação longa e difícil [15].
O SETA e seus desdobramentos projetuais (o MÓDULO (M) e S2ETA), entre outros
projetos em desenvolvimento, se apresentam como alternativas estruturais viáveis para
aplicações nos mais diversos programas funcionais, aliado ao fato, de poder ser implantado em terrenos com declividades variadas, os chamados terrenos difíceis.
Suas implantações causam mínimo impacto ao seu entorno, exigindo espaço exíguo
para sua montagem e reduzido pessoal para sua montagem e implantação. Apresenta
um Rendimento estrutural R bastante interessante, da ordem de 15, ou seja, para cada
metro cúbico de madeira empregada em seu processo de fabricação, resultam 15 metros
quadrados de área útil [15].
Salienta-se que esses projetos, no desenvolvimento atual do processo construtivo,
ainda são uma obra não conclusiva, em contrapartida, o seu pilar “diamante” de apoio
e o MÓDULO (M) já são uma realidade construtiva.
Destaca-se o excelente desempenho das cavilhas de madeira da espécie roxinho
nos ensaios à compressão paralela às fibras, realizados no LaMEM/SET/EESC/USP,
Campus de São Carlos.
Por fim, mas não menos pertinente, vale reafirmar a premência do emprego da madeira perfilada roliça, pensando-a como uma das primeiras opções projetuais e construtivas
em obras civis, com ênfase em sistemas estruturais. O SETA, bem como o seu pilar “diamante” de apoio (DA) e seus desdobramentos projetuais, entre eles o MÓDULO (M),
são possibilidades reais de aplicações em sistemas estruturais, que têm a preocupação
com o singular e o singelo. Acredita-se que, com esta abordagem, resultarão obras de
alto valor arquitetônico e permeadas com preocupações ecológicas.
É relevante salientar que a aplicação dessa tecnologia em madeira para fins sociais
tem uma relevância ímpar na abordagem da formação e inclusão de crianças e jovens
socialmente vulneráveis.
REFERÊNCIAS
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devidas ao vento em edificações. Rio de Janeiro, 1988.
[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7190: Projeto
de estruturas de madeira. Rio de Janeiro, 1997.
[3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800: Projeto e execução de estruturas de aço em edificações – Método dos elementos
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.85-102, nov. 2013
101
finitos. Rio de Janeiro, 1986.
[4] CALIL JR, Carlito; ROCCO LAHR, F. A.; DIAS, A. A. Dimensionamento de
Elementos Estruturais de Madeira. Barueri: Editora Manole, 2003.
[5] EUROCODE 5. Design of timber structures – General Rules: General rules
and rules for buildings, 2002.
[6] FARAH, F. Habitações em encostas. 1 ed., v. 1, 311p, São Paulo. Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, 2003.
[7] GONÇALVES, D. Sistema Estrutural Treliçado Modular em Madeira - SET
2M. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2007.
[8] HELLMEISTER, J. C. CARACTERÍSTICAS. I ENCONTRO BRASILEIRO
EM MADEIRAS E EM ESTRUTURAS DE MADEIRA, Ebramem, Anais, Volume 1. LaMEM/SET/ EESC/USP, jul. 1983
[9] HERZOG, T., NATTERER, J., SCHWEITZER, R., VOLZ, M. Timber Construction Manual. Munich: Edition Detail, 2004.
[10] INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Disponível em: <www.ibama.gov.br>. Acesso em: 02 jul. 2013.
[11] INSTITUTO TOMIE OHTAKE (Org.). Gaudí: A Procura da Forma. Instituto
Tomie Ohtake, São Paulo, 2004.
[12] MOURA PINTO, E. Estudo da taxa de carbonização da madeira e sua relação
com a resistência de peças estruturais. IX ENCONTRO EM MADEIRAS E EM
ESTRUTURAS DE MADEIRA. Ebramem. LaMEM/SET/ EESC/USP, jul. 2004.
[13] PROGRAMA APROXIMA AÇÃO. Disponível em: <www.prceu.usp.br/programas/aproximacao>. Acesso em: 19 jul. 2013.
[14] PROGRAMA DE INVESTIGAÇÃO DA TECNOLOGIA (PIT). Relatório de
investigação tecnológico. AGÊNCIA DE INOVAÇÃO USP/SP, set. de 2007.
[15] STUNGO, N. The New Wood Architecture. London: Laurence King Publishing. 1998.
[16] UNE-EN 409. Estructuras de madera – Métodos de ensayo – Determinatión
del momento plástico de los elementos de fijaxión tipo clavija, Madrid, 2009.
professor titular do Departamento de Engenharia da
Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) – e-mail: [email protected]
Francisco A ntonio R occo L ahr
C arlito C alil J r . professor titular do Departamento de Engenharia da Escola de Engenharia de
São Carlos (EESC-USP) – e-mail: [email protected]
professor com pós-doutorado pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) – e-mail: [email protected]
D ecio Gon ç alves
A ndr é L uis C hristo f oro professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) –
e-mail: [email protected]
102
Sistema Estrutural e Construtivo do MÓDULO (M) em Madeira como Instrumento de Aproximação Social na
Promoção da Cidadania de Crianças e Jovens Socialmente Vulneráveis
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
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104
SistemaEstruturaleConstrutivodoMÓDULO(M)emMadeiracomoInstrumentodeAproximaçãoSocialnaPromoçãodaCidadaniadeCriançaseJovensSocialmenteVulneráveis
Saúde Pública ao Alcance da População:
o Papel das Bibliotecas Virtuais nas Rádios
Comunitárias
Public Health Reaching Undeserved People: the Role of
Virtual Libraries and Community Radios
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de apresentar a experiência de transferência da informação científica em saúde pública para comunidades carentes com o uso de bibliotecas
virtuais para produção e veiculação de programas (spots) de rádio. A partir das teses e
dissertações produzidas na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(FSP-USP), os autores gravam programas de rádio, em linguagem jornalística, no seu
Centro de Produção Digital. A Biblioteca: Centro de Informação e Referência (CIR) da
FSP atua em duas frentes: indexação dos programas e disponibilização em bases de
dados e bibliotecas virtuais a partir da tecnologia desenvolvida pela BIREME e qualificação dos comunicadores de rádios comunitárias para usarem as bibliotecas virtuais.
Reforça-se a importância da integração de múltiplos profissionais, o papel do bibliotecário na organização da informação e qualificação dos comunicadores de rádio, do
jornalista para a tradução do saber científico de forma correta e do comunicador de
rádio na divulgação dos conteúdos.
Palavras-chave: Saúde pública. Bibliotecas virtuais. Rádios comunitárias.
A ngel a Ma r ia
Belloni Cuenca e
Paulo R ogér io Gal lo
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Saúde Pública,
São Paulo, Brasil
ABSTRACT
This paper presents the experience in transferring scientific information in public heath for undeserved communities through the virtual libraries. This can be possible by
production and transmission of spots in the radio schedule. The authors of the theses
edited by the School of Public Health at University of São Paulo (FSP-USP) record
spots with journalistic language in an Laboratory (Laudio) of the School. The Library:
Reference and Information Centre operates in two fronts: the spots are indexed and available in databases and virtual library through the technology developed by BIREME.
The Library promotes training to teach the broadcaster in how to access and how to use
the virtual library. It emphasizes the importance of integration of multiple professional
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.105-111, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p105-111
105
– librarian’s role in information organization and teaching of broadcasters, the journalist
for the translation of scientific knowledge accurately and the broadcaster to distribute
this content to the undeserved community.
Keywords: Public health. Virtual libraries. Community radios.
I ntrodução
O saber científico para beneficiar a sociedade deve ser compartilhado entre
os pesquisadores, comunicado em publicações e traduzido para a população. Na saúde
pública, a transferência da informação para a população pode levar a benefícios imediatos, visto que sua produção não somente é baseada nas condições de vida da população
como sua aplicação se reflete na saúde de grande número de pessoas.
Embora pareça óbvio, há grande dificuldade na disseminação das ações em saúde pública para comunidades pobres que devem ser o foco da atenção dos governos no que tange
à saúde. A grande questão é: como a gestão descentralizada do conhecimento científico
pode alcançar comunidades carentes e estas se beneficiarem das informações e descobertas em saúde pública? Algumas iniciativas em âmbito local [1] e internacional [2] vêm sendo implementadas por setores sociais e governamentais, e inseridas nas políticas públicas
visando ampliar as ações voltadas à integração da população no universo da cidadania [6].
Como as rádios comunitárias são veículos potenciais de penetração nas comunidades carentes e seus comunicadores contam com grande credibilidade da população local, a iniciativa de veiculação via rádio de conhecimentos de saúde pública produzidos
no âmbito universitário foi oficialmente referendada na Reunião da Cúpula Mundial
sobre a Sociedade da Informação, em Genebra, 2003. Nessa reunião, foram firmados
compromissos de empenho dos países para a redução do hiato de conhecimento entre
as classes sociais e para a minimização dos problemas da exclusão digital, do acesso à
internet e do direito à comunicação [8].
No entanto, no caso brasileiro, foi constatado que, por vezes, as informações em
saúde veiculadas em programações de rádios comunitárias mostravam-se confusas ou
distorcidas dos conteúdos originais [6]. Disto surgiu a ideia de qualificar os comunicadores de rádios em noções de saúde pública e, também, no uso de bibliotecas virtuais
para acesso à informação.
Este trabalho tem o objetivo de apresentar o relato da experiência de disseminação da
informação científica em saúde pública a comunidades carentes com o uso de bibliotecas
virtuais para a produção e veiculação de programas de rádio em acesso aberto na internet.
A ideia
Após alguns cursos de noções de saúde pública para comunicadores de rádios comunitárias de bairros pobres da Grande São Paulo, que incluíam o aprendizado do acesso
e uso de bibliotecas virtuais, surgiu a ideia de se criar uma fonte de informação, neste
caso, uma série de programas de rádio que ficariam disponíveis numa biblioteca virtual.
10 6
Saúde Pública ao Alcance da População: o Papel das Bibliotecas Virtuais nas Rádios Comunitárias
Biblioteca virtual é a expressão usada quando se extrapola o conceito de biblioteca física, implicando um espaço virtual na internet onde a informação científica e técnica,
validada por especialistas, é registrada, organizada e armazenada em formato eletrônico
e acessível de forma universal. Esse conceito permeia a ideia de acesso imediato e gratuito aos conteúdos [7], ou seja, os programas de rádio seriam organizados de forma que,
qualquer pessoa, radialista, agente comunitário, entre outros interessados, pudessem
ter acesso em qualquer hora e de qualquer computador ligado à internet.
Para serem inseridas em bibliotecas virtuais, as informações científicas seriam traduzidas para uma linguagem jornalística e tornar-se-iam presentes na grade de programação das rádios comunitárias em formato adequado à característica de cada comunidade. Os agentes comunicadores, geralmente líderes comunitários, seriam qualificados para o acesso e uso das bibliotecas virtuais e, desta forma, eles próprios poderiam
selecionar a informação e reeditá-la de acordo com a necessidade e demanda sentidas
em suas comunidades.
Para tornar essa ideia uma realidade, vários saberes técnicos e instituições teriam
que ser mobilizados.
O estabelecimento das parcerias
A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), uma das maiores produtoras brasileiras de pesquisa em saúde pública, visando potencializar a divulgação de informações em saúde para a população, realizou vários cursos de extensão
universitária para comunicadores de rádio, em parceria com o Ministério da Saúde e a
Associação Brasileira de Rádios Comunitárias [6]. Esses cursos tiveram por objetivo
qualificar os líderes comunitários em noções de saúde pública, na realização de diagnóstico comunitário de saúde e na produção de programas de rádio. Os participantes eram
líderes comunitários (de várias regiões que compõem a chamada periferia da Grande
São Paulo) e, em outra vertente, docentes (potenciais multiplicadores desse saber nas
demais universidades brasileiras).
A Biblioteca: Centro de Informação e Referência (CIR) da FSP-USP, além de manter um
acervo impresso de mais de 350 mil volumes, um dos maiores da América Latina em saúde pública e nutrição, é dotada de infraestrutura tecnológica e de equipes bibliotecárias
especializadas na construção de bibliotecas virtuais [3] e na capacitação de usuários [4].
Por esse motivo, participa dos cursos para comunicadores de rádios comunitárias desenvolvendo módulos práticos de acesso e uso de bibliotecas virtuais para que possam
contar com uma ferramenta de busca de informação com validade científica. A Biblioteca/CIR, além de conduzir sua versão de website e serviços on-line, também é parceira
da Biblioteca Virtual em Saúde Pública, desenvolvida pela BIREME [7], portanto, com
competência na metodologia e manutenção de bibliotecas virtuais.
A BIREME lidera a tecnologia para a disseminação da informação em saúde, cujas iniciativas exitosas – desde a década de 1980, como base de dados LILACS, a SciELO nos
anos de 1990 e a tecnologia da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) nos anos de 2000 – vem
contribuindo com a visibilidade da produção científica e a promoção da saúde no Brasil
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.105-111, nov. 2013
107
e países da América Latina. Essas bibliotecas virtuais operam integrando diversas fontes
de informação, tais como: literatura técnica e científica produzida nos países; base de sites
especializados; diretório de eventos; lista de especialistas na área; indicadores de saúde;
textos completos de artigos científicos, de teses e monografias e de editoras eletrônicas.
A união das expertises dessas instituições culminou na construção de uma fonte de
informação, neste caso, em um portal de áudio. Os pesquisadores gravam depoimentos
e entrevistas sobre suas teses no Centro de Produção Digital da FSP-USP, que os transforma em programas (spots) de rádio. Estes são armazenados em servidores (repositório
institucional da Biblioteca), organizados e descritos em seus metadados, em planilhas
desenvolvidas na metodologia BIREME. Os arquivos são disponibilizados na base de
dados LILACS, nos catálogos da Biblioteca (como Audioteca) e na Biblioteca Virtual
em Saúde Pública (BVSP) via Portal de Teses e Dissertações.
O resultado
* No site da Biblioteca da FSPUSP (www.biblioteca.fsp.usp.
br), em Bibliotecas Virtuais,
selecionar Audioteca e digitar
na caixa de busca o assunto
desejado (meio ambiente, por
exemplo). Clicando no ícone
de áudio você poderá ouvir o
spot de rádio. Caso queira ver
a lista de todos os spots basta
digitar $ (cifrão) na caixa de
busca e <enter>.
** No site da Biblioteca Virtual
em Saúde/BIREME (www.
bvs.bireme.br) selecionar
Literatura Científica e digitar
na caixa de busca o assunto
desejado (meio ambiente, por
exemplo) e clicar Pesquisa.
Na coluna à direita em Filtrar,
selecionar no final da tela, em
Tipo de Documento o item
Áudio. Aparecerá a lista dos
registros referentes às teses
defendidas na FSP-USP com
programas de áudio. São
dois links: um com o spot
sobre a tese e outro com uma
entrevista com o autor.
108
Para ampliar as possibilidades de acesso ao conhecimento, foram inseridas novas mídias como fontes de informação no campo da saúde pública em uma interface em áudio
organizada em uma Audioteca. Seu acervo é composto por registros de depoimentos
de pesquisadores a respeito de suas dissertações [5]. Participam dessa iniciativa pesquisadores, docentes, bibliotecários, jornalistas e pessoal de informática. Essa nova
fonte de informação resulta da parceria de várias instituições que disponibilizam seus
arquivos em áudio nas suas bibliotecas virtuais e, assim, se estabelece uma rede social.
Nessa experiência, foram produzidos, até 2013, cerca de 200 spots ou programas de
rádio, com acesso universal e gratuito na internet via catálogos da Biblioteca da FSP-USP* e via base de dados LILACS**.
Na Figura 1 é possível visualizar um registro de tese nas bases da Biblioteca e na Figura 2, o registro na base de dados LILACS. Ambas com arquivos em áudio associados e
respectivos ícones para reconhecimento do usuário. Cada ícone representa um arquivo
extensão .mp3 com áudio de cerca de 6 minutos.
As mídias em áudio podem atender às demandas de informação de várias categorias
de usuários: o pesquisador pode utilizá-las como objeto de investigação; um professor
do Ensino Médio ou Fundamental para fundamentar suas aulas; serviços de saúde para
auxiliar na prática de seus profissionais; os radiocomunicadores para contribuir para a
promoção da saúde nas regiões em que estão inseridos.
Em breve, o número de acessos deverá ser aumentado quando a BIREME colocar
para acesso público o Portal de Áudio, como uma das mais novas fontes de informação
da Biblioteca Virtual. Outras instituições parceiras como a Fiocruz, por meio da Escola Nacional de Saúde Pública e o Ministério da Saúde, também deverão colocar seus
acervos em áudio nesse Portal.
Achado o caminho, houve necessidade de desenvolver planilhas, ou seja, customizar o
software, para a descrição de áudio e vídeo de outros tipos de documentos como livros, artigos, congressos, entre outros que disseminam a informação científica em saúde pública.
Saúde Pública ao Alcance da População: o Papel das Bibliotecas Virtuais nas Rádios Comunitárias
Figura 1 – Registro da tese na
base de dados da Biblioteca
com a indicação de áudio.
Figura 2 – Registro da tese na
base de dados da Biblioteca
durante a execução do áudio
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.105-111, nov. 2013
10 9
Para avaliação do impacto dos programas de rádios nas comunidades está sendo
desenvolvido um estudo com as rádios comunitárias participantes do projeto sobre
alterações sentidas nas ações de saúde, a percepção dos profissionais de saúde e gestores dessas regiões sobre o conhecimento da população dos direitos à saúde e, com
os comunicadores de rádio, sobre as mudanças ocorridas antes e depois da inserção
das noções de saúde nos cursos de difusão universitária e na programação das rádios.
L ições aprendidas
A integração multidisciplinar de profissionais envolvidos, a intersetorialidade da produção do saber científico e a possibilidade de sua gestão de forma descentralizada permitem perceber a importância de um trabalho voltado à equidade das ações em saúde
no âmbito das comunidades mais pobres.
O desenvolvimento dessa nova fonte de informação reuniu cientistas, jornalistas,
produtores e comunicadores de áudio, bibliotecários, profissionais ligados à tecnologia
da informação, webdesigners, analistas de sistemas, entre outros, convergindo para um
mesmo fim, a transferência do conhecimento científico para a população, constituindo
um aprendizado inigualável.
A importância do bibliotecário, principalmente das bibliotecas acadêmicas, mostra-se em sua atualização para acompanhar a necessidade do novo usuário, passando a ser
o educador (trainer), qualificando o usuário a se tornar permanentemente autônomo
para fazer a busca da informação, de forma eficiente e, sobretudo, eficaz. Desta forma,
estabelece-se o aprendizado ao longo da vida, característica da competência informacional tão discutida nos dias atuais.
A participação de alunos de jornalismo nos grupos de pesquisa e de desenvolvimento de TI tem sido fundamental para que a linguagem científica torne-se acessível
às populações carentes, algo imprescindível na comunicação via rádios comunitárias,
criando-se condições para que a universidade experimente novas formas de extensão.
Essa experiência propicia forte incremento no processo de educação e promoção de
saúde em âmbito comunitário, por meio da inclusão digital. Reforça-se, assim, a responsabilidade da transferência da informação científica, de forma correta, com responsabilidade social, para que esta tenha seu uso adequado, ou seja, transmitir uma informação
com validade científica traduzida sem vieses, sem outras conotações que não sejam as
de promover a saúde e reduzir a desigualdade social junto à população carente.
REFERÊNCIAS
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DA SAÚDE (CRICS). Rio de Janeiro, 16-19 set. 2008. Declaração do Rio. Disponível em: <http://bvs5.crics8.org/php/index.php?lang=pt>. Acesso em: 2 ago. 2013.
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for knowledge translation. Bull. WHO, Manila [Filipinas], v. 86, n. 7, p. 524-534, 2008.
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Saúde Pública ao Alcance da População: o Papel das Bibliotecas Virtuais nas Rádios Comunitárias
[3] CUENCA, A. M. B. et al. Biblioteca virtual e o acesso às informações científicas
e acadêmicas. Revista USP, São Paulo, v. 80, p. 72-83, 2009.
[4] CUENCA, A. M. B. et al. Capacitação no uso das bases Medline e Lilacs: avaliação de conteúdo, estrutura e metodologia. Ciência da Informação, Brasília , v.
28, n. 3, dez. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0100-19651999000300012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 nov.
2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19651999000300012.
[5] Delbucio, H. C. R. F.; Noronha, G. P.; Santos, C. A. M. dos. Inserção de mídia
em áudio no site da Biblioteca/CIR da Faculdade de Saúde Pública da USP. In:
4º SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE BIBLIOTECAS DIGITAIS BRASIL (SIBDB), São Paulo: UNICAMP; 2007. Disponível em: <http://libdigi.
unicamp.br/document/?view=23461>. Acesso em: 2 ago. 2013.
[6] Gallo, P. R. Radiofusão comunitária: um recurso a ser valorizado no âmbito da
educação em saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, p. 59, p. 59-66, 2001.
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– Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 9, n.17, p. 249-72, 2005. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832005000200004>
[8] United NationS. World Summit on the Information Society. WSIS Plan of
action. Geneva, 2003. Disponível em: <http://www.itu.int/wsis/docs/geneva/
official/poa.htm> . Acesso em: 2 out. 2013
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à equipe multidisciplinar que vem atuando na fonte de informação Audioteca: as bibliotecárias Claudia Guzzo, Hálida C. R. Fernades, Eidi R. F. Abdalla, Maria Imaculada da Conceição; Maria do Carmo Avamilano Alvarez; as jornalistas Claudia
Malinverni, Heloisa Ferraz; as especialistas em saúde pública Sophia K Motta-Gallo e
Alina Zoqui Cayres; o técnico de áudio Amadeu dos Santos; na informática, Daniel
Marucci e equipe, e a todos os pesquisadores que se propuseram a gravar os programas.
docente do Departamento de Saúde Materno-Infantil da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e coordenadora dos projetos
da Biblioteca Virtual em Saúde Pública na Biblioteca/CIR da FSP-USP – e-mail: [email protected]
A n g ela Maria B elloni C uenca
docente do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e coordenador do Laboratório de Áudio da
FSP-USP – e-mail: [email protected]
Paulo R o g é rio Gallo
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.105-111, nov. 2013
111
112
Saúde Pública ao Alcance da População: o Papel das Bibliotecas Virtuais nas Rádios Comunitárias
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde
Pública: um Projeto de Intervenção
Meatless Monday at Public Health School:
an Intervention Project
R esumo
O consumo excessivo de carne, principalmente vermelha e processada, está relacionado com o aumento da incidência de doenças crônicas como câncer, diabetes, doenças
cardiovasculares, excesso de peso e maior risco de mortalidade. Além do custo gerado
à saúde, a produção da carne também gera grande impacto no meio ambiente. A partir
dessas informações, elaborou-se o projeto Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde
Pública. O trabalho tem por objetivo discutir os riscos causados à saúde e ao meio ambiente pelo consumo excessivo de carne bem como avaliar o impacto do mesmo na
mudança do hábito alimentar da população estudada. A iniciativa contou com a divulgação de dados sobre consumo excessivo de carne, seus impactos na saúde e no meio
ambiente, propondo a inclusão de um cardápio sem carne em uma segunda feira de cada
mês do período letivo do ano de 2012 no restaurante da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo/COSEAS. Para avaliar a eficácia da iniciativa, foram realizadas três pesquisas de opinião com os comensais do restaurante ao longo do projeto,
sendo uma online e duas presenciais. Sete meses após o início da intervenção, 73% dos
pesquisados disseram estar mais conscientes sobre os malefícios associados ao consumo excessivo de carne; 42% disseram que diminuíram o consumo de carne devido aos
esclarecimentos fornecidos pelo projeto.
Palavras-chave: Consumo de Carne. Saúde. Projeto de Intervenção
Bruna L acer da ,
A line Ca rva lho,
J oyce Ma rt ins,
Ca m il a N egrão,
Soraya Sele m, R egina
F isberg e D irce
Marchioni
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Saúde Pública,
São Paulo, Brasil
A bstract
Excessive meat consumption, especially red and processed meat, is related to the increase in the incidence of chronic diseases such as cancer, diabetes, cardiovascular diseases, overweight and increased risk of mortality. Besides the cost generated to health,
beef production also generates impacts on the environment. Thus, the Meatless Monday Project was designed at the School of Public Health, in order to discuss the risks
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.113-119, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p113-119
113
caused by excessive meat consumption. Data about excessive meat consumption, health
and environment impacts were offered to population and a no-meat menu included
on one Monday of each month within the period of the academic year of 2012 in the
restaurant of the School of Public Health, University of São Paulo/Superintendence of
Social Welfare. Three polls were performed to evaluate the effectiveness of the initiative
throughout the project, the first was done online and the others were interviewer-interviewee. Seven months after the intervention, 73% of people said they were more aware
about the harms associated with excessive consumption of meat; 42% reduced meat
consumption due to the clarifications provided by the project.
Keywords: Meat Consumption. Health. Intervention Project.
I ntrodução
A prevalência de doenças crônicas tem aumentado progressivamente nas úl-
timas décadas, tornando-se um grave problema de saúde pública [9]. Há evidências da
associação entre o consumo excessivo de carne, principalmente vermelha e processada,
e doenças cardiovasculares, além de diabetes [11], câncer de cólon e reto [16], ganho
de peso [7,15] e maior risco de mortalidade [7,15]. Estudos mostram que o consumo de
50g de carne processada pode aumentar o risco em 42% de doenças cardiovasculares
e 19% de diabetes [11].
A carne sempre teve grande importância na alimentação humana devido à sua composição, com quantidade significativa de proteína, minerais, vitaminas e ácidos graxos
[10]. Atualmente, as diretrizes brasileiras orientam a ingestão de uma porção de carne
por dia, equivalente a 190 kcal, como parte de uma dieta saudável para a população [12].
Porém, o que se tem percebido é um aumento progressivo desse consumo [4].
Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) evidenciam que a carne está inserida no grupo de alimentos que lidera os gastos com alimentação no país (21,9%), nas
áreas urbana (21,3%) e rural (25,2%). Comparando os resultados de 2002/03 e 2008/09,
é possível observar um aumento no percentual de gastos de 18,3% para 21,9% com esse
tipo de alimento [8].
Em um estudo de base populacional realizado em São Paulo, observou-se que o
consumo de carnes aumentou cerca de 20% de 2003 para 2008 [5]. O consumo médio
de carne total em São Paulo (163g) foi superior aos encontrados em diversos países
como Irlanda (138g), Espanha (135g), Holanda (125g) e Alemanha (120g) [10]. Para
carne processada, o consumo do paulistano (33g) [5] foi superior ao da Irlanda (25g),
Grécia (8g) e Itália (27g) [10].
Além do custo à saúde gerado pelo consumo excessivo de carne, a sua produção
também gera impacto sobre o meio ambiente, pois promove o desmatamento [12],
ocupando e degradando vastas áreas de terra, resultando no aumento do efeito estufa,
na redução da biodiversidade, na reposição de água doce, no estímulo à compactação
do solo, o que reduz a infiltração da água, resultando no aumento do escoamento e em
perda de nutrientes do solo [1,14].
A pecuária é o setor responsável por emitir cerca de 18% dos gases de efeito estufa
114
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde Pública: um Projeto de Intervenção
do mundo [12]. Para a produção de um quilograma (kg) de carne bovina são gerados
cerca de 44 kg de gases de efeito estufa [6]. O impacto ambiental gerado pela produção de carne para abastecer o município de São Paulo foi estimado em 18 milhões de
toneladas de equivalentes de CO2 em 2003 [6].
Pensando nos efeitos que a produção e o consumo de carne causam na saúde e no
meio ambiente, elaborou-se o projeto de extensão “Segunda Sem Carne na FSP” (SSC
na FSP) em parceria com a Superintendência de Assistência Social da USP (SAS). O
principal objetivo do projeto é discutir a relação entre o consumo excessivo de carne e
o risco à saúde e ao meio ambiente.
O bjetivo
Avaliar o impacto do projeto de extensão universitária Segunda Sem Carne na FSP.
M etodologia
O projeto de extensão Segunda Sem Carne na FSP consiste em uma intervenção na comunidade da Faculdade de Saúde Pública da USP a partir da divulgação de dados sobre
o consumo excessivo de carne e seus impactos na saúde e no meio ambiente, por meio
de vídeos; site do projeto; palestras; boletins informativos; mídias sociais; entrevistas a
jornais, revistas, rádios, canais de televisão; e, durante o ano letivo de 2012, introdução
de um cardápio sem carne em uma segunda-feira de cada mês no Restaurante Universitário da Faculdade de Saúde Pública.
Foram realizadas três pesquisas de opinião com os comensais ao longo do projeto,
sendo uma online e duas presenciais.
A primeira pesquisa foi realizada em março de 2012 e teve como objetivo avaliar a
aceitabilidade do novo cardápio, estimar a proporção de pessoas que se preocupavam
com o tema e estavam dispostas a realizar mudanças em seus hábitos alimentares, além
de saber como os materiais educativos e o site melhoraram o entendimento sobre o
tema. Para tal, foi aplicado um questionário online.
A segunda pesquisa foi realizada em outubro de 2012 e teve como objetivo avaliar
a aceitação do projeto. Foi utilizada uma urna montada na saída do restaurante, em que
era feita a pergunta: “O que você acha do projeto Segunda Sem Carne na FSP?”, utilizando-se os cartões nas cores vermelha, amarela e verde como resposta, que representaram
“não gosto”, “indiferente” e “gosto”, respectivamente. Também foram disponibilizados
cartões nos quais os participantes da pesquisa puderam deixar seus comentários, críticas, dúvidas, elogios e sugestões.
A terceira pesquisa foi realizada em novembro de 2012 e teve como objetivo avaliar
se o projeto Segunda Sem Carne na FSP estava conseguindo conscientizar os usuários
do restaurante universitário SAS/USP sobre os malefícios do consumo excessivo de
carne e se eles haviam diminuído seu consumo de carne a partir das informações fornecidas. Para tal, foi aplicado um questionário na saída do restaurante, com as perguntas:
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.113-119, nov. 2013
115
“A partir do projeto você percebeu que o consumo excessivo de carne pode trazer malefícios para saúde e meio ambiente? Você diminuiu seu consumo de carne a partir das
informações oferecidas pelo projeto?”
R esultados e D iscussão
Na primeira pesquisa, registraram-se 156 respostas, sendo que a maior parte dos participantes eram alunos da graduação (48%), seguidos dos alunos da pós-graduação (29%),
funcionários (13%), visitantes (7%) e docentes (3%). Verificou-se que 92% das respostas
foram positivas quando os comensais foram questionados sobre a iniciativa do projeto
e 73% alegaram que, a partir das informações fornecidas pela campanha, pretendiam
diminuir seu consumo de carne.
Verificou-se que 58% das pessoas que responderam a primeira pesquisa acessaram o
site e 87,5% acharam que o conteúdo do site contribuiu para esclarecimento dos objetivos do projeto, sendo que, dessas, 34% acharam que o site contribuiu muito.
A segunda pesquisa aconteceu presencialmente no dia 22 de outubro de 2012. Cerca de
190 pessoas responderam a pesquisa e 78% dos participantes alegaram gostar do projeto.
Na terceira pesquisa realizada foram obtidas 120 respostas. Verificou-se que 73% dos
pesquisados disseram estar mais conscientes sobre os malefícios associados ao consumo
excessivo de carne devido as informações oferecidas pelo projeto, e 42% afirmaram ter
diminuído o consumo de carne após o início da intervenção.
Em relação à divulgação do projeto, a página do Facebook alcançou usuários de mais
de 20 países, como Estados Unidos, França, Reino Unido, Portugal, Argentina, entre
outros. No Brasil foram atingidas diversas cidades das regiões Nordeste, Sul, Sudeste e
Centro-Oeste do país e a página recebeu cerca de 600 visitas diretas e 4.000 indiretas
nesse período. O site alcançou mais de 2.000 acessos.
Observou-se que essas formas de divulgação constituíram um caminho mais imediato e
abrangente para intensificar a divulgação científica para a comunidade FSP, além de atrair a
atenção de mais pessoas para o assunto em questão, tornando comuns informações de caráter inter e transdisciplinar. O projeto também foi divulgado por meio de entrevistas para
jornais, rádios, revistas e sites como Rádio Estadão, CBN, Jovem Pan, além TV USP, TV
Cultura, Revista Vida e Saúde, Jornal do Campus entre outras. Além de ser produzido um
vídeo na forma de desenho animado stop-motion para divulgar o projeto aos comensais.
Existem projetos similares ao Segunda Sem Carne na FSP, como na Alimentação Escolar do município de São Paulo. Desde 2011, a Secretaria do Verde e Meio Ambiente
e a Secretaria de Educação do município propuseram um projeto de merenda escolar
sem carne duas vezes ao mês a crianças e adolescentes da rede pública. Atualmente,
cerca de 625 mil alunos recebem refeições sem carne quinzenalmente [13]. Posteriormente, outras cidades também aderiram à campanha, como Curitiba [2], Piracicaba,
Recife, Niterói e Osasco [13,3].
Apesar da alteração do cardápio da alimentação escolar da rede pública de alguns
municípios brasileiros, poucas atividades educativas foram realizadas com o intuito de
explicar o projeto e mostrar o possível impacto da mudança na alimentação, na saúde e
116
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde Pública: um Projeto de Intervenção
no meio ambiente. Observou-se, no presente trabalho, que o uso de materiais educativos e formas diferentes de divulgação ampliaram a discussão sobre o tema, e puderam
promover mudança do hábito alimentar em parte da população estudada.
C onclusão
Verificou-se que o projeto Segunda Sem Carne na FSP foi bem avaliado pela comunidade
que participou das pesquisas. Além disso, a divulgação sobre os efeitos do consumo excessivo de carne foi efetiva, visto que quase metade dos entrevistados na terceira pesquisa
alegou ter diminuído o consumo de carne a partir das informações fornecidas pelo projeto.
Esse fato é importante, pois o elevado consumo de carne tem um impacto direto e
indireto sobre a saúde e o meio ambiente. O Segunda Sem Carne na FSP é um importante passo para aproximar a pesquisa, produzida pela Universidade, da população e
incentivar ações que podem melhorar a qualidade de vida dos indivíduos a longo prazo.
R eferências
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de hábitos no Brasil. Cadernos de Debate, Campinas, v. 6, p. 1-25, 1998.
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[3] CÂMARA MUNICIPAL DE SANTOS. Notícias. Disponível em: <http://www.
camarasantos.sp.gov.br/noticia.asp?codigo=4069&COD_MENU=185>. Acesso
em: 5 maio 2013.
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and environmental impacts. Pub Health Nutr., 16, p. 1893-1899, 2012. Disponível
em: <http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online
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[5] CARVALHO, A. M. Tendência temporal do consumo de carne no Município de São Paulo: estudo de base populacional – ISA Capital 2003/2008. São
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Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.113-119, nov. 2013
117
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da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
[13] SEGUNDA SEM CARNE. Notícias. Disponível em: <http://www.segundasemcarne.com.br/2011/12/26/escolas-municipais-de-sao-paulo-introduzem-refeicoes-sem-carne-na-merenda/>. Acesso em: 5 maio 2013.
[14] STEINFELD, H. et al. Livestock’s long shadow: environmental issues and
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[16] WORLD CANCER RESEARCH FUND. / American Institute for Cancer Research. Food, Nutrition, Physical Activity, and the Prevention of Cancer: a
Global Perspective. Washington (DC): AICR, 2007.
A gradecimentos
Agradecemos a toda equipe da Superintendência de Assistência Social da USP (SAS-USP), nutricionistas e funcionários do Restaurante Universitário da Faculdade de
Saúde Pública, alunos de graduação e funcionários do TIC/FSP-USP, aprimorandas e
nutricionistas do CRNutri pelo apoio e ajuda para realizar o projeto.
À diretora da FSP-USP, Helena Ribeiro, e ao departamento de Nutrição da FSP-USP
pelo apoio institucional.
Ao Segunda Sem Carne Brasil pelo apoio e discussões.
doutoranda do Programa de Nutrição em Saúde Pública do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) – e-mail: [email protected]
A L I N E C A R VA L H O
BRUNA LACERDA
graduanda em Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (FSP-USP)
JOYCE MARTINS
graduanda em Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (FSP-USP)
118
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde Pública: um Projeto de Intervenção
CAMILA NEGRÃO
bacharel em Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (FSP-USP)
mestre em Ciências do Programa de Nutrição em Saúde Pública do Departamento
de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP)
S O R AYA S E L E M
pesquisadora e professora associada do Departamento de Nutrição da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP)
REGINA FISBERG
pesquisadora e professora associada do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP)
DIRCE MARCHIONI
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.113-119, nov. 2013
119
120
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde Pública: um Projeto de Intervenção
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde
de Pacientes Oncológicos sob Cuidados
Paliativos
Health Quality of Life Related to Cancer Patients’ Health
Under Palliative Care
RESUMO
O texto discute os principais resultados obtidos na dissertação do Mestrado em Psicologia da Saúde pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) concluído em 2012,
que teve por objetivo avaliar a Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) de pacientes oncológicos sob cuidados paliativos. Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo e de corte transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UCDB,
de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A amostra compôs-se de 70 participantes que
realizavam acompanhamento paliativo no Hospital do Câncer de Dourados/MS. Foram
aplicados dois instrumentos para coleta de dados: o Questionário Sociodemográfico
Ocupacional e um instrumento específico para avaliar a QVRS em oncologia, o EORTC
QLQ – C30. Os resultados demonstraram que a identificação objetiva dos domínios,
quando correlacionados às variáveis sociodemográficas ocupacionais, pode favorecer
o direcionamento das intervenções assistenciais que a equipe multidisciplinar oferece
ao paciente oncológico em relação ao enfrentamento da doença e aos efeitos adversos
do tratamento, o qual, ocasionalmente, pode comprometer sua QVRS.
Palavras-chave: Qualidade de Vida Relacionada à Saúde. Oncologia. Cuidados
Paliativos.
C in t ia R achel Gom e s
Sa le s
Centro Universitário da Grande Dourados. Mato Grosso do
Sul, Brasil
J osé Ca r los R os a
Pir e s
Universidade Católica Dom
Bosco. Mato Grosso do Sul,
Brasil
Ida lina C r ist ina
F er ra r i Júlio
Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul. Mato Grosso do
Sul, Brasil
ABSTRACT
This paperwork discusses the main results of the Health Psychology Master Degree
Dissertation of Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) concluded in 2012, which
aimed to assess the health quality of life of cancer patients under palliative care. This is
a quantitative, descriptive and cross-sectional study, approved by the Ethics Research
Department of (UCDB) in Campo Grande, Mato Grosso do Sul. The sample consisted
of 70 participants who underwent palliative monitoring care at the Cancer Hospital
in Dourados/MS. Two instruments were applied to collect data: a Social Demographic
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.121-130, nov. 2013
DOI: 10.11606/issn.2316-9060.v9i0p121-130
121
Occupational Questionnaire and a specific instrument to assess the health quality of life
in Oncology the EORTC QLQ – C30. The results showed that a target identification of
domains, when related to Social Demographic Occupational variability, may favor the assistance interventions that the multidisciplinary team offers to cope with the disease and
side effects of cancer treatment in order to improve those individuals health quality of life.
Keywords: Quality of life. Oncology. Palliative Care.
INTRODUÇÃO
O câncer é definido como uma doença crônico-degenerativa e, por isso, é con-
siderado como um problema de saúde pública. O diagnóstico precoce contribui de forma significativa para a reabilitação física, social e psicológica do doente [4]. Porém, seu
diagnóstico confirmado abrange, de forma gradativa e simultânea, aspectos físicos, psicossociais, emocionais e financeiros do paciente. Por muitos anos, o tratamento do câncer
estava vinculado ao ponto de vista da morbidade, mortalidade ou cura. No entanto, os
avanços da medicina já permitem o controle dos sintomas e estadiamento de tal doença.
De acordo com as implicações psicológicas, tanto na etiologia quanto na terapêutica
do câncer, um crescente interesse em estudos que avaliem a QV, tem buscado demonstrar a autopercepção de bem ou mal-estar e sua contribuição na evolução biológica da
enfermidade, podendo constituir-se como um cofator terapêutico. Assim, a avaliação
da QV poderia promover eficácia e segurança aos tratamentos propostos [5].
No entanto, a Qualidade de Vida (QV) é um conceito que, nas últimas décadas,
tem sido alvo crescente de interesse tanto na literatura científica, como entre o público em geral. Na literatura específica, observa-se uma diversidade de significados para
o termo QV, com variadas abordagens teóricas e inúmeros métodos para a medida do
conceito. Instrumentos que mensurem a QV têm sido desenvolvidos e avaliados, uma
vez que permitem a identificação dos problemas em áreas relativas ao estado emocional e estado físico geral, bem como a interação social e o delineamento de programas
adequados de intervenção, possibilitando um acompanhamento multidisciplinar ao
paciente oncológico [3].
Recentemente, o conceito de Qualidade de Vida Relacionado à Saúde (QVRS) passou a ser considerado de extrema importância, pois revelou que a eficácia do tratamento
não pode ser determinada simplesmente pela perspectiva do tempo livre de doença ou
de sobrevida. Partindo dessa premissa, a pesquisa buscou avaliar a QVRS dos pacientes oncológicos sob cuidados paliativos cadastrados no Centro Ambulatorial de Tratamento de Câncer, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul, em 2011. Além da
interface com a pesquisa, esse trabalho também visa o envolvimento multiprofissional,
a fim de fomentar discussões e o aprimoramento profissional em relação à assistência
ao paciente oncológico.
Diversos estudos têm proposto, a partir de delineamentos qualitativos e quantitativos
(esse último, por meio de instrumentos genéricos e específicos), identificarem, mensurarem e avaliarem domínios afetados pela doença no indivíduo com câncer. Considera-se um desafio a aplicação clínica frente aos domínios propostos a serem avaliados e
122
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde de Pacientes Oncológicos sob Cuidados Paliativos
mensurados, pois compreende-se os inúmeros efeitos colaterais e secundários advindos
do câncer e de seu tratamento, como alterações estéticas (mutilações), sociais, funcionais e de comportamento, os quais incidem de forma peculiar em cada sujeito.
Mesmo com o uso crescente no âmbito nacional e internacional de escalas de avaliação de QV, não há no Brasil uma medida de avaliação desse constructo voltada especificamente para a população em cuidados paliativos. Por isso, teve início a tradução,
a adaptação cultural e a validação no Brasil do instrumento Palliative Outcome Scale
(POS), que apresenta validade convergente satisfatória quando comparado às dimensões do EORTC QLQ C-30 [2].
No entanto, a maioria dos instrumentos (94,4%) busca avaliar a QV do paciente de
forma multidimensional, incluindo aspectos físicos, emocionais, sociais, econômicos,
espirituais, além do relacionamento com a família e com a equipe de saúde. Entende-se
que essa tendência seja decorrente da compreensão de que as necessidades dos pacientes oncológicos sob cuidados paliativos devem ser identificadas de forma absoluta, a
fim de implementar medidas pautadas no alívio do sofrimento e na melhora da QV [2].
M AT E R I A I S E M É T O D O
Tipo de Estudo
Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, descritivo e de corte transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco (CEP/
UCDB), processo nº 008/11, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Local do Estudo
O estudo foi realizado no Hospital do Câncer, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul.
Coleta de Dados
Para a coleta de dados foi utilizado um questionário de identificação, construído para
a coleta de dados sociodemográficos (idade, escolaridade, sexo, cor, estado civil, religião, atividade laboral, renda mensal e familiar, prática de atividades físicas) e dos dados
clínicos e terapêuticos (quantidade de internações após a confirmação do diagnóstico
oncológico, tipo de tratamento – quimioterapia e/ou radioterapia – duração do tratamento e diagnóstico clínico). Para a avaliação da QVRS, utilizou-se o instrumento European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire
– Core 30 (EORTC QLQ C-30), considerado um questionário de Qualidade de Vida
Relacionado à Saúde (QVRS) devidamente validado para a população brasileira para
uso específico em pacientes com câncer [1].
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.121-130, nov. 2013
123
Análise dos Dados
Após a coleta sistemática em 70 participantes, os dados foram inseridos em planilhas
do software Excel e, em seguida, deu-se a análise estatística. Para a caracterização da
amostra, foi realizada uma análise descritiva dos resultados, com frequência absoluta e
relativa. A caracterização da amostra foi comparada com os domínios do instrumento
EORTC QLQ C-30 por meio do teste não paramétrico da Mediana de Mood. Esse teste
é indicado quando se compara grupos pequenos ou quando há ausência de distribuição
normal de probabilidade, pois altera minimamente os resultados atípicos observados.
O teste da Mediana de Mood foi utilizado nessa amostra devido a disparidade apresentada em todos os domínios, isto é, distribuição anormal de probabilidade. O programa utilizado foi Minitab na versão 14.0 for Windows. O nível de significância foi de 5%
(p≤0.05), ou seja, todos aplicados com 95% de confiabilidade.
R E S U LTA D O S
A amostra inicial, com 105 participantes, foi selecionada de forma conveniente, mediante critérios de inclusão. Porém, cinco dos indivíduos selecionados participaram apenas
do projeto piloto, a fim de verificar a viabilidade, adaptação e o tempo de duração da
pesquisa. Apenas 70 entrevistas foram concluídas, devido a 30 dos pacientes selecionados faltarem ou irem a óbito. A coleta foi obtida entre os meses de junho e julho de 2011,
mediante agendamento hospitalar de retorno ou consulta. A abordagem se deu antes
ou após a realização do atendimento terapêutico (quimioterapia ou radioterapia) ou da
consulta médica. No entanto, a amostra se caracterizou de forma homogênea, uma vez
que todos os pacientes estavam em seguimento ambulatorial de tratamento paliativo.
Em relação ao perfil das variáveis sociodemográficas ocupacionais e terapêuticas
(Tabela 1), evidenciamos o predomínio do sexo masculino (65,71%) com a prevalência do câncer de próstata. A maior frequência foi de 60 anos (60%), cor predominante
branca (65,71%), católicos (81,43%), casados (68,57%), ensino fundamental incompleto
(77,14%), não exercem atividades laborais (81,16%), renda familiar bruta com mais de
um salário mínimo (76,81%).
Percebeu-se que os participantes da pesquisa eram advindos de diferentes estratos
sociais e a renda familiar bruta era, em geral, de pouco mais de dois salários mínimos,
o que pode dificultar o acesso à escolaridade e, consequentemente, à adesão de informações pertinentes à prevenção e ao tratamento adequado do câncer. Também, nota-se que, a maioria possui um vínculo religioso, podendo ser o principal responsável em
motivá-los a continuar o acompanhamento e o tratamento clínico.
A maioria dos participantes não praticava alguma atividade física
(65,71%) e sua terapêutica não ultrapassou cinco anos (60%). Foram submetidos a
dois tipos de tratamentos oncológicos – quimioterapia e radioterapia – (60,29%) durante o curso da doença, contudo, tiveram apenas uma internação (55,07%). Outro
fato que merece destaque é a procedência da população em estudo, embora 55,38% do
total fossem de Dourados/MS, os demais participantes eram de regiões próximas, e a
124
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde de Pacientes Oncológicos sob Cuidados Paliativos
maioria dependia de transporte fornecido pela prefeitura de sua cidade de origem, o
que demandava tempo de espera e de deslocamento. Além disso, observou-se que o
atendimento é realizado por ordem de chegada e o tempo de espera no ambulatório
para consulta ou tratamento específico é, na maioria das vezes, demorado.
Na Tabela 2 apresentamos o percentual de diagnósticos dos pacientes participantes do estudo, com predomínio do sexo masculino (65,71%) com câncer de próstata
(37,14%) e câncer de esôfago (12,86%), seguido do câncer de mama no sexo feminino
(21,43%). Devido à disparidade no restante dos diagnósticos, não houve valor estatisticamente significativo a ser discutido.
Tabela 1 – Perfil das variáveis sociodemográficas ocupacionais e terapêuticas dos pacientes
atendidos no Hospital do Câncer – Dourados/MS, 2011.
Vari áveis
Sexo
Escolaridade
Religião
Praticante da Religião
Cor
Estado Civil
Trabalha
Aposentado
Afastado
Atividade Física
Terapêutica
Tratamento
Idade
N
%
Feminino
24
34,29%
Masculino
46
65,71%
Até Fundamental incompleto
54
77,14%
Fundamental ou mais
16
22,86%
Católico
57
81,43%
Outros
13
18,57%
Não
10
14,71%
Sim
58
85,29%
Branca
46
65,71%
Outras
24
34,29%
Casado
48
68,57%
Outros
22
31,43%
Não
56
81,16%
Sim
13
18,84%
Não
33
47,14%
Sim
37
52,86%
Não
14
42,42%
Sim
19
57,58%
Não
46
65,71%
Sim
24
34,29%
Até cinco anos
42
60,00%
Acima de cinco anos
28
40,00%
Dois
41
60,29%
Um
27
39,71%
Até 60 anos
28
40,00%
Mais que 60 anos
42
60,00%
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.121-130, nov. 2013
125
Salário
Renda Familiar Bruta
Internações
Até um s.m.
50
73,53%
Mais que um s.m.
18
26,47%
Até um s.m.
16
23,19%
Mais que um s.m.
53
76,81%
Até uma
38
55,07%
Mais que uma
31
44,93%
Tabela 2 – Percentual de diagnósticos dos pacientes atendidos no Hospital do Câncer –
Dourados/MS, 2011.
*Se uma hipótese for rejeitada
quando deveria ser aceita,
diz-se que foi cometido o
Erro Tipo I. Se por outro lado,
for aceita uma hipótese que
deveria ser rejeitada, diz-se
que foi cometido um Erro Tipo
II. Em ambos os casos ocorreu
uma decisão errada ou erro
de julgamento (SIEGEL et al.,
2006).
126
Diagnóstico
n
%
Próstata
26
37,14%
Mama
15
21,43%
Esôfago
9
12,86%
Pulmão
4
5,71%
Intestino
2
2,86%
Mieloma múltiplo
2
2,86%
Colón
2
2,86%
Coluna
2
2,86%
Estômago
1
1,43%
Glândula parótida
1
1,43%
Sarcoma de partes moles
1
1,43%
Laringe
1
1,43%
Melanoma de pálpebra
1
1,43%
Pâncreas
1
1,43%
Reto
1
1,43%
Rim
1
1,43%
Tireoide
1
1,43%
Útero
1
1,43%
Total
70
100,00%
Nesse estudo, todos os domínios no instrumento EORTC QLQ C-30 apresentaram
distribuição anormal de probabilidade. Porém, em decorrência dos testes terem sido
feitos com 95% de confiabilidade, espera-se que 0,75% dos 15 resultados significativos
talvez não sejam coerentes para afirmar melhor ou pior QV, mas sim obra do acaso (Erro
Tipo I)*, como demonstrado nos resultados da escolaridade em relação ao domínio
NAV, da religião e do estado civil em relação ao domínio FAD [6].
Tal instrumento EORTC QLQ – C30 (version 3) possui cinco escalas funcionais:
funções física, cognitiva, emocional e social e desempenho de papel; três escalas de
sintomas: fadiga, dor e náusea/vômito, uma escala de saúde global/qualidade e vida;
cinco outros itens que avaliam sintomas comumente relatados por doentes com câncer:
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde de Pacientes Oncológicos sob Cuidados Paliativos
dispneia, perda de apetite, insônia, constipação e diarreia, além de um item de avaliação
de impacto financeiro do tratamento e da doença [1].
Os escores das escalas e das medidas variam de zero a 100, sendo que um valor alto
do escore representa um alto nível de resposta. Assim, se o escore apresentado na escala funcional for alto, representa um nível funcional saudável, enquanto que um escore
alto na escala de sintomas, representa um nível alto de sintomatologia e efeitos colaterais. Os escores dos domínios para o EORTC QLQ – C30 (version 3) são calculados
multiplicando-se por quatro, a média de todos os itens incluídos dentro do domínio. A
avaliação dos resultados é feita mediante a atribuição de escores para cada questão, os
quais podem ser transformados numa escala de zero a 100, onde zero corresponde a uma
pior QV, e 100 a uma melhor QV. Porém, cada domínio é analisado separadamente [1].
Contudo, mediante a comparação das variáveis do Questionário Sociodemográfico
Ocupacional (QSDO) em relação aos domínios do QLQ – C30, a Tabela 3, demonstrou melhor coerência à QV em indivíduos:
»» Aposentado (p = 0,009): indivíduos aposentados em relação ao domínio DIF, tiveram (mediana = 0,00) < escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Afastado (p = 0,003): indivíduos que não estão afastados de suas atividades laborais,
em relação ao domínio FS, tiveram (mediana = 83,30) > escore, indicando melhor
QV nesse domínio.
»» Duração da Terapêutica (p = 0,019): indivíduos que estão em tratamento de até
cinco anos, em relação ao domínio FF, tiveram (mediana = 80,00) > escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Duração da Terapêutica (p = 0,049): indivíduos que estão em tratamento de até
cincos anos, em relação ao domínio FE, tiveram (mediana = 100,00) > escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Duração da Terapêutica (p = 0,049): indivíduos que estão em tratamento de até
cinco anos, em relação ao domínio FC, tiveram (mediana = 100,00) > escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Quantidade de Tratamento (p = 0,002): indivíduos que realizam apenas um tipo
de tratamento (quimioterapia ou radioterapia), em relação ao domínio FAD, tiveram (mediana = 11,10) < escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Quantidade de Tratamento (p = 0,020): indivíduos que realizavam apenas um
tipo de tratamento (quimioterapia ou radioterapia), em relação ao domínio DOR,
tiveram (mediana = 0,00) < escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Idade (p = 0,048): indivíduos com idade até sessenta anos, em relação ao domínio DIS, tiveram (mediana = 0,00) < escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Renda (p = 0,019): indivíduos que possuem até um salário mínimo, em relação
ao domínio EGS/QV, tiveram (mediana = 91,70) > escore, indicando melhor QV
nesse domínio.
»» Internações (p = 0,048): indivíduos que tiveram até uma internação desde o diagnóstico oncológico confirmado, em relação ao domínio FC, tiveram (mediana =
100,00) > escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Internações (p = 0,031): indivíduos que tiveram até uma internação desde o
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.121-130, nov. 2013
127
diagnóstico oncológico confirmado, em relação ao domínio INS, tiveram (mediana = 0,00) < escore, indicando melhor QV nesse domínio.
»» Internações (p = 0,006): indivíduos que tiveram mais que uma internação desde o
diagnóstico oncológico confirmado em relação ao domínio DIF, tiveram (mediana
= 33,30) > escore, indicando melhor QV nesse domínio.
Tabela 3 – Comparação das variáveis do QSDO em relação aos domínios do EORTC
QLQ – C30 dos pacientes atendidos no Hospital do Câncer – Dourados/MS, 2011.
Domí nio
Vari ável
n≤
n≥
M ediana
Até Fundamental incompleto
36
18
0,00
Fundamental ou mais
15
1
0,00
Católico
36
21
11,10
Outros
4
9
22,20
Casado
33
15
11,1
Outros
7
15
22,2
Não
12
21
33,30
Sim
25
12
0,00
Não
3
11
83,30
Sim
14
5
66,70
Até cinco anos
18
24
80,00
Acima de cinco anos
20
8
66,70
p
ESC O L AR I D ADE
NAV
0,032
RELIGIÃO
fad
0,033
ESTADO CIVIL
fad
0,004
APOSENTADO
dif
0,009
AFASTADO
fs
0,003
DURAÇÃO DA TERAPÊUTICA
ff
fe
fc
Até cinco anos
20
22
100,00
Acima de cinco anos
20
8
83,30
Até cinco anos
20
22
100,00
Acima de cinco anos
20
8
83,30
Dois
18
23
22,20
Um
22
5
11,10
Dois
14
27
16,70
Um
17
10
0,00
Até 60 anos
24
4
0,00
Mais que 60 anos
27
15
0,00
Até um s.m.
4
12
91,70
Mais que um s.m.
31
22
83,30
0,019
0,049
0,049
QUANTIDADE DE TRATAMENTO
fad
dor
0,002
0,020
IDADE
dis
0,048
RENDA
egs/qv
128
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde de Pacientes Oncológicos sob Cuidados Paliativos
0,019
INTERNAÇÕES
fc
ins
dif
Até uma
18
20
100,00
Mais que uma
22
9
83,30
Até uma
28
10
0,00
Mais que uma
15
16
33,30
Até uma
26
12
0,00
Mais que uma
11
20
33,30
0,048
0,031
0,006
Notamos que os resultados caracterizaram melhor QV nos indivíduos abaixo de 60
anos em relação à DIS (um sintoma comumente referido por pacientes oncológicos)
aposentados em relação à DIF, nos que não estavam afastados de suas atividades laborais em relação à FS e aos indivíduos que possuíam até um salário mínimo em relação
à EGS/QV. Porém, em relação às variáveis terapêuticas, os resultados foram melhores
em indivíduos que estavam em terapêutica de até 5 anos, em relação aos domínios FF,
FE e FC. Já os que realizavam apenas um tipo de tratamento obtiveram melhor QV em
relação aos sintomas FAD e DOR. E, por fim, os sujeitos que foram submetidos a pelo
menos uma internação desde o diagnóstico confirmado, mostraram melhor resultado
em relação a três escalas distintas, respectivamente, nos domínios FC, INS e DIF.
Dessa forma, os resultados demonstraram que a identificação objetiva dos domínios,
quando correlacionados às variáveis sociodemográficas ocupacionais, pode favorecer o
direcionamento das intervenções assistenciais que a equipe multidisciplinar oferece ao paciente oncológico em relação ao enfrentamento da doença e aos efeitos adversos do tratamento, no qual, ocasionalmente, pode comprometer a qualidade de vida dessa população.
REFERÊNCIAS
[1] BRABO, E. P. Validação para o Brasil do questionário de QV para pacientes
com câncer de pulmão QLQ LC 13 da organização Européia para a Pesquisa
e Tratamento do Câncer. Dissertação (Mestrado em Clínica Médica) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
[2] CORREIA, F. R. Tradução, adaptação cultural e validação inicial no Brasil
da Palliative Outcome Scale (POS). Dissertação (Mestrado em Enfermagem
em Saúde Pública) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de
São Paulo, Ribeirão Preto, 2012.
[3] KIMURA, M.; SILVA, J. V. Índice de qualidade de vida de Ferrans e Powers.
Revista de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 43, n. esp, dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342009000500014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 01 nov. 2013. http://
dx.doi.org/10.1590/S0080-62342009000500014
[4] MACHADO, S. M.; SAWADA, N. O. Avaliação da qualidade de vida de pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico adjuvante. Texto Contexto de Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, out/dez., 2008. Disponível em:
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.121-130, nov. 2013
129
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072008000400017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 Nov. 2013. http://
dx.doi.org/10.1590/S0104-07072008000400017.
[5] NUCCI, N. A. G.. Qualidade de vida e câncer: um estudo compreensivo. 2003.
Tese (Doutorado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2003. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59137/tde-27012004-222429/>.
Acesso em: 11 mar. 2012.
[6] SIEGEL, S. et al. Estatística não-paramétrica para ciências do comportamento.
Porto Alegre: Artmed, 2006.
fisioterapeuta, enfermeira, mestre em Psicologia da Saúde da
Universidade Católica Dom Bosco (UCDC). Docente do Centro Universitário da Grande Dourados
(UNIGRAN) – e-mail: [email protected]
CINTIA RACHEL GOMES SALES
médico psiquiatra, doutor em Ciências Médicas da UNICAMP e pós-doutor da Universidade de Lisboa. Docente da Universidade Católica Dom Bosco
JOSÉ CARLOS ROSA PIRES
IDALINA CRISTINA FERRARI JÚLIO
enfermeira e especialista em Oncologia. Docente da Uni-
versidade Estadual de Mato Grosso do Sul
130
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde de Pacientes Oncológicos sob Cuidados Paliativos
Revista Cultura e Extensão USP
Volume 10, nov. 2013
131
132
Segunda Sem Carne na Faculdade de Saúde Pública: um Projeto de Intervenção
Instruções para o Preparo e
Encaminhamento dos Trabalhos
Instructions for Preparing and Forwarding of Papers
P reparação
Os trabalhos devem ter no mínimo 10 e no máximo 15 páginas, incluindo a referência bibliográfica. Se no trabalho houver a inclusão de imagem (s), esta (s) deverá (ão) ser enviada (s) em outro arquivo, com formato JPG e com resolução de, no mínimo, 400 dpis.
T í tulo do T rabal h o
Deve ser breve e indicativo da finalidade do trabalho. O título deverá ser apresentado
em português e em inglês.
A utor ( es )
Por extenso, indicando a (s) instituição (ões) à (s) qual (ais) pertence (m). O autor
para correspondência deve ser indicado com asterisco, fornecendo endereço completo, incluindo o eletrônico.
R esumo em português
Deve apresentar, de maneira resumida, o conteúdo, a metodologia, os resultados e as
conclusões do trabalho, não excedendo a 200 palavras.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.133-137, nov. 2013
133
Palavras - C h ave
Observar o mínimo de 3 (três) e o máximo de 5 (cinco). As palavras-chave em inglês
(keywords) devem acompanhar as em português.
R esumo em inglês
Deve conter o título do trabalho e acompanhar o conteúdo do resumo em português.
No caso de trabalhos escritos em língua inglesa, deverá ser apresentado um resumo
em português.
I ntrodução
Deve estabelecer com clareza o objetivo do trabalho. Extensas revisões de literatura
devem ser substituídas por referências aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde
tais revisões tenham sido apresentadas.
M ateriais e métodos
A descrição dos métodos usados deve ser breve, porém suficientemente clara para possibilitar a perfeita compreensão e repetição do trabalho. Estudos em humanos devem
fazer referência à aprovação do Comitê de Ética correspondente.
R esultados
Deverão ser acompanhados de tabelas e material ilustrativo adequado.
D iscussão
Deve ser restrita ao significado dos dados e resultados alcançados.
C onclusões
Quando pertinentes, devem ser fundamentadas no texto.
134
Instruções para o Preparo e Encaminhamento dos Trabalhos
R eferências
A exatidão das referências bibliográficas é de responsabilidade dos autores. Elas devem
ser organizadas de acordo com as instruções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 6023 e ordenadas alfabeticamente no fim do artigo, incluindo os
nomes de todos os autores.
C itações no te x to
As citações bibliográficas inseridas no texto devem ser indicadas por numerais arábicos
entre colchetes. Quando for necessário mencionar o (s) nome (s) do (s) autor (es) no
texto, a seguinte deverá ser obedecida:
»» Até 3 (três) autores: citam-se os sobrenomes dos autores;
»» Mais que 3 (três) autores, cita-se o sobrenome do primeiro autor, seguido da expressão
latina et al.;
»» Caso o nome do autor não seja conhecido, a entrada é feita pelo título.
C itações na lista de referências
A literatura citada no texto deverá ser listada em ordem alfabética e numerada de forma sequencial, usando numerais arábicos entre colchetes. A lista de referências deve seguir os padrões mínimos estabelecidos pela ABNT NBR 6023, de agosto de 2002, resumidos a seguir:
Livro no todo
Autor (es), título em negrito, edição, local, editora e ano de publicação.
Exemplo: BACCAN, N.; ALEIXO, L. M.; STEIN, E.; GODINHO, O. E. S. Introdução
à semimicroanálise qualitativa. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
Livro em parte
Autor (es) e título da parte, acompanhados da expressão in, da referência completa do
livro, do capítulo e da paginação.
»» Exemplo: SGARBIERI, V. C. Composição e valor nutritivo do feijão Phaseolus vulgaris L. In: BULISANI, E. A. (Ed.). Feijão: fatores de produção e qualidade. Campinas: Fundação Cargill, 1987. cap. 5, p. 257-326.
Rev. Cult. Ext. USP, São Paulo,
n. 10, p.133-137, nov. 2013
135
Artigo em publicação periódica
Autor (es) e título da parte, título da publicação em negrito, local (quando possível),
volume, fascículo, paginação, data de publicação.
»» Exemplo: KINTER, P. K.; van BUREN, J. P. Carbohydrate interference and its
correction in pectin analysis using the m-hydroxydiphenyl method. Journal Food
Science, v. 47, n. 3, p. 756-764, 1982.
Artigo apresentado em evento
Autor (es), título da parte, seguido da expressão in:, título do evento, numeração do
evento (se houver), local (cidade) e ano de realização, título da publicação em negrito,
local, editora, data de publicação e paginação.
»» Exemplo: BRAGA, A. L.; ZENI, G.; MARTINS, T. L.; STEFANI, H. A. Síntese
de calcogenoeninos. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
QUÍMICA, 18, Caxambu, 1995. Resumos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Química, 1995. res. QO-056.
Dissertação, tese e monografia
Autor, título em negrito, ano da defesa, número de páginas, descrição do trabalho acadêmico, grau e área de conhecimento, a vinculação acadêmica, local e ano de aprovação.
»» Exemplo: CAMPOS, A. C. Efeito do uso combinado de ácido láctico com diferentes proporções de fermento láctico mesófilo no rendimento, proteólise,
qualidade microbiológica e propriedades mecânicas do queijo minas frescal.
2000. 80p. Dissertação (Mestre em Tecnologia de Alimentos) – Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.
Trabalho em meio eletrônico
As referências devem obedecer aos padrões indicados, acrescidas das informações relativas à descrição física do meio eletrônico (disquete, CD-ROM, on-line etc.), de sua
localização (em caso de páginas eletrônicas) e data de acesso.
»» Exemplo: SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Tratados e organizações ambientais em matéria de meio ambiente. In: _______. Entendendo o
meio ambiente. São Paulo: SMA, 1999. p. 7-14. Disponível em: <http://www.bdt.
org.br/sma/entendendo/atual.htm>. Acesso em: 8 mar. 1999.
136
Instruções para o Preparo e Encaminhamento dos Trabalhos
Legislação
Jurisdição e órgão judiciário competente, título, numeração, data e dados da publicação.
»» Exemplo: BRASIL. Portaria nº. 451, de 19 de setembro de 1997. Regulamento técnico
princípios gerais para o estabelecimento de critérios e padrões microbiológicos para
alimentos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo,
Brasília, DF, 22 set. 1997, Seção 1, n. 182, p. 21005-21011.
A gradecimentos
Agradecimentos e outras formas de reconhecimento devem ser mencionados após a
lista de referências.
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Título Revista Cultura e Extensão USP
Revisão de texto Mônica Gama e Priscila Conde
Projeto gráfico Ricardo Assis – Negrito Produção Editorial
Coordenação de
Produção Gráfica Verônica Cristo e Vitor Borysow
Editoração Eletrônica Guilherme Zorzella
Formato 205 x 265 mm
Fontes Avenir e Arno Pro
Papel do miolo Alta alvura 90 g/m²
Papel da capa Cartão Duo Design 350 g/m²
Número de páginas 140
CTP, impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
C a n ç ã o P o p u l a r V e r s u s A u t o r i ta r i s m o ( O s M i l i ta r e s N o P o d e r ) » A N e c e s s i d a d e d e A ç õ e s A rt i c u l a d a s n a
C u lt u r a e E x t e n s ã o » P e r s p e c t i va s d a E x t e n s ã o U n i v e r s i tá r i a n o P r o j e t o T r o c a D e S a b e r e s d a U n i v e r s i d a d e d o E s ta d o d e S a n ta C ata r i n a ( U d e s c ) » R e g i ã o C e n t r a l H i s t ó r i c a d e S a n t o s e o T e r r i t ó r i o U s a d o :
S í n t e s e d e M ú lt i p l a s D e t e r m i n a ç õ e s » D e s e n v o lv i m e n t o Pa r t i c i pat i v o d e u m S u p o r t e pa r a A l m o fa d a d a s R e n d e i r a s d e B i l r o d o M u n i c í p i o d e S a u b a r a , B a h i a » S i s t e m a E s t r u t u r a l e C o n s t r u t i v o
d o M ó d u l o ( M ) e m M a d e i r a c o m o I n s t r u m e n t o d e Ap r o x i m a ç ã o S o c i a l n a P r o m o ç ã o d a C i d a d a n i a
d e C r i a n ç a s e J o v e n s S o c i a l m e n t e V u l n e r áv e i s » S a ú d e P ú b l i c a a o A l c a n c e d a P o p u l a ç ã o : O Pa p e l
d a s B i b l i o t e c a s V i r t u a i s n a s R á d i o s C o m u n i tá r i a s
» S e g u n d a S e m C a r n e n a Fa c u l d a d e d e S a ú d e
P ú b l i c a : U m P r o j e t o d e I n t e r v e n ç ã o » Q u a l i d a d e d e V i d a R e l a c i o n a d a à S a ú d e d e Pa c i e n t e s O n c o l ó g i c o s s o b C u i d a d o s Pa l i at i v o s

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