Belém - Casa 21

Belém não é uma; são muitas.
Uma cidade que possui tantas mangueiras e um passado aristocrático, encravada em
meio a uma exuberante floresta, não deixa de fascinar nunca. Seu encanto, meio caboclo, meio
português, algo francês e totalmente brasileiro, povoa o imaginário de muitas pessoas. Por isso,
a Companhia Vale do Rio Doce, que há décadas está presente na vida do Pará, buscou uma
resposta a um desafio: como render homenagem a uma capital onde a diversidade se desdobra
da culinária à música, da natureza à paisagem urbana?
Uma das respostas está no Cultura Pará, um projeto que celebra o melhor da produção do
Estado, de sua herança arqueológica à música regional, passando pela fotografia, a dança e
todas as vertentes que tornam o Pará único. Neste ano, a Vale, por meio de exposições de
fotografia, mostra o altíssimo nível dos artistas paraenses, que se valem do olhar e do talento
para mostrar sua visão do mundo e da arte. Mas decidimos ir além; afinal, a rica história do
Estado ganhou, ao longo dos séculos, temperos inusitados, como a influência francesa, no final
do século XIX. À época, no auge do Ciclo da Borracha, Belém era uma metrópole de enorme
influência, fortemente sintonizada com sua referência, Paris.
Hoje, ao revisitar seu passado e celebrar sua riqueza humana, cultural e artística, escolhemos
um mensageiro para dar uma das possíveis respostas ao desafio que formulamos: o quadrinista
Jean-Claude Denis, cuja nacionalidade francesa não poderia ser mais adequada para ajudar a
revelar Belém. Dentro do projeto Cidades Ilustradas, apoiado pela Vale, Denis deixou-se
impregnar pela cidade, registrando seus cantos, pessoas, humores, cotidiano.
O resultado, que você folheia nas próximas páginas, revela cidades insuspeitadas numa
mesma Belém; da herança do casario colonial ao comércio de rua, passando pelos túneis de
mangueiras, o rio onipresente, a amplitude do céu e muitos outros detalhes. Assim, revelada em
muitas faces, Belém se reafirma como sempre foi: única e fascinante.
Boa descoberta!
Patrocínio:
cidades ilustradas
JEAN-CLAUDE DENIS
Belém
Prefácio de Regina Maneschy
Copyright 2005
ISBN 85-88627-08-6
Texto:
Jean-Claude Denis
Tradução:
Giovanni Ribeiro
Revisão (português):
Matteo Viola e Denise Cenci
Versão (inglês):
Renato Rezende
Arte Final:
www.ArquimedesEdicoes.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ
D459c
Denis, Jean-Claude, 1951/ Jean-Claude Denis ; prefácio de Regina Maneschy ; (tradução de
Giovanni Ribeiro de Barros). - Rio de Janeiro : Casa 21, 2005
72p. : il. ; - (Cidades Ilustradas)
ISBN 85-88627-08-6
1. Belém (PA) - Obras ilustradas. 2. Belém (PA) - Descrições e
viagens. 3.Salvador Belém (PA) na literatura.
I. Título. II. Título: Belém
05-2389.
29.07.05
CDD 918.1151
CDU 913 (811.51)
28.07.05
Todos os direitos desta edição reservados à:
Casa 21 Ltda
Rua do Catete, 92 – casa 21
22220-000 Rio de Janeiro RJ
Tel.: (21) 2205-8661
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011063
Bembelelém! Viva Santa Maria de Belém do Grão Pará!
Felizes somos todos nós que temos a ventura de viver na cidade muito nossa de Santa Maria de Belém do Grão Pará.
Diria que é a mais bela cidade do norte do Brasil, de um aspecto encantador, com suas duas frentes voltadas para o rio.
Uma que se inicia na doca Ver-o-Peso, antiga doca da Imperatriz, e se estende pela Estação das Docas, pela doca do
Imperador no Reduto e vai se espraiando pela foz do rio até depois de Icoaraci; e a outra que começa no Forte do Castelo
e vai subindo o rio pela Casa das Onze Janelas, Arsenal de Marinha, Mangal das Garças, seguindo pelas margens do
Guamá. Beleza eterna da paisagem. Por terra a cidade se espalha preguiçosa, em direção às zonas do Salgado e Bragantina.
Dividida entre a suntuosidade do passado e a construção do futuro, Belém hoje nasce e renasce.
A cidade que tem a maior festa religiosa do país, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, e que teve a primeira catedral
de todo o Brasil, mandada construir junto com o palácio do governo por Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de
Pombal, foi totalmente urbanizada, nos fins do século XIX início do século XX, por uma elite que enriqueceu com a
exportação da borracha.
Hoje nasce e renasce em suas igrejas seculares, na fé maciça das duas maravilhosas igrejas barrocas, a Sé e Santo
Alexandre, antigo Convento dos Jesuítas, agora Museu de Arte Sacra; no Teatro da Paz, no Bosque Rodrigues Alves, nos
modernos edifícios que contrastam com nossas velhas mangueiras. Cidade pomar.
Renasce e nasce a todo dia em nosso povo que recuperou o orgulho de ser paraense, orgulho de nossa cultura, do açaí
e do tacacá e que o pincel de Jean-Claude Denis soube apreender com tanta maestria.
Orgulho das velas encarnadas, verdes, azuis, da doca de Ver-o-Peso. Junção de cores que só é bela em Belém.
É a Belém que temos, deixamos de ter e que estamos construindo. É nossa alma que Denis capta ao apanhar mulheres
e homens nas ruas, prédios, gestos. Não qualquer pessoa, mas paraenses nas ruas, diante de prédios que poderiam estar em
um lugar qualquer, porém, pessoas que só poderiam estar neste lugar. Apodera-se, com seu pincel, do nosso jeito de ser, do
nosso paraensismo, o que faz com que estas aquarelas só possam ser Belém, cada canto, cada casa, cada rua.
A Companhia Vale do Rio Doce e a Casa 21 foram muito felizes em projetar este livro e mais felizes em entregá-lo a
Jean-Claude Denis.
E Belém? Agora só nos cabe usufruir Belém na beleza das aquarelas de Jean-Claude Denis.
Bembelelém! Viva Belém! Cidade gostosa, eu te quero bem!
Maria Regina Maneschy Faria Sampaio
PS. Desculpe Manuel Bandeira pelo abuso e obrigada pela inspiração.
Tempestade 1982
De minha primeira viagem a Belém, nos anos 80, eu guardava na memória um
porto de pesca banhado de uma luz irreal e vibrando de animação, de ruídos, de
cheiros desconhecidos. Uma mistura inexplicável de sensações sutis e violentas,
como saídas de um sonho. Eu guardava ainda outra imagem, esta mais palpável,
mas um tanto quanto perturbadora, porque trata-se de uma foto tirada à beira do
rio ao aproximar-se uma tempestade. Preparando minha viagem, observo
freqüentemente essa foto estranha. Além do fenômeno meteorológico em curso,
algo parece anormal. Onde estariam os reflexos do barco? A água é tão fosca
que ele parece pousado sobre a areia. Se uma meta for necessária para esta nova
viagem, será a de captar um pouco dessa luz insólita.
O porto
Se o porto de pesca é esse lugar mágico cuja memória se recusa a se apagar com
os anos, é, primeiro, porque está no centro de um imenso mercado onde se
vende tudo que a Amazônia pode produzir de frutas e legumes, peixes, carnes,
animais vivos, artesanato, especialidades culinárias, ervas e outras poções
medicinais. E também porque é dominado pelas elegantes construções de ferro
do “Ver-o-Peso”, onde se pode ver e pesar o que se compra. As construções
vêm de uma bela época antiga, mas num estilo definitivamente fora do tempo.
Ao amanhecer, quando a luz do dia supera pouco a pouco a iluminação elétrica,
os pescadores são, por fim, os únicos a aproveitar algumas horas de descanso,
esperando voltar para o alto-mar para uma nova temporada de pesca.
O mercado de peixe
Então é isso que a opacidade amarela das águas do rio esconde! Douradas,
filhotes, piranhas, tucunarés, piramutabas... Num primeiro momento, não é fácil
para um visitante estrangeiro se desprender de um olhar de zoólogo e considerar
os peixes que cobrem as bancadas como comida. As formas, as cores, o tamanho,
tudo atrai a atenção (e levará à prudência em eventuais futuros mergulhos).
Vendo os homens de branco, limpos como enfermeiros, manipular e cortar essas
espécies pela maioria desconhecidas, quase se esquece a arquitetura luminosa
deste hall construído no início do século. Numa época em que a borracha tinha
tornado alguns tão ricos que mandavam seus vestidos para limpar... na França.
O mercado de carne
O ferro, sem dúvida, não é o material mais indicado para resistir aos ataques do
clima equatorial. Não combina com a taxa de umidade ambiente. Entretanto, foi
escolhido pelos mestres de obra da época para construir esta parte do Ver-oPeso. Fabricados na Inglaterra e entregues em Belém em peças separadas, os
diversos elementos deste prédio foram armados como num jogo de montar
gigante. Quando se tem conhecimento das reservas quase inesgotáveis de madeira
que então rodeavam a cidade, é surpreendente constatar que os arquitetos da
época (como freqüentemente os contemporâneos) foram mais sensíveis às formas
da moda e aos materiais em voga do que às considerações mais práticas. Não
serei eu a reclamar, já que a ferrugem é mantida a distância graças a regulares
camadas de pintura rosa, verde e vermelha do mais belo efeito.
Maré baixa
Sob certos aspéctos, Belém lembra uma ilha. A baía de Guajara ao norte, o rio
Guama ao sul e ao oeste e a floresta (outra imensidão uniforme e ondulante,
apesar de não ser líquida) por toda parte. A cidade dá a impressão de estar
isolada do resto do mundo. Para onde se olhe ao largo, a estreita faixa de
vegetação que fecha o horizonte parece pertencer à beira oposta do rio, quando
se trata, em realidade, de um conjunto de ilhas (umas quarenta, de qualquer
forma), separado do outro lado por uma igual quantidade de água. Tudo é gigante,
água por toda parte. Quando não está ocupada em descer e subir com o ritmo da
maré (o oceano fica apenas a... 130 km!) e com as enchentes do Amazonas, ela
se condensa em vapor, depois em nuvens e acaba, inevitavelmente, por cair sob
forma de chuva.
A chuva
O ciclo da água é particularmente perceptível de dezembro a maio, porque chove
quase todos os dias nesse período. Não sei se isto faz a felicidade dos vendedores
de guarda-chuva, mas com certeza lhes garante uma renda regular. À diferença
das chuvas tropicais, geralmente violentas e breves, ninguém sabe quanto tempo
pode durar a chuva equatorial. Um ditado popular diz que, em Belém, na estação
seca chove todo dia e na estação úmida chove o dia todo. Em lojas ou na rua, se
vê vendedor de guarda-chuva por toda parte. Existem modelos de todos os
tamanhos e tons de cor, do mais modesto ao mais chique. Cliente é o que não
falta. Quando a chuva terminar, o guarda-chuva se transformará num guardasol, ainda mais eficiente por ser freqüentemente coberto por um revestimento
metalizado contra raios ultravioletas.
Chef Pio
Todas as cidades podem se vangloriar de ser lugares de contraste. Geralmente
agem como ímãs, o pólo mais rico atraindo, naturalmente, o pólo mais pobre.
Belém não escapa à regra, mas parece se acomodar a ela de um jeito particular.
No ritmo da expansão dos bairros pobres e da verticalização modernista, as
riquezas de ontem ladeiam a miséria de hoje. Os monumentos antigos se fazem
modestos frente aos prédios modernos, os barracos de madeira cercam uma
ilhota de casas chiques. À imagem da exuberância e abundância da natureza
amazonense circunstante, tudo se mistura aqui num caos que lembra mais a
harmonia que a desordem. Uma harmoniosa desordem onde tudo parece querer
se desenvolver e crescer e acaba achando seu próprio lugar. Junto a Nossa
Senhora de Nazaré, os limpadores de carro possuem apenas um pedaço de pano.
Agitam-no para atrair a atenção dos motoristas sobre uma vaga livre e o usam
depois para limpar o carro que guardam. Tudo em suas atitudes indica que os
verdadeiros donos da rua são eles.
Pipa
Não há favelas em Belém. Este tipo de bairro é chamado de “invasão” ou, quando
se situa nas zonas baixas inundáveis, “baixada”. Nos dois casos, trata-se de
instalações irregulares, individuais ou coletivas. Seus moradores não têm mais
do que o mínimo para subsistir, mas não são excluídos (um terço de Belém vive
nesses bairros pobres). Suas palafitas são a réplica exata das que se encontram à
beira de todos os rios da região. Aguardando a instalação oficial, a eletricidade
e a água são “desviadas” dos bairros vizinhos. O maior problema desses bairros
é o saneamento. As águas usadas são freqüentemente despejadas diretamente
debaixo das casas. As reformas são feitas aos poucos, mas raramente são os
primeiros ocupantes a desfrutá-las. Progressivamente a cidade integra esses novos
bairros, enquanto outras “invasões” nascem em outros lugares.
40ºC à sombra.
Segundo os moradores dos bairros pobres, a qualidade da vida depende, muitas
vezes, mais das boas relações de vizinhança, da ajuda mútua e da tranqüilidade
do lugar, do que do acesso a um conforto urbano moderno. Quando o caminho
se torna uma rodovia e o tráfego, o barulho e a agitação invadem o espaço, os
que têm condições serão os primeiros a querer vender e se mudar para outro
lugar. Ao ver as famílias aproveitarem de seus momentos de descanso, jogando
dominó na sombra aqui, ou conversando familiarmente acolá, em frente a suas
casas no final do dia, ao observar as crianças fabricando pipas com sacolas de
plástico ou revezando-se na bicicleta, não esquecemos que a desigualdade social
no Brasil é uma das maiores do mundo, mas não poderemos deixar de admirar
esta verdadeira arte de viver.
Remo
De longe e particularmente visto do rio, o bairro dos negócios, que reúne o
essencial dos grandes prédios do centro, parece com uma pequena Manhattan.
Os prédios são muitos menos altos e, se merecem o nome de arranha-céu, é
porque o céu é muitas vezes mais baixo nessas latitudes. A maioria não conta
mais de 20 ou 25 andares, mas suas proporções são idênticas às de seus irmãos
norte-americanos. Ocupam no solo a exata superfície da antiga casa da qual
tomaram o lugar e comportam apenas um apartamento por andar. Terreno para
construir se faz raro no centro de Belém. Observando bem (na vertical da garça
branca em vôo, à esquerda da imagem), se adivinha uma estátua da liberdade
(de perfil), reconhecível pela sua cor verde-cinzenta, que confirma a vontade de
filiação. Micro clima arquitetônico? A temperatura parece mesmo ser mais alta
aos pés desses prédios que em qualquer outro lugar da cidade. O frescor se
encontra agora nos andares altos ou sobre a água, à condição de não remar
muito forte.
Carroça e cavalo
Os primeiros moradores de um bairro são, em geral, os comerciantes de material
de construção. Fornecem aos recém-chegados os elementos necessários à
fabricação de suas casas. Os especialistas sabem reconhecer a essência e a
qualidade da madeira pelo cheiro. O que exala dos armazéns situados à beira do
rio Guama é bastante desagradável. Parece um pouco com o que esperaríamos
de uma água podre. Por ter assistido à limpeza das águas paradas sob as casas
próximas, feita por um exército de operários municipais de camisa amarela,
posso confirmar que é pior. As enormes quantidades de água pura que caem do
céu explicam, sem dúvida, o fenômeno. Esses depósitos de madeira têm o perfume
de um passado que se recusa a desaparecer. Os poucos cavalos que continuam
a sulcar as avenidas, puxando sua carga de madeira bem no meio do trânsito
(todo contemporâneo), fazem pensar que a cidade não se desenvolva de maneira
uniforme. Se ela se moderniza para cima, continua se estendendo horizontalmente
sobre um modelo arcaico.
A casa de zinco
A posição geográfica de Belém, à beira do delta do Amazonas e próxima do
Equador, explica a taxa de umidade ambiente chegando aos 90%. Uma espécie
de bruma ou de vapor, para ser mais exato, embrulha a cidade e dá à luz uma
qualidade toda particular. Ela é ao mesmo tempo violenta e difusa, como
chegando de todas as direções ao mesmo tempo. Insinua-se por toda parte, aplaina
os relevos, apaga as sombras e faz desaparecer todas as referências. O que causa
alguns probleminhas para o aquarelista não afeta o cego da imagem. Ele, contudo,
evolui em um universo mais perturbador ainda, este realmente privado de sinais,
mas o faz com uma facilidade e uma naturalidade que deixa todo mundo
admirado. Tanto para os carros, quanto para as bicicletas ou o pedestre, as ruas
e as calçadas deste bairro popular são cheias de pequenas armadilhas. Nós
acostumamos tão bem a elas que, de volta à França, a cidade de Paris parece
quase repousante.
O guarda-chuva vermelho
A luz belenense tem poucos equivalentes. Suaviza tão bem as formas que, desde
que se abstraia sua intensidade e o calor equatorial que a acompanha, acreditariase quase de estar... na região de Paris, em algumas épocas do ano. Em certas
ruas do centro, a comparação não se limita à luz. Numerosos edifícios, inspirados
na arquitetura do velho continente, evocam o passado histórico da cidade, desde
sua criação em 1616, e, sobretudo, seus dias de glória no início do século XX.
Da porta pra rua
Entre o estilo colonial português das origens, o estilo art-nouveau da belle époque
francesa, o barroco, o rococó, o estilo império brasileiro e o neoclássico (a gente
se perde um pouco, embora os próprios prédios sejam excelentes marcos
geográficos), é toda a história de uma cidade virada para a Europa que nos salta
aos olhos, por perspectivas às vezes brutais. Ao preço de dispendiosas e
engenhosas reformas, certos edifícios oferecem ao olhar o rosto que tinham há
um século ou mais. O quadro mudou, os prédios modernos os rodeiam, mas eles
desenham a imagem da cidade tão seguramente quanto o rio dá o ritmo à sua vida.
Barcos
Retorna-se sempre ao rio. Dele desprende-se uma força e uma doçura
tranqüilizadoras. Até as pirogas com motor, os pôpôpôs e as embarcações
carregadas de madeira evoluem com uma discrição que a distância parece música.
Uma manhã, enquanto eu sonhava olhando passar as embarcações de formas
variadas, a imagem de uma grande cobra adormecida e protetora me apareceu.
Associar essa imagem à do rio não tem nada de extraordinário. Vistos do avião,
os rios da região têm uma evidente semelhança com a forma desse réptil. A cor,
os reflexos na superfície, a lentidão aparente do fluxo do rio, tudo evoca o animal.
Apesar de tudo, fiquei surpreso ao aprender, um pouco mais tarde nesse dia, que
segundo a lenda cada vilarejo da Amazônia é protegido pelo sono de uma cobra.
Mangueiras
Belém é também conhecida pelo apelido de Cidade das Mangueiras. As
numerosas árvores desta espécie, plantadas no início do século XX ao longo das
avenidas do centro, se tornaram o símbolo da cidade. Dão uma atmosfera
repousante que se procura em vão em outras grandes cidades do Brasil. Tanto
quanto os edifícios antigos de forma perfeitamente equilibrada, elas conferem a
toda uma parte de Belém uma harmonia tal, que a multiplicação de prédios
modernos sem grande interesse estético não consegue romper. Se esses são os
bairros chiques, é em grande parte graças a essas árvores, tornadas majestosas
ao longo do tempo.
Parque
As mangueiras misturam seus ramos com os de outras espécies nos parques e
espaços verdes que arejam os bairros do centro de Belém. Eles foram criados
em uma época em que as grandes cidades da França se dotavam também de
jardins e parques, plantados com essências exóticas, e contribuem a tornar Belém
instantaneamente familiar para o visitante parisiense que eu sou. São a marca
tangível de uma mesma maneira de conceber a cidade, bem sucedida até hoje e
que mereceria inspirar mais projetos de urbanismo. Esses lugares mantêm o
trânsito circunstante a distância e convidam muitos pequenos artesãos a aqui se
instalarem para aproveitar, ao mesmo tempo, de um pouco de frescor e de uma
clientela de transeuntes amantes da sombra e da vegetação.
Xérox
Nos bairros populares, a construção e a decoração exterior das casas são deixadas
à fantasia de seus proprietários. Alguns deles, os mais ricos, rivalizam em
inventividade para diferenciar suas casas das dos vizinhos. O resultado é
absolutamente divertido. Com suas linhas oblíquas, suas fachadas cobertas de
cerâmica ou pintadas em cores vivas, com suas grades e balaustradas de ferro
forjado, elas dão a certas esquinas um ar levemente anárquico e pimpão. Cruzamse muitas garotas bonitas nos bairros de Belém. Muitas vezes é difícil estabelecer
a qual meio social elas pertençam. Elas também rivalizam em inventividade e
elegância para aplicar, cada uma ao seu modo, os critérios da última moda
internacional.
Catedral à noite
A praça D. Frei Caetano Brandão, mais simplesmente chamada Praça da Catedral
(Largo da Sé), é particularmente impressionante à noite. É o coração da cidade.
A Catedral de pedra e alabastro estende sua sombra fantasmagórica sobre um
espaço vazio, atravessado pelos trilhos de um bondinho de uma época que não
existe mais. Não se pode deixar de pensar nas dificuldades que seus construtores
tiveram de superar e no efeito que ela podia produzir, emergindo assim, de
maneira sobrenatural, sobre os homens do século XVIII, acostumados com um
universo uniforme, ocupado sobretudo pela floresta. Na hora em que os
vendedores de coco fecham suas barracas, todas as luzes são dirigidas sobre ela.
As sombras que vagam nesse momento são tão tranqüilizadoras quanto almas
danadas em busca de um descanso impossível.
Açaí
Com a exceção do centro comercial, fervilhando de gente durante o dia e se
esvaziando de repente de toda atividade assim que a noite cai, a Belém dos
bairros populares parece nunca querer adormecer totalmente. Seja dito en
passant, os brasileiros que eu encontrei, tanto nessa cidade como em outras,
sempre me deram a impressão de considerar o sono como uma perda de tempo.
Em todo caso, é bem agradável poder aproveitar um pouco do frescor noturno,
bebendo uma Cerpa gelada nas mesas das lanchonetes abertas quase a noite
toda. De quando em quando, lâmpadas vermelhas assinalam os pequenos
comércios onde se encontra o açaí. Trata-se da fruta de uma palmeira da qual se
tira um suco de gosto original, que se pode beber com açúcar e farinha de
mandioca ou consumir sob forma de sorvete. E com o guaraná, o tucupi, o
jambu (e a Cerpa...), é uma das grandes especialidades locais.
Bar do Gilson
É também nos bairros populares que a música é mais presente. De fato ela está à
vontade em toda parte. Ao aproximar-se do carnaval, não é raro encontrar grupos
de 50 músicos ensaiando seu repertório no meio da rua e animando um balé de
carros e pedestres. Enormes sound systems portáteis e ultra-modernos (até de
um futurismo intergaláctico) se movem de salão em salão, para fazer dançar
multidões consideráveis, a techno, tudo o que há de mais tipicamente local. No
bar do Gilson a especialidade é o chorinho, estilo musical muito marcado por
suas origens portuguesas. Como em todo lugar onde a música faz parte de uma
cultura popular profundamente enraizada, os músicos daqui, e isso seja qual for
o seu estilo, são todos excelentes.
E-cyber
Os adolescentes que tomam o ar na rua, enfim liberada do trânsito, nem sempre
têm condições de se oferecer o prazer de surfar na internet. Neste caso, esperam
simplesmente a volta da única bicicleta que compartilham, para ir, cada um no
seu turno e em dupla, dar uma voltinha no quarteirão. Em quanto isso, os pais
estão talvez participando dessas reuniões onde são celebrados novos cultos.
Freqüentemente instaladas em simples galpões ou garagens comuns, essas novas
igrejas, iluminadas por lâmpadas fluorescentes e abertas para a rua, reparam-se
de longe. A Igreja Pentecostal, a Assembléia de Deus, a Igreja Universal, a Igreja
Batista... Muito em voga nos bairros populares, atraem fiéis em número crescente.
Embora sem trazer soluções reais a suas dificuldades cotidianas, elas substituem,
pouco a pouco e de maneira inquietante, as antigas associações populares de
bairro.
Detrás da igreja
Aos poucos, a natureza amazonense retoma a posse da lindíssima Nossa Senhora
das Mercês (o edifício, aqui visto de costas, de frente também não é nada mal).
A umidade e a chuva se juntam para lixiviar as fachadas e dar-lhes uma aparência
de todo consoante com seu estilo e idade. Foi erguida pela primeira vez em
1640. Em testemunho da força da luz, do clima e da exuberância da vegetação,
ao contrario do que aparenta, a igreja foi destruída e reconstruída várias vezes,
até ser inteiramente restaurada em... 1986. É sem dúvida pelas mesmas razões
que a quase totalidade do parque automobilístico tem menos de dez anos. A
última pick-up um pouco antiga, que tem o bom gosto de atravessar a imagem,
é uma exceção.
Bica
Uma guinguette (danceteria popular francesa) em plena selva. É a esse equivalente
francês que me remete o pequeno conjunto de construções de madeira, que
abriga um restaurante, um bar e um espaço para dançar, tudo agrupado em volta
de uma piscina natural. Assim que se deixa Belém, encontramo-nos em plena
floresta. Foi realizando seu trabalho de lenhador, há uns 30 anos, que o
proprietário da área descobriu uma fonte. Água há em toda parte, mas essa era
clara e mineral, o que não é tão comum. Ele teve a boa idéia e, sobretudo, a
coragem de instalar aí o primeiro tanque rodeado de pedras (trazidas, uma a
uma, de barco e em lombo de mula desde Belém, situada bem a uns cinqüenta
km) e de construir com suas próprias mãos as casas ao redor. A sorte quis, vinte
anos depois, que uma estrada resolvesse passar por aí. Hoje, esse canto de floresta
é freqüentado por uma clientela popular e alegre. Durante o dia ressoam os risos
e mergulhos das crianças e, à noite, a música para dançar.
Mosqueiro
A ilha de Mosqueiro, a maior das quarenta ilhas do município de Belém, é ligada
ao continente por uma ponte. Ela está somente a oitenta quilômetros do centro,
mas levam-se bem umas duas horas para chegar pela estrada. É o lugar de
veraneio favorito dos belenenses. Encontra-se tudo que faz o charme de Belém,
mas numa versão mais rural. Nas horas mais quentes, enquanto as antigas e
luxuosas casas de arquitetura balneária caem silenciosamente em decrepitude,
alguns aproveitam os prazeres da praia. Exceto pela cor da água, acreditaria-se
estar à beira do mar. Nesse ponto, o rio alarga-se numa baía de uns cinqüenta
quilômetros de largura.
Felícia
Tão vasta como a Suíça e situada no meio do delta do Amazonas, a ilha de
Marajó mereceria um livro inteiro. Ela é simplesmente incontornável, e isso não
somente em função de suas dimensões. Ela não faz parte de Belém, mas os
belenenses a freqüentam regularmente. Se há um horário que é respeitado, é
esse da saída matinal do primeiro barco, embora seja muito cedo (o segundo é
menos rápido e menos seguro). Vão-se umas três horas e meia de navegação e
uma meia-hora de van para alcançar a pequena cidade de Joanes. Ao chegar,
constata-se que o tempo também parou, por ali. Duas ruas ladeadas por casas
baixas se cruzam em angulo reto em proximidade de uma longa praia de areia
branca, compartilhada por pescadores, turistas de recursos modestos e... tropas
de búfalos. Esses últimos vivem em liberdade e estão à vontade por toda parte
da ilha, que conta com perto de 60.000 deles. De noite, todo mundo se encontra
ao redor de uma mesa na Felícia (com a exceção dos búfalos...) para beber uma
cerveja e jogar dama ouvindo música. Vai ser duro retomar o barco de volta.
Gruas nas Docas
Freqüentemente, no meio da tarde, as nuvens tingem-se de preto. Elas são
atravessadas por relâmpagos, anunciadores de tempestade e chuva; às vezes,
porém, nada acontece e o céu volta a ficar claro, como se tivesse mudado de
idéia de repente. Ao longo das antigas docas, agora reformadas em passeio, a
meteorologia é imprevisível. Em todo caso, é o lugar ideal para ver os barcos
passarem. Opa, essa luz me lembra alguma coisa. E onde será que foram parar
os reflexos desse barco? Há confirmações que dão satisfação. O fenômeno existe.
É mais fácil representá-lo que explicá-lo, mas ele é bem real. Um simples jogo
de luz entre o sol e a água. Uma miragem invertida.
Agradecimentos
Agradeço a Paulo e Maria Christina Almeida, assim como a Emanuele Landi,
por terem-me oferecido a possibilidade de redescobrir Belém de outra maneira
que como um simples turista.
Storm 1982
From my first trip to Belém, during the Eighties, I kept the remembrance of a
fishing port bathed by an almost unreal light, vibrant with life, noises and
unknown smells. An unexplainable mixture of subtle and violent sensations,
as if out of a dream. I also recall another image, a bit more palpable, but just as
troubling: a photo taken on the river at the brink of a storm. While getting
ready for my trip, I often gaze at this strange photo. Whether the meteorological
event in place, there is something in it that seems abnormal. How to explain
such reflects of the boat? The water is so still that it seems spread like a rug
over the sand. If I need a reason for this new trip to Belém, it will be to capture
a bit of this unusual light.
The port
The fishing port is a magical place that my memory refuses to erase throughout
the years. Maybe because it is located in the middle of an immense market where
one can find all that the Amazon region produces in terms of fruits and vegetables,
fish, meat, live animals, arts and crafts, culinary spices and herbs and medicinal
plants. Also because it is overseen by the elegant iron structures of the "Ver-oPeso" market, in which one can weight what one buys. Its construction recalls an
already ancient belle époque, but its style is definitely timeless. At dawn, while
the light of the new day slowly triumphs over the electric illumination, the
kingfishers are finally alone to enjoy some few hours of tranquility just before the
intense activity of yet another day of fishing business starts.
The fish market
Here what is hidden behind the yellow opacity of the river! Doradas, filhotes,
piranhas, tucunarés, piramubatas... At the beginning, it is not easy for a foreign
visitor to avoid a zoological glance and it takes a while before one considers
the fish on display as food. Their shapes, colors and sizes call for total attention
(and for caution before entertaining any future idea of river baths). Observing
the men wearing white, as nurses do, handling and cutting these largely
unknown species, one soon forgets the luminous architecture of the market,
which was built at the beginning of last century in an epoch when the rubber
business made some people so rich that their clothes were custom-made…
in France.
The meat market
Without doubt, iron is not the most appropriate material to endure the harshness
of an equatorial weather. It doesn't do well under high levels of atmospheric
humidity. Nevertheless, iron is what the epoch's engineers chose to use when
building this sector of Ver-o-Peso. Manufactured in England and shipped to
Belém in loose pieces, the several elements of the building were put together as
a gigantic toy. When one fathoms the almost interminable reserves of wood
that surround the city, one is dismayed by the evidence that the epoch's architects
(very much like some contemporary architects) were more sensitive to the current
fashionable style and materials than to more practical considerations. But I'm
not the one to complain, since the rust is kept at bay by periodical hands of
green, pink and red paint that produce the most beautiful effect.
Low tide
From certain angles, Belém reminds us of an island. The Guajara bay in the
north, the Guama river in the south and west, and the forest (another uniform
and undulating expanse, only not liquid) all around, give the impression that
the city is isolated from the rest of the world. When looking at the horizon, the
small stretch of greenery at the distance looks for sure like the other margin of
the river. One couldn't believe it is truly only a line of small islands (about forty
of them, all about of the same size) in the middle of the river, the same breadth
of water at the other side. The scale is gigantic; there is water all around. When
the water isn't going up and down in a sea tide movement (the ocean is only 60
miles away) in the wilderness of the Amazon, it is condensed as steam and then
as clouds only to unavoidable pour down again as rain.
The rain
The water cycle is especially perceptible from December to May, since it rains
religiously everyday in this period of the year. I'm not sure if it brings the
happiness of those in the umbrella business, but it certainly guarantees them a
steady income. Differently to the tropical storms that are usually brief and
violent, nobody can tell how long an equatorial storm will last. A popular saying
states that in Belém it rains every day during the dry season, and during the wet
season it rains the whole day. One sees umbrella sellers all over, whether they
are sold in regular stores or at the streets. There are all kinds of styles, shapes
and colors of umbrellas, from the most simple to the most elegant and expensive.
There is never a lack of clients. When the rain stops, the umbrellas turn into
efficient parasols, often overlaid with anti-UV metal lining.
Street owners (Flanelinhas)
Every city may boast having places of contrast. In general they relate to each
other like a magnet, the richest pole naturally rebuffing the poorest pole. Belém is
not different, but it is arranged in a slightly different fashion. In the rhythm of the
expansion of the poorest neighborhoods coupled with modernist push, the riches
of yesterday are side by side with today's poverty. Ancient monuments seem
modest before modern buildings; while wooden huts enclose small islands of
elegant houses. Mirroring the luxuriant Amazon forest that surrounds the city,
everything mingles here in a chaos that inspires more harmony than disorder. A
harmonic disorder though, in which all elements seem to desire to grow and to
expand and to force its own space. Around the Our Lady of Nazaré cathedral,
these men wash cars using only a piece of cloth. They call the drivers attention to
an available parking space, and they volunteer for washing the cars while keeping
an eye on them. Their attitude suggests they are the real owners of the street.
Kites
per floor. Empty land is quite rare in Belém's downtown. When one observes well
(vertical to the white crane that flies around the image) one recognizes the profile
of a greenish-gray Statue of Liberty, which confirms the desire of a New Yorker
affiliation. An architectural style for microclimates? The temperatures at the bottom
of these buildings are much higher than elsewhere in the city. Coolness is found
at the higher floors, or on the water, if you don't row to fast.
Horse and carriage
There are no slums in Belém. The neighborhoods that remind them are called
"invasões", or, when situated at lowlands, "baixadas". In both cases, they are
unruly collective or individual settlements. Their inhabitants barely survive with
the minimum, but they are not excluded (a third of the city's population live in
these poor quarters). Their wooden houses built on stakes are the exact copy of
those found on the rivers of the whole region. While waiting to be officially
recognized, their electricity and water are often diverted from neighboring
quarters. Sewage is the worst problem of these places. Often used water is just
dropped under the house. The regulation is done little by little, but rarely the
first inhabitants are those who profit from it. Slowly the city integrates these
new quarters, while other "invasões" sprout elsewhere.
The first dwellers of a quarter are in general traders of construction materials.
They supply the newcomers with the essential elements for building their houses.
The experts know how to recognize a good piece of wood by its smell. The odor
that comes from the warehouses on the banks of Guama river is quite distasteful.
It smells of stagnate water. After having witnessed the draining sewage under
elevated houses by an army of municipal workers wearing yellow T-shirts, I can
assure this smell is even worst. The large amount of pure water that falls daily
from the sky surely can explain the phenomenon. These wood stores also have
the odor of a past that refuses to disappear. The many horses that continue to
crowd the avenues pushing wagons of wood in the middle of a traffic that gets
more and more contemporary make one think that the city is not developing in
a uniform manner. If is true that it is getting modern vertically, on the ground it
still go about according to an archaic model.
Over 100o F under the shade
The iron-sheet house
According to the inhabitants of these poor quarters themselves, their life quality
lies on good relationship between neighbors, mutual support and tranquility,
rather than on modern urban comforts. When the path is turned into a road and
traffic and noise invade the district, those who are able to will be the first ones to
sell their houses and go live somewhere else. When we observe families enjoying
a resting time playing dominos under a shade, or simply seated at the entrance of
their houses at the end of the day, or when we watch children manufacturing kites
with plastic bags, or bike riding, we do not forget that social inequality in Brazil is
one of the worst in the world, but we can't deny them a real art de vivre.
The geographic location of Belém, on the delta of the Amazon river and near the
Equator, explains the humidity level of about 90%. A kind of brume-or vapor, to
be precise-, envelops the city, and grants a unique quality to its light, which is
at the same time violent and diffuse, as if coming from all directions at once.
The light spreads itself thoroughly; it flattens all relief, dissipates shadows and
makes all marks disappear. Whether would pose some few challenges to the
watercolorist doesn't affect the dazzling effect of the image. He works amidst
an even more troubling universe, one truly devoid of marks, but he paints it with
such easy and naturalness that everyone is astonished. For cars, bikes and
pedestrians alike, the streets of this popular neighborhood are filled with small
stones. One at the end gets so used to them that, after returning to France, the
city of Paris seems almost too plain.
Rowing
From afar and especially if seen from the river, the business quarter, where
downtown's most important and largest buildings are found, reminds us of a
small Manhattan. The buildings, nevertheless, are quite shorter, and if they deserve
to be called skyscrapers, it is because the sky often seems closer to the ground in
these latitudes. Most of them are not higher than 20 or 25 floors, but their
proportions are the same of their American cousins. They occupy the exact amount
of terrain the old house they replaced had, and they often offer just one apartment
Red umbrella
The light of Belém has no equivalent. It melts down all shapes, so that if one
subtracts the equatorial vigor and hotness that goes with it, one could believe
being… in some Parisian quarter during specific seasons of the year. In certain
downtown streets, the comparison takes other elements than the light. Several
buildings, inspired by the Old Continent's architecture, invokes the historical
past of the city after its foundation in 1616, and above all its days of glory in the
first years of the 20th century.
Gables on the street
Between the original Portuguese colonial style, the Art-nouveau style of the French
Belle-Époque, the baroque, the rococo, the style of the Brazilian empire, the neoclassic (a little lost, but the remaining buildings are excellent geographic landmarks),
it is the history of a city turned toward Europe that calls one's attention amidst the
often ill-kept alleys. After costly and careful restorations, some of these buildings
offer to the eyes the features they had a century or more ago. Their surroundings
have been changed, modern buildings are now around them, but they forge the
image of the city and mark the rhythm of life as much as the river does.
Boats
The river creates a dreamlike atmosphere. It releases a reassuring strength
and sweetness. Even the motor pirogues, the pôpôpôs and the boats carrying
wood go by with such discretion that from afar they sound like music. One
mor ning, while I daydreamed watching boats of all forms and shapes go by,
the image of a large enveloping and protecting snake came to me. Such
image, associated to a river, is nothing extraordinary. Seen from above, the
rivers of this r egion keep an evident similitude with this reptile. The color, the
sparkling on the water's surface, the seemingly slowness of their movements,
everything reminds this animal. I wasn't surprised to learn, quite late in my
trip, that according to the legend every Amazon village is protected by the
sleep of a snake.
Mango trees
Belém is also known as Cidade das Mangueiras, the city of mango trees. The
numerous trees of this kind, planted at the beginning of the 20th century
alongside the avenues in downtown, became the symbol of the city. They grant
to the city a relaxing atmosphere that one searches in vain in other large cities
in Brazil. At the example of the old buildings with perfectly harmonious shapes,
these trees confer to this sector of Belém a harmony that the multitude of
modern buildings without great aesthetic interest was not able to corrupt. If we
are now in beautiful quarters, it is mostly due to the grace that these trees-that
became majestic in time-confer to it.
Park
The mango trees mingled their branches with the branches of other species in
parks and other green spaces that refresh some sectors of Belém's downtown.
They were created during an epoch when the greatest cities of Europe were also
building gardens and parks filled with exotic species, and they help to turn
Belém somewhat familiar to a Parisian visitor like me. They are the tangible
mark of a similar way of planning a city that continues to offer its testimony
today and surely could inspire new projects of urbanism. The park keeps the
traffic away, and invites numeral small artisans that profit both from its freshness
and from the clientele formed by lovers of shade and greenery.
Xerox
At the poorest neighborhoods, the construction and the outer decoration
of the houses are delegated to the imagination of their owners. Some of
them, the wealthiest, compete with their neighbors in inventively when
differentiating their homes. The results are gladdening. With their oblique
lines, their facades covered by ceramic tiles or lively colored paint, with their
iron grades and balustrades, they grant to certain corners of the streets a
chaotic and joyful atmosphere. One crosses many beautiful girls in all quarters
of Belém. It is difficult to tell from which neighborhood they come from.
They also rival each other in creativity and elegance while applying, each
one according to her own taste, the criteria of the last international fashion.
The Cathedral at night
D. Frei Caetano Brandão Square, simply called Cathedral Square (Largo da Sé),
is especially impressive at night. The outline of the cathedral, which is made of
stones and alabaster, seems phantasmagoric amidst an empty space crossed
by the railroad of a long past epoch. We can't avoid thinking of the challenges
the masons faced when building it, and of the effect it produced, rising in such
supernatural way, on the men of the 18th Century used to an uniform world
largely occupied by forests. At the time when the sellers of coconut gather
around it, all the spotlights are directed towards the cathedral. The moving
shadows remind damned souls in quest of an impossible rest.
Açai
In contrast to the city's downtown, full of people during the day and emptied
of all activity as soon as night falls, it seems that the popular quarters of
Belém never totally goes to sleep. Actually, the Brazilians I met in this and
other cities always gave me the impression that they consider sleep a waste of
time. In any case, it is quite pleasant to enjoy a bit of the night's coolness
drinking a cold Cerpa (the local beer) seated at the balcony of one of the
luncheonettes opened almost the whole night. Every so often a red light
indicates the small places where one can find açai. It is the fruit of a palm tree
of which is produced a juice of very unique taste, which one can drink with
sugar and manioc flour or eat as a kind of ice cream. Along with guarana,
tucupi and jambu (and Cerpa, of course) it is one of the greatest local
specialties.
Gilson's Bar
Music is very much present in the popular quarters. In fact, music is naturally
found everywhere. Near Carnival, it is not uncommon to bump with groups of
about fifty musicians, practicing their presentation in the middle of the streets,
and directing an improvised ballet of cars and pedestrians. Large, transportable
and ultramodern sound-systems (reminding us of an inter-galactic futurism)
are found everywhere, and they are able to make multitudes dance with the
sound of techno music whenever there is enough space. Gilson's Bar became
a specialist in "chorinho", a musical style very much marked by its Portuguese
origins. Like all places where music is a major part of a deeply enrooted popular
culture, the musicians of Belém, no matter what style, are excellent.
E-cyber
The teenagers who enjoy the breeze in the streets finally free from traffic
probably do not have the means to enjoy the benefits of Internet surfing.
Instead, they simply wait for the return of a single bike they all share, in order
to depart in their turn and in pairs, for a tour around the house. At the same
time, their parents may be participating of one of these meetings in celebration
of new cults. Often installed inside a simple store or even a mundane garage,
these new churches, lit by neon lights and right on the street, are visible from
afar. The Pentecostal Church, God's Assembly, The Universal Church, the
Baptist Church… Very much in fashion in the popular quarters, they attract
more and more followers. In spite of not bringing real solutions to their daily
challenges, these churches are replacing, in a disturbing rate, the traditional
popular associations of these districts.
Behind the church
The Amazon nature little by little regains possession of the very beautiful Our
Lady of Mercy church (the building, seen here from the back, doesn't look any
better at front). Humidity and rain wash the walls and grant them an aspect
fitting to the building's style and age. It was originally built in 1640. A testimony
of the energy of the sunlight, the weather, and the exuberance of the vegetation,
and contrary to all appearances, this church, destroyed and rebuilt several
times, was totally restored in… 1986. For sure that is the reason why very few
cars in the region are more than ten years old. The last pick-up that made us the
favor of crossing the image is one of the few exceptions.
Bica
A disco in the middle of the jungle. This is the French equivalent that comes to
mind when one sees the small gathering of wooden buildings that houses a
restaurant, a bar and a dancing floor, all around a natural swimming pool. As
soon as one exits Belém, one finds oneself surrounded by forest. While
performing his work as lumberjack, thirty years ago, the owner of this piece of
land found a waterhole. There is water all around, but this one was clear and
mineral, which was quite unusual. He had the good idea, and the courage, of
putting up a washbasin surrounded by stones (brought one by one from Belém,
by boat and then on ass back, covering over twenty miles of distance), and with
his own hands he built the huts around it. Lucky, twenty years later, a road was
built nearby. Today, a popular and joyful clientele visits this corner of the forest.
Children laughter and screams are heard during the day, while at night there is
the unmistakable sound of dancing music.
Mosqueiro
A bridge connects the island of Mosqueiro, the largest of the forty islands
included in the town of Belém, to the continent. It is located only about fifty
miles from the city's downtown, but it takes about two hours to get there by car.
Here lies the preferred little village of the inhabitants of Belém. It has all elements
that give Belém its charm, but in a more rural version. During the hottest hours
of the day, while the luxurious old villas of the coast silently fall apart, some
enjoy the pleasures of the beach. Never minding the color of the water, one
feels as if in the ocean. In this region, the river forms a large bay of about 20
miles of extension.
Felicia
As large as Switzerland, located in the middle of the Amazon delta, the island
of Marajó deserved a whole book for itself. It is impossible to go around it,
simply because of its dimensions. Marajó is not part of Belém, but its
inhabitants visit the island often. It is better to get up early and caught the
first boat (the second goes more slowly and sometimes doesn't leave at all). It
takes three and half hours on boat plus half-hour by mini-bus to arrive at the
small village of Joanes. Once there, one feels that time has stopped. Two
streets bordered by short houses intersect forming a straight angle near a
long white sanded beach shared by fishermen, visitors housed in modest
lodges and buffalos. These animals live in freedom and are found everywhere
in the island-there are about 60 thousand of them. At evening, everyone
gathers around a table in Felicia's (except the buffalos, of course) to drink a
beer and play checkers while listening to music. It will be hard to take the
returning boat.
Grues Docks
Frequently, in the middle of the afternoon, the clouds tur n black. Flashes of
lightning run through them, announcing storm and rain, but often nothing
happens and the sky remains clear, as if it had suddenly changed its mind. The
weather is unpredictable; but the long docks forming a promenade are the ideal
place to watch the boats going by. Here, the light reminds me of something. Ah,
and where are the reflections of the boat? The confirmation brings me joy. The
phenomenon is real. It is easier to photograph it than to explain its causes, but
it exists: a play of light between the sun and the water. A mirage turned upsidedown.
Acknowledgments
My warm thanks to Paulo and Maria-Christina Almeida, as well as to Emanuele
Landi, for giving me the opportunity to rediscover Belém not as a simple tourist.
Coleção
Cidades Ilustradas
Cadernos de Viagem
Rio de Janeiro
72 páginas
Autor: Jano
Cidades Ilustradas
Belo Horizonte
88 páginas
Autor: Miguelanxo Prado
Próximo lançamento
Cidades Ilustradas
Cidades do Ouro
(Diamantina, Tiradentes,
São João del Rei,
Ouro Preto e Congonhas)
Autor: Marcelo Lelis
Cidades Ilustradas
Curitiba
72 páginas
Autor: Cesar Lobo
Cidades Ilustradas
Belém
72 páginas
Autor: Jean-Claude Denis
Casa 21 Ltda
Tel.: (021) 2205-8661
E-Mail: [email protected]
Cidades Ilustradas
Salvador
80 páginas
Autor: Marcello Quintanilha
Este livro foi artefinalizado na Arquimedes Edições com textos
compostos em Times New Roman, Trebuchet MS e Helvética 55 Roman
e impresso na Gráfica Minister, sob encomenda da editora
Casa XXI, em agosto de 2005, em papel Image Matte Ripasa 170g.