a face otimista da poesia de augusto dos anjos
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a face otimista da poesia de augusto dos anjos
0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO A FACE OTIMISTA DA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS Verucci Domingos de Almeida Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves Campina Grande - PB Fevereiro de 2012 1 VERUCCI DOMINGOS DE ALMEIDA A FACE OTIMISTA DA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós - graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), como requisito para a obtenção do título de Mestre em linguagem e ensino. Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves Campina Grande - PB Fevereiro de 2012 2 3 FOLHA DE APROVAÇÃO VERUCCI DOMINGOS DE ALMEIDA Defesa de dissertação: BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves – UFCG (Orientador) ____________________________________________________ Profª Drª Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega – UFCG (Examinadora) ______________________________________________________ Profª Drª Kalina Naro Guimarães – IFPB (Examinadora) 4 A Deus que me deu esperança e perseverança para nunca desistir dos meus sonhos, e à minha família, pelo apoio, compreensão e ajuda que tem me oferecido ao longo de minha vida acadêmica, DEDICO. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus e ao seu filho, Jesus Cristo, pelo pouco de sabedoria que tem me dado, resultado da minha súplica diária, e pela oportunidade de realizar mais uma etapa dos meus sonhos que se completa agora, graças ao Seu amor e Sua presença em minha vida. Aos meus Anjos protetores, que me guardam, orientam e inspiram. Ao meu orientador, Dr. José Hélder Pinheiro Alves, exemplo a ser seguido; por quem tenho grande admiração. Agradeço pela sua paciência e dedicação para comigo, e mais ainda por confiar na minha proposta de pesquisa. Agradeço além de tudo pelo privilégio de tê-lo como orientador. Graças a sua ajuda, concluo este trabalho. À Banca examinadora da qualificação, nas pessoas de Drª Naelza de Araújo Wanderley e Drª Kalina Naro Guimarães, pelas contribuições para o meu trabalho. Ao programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino, desde a coordenação até os professores, sobretudo de literatura. A estes agradeço em especial por mais uma vez me mostrarem a beleza e a importância dessa arte, além de contribuírem muito para o meu desenvolvimento durante o curso. À CAPES, pelo incentivo à pesquisa e pelo concedimento da bolsa. À minha mãe (Verônica), que sempre me incentivou a crescer cada vez mais profissionalmente, e com todo esforço nunca me deixou faltar nada. Às minhas tias Socorro e Madalena, ao meu tio Pedro e, sobretudo, a minha avó Luiza, pessoa que mais amo nessa vida. A Tetê (Profª Ms. Terezinha Virgínio de Araújo), que, acima de tudo, é uma amiga. Alguém que acompanhou as etapas da minha vida acadêmica e sempre me incentivou a crescer cada vez mais. À professora Socorro Vieira, à direção, à vice-direção e aos alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Monsenhor Manuel Vieira, pelo espaço concedido para a realização da pesquisa. Às minhas colegas de turma, que mesmo com pouco tempo de convivência serão lembradas pelo resto da vida. Agradeço pela amizade sincera e verdadeira, pela ajuda, apoio e confiança de Núbia Verônica Ferreira Avelino, Luciana Maria Moura Rodrigues, Mariclécia Bezerra de Araújo, Aline Muniz Alves e Berenice da Silva Justino. Ao professor e pesquisador da poesia de Augusto dos Anjos, Chico Viana, pela atenção aos meus e-mails e por apoiar o meu trabalho, mesmo que indiretamente, quando ainda era um simples pré-projeto. 6 Ao agente literário e pesquisador da poesia de Augusto dos Anjos, Andrey do Amaral, por também apoiar o meu pré-projeto e pela relevância de seus comentários para o crescimento dele. À minha ex-professora de literatura Ms. Christianne Barbosa Côelho, que sempre esteve pronta para me ajudar quando precisei, com grandes contribuições, desde quando este trabalho era um simples projeto de monografia até a sua transformação em um pré-projeto para o mestrado. À minha colega Ms. Maria Fernandes de Andrade Praxedes, que também contribuiu para o crescimento desse projeto e acreditou que eu seria capaz de ultrapassar todos os obstáculos para chegar até o mestrado. À minha amiga Adriana Vicente do Nascimento, pelo apoio em todos os momentos. Pessoa incomparável, que me incentivou e não me deixou desanimar. Ao amigo Ricardo de Souza Brasileiro, pelo apoio e orações feitas antes da minha aprovação na seleção do mestrado. Ao meu eterno amigo Érico de Sá Petit Lobão, pessoa admirável, digno dos mais honrosos adjetivos. Pessoa que me fez acreditar que esse sonho seria possível; que me ajudou, que sonhou comigo, que me trouxe do sonho à realidade. Por confiar em suas palavras e por acreditar que eu era capaz, hoje estou aqui, concluindo essa etapa. Obrigada! 7 O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha Santíssima Trindade da Ventura, Pode ser venturosa a criatura Que não crê, que não ama e que não sonha?! Augusto dos Anjos 8 RESUMO Este trabalho tem por finalidade mostrar que há uma face otimista na poesia de Augusto dos Anjos, e, desse modo, contribuir para uma nova visão a cerca da lírica desse poeta. Sendo assim, essa pesquisa discute alguns poemas que contemplam esta face otimista da poesia de Augusto dos Anjos a partir de sua obra completa, investiga entre outros elementos, se há a inserção dessa face nos livros didáticos do 3º ano do ensino médio inseridos no catálogo do PNLEM 2009 e relata uma experiência de leitura e recepção de poemas augustianos nessa mesma série de ensino, numa escola pública da cidade de Patos - PB. As fontes que subsidiaram o estudo sobre a face otimista procederam das leituras de Nóbrega (1962), Vidal (1967) e Magalhães Jr (1978). Como principais referências que embasaram nossa fundamentação teórica sobre a leitura literária e o ensino de literatura, citamos as reflexões de Cosson (2009), Jauss (1979), Jouve (2002) e Colomer (2007). Sobre o cânone literário, muito pertinentes foram os esclarecimentos de Reis (1992) e Perrone-Moisés (1998); e sobre a utilização dos livros didáticos, as considerações de Cereja (2005), Pinheiro (2006) e Chiappini (2005) foram de fundamental importância. Para auxiliar a nossa prática de ensino, foram essenciais as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) e os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (PARAÍBA, 2006). Os resultados da pesquisa revelaram o valor estético da face otimista da poesia de Augusto dos Anjos e ainda apontaram a ausência e negação dessa face nos manuais didáticos. A experiência realizada em sala de aula comprovou que os alunos sentiram-se despertados para a poesia do paraibano e se interessaram pelos poemas dessa face, pois estimulados, eles participaram de modo efetivo da leitura, fruindo os textos através da partilha de percepções e descobertas. Palavras-chave: Augusto dos Anjos; face otimista; livro didático; ensino de literatura; recepção. 9 ABSTRACT This work aims at showing that there is an optimistic side in Augusto dos Anjos poetry and contributing to a new point of view about the lyric of this poet. Thus, this research discusses some poems that comprise this optimistic poetic side of Augusto dos Anjos from his complete works, investigates among other things, if there is the inclusion of such angle in the textbooks of 3rd year high school, included in the catalog of PNLEM 2009, and describes an experience of reading and reception of Augusto dos Anjos poems, in the same grade, in a public school in Patos - PB. The sources that supported the study about the optimistic expression proceeded from readings of Nobrega (1962), Vidal (1967) and Magalhães Jr (1978). As main references that supported our theoretic reasons about the reading of literature and literature teaching, we cite the reflections of Cosson (2009), Jauss (1979), Jouve (2002), and Colomer (2007). Taking into account the literary canon, the explanations of Reis (1992) and Perrone-Moisés (1998) were very relevant; and considering the use of textbooks, the reflections of Cereja (2005), Pinheiro (2006) and Chiappini (2005) have a fundamental importance. In order to help our teaching practice, the Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) and the Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (PARAÍBA, 2006) were essential. The results revealed the aesthetic value of the optimistic face of Augusto dos Anjos‘ poetry and also indicated the absence and denial of that face in textbooks. The experiment made in the classroom proved that students were awakened to the poetry of Augusto dos Anjos and were interested in the poems of that matter, as they were motivated, they participated in an effective way of reading, enjoying the texts through sharing insights and discoveries. Keywords: Augusto dos Anjos; optimistic side, textbooks, literature teaching; reception. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 1 DA FACE COMUM À FACE OTIMISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 1.1 Os primeiros leitores de Augusto dos Anjos: a face comum . . . . . . . . . . . . . .24 1.2 Novos leitores, novos olhares: a face otimista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30 1.3 Apreciando a face otimista da poesia de Augusto dos Anjos . . . . . . . . . . . . .36 2 DO CÂNONE AO LIVRO DIDÁTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52 2.1 A historiografia como eixo do ensino de literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 2.2 Os livros didáticos e sua utilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 2.3 A abordagem da poesia de Augusto dos Anjos nos livros didático . . . . . . . . .65 2.3.1 O dinamismo literário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 2.3.2 A poesia de Augusto dos Anjos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72 2.3.3 Os exercícios propostos nos livros didáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 3 AUGUSTO DOS ANJOS E OS LEITORES: VIVÊNCIAS POÉTICAS. . . . . . . . . 85 3.1 As observações das aulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88 3.2 A aplicação do questionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95 3.3 Planejando os encontros e selecionando os poemas: preparando a recepção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 106 3.4 Augusto dos Anjos e os leitores: vivências poéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114 3.4.1 Deus na poesia de Augusto dos Anjos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114 3.4.2 O amor na poesia de Augusto dos Anjos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 3.4.3 A esperança na poesia de Augusto dos Anjos. . . . . . . . . . . . . . . . . .135 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .149 APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156 Apêndice A: Questionário de pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .157 Apêndice B: Planos de aula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160 Apêndice C: Revistas-antologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 Apêndice D: Transcrição das intervenções em sala de aula . . . . . . . . . . . . . . . . . .176 ANEXOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .200 11 Anexo A: Poemas de Augusto dos Anjos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 Anexo B: Bilhete original dos alunos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210 Anexo C: Questionários respondidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213 12 INTRODUÇÃO Há acontecimentos na vida que ou são coincidências ou são predestinados. Quando criança, morei com minha família em uma humilde casa numa rua de nome Augusto dos Anjos. Achava esse nome lindo! Várias vezes perguntei a minha mãe de quem se tratava, mas ela não sabia. Cogitava eu ser nome de um santo por causa do sobrenome. Mas santo, não era, ela sabia. Dizia-me que possivelmente devia se tratar de alguém importante, um político, um general ou algum nobre. Eu jamais pensaria que se tratava de um poeta. Aliás, naquele tempo, eu nem sabia o que era isso. Jamais pensaria eu que tempos depois, na minha juventude, seria pesquisadora da poesia desse ilustre poeta. No tempo de escola, por ocasião da eleição para o título de paraibano do século, no ano de 2001, fui apresentada à poesia melancólica, pessimista e cientificista do poeta a quem chamavam de macabro, triste, obcecado pela morte e descrente do amor e de Deus. Fui tocada profundamente pelo poema ―Versos íntimos‖ e escrevi-o na agenda ao lado de um poema de amor de Vinícius de Moraes, outro poeta de cuja poesia eu gostava. Esses poemas, pra mim, tornaram-se orações, e de tanto lê-los, memorizei-os. Durante o curso de Letras na faculdade, precisava encontrar um tema para a minha monografia. De uma coisa eu tinha certeza: iria trabalhar com poesia. Certa vez, uma amiga que cursava o 1º ano do ensino médio estava estudando gênero lírico na disciplina de literatura, e me falou sobre alguns poemas que seu professor apresentou à turma. Ela, que também adorava poesia, muito empolgada, mostroume as primeiras páginas de seu caderno, dizendo-me que tinha se encantado por um dos poemas que seu professor escrevera no quadro para os alunos copiarem. Lio. Era ―Soneto do amor total‖. Minha amiga, muito desatenta, colocara como autor o nome Augusto dos Anjos. Abaixo desse poema estava ―O morcego‖, também com o nome Augusto dos Anjos. Achei estranho. ―O morcego‖, eu sabia que se tratava de um poema augustiano, mas o primeiro não. Primeiramente, indaguei-lhe se não havia copiado o nome do autor errado, e, como justificativa, disse-lhe que pelo que eu sabia Augusto dos Anjos não versava sobre o amor em sua poesia, pois era pessimista e melancólico, e não cria em tal, como haviam me dito na escola. Aconselhei-a a conferir com o seu professor o nome do autor do primeiro poema. Cheguei a apontar como autor o poeta Vinícius de Moraes, de quem sou admiradora, pois sabia que ele 13 versava sobre o amor, e ainda o título daquele poema fez-me lembrar o que estava escrito na minha agenda, ―Soneto de fidelidade‖, que se encontrava ao lado do poema de Augusto. Na mesma semana, disse-me ela que realmente tinha escrito errado o nome do poeta, pois se tratava mesmo de um poema de Vinícius de Moraes. Essa situação me fez refletir sobre algo: eu cogitei a possibilidade de o poema não ser de Augusto dos Anjos, mas na realidade eu não tinha tanta autoridade para afirmar, pois tudo o que eu sabia sobre a sua poesia se resumia a três poemas e às lembranças das aulas do 3º ano do ensino médio, portanto, sua obra para mim era praticamente desconhecida. Então, questionei-me: Será que existe algum poema de Augusto dos Anjos que fala de amor? Essa curiosidade despertou-me a investigar a sua obra. Nesse momento pensei em pesquisar esse viés na minha monografia. Na biblioteca da faculdade tive acesso ao Eu e outras poesias, pela primeira vez. Folheei o livro. Tentei, a priori, procurar através do sumário algum título que chamasse a atenção para o tema do amor. Encontrei alguns, mas ainda pessimistas. Desanimei. Em outra ocasião, na biblioteca, procurei o mesmo livro, mas não achei. Encontrei outra edição. Essa edição continha além do Eu e Outras poesias, também a coletânea Poemas esquecidos. Dessa vez sabia que só iria encontrar um poema que talvez versasse sobre o amor de modo otimista se lesse toda a obra do poeta. Por essa razão li-a por completo, cheia de medo das imagens que os poemas suscitavam, sentindo repugnância pelos vocábulos utilizados, sem entender quase nada por causa da linguagem difícil. Pensei em desistir de ler, senti-me chocada, apavorada. Mas tinha que persistir. Finalmente encontrei o que tanto me inquietava. Além de poemas que tratavam do tema do amor romântico e erótico, encontrei poemas que tratavam de Deus e da esperança, todos com caráter otimista. Desde então passei a metade do meu curso pesquisando essa face pouco conhecida da poesia de Augusto dos Anjos. De todos os aspectos identificados na obra intitulada Eu como também em Outras poesias, Poemas esquecidos e Versos de circunstância, o lado otimista da poesia de Augusto dos Anjos abordado em alguns poemas chama-nos a atenção e nos desperta para um viés pouco estudado da poesia (e) do poeta cujo nome é, na expressão de Agripino Grieco, ―augustamente angelical‖ (GRIECO, 1994, p. 81). Dessa forma, a presente dissertação nasceu do trabalho monográfico para a conclusão do Curso de Letras em 2005, intitulado O outro viés da poesia de Augusto 14 dos Anjos, quando foi despertada a curiosidade de procurar entre os poemas de Augusto um viés diferente do que é propagado nos livros didáticos. Sendo assim, iniciou-se a busca pela face otimista, que compreende poemas com temas de amor, Deus e esperança, cujo tratamento é realizado de modo mais leve e com vocabulário mais ameno do que aqueles que são predominantes na sua poesia. No decorrer do estudo para a monografia constatamos através da pesquisa em uma turma do 4º ano pedagógico de uma escola estadual da cidade de Patos - PB, que muitos alunos não compreendiam ou se equivocavam com a leitura de poemas do aludido poeta pela temática que o mesmo costumava escrever, bem como o vocabulário utilizado1. De acordo com Bueno (1994, p. 45), Augusto dos Anjos é um ―poeta de espantosa popularidade, muitas vezes tão mal compreendido pelos seus admiradores quanto por seus detratores‖. Ainda de acordo com esse autor, Parte da incompreensão que se criou em torno desse uso de vocabulário científico, mais especialmente nomes de espécies e termos filosóficos, nasce, na verdade, de uma certa preguiça mental do leitor em relação a vocábulos que lhe causam estranheza e cuja utilização lhe parece despropositada e inútil (BUENO, 1994, p. 22). O uso de um vocabulário desconhecido pelo leitor, com termos retirados da ciência, assim como uma linguagem ostensivamente agressiva, causa-lhe estranheza e impacto a priori. Nesta perspectiva, muitos poemas não tiveram uma boa aceitação por parte dos alunos. A maioria dos sujeitos da pesquisa alegou não se identificar com a poesia de Augusto dos Anjos porque não fruía ler algo pessimista e obscuro. Muitos o mencionaram o poeta do ―mau gosto‖, rótulo determinado pela crítica literária (CANDIDO, 2007) e consequentemente propagado pelos livros didáticos (TERRA E NICOLA, 2004). Sobre esse mesmo ―mau gosto‖, Candido (2007, p. 82) adverte que ele toma tamanho impulso ―que a aparente vulgaridade torna-se grandiosa‖, sendo, portanto, para este autor contraditoriamente um dos atrativos da poesia augustiana. Ainda a partir da pesquisa monográfica, constatamos que os alunos apontaram o poema da face otimista como o que mais lhes tinha agradado. Dessa forma, isso 1 Na referida monografia não trabalhamos com a recepção dos poemas em sala de aula. Fizemos apenas entrevista com questionários semiabertos com os alunos para que eles registrassem o que sabiam a respeito do poeta e sua poesia, e também apontassem a partir da leitura individual de dois poemas, quais sentimentos eles suscitavam, além do que mais lhes agradou. 15 nos provocou a inquietação de vivenciar realmente a poesia augustiana em sala de aula, compartilhando a leitura, sem utilizar os poemas apenas como fonte de coleta de dados, mas enfatizar o processo de formação de leitores competentes, aquele que no dizer de Colomer (2007, p. 31) se define como o ―que sabe ‗construir um sentido‘ nas obras lidas‖. Mesmo pesquisando a face otimista da poesia de Augusto dos Anjos desde a graduação, este trabalho mostra-se pertinente porque é uma continuação que nos permitiu aprofundarmos os temas do amor, da esperança e de Deus em sua lírica, bem como investigar e ampliar a teoria sobre esse assunto, além de averiguarmos o trabalho com a poesia augustiana nos livros didáticos e a recepção desta face na escola. Portanto, nesta pesquisa tivemos como objetivo geral: investigar a face otimista da poesia de Augusto dos Anjos e observar sua recepção por alunos do 3º ano do ensino médio. Outros objetivos propostos foram: identificar nos livros didáticos do 3º ano do ensino médio, avaliados para o PNLEM 2009, a abordagem que se faz da poesia de Augusto dos Anjos; estudar parte da fortuna crítica do poeta observando se há ou não algum estudo que se volte para esta face otimista de sua poesia; e descrever a recepção dos poemas de Augusto dos Anjos a partir de um experimento em uma sala de aula com alunos do 3º ano do ensino médio. As razões que justificam nosso trabalho estão no fato de que há uma pequena quantidade ou até ausência de estudos específicos que tenham como foco a visão otimista da poesia de Augusto dos Anjos. Enfim, esta pesquisa é importante para refletir sobre visões unilaterais acerca da poesia de Augusto dos Anjos e mostrar que ele cultivou outros temas diferentes dos que o consagraram, revelando-se uma figura oposta àquela que vem sendo propagada como única pela crítica literária e pelos livros didáticos. Esta dissertação possui três momentos distintos, porém interligados. O primeiro momento está voltado para a crítica, o segundo momento está voltado para a análise dos livros didáticos, e, por fim, o terceiro momento é dirigido à prática de ensino. Em síntese, no primeiro capítulo, a partir de um levantamento de toda a produção lírica de Augusto dos Anjos, atentando principalmente para a face otimista de sua poesia, contemplamos a leitura de alguns poemas e ainda buscamos argumentos da crítica a respeito dessa face. No segundo capítulo fizemos a análise de livros didáticos inclusos no programa do PNLEM 2009 que continham poemas de 16 Augusto dos Anjos. No terceiro capítulo, descrevemos a observação de aulas nas quais os poemas de Augusto dos Anjos foram abordados, a intervenção e a utilização de questionários. O foco do primeiro capítulo são os poemas otimistas de Augusto dos Anjos, dentro de uma perspectiva interpretativa, centrada em alguns temas. Primeiramente refletimos sobre a ideia de um poeta tomado inteiramente pela melancolia e o pessimismo, apresentando algumas considerações de seus principais biógrafos, tais como Humberto Nóbrega (1962), Ademar Vidal (1967) e Raimundo Magalhães Júnior (1978), que mostraram o oposto dessas características do poeta. Depois disso, apresentamos a interpretação e alguns comentários de determinados poemas em que o eu – lírico se mostra otimista. Os biógrafos, apesar de não utilizarem a expressão ―poemas otimistas‖, mostram esse lado diferente da poesia de Augusto dos Anjos, revelado em alguns poemas, sobretudo, escritos durante a sua adolescência. Como o nosso trabalho também se trata de leitores e recepção, comentamos resumidamente a trajetória de recepção dos poemas de Augusto através do julgamento de seus primeiros leitores-críticos após o lançamento do Eu. O segundo capítulo, por sua vez, consiste no estudo analítico do tipo de abordagem que os autores dos livros didáticos fazem da poesia de Augusto dos Anjos. Nesta perspectiva, avaliamos um corpus composto por onze livros didáticos referentes ao 3º ano do ensino médio contidos no catálogo do PNLEM 2009 para as escolas públicas brasileiras. Mesmo tendo em vista que o nosso foco é o trabalho com a poesia de Augusto dos Anjos, além de avaliar os livros didáticos, este capítulo apresenta reflexões acerca da utilização dos manuais em sala de aula, sobretudo na disciplina de literatura, através de estudos significativos como os de Chiappini (2005), Cereja (2005) e Pinheiro (2006), entre outros. Discorremos ainda de forma breve sobre o cânone literário e o ensino de literatura tendo como eixo a história literária. Associadas aos estudos analíticos dos manuais didáticos, destacamos algumas referências que foram fundamentais para nos nortearem quanto à presença dos textos consagrados pelo cânone (REIS, 1992; MARTINS, 2006), e o ensino de literatura tendo a historiografia como eixo (SILVA, 1973; CEREJA, 2005; PINHEIRO, 2006; MARTINS, 2006; NÓBREGA, 2008). Muito pertinentes para as nossas reflexões sobre o ensino de literatura e o uso do livro didático foram os documentos das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) e Referenciais 17 Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (PARAÍBA, 2006). A maior contribuição desses documentos foi permitir uma nova visão sobre o ensino de literatura no nível médio. O terceiro capítulo aborda a parte prática de nossa pesquisa, as observações de aulas sobre Augusto dos Anjos numa turma de 3º ano do ensino médio de uma escola estadual da cidade de Patos, Paraíba; a aplicação do questionário de sondagem com os alunos da referida turma; e os relatos da experiência que fizemos com os poemas da face otimista de Augusto dos Anjos também com os jovens leitores dessa turma, proporcionando aos alunos o contato com essa outra face da poesia augustiana, ao passo que observávamos a recepção. Relatamos ainda o que nos motivou escolher a escola e a turma referidas, os desafios enfrentados, as reflexões e as soluções, os impactos e efeitos da leitura dos alunos. Enfim, nas considerações finais buscamos apresentar nossas conclusões sobre as impressões dos poemas com a face otimista; a utilização dos livros didáticos para o conhecimento da poesia augustiana e para a formação do leitor de sua poesia; além da recepção de uma parte dos poemas com a face estudada. Sobre esses poemas, registramos sua importância para o leitor e sua qualidade estética. Sobre os livros didáticos, destacamos os elementos que em nossa concepção favorecem positivamente um trabalho efetivo com a poesia de Augusto dos Anjos para os alunos do ensino médio. Já sobre a realização da experiência, refletimos sobre a prática docente que envolveu as aulas de literatura da turma e o que a nossa prática proporcionou para a formação desses alunos-leitores. Procuramos além de tudo, registrar pontos que tenham motivado uma boa recepção dos poemas otimistas. 18 1 DA FACE COMUM À FACE OTIMISTA A poesia de Augusto dos Anjos é conhecida e cultuada nacionalmente, entre outros aspectos, pelo valor estético de sua linguagem rebuscada, sobretudo o vocabulário cientificista, e por ostentar um tom pessimista e melancólico. Embora estas tônicas que se consagraram estejam corretas, a leitura integral da obra completa do poeta nos chama a atenção para outras dimensões desta poesia. Desde a publicação do Eu Augusto dos Anjos foi conceituado como o poeta do mau gosto, obscuro, entre outros adjetivos. Sabemos que o poeta tem se destacado até hoje na literatura brasileira principalmente por apresentar uma poesia distinta dos padrões comuns, tecidos de uma linguagem suave, de um tom aprazível e de temas cobertos de lirismo amoroso, no entanto, mesmo tendo se destacado numa vertente oposta a esses padrões poéticos, ele também cultivou um estilo diferente da lírica irreverente que o dominou, revelando-se uma figura contrária àquela que vem sendo propagada como única. Para o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001, p. 504), otimismo é o ―sistema de julgar tudo o melhor possível, de achar que tudo vai bem‖, logo contrário ao pessimismo, que é a disposição do indivíduo para encarar tudo pelo lado negativo, esperando de tudo o pior (FERREIRA, 2001). O Dicionário básico de filosofia (2006), por sua vez, apresenta um conceito semelhante para otimismo. Segundo ele, 1. O otimismo representa a concepção segundo a qual a realidade é intrinsecamente boa, sendo que, em última análise, o bem sempre prevalece sobre o mal. [...]. 2. O pessimismo opõe-se ao otimismo e designa uma atitude ou visão negativa das coisas, esperando sempre que o pior aconteça, ou considerando a realidade adversa, sendo impossível mudar as coisas para melhor (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p. 209). Nesta mesma perspectiva, O dicionário de filosofia (2001) define otimismo como ―simples reconhecimento da ‗otimidade‘ do mundo. [...]. Dado que o pessimismo é o contrário de otimismo‖ (MORA, 2001, p. 543). Os principais defensores do otimismo foram Espinoza e Leibniz. Este último é considerado um dos principais representantes do otimismo filosófico, devido à sua ideia de que este mundo é o melhor dos mundos possíveis (JIAPASSÚ e MARCONDES, 2006). Já os 19 principais representantes do pessimismo são Schopenhauer, Eduard Von Hartmann e Oswald Spengler. Diante desses conceitos, se Augusto dos Anjos é reconhecido como pessimista e melancólico pelo tom exibido em seus versos, pelo uso de um vocabulário que a alguns repugna e assusta, bem como pela preferência por temas inquietantes como a morte, entendemos a poesia de caráter otimista como sendo aquela que apresenta vocabulário mais ameno e temas cujo tratamento é realizado de modo mais leve. Rastreando a poesia completa de Augusto dos Anjos, percebemos que há inúmeros poemas dotados de otimismo e que contemplam temas como o amor, a esperança e Deus. Entretanto, a crítica literária esteve pouco atenta a esse viés, ou deixando de investigá-lo em sua poesia por acreditar que este não existia, ou simplesmente não se interessou em relatar sobre tal, talvez por julgar desnecessário ou considerá-lo uma face inferior e pouco importante. Os poemas que fazem parte do viés otimista de Augusto dos Anjos concentram-se em especial nas composições escritas em sua adolescência, antes de sua maturidade literária2, os quais foram publicados postumamente em Outras poesias, Poemas esquecidos e Versos de circunstância. Embora para alguns críticos estes poemas, em sua ―grandíssima maioria, se revelam categoricamente como obra imatura‖ (BUENO, 1994, p. 13), se comparados com as do Eu, para nós não deveriam ser tachados como inferiores e indignos de atenção da crítica e do leitor, pois muitos seguem o estilo do poeta, a predominância de sonetos, versos bem metrificados, com rimas e ritmos bem elaborados, e o vocabulário esdrúxulo. A riqueza de imagens, a elaboração das metáforas e a sonoridade acentuada tornam alguns desses poemas da face otimista tão atrativos e fruitivos quanto os poemas da face comum e mais conhecida do poeta. Sobre estes poemas excluídos por Augusto dos Anjos durante a seleção para a edição do Eu, Cunha (1994, p. 166) considera-os ―extremamente ruins, que o poeta não incluiu no seu livro e que ninguém tem o direito de ressuscitar‖. Para Nóbrega (1962), dessa primeira fase de sua poesia, o poeta pouco deixou de apreciável. Segundo este autor, os poemas dessa primeira fase representam ―o pipilar da ave antes de atingir a plenitude do gorgeio (sic)‖ (NÓBREGA, 1962, p. 284). Ele 2 Paes (1997) considera maduros em Augusto dos Anjos os poemas inclusos no Eu, nos quais há a predominância do vocabulário cientificista, assim como um trabalho mais requintado com a linguagem e a forma. 20 apresenta como justificativa para o seu posicionamento o fato de o próprio Augusto ter feito a crítica dessas produções iniciais, deixando-as fora do Eu. Nessa questão da crítica, Magalhães Jr (1978, p. 59) comunga com o pensamento de Nóbrega (1962), pois para esse autor, ―nenhuma das páginas que até então publicara resistiria à sua exigente autocrítica, ao selecionar seus versos com vistas à publicação em volume‖. Acreditamos que para a edição da obra possivelmente o espaço dedicado aos poemas devia ser limitado, até mesmo por questões financeiras, e, dessa forma, escolher os poemas que iriam compor a sua primeira obra deve ter sido para o poeta uma tarefa árdua. Tendo ele o propósito de lançar uma concepção diferente de poesia, é óbvio que os poemas da face otimista, não tendo o mesmo estilo dos outros, ficassem de fora. Na opinião de Nóbrega (1962, p. 49), o poeta da angústia, da dor, do pessimismo e da poesia científica ―seria insincero se, em sua arte desse gasalhado a sentimentos reveladores de euforia e contentamento‖. Contudo, sobre os poemas relegados do Eu, Magalhães Jr. (1978, p. 310) julga que em alguns casos eles são superiores aos poemas inclusos na obra. Em concordância com o pensamento deste autor, consideramos que nas coletâneas lançadas com poemas excluídos do Eu há composições dignas de apreciação e muito bem trabalhadas esteticamente, porém, não vamos discutir aqui uma questão pessoal de gosto, antes iremos discutir a repercussão desses versos pela crítica. Ainda sobre essas composições poéticas, Magalhães Jr (1978, p. 11) afirma que ―para uns, estas, nada acrescentando de valioso à obra do poeta, antes a depreciam. Para outros, mesmo as mais imperfeitas, vacilantes e indecisas, explicam a evolução do artista do verso e as influências que atuaram sobre ele‖. Paes (1997, p. 200), por sua vez, a respeito desses poemas afirma que Isto não quer dizer que sejam destituídos de interesse para o crítico ou o historiador literário empenhado em rastrear a evolução da arte do poeta, desde os seus primórdios parnasiano-simbolistas até a conquista da dicção pessoal, inconfundível e originalíssima dos maduros poemas do Eu. Com o pensamento quase semelhante ao de Paes, Magalhães Jr. (1978, p. 48) garante que vale a pena conhecer as composições líricas excluídas por Augusto dos Anjos, ―porque através delas podemos acompanhar sua evolução poética, desde as primeiras tentativas, ainda trôpegas e hesitantes, até a cristalização de sua forma, 21 após a escolha do caminho definitivo, quando já aluno da Faculdade de Direito de Recife‖. Levando para a questão biográfica, Vidal (1967) comenta que os poemas excluídos do Eu são capazes de apresentar maiores dimensões à personalidade emocional do poeta e ajudar num julgamento mais preciso. Quanto à dimensão artística, para o autor, esses poemas apresentam um aspecto muito diferente do Eu. Vidal (1967) afirma que através das composições escritas na sua primeira fase (poemas que compõem as coletâneas Outras poesias, Poemas esquecidos e Versos de circunstância), Augusto dos Anjos revela uma personalidade (lírica) bem diferente daquela que compõem os poemas de seu livro, escritos durante a sua segunda ou ―derradeira fase‖, expressão utilizada pelo autor para se referir aos poemas que compõem o Eu. Na primeira fase, ―de um lado, mostra tendências para a poesia então na moda, ou seja, o Parnasianismo, cânticos à natureza se confundindo com o amor, os eternos temas de que ordinariamente se servem os poetas de passados tempos‖ (VIDAL, 1967, p. 23). Na segunda fase, ainda de acordo com Vidal (op. cit, p. 23), ―vamos depará-lo inteiramente contrário ao que era antes, ou melhor: não admite o amor na forma comum, material, sem acreditar em nada‖. A diferença, sobretudo temática, apontada por Vidal, entre os poemas das duas fases é que os poemas do Eu ―giram em tôrno (sic) de temas eternos, em que a Dor figura como razão central. Há nêles (sic) aquilo que se pode levar à conta de erudição, tornando-os tanto científicos na escolha de têrmos (sic) como na configuração do pensamento‖ (VIDAL, 1967, p. 16). Em síntese, Augusto dos Anjos teve duas quadras definidas em sua existência. A primeira em que a gente depara a sua libertação de preconceitos, produzindo sôbre (sic) temas com inteira despreocupação filosófica e científica, falando das doçuras do amor e da mulher, enquanto que, na segunda fase, se mostra dono de outro estilo, entregando-se à elaboração do que se encontra enfeixado no Eu (VIDAL, 1967, p. 39). Acredita-se que inúmeros foram os motivos que levaram Augusto dos Anjos a mudar a sua forma de versar. Os pensamentos propagados na Faculdade do Recife, por Tobias Barreto e outros pensadores contemporâneos seus, fizeram com que o poeta começasse a intensificar em seus versos o cientificismo e o pessimismo ceticista, reflexo de sua época, caracterizada por Bosi (1969) de positivista, agnóstica e liberal. Sobre essa mudança, Magalhães Jr. (1978, p. 80) assegura que 22 ―a convivência, com professores e alunos, num centro cultural fervilhante de ideias, causaria poderoso impacto em sua inteligência moça, dando nova feição à sua poesia‖, sendo influenciadora de sua nova fase de composição poética e transformação filosófica. Na Faculdade de Direito do Recife, Augusto dos Anjos conheceu o professor José Izidoro Martins Júnior, que também era poeta com grande influência do positivismo e cientificismo, autor do livro A poesia científica. Sobre a influência dessa nova amizade na adoção do cientificismo, Magalhães Jr (1978, p. 131) comenta que o poeta alcançava a sua feição definitiva, entre os vinte e um e os vinte e dois anos, só lhe acrescentando, a partir daí o vocabulário cientificista, que o aproximaria, cada vez mais, de Martins Júnior, à medida que o ia afastando de suas fontes iniciais e da visível influência de Cruz e Sousa. Depois de algumas reflexões sobre as duas fases da poesia de Augusto dos Anjos das quais se depreendem suas diversas faces, acreditamos que ―os críticos andaram apressados em ater-se a limites aceitos como definitivos‖ (VIDAL, 1967, p. 16 – 17), ao disseminarem a poesia de Augusto dos Anjos quase exclusivamente pelos vieses pessimista, melancólico e cientificista3, desprezando suas outras composições. Consideramos imprescindível o conhecimento dos poemas da primeira fase da poesia augustiana, sobretudo do viés otimista, não só pelos historiadores e críticos, mas especialmente pelo leitor iniciante, visto os temas menos inquietantes e a linguagem mais aprazível. Nessa questão evolutiva, consideramos como ponto positivo o fato de o leitor em formação ter a possibilidade de acompanhar as mudanças pelas quais a poesia do poeta passou a fim de melhor compreendê-la no ápice de sua criação. À medida que esse leitor conhece poemas de cunho diferenciado, além de ampliar seu horizonte de leitura em relação à poesia augustiana, tem a oportunidade de escolher quais estilos lhe agradam. Por isso reputamos essencial a experiência estética entre o leitor e esses poemas, visando à fruição dos textos e à formação de leitores da poesia augustiana. 3 Os vieses expressionista e impressionista, que são comumente associados à poesia de Augusto dos Anjos, são utilizados como forma comparativa entre os versos augustianos e essas tendências de vanguardas. 23 Na atualidade, grandes críticos literários têm prestigiado na organização de suas antologias ou livros de historiografia literária os poemas canônicos do Eu em detrimento dos poemas relegados. Alfredo Bosi, no livro História concisa da literatura brasileira (2006), preocupa-se em mostrar, como a maioria dos críticos, poemas que ressaltam o lado pessimista, cientificista e melancólico de Augusto dos Anjos. Em seu livro, Bosi apresenta um (1) poema na íntegra e fragmentos de seis (6) poemas para demonstrar a dimensão cósmica da poesia augustiana, o evolucionismo, a miséria da carne tendo o verme como um deus, o prosaísmo, o descaso do poeta pelo amor, entre outros4. Outro crítico literário, Massaud Moisés, cujo livro A literatura brasileira através dos textos (2007) é grande referência em antologia de textos literários ordenados à luz da historiografia, apresenta quatorze (14) poemas que ilustram o pessimismo, cientificismo e a melancolia da poesia de Augusto dos Anjos, com exceção de um (1), que consideramos fazer parte da face otimista em nosso trabalho, chamado ―Ultima Visio‖ 5. Não queremos criticar o trabalho de Bosi e Moisés, mas sim destacar que os temas ou os poemas da face otimista ainda não ganharam espaço nos estudos desses grandes críticos. Essa referência pode refletir na seleção do corpus de leitura atribuído pelos autores dos livros didáticos, junto das primeiras leituras acerca da obra de Augusto dos Anjos, naquilo que constitui as primeiras recepções de seus poemas, bem como as primeiras críticas atribuídas à sua obra, que prestigiam as composições do Eu e enfatizam o pessimismo, cientificismo e a melancolia presentes na maioria dos poemas. Apesar de a ação de explorar os mesmos temas não ocasionar necessariamente uma repetição crítica, em certo sentido, o livro didático, por exemplo, pode refletir as leituras que o precederam por serem legitimadas por críticos renomados. Sendo assim, a face otimista ainda continua sendo esquecida por uma parcela de pesquisadores, críticos e autores de livros didáticos talvez porque suas leituras não tenham tanta força quanto a que é comumente disseminada, e dessa forma não tomaram grandes proporções. 4 Há no livro de Bosi (2006) o poema ―O lamento das coisas‖, e os fragmentos de ―Psicologia de um vencido‖, ―A ideia‖, ―O deus-verme‖, ―Queixas noturnas‖, ―O martírio do artista‖, e ―Monólogo de uma sombra‖. 5 No livro de Moisés (2007) há os poemas ―Psicologia de um vencido‖, ―Budismo moderno‖, ―Vandalismo‖, ―Versos íntimos‖, ―Eterna mágoa‖, ―O lamento das coisas‖, ―O meu nirvana‖, ―Homo infimus‖, ―Vítima do dualismo‖, ―Ao luar‖, ―Apóstrofe à carne‖, ―Ultima visio‖, ―O poeta do hediondo‖ e ―Revelação‖. 24 1.1 Os primeiros leitores de Augusto dos Anjos: a face comum Augusto dos Anjos foi um poeta que em vida lançou unicamente um livro, intitulado Eu, e foi o bastante para o seu nome ser consagrado como um dos poetas mais autênticos da literatura brasileira, quiçá o mais original, como aponta Bosi (2006), destacando-o entre Cruz e Sousa e os modernistas. O Eu foi publicado no ano de 1912, compondo 58 poemas, tendo sido, em sua maioria, anteriormente divulgados nos jornais paraibanos A união ou O Comércio. A sua única obra não poderia ter um título melhor para demonstrar a inquietação de um poeta que, embora tenha versejado a dor universal e as misérias humanas, também deixa transparecer, em alguns de seus poemas, traços de otimismo gerados das suas primeiras composições. Porém, essa tensão na sua poesia não foi visualizada pelos primeiros críticos da obra, passando a ser explorada a partir dos poemas relegados desta. A princípio, a recepção dos primeiros leitores e críticos do Eu foi calorosa e fervilhante, pois seus poemas repercutiram de modo que por um lado conquistaram admiradores, e por outro chocaram aqueles que eram acostumados com a poesia da belle époque ainda com resquícios do modelo de arte enaltecido pelos parnasianos e simbolistas. Partindo da reflexão de Zilberman (1989, p. 114), quando postula que a recepção ―refere-se à acolhida alcançada por uma obra à época de seu aparecimento e ao longo da história‖, faremos um breve percurso sobre as primeiras críticas lançadas ao Eu logo após sua primeira edição, destacando depoimentos que se opõem à face otimista da poesia do poeta. Paradoxalmente, o Eu foi recebido com muito elogio por uns e com muita crítica por outros. Umas das primeiras notícias sobre o Eu foi escrita por Oscar Lopes, publicada em O país, em 9 de junho de 1912. O Sr. Augusto dos Anjos, autor de um livro de versos intitulado Eu, fez barulho logo à chegada. A muita gente ele parecerá apenas um desequilibrado. O título escolhido para suas poesias é de uma ousadia rara. Algumas das composições são perfeitamente estranhas e caracterizadas por tudo quanto constitui a moeda corrente nas letras da nossa terra. Entretanto, passada a primeira impressão, o leitor verifica que dentro daquelas páginas palpita o espírito original, que tanto verseja – e sempre com um singular poder 25 musical – sobre temas exclusivamente bizarros (LOPES apud MAGALHÃES JR, 1994, p. 58). Em 13 de junho de 1912, Eurícles de Matos escreveu em A Tribuna um texto sobre o Eu do qual destacaremos apenas um fragmento. Após o autor elogiar Augusto dos Anjos e considerar a poesia dele reveladora de um espírito culto, com qualidades poéticas pouco comuns, finaliza com um comentário que sintetiza sua empatia para com os poemas augustianos. A estréia de Augusto dos Anjos, posso adiantar, fica como o acontecimento do ano. Que livro saído até este momento poderá ser apontado para derribar essa minha afirmativa? Que poeta de nota é esperado em alguma obra prometida? (MATOS apud MAGALHÃES JR, 1994, p. 58 – 59). No dia 16 de julho de 1912, saía no Diário de Notícias um artigo de Hermes Fontes sobre o poeta paraibano, entre outros autores. Após tecer alguns elogios quanto ao talento do poeta, o autor faz uma confissão: No livro Eu, de Augusto dos Anjos, há muitas coisas que me desagradam, já pela monotonia das idéias e de módulos, já pela insistência em certos assuntos que perdem o condão de agradar e surpreender quando insistentes e crebros, já porque o ilustre poeta forceja por unificar os pontos de vista e os processos de sua arte, o que, aliás, consegue, mas sem sutileza... (FONTES apud MAGALHÃES JR, 1978, p. 265). De acordo com Viana (2001, p. 42), a respeito da publicação do Eu, ―os que não perceberam a novidade limitaram-se a manifestar o seu desprezo ou espanto‖, pois não compreenderam que mesmo tendo gerado outro tipo de expectativa, o livro abriu um novo horizonte temático-estilístico para a poesia brasileira. De acordo com Melo Filho (1994, p. 15), incompreendido, foi desprezado por um vasto segmento de intelectualidade brasileira, que não entendia o gosto macabro dos seus temas ou o linguajar pretensioso das suas estrofes, tidas como pseudocientíficas e mais apropriadas a um livro de medicina legal. Sobre a incompreensão da crítica, Melo Filho (1994) ainda notifica que o fato de Augusto dos Anjos ter-se revoltado contra o tradicionalismo da poesia brasileira 26 daquela época foi a causa da não-aceitação de sua obra por uma parcela dos intelectuais. Lins (1994) afirma que grande parte do pouco êxito da obra de Augusto no momento em que foi publicado deveu-se ao fato de ela ser estranha aos padrões correntes. Contudo, Viana (2001) assegura que apesar de muita incompreensão ao julgamento do valor estético do Eu, nunca houve indiferença para com os méritos do seu autor. Deste modo, o reconhecimento foi lento e ―somente aí, depois de morto, passou a ser um poeta respeitado, conhecido e admirado‖ (MELO FILHO, 1994, p. 18). Logo, os intelectuais da época o aceitaram e o reconheceram como o maior precursor e o melhor representante da poesia cientificista no Brasil, logrando assim mérito ímpar. A reedição do Eu foi preparada depois da morte de Augusto dos Anjos por iniciativa de seu amigo, Órris Soares, com ajuda da viúva, Dona Éster de Fialho. A segunda edição trouxe além dos 58 poemas já presentes na obra inicial, outros 48 poemas formando o Eu e Outras poesias, custeada pelo Governo do Estado da Paraíba, em 1920. Depois de Órris Soares, outros estudiosos pesquisaram alguns outros poemas que não foram divulgados nas duas obras iniciais e publicaram uma terceira edição, agora apresentada como Eu, Outras poesias e Poemas esquecidos, em 1928. Durante muito tempo a atenção da crítica esteve voltada quase exclusivamente para os poemas do Eu ou Eu e outras poesias, e, por conseguinte os estudos sobre esses poemas contemplaram os vieses cientificista, pessimista e melancólico da poesia augustiana. À medida que se priorizou essa concepção de interpretação da poesia de Augusto dos Anjos, desprezaram-se outras, no que se refere à face otimista. Alguns críticos e ensaístas não só notaram a ausência dos temas de Deus, amor e esperança, como também alegaram que o poeta sequer tinha escrito algo sobre eles. Ainda quando esses temas foram notados, foram vistos de acordo com o pessimismo ou a melancolia do poeta. Órris Soares afirma que ―na poesia de Augusto dos Anjos nota-se a ausência de uma clave: - a do amor‖. (SOARES, 1994, 71). Contudo, essa ausência não foi notada somente por Soares, visto que muitos críticos comentaram a falta desse assunto na poesia augustiana. Kopke (1994, p. 151), por exemplo, também destaca ―a ausência de adesão e de amor na maioria de seus poemas e sonetos‖. 27 De acordo com Bandeira (1994, p. 114), ―os primeiros críticos de Augusto dos Anjos notaram logo a completa ausência de poemas de amor em toda a sua obra‖. Porém o autor adverte que essa ausência é para o amor carnal. Segundo ele, Augusto dos Anjos considerava este tipo de sentimento ―uma mentira, não era amor, não passava de ‗comércio físico nefando‘‖ (idem, ibdem). Bandeira, ao atentar para a ausência do amor carnal na poesia de Augusto dos Anjos, mostra uma visão limitada em assegurar que a ausência desse tema refere-se demasiadamente à totalidade da criação poética do paraibano. Provavelmente no período em que Bandeira escreveu seu ensaio a obra completa do poeta se resumia ao Eu ou Eu e outras poesias, e é possível que ele não tenha tido conhecimento dos Poemas esquecidos, em que o poeta versa sobre o amor, sobretudo, numa concepção um pouco erotizada. Sobre o amor na concepção erótica, Freyre (1994, p. 28) assegura que para o poeta o amor carnal era considerado motivo de pecado, pois ―em seus poemas, o sexo aparece sempre manchado de culpa‖. Esse comentário afigura-se oportuno porque provavelmente se refere unicamente aos poemas do Eu, em que o poeta, sem dúvida, assume uma postura sobre o amor diferente da que expunha nos poemas de sua primeira fase. Entretanto, a crítica literária teceu comentários não somente sobre a ausência do amor na concepção destacada por Bandeira e Freyre, como também sobre o amor idealista e espiritualista. Para justificar essa aparente lacuna na poesia augustiana, alguns críticos guiaram-se pela mera impressão e algumas vezes pela subjetividade, a exemplo de Torres (1994, p 54), que afirmou que Augusto dos Anjos ―não cria no amor. Por isso não o decantava‖. Para o autor ―é pelo amor que se perpetua a Vida; logo, deve detestar o primeiro, que é um ‗meio‘, quem detesta a segunda, que é um ‗fim‘‖ (TORRES, 1994, p. 57). Esta reflexão insinua que Augusto dos Anjos detestava o amor porque detestava a vida, e por isso não versejou sobre ele. Mas como pode Torres atestar uma afirmação tão íntima ao poeta sem ao menos ter tido algum tipo de contato direto com ele? Supostamente Torres deve ter tirado essa conclusão a partir dos poemas pessimistas e melancólicos de Augusto dos Anjos, porém, se tivesse tido conhecimento sobre a face otimista do poeta, talvez sua afirmação fosse diferente. Pensamento quase semelhante tem o crítico Órris Soares, ao proferir que ―o amor, seiva e fonte da vida, não lhe tirou uma lágrima, nem no peito lhe fez bater 28 contentamentos‖ (SOARES, 1994, p. 71). Essa afirmação atribuída ao próprio poeta é citada para referir-se ao fato de Augusto dos Anjos não ter sido motivado a poetar sobre o amor porque não teve experiências satisfatórias com ele. Apesar de Soares ter tido contato direto com Augusto dos Anjos no período da faculdade, revela-se desconhecedor da intimidade do colega, pois adiante veremos que outros críticos mais próximos da realidade do poeta desvendaram fatos que contrariam esse mito e as suposições feitas sobre a face mais conhecida de sua poesia. A partir desses dois últimos comentários vemos que se tenta utilizar a biografia do poeta para justificar uma mera impressão observada sobre sua criação artística. A ausência do tema do amor na sua poesia é constantemente atribuída a fatos ocorridos na sua vida particular. Medeiros e Albuquerque (1994, p. 96) assevera que ―após uma vida que foi antes uma prolongada agonia, não deixou versos de amor‖, e acrescenta que o ―que ele teve foi vergonha de cantar certos sentimentos íntimos‖ (MEDEIROS E ALBUQUERQUE, 1994, p. 97). Visto unicamente como pessimista e melancólico, a crítica revelava cada vez mais a figura do poeta sob o prisma do eu – lírico. Sendo assim, a sua descrença no amor, em Deus, a falta de esperança na vida e a obsessão pela morte, constantemente vistas no eu poético, eram aplicadas ao poeta do Eu. A prática de interpretação de cunho biográfico é constante na poesia de Augusto dos Anjos. O que se vê com frequencia é a associação das características da pessoa lírica à pessoa do poeta, sendo comum confundirem a pessoa de Augusto dos Anjos com o eu – lírico dos seus poemas e misturarem a sua criação poética com a sua biografia. A respeito dessa apelação biográfica, Oliveira (2008, p.12) alega que O biografismo com que sua obra costuma ser abordada é tão exacerbado que chegou a criar um verdadeiro mito, suposta chave de interpretação da sua poesia. [...] O apelo à vida concreta do autor como estratégia de leitura da obra atinge aqui seu ápice ridículo, ao eleger, como gênese de um determinado temperamento lírico, um dado biográfico que nem sequer existiu. Tal é o tipo de precariedade analítica de que Augusto dos Anjos tem sido vítima. Como observamos, vários críticos literários e até estudiosos da poesia de Augusto dos Anjos durante décadas fizeram estudos vinculados às faces que costumam ser mais comuns em sua poesia, alguns sem muita observação na totalidade dos poemas do paraibano. De acordo com Helena (1983, p. 51), 29 esses estudos, produzidos mediante abordagens externas, resultam da captação imprópria de alguns elementos mais visíveis em sua poesia, mas que não foram considerados em relação à inteireza do texto poético, cuja estruturação não foi por eles sequer percebida. Essas críticas sem investigações precisas mostram-se restritas e sem muita profundidade na obra completa6 de Augusto dos Anjos, quando excluem a totalidade da lírica augustiana ou mostram dados que se limitam unicamente aos poemas do Eu, querendo aplicá-los a toda poesia do poeta. Outro tema denunciado como ausente na poesia de Augusto dos Anjos é a divindade suprema, ou seja, Deus. Para Torres (1994, p 54), ―Augusto dos Anjos, que, segundo parece não cria em Deus‖, e isso pode ser notado através do eu lírico dos seus versos. Comungando com o pensamento de Torres, também para Houaiss (1976, p. 163) Augusto dos Anjos é ―ostensivamente um ateu – pelo menos em sua poesia‖. Diante desses pensamentos, Bandeira (1994, p. 115) questiona: ―acreditava em Deus? Acreditava e rezava as preces católicas. Mas na sua poesia a concepção do universo não é ortodoxa, tem algo de maniqueísta, opondo ao mundo do espírito, ao mundo de Deus, o mundo da matéria‖. Nessa questão, Bandeira percebe com precisão a proposta da poesia de Augusto dos Anjos, que não é fiel ao cumprimento de uma doutrina religiosa específica, porém professa a crença em Deus e valoriza os valores éticos universais propagados comumente pelas religiões, como a virtude do bem em oposição ao mal. O autor ainda observa os limites entre a concepção de religião na poesia em contraposição à religiosidade do poeta. Ainda sobre Deus na poesia augustiana, de acordo com Nóbrega (1962, p. 188), Augusto dos Anjos ―não pôde firmar seu ponto de vista. Quis ser possivelmente o poeta que negava Deus. Mas foi contraditório, porque ora O negava ora O afirmava‖. O pensamento da crítica que alegou a ausência de temas otimistas e consagrou os poemas pessimistas, cientificistas e melancólicos em detrimento dos outros, além de direcionar a leitura de sua obra a um único caminho, elimina os outros trajetos que o leitor poderia percorrer. Em outras palavras, a concepção habitual da crítica que consagrou o poeta e a poesia dotada de pessimismo e melancolia pode limitar a visão do leitor que passa a conhecer Augusto dos Anjos e 6 Referimo-nos à obra completa de Augusto dos Anjos o seu livro editado em vida, Eu, bem como às coletâneas editadas depois de sua morte. Por todos os livros conterem poemas do poeta, consideramos todos estes como obra completa. 30 sua obra pela mesma ótica, mas não o impede de ter a possibilidade de descobrir novas perspectivas acerca de ambos. 1.2 Novos leitores, novos olhares: a face otimista Ante a persistência dos mesmos assuntos e a propagação das mesmas ideias sobre a poesia de Augusto dos Anjos, os novos leitores, sobretudo acadêmicos, têm voltado novos olhares à poesia do paraibano e revelado características antes negadas. A face otimista, por exemplo, antes esquecida, agora aparece sutilmente em determinados estudos acadêmicos ou artigos divulgados em algumas ferramentas de comunicação, tais como a internet. Todavia, há décadas que um grupo pioneiro de biógrafos já atentava para esse viés, porém sem continuadores dos seus estudos. Um exemplo disso se encontra no livro Augusto dos Anjos e sua época (1962), de autoria de Humberto Nóbrega. O livro contém um amplo levantamento estéticohistórico, como assim define o autor, sobre os poemas augustianos contidos no Nonevar7, além de outros poemas relegados pelo poeta. O livro ainda desvenda, sobretudo, o humorismo contido em alguns poemas, além de composições que tratam de amor e de Deus numa perspectiva diferente da que é difundida por outros pesquisadores. Enfim, revela facetas pouco estudadas da personalidade artística do poeta: - ―humorismo, lirismo, crença‖ (op. cit., p. 30), em que, através do lirismo, cantou a beleza da mulher paraibana no Nonevar; usou o humorismo, crivando-o de sátiras para apresentar os jovens da época, também no Nonevar; e revelou a crença no amor e em Deus nos poemas esquecidos. No início do seu livro, Humberto Nóbrega (1962, p. 8) confessa que antes da leitura do Nonevar 7 De acordo com Magalhães Jr. (1978), o Nonevar era um jornalzinho do qual o poeta foi colaborador e que circulava somente durante a festa de Nossa Senhora das Neves, padroeira da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, ―o acontecimento religioso e social de maior relevo na Província‖ (NÓBREGA, 1962, p. 13). Nóbrega (1962, p. 9) acrescenta que ―o Nonevar era parte integrante dos festejos religiosos, em louvor à padroeira da cidade‖, e assim que terminava o novenário, a gazeta deixava de circular. Segundo Nóbrega (op.cit, p. 26), o Nonevar era um ―tipo de imprensa efêmera, imprensa de festa, - cheia de verve, humor, sátira, epígramas, perfis e louvaminha ao belo sexo‖. Discorrendo sobre a etimologia da palavra, Magalhães Jr (1978) informa que Nonevar é uma composição de ‗nove‘, ou ‗nono‘ com o verbo ‗nevar‘. Para este autor, os poemas contidos no Nonevar ―não tem significação alguma na obra de Augusto dos Anjos, a não ser de mera curiosidade‖ (op. cit., p. 177). 31 só conhecia o Augusto a quem os críticos classificavam de poeta da dor, poeta da tristeza, do pessimismo, da incredulidade, poeta fronteiriço da loucura. [...] E tôdas (sic) estas deformações estavam passando em julgado, como verdades inconcussas! O autor atesta que as páginas do Nonevar lhe revelaram ―um outro Augusto bem diferente: crédulo, alegre e chistoso, inspirado em motivações do belo e do jucundo – facêtas (sic) desconhecidas e até mesmo negadas pelos seus exegetas mais eminentes‖ (NÓBREGA, 1962, p. 8). Segundo o mesmo autor, as coleções desse jornalzinho ―possuem o grande mérito de nos revelar um Augusto bem diferente‖ (NÓBREGA, 1962, p. 50), pois naquelas colunas ele não se apresenta como um poeta triste, já que se vê um ―Augusto alegre, galanteador, lírico, mavioso a cantar, em eruditos e primorosos versos, a formosura da mulher‖. Apesar de Nóbrega definir sua pesquisa como estético-histórica, não deixa de ser também biográfica, por isso além de apreciar os poemas esquecidos de Augusto dos Anjos, propõe uma nova reflexão sobre conceitos em torno da sua personalidade. Consideramos esses dados oportunos devido à constante assimilação da poesia augustiana à sua personalidade. Queremos destacar que se outrora a biografia foi um recurso motivador para a interpretação de seus poemas e para o culto do pessimismo e da melancolia, agora a mesma biografia pode se mostrar um meio para refletir sobre essa visão unilateral da poesia augustiana e revelar uma face desconhecida do poeta. Dessa forma, Nóbrega (1962, p. 9) acredita que o ensaio contido no seu livro proporcione uma nova visão acerca da personalidade do poeta, já que ―êle (sic) aqui aparece bem diverso de como tem sido divisado nos quadros da crítica literária e nas pesquisas científicas que a sua figura de homem e de poeta tem provocado‖. Para confirmar seus pressupostos, Nóbrega entrevistou parentes próximos de Augusto dos Anjos, a exemplo dos filhos e da irmã, seus ex-alunos e amigos, sobretudo, colaboradores do Nonevar. Sendo assim, Nóbrega (1962, p. 43) insiste nesse lado, que ele mesmo diz ser aparentemente contraditório da vida e obra do poeta Augusto dos Anjos. A pesquisa de Nóbrega, portanto, foi o estopim para a abertura de novos caminhos e novos olhares sobre a poesia augustiana. Outra obra importante, que desvenda um viés diferente da poesia de Augusto dos Anjos, é O outro eu de Augusto dos Anjos (1967), de Ademar Vidal, pois apresenta explicações sobre os poemas esquecidos do poeta quando ainda eram 32 inéditos e foram copiados por ele a partir de jornais da Paraíba. O autor confessa que não os excluiu por julgá-los capazes de apresentar maiores dimensões à personalidade do poeta paraibano. O livro ainda contém depoimentos sobre a vida de Augusto dos Anjos no Engenho Pau d‘arco e na capital paraibana, João Pessoa, na época chamada de Parahyba do Norte, além das cartas escritas pelo poeta à sua mãe, as quais revelam fortemente o seu lado otimista. Dessa forma, o autor insiste no fato de que, além dos poemas esquecidos, ―as cartas particulares abrem perspectivas novas‖ (VIDAL, 1967, p. 4) sobre Augusto dos Anjos e sua poesia. Porém, essas correspondências são apenas documentos epistolares, que não possuem nenhum valor artístico, e por esse motivo não as destacaremos em nosso trabalho. Para atestar o fato equivocado de atribuírem ao autor do Eu o demasiado pessimismo e melancolia, Vidal (1967) assegura que as cartas são documentos pessoais, enquanto os poemas fazem parte de uma arte (de fingir), por isso não podem comprovar a real face do poeta. Embora esse livro exponha comentários críticos sobre os poemas, ressalta uma posição de caráter mais biográfico do que crítico, tanto no que diz respeito à interpretação dos poemas quanto nos depoimentos constatados através das reminiscências do autor quando conviveu com o poeta. Ademar Vidal não foi somente um biógrafo de Augusto dos Anjos, foi seu amigo. Pelo que conta, quando criança foi aluno do poeta e o que escreveu em seu livro foi à base de suas reminiscências de aluno primário. Segundo ele, foi o ―único discípulo de caráter particular‖ (VIDAL, 1967, p. 6) que frequentou a sua casa, estando por isso capacitado para informar sobre o que viu e ouviu, e com autoridade para desvendar a autêntica personalidade do poeta. De acordo com Horácio de Almeida (apud MAGALHÃES JR, 1978, p. 23), tendo sido Ademar Vidal ―amigo declarado da família do poeta e tendo recebido dados e informes dessa família, tudo quanto disser em desfavor dela deve merecer crédito‖. Conforme o pensamento unânime de outros críticos que persistiram em apontá-lo como um enfermo, melancólico e pessimista, Vidal (1967) conta que Augusto dos Anjos dava demonstrações de quem sempre estava alegre e feliz. Ao longo do livro, incontáveis vezes, insiste que o poeta não ostentava sinal algum de melancolia e vivia sempre risonho, ―excessivamente alegre‖ (VIDAL, 1967, p. 25). De posse dessas informações, Vidal (1967) contesta a impressão de alguns contemporâneos do poeta, que afirmam que ele era melancólico, angustiado, doente 33 e vivia mergulhado em tristeza, e, além disso, utilizam os seus versos para reforçar essas impressões. De acordo com o autor Se êle fôsse um enfêrmo (sic), no sentido de sempre ―mergulhado em tristeza‖, não poderia sustentar intervalos de manifestações opostas – ao correr de longos meses em que me ensinou na intimidade do seu lar. O doente pode ter suas intermitências. Entretanto, com essa constância é difícil, por exemplo, uma atitude única, harmoniosa, mantida invàriavelmente (sic) diante de mim durante nove meses. Por isso admito, sem receio de falar à verdade, que Augusto dos Anjos era um temperamento servido por dose poderosa de alegria, porquanto apegava-se à demonstração dessa natureza por modo contagiante e coerente, coisa como que de todos os dias (VIDAL, 1967, p. 16). Vidal (1967) complementa que o poeta em nada demonstrava sofrer de perturbações mentais maiores e nunca se queixou de falta de saúde, não sendo incomodado por qualquer enfermidade grave. O autor certifica que houve quem dissesse que Augusto dos Anjos não era um sentimental, mas todos os indícios indicam o contrário, e ―só um estranho poderia sustentar o inverso por completa ignorância dos fatos, ou desconhecimento do homem‖. Vidal (1967) critica o fato de que muitos estudiosos de Augusto dos Anjos seguem a mesma trilha, orientando-se por iguais indicações, ninguém modificando a unanimidade de pensamento, principalmente o seu proclamado caráter triste. O livro intitulado A poesia e vida de Augusto dos Anjos (1978), de Raimundo Magalhães Júnior, apesar de, assim como os outros, ser mais um livro de caráter mais biográfico do que crítico, o autor tem como alguns dos focos do seu trabalho os poemas excluídos por Augusto dos Anjos. O autor, em seu prefácio, deixa claro que mesmo sem desapreciar o pioneirismo dos dois livros aqui anteriormente comentados, vem reparar, sobretudo, na retificação de textos deturpados em várias de suas transcrições. O autor ainda reflete sobre a necessidade de preservar esses poemas, visto que na época em que escreveu o livro, as coleções dos jornais pesquisados já se encontravam, em parte, dilaceradas. Ao passo que alguns biógrafos, a exemplo de Humberto Nóbrega e Ademar Vidal desvelaram a espiritualidade do poeta, alguns críticos visualizaram a presença do tema ―Deus‖, antes negado em seus poemas, e sobre isso teceram alguns comentários. Segundo esses biógrafos, Augusto dos Anjos teve uma acentuada 34 formação espiritual e religiosa modelada dentro da doutrina católica, sendo, portanto, cristão (VIDAL, 1967). Sobre a espiritualidade do poeta, percebe-se a indignação de Vidal (1967, p. 54) ao afirmar que ele ―não era, pois, o materialista indiferente, tocado pelo pessimismo. Ou um cético tampouco. Rezava, freqüentava (sic) igrejas. Não se admita uma absurda contradição, que poderia ser monstruosa, dada a circunstância do autor do Eu ser católico praticante‖. Sobre sua religiosidade, Vidal (1967) atesta que o poeta conservava o hábito de fazer orações e de frequentar os templos católicos. O mesmo autor ainda revela que ―Augusto dos Anjos chegou a praticar o espiritismo‖ (VIDAL, 1967, p. 69) e relata que ele promovia sessões na sala de jantar de sua casa, mas adverte que ―as sessões espíritas estavam trazendo sérios transtornos à pacatez do ambiente‖ (op. cit, p. 70), pois como consequência delas, já se ouviam ruídos estridentes e as pessoas do Pau d‘arco foram assaltadas por grandes medos decorrentes de assombração. Diante disso, Dona Mocinha tinha proibido as sessões. Adiante, Vidal ainda ressalta que Augusto era ―‗médium‘ classificado‖ (op. cit, p. 70). Contudo, Augusto dos Anjos ―nunca se afastou do círculo da Igreja em que se criara‖ (VIDAL, 1967, p. 114), e ―nunca abandonou o catolicismo‖ (NÓBREGA, 1962, p. 178). Comparecia às novenas de Nossa Senhora das Neves e, segundo Nóbrega (1962, p. 28), não fugiu às atrações que esta festa exercia sobre a mocidade de seu tempo, pois ―comparecia aos atos religiosos, frequentava o pátio, escrevia em um dos jornais de que foi até diretor‖. Deixando de lado a espiritualidade do poeta, e tratando de sua poesia, nota-se em alguns de seus poemas a crença em Deus e a valorização do Cristo. De acordo com Oiticica, ―em seus versos, nos póstumos, sobretudo, as intenções teosóficas são freqüentes (sic)‖ (OITICICA, 1994, p. 113). Para Lins (1994, p. 122), ―o Deus que aparece nos seus versos não é propriamente uma entidade religiosa, no sentido ortodoxo de qualquer religião, e sim um vocábulo transcendente, um recurso verbal, que não pode ser interpretado sem a consideração do credo de Augusto dos Anjos, da sua concepção do mundo‖. Lendo os poemas do Eu, percebemos traços de politeísmo e panteísmo, como bem destaca Nóbrega (1962, p. 189) respectivamente em versos do poema ―Ilha do Cipango‖ e em versos do ―Poema Negro‖. Ainda há traços sob o prisma cristão católico, budista, materialista e até sob a vertente do espiritismo. Através dos 35 poemas em que Deus aparece sob vários prismas, podemos observar traços de diferentes doutrinas, todavia não podemos afirmar que devido a um traço artístico, o poeta seguia uma ou outra prática religiosa, mesmo que nutrisse uma simpatia por esta ou aquela. O conhecimento de doutrinas diferentes é justificável por haver na biblioteca particular do seu pai livros sobre várias religiões, tais quais o hinduísmo, islamismo e budismo, entre outros. A partir da leitura desses livros, ele se tornara conhecedor de várias doutrinas, nutrindo por algumas delas total simpatia (VIDAL, 1967). Enfim, sobre a maioria dos poemas que tratam de Deus, podemos sintetizar a concepção teológica na poesia augustiana de acordo com o pensamento de Vidal (1967) ao explicar que Augusto dos Anjos foi um espiritualista, mas se destacou por escrever versos materialistas. No que se refere ao amor na poesia de Augusto dos Anjos, Fontes (1994, p. 51) o caracteriza como um ―amor-solidariedade‖, o que também é notado por Bandeira (1994, p. 115) - depois de atestar a completa ausência desse tema na poesia augustiana, como ―o amor amizade verdadeira‖, que segundo ele, ―o poeta encontrou no casamento e não deu mais atenção ao outro senão para estigmatizálo. Deste amor amava os seus – os pais, a mulher, os filhos...‖. Diante do conceito de amor atribuído à poesia augustiana por estes autores, depreende-se que o amor na poesia de Augusto dos Anjos não seria um sentimento moldado no Eros, símbolo do desejo, mas no Ágape, na fraternidade e na caridade humana. Para Faria (1994), quando nos poemas augustianos o amor refere-se ao sentimento de uma pessoa por outra, sempre é exposto como um tipo de amor puro, livre de qualquer desejo carnal, já que o poeta o via como algo contrário ao sexo. ―O amor físico, muito embora não fosse ele um cenobita e normalmente exercesse a vida, com casamento e filhos, não o interessava do ponto de vista poético‖ (FARIA, 1994, p. 147). Vidal (1967, p. 58), porém, contraria o pensamento de Farias, ao afirmar que ―no passado recente seus versos de amor continham intensidade sensual viril‖, referindo-se aos poemas esquecidos. Nóbrega assegura que ―Augusto manifesta, em sua arte, verdadeira prevenção contra êsses (sic) amores fugazes, interrompidos pela instabilidade das amadas‖ (NÓBREGA, 1962, p. 157). Para Nóbrega (1962, p. 158), ―Augusto era contrário ao amor não duradouro. O amor que não recebeu o banho lustral da legalidade ou a unção santificante da igreja‖. 36 Apesar de muitos críticos e leigos alegarem que Augusto dos Anjos não versou sobre o amor e que não amara, Vidal, em suas reminiscências de aluno, mostra a afetuosa relação entre Augusto dos Anjos e sua esposa, e diz que o poeta ―brincava, então com a sua musa, rindo-se os dois como noivos venturosos, enquanto eu ficava para o lado, esquecido por ambos, não havendo mais ninguém presente, além dêles (sic) mesmos‖ (VIDAL, 1967, p. 21). Sobre a afetividade do poeta e sua crença no amor, Vidal (1967, p. 52) diz que: E quem mais amoroso do que foi êle (sic)? Augusto dos Anjos dá testemunho dessa verdade através das produções líricas da primeira fase. De modo que a notória ―repulsa‖ pela amada não passa de mito frágil. Esboroa-se ao mais leve exame. Se não fosse suficiente a revelação dos seus primeiros versos, bastariam as cartas que escreveu a Dona Mocinha, as quais demonstram abundante capacidade afetiva, mesmo uma constante sentimental na fiel expressão da palavra. Grieco (1994) acredita que a prova maior de sua afetividade foi a dedicatória do livro à sua mãe, à esposa, à filha e aos irmãos. Enfim, Nóbrega assegura que ―o estudo da sua personalidade revela-o um compreensivo admirador do Amor. Do Amor em tôda (sic) a sua perfeita extensão. Do Amor sublimidade.‖ (NÓBREGA, 1962, p. 160). Já sobre a esperança, o otimismo e a alegria, características opostas ao pessimismo e à melancolia encontrada em grande parte dos poemas de Augusto dos Anjos, Nóbrega comenta que ―em torno (sic) de seu pendor elegíaco, já se formou uma forte auréola de austeridade que repele tôda (sic) e qualquer nuance de alegria, como forma de interpretação‖ (NÓBREGA, 1962, p. 30) de seus poemas. Porém, os estudos de Nóbrega e, sobretudo, os de Vidal revelam uma poesia de caráter otimista, como também um poeta otimista. 1.3 Apreciando a face otimista da poesia de Augusto dos Anjos O tema do amor é universal e constantemente versado pelos poetas. Para Santos (2008, p. 94), o ―amor é o primeiro e mais vasto tema da literatura‖. Há quem diga que ―a poesia e o amor são para muita gente duas entidades congênitas e complementares e um poeta sem amor é um sacerdote sem fé‖ (FONTES, 1994, p. 37 51), ressaltando a ideia de que o amor é o elemento essencial de todo poeta. Isso é tão vigente que para as pessoas leigas a poesia é um texto que fala de amor. Diferentemente do que se pensa e se propaga, Augusto dos Anjos versou sobre esse tema ao longo de sua lírica, porém o amor recorrente na poesia dele apresenta pontos divergentes. Nesse sentido, enquanto em alguns poemas encontramos um eu - lírico que trata o amor de forma pessimista, mostrando-se descrente e melancólico em relação a esse tema, contraditoriamente, em outros, considerados por nós pertencentes à face otimista, encontramos um eu - lírico sentimental, idealista, que trata o amor de forma pura e sublime, reflexo de um romantismo idealista e espiritualista. No entanto, além desses traços, alguns de seus poemas também desvelam uma dimensão erotizada do amor. Em alguns de seus versos o amor é visto como um sentimento grandioso e nobre, cuja plenitude é própria do espírito. O eu - lírico desses poemas mostra-se contra a banalidade dos sentimentos humanos e a aberração amorosa. O poeta deixa claro essa proposta em um poema do Eu intitulado ―Versos de amor‖, datado de agosto de 1907, quando escreve estas estrofes abaixo8: Versos de amor A um poeta erótico Parece muito doce aquela cana. Descasco-a, provo-a, chupo-a ... ilusão treda! O amor, poeta, é como a cana azeda, A toda a boca que o não prova engana. Quis saber que era o amor, por experiência, E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo, Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, Todas as ciências menos esta ciência! Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo Mas certo, o egoísta amor este é que acinte Amas, oposto a mim. Por conseguinte Chamas amor aquilo que eu não chamo. Oposto ideal ao meu ideal conservas. Diverso é, pois, o ponto outro de vista Consoante o qual, observo o amor, do egoísta Modo de ver, consoante o qual, o observas. Porque o amor, tal como eu o estou amando, 8 O poema ―Versos de amor‖ encontra-se completo no anexo A. 38 É Espírito, é éter, é substância fluida, É assim como o ar que a gente pega e cuida, Cuida, entretanto, não o estar pegando! É a transubstanciação de instintos rudes, Imponderabilíssima, e impalpável, Que anda acima da carne miserável Como anda a garça acima dos açudes! [...] (ANJOS, 1994, p. 267) Apesar de no seu contexto esse poema revelar-se aparentemente contra o amor nas primeiras estrofes, podemos encontrar nele pontos otimistas acerca desse sentimento. Sendo o poema dedicado a um poeta erótico, nas primeiras quatro estrofes o eu - lírico tenta persuadir o receptor do engano que o amor provoca. A partir da comparação entre o amor e a cana, o eu - lírico utiliza as antíteses presentes nos adjetivos doce/ azeda para ressalvar a ilusão/ decepção provocada por aquilo que aparenta ser prazeroso, mas na realidade não é. Nas terceira e quarta estrofes percebemos que o poema trata do confronto entre dois ideais, dois pontos de vista, ou seja, dois tipos de amor: o amor carnal, que no texto assume um papel corrompido, quando busca seus próprios interesses, sendo, portanto, definido pelo eu - lírico como o amor egoísta; e o amor espiritual, que regenera, e sendo ele imaterial, é como éter, substância fluida, comparada ao ar, elemento essencial à vida. A dicotomia carne/ espírito é intuída pela concepção pecado/ sagrado, em que o par carne – pecado é impulsionado pelos interesses pessoais e gera o prazer humano, enquanto o par espírito – sagrado é dirigido a Deus e gera a sublimação, na busca da perfeição. A negação do erotismo presente na repulsa do amor carnal nesse poema é decorrente da herança religiosa, como explica Branco (1985, p. 85) ao alegar que o ―cristianismo, ao estigmatizar nossa sexualidade como pecadora, termina por expulsar o erotismo das esferas do sagrado e por destituí-lo de seu caráter abrangente, totalizador‖. Por essa razão o eu - lírico compara o ato sexual aos ―instintos rudes‖ provocados pela ―carne miserável‖, movido unicamente pelo prazer do corpo em vista da própria satisfação, sendo, portanto, egoísta. Diferentemente do tradicional soneto, muito comum na poesia de Augusto dos Anjos, essa composição traduz a tensão que o poema provoca. O poeta lança mão de um extenso poema, composto por 9 estrofes, e num total de 36 versos, para 39 expor o conflito entre o amor que é experiência e o amor que é teoria; o amor que dá prazer e o que faz sofrer; o amor do qual se utiliza (espiritual), e o que se utilizou em suas primeiras composições, na adolescência (erótico), e que agora, no Eu, o nega e se lhe contrapõe. Para o eu - lírico, o amor verdadeiro é o amor que mora no espírito, que não é egocêntrico, e deve estar livre de seus próprios interesses. Essas características inferidas do poema se assemelham à concepção espiritual do amor consagrada pelo cristianismo, que tem como referência a passagem bíblica de I Coríntios 13, em que o apóstolo Paulo define esse sentimento como despretensioso, pois para ele o amor não se ostenta, não é orgulhoso, não se envaidece, e, sobretudo, não procura seu próprio interesse (BÍBLIA, 1991). Porém na quinta e sexta estrofes do poema aqui exposto, percebemos que o eu - lírico se refere ao amor que ele está amando com uma série de predicativos, e um dentre eles, afirma ser a ―transubstanciação de instintos rudes‖, ou seja, a transcendência de um tipo de amor ao outro, que mesmo iniciando pelo instinto da matéria, alcança sua plenitude na sublimação do espírito, superior à carne. No texto abaixo, podemos observar outro poema em que o amor carnal transcende e se converte em amor sublime. Quadras Embala-me em teus braços, De amores bons à sombra Quero em cheirosa alfombra Pousar os sonhos lassos! Teus seios, oh! morena - Relíquias de Carrara Têm a ambrosia rara Da mais rara verbena. Aperta-me em teu peito, E dá-me assim, divina, De lírios e bonina Um veludíneo leito. Assim como Jesus, Eu quero o meu Calvário - Anelo morrer vário Dos braços teus na Cruz! Por que não me confortas?! Bem sei, perdeste a olência, 40 Morreu-te a redolência, Alma das virgens mortas Mas não! Apaga os traços De tão funéreo aspeito... Aperta-me em teu peito, Embala-me em teus braços! (ANJOS, 1994, p. 425) Publicado em 29 de abril de 1902 no jornal O comércio, esse poema faz parte da coletânea Poemas esquecidos. O poema composto por vinte e quatro versos divididos em seis quadras hexassílabas, o que faz jus ao título, e com rimas interpoladas ABBA, representa um exemplo do amor tipicamente romântico, incrementado com um sutil erotismo. Apesar de esse tipo de composição não ser típica da poesia augustiana, os vocábulos raros utilizados no poema, tais como ―alfombra‖, ―ambrosia‖, ―verbena‖, ―redolência‖ e ―aspeito‖, denotam o seu estilo singular de versejar. O amor neste poema se faz presente através da linguagem, das imagens e dos sentidos. Paradoxalmente esses elementos revelam ao mesmo tempo o romantismo e o erotismo no texto. Neste poema o ambiente encantado, revelado nas imagens provocadas pelos elementos da natureza, tais como ―alfombra‖, ―bonina‖, e ―verbena‖; e o sentimentalismo romântico representado através do apelo do eu lírico à mulher amada nos versos ―Embala-me em teus braços‖ e ―Aperta-me em teu peito‖, como também no tom confessional presente na primeira estrofe com o verbo ―querer‖ e na quarta estrofe com o verbo ―anelar‖ revelam seu romantismo. Por outro lado, esses mesmos elementos também possibilitam sustentar o sutil erotismo que emana do texto, em que o espaço físico campestre enunciado para o encontro com a mulher amada é preparado exclusivamente para ―pousar os sonhos lassos‖ do eu - lírico. Esse vocábulo cognato de lascívia denota a prova da sensualidade suscitada no poema e retoma esta outra concepção de amor. Pode-se observar neste poema a presença aguçada dos sentidos no eu - lírico. O tato se faz presente no constante apelo do eu poético, com ―Aperta-me em teu peito‖ e ―Embala-me em teus braços‖, demonstrando o anseio do contato físico com a amada. O olfato é estimulado através da imagem contida na ―cheirosa alfombra‖ onde o eu - lírico deseja dormir com a amada. A visão é estimulada através das lembranças dos seios da morena, que apesar de ser mencionada como divina, desperta desejos no eu - lírico. Esses mesmos seios também instigam o seu 41 paladar, pois são relacionados à ambrosia, que por extensão, de acordo com o dicionário Aurélio, refere-se à ―comida ou bebida deliciosa‖ (FERREIRA, 2001, p. 38). Sendo assim, na segunda estrofe o eu - lírico confessa que os seios da mulher provocam um prazer raro, pois ―Têm a ambrosia rara/ Da mais rara verbena‖. A audição não é tão instigada quanto os outros sentidos, mas pode referir-se ao apelo do eu – lírico através dos verbos empregados em alguns versos no imperativo (aperta e embala). Muito intrigante é o eu – lírico comparar-se a Jesus e desejar o seu calvário. Possivelmente isso remete ao sacrifício que é para ele estar com a mulher amada, visto que ela é mencionada como divina. Uma hipótese para essa comparação seria o recalcamento do próprio poeta que usualmente trata o amor em sua poesia como algo divino, portanto querendo censurá-lo pelos preceitos cristãos ou ainda querer pensar que o amor sempre leva ao sofrimento. Neste caso, esse sacrifício é algo almejado por ele. Ele anela metaforicamente ―morrer‖ na cruz dos braços da mulher – a cruz que é símbolo de sacrifício e redenção – para depois ressuscitar, restaurase, renovar-se. Essa comparação não foi aleatória, pois ressalta a transubstanciação do corpo à alma, visto que o amor carnal terá transcendido a algo divino, puro e sublime, que só dessa forma é aceito na poesia de Augusto dos Anjos. O amor na poesia de Augusto dos Anjos, também é místico e idealista. Um exemplo desta concepção de amor é ilustrado no poema abaixo, publicado em O comércio no dia 30 de abril de 1902, hoje encontrado em Poemas esquecidos. Ideal Quero-te assim, formosa entre as formosas, No olhar d'amor a mística fulgência E o misticismo cândido das rosas, Plena de graça, santa de inocência! Anjo de luz de astral aurifulgência, Etéreo como as Willis vaporosas, Embaladas no albor da adolescência, - Virgens filhas das virgens nebulosas! Quero-te assim, formosa, entre esplendores, Colmado o seio de virentes flores, A alma diluída em etereais cismares... Quero-te assim... e que bendita sejas Como as aras sagradas das igrejas, Como o Cristo sagrado dos altares. 42 (ANJOS, 1994, p. 426) O poema compõe-se um soneto clássico, cuja unidade silábica é composta por versos decassílabos, o esquema rímico ABAB – ABAB – CCD – EED (alternadas nos quartetos, e emparelhadas e interpoladas juntando os dois tercetos) e a acentuação das sílabas poéticas, predominantemente com tonicidade na 6ª e 10ª, sendo portanto, heróicas, põem em evidência a rica sonoridade e permitem atentar à musicalidade. O poema aborda o anseio do eu poético em querer a mulher amada de acordo com o padrão que ele considera ideal. O poema já inicia no primeiro verso com a confissão do eu - lírico, que revela querer a mulher idealizada ―formosa entre as formosas‖. A expressão ―quero-te‖, introduzida também no primeiro verso, leva-nos a pensar no erotismo que poderia estar presente no texto, pois além de ser uma expressão forte, quando se trata de um poema de amor, toma uma dimensão no sentido de desejar profundamente, cobiçar. Porém ao longo da leitura, alguns vocábulos presentes no texto, como os elementos místicos utilizados para descrever a mulher, vão-nos levando para outro caminho e desfazendo o que outrora havíamos cogitado, pois na verdade, são características que o eu - lírico assinala querer preservar na mulher ideal. A imagem da mulher idealizada remete ao molde impregnado pela estética romântica, pelos adjetivos: ―formosa‖, ―santa‖, ―inocente‖, ―virgem‖ e ―anjo de luz‖. Na segunda estrofe ante as locuções adjetivas usadas para caracterizar o seu anjo, ou seja, sua amada, o eu - lírico a compara com as ―Willis‖, que, de acordo com Magalhães Jr. (1978), trata-se de jovens noivas brancas e belas, mortas antes do dia do casamento. Por não terem podido satisfazer em vida o amor à dança, não permanecem tranquilas em suas tumbas. Então à meia-noite, com vestes nupciais, coroadas de flores e com anéis de brilhantes, elas se levantam em grupos obrigando os homens que encontram a dançar com elas até morrerem. Mediante comparação com as Willis, percebe-se a pretensão em destacar na mulher idealizada unicamente o caráter celestial e sublime que tem o seu espírito, além de ressaltar a plenitude da mocidade, na qual se encontra. Mais uma vez, agora na terceira estrofe, o poeta utiliza a expressão ―quero-te‖ e o adjetivo ―formosa‖, incitando novamente à leitura de um possível desejo do eu – lírico aparentemente mais forte pela menção a uma parte específica do corpo da 43 mulher, ou seja, seus seios. Novamente a expectativa é rompida pelos versos que se seguem, pois o fato de querer cobrir os seios dela com ―virentes flores‖, imagem meramente romântica, responde pela pureza de ambos. A mulher divinizada deve ser mantida coberta, em respeito. O eu – lírico, ao querer vê-la coberta, antes deseja encobrir o que pode estar guardado no seu subconsciente, ou seja, seus desejos mais secretos, talvez por considerá-los pecaminosos, visto o tom prudente e cordial com o qual trata a amada. Na última estrofe a expressão ―quero-te assim‖, seguida da pausa concedida pelas reticências, exprime a expressão final quanto à exigência do eu poético, ou seja, sua proposição sobre o modelo ideal de mulher que lhe convém. O eu - lírico a quer como ele a imaginou, e sendo ela assim, será louvada e tão bendita como Jesus, digna de culto e veneração. Vários fatores merecem ser destacados neste poema. Um deles é a riqueza das imagens suscitadas por elementos da natureza, sobretudo, celestiais, tais como: ―misticismo‖, ―anjo‖, ―luz‖ e ―nebulosa‖, utilizadas para enfatizar a concepção de sacralidade da figura feminina e do amor sentido pelo eu poético. Outro ponto importante é a leveza da sonoridade proporcionada pela seleção lexical nesse poema. A recorrência do fonema referente à vogal ―a‖ decorrente dos signos de alguns vocábulos pode denotar luz, clareza, suavidade, portanto, otimismo. Bosi (2000) no capítulo ―O som no signo‖, contido no livro O ser e o tempo da poesia, faz um estudo sobre a relação entre o som das palavras e seu significado, como também a influência desses sons na leitura de poemas. O autor assegura que na leitura poética ―os efeitos sensoriais são valorizados pela repetição dos fonemas ou seu contraste‖ (BOSI, 2000, p. 50). O autor tece reflexões sobre o fonema ―u‖, que embora em alguns vocábulos transmita o contrário, há defensores que acreditam que uma vogal grave, fechada, velar e posterior, como o ―u‖, deva integrar signos que evoquem objetos fechados e escuros, que por analogia remetem sentimentos de angústia (pessimismo) e experiências negativas, como a morte e a tristeza. De posse das informações transmitidas por Bosi, acreditamos que o fonema ―a‖ pode transmitir por analogia a sensação de otimismo, pois remete a um som aberto e agudo, que por sua vez evoca objetos abertos e extensos, ou que simbolizam a claridade. Neste poema, ―Ideal‖, assim como em outros, há vários signos com o fonema ―a‖, tais como: olhar, cândido, graça, santa, anjo, astral, embalados, 44 colmado, alma, eterais, cismares, aras, sagrada e altares. Isso torna a atmosfera do poema mais otimista, em contraponto à maioria dos poemas augustianos, cujos vocábulos exprimem o pessimismo e a melancolia. Como exemplo disso, podemos citar de empréstimo de seus poemas, os vocábulos: adúltero, urubu, cuspo, fúnebre, túmulo, sepulcro, bruto, luta, húmus, rubro, noturno, impuro, angústia, obscuro, entre outras palavras que são recorrentes em sua poesia. O poema em destaque, abaixo, contempla um tipo de amor marcado pelo romantismo9 terno e puro. Ele faz parte dos Poemas esquecidos, tendo sido publicado inicialmente em O comércio, a 26 de fevereiro de 1901. Noivado Os namorados ternos suspiravam, Quando há de ser o venturoso dia?! Quando há de ser?! O noivo então dizia E a noiva e ambos d'amores s'embriagavam. E a mesma frase o noivo repetia; Fora no campo pássaros trinavam, Quando há de ser?! E os pássaros falavam; Há de chegar, a brisa respondia. Vinha rompendo a aurora majestosa, Dos rouxinóis ao sonoroso harpejo E a luz do sol vibrava esplendorosa. Chegara enfim o dia desejado, Ambos unidos, soluçara um beijo, Era o supremo beijo de noivado! (ANJOS, 1994, p. 378) Esse poema também é um soneto, muito comum na poesia de Augusto dos Anjos. Os versos são decassílabos, e a tonicidade das sílabas se constitui de modo irregular, predominantemente 4 – 6 – 10, oscilando entre 4 – 8 – 10 e 6 – 10 ; as rimas dos quartetos são interpoladas (ABBA) e dos tercetos são alternadas (CDC – EDE). A seleção lexical desse poema é mais simples, com palavras comuns, o que constitui uma linguagem mais acessível. A simplicidade das expressões corresponde 9 Convém lembrar que, em algumas vezes, quando nos referimos ao amor romântico neste e em outros poemas, não necessariamente fazemos referência ao amor versado pelos representantes da escola literária chamada de Romantismo. Referimo-nos àquilo que tem caráter sonhador, amoroso. 45 à fase de evolução rumo à maturidade literária do poeta. Vale salientar que quando o poema foi publicado pela primeira vez o poeta tinha apenas 17 anos. O poema se constitui em torno da idealização de um instante – o momento do noivado de um casal, e pode ser dividido em duas partes de acordo a mudança no tempo verbal: as duas primeiras estrofes contêm verbos no pretérito imperfeito e tratam do período que antecede este momento; e as duas últimas estrofes apresentam verbos no pretérito mais que perfeito, ressaltando o dia ―D‖, ou seja, o dia aguardado pelo casal. ―Noivado‖ apresenta uma concepção de amor semelhante ao poema anterior, caracterizado pelo romantismo bastante acentuado. Percebe-se o sentimentalismo no casal, ―terno‖, que ―de amores s‘embriagavam‖, e na personificação dos elementos da natureza, constituídos pelos pássaros, que embalados pela ansiedade dos enamorados, questionam o dia do noivado, sendo tranquilizado pela brisa. Notase também o ambiente romântico proporcionado pelo campo, pela aurora, e na imagem suscitada pelos pássaros, que sugerem apaziguamento ao cenário, denotando otimismo. A ansiedade pela chegada do momento sublime do enlace matrimonial, como também pode ser entendido, é percebida nas duas primeiras estrofes, e se faz presente principalmente pelas indagações ―Quando há de ser o venturoso dia?!/ Quando há de ser?! [...]‖ feitas pelo casal no primeiro verso, e esta última sendo repetida pelos pássaros no sétimo verso. As duas últimas estrofes relatam o momento sublime e encantado em que o casal firma um compromisso. A descrição do dia do noivado é feita através de imagens que refletem os sentimentos dos apaixonados: a metáfora remetida à imagem da ―aurora majestosa‖, no primeiro verso da terceira estrofe, é um recurso utilizado para intensificar o amor entre os enamorados. O canto dos rouxinóis denota a alegria do casal; e a luz do sol, que também hiperbolicamente vibrava esplendorosa, simboliza o contentamento dos noivos. Enfim, no momento do noivado, o supremo beijo sela o amor do casal. Em contraponto ao que vários críticos chegaram a afirmar, por muito tempo, que Augusto dos Anjos era ateu, e o reflexo disso era o desprezo pelo tema de Deus em sua poesia, mostramos o poema abaixo, pertencente à coletânea Poemas esquecidos, e publicado inicialmente em O comércio, no dia 4 de outubro de 1901: 46 Amor e crença _ E sê bendita! H. Sienkiewicz Sabes que é Deus?! Esse infinito e santo Ser que preside e rege os outros seres, Que os encantos e a força dos poderes Reúne tudo em si, num só encanto? Esse mistério eterno e sacrossanto, Essa sublime adoração do crente, Esse manto de amor doce e clemente Que lava as dores e que enxuga o pranto?! Ah! Se queres saber a sua grandeza, Estende o teu olhar à Natureza, Fita a cúp‘la do Céu santa e infinita! Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa, O amor é a hóstia que bendiz a Crença, Ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita! (ANJOS, 1994, p. 393) A concepção teológica na poesia de Augusto dos Anjos não segue nenhum padrão religioso, apesar de que em alguns de seus versos podemos observar traços de várias doutrinas. No entanto, os valores religiosos são exaltados, e a maioria dos poemas congrega a figura de Deus moldada pelo cristianismo, propagando-o sempre por um viés otimista e mostrando-o como bom e misericordioso. O poema ―Amor e crença‖ é um exemplo de um dos poemas religiosos mais bonitos da literatura brasileira. O lirismo, encontrado nele, torna-se artefato não só de caráter artístico, mas uma fonte de catarse10, utilizado para exaltar o Ser divino. O poema inicia com uma epígrafe que, segundo informa Magalhães Jr. (1978), refere-se a uma página de Henrik Sienkiewicz, um popular escritor polonês, autor do Quo Vadis?11, cuja obra serviu de inspiração para a composição do poema. A indagação sobre quem ou o que é Deus logo no primeiro verso do poema é 10 A catarse, ou katharsis, é uma das três experiências fundamentais junto com a poiesis e aisthesis, que proporciona o prazer estético sobre uma obra de arte. Segundo a denominação de Jauss (1979), a catarse é o prazer dos afetos provocado pela arte, capaz de conduzir o expectador tanto à transformação de suas convicções quanto à liberação de sua psique. 11 Henrik Sienkiewicz é considerado um dos escritores mais importantes da segunda metade do século XIX. Ficou conhecido internacionalmente pela obra Quo Vadis?, ―Aonde você vai?‖, que narra a história de amor entre uma jovem cristã e um nobre romano. O romance transmite uma mensagem pró-cristã, pois faz alusão a apócrifos que contam que o apóstolo Pedro, ao fugir de Roma, encontra Jesus, que lhe diz estar indo a Roma para ser crucificado novamente. Disponível no endereço eletrônico <http://en.wikipedia.org/wiki/Quo_Vadis_(novel)>. Acessado em 22/01/2012. 47 impulsionadora de uma série de questionamentos que o eu - lírico levanta, ao mesmo tempo que ele próprio responde, ao longo do poema, pois sendo crente, mostra-se conhecedor das respostas. Além de vários adjetivos que caracterizam Deus, como ser infinito, sacrossanto, entre outros, toda a segunda estrofe é composta por predicativos que se referem a Ele, para reforçar o encanto e a divindade espiritual supremas de um Ser que é soberano e exerce poder sobre tudo e todos. Estas características presentes na segunda estrofe tornam o poema semelhante a uma oração. Além da oração, esses adjetivos e predicativos somados com a musicalidade bastante acentuada no poema proporcionam ao texto um caráter tipicamente litúrgico, no que se assemelha às ladainhas religiosas ou cantos de louvor. Essa musicalidade é devida à estruturação da métrica, do ritmo e das rimas que compõem os versos do soneto. Todos os versos são decassílabos e as sílabas tônicas alternam nos quartetos, sendo esquematizados por S-H-S-H/ H-S-H-S12. Já os tercetos são predominantemente heróicos com exceção dos dois últimos versos, sáficos. Nestas estrofes os versos heróicos proporcionam um ritmo mais lento pela distância da tonicidade das sílabas, e acentuam a serenidade com que o eu - lírico aconselha o seu emissor sobre como conhecer a Deus, estendendo o olhar à natureza. Já a retomada ao ritmo mais acelerado devido às três marcações tônicas certifica a segurança com a qual o eu - lírico conclui seu pensamento, ―Deus é o Templo do Bem‖. Todas as rimas são externas, proporcionando um ritmo regular ao final de todos os versos e podem ser ilustradas pelo esquema: ABBA/ ABBA/ AAB/ CCB, designadas interpoladas, com exceção dos dois versos que iniciam o primeiro terceto, denominada emparelhada. Na terceira estrofe o eu-lírico aconselha o leitor, que deseja conhecer a Deus, voltar o seu olhar à natureza. Para o cristão, esse tipo de comparação resulta do fato de todos os seres que constituem o universo serem semelhantes a Ele, pois toda criatura carrega um pouco da essência do criador. Apesar de não fazer acepção de nenhuma doutrina espiritual ou religiosa, percebem-se neste poema traços marcantes do catolicismo. Dessa religião o poeta utilizou o termo ―hóstia‖, que representa o próprio corpo de Jesus Cristo, e simboliza 12 Entende-se ―S‖ para verso sáfico cuja tonicidade está presente nas sílabas de número 4, 8 e10; e ―H‖ para verso heróico cuja tonicidade está presente nas sílabas de número 6 e 10. Para maiores esclarecimentos, consultar o livro Versos, sons e ritmos (2008), de Norma Goldstein. 48 a comunhão com Deus e a confirmação com a doutrina. Porém, neste poema esse termo foi utilizado metaforicamente para se referir ao amor, sentimento indispensável para sustentar a fé e fazer o elo entre Deus e o homem, pois através dele o homem pode chegar a Deus e vice-versa. Interpretando pela concepção católica, se a hóstia representa o corpo imolado de Cristo e o Amor (personificado pela inicial maiúscula) no poema, representa essa hóstia, então o Amor é o verdadeiro Cristo e tanto nele como através dele encontrase Deus. Na última estrofe, o eu - lírico, através da colocação dos verbos no imperativo, aconselha o seu emissor a amar, por conseguinte, crer e assim ser feliz. O último verso reafirma a ideia que se centra logo no título do poema: o amor precede a crença, e ambos devem estar juntos, um sustentando o outro. O mesmo tom espiritual encontramos no poema ―Ultima visio‖, porém mais místico. Ultima visio Quando o homem, resgatado da cegueira Vir Deus num simples grão de argila errante, Terá nascido nesse mesmo instante A mineralogia derradeira! A impérvia escuridão obnubilante Há de cessar! Em sua glória inteira Deus resplandecerá dentro da poeira Como um gazofilácio de diamante! Nessa última visão já subterrânea, Um movimento universal de insânia Arrancará da insciência o homem precito... A Verdade virá das pedras mortas E o homem compreenderá todas as portas Que ele ainda tem de abrir para o Infinito! (ANJOS, 1994, p. 327) O poema, publicado em 1920 na coletânea Outras poesias, tem na metafísica o ponto central de sua exegese. Embora seja um soneto clássico, decassílabo, como a maioria dos poemas da face otimista, ele difere dos demais principalmente pela linguagem e pelo rebuscamento através da seleção lexical. Há nele expressamente o reflexo do cientificismo cultivado pelo poeta em sua fase ―madura‖, através dos 49 vocábulos materialistas e cientificistas: mineralogia, obnubilante, argila errante, pedras mortas, entre outros. Porém, o caráter cientificista é só aparente, pois o poema explora questões da espiritualidade, da transcendência e da crença, apesar de não haver elementos explicitamente teológicos nele. Na atmosfera poética que o envolve, podemos inferir do texto uma mensagem nitidamente espiritualista. Sendo assim, essa mesma linguagem também é tecida de vocábulos que sustentam nosso parecer, pois lemos vocábulos que remetem a espiritualidade, tais como: Deus, glória, resgatado, Verdade. Isso denota a tensão constante no decorrer do poema entre materialismo espiritualidade, descrença - crença, ciência - Deus. O título por si só já dá indícios de que o texto se refere a uma última visão, talvez uma profecia ou uma premonição, aludindo aos fins dos tempos. O caráter premonitório ou profético fica claro a partir do primeiro verso pelo uso da conjunção ―quando‖, que remete a uma condição futura, em que o eu – lírico filosofa e declara sua opinião sobre o dia em que o homem vir a conhecer a Deus. Os verbos presentes no texto também são todos empregados no futuro: ―terá‖, ―resplandecerá‖, ―arrancará‖, ―virá‖, entre outros. Impregnadas de misticismo, as imagens suscitadas na segunda estrofe se assemelham àquelas cultuadas no livro do Apocalipse da Bíblia, repletas de surrealismo. O encontro com Deus se revela de um mistério metafísico. A escuridão (as trevas) cessará para dar espaço à glória de Deus, que se manifestará dentro da poeira como um tesouro de diamantes. Ante a comparação com as imagens apocalípticas, outro ponto em comum entre ambos é a linguagem simbólica e enigmática. A ―cegueira‖ (verso1), ―a impérvia escuridão‖ (verso 5), a ―insciência‖ (verso 11) denotam a ignorância do homem materialista, ―precito‖, (verso 11) que quando ―Vir Deus num simples grão de argila errante‖ (verso 2), fará nascer ―a mineralogia derradeira‖ (verso 4). A mineralogia, essa ciência, que afasta o homem de Deus. Sendo afastado esse empecilho, Deus manifestará a sua glória em meio ao pó, à poeira, ao caos, ―como um gazofilácio de diamantes‖, trazendo a redenção aos homens. Sendo assim, Deus, ―a Verdade‖, na opinião do eu – lírico, aparecerá, e o homem, convertido, compreenderá todos os mistérios que Ele tem. Em contraponto ao excessivo pessimismo e melancolia presentes na poesia augustiana, após lermos o poema abaixo, poderíamos dizer que Augusto dos Anjos 50 é um poeta cujo eu – lírico de seus poemas é unicamente pessimista e melancólico? Soneto O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha Santíssima Trindade da Ventura, Pode ser venturosa a criatura Que não crê, que não ama e que não sonha?! Pois a alma acostumada a ser tristonha Pode achar por acaso ou porventura Felicidade numa sepultura, Contentamento numa dor medonha?! Há muito tempo, o sonho, do meu seio Partiu num célere arrebatamento De minha crença arrebentando a grade, Pois se eu não amo e se também não creio De onde me vem este contentamento, De onde me vem esta felicidade?! (ANJOS, 1994, 465) Esse poema faz parte dos Poemas esquecidos, porém foi publicado inicialmente em O comércio no dia 4 de abril de 1905. Chega a ser interessante o ano de publicação desse poema ser o mesmo de poemas considerados ―maduros‖, tais quais ―Solitário‖, ―Uma noite no Cairo‖, ―A árvore da serra‖, ―Mater‖, ―Insônia‖, ―Barcarola‖ e ―Vozes de um túmulo‖, todos publicados em 1905, sendo este último publicado no mesmo mês de Soneto, no dia 27 de abril de 1905. Mais interessante é que já há registro de poemas considerados ―maduros‖ publicados em 1904, como por exemplo, ―Vandalismo‖, ―Ilha do cipango‖ e ―Eterna mágoa‖. Como o poeta ora escreveu poesia ao gosto pessimista, tomado pela melancolia, e ora escreveu poemas divergentes desses traços, no mesmo período, isso revela as diversas faces da poesia augustiana. Este soneto constituído por versos decassílabos e rimas interpoladas nos quartetos (ABBA - ABBA) e alternadas nos tercetos (ABC – ABC) apresenta um vocabulário mais simples do que comumente é encontrado nos poemas augustianos, sobretudo, nos poemas da sua segunda fase, ou fase ―madura‖. Contudo, o sutil jogo de palavras no texto dá indícios da forma singular com que escrevia Augusto dos Anjos. A aliteração presente no som do ―s‖ em: ―O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha/ Santíssima Trindade da Ventura‖ (versos 1 e 2), 51 mescla com a recorrência do som do ―r‖ de encontro com outra consoante, como em algumas palavras: ―crença‖, ―trindade‖, ―criatura‖, ―crê‖, ―tristonha‖, ―creio‖. O som mais leve do ―s‖ contrapõe-se ao som mais forte do ―–r‖, denotando a inquietação do eu – lírico que procura entender o motivo da sua felicidade. A seleção lexical do poema também exprime a inquietação do eu poético, que ora põe em reflexão se quem não possui a tríade para a felicidade (sonho – crença – amor) pode ser feliz, ora reflete sobre quem é comumente tristonho, ―Pois a alma é acostumada a ser tristonha‖, pode encontrar felicidade na morte (―numa sepultura‖) ou na dor. Sendo assim, o uso de palavras com sentido ―pessimista‖ e/ou ―melancólico‖ contrapõe-se a alguns vocábulos com sentido oposto. De um lado, lemos palavras marcadamente usadas em poemas da face comum, como ―tristonha‖, ―sepultura‖ e ―dor‖; e de outro lado lemos vocábulos como ―risonha‖, ―ventura‖, ―felicidade‖ e ―contentamento‖. Levado pelo tom otimista, o eu - lírico demonstra a preocupação com a busca pela felicidade, a qual, segundo ele, consiste em possuir três fundamentos básicos: o sonho, a crença e o amor, expressos na primeira estrofe. Se esses três fundamentos são essenciais, com a falta deles ou de um deles, talvez não fosse possível obter felicidade. Mas na última estrofe a confissão da pessoa lírica em admitir sua felicidade, motivo que não compreende, provoca sua admiração. A ausência do amor e da crença não impede o eu – lírico de gozar a sua felicidade, pois na falta deles o sonho, ou seja, a esperança, o ―otimismo‖ que podemos atribuir ao eu poético, é suficiente para torná-lo feliz. Como vemos, a face otimista da poesia de Augusto dos Anjos contempla vários temas, e embora em alguns poemas observemos resquícios da linguagem comum à sua poesia, o tom, a seleção lexical e o ritmo deles são reveladores de uma face diferente daquela que consagrou o poeta. 52 2 DO CÂNONE AO LIVRO DIDÁTICO A palavra cânone vem do grego kanón, e do latim canon, e significava ―regra‖, ―norma‖ (padrão de leitura). No sentido restrito, adquiriu o significado de textos autorizados, exatos e modelares, e ―por extensão, passou a significar o conjunto de autores literários reconhecidos como mestres da tradição‖ (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 61). Para Reis (1992, p. 70), comungando com o conceito de PerroneMoisés, o cânone ―significa um perene e exemplar conjunto de obras – os clássicos, as obras-primas dos grandes mestres -, um patrimônio da humanidade [...] a ser preservado para as futuras gerações, cujo valor é indisputável‖. Dessa forma, o cânone define o que é boa literatura, elege tais leituras como clássicos e privilegia o que deve ser lido como os melhores. O cânone é formulado especialmente pelas Academias, pelos pesquisadores e pela crítica literária, responsáveis pelo processo de escolha e inclusão de autores e obras. Fatores como a representatividade de um autor para uma época, o efeito de uma obra, e a força de constantes estudos, pesquisas e críticas são determinantes para a inclusão de um literato ou uma obra no cânone. Esse modelo, de acordo com Reis (1992), se consagra e se perpetua por alguns meios de divulgação, tais como jornais, suplementos literários, resenhas críticas, livros didáticos, entre outros. A instituição escolar também é um difusor desse modelo de leitura, definida por Reis (1992, p. 85) como ―uma das instituições capitais na implementação de um cânon literário‖. Para Martins (2006, p. 96), ―a escola parece atuar como instituição que define quais são os textos literários, quais são os não literários, quais são os melhores e os piores autores, quais obras deveriam ser lidas‖. Contudo, ela apenas complementa um modelo sistemático de escolhas já imposto pelos livros didáticos, que estabelecem quais autores e obras são relevantes para serem conhecidos e estudados pela classe discente. Sendo assim, não existe apenas um cânone, mas vários cânones, porém todos ―são seletivos e, como tal, elitistas‖ (MOREIRA, 2003, p. 92). O cânone instituído nos manuais didáticos refere-se ao conjunto de textos considerados mais representativos de um período histórico-literário, fornecidos aos estudantes como um currículo mínimo de leituras pré-formadoras13. Muitas vezes, 13 Perrone-Moisés (1998) ressalta que estabelecer uma lista de autores consagrados é um hábito muito antigo, praticado desde a Antiguidade greco-latina. 53 este cânone é reflexo do cânone universal e nacional, e tem uma função estritamente pedagógica, com o intuito de ser utilizado para ensinar, seja gramática, noções de teoria da literatura ou história literária e produção de textos. Os livros didáticos possuem um caráter influenciador na formação do leitor, bem como na formação do seu próprio cânone. Sobre tal influência, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio ressaltam que no Brasil, como se sabe, o processo de legitimação do que se deve e do que não se deve ler tem se realizado principalmente por meio de livros didáticos, pela via fragmentada dos estilos de época, os quais historicamente vêm reproduzindo não só autores e textos característicos dos diferentes momentos da história da Literatura brasileira e portuguesa, como os modos de ler a seleção (BRASIL, 2006, p. 72). O cânone do livro didático ao passo que prestigia alguns escritores e obras, exclui outros, influencia o que deve ser lido, direciona a prática do professor, bem como a predileção do leitor. Costuma-se dizer que os professores, em alguns casos, não têm uma prática constante de leitura variada14 e devido a isso, selecionam os textos para suas aulas de acordo com o que foi indicado pelo livro didático. Os alunos, muitas vezes, por terem acesso somente aos textos propagados nesses livros, acabam por privilegiá-los na formação do seu cânone pessoal sem qualquer critério de avaliação, quando não os rejeitam. Mesmo a escola propondo um modelo de leitura e os textos dos livros didáticos ainda serem, em alguns lugares, mais acessíveis do que as obras literárias, ainda há a resistência para a leitura do cânone fixado por eles, pois alguns jovens têm recusado essas leituras em função das suas escolhas, muitas vezes desordenadas, sem maturidade e criticidade, das quais as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006, p. 61) chamam de ―escolhas anárquicas‖ 15. 14 Costuma-se pensar que alguns professores não têm o hábito de ler constantemente visto a disponibilidade de tempo ser, muitas vezes, insuficiente devido à carga horária excessiva de trabalho em várias escolas, ou até mesmo pelo alto preço dos livros em contraposição aos baixos salários. Porém, de acordo com Silva (2008, p. 42), referindo-se à formação de professores leitores ―não há como desempenhar, satisfatoriamente, a função de mediador da literatura, se não houver o gosto e o hábito da leitura‖. 15 Não confundir escolhas anárquicas com o cânone pessoal, pois não está se julgando o gosto de leitura de cada indivíduo, mas a maneira pela qual escolhe seus textos. Muitas vezes, dentro ou fora da escola, alguns leitores deixam-se convencer por modismos e pela mídia, sem ao menos terem um critério de avaliação para tais leituras, como por exemplo, o trabalho com a linguagem. Sobre a formação do gosto literário do aluno, Colomer (2007) salienta que ―os alunos têm direito de saber que existem corpus distintos, com variadas ofertas para diferentes momentos e funções de muitos tipos. 54 De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006, p. 64), o livro didático ―pode constituir elemento de apoio para que se proceda ao processo de escolha das obras que serão lidas, mas de forma alguma poderá ser o único‖. Apesar de a própria experiência de leitura do professor também ser determinante no processo de seleção de textos, espera-se que esse profissional leve em conta outras categorias para a formação do modelo de leitura a ser apresentado para seus alunos, seja pelos gêneros, autores regionais e locais, entre outros, contribuindo para a formação de leitores críticos, que repensem seus preconceitos ou discriminações quanto à leitura. Outro critério de seleção de textos literários para a prática de ensino no nível médio é através da lista de obras exigidas pelas universidades para o processo seletivo do vestibular. Atualmente, como esse processo está sendo substituído pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que não exige obras a serem lidas, o aluno que anteriormente tinha uma lista ―obrigatória‖ de leitura, agora não tem mais. Para transformar a sala de aula em um espaço democrático de leitura, os professores poderiam estimular os alunos a participarem da escolha dos textos a partir dos seus próprios gostos e interesses, mas para que isso aconteça ―é fundamental que o professor atente para as idiossincrasias do jovem leitor‖ (SILVA, 2008, p. 50), bem como seu horizonte de expectativa16. De qualquer forma, parece que a solução para os problemas tocantes ao repertório de leitura, sobretudo no ambiente escolar, não decorre apenas da implantação de cânones alternativos, mas da inexistência de um cânone, ou seja, de um modelo disseminado como o melhor17. Sobre esse assunto, Reis (1992, p. 77) discorre que não é suficiente repensá-lo ou revisá-lo, lendo outros e novos textos, não canônicos e não canonizados, substituindo os ―maiores‖ pelos ―menores‖, os escritores pelas escritoras, e assim por diante. Seu avanço na ‗aquisição do gosto‘ fará com que haja corpus que fiquem esquecidos e desprezados. [...] Outros corpus se manterão, compatibilizando-se entre eles, tal como se alternam constantemente os gêneros e a dificuldade das leituras na vida cotidiana de qualquer bom leitor‖ (COLOMER, 2007, p 68). 16 Jouve (2002, p. 27 – 28) comenta que ―o horizonte de expectativa é definido por Jauss por normas essencialmente estéticas: o conhecimento que o público tem a respeito do gênero a que pertence a obra, a experiência literária herdada de leituras anteriores (que familiarizam o público com certas formas e certos temas) e a distinção vigente entre linguagem poética e linguagem prática‖. 17 Sobre o modelo de leitura na escola, Colomer aponta que ―a importância do corpus passa por sua flexibilidade e sua adequação a distintas funções, momentos e leitores. Assim, pode-se afirmar que um bom corpus não é sinônimo ‗das melhores obras‘‖ (COLOMER, 2007, p 113). 55 Tampouco basta – ainda que isto seja extremamente necessário – dilatar o cânon e nele incorporar outras formações discursivas [...]. O que é problemático, em síntese, é a própria existência de um cânon. Entretanto, prioridades no universo da leitura sempre irão existir, por isso na existência desse padrão de leitura, ―cabe ao leitor construir seu próprio cânone literário, valorizando seu repertório de leituras‖ (MARTINS, 2006, p. 86), baseado em valores e critérios. De acordo com Moreira (2003, p. 89) ―o homem tem de selecionar o que quer ler e, nessa tarefa, ele acaba por organizar o cânone individual‖. Depois de construído o seu cânone, o leitor deveria repensá-lo e reavaliá-lo constantemente. Para que isso aconteça, primeiramente o professor, através de sua prática de ensino, deve dar-lhe subsídios para que formule e reformule seu repertório de leitura e crie seu cânone, apresentando-lhe textos de autores e gêneros variados, porém primeiramente é preciso torná-los verdadeiros leitores18, por isso um dos objetivos do ensino de literatura deve ser a formação deles. 2.1 A historiografia como eixo do ensino de literatura O ensino de literatura no nível médio tem sido, por muito tempo, pautado na centralização da história literária e na leitura das obras eruditas estabelecidas pelo cânone. No entanto, privilegia-se a memorização de conceitos, datas e características das escolas literárias, seus principais representantes e suas obras, em detrimento da leitura dos textos. De acordo com Pinheiro (2006, p. 110), ensinase e ―estuda-se mais história da literatura e não as obras em particular‖. Para Cereja (2005), a prática de ensino da literatura no nível médio consiste em dois domínios essenciais: a construção de conceitos básicos relativos à teoria literária e os estudos da historiografia da literatura. Para o autor, logo nas primeiras aulas da 1ª série do ensino médio, a prática se volta para a construção de alguns conceitos básicos relativos à teoria literária e a teoria da comunicação, considerados ferramentas indispensáveis para lidar com o texto literário. [...] Esses conceitos, no geral, são os seguintes: da teoria literária: linguagem literária/linguagem referencial, gêneros literários, verso e prosa, noções de versificação, ponto de vista narrativo, etc.; da teoria da 18 A reflexão de Martins (2006) propõe que só o leitor pode ser capaz de construir seu próprio cânone. No meio escolar, se o aluno não for um leitor, dificilmente ele terá critérios para isso. Em uma sala de aula, nem todos os alunos são efetivamente leitores. 56 comunicação e da lingüística: [...] funções da linguagem, [...] polissemia, etc. Em segundo lugar, construídos esses conceitos e considerando-se que o aluno estaria preparado para lidar com um novo objeto, a prática se direciona para o texto literário de época [...] de acordo com uma perspectiva histórica. A partir daí, então, tem início o estudo da história da literatura, que normalmente perdura até o fim do ensino médio (CEREJA, 2005, p. 55 – 56). De fato, os estudantes do ensino médio não são levados a construir conceitos relativos à teoria literária, como afirma o autor, uma vez que eles já se apresentam prontos no livro didático e são transmitidos em sala de aula pelos professores, às vezes sem nenhuma reflexão. Notamos ainda que o ensino de literatura nitidamente historiográfico é um modelo antigo cujo método reflete tradicionalmente o modelo dos primeiros planos de aula implantados no Colégio Pedro II19, voltados essencialmente para os estudos historiográficos, além de retórica e poética. Os livros didáticos, então, se adaptaram a esse modelo e, sendo assim, defendem a partir da periodização literária levar ao aluno o conhecimento (às vezes sem a leitura) de uma gama de textos abordados à luz do momento em que foram produzidos, quase sempre com o intuito de, a partir de fragmentos dos textos, reconhecer as características de determinada escola literária. Sobre a história literária, Silva (1973, p. 515) afirma que ela tem como finalidade o conhecimento dos textos literários, as suas relações com uma tradição literária, o seu agrupamento em gêneros, a sua filiação em movimentos ou escolas, as conexões de todos estes fenômenos com a história da cultura e da civilização. A reflexão de Silva esclarece que a história da literatura tem como objetivo conhecer os textos literários. Porém, na realidade, os professores e os autores dos livros didáticos ainda insistem em exacerbadamente repassar a literatura como uma disciplina informativa, com mera sucessão de fatos históricos, em que as obras são as últimas a serem consultadas, e, quando são, passam a ser coadjuvantes da prática de ensino. Ora, se as obras literárias são reflexos de uma época e estão 19 O Colégio Pedro II foi criado com a pretensão de organizar o ensino geral do Brasil pósindependência e ser modelo para as escolas públicas e privadas do país (CEREJA, 2005). Segundo Cereja (2005, p. 91), ―a verdade é que o Colégio Pedro II punha em prática o projeto de D. Pedro II de oferecer à elite dirigente um programa escolar erudito, embora esse programa fosse pouco condizente com a realidade brasileira‖. No livro Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho de literatura, Cereja comenta as pesquisas realizadas por Roberto Acízelo de Souza e Marcia de Paula Gregorio Razzini, sobre as práticas de ensino no referido colégio no século XIX e em parte do século XX, que mostram que a seleção e organização dos conteúdos são baseadas na história literária. 57 intimamente ligadas à história, a partir da abordagem historiográfica, deviam-se lêlas mais. Segundo Silva (1973, p. 533), a obra literária ―tem de ser situada no seu tempo, tem de ser conhecida e interpretada em função do contexto histórico em que se gerou, relacionando-a com as idéias, as correntes de sensibilidade, os processos literários, etc. de uma época‖. Todavia, para que a obra literária adquira significados mais profundos para o leitor, ela, além de contextualizada no seu tempo de produção, precisa ser correlacionada com o tempo de recepção do leitor, ao passo que se revela o seu caráter universal20, que é comum a quase todas, e independente do tempo seus temas continuam atuais. Por isso, Martins (2006, p. 91) afirma que ―ensinar literatura não é apenas elencar uma série de textos ou autores e classificá-los num determinado período literário, mas sim revelar ao aluno o caráter atemporal, bem como a função simbólica e social da obra literária‖. Entretanto, o conceito de atemporalidade empregada pela autora precisa ser refletido, pois o prefixo ―a‖ exprime negação, logo ―atemporal‖ denota algo que não tem tempo definido, fora de seu tempo ou pertencente a qualquer tempo. Contrariamente a esse conceito, as obras literárias pertencem a um período específico, portanto, não podem ser designadas atemporais. Neste contexto, a atemporalidade destacada por Martins seria mais bem aplicada aos temas abordados pelas obras e não a elas, pois estes pertencem e resistem a qualquer tempo. Dessa forma, acreditamos que ensinar literatura deve ser sinônimo de oferecer subsídios para que ocorra a construção de sentido dos textos pelos alunos. Essa construção de sentido pode ser feita ao passo que se mostram as relações entre as obras e o cotidiano dos leitores, fazendo a ponte entre o passado (momento de produção do texto) e a atualidade (momento de recepção). Contudo, essa construção não se consegue lendo fragmentos ou decorando informações. Partir de movimentos, datas e contextos não forma leitores, muito menos leitores críticos. Ensinar literatura é discutir sobre o texto literário lendo-o integralmente e não somente fragmentado no livro didático. As datas, os movimentos e os estilos de época podem contribuir com informações pertinentes 20 Para Jouve (2002), o texto adquire uma dimensão universal quando substitui a audiência necessariamente limitada de uma comunicação oral por um número de leitores virtualmente infinito. A universalidade do texto permite que leitores de épocas, lugares ou classes sociais distintas provem do que lhes permanece acessível. 58 que ampliem o conhecimento da obra, sendo, portanto, um ponto de apoio ao texto e não um alicerce, pois como sugere Nóbrega, (2008, p. 48) ―os alunos devem ter uma experiência de leitura prazerosa e significativa antes de estudar teorias ou conhecer panoramas históricos‖. De acordo com Pinheiro (2006, p. 112), ―não se trata de negar a história da literatura, antes, diria, de valorizá-la, mas não privilegiando um método que força a memorização e não a experiência real de leitura dos textos‖. A história da literatura deve servir como complemento aos estudos da obra, a fim de compreendê-la em seu contexto. Apesar de uma das questões apontadas como determinantes para o fracasso do ensino de literatura ser o modelo de ensino voltado para a história literária, reputamos a sua importância em conservar e eternizar o patrimônio cultural na memória da humanidade, além de permitir rastrear, explorar e transmitir o desenvolvimento da literatura através dos textos de todas as épocas. Assim como a História denomina e delimita períodos determinados no tempo para melhor compreendê-los, a história literária divide e demarca cronologicamente para fins didáticos movimentos ou escolas literárias que de alguma maneira refletem o estilo predominante de uma época e permitem conhecer o contexto histórico no qual se geraram as obras literárias. Dois aspectos são patentes sobre a história literária: ela se realiza através da atuação do homem, daí a relevância dos literatos; e se perpetua por meio de registros escritos, daí a importância das obras. Por mais que as obras não sejam documentos históricos, a partir delas é possível conhecer um pouco da situação em que foi criada. Logo, a perspectiva da história literária defendida por alguns autores não deixa de valorizar os protagonistas da literatura, escritores e poetas, nem de reconhecer que só é possível ter acesso e compreender a literatura através das obras. Sendo assim, o problema na qualidade de ensino de literatura não pode estar associado predominantemente à abordagem historiográfica, mas ao modo a partir do qual ela é conduzida. De acordo com Cereja (2005), a historiografia não constitui o problema central do ensino da literatura, contudo, ―tenta-se pôr em prática, portanto, uma historiografia de pior qualidade‖ (CEREJA, 2005, p. 141), redutora, limitadora e simplista. Segundo este autor, o que agrava a situação problemática da historiografia nas aulas de literatura é ter como o foco os conteúdos de história 59 literária, geralmente ensinados pelo método transmissivo e com a finalidade de desenvolver a memorização do aluno (CEREJA, 2005). Não queremos defender o historicismo literário, visto que sendo ele o eixo divisor do ensino de literatura no nível médio acaba sendo privilegiado em relação à leitura das obras, nem tampouco desprestigiar a história, pois ela também se faz importante para os seus estudos. O que defendemos, em consonância com vários estudiosos e documentos oficiais, é a mudança no eixo do ensino da literatura, partindo dos textos, como foco. Com o intuito de melhorar o ensino de literatura, algumas ações foram tomadas, visando à formação de leitores competentes e críticos, capazes de deleitar-se com os textos. A elaboração de alguns documentos, como o DCNEM, PCNEM, PCN+ e OCEM21, desencadearam uma série de reflexões e mudanças nas metodologias de ensino de literatura, e serviram para orientar a prática docente dos profissionais da educação nas escolas brasileiras de ensino médio. Por sua vez, alguns Estados brasileiros, com base nos documentos nacionais, elaboraram outros documentos particulares para atender especificamente às suas necessidades, de acordo com a realidade local, como é o caso dos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (PARAÍBA, 2006). As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) deixam claro que o ensino de literatura ―trata-se, prioritariamente, de formar o leitor literário, melhor ainda, de ‗letrar‘ literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito‖ (BRASIL, 2006, p. 54). Para que isso aconteça, o professor de literatura deve dar subsídios para os alunos lerem literatura, fruindo-a por meio da experiência estética22, pois ―quanto mais letrado literariamente o leitor, mais crítico, autônomo e humanizado será‖ (BRASIL, 2006, p. 60). Tanto as OCEM quanto os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba propõem o contato direto do estudante com a obra literária, pois 21 DCNEM - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio; PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio; PCN+ - Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio; OCEM - Orientações Curriculares para o Ensino Médio. 22 Zilberman comenta que a experiência estética, conceito lançado por Jauss, é ―fruto do relacionamento da obra e o leitor, é o aspecto fundamental de uma teoria fundada na recepção‖ (ZILBERMAN, 1989, p. 113). As OCEM dizem que ―quanto mais profundamente o receptor se apropriar do texto e a ele se entregar, mais rica será a experiência estética‖ (BRASIL, 2006, p. 60). 60 O fato de ter como meta a leitura das obras desloca o foco do ensino tradicionalmente voltado para uma historiografia excessivamente abrangente, geradora de uma abordagem que põe ênfase no decorar características de autores e estilos de época, para uma prática em que o leitor, diante do texto lido, terá condições de discutir diferentes questões que o enfrentamento com o texto possa suscitar (PARAÍBA, 2006, p. 81) 23. Estes documentos não reprovam nem tiram a importância da história literária, porém salientam que ―conhecer a tradição literária sim, mas decorar estilos de época, não‖ (BRASIL, 2006, p. 77). Para cumprir com o papel da formação do leitor literário, de acordo com as OCEM (BRASIL, 2006, p. 54), ―não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias, etc., como até hoje tem ocorrido‖. Portanto, estes documentos sugerem, indiretamente, uma reflexão sobre o modelo das tradicionais aulas expositivas e a troca dessa metodologia de ensino pelas aulas com modelo dialógico24, que ―visa o tempo todo levar o leitor a dialogar com o texto e a dialogar com os colegas e o professor as questões suscitadas pelo texto‖ (PARAÍBA, 2006, p. 82 – 83). Sobre o dialogismo, as OCEM (BRASIL, 2006, p. 68) dizem que ―é da troca de impressões, de comentários compartilhados, que vamos descobrindo muitos outros elementos da obra; às vezes nesse diálogo mudamos de opinião, descobrimos uma outra dimensão que não havia ficado visível num primeiro momento‖, e portanto, a escola poderia propiciar essas oportunidades. Neste cenário, para que a melhoria do ensino aconteça, o professor deve estar disposto a promover essa mudança revendo suas práticas em sala de aula, sendo ele também um leitor competente e crítico, exercendo o seu papel de mediador, aquele que vai fomentar o espírito da arte literária e depois despertar para a crítica. 23 Através do contato efetivo com o texto, as OCEM (BRASIL, 2006, p. 55) afirmam ser ―possível experimentar a sensação de estranhamento que a elaboração peculiar do texto literário, pelo uso incomum da linguagem, consegue produzir no leitor, o qual, por sua vez, estimulado, contribui com sua própria visão de mundo para a fruição estética‖. O estranhamento do texto, proporcionado pelo contato com a leitura, comunga bem com o enfrentamento suscitado pelo texto, exposto pelos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006). 24 Esse modelo é defendido por Cereja (2005) como uma proposta de diálogos entre textos literários ou entre textos e outras linguagens, em que são relacionadas as aproximações e contrastes entre temas, gêneros e épocas. A proposta dialógica, para Cereja (2005), contrapõe-se ao modelo de aula monológica, ―puramente expositiva, que parte exclusivamente da enunciação do professor e/ou do livro didático‖ (CEREJA, 2005, p. 36). A aula dialógica permite que os alunos tenham espaço para expor suas opiniões e participarem efetivamente da aula. 61 Para que o sucesso possa ser alcançado, as aulas de literatura devem estar focadas na leitura literária e partilhamento25 das obras, sendo indispensável a leitura completa delas em substituição à leitura de fragmentos nos livros didáticos. Entretanto, o que fazer quando em alguns casos o único suporte que o professor e o aluno têm, e quando têm, é o livro didático, já que este às vezes é mais acessível a ambos do que as obras literárias? 2.2 Os livros didáticos e sua utilização Sem dúvida, o principal aliado dos professores nas aulas de literatura é o livro didático, vista a acessibilidade deste à maioria das escolas brasileiras, principalmente às públicas, onde são distribuídos gratuitamente através de vários programas federais, como o PNLD, PNLEM e PNLA26. O livro didático é um manual com assuntos, conceitos e exercícios de determinadas disciplinas escolares para fins pedagógicos, destinado ao ensino e utilizado principalmente nas escolas. Os manuais de literatura seguem dois modelos: aqueles que são inclusos em coleções que unem estudos de língua portuguesa, estudos literários e produção de texto, sejam em volume único para todas as séries do ensino médio, sejam em volumes fragmentados para cada série; e aqueles completamente destinados aos estudos literários. O local mais acessível de transmissão dos conhecimentos literários é a escola, por intermédio do professor, que busca sua fonte de pesquisa e planejamento prioritariamente em livros didáticos. Esses manuais trazem na sua constituição assessoria pedagógica, plano de curso, sugestões de atividades, respostas prontas, roteiros de aulas, esquemas e resumos práticos que atendem a um perfil geral de professores e alunos. Para o professor, o livro didático, em muitos casos, é o único suporte no qual se apoia para preparar as aulas que ministra dia após dia. A sua utilização é privilegiada pela praticidade em apresentar roteiros prontos, facilitando o trabalho 25 Discutiremos o conceito de leitura compartilhada no capítulo 3, página 108. PNLD (Programa Nacional do Livro Didático); PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio); PNLA (Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos). 26 62 dos docentes, que por receberem baixos salários27, precisam trabalhar em duas ou mais escolas, ocupando quase o tempo integral do seu dia, sem sobrar tempo para refletir sobre sua prática de ensino, aperfeiçoar-se, elaborar um planejamento que atenda às necessidades dos seus alunos, fazer leituras extras, entre outros. Conforme já comenta Chiappini (2005, p. 99), É claro que a luta por melhores condições de trabalho para os professores de 1º e 2º graus é condição de qualquer outra diretamente ligada ao conteúdo desse trabalho, sendo fundamental a conquista de mais tempo para a preparação das aulas e do material didático, bem como a superação da condição atual do professormáquina de dar aulas, parcialmente remunerado. Mas é verdade que, com toda precariedade das condições atuais, há muitos professores buscando superar as limitações do livro didático pela produção de seu próprio material didático. Para tanto, o livro didático, também em muitos casos, é um dos poucos meios pelos quais os estudantes recebem informações sobre os conteúdos que precisam aprender na escola, seja para uma carreira profissional, para o ingresso numa faculdade, ou simplesmente para adquirir conhecimentos para a vida. Porém os conteúdos resumidos expostos nos livros didáticos podem não favorecer um conhecimento mais amplo, mais aprofundado ao aluno, limitando a sua visão de mundo, como também podem aguçá-lo a ser sujeito de sua aprendizagem, instigando-o a procurar e descobrir um mundo de informações além desses. Nesta perspectiva, o livro didático, que é um ―instrumento concebido para facilitar o trabalho de alunos e professores, é também um instrumento concebido para dirigi-lo‖ (CHIAPPINI, 2005, p. 96), porém não lhes tira a autonomia e o direito à crítica na busca do saber quando é usado de forma apropriada. Utilizado de modo inadequado, é arriscado criar um círculo vicioso entre os professores, os alunos e o livro didático, em que o livro veicula o conhecimento que ele prestigia e acredita ser o necessário, o professor o consulta e repassa o que o livro articula sem uma reflexão cautelosa, e, por conseguinte, o aluno apenas recebe as informações, muitas vezes sem ir em busca de aprofundamento. Diante de muitos casos em que aluno e professor se tornam passivos diante do livro didático, obtendo somente as 27 Para Silva (2008, p. 43), os baixos salários dos professores refletem a política brasileira de desvalorização da carreira do magistério, em contraposição ao preço dos livros, à jornada excessiva de trabalho e pouca qualificação profissional. Os baixos salários desmotivam o professor, que precisa suprir suas necessidades financeiras trabalhando em duas ou mais escolas. 63 informações que lhes são oferecidas, Chiappini (2005, p. 95) adverte que o manual didático ao mesmo tempo que facilita o alcance do saber, ele congela-o nas ideias instituídas, e assim o destrói. Sobre o uso exaustivo do livro didático nas aulas de literatura, Martins (2006, p. 92 - 93) afirma que a leitura literária, como qualquer outra prática de leitura, não deveria se restringir ao livro didático, pois os alunos começam a ler apenas os fragmentos de textos apresentados nos manuais didáticos, sem, muitas vezes, conhecerem as obras originais. Tudo depende da formação do professor e de sua habilidade para transformar o livro didático em aliado na motivação dos alunos em sala de aula e não em apenas um único recurso que, utilizado à exaustão, pode tornar as aulas cansativas. É preciso, pois, diversificar as atividades e os recursos didáticos utilizados, para atrair o aluno ao estudo da literatura. Quanto à apresentação dos conteúdos, os livros didáticos não diferem de um para o outro. Para fins pedagógicos, os manuais de literatura, voltados para a tradição historiográfica, adotaram como plano de curso os estudos de história literária, que costumam classificar os protagonistas da literatura – escritores e poetas – dentro de movimentos literários. Para Proença Filho (1978, p. 63) essa divisão da história em escolas literárias atende ―à nossa necessidade de dividir para compreender‖. Tendo um espaço delimitado para a exposição de informações, os autores de livros didáticos de literatura resumem os conteúdos, prestigiam alguns escritores, dão espaço à biografia dos mesmos, selecionam os textos consagrados pelo cânone, e propõem atividades de metaleitura28, além de, há algumas décadas, terem focado o ensino para a preparação do vestibular e não na formação de leitores. O modo como esses conteúdos são apresentados submetem os discentes a uma formação de caráter enciclopédico, expressão destacada por Cereja (2005) e Pinheiro (2006), que de acordo com Colomer (2007), é o ensino voltado exclusivamente para abranger o conhecimento da história literária, tendências e movimentos culturais, seus principais escritores (biografia) e obras (canônicas). Segundo Pinheiro (2006, p. 111), ―o problema não é do autor dos livros: eles têm espaço delimitado e não podem ir além do que foi imposto. Portanto, o problema 28 As atividades de metaleitura, segundo as OCEM (BRASIL, 2006, p. 70), são exercícios de estudo de texto, aspectos da história literária, características de estilo de época, entre outros, deixando como prática secundária, a leitura dos textos. 64 parece ser do modelo de livro didático predominante‖. Refletindo sobre alguns problemas presentes nos livros didáticos, Pinheiro (2006, p. 106 – 107) destaca: 1) A quantidade de textos literários, que é sempre muito pequena; 2) A questão do fragmentarismo: os poucos poemas vêm, muitas vezes, para ilustrar um traço do estilo de época, uma característica do autor; 3) A omissão de muitas referências bibliográficas pelos autores dos livros didáticos; 4) A tradição retórica – o modo como são trabalhadas as figuras de linguagem; 5) A não priorização de autores contemporâneos de outras regiões do país, fora do eixo Rio-São Paulo. É importante frisar que, apesar da não priorização de escritores fora do eixo do sudeste do país, onde se concentram as maiores editoras de livros didáticos, ultimamente muitos autores de manuais têm dedicado espaço aos prosadores e poetas contemporâneos de outras regiões. Outros problemas levantados por Pinheiro (2006) diz respeito à pouca quantidade de textos e o fragmentarismo nos livros didáticos, que reputamos não garantir a formação de leitores críticos, pela lacuna deixada no processo de leitura completa das obras literárias. Porém, na falta de bibliotecas equipadas com um acervo significativo de obras, que atendam ao alunado, o livro didático transforma-se no único meio acessível para a leitura. O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, PNLEM, foi um marco importante para o ensino de literatura no Brasil. Implantado no ano de 2004, o programa visa levar os manuais didáticos a todas as escolas públicas, dando exemplares de livros de língua portuguesa e outras disciplinas a todos os alunos para cada ano do ensino médio ou um livro para os três anos, no caso dos volumes únicos. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) ampliou sua área de atuação e passou a distribuir também para o ensino médio, dicionários de língua portuguesa e obras literárias em braille, sendo estas para auxiliar nos estudos dos discentes portadores de deficiência visual. Segundo dados colhidos do portal do MEC (Ministério de Educação e Cultura) na internet, o objetivo dessa ampliação é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, a construção da cidadania e o desenvolvimento intelectual e cultural dos estudantes (FERRARI, 2009). As OCEM (BRASIL, 2006, p. 64) acreditam que 65 Os manuais didáticos poderão, a médio prazo, apoiar mais satisfatoriamente a formação do leitor da Literatura rumo à sua autonomia. Se isso ocorrer, os livros didáticos deverão manifestar sua própria insuficiência como material propício para a formação plena de leitores autônomos da Literatura, ao incluir, nas suas propostas didáticas, a insubstituível leitura dos livros. De acordo com Chiappini (2005, p. 98), nas nossas escolas precisamos de ―livros que impulsionem alunos e professores à aventura da pesquisa, da produção do saber, com todos os percalços e dúvidas que lhes são próprios‖ e não como meros reprodutores. Por fim, diante de todas essas reflexões apontadas sobre o livro didático, na sala de aula o professor continua sendo o mediador, o responsável pela condução do ensino. O professor, seguro do suporte que lhe é disponível, precisa saber como utilizá-lo para alcançar sucesso nas suas aulas, aproveitando melhor os recursos que tem. Portanto, não pretendemos procurar o culpado para os problemas enfrentados no ensino de literatura, pondo a responsabilidade no método historicista, nos professores, nos livros didáticos, na escola ou nos alunos, mas rever as possibilidades de enfrentar esses problemas e vencê-los, melhorando o ensino de literatura. 2.3 A abordagem da poesia de Augusto dos Anjos nos livros didáticos É notório o impacto da linguagem e dos temas que caracterizam a poesia de Augusto dos Anjos, os quais impressionam e chocam o leitor desacostumado com tal irreverência na arte literária. Muitos estudantes terminam o ensino médio sem ter uma visão mais ampla da poesia do poeta, conhecendo exclusivamente os poemas consagrados pelo cânone, e propagados nos livros didáticos, os quais ignoram a totalidade da lírica augustiana, inclusive o viés otimista29. Por terem uma visão simplificada da poesia de Augusto dos Anjos, os estudantes acabam por remeter-lhe os estereótipos de pessimista, cientificista e melancólico, e através desses conceitos, alguns passam a admirar o poeta e sua obra e outros a rejeitá-los quando não se identificam com esse tipo de poesia. 29 Para Bueno (1994, p. 14 - 15) o Eu e Outras poesias pode ser chamada obra canônica, mas os Poemas esquecidos, Versos de circunstância, Prosa dispersa e a correspondência, são constituídos ―obra coligida‖, ou seja, reunida em antologia. 66 Por acreditar na reprodução de conceitos e valores nos manuais didáticos, na influência dos livros no ensino de literatura, na repetição de informações e na visão unilateral da poesia (e) do poeta Augusto dos Anjos nos mesmos, valemo-nos da pesquisa de avaliação, que de acordo com Moreira e Caleffe (2008, p. 79) faz ―parte do processo de assegurar qualidade‖, para comparar, analisar e avaliar criticamente a concepção da poesia de Augusto dos Anjos nesses livros. Para a pesquisa, utilizamos os livros didáticos de língua portuguesa, os quais se dividem em estudos de gramática, literatura e produção de textos, avaliados previamente pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, PNLEM 2009, do Ministério da Educação e Cultura. Esses livros foram recomendados às escolas públicas de todo o Brasil, por serem considerados por uma equipe de professores como os melhores a serem utilizados no ambiente escolar, contribuindo para um ensino de qualidade nas escolas públicas brasileiras. Foi recomendado pelo PNLEM 2009 às escolas públicas um catálogo contendo onze (11) títulos de livros de língua portuguesa do ensino médio. Para esta pesquisa, todos os livros foram analisados. São eles30: LD1. Português: ensino médio (José de Nicola) Scipione LD2. Português: Linguagens (William R. Cereja e Thereza A. C. Magalhães) Atual LD3. Novas palavras: língua portuguesa (Emília Amaral, Mauro F. do Patrocínio, Severino A. M. Barbosa, Ricardo S. Leite) FTD LD4. Português: de olho no mundo do trabalho (Ernani Terra e José de Nicola) Scipione LD5. Língua Portuguesa: ensino médio - Coleção Vitória Régia (Heloisa H. Takazaki) IBEP LD6. Português: língua, literatura, produção de Textos (Maria Luiza Abaurre, Marcela Regina Nogueira, Tatiana Fadel) Moderna. LD7. Português (João Domingues Maia) Ática. LD8. Português: projetos (Carlos Emílio Faraco; Francisco Marto de Moura) Ática LD9. Textos: leitura e escrita: literatura, língua e produção de textos (Ulisses Infante) Scipione. LD10. Português: língua e cultura (Carlos Alberto Faraco) Base. 30 Usaremos esta mesma sequência de códigos abaixo, quando necessário, para nos referirmos aos livros didáticos durante a descrição dos dados. 67 LD11. Língua Portuguesa: projeto escola e cidadania para todos (Harry Vieira Lopes. et al.) Brasil. Através desta pesquisa, averiguamos a abordagem da poesia de Augusto dos Anjos nos livros didáticos do 3º ano do Ensino Médio31, observamos como o livro contribui para a formação de leitores críticos da poesia do poeta e verificamos alguns pontos específicos, tais como poemas, exercícios, informações extras, menção ou não à face otimista, entre outras questões relacionadas à sua poesia. A partir desses livros comparamos e interpretamos dados quantitativos e qualitativos e fizemos análises sobre alguns pontos que julgamos importantes e que foram ponto de partida para a nossa crítica, os quais relatamos a seguir. 2.3.1 O dinamismo literário É comum que os literatos sejam contextualizados cronologicamente nos livros didáticos de acordo com sua inserção em escolas literárias, das quais suas obras foram representativas. No entanto o tipo de enquadramento didático empreendido por esta classificação nem sempre se ajusta a todos os escritores. Um exemplo desta inadequação ocorre com o poeta Augusto dos Anjos, que é um dos poucos representantes da literatura brasileira que não se enquadra totalmente em nenhum movimento literário, devido ao caráter sincrético da sua poesia, que possui traços de vários estilos literários, tais como o parnasianismo, simbolismo, pré-modernismo, entre outros. As OCEM ressaltam que ―autores de um mesmo período histórico escrevem dentro da convenção da época, mas muitos – os melhores, talvez – se livram dela‖ (BRASIL, 2006, p. 77), como é o caso de Augusto dos Anjos. Tendo em vista seu dinamismo literário, ou seja, sua atividade artística comumente relacionada a características de diversas escolas literárias, os críticos o classificaram durante muito tempo de diferentes maneiras, enquanto os autores de livros didáticos apesar de encaixarem-no entre os pré-modernistas32 destacam seu caráter sincrético. A sua versatilidade literária não permite classificá-lo com precisão 31 Escolhemos os livros do 3º ano do Ensino Médio porque geralmente pela abordagem históricoliterária Augusto dos Anjos é estudado nessa fase do ensino. 32 É importante ressaltar que o Pré-modernismo não foi uma escola literária, mas um momento de transição que reuniu os literatos que não faziam parte dos movimentos anteriores, Parnasianismo ou Simbolismo, e nem faziam parte do movimento posterior, Modernismo. O termo Pré-modernismo foi criado por Tristão de Ataíde para designar o período cultural que vai do princípio do século XX até a Semana de Arte Moderna (BOSI, 1969). 68 em uma única escola literária, mas admite aprofundarmo-nos nos seus imensos vieses e descobrirmos uma poesia e um poeta além de rótulos de escolas literárias. Sobre a inserção de Augusto dos Anjos em escolas literárias, Soares (1994, p. 62) diz que A que escola se filiou? – a nenhuma. Se o homem vale por seus sentimentos, com dobradas razões o poeta, dada sua maior riqueza de sensações. Isso de escolas é esquadrias para medíocres. Só existe uma regra escrita – a do escritor apoderar-se de sua língua e manejá-la de acordo com seu individualíssimo sentir. Se for um iluminado, fatalmente será grande; se lhe faltar a centelha divina, explorará quantos processos ou confrarias apareçam e nunca passará de número anódino, no meio da turbamulta dos escrevinhadores. Já que, segundo Soares, o poeta não se filiou a nenhuma escola literária, mas a prática nos manuais escolares de inserção em uma delas é uma necessidade didática dentro do ensino da literatura, alguns críticos têm discutido sobre qual estilo de época mais se aproxima a poesia de Augusto dos Anjos. Para Lins (1994, p. 119), Augusto dos Anjos seria naturalista, pois ―é certo que ele se tornara uma espécie de introdutor do naturalismo na poesia brasileira‖, pelo uso do vocabulário retirado das ciências biológicas. Já para Coelho (1993), Augusto dos Anjos se enquadra como parnasiano. A autora menciona o nome de Augusto como um dos principais poetas representativos das várias diretrizes poéticas do Parnasianismo, junto com Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, entre outros, por ter cultivado a estética metrificada dos versos, estrofes e rimas trabalhadas, ou seja, a beleza e a perfeição com as quais os parnasianos tratavam a realidade poética. Moisés (2007, p. 340), por sua vez, ressalta que Augusto seria mais bem encaixado como Simbolista, pois, segundo ele, ―considerando que o culto da forma seguido pelos parnasianos integrou o programa de arte preconizado pelo simbolismo, pode-se dizer que seu lugar mais preciso é entre os partidários da última tendência‖. Contudo, Bosi, apesar de em seu livro História concisa da literatura brasileira (2006) incluir o poeta entre os Simbolistas, no livro A literatura brasileira: o pré-modernismo (1969) considera-o um dos principais representantes 69 do Pré-modernismo33 brasileiro, dando-lhe pelo mérito da originalidade um capítulo à parte, destinado ao estudo de sua poesia. De acordo com Gullar, tanto o Simbolismo quanto o Parnasianismo influíram na formação artística do poeta, conforme está evidente em seus poemas, apesar de a nenhuma dessas escolas literárias ter se filiado. O autor destaca que ―do parnasianismo herdou, sobretudo, o verso conciso, o ritmo tenso e a tendência ao prosaico e ao filosofante; do simbolismo, além do gosto por palavras-símbolo com maiúscula, o recurso da aliteração e certos valores fonéticos e melódicos‖ (GULLAR, 1994, p. 85). Contudo, segundo o autor, a poesia de Augusto dos Anjos se destaca pelos elementos anunciadores da poesia moderna, que é justamente a aderência ao cientificismo. Viana (2001, p. 37) comunga com o pensamento de Gullar (1994) e também considera Augusto dos Anjos um antecipador da modernidade, pois apesar de versejar em decassílabos e utilizar-se do recurso das rimas – procedimentos que os modernistas abominavam -, Augusto era moderno por adotar recursos que subvertiam a nossa tradição lírica. [...] o vocabulário oriundo da filosofia e da ciência, [...] o grotesco das imagens, e no domínio fônico, a dissonância que fazia, por exemplo, multiplicar aliterações e sinéreses. Depois de várias reflexões sobre uma possível classificação do poeta, segundo Houaiss (1994, 52) ―o fato é que, classificado durante certo período como simbolista [...] os teóricos, subseqüentemente (sic), principiaram a impugnar o critério, soltandoo no ar, fazendo-o só, Eu e mais ninguém‖. Augusto dos Anjos não seguiu nenhum grupo literário, o que ele seguiu foram momentos em que as escolas literárias estavam em voga. Ele seguiu esses momentos livre e ao mesmo tempo ―preso‖. Preso porque não tinha como desconhecer essas tendências nem deixar de ser influenciado por elas, apartandose delas totalmente. No entendo, teve a arbitrariedade de acompanhá-las sem deixar-se levar integralmente por uma ou outra. Dessa forma, apoderou-se um 33 Bosi (1969, p. 11) ao nos dar subsídios para compreendermos o sentido do vocábulo Prémodernismo, aponta dois fatores determinantes, mas nem sempre coincidentes: ―1º) dando ao prefixo ―pré‖ uma conotação meramente temporal de anterioridade; 2º) dando ao mesmo elemento um sentido forte de precedência temática e formal em relação à literatura modernista‖. Desta forma, Augusto dos Anjos pode ser inserido dentro do Pré-modernismo pelos dois critérios, tanto cronológico, quanto pelo estilo inovador em relação à irreverência da linguagem e na temática explorada nos poemas. 70 pouco de cada estilo estético para assim formar a sua própria poesia, independente, o que lhe proporcionou o título de poeta singular. Em todos os livros didáticos analisados, com exceção dos LD10 e LD11, que não faziam nenhuma menção a Augusto dos Anjos, o poeta está entre os representantes do Pré-modernismo, certamente pela reflexão tomada por Bosi (1969) quanto à significação do período. Contudo, apesar de ser encaixado como pré-modernista, todos os livros que apresentavam o poeta, destacam o sincretismo da sua poesia. Cinco livros destacam a relação com o Parnasianismo (LD4, LD5, LD7, LD8 e LD9), sete livros destacam a influência do Simbolismo (LD2, LD4, LD5, LD6, LD7, LD8 e LD9) na sua poesia. Alguns livros correlacionam a poesia augustiana com algumas das vanguardas europeias: sete livros citam a relação com o Expressionismo (LD1, LD3, LD4, LD5, LD7, LD8 e LD9) e um livro destaca a relação com o Impressionismo (LD7). Vale salientar que as influências de Augusto dos Anjos não ficaram apenas nas escolas literárias brasileiras. Há quem afirme que o poeta bebeu em algumas Vanguardas Europeias, que ―eram atitudes [...] de destruição e negação do passado‖ (COUTINHO, 1995, p. 241), pelo fato de que, assim como elas ―foram reações contra o esgotamento e o cansaço ante o peso da tradição literária‖ (COUTINHO, 1995, p. 241), ele foi um poeta que era a favor de uma mudança no sistema estético literário da época, ainda baseado na tradição e no passado. Cunha (1994, p. 168) defende que a poesia agustiana é ―uma posição de combate antiparnasiana e a instauração de uma nova ordem‖. O Expressionismo é a ―arte criada sob o impacto da expressão, mas da expressão da vida interior, das imagens que vêm do fundo do ser e se manifestam pateticamente‖ (TELES, 1999, p. 104). Relaciona-se a poesia de Augusto dos Anjos ao Expressionismo literário por essa corrente ser ―uma forma de literatura psicológica, em que as profundezas subjacentes da alma são dissecadas e retratadas com minúcias‖ (COUTINHO, 1995, p. 243), assim como a sua poesia, a qual é considerada por alguns teóricos e críticos como a expressão do seu próprio estado de espírito, o seu próprio ―eu‖ (SOARES, 1994). Viana (2001, p. 36) destaca que Gilberto Freyre e Anatol Rosenfeld foram dos primeiros que apontaram semelhanças entre Augusto dos Anjos e os expressionistas, comparando em ambos ―o mesmo desespero, a mesma intensidade caótica, o mesmo terror ante o fim iminente do homem e das coisas – tudo isso vazado numa forma áspera e 71 dissonante‖. Freyre (1994, p. 78), por exemplo, compara na poesia augustiana o gosto pela decomposição e pelas palavras científicas ao das ―‗decomposições‘ dos expressionistas alemães‖. Já Rosenfeld (1994, p. 186), embora ressalte que o Expressionismo foi um ―movimento do qual dificilmente pode ter tido notícia‖, relaciona a poesia de Augusto dos Anjos a de poetas expressionistas, tais como Benn, Trakl e G. Heym. Já o Impressionismo ―é um conceito literário, de uso e compreensão recentes, que auxilia a interpretação de diversos escritores outrora inclassificados, e de uma época tida como marginal ou secundária, mas que ofereceu uma contribuição duradoura à literatura brasileira moderna‖ (COUTINHO, 1995, p. 228 – 229). Em síntese, é uma tendência que mostra a partir de símbolos a impressão da realidade provocada no espírito do artista. Nos livros didáticos, um fato curioso é que o Expressionismo e Impressionismo são tendências de vanguardas europeias exploradas depois do Pré-modernismo, o que torna difícil para os estudantes compreenderem a comparação ou a relação da obra do poeta com as mesmas, a não ser que tenham sido trabalhados com os alunos os conceitos destas. Dos livros consultados apenas o LD3 conceitua Expressionismo para que seja relacionado aos poemas augustianos. Após os autores do LD3 correlacionarem as características do poema ―Versos íntimos‖ ao Expressionismo, revelam o conceito da vanguarda que diz: ―Esse movimento se caracteriza fundamentalmente pelo destaque dado ao grotesco, ao bizarro, ao deformado, pela ênfase à expressão da vida interior, das imagens que vêm do fundo do ser e se manifestam pateticamente‖ (AMARAL et. al., 2005, p. 15). Enfim, Faraco e Moura, no LD8, após relacionarem a poesia de Augusto dos Anjos às várias diretrizes estéticas do final do século XIX e início do século XX, sintetizam que ―essas classificações não conseguem apreender toda a complexidade de sua poesia‖ (2005, p. 304), por isso ―é um poeta que não se encaixa nos moldes de nenhuma corrente literária‖ (op. cit, p.304). Já Cereja e Magalhães (2005), no LD2, ressaltam que é justamente pelo caráter sincrético de sua poesia, que ele é definido como Pré-modernista. 72 2.3.2 A poesia de Augusto dos Anjos Os livros didáticos de ensino médio, apesar de intitularem Augusto dos Anjos como um poeta único em nossa literatura (LD2, LD4 e LD5), limitam cerca de meia ou duas páginas para tratarem do poeta, mostrando-o exclusivamente pelos vieses pessimista, melancólico, e cientificista. Essa atitude tem como consequência uma visão unilateral quanto à complexidade da poesia augustiana, que vai além dessas vertentes. É certo que Augusto dos Anjos recebeu seu prestígio na literatura brasileira por esses poemas, porém eles não abrangem a complexidade da sua lírica. Dos onze livros consultados, apenas dois (LD10 e LD11) não apresentaram nenhuma página para o estudo do poeta e sua poesia. Em todos os livros que contêm tópicos sobre o poeta, o texto subsequente à sua apresentação é preenchido quase sempre pela sua biografia, por características referentes ao estilo de sua poesia, ou com a relação historiográfica com algumas escolas literárias. No entanto, a maioria dos livros o apresenta concomitantemente por esses vários caminhos. Dos livros analisados: As características de sua poesia fazem parte da sua apresentação em oito livros (LD1, LD2, LD3, LD5, LD6, LD7, LD8 e LD9); A biografia é exposta em seis livros (LD1, LD2, LD3, LD7, LD8 e LD9); Dados histórico-literários são mencionados em cinco livros (LD2, LD3, LD4, LD6 e LD8); Nota-se, então, que não se segue uma linha prioritária de apresentação do poeta e de sua poesia, ficando, assim, a critério de cada autor do livro didático, porém observamos que a minoria prefere apresentá-lo, correlacionando a sua poesia ao contexto histórico da época, fato que se justifica pela dificuldade em definir uma escola afiliada por Augusto dos Anjos. O contexto histórico faz-se presente nestes livros para tentar mostrar as possíveis influências da época sofridas pelo poeta para a criação de sua obra. Vemos que a biografia é um dado comum na apresentação do poeta nos livros didáticos com o intuito de revelar ao aprendiz alguns fatos principais de sua vida, para tentar justificar o estilo predominante de sua poesia ou para, em alguns casos, correlacionarem com seus poemas, remetendo-lhes um motivo impulsionador em 73 sua arte34. De fato, a biografia serve para orientar o leitor acerca do contexto em que se gerou o poeta, meramente como uma curiosidade ou uma informação extra, algo secundário. Por fim, o estilo, marcado pelas características de sua poesia, também é recorrente como forma de apresentação, porém ao privilegiar algumas de suas faces, seja pessimista, cientificista, melancólica, ou outra, o livro pode limitar a imagem do poeta e restringir a sua poesia a alguns elementos que se sobressaem se não se preocupar em explorar o máximo possível desses vieses. Sendo assim, o uso da biografia, do contexto histórico e a menção ao estilo estético servem como ponte que relacionam o poeta à sua obra, o que seria mais pertinente se fossem tratados como ponte de apoio a posteriori e não a priori como chave de entrada para os textos literários. Um dado intrigante e conflituoso sobre a biografia do poeta foi encontrado em alguns livros didáticos. Alguns manuais (LD1, LD2, LD3, LD7, LD8 e LD9), ao discorrerem sobre a trajetória da vida de Augusto dos Anjos, destacam a sua formação acadêmica, referindo-se à faculdade de Direito cursada no Recife – PE, porém o LD8, de Faraco e Moura, ressalta que o poeta não advogou, enquanto o LD2, de Cereja e Magalhães, afirma que ele exerceu a profissão de advogado e foi promotor. Por conhecermos a biografia do poeta, ficamos intrigados com essa informação distorcida acerca da sua vida. Bosi, então, contradiz essa informação do LD2, e nos diz que o poeta ―fez Direito em Recife e casou-se aos vinte e três anos, apenas formado. Não advogou, porém vivia a lecionar literatura‖ (BOSI, 1969, p. 44). Outro ponto limitador da poesia augustiana é o caso dos subtítulos, que direcionam a visão dos estudantes, ao passo que proporcionam um estudo reduzido sobre ela. Tendo como base os livros analisados, encontramos quatro subtítulos, cada qual em um livro: ―Augusto dos Anjos e sua poesia expressionista‖ (LD1); ―Augusto dos Anjos: o átomo e o cosmo‖ (LD2); ―Augusto dos Anjos: poeta pessimista e enigmático‖ (LD6) e ―Augusto dos Anjos: vida e produção‖ (LD9). Notamos que os três primeiros livros intensificam características consideradas marcantes na poesia de Augusto dos Anjos, respectivamente o expressionismo, o 34 Por muito tempo o biografismo foi umas das principais chaves de interpretação da poesia augustiana. Apesar de Magalhães Jr (1978, p. 181), biógrafo do poeta, salientar que ―geralmente, as poesias de Augusto dos Anjos estão cheias de anotações de caráter pessoal que constituem uma espécie de autobiografia psicológica‖, isso não se aplica a toda sua obra. Vemos, portanto, como autobiográficos apenas alguns poemas, mas não todos nem a maioria. 74 cientificismo e o pessimismo. Tais características reforçam a imagem marcadamente propagada de livro para livro e são exemplificadas pela escolha e repetição de determinados poemas usados para ilustrar essas características. O último livro reflete a preocupação em utilizar o espaço dedicado ao poeta para exibir sua biografia, descrição considerada importante para os livros didáticos, e um pouco de sua produção. Ao estudar características particulares do poeta, deixa-se de ter um conhecimento mais amplo e aprofundado em outros temas de sua poesia. É evidente que os livros que não apresentam subtítulos também estão sujeitos a esse mesmo problema, porém vale ressaltar que o posicionamento explícito que estes rótulos tomam, acabam por limitar e prestigiar elementos em detrimento de outros e influenciar a visão que o aluno terá do poeta e de sua poesia, se este não procurar ampliar seus conhecimentos. A repetida veiculação dos mesmos poemas em vários livros didáticos é uma questão também limitadora da imagem do poeta e de sua obra. Esses poemas passam a ser os mais conhecidos e divulgados como uma marca de estilo, em que uma pequena quantidade de poemas pode refletir a amplitude de uma obra. De acordo com Proença Filho (1978, p. 12), um poema ou outro pode revelar um pouco das marcas de um poeta, do seu estilo e da sua linguagem, mas É evidente que, para a compreensão plena da dimensão literária da obra de um poeta não podemos deixar-nos conduzir apenas pelas conclusões de um único poema, ou dois, ou três: é necessário que examinemos a totalidade de sua produção em verso. Isso se torna um problema ainda maior quando o livro expõe apenas um poema35, no qual observamos em três livros: LD4, LD5 e LD7, que apresentam respectivamente apenas ―Versos íntimos‖ nos dois primeiros e ―Psicologia de um vencido‖ no último. Esses livros reduzem a visão da obra ao exemplo de um poema. Quatro livros apresentam dois poemas cada um: LD3, LD6, LD8 e LD9; dois livros apresentam três poemas: LD1 e LD2. O problema faz-se maior quando o livro didático não apresenta nenhum poema sobre o poeta, como é o caso dos LD10 e 35 Observamos primeiramente o número de poemas exposto em cada livro, acreditando que a quantidade poderia influenciar na diversificação temática ou revelar as diversas faces da poesia augustiana, inclusive a otimista, tais como aquelas que foram estudadas no 1º capítulo dessa dissertação. Porém conferimos que o fator quantitativo não interfere na diversidade temática dos poemas. 75 LD1136. É evidente que esses dois livros, apesar de não apresentarem a poesia augustiana, podem ter no seu corpus uma seleção de bons textos para o trabalho com a poesia e eficiente para a formação de leitores, porém como nosso trabalho é voltado para a formação de leitores da poesia de Augusto dos Anjos, o fato de não haver nenhuma menção ao poeta ou nenhum poema dele constitui um problema. Enfim, podemos esquematizar o número de poemas augustianos encontrados nos livros didáticos de acordo com o quadro abaixo: Número de poemas por LD Livros consultados Nenhum poema LD10, LD11 1 poema LD4, LD5, LD7 2 poemas LD3, LD6, LD8, LD9 3 poemas LD1, LD2 Vemos, portanto, que a maioria dos livros apresenta apenas dois poemas para ilustrar o estilo do poeta, e esses poemas são quase sempre os canônicos. Entre os livros consultados, seis deles apresentam o poema ―Versos íntimos‖ (LD1, LD2, LD3, LD4, LD5 e LD6), que é o primeiro mais recorrente nos manuais; seguido por ―Psicologia de um vencido‖, encontrado em quatro livros (LD1, LD2, LD7 e LD8); dois livros (LD6 e LD9) apresentam o poema ―O deus-verme‖; os poemas ―O morcego‖, ―Budismo moderno‖, ―Vandalismo‖, ―As cismas do destino‖ e ―A idéia‖ são todos eles apresentados em um livro, respectivamente os LD1, LD2, LD3, LD8 e LD9. O quadro abaixo pode ilustrar os dados com mais clareza: Poemas recorrentes nos LD Livros consultados Versos íntimos LD1, LD2, LD3, LD4, LD5, LD6 Psicologia de um vencido LD1, LD2, LD7, LD8 36 Esses livros didáticos não exibem nenhum poema de Augusto dos Anjos porque o poeta não é apresentado no livro. Procuramos encontrar algum poema em ambos os livros mesmo que fosse para ilustrar algum estudo sobre poesia, figuras de linguagem ou até mesmo produção de texto ou gramática, mas não obtivemos êxito. Folheamos todo o LD10 e lemos especialmente os dois capítulos que tratam sobre a arte poética, além dos capítulos que tratam cada qual da história literária no século XIX e início do século XX. Com o LD11 não foi diferente. Apesar de os conteúdos do livro não seguirem a ordem de divisão comum aos livros didáticos, com módulos de língua portuguesa, produção de texto e literatura e a parte de literatura não ser dividida pela história literária, pois neste livro a ênfase maior nos estudos de literatura é a parte dos gêneros literários, também não encontramos nada sobre o poeta. 76 O deus-verme LD6, LD9 O morcego LD1 Budismo moderno LD2 Vandalismo LD3 As cismas do destino LD8 A idéia LD9 Esses poemas foram expostos nos livros de forma integral, porém encontramos fragmentos de três poemas em um livro didático. O LD4, que só apresenta um poema completo, ―Versos íntimos‖, apresenta fragmentos de três poemas: uma estrofe de ―Budismo moderno‖, uma estrofe de ―Idealização da humanidade futura‖ e uma estrofe de ―O deus-verme‖. Consideramos que essa prática em nada favorece a formação de leitores da poesia augustiana já que não apresenta os textos completos para a fruição dos alunos. Todos esses poemas foram retirados do livro Eu, de Augusto dos Anjos, sua única obra editada em vida, não curiosamente por serem canônicos. Dos livros estudados o Eu é a única obra citada em quatro manuais didáticos (LD1, LD2, LD3, LD4) enquanto os outros quatro não mencionam nenhuma obra (LD5, LD6, LD10 e LD11). Somente três livros (LD7, LD8 e LD9) mencionam, além do Eu, algumas obras posteriores à morte do poeta: esses três livros citam Eu e Outras poesias, o LD8 faz referência à obra em prosa publicada em jornais37, apesar de não citar exemplos, e o LD9 menciona outros poemas, supostamente os Poemas esquecidos e Versos de circunstância, além de incluir em sua obra completa correspondências e documentos do poeta, sendo estas sem caráter literário. A referência a uma única obra delimita a abordagem da poesia augustiana pelos estudantes apenas ao conhecimento dos poemas do Eu, predominantemente cientificistas, alguns com tom pessimista e melancólico. Quando nenhuma obra é citada, dificulta mais ainda o processo de formação do leitor, pois a ausência de uma referência não lhe oferece o estímulo à leitura, à apreciação dos poemas e à procura dos mesmos. Dessa forma, os estudantes não têm nenhuma orientação à obra que devem procurar para leitura. 37 A prosa escrita por Augusto dos Anjos é constituída de algumas cartas abertas e, em sua grande maioria, de crônicas. 77 Nos livros didáticos encontramos diversas características da poesia de Augusto de Anjos, sendo algumas mais recorrentes do que outras. As características apontadas são referentes principalmente à linguagem e aos temas, tais como: linguagem elaborada, agressiva, ―antipoética‖, ―antílírica‖, prosaica, cientificista, pessimista, melancólica e de ―mau gosto‖; poesia que versa sobre temas inquietantes tais como: a podridão, a morte, a decomposição de forma grotesca. É realçada ainda a solidão e a angústia do poeta; animalidade, aspecto vil e sórdido de sua poesia; conflitos pessoais apresentados, entre outros. Sobre seu ofício poético destaca-se a poesia formalmente trabalhada, seu rompimento com os limites estéticos do belo e do feio, divagações metafísicas, além de seu caráter original e único. Podemos esquematizar as características mais citadas da poesia de Augusto dos Anjos, nos livros didáticos, da seguinte maneira: Características da poesia de A. A. Livros didáticos Pessimista LD2, LD4, LD6, LD7, LD8, LD9 Cientificista LD2, LD3, LD4, LD6, LD7, LD9 temas inquietantes LD2, LD3, LD5, LD7, LD9 poemas formalmente trabalhados LD4, LD5, LD6, LD9 linguagem extravagante LD1, LD2, LD3, LD7 imagens fortes LD3, LD5, LD6, LD8 Melancólica LD2, LD3, LD4 Notamos a grande repercussão das mesmas características mais difundidas da poesia de Augusto dos Anjos, como: pessimista, melancólico, angustiado, entre outros, e a ausência de qualquer menção ao caráter otimista da sua poesia. Investigando a poesia completa de Augusto dos Anjos, percebemos que há inúmeros poemas repletos de otimismo, como já analisamos no primeiro capítulo, e que contemplam temas pouco estudados, até considerados ausentes na sua poesia, tais como Deus, amor e esperança, mas esses são completamente esquecidos pelos livros didáticos. Sobre a ausência da face otimista na poesia de Augusto dos Anjos, no LD2 encontramos uma citação que resume este pressuposto, ao afirmar que ―para o poeta, não há Deus nem esperança‖ (CEREJA e MAGALHÃES, 2005, p. 24), 78 induzindo o pensamento de que o poeta não acredita em Deus nem na esperança, por isso não reservou espaço na sua obra para versar sobre eles. Nessa alusão dos autores do livro em questão encontramos dois equívocos: primeiramente reforça a ideia de o eu - lírico dos poemas e o poeta serem a mesma pessoa e conservarem as mesmas características, confundindo o autor do Eu com o ―eu‖ do autor, querendo relacionar o trabalho poético à sua biografia, e assim afirma um dado inexistente. Mesmo que houvesse a inexistência desses temas, isso não se justificaria por uma repulsa pessoal do poeta, não seria necessariamente porque o poeta não acreditasse em Deus, no amor ou fosse tão pessimista a ponto de não versar sobre a esperança. O outro equívoco é dizer que para o poeta não há Deus nem esperança, pois sabemos que na obra completa do poeta há espaço para esses dois temas. Neste caso, o autor do livro didático mostra-se equivocado e pouco preocupado em investigar a obra completa de Augusto dos Anjos, apesar de que até podemos compreender esse equívoco, já que há poucas pesquisas no meio acadêmico, bem como poucos estudos da crítica acerca do viés otimista, e até então o que se propagou nas Academias e consequentemente no meio escolar, foi a imagem de um poeta e de uma poesia destituída de otimismo e predominantemente pessimista. Vale salientar, que esta informação estando contida em um livro didático consultado por milhões de alunos e por professores, acaba formando um conceito deturpado. Tendo como preocupação incentivar a formação de leitores admiradores e críticos da poesia de Augusto dos Anjos, achamos de suma importância o diálogo entre a literatura e outras artes como a dança, a música, entre outros; e gêneros textuais ou literários, como o narrativo; bem como o máximo de informações pertinentes que possam aguçar no leitor o desejo de ler e apreciar a obra do poeta. Só encontramos três livros que contêm informações extras para o estudante. O LD2 comenta de forma sintética o romance A última quimera, de Ana Miranda, baseado na vida de Augusto dos Anjos, e o CD Augusto dos Anjos por Othon Bastos, da coleção ―Poesia Falada‖, nº 9, contendo 36 poemas declamados pelo ator e também admirador da poesia do poeta. O mesmo livro ainda promove o diálogo com outras artes como a música: menciona a musicalização de ―Budismo moderno‖, por Arnaldo Antunes, e a canção ―Bandalhismo‖, de Aldir Blanc, baseada no poema ―Vandalismo‖, além de ainda citar cantores da MPB cujas canções exploram o grotesco, a exemplo de João Bosco e do grupo Titãs. O livro também explora a 79 relação da poesia augustiana com a dança, comentando o espetáculo ―Senhor dos Anjos‖, por Sandro Borelli, baseado nos poemas do paraibano. O LD7 indica dois sites da internet, nos quais os estudantes podem encontrar informações importantes sobre Augusto dos Anjos. São eles: <www.vidaslusofonas.pt/augusto_dos_anjos.htm> e <www.secrel.com.br/jpoesia>. No primeiro site, ―Vidas Lusófonas‖, a parte dedicada a Augusto dos Anjos contém um pouco sobre sua biografia demarcada em uma espécie de linha do tempo. Há um texto intitulado ―Velhas lembranças‖, escrito por Paulo Vieira, um trecho do ensaio ―Elogio de Augusto dos Anjos‖, de Órris Soares, e o trecho de uma carta do poeta à sua mãe. O site ainda apresenta quatro poemas: ―Monólogo de uma sombra‖, ―Debaixo do tamarindo‖, ―A árvore da serra‖ e ―Versos íntimos‖. Não conseguimos acessar o segundo site através do endereço exposto no livro didático, porém julgamos se referir ao site ―Jornal de poesia‖, (<http://www.jornaldepoesia.jor.br/augusto.html>). Este site contém oito textos, entre ensaios e críticas, sobre Augusto dos Anjos, uma antologia com 149 poemas, e o poema ―Versos íntimos‖ traduzido para a língua inglesa. Já o LD9 indica as ―Edições de Ouro‖ como exemplo de livros acessíveis financeiramente aos estudantes, pois, segundo o autor do manual didático, essas edições são boas, baratas e reúnem muita coisa importante sobre o poeta. Essas estratégias servem para enriquecer as aulas de literatura e proporcionar um contato mais efetivo e amplo com a poesia augustiana, estabelecendo o diálogo com outras artes para complementar o estudo das obras. 2.3.3 Exercícios propostos nos livros didáticos A última etapa analisada nos livros didáticos foi a dos exercícios. Constatamos que os exercícios observados contemplam duas linhas: os estudos gramaticais e os estudos literários. Apesar de se tratarem de módulos de literatura em livros de língua portuguesa, os estudos gramaticais ainda são privilegiados por meio dos poemas. Através desses textos são pedidos exercícios que analisem a seleção lexical, a semântica dos vocábulos e a função sintática da oração presente nos versos. O que pudemos notar é que, em alguns casos, a análise gramatical não pretende levar ao caminho de interpretação dos poemas, mas se revela apenas como um reforço de conteúdos 80 de gramática. Alguns exemplos disso foram encontrados no LD1. Sobre o poema ―O morcego‖, pede-se: 1) Em que pessoa está escrito o soneto ―O morcego‖? Vemos que a resposta que o autor quer obter do aluno não contribui para a interpretação ou compreensão do poema, visto que a partir da resposta nada mais é explorado. Sobre a priorização dos estudos linguísticos, ―para o aluno fica a impressão de que se lê textos para fazer exercícios gramaticais, que não mantêm nenhuma ligação com a emoção estética que sentem ao ouvir ou ler um poema, ou ao copiá-lo no seu diário‖ (GEBARA, 2002, 151). Deve-se levar em conta que o objetivo da literatura é formar leitores, portanto o seu ensino requer metodologias diferentes das utilizadas nas aulas de língua. Foi-se o tempo de ler literatura para aprender um vocabulário mais requintado. Os estudos literários contemplam a temática do poema, os aspectos formais (como escansão, versos, estrofes e rimas), a relação com as escolas literárias, a retórica (o modo como são trabalhadas as figuras de linguagem), interpretação centrada e fechada no que o poeta diz e ao que o autor do livro quer. É lamentável que a leitura e fruição do texto deem lugar prioritariamente aos exercícios de análise e interpretação. Poucos livros contemplam o comentário do leitor sobre o poema, o estímulo à leitura por prazer e o debate. Por isso, as OCEM (2006) propõem desfazer o uso dos textos literários apenas como suportes das análises sintáticas e morfológicas, bem como objeto de culto e retórica. Um exemplo de exercícios que contemplam os estudos literários encontra-se no LD3, sobre o poema ―Versos íntimos‖. Vejamos: 1) Do ponto de vista formal, o texto se caracteriza como um soneto clássico. Justifique esta afirmação, considerando o esquema métrico e o esquema rímico nele presentes. Mais uma vez, a resposta pretendida pelo autor do livro didático em nada favorece o entendimento ou a reflexão sobre o texto. Podemos sintetizar que a análise, seja gramatical ou literária em questões desse tipo, quase sempre não leva 81 à interpretação, que por sua vez não leva à compreensão dos poemas. É de praxe que os exercícios estejam relacionados a um poema ou fragmento dele. A partir do poema ou do fragmento são propostas análise gramatical ou formal isoladas, interpretações que não levam à compreensão do poema, já que não se pedem comentários do aluno e não se fazem pontes com a sua realidade, permitindo-lhe reconstruir saberes, repensar valores, refletir criticamente. Esse tipo de exercício é pouco explorado nos livros didáticos, porém ainda encontramos em alguns poucos livros do nosso corpus, a exemplo do LD9. A questão é: 7) A poesia de Augusto dos Anjos é um sucesso de público. a) Releia em voz alta os poemas e responda: os versos são agradáveis ao ouvido? Comente. b) A linguagem científica produz algum efeito sobre o leitor? Comente. c) Esse tipo de poesia lhe agrada? Por quê? O exercício acima se refere aos poemas ―A ideia‖ e ―O deus verme‖. Essa questão é bem atípica nos livros didáticos. Ela tem como centro a leitura de poemas e a valorização dos comentários do leitor, sem fazer julgamento prévio do texto. Esse tipo de exercício contribui favoravelmente à formação do leitor e ao seu desenvolvimento crítico, pois incentiva a leitura em voz alta, dando oportunidade de o leitor perceber o ritmo do poema, as pausas, a acentuação e comentá-los, como nos itens ―a‖ e ―b‖; e dá-lhe o ensejo de comentar a sua recepção dos poemas, como no item ―c‖. Quanto ao modelo de exercícios nos livros didáticos, quando não são elaborados pelo autor do manual, são retirados de provas antigas de vestibular, contendo questões fechadas e objetivas. Essa prática tem ganhado prestígio, vista a preocupação das escolas brasileiras em preparar o alunado para o ingresso na universidade, o qual é feito pelo processo seletivo do vestibular, atualmente substituído pelo ENEM. Essas questões, de acordo com Cereja (2005), são de caráter genérico, as quais exigem do candidato a capacidade de memorizar, reter informações de maneira geral sobre autores e obras, relacionando-os a alguma estética literária. O outro modelo constitui-se de exercícios elaborados pelo autor do livro didático, mas ―mesmo quando questões abertas são sugeridas pelo autor do 82 manual, ao elaborá-las ele deixa transparecer sua interpretação‖ (GEBARA, 2002, p. 150). De todos os livros analisados, oito (LD1, LD2, LD3, LD4, LD6, LD7, LD8 e LD9) apresentam exercícios e três não apresentam (LD5, LD10 e LD11). Os estudos gramaticais foram explorados em exercícios de dois livros: LD1 e LD3, enquanto os estudos literários foram privilegiados em oito livros. Somente quatro livros (LD2, LD3, LD8 e LD9) incluem atividades diferentes: O LD2 estimula o debate e a leitura de poemas por prazer, o LD3 estimula o debate, o LD8 propõe uma atividade dialógica e LD9 propõe questionamentos pessoais ao leitor sobre os textos. Os exercícios retirados de provas de vestibular são contemplados em três livros: LD1, LD4 e LD8. Uma questão em especial, retirada de uma prova de vestibular merece ser destacada: Essa questão retirada do LD8, de Faraco e Moura (2005), chamou-nos a atenção por pedir para apontarmos a assertiva que não contém elementos típicos da poesia de Augusto dos Anjos. Sabemos que os elementos típicos são a melancolia, o cientificismo e o pessimismo. Ao lermos a pergunta, pensávamos, como pesquisadora, encontrar uma alternativa que condissesse com o viés otimista estudado por nós, que não é típico da poesia augustiana, porém vimos que a 83 assertiva que deve ser assinalada não se trata da poesia de Augusto dos Anjos, mas de outro poeta. Observando o manual do professor deste mesmo livro, no qual são apresentadas orientações pedagógicas, respostas das atividades, entre outros requisitos, encontramos na página 58 a seguinte resposta: ―A alternativa d é a única que não apresenta elementos típicos da produção poética de Augusto dos Anjos. Trata-se de uma estrofe do poema ‗Lembranças de Morrer‘, da obra Lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo: mostra uma visão de sonho e devaneio em que a realização amorosa é impossível. A poesia de Augusto dos Anjos apresenta decomposição, deterioração, relacionados ao amor, à agonia e à morte‖ (FARACO E MOURA, 2005, p. 58). O elaborador da questão acredita que o tema do amor, especialmente de forma otimista não foi cultuado por Augusto dos Anjos, por isso apresentou uma alternativa com o presente tema abordado por outro poeta. Não sendo este tipo de amor um elemento típico da produção poética de Augusto, só nos bastaria uma estrofe de um poema com esse viés para nos contentarmos. Com relação à resposta sugerida pelo autor do livro, não a aceitamos como justificativa para inserir uma estrofe de Álvares de Azevedo porque consideramos na poesia desse poeta algumas semelhanças com a poesia de Augusto de Anjos, como a melancolia, por exemplo. Em nenhum dos livros didáticos, a face otimista da poesia de Augusto dos Anjos foi mencionada, pelo contrário, a sua ausência continua disseminada nos manuais. Apenas os vieses melancólico, pessimista, cientificista e expressionista são difundidos, privando os alunos de conhecerem poemas tão bem trabalhados quanto aqueles que são considerados canônicos. Cremos que a inserção nos livros didáticos e nas aulas de literatura, não só da face otimista, mas de outras que existirem, pode contribuir para uma recepção mais efetiva e afetiva da poesia de Augusto dos Anjos, principalmente pelo leitor iniciante. Apesar de alguns livros didáticos efetuarem um bom trabalho com a poesia de Augusto dos Anjos, a exemplo do LD2, de Cereja e Magalhães, que explora sutilmente o dialogismo, acreditamos que o modelo atual dos manuais didáticos merece ser revisto, e as outras faces da poesia augustiana reconsideradas, para assim contribuir para uma formação mais crítica do aluno, bem como à formação de leitores admiradores da sua poesia. Porém, enquanto houver essa lacuna nos livros didáticos, o professor deverá ser o agente formador desse processo e abrir 84 caminhos para a inserção da face otimista em sala de aula, incentivando a leitura da obra augustiana. 85 3 AUGUSTO DOS ANJOS E OS LEITORES: VIVÊNCIAS POÉTICAS Após a leitura de alguns poemas pertencentes à face otimista da poesia de Augusto dos Anjos e a investigação da abordagem de sua poesia em livros didáticos, consideramos relevante proporcionarmos aos estudantes o contato com estes poemas, bem como observar sua recepção. Sendo assim, planejamos duas etapas para esta experiência, uma de caráter etnográfico e outra classificada como pesquisa-ação, sendo, portanto, uma observação e uma intervenção. Na primeira etapa observamos como a poesia de Augusto dos Anjos foi vivenciada em uma turma de 3º ano do ensino médio e atentamos para a primeira recepção dos poemas pelos alunos, além de examinarmos como o livro didático era utilizado em sala de aula no trabalho com a poesia augustiana. A segunda etapa se constituiu de algumas intervenções nesta mesma turma, em que tivemos a oportunidade de proporcionar aos discentes uma experiência de leitura, sobretudo, com os poemas de Augusto dos Anjos, de favorecer um espaço de partilha de impressões sobre os textos e discutir sobre eles, ao passo que observávamos como se dava a sua recepção. A instituição escolhida para a observação e a intervenção foi uma escola estadual de ensino fundamental e médio, de onde tínhamos sido aluna, e anos depois trabalhamos como professora. Cogitamos o desenvolvimento da pesquisa nesta instituição de ensino porque achamos que teríamos mais apoio e acessibilidade para aplicar nosso trabalho nesse lugar, vista a proximidade com o corpo administrativo e docente da escola. Ela está situada na cidade de Patos – PB, e é considerada referência no ensino público da cidade pelos índices representativos de bom desempenho em avaliações do governo e pelo destaque em aprovações de vestibulares38. Fica localizada no centro da cidade e recebe alunos de todas as classes sociais, advindos de quase todos os bairros da cidade, bem como de cidades circunvizinhas. A princípio havíamos pensado na possibilidade de aplicar a pesquisa na sala de 3º ano de uma professora conhecida, pois achávamos que teríamos mais êxito na sua aceitação em ceder uma de suas turmas para a experiência e em não se 38 A escola alcançou no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) 2011 nota 4.1, acima da média da cidade, 3.1. Acessado em < http://educarparacrescer.abril.com.br/nota-da-escola/ > no dia 26/07/2011. 86 importar de observarmos algumas de suas aulas. O primeiro contato que tivemos com a professora cogitada a participar do nosso trabalho foi através de e-mail, no qual resumidamente explicamos um pouco da proposta da pesquisa. No outro dia recebemos uma resposta positiva, em que ela confirmava aceitar a proposta com prontidão, convidando-nos para conversarmos pessoalmente e marcarmos os dias das observações. Na semana seguinte fomos à escola, conversamos com a professora sobre a pesquisa e escolhemos a turma, onde inclusive já havíamos lecionado na ocasião em que os alunos cursavam o 1º ano do ensino médio em 2008. Quando fomos decidir a turma na qual iríamos fazer a experiência, a professora queria oferecer-nos a turma do 3ºC porque era a que ela considerava mais atrasada e a experiência poderia ajudá-los a melhorar a concepção de leitura de poesia. Contudo, não queríamos dar uma espécie de reforço escolar à turma que tivesse dificuldade em compreender algum conteúdo sobre literatura, o que queríamos era proporcionar o contato de estudantes com a poesia de Augusto dos Anjos e promover uma troca de experiências através da leitura dos poemas. Pode ter parecido preconceito ante uma turma considerada atrasada, pois sabemos que às vezes conseguimos realizar um trabalho mais significativo em ambientes considerados mais difíceis para trabalhar, porém preferíamos desenvolver nossa pesquisa com uma turma já conhecida e que fosse participativa. Tínhamos preferência por uma turma, mas acabamos aceitando trabalhar na turma do 3°A por motivos de horário, já que as aulas de literatura da outra classe coincidiram com os dias em que nós estávamos fora da cidade. Sendo assim, a turma selecionada pertencia ao turno da manhã e era composta por quarenta e quatro (44) alunos, na faixa etária entre 16 e 18 anos. A turma era bastante numerosa, porém a sala de aula era grande e espaçosa, acomodando todos muito bem. Escolhemos essa série porque geralmente é nesse ano escolar que a poesia de Augusto dos Anjos é estudada, seguindo o plano de curso referente ao ensino médio e ao roteiro historicista dos livros didáticos, em que o Pré-modernismo está voltado para esta fase do ensino. Neste contexto, marcamos o dia em que começaríamos a observar as aulas que seriam ministradas sobre a poesia de Augusto dos Anjos. As observações tiveram início na segunda quinzena do mês de junho, em 2010, e terminaram ainda no final do mesmo mês, após o recesso de dez dias corridos devido às festividades 87 juninas. Foram feitas três observações, período em que a professora da turma trabalhou a poesia de Augusto dos Anjos em sala de aula. Para a realização das observações, inserimo-nos na turma escolhida através do método etnográfico, que, para Martins e Theóphilo (2007, p.74), ―consiste na inserção do pesquisador no ambiente, no dia a dia do grupo investigado. Os dados são coletados no campo por meio da observação participante [...] e outras técnicas de coleta‖. Segundo esses autores, o processo de observação ―é uma técnica de coleta de informações, dados e evidências que utiliza os sentidos para obtenção de determinados aspectos da realidade‖ (MARTINS E THEÓPHILO, 2007, p. 84). Porém, eles advertem que ―observar não é apenas ver‖ (MARTINS E THEÓPHILO, 2007, p. 84), já que se torna uma tarefa difícil e minuciosa captar e transcrever os detalhes que acontecem in loco, para mais tarde entender os seus processos e compreender as suas causas. Para esta etapa, utilizamos o diário reflexivo para registrar os dados que íamos colhendo durante a observação das aulas. Depois da análise dos registros obtidos in loco, aplicamos um questionário de sondagem para investigar a opinião dos alunos acerca da poesia de Augusto dos Anjos. Com elação ao questionário, de acordo com Martins e Theóphilo (2007, p. 90), ―trata-se de um conjunto ordenado e consistente de perguntas a respeito de variáveis e situações que se deseja medir ou descrever‖. Essa técnica fez-se relevante para entrarmos em contato com os ideais coletivos sobre determinados assuntos, além de nos ajudar a conhecer mais o perfil da turma e a planejar melhor a nossa intervenção. Após o questionário fizemos uma intervenção de três aulas entre os meses de outubro e novembro, que se caracterizou como pesquisa-ação, e proporcionou ―uma ampla e explícita interação entre o pesquisador e as pessoas implicadas na situação investigada‖ [grifo nosso] (MARTINS E THEÓPHILO, 2007, p. 73). Para a coleta de dados nessa etapa foram utilizados um diário reflexivo e dois mp3 para a gravação de áudio das aulas, que nos possibilitaram registrar as opiniões dos alunos e analisá-las a posteriori. Todos esses procedimentos utilizados nesta etapa da pesquisa foram importantes para nos ajudar a refletir sobre o ensino de literatura e contribuir para a formação de leitores da poesia de Augusto dos Anjos. Acreditamos que a partir do trabalho com os poemas augustianos que contemplem a leitura de sua poesia, e abordem sua vasta temática, bem como seu caráter otimista, estamos contribuindo 88 para a formação de leitores de sua obra, que saberão reconhecer e valorizar os seus vários estilos39 e compreender o ápice de sua poesia; leitores que compreenderão com o conhecimento e o amadurecimento da leitura da sua obra o porquê de o poeta ter se lançado com profundidade em um estilo inovador, polêmico e complexo que causou espanto em sua época, e ainda causa. Portanto, cremos ainda que explorar uma face pouco conhecida da poesia de Augusto dos Anjos na sala de aula, através da leitura de poemas relegados pelos manuais didáticos, constitui uma maneira de combater o ensino de literatura pautado exclusivamente em rótulos e em escolas literárias. 3.1 As observações das aulas A observação de algumas aulas na turma do 3º ano tinha dois objetivos, embora ambos fossem voltados para a prática de ensino. O primeiro deles, de caráter investigativo, era sondar como a poesia de Augusto dos Anjos era trabalhada em sala de aula, se havia menção à sua face otimista e como o livro didático era utilizado. O segundo objetivo, caracterizando-se como preparatório para a nossa intervenção, era conhecer a turma com a qual iríamos interagir, e de acordo com o perfil dos alunos, preparar nossas intervenções. Apesar de já termos sido professora de língua portuguesa, produção de textos e literatura dessa turma, esse contato inicial serviria para conhecermos principalmente os alunos novatos. Ao todo observamos três aulas de 45 minutos, nos dias 16/06/2010, 18/06/2010 e 30/06/2010, nas quais foi abordada a poesia de Augusto dos Anjos. Nessa etapa da pesquisa nosso método de coleta de dados foi o diário reflexivo, que nos possibilitou fazermos anotações sobre as impressões da turma diante do que foi exposto sobre a poesia augustiana e sobre a metodologia utilizada pela professora durante a aula. Ao chegarmos à escola para a primeira observação, no dia 16 de junho de 2010, fomos recepcionadas pela vice-diretora. Encontramos a professora e juntas entramos na classe. Cumprimentamos a turma, apresentamo-nos para quem não nos conhecia e falamos do propósito de estarmos presentes na sala de aula. 39 No artigo ―As múltiplas faces do Eu, de Augusto dos Anjos‖ (2001), de Chico Viana, o autor comenta traços de vários estilos do poeta, tais quais o pessimismo, a melancolia, o simbolismo, o expressionismo e os traços modernos. 89 Sentamo-nos numa carteira da frente, no canto esquerdo da sala, que casualmente já estava posta de lado para as outras filas. Achamos que estarmos sentada neste ângulo da sala nos favoreceu uma visão privilegiada dos alunos. Nesse dia, trinta e sete (37) estudantes estavam presentes. A professora iniciou a aula fazendo uma breve explanação sobre algumas informações transmitidas nas aulas anteriores sobre o Pré-modernismo, ao passo que escrevia na lousa dados históricos colhidos dos alunos. Essa revisão de conteúdo serviu de abertura para introduzir a poesia de Augusto dos Anjos, apesar de anteriormente a professora ter pedido para os alunos pesquisarem em um momento extraclasse sobre o poeta e escreverem no caderno quatro poemas indicados por ela: ―Budismo moderno‖, ―Versos íntimos‖, ―Psicologia de um vencido‖ e ―O morcego‖ para aquela aula. Os poemas selecionados pela professora, com exceção do último, estão contidos no livro didático adotado para o ensino médio na escola, Português: linguagens, de William R. Cereja e Thereza C. Magalhães. Esses poemas são considerados canônicos, sendo alguns dos mais divulgados da poesia augustiana. A professora cobrou a atividade e perguntou se alguém tinha escrito outros poemas além daqueles que ela pediu, mas ninguém fez. Ela ainda perguntou se algum aluno tinha procurado informações sobre o poeta, e apenas um aluno respondeu que Augusto dos Anjos nasceu na Paraíba, foi advogado e que sua poesia fala sobre o cientificismo. Depois disso a professora comentou sobre o estilo diferente do poeta, sua linguagem e alguns temas versados por ele, os quais fazem a sua poesia ser inconfundível; mencionou-o como um dos maiores poetas da literatura brasileira e falou um pouco sobre a sua biografia. A professora ministrou toda a aula sem seguir o roteiro pertencente ao livro didático, utilizando apenas uma ficha em mãos. Todavia, pediu para os alunos observarem a frase que intitula o tópico sobre o poeta no manual didático: ―Augusto dos Anjos: o átomo e o cosmo‖ (CEREJA E MAGALHÃES, 2005), que, no dizer dela, se referem respectivamente à ciência e ao universo. A professora comentou, nesse momento, a influência do contexto histórico do início do século XX na poesia augustiana, que reflete o cientificismo presente na época. Durante a aula, não só o Eu é citado como obra de Augusto dos Anjos, como também o Eu e Outras poesias. Contudo, não havia nenhum exemplar na sala que pudesse ser folheado pelos alunos. Aproveitando, a professora comentou sobre a 90 contradição entre o título do Eu e a temática da sua poesia, pois segundo ela, o termo ―eu‖ remete ao individualismo, enquanto a sua temática é universal. Em todo o momento da aula os alunos permaneceram atentos às explanações da professora e num silêncio, que só era quebrado com as indagações dela. Com base nos poemas, ela explicou o sincretismo na poesia de Augusto dos Anjos, realçando neles as características ligadas a algumas escolas literárias, a exemplo do parnasianismo e o simbolismo, e intensificou o diferencial de sua poesia: o traço inovador da linguagem, que ressalta a modernidade de seus poemas. A professora, ao perguntar aos alunos qual dos poemas citados por ela chamou mais atenção, eles foram unânimes em responder ―Psicologia de um vencido‖ (ver anexo, página 202), e relataram que ficaram chocados com o vocabulário, citando alguns exemplos, tais como: hipocondríaco, carnificina, rutilância, hepigênese, frialdade, entre outros40. Dessa forma, foi iniciada a leitura desse poema por uma aluna, a pedido da professora. Após solicitar possíveis interpretações e o silêncio ter persistido na sala por alguns minutos, a professora leu verso por verso interpretando junto com os alunos. Segundo o direcionamento da professora, o eu - lírico se reconhece em matéria e nesse poema expressa na sua dor a dor universal do homem que vê o materialismo ascender na sua época. O viés cientificista foi exposto como um direcionador para a interpretação tanto desse poema, quanto do próximo a ser lido, ―Budismo moderno‖ (ver anexo, página 202). Um ponto comum às interpretações dos dois poemas foi a referência a elementos da ciência e da astrologia, e à ênfase na presença do verme. Sobre essa última característica, a professora ainda mencionou o poema intitulado ―O deus-verme‖ para ilustrar um exemplo desse tema constante na poesia augustiana. No dia 18 de junho de 2010 voltamos à escola para a segunda observação da aula sobre a poesia de Augusto dos Anjos. Neste dia estavam presentes trinta e quatro (34) alunos. A professora iniciou a aula retomando a leitura dos poemas que havia sido iniciada na aula anterior. O primeiro poema lido nesse dia foi ―O morcego‖ (ver anexo, página 202). 40 Segundo Bueno (1994) o vocabulário contido na poesia de Augusto dos Anjos é violentamente apoético em face dos cânones literários clássicos. 91 A professora e os alunos leram o poema juntos, e após essa primeira leitura a professora o leu novamente, sendo que a cada verso havia uma pausa para que ela conduzisse a interpretação dos alunos, que acompanhavam a leitura do poema no caderno. Mais uma vez o silêncio só era quebrado quando a professora provocava a interpretação, que partia sempre dela. Um fato curioso é que os alunos não apresentavam dúvidas durante as aulas ou se as tivessem não as expunham, não interagiam, somente recebiam as informações oferecidas pela professora. A leitura de ―O morcego‖ foi feita de forma menos detida se compararmos a dos primeiros poemas, e a interpretação foi conduzida observando-se os vocábulos e a sintaxe das orações dispostas nos versos. O lado simbólico do poema, que remete à consciência humana, só foi apresentado aos alunos no final do texto quando a professora leu o verso com o qual condizia. Terminada a leitura de ―O morcego‖, foi iniciada a leitura de ―Versos íntimos‖ (ver anexo, página 203). O livro didático só foi utilizado a partir deste momento, já que dessa vez, acompanhando o livro, a professora leu o poema e interpretou sozinha, não pedindo sugestões de interpretação aos alunos. A preocupação com o tempo era explícita nas aulas, talvez para não se estender mais do que aquilo que foi programado, em decorrência das poucas aulas para cumprir o cronograma de conteúdos das disciplinas de língua portuguesa, literatura e produção de texto. Devido a isso, a leitura do último poema foi feita apenas uma vez, seguida de um rápido comentário. O prosaísmo, expressão lançada por alguns livros didáticos, foi a chave de interpretação desse poema, de sorte que ela falou que o eu - lírico parece falar diretamente com o leitor, pelo tom coloquial da linguagem cotidiana. Após a leitura e interpretação dos poemas, foi iniciada a leitura do tópico sobre Augusto dos Anjos no livro didático, em que cada parágrafo do texto foi lido por um aluno. Nos finais de períodos a professora intervinha, explicando as partes que considerava relevantes. Uma citação interessante da professora nos chamou a atenção; ela disse que ―quando se pensa em poesia, pensa-se em coisas leves como os sentimentos do amor, amizade, coisas que gerem a vida, diferentes do caráter agressivo da poesia de Augusto dos Anjos, que versa sobre a morte e o verme como um deus, fala de escarro, lama, entre outras palavras de carga negativa‖. Segundo a visão da professora, a linguagem augustiana choca porque ninguém quer aceitá-la como poético. Sobre isso, ela ainda disse que ―se hoje a linguagem continua chocante, imagine no século XX o quanto deve ter 92 incomodado!‖. Outra colocação interessante da professora para a nossa pesquisa foi quando ela disse que Augusto dos Anjos não acreditava em Deus, mas sim na ciência; e por ele ser materialista41, esse tema não é recorrente na sua poesia, fato que o livro didático utilizado pela turma confirma. A explicação sobre a poesia augustiana foi sendo direcionada para o pessimismo, e a professora perguntou se alguém se lembrava de outro poeta pessimista na literatura brasileira. Um aluno, então, mencionou o nome de Álvares de Azevedo. Dessa forma a aula terminou e a professora pediu que os alunos fizessem os exercícios do livro em casa (os quais não foram comentados nem corrigidos na aula seguinte, entretanto isso pode ter sido feito em outro momento fora da nossa observação) e pesquisassem a letra da música ―Bandalhismo‖, de Aldir Blanc (que é uma paródia do poema ―Vandalismo‖), como também o poema, para serem discutidos na aula seguinte. A terceira observação foi realizada no dia 30 de junho de 2010, segundo dia de aula após o recesso de dez (10) dias corridos por causa do período junino, motivo da ausência de muitos alunos na escola. Nesse dia havia apenas vinte e nove (29) alunos presentes na sala de aula. Todos estavam com um semblante cansado, talvez por causa das festas juninas que tinham acontecido na cidade. A expressão sonolenta era notada em quase todos os alunos. A aula foi sobre a relação entre o poema ―Vandalismo‖ (ver anexo, página 203), de Augusto dos Anjos, e a música ―Bandalhismo‖ (ver anexo, página 204), de Aldir Blanc. A professora partiu inicialmente do poema e comentou-o. Após a leitura, ela perguntou aos alunos o significado do título. Apenas nesse poema as figuras de efeito sonoro, tais como a aliteração e a assonância, e as figuras de linguagem, a exemplo da metáfora e da hipérbole foram destacadas pela professora. A interpretação de ―Vandalismo‖ seguiu pelo entendimento do significado de algumas palavras desconhecidas pelos alunos, as quais eram necessárias para a compreensão do poema, tal como iconoclasta. É importante frisar que não havia dicionário na sala de aula com ou para os alunos, mas a professora explicou os conceitos das palavras. A simbologia da catedral foi comentada no poema. 41 Segundo Santos (2008, p. 17), ―o materialista é apenas aquele que vê na base material da existência – a natureza, o universo, a sociedade, a cultura, o corpo humano etc. – a explicação última para tudo [...]. O materialista busca sempre identificar a materialidade dos fenômenos‖. O autor afirma que supõe o senso comum que ―o materialista ‗não acredita em nada‘. Nada, aí, se traduz por Deus‖ (SANTOS, 2008, p. 19). Sobre o materialismo em Augusto do Anjos, Oiticica (1994, p. 113) afirma que ―suas tendências, entretanto, eram todas antimaterialistas, [...], acentuadamente espiritualistas‖. 93 Segundo a professora, neste poema o cientificismo é deixado à parte e pode ser observado um pouco de otimismo no eu - lírico e ―beleza‖ nos versos, porém no final do texto o poeta quebra o tom sutilmente otimista, pois não consegue se distanciar totalmente do caráter pessimista e melancólico predominantemente marcado na sua poesia. De qualquer maneira, esse poema foi considerado por ela o mais suave, comparado aos outros. A professora disse que a obra de Augusto dos Anjos é triste porque transmite para o leitor a dor e a frustração que em vida o poeta sofreu e por isso tinha motivos para expressá-las. Ainda comentou que mesmo a poesia dele sendo universal, há um pouco de individualidade nela, pois ele transpõe para os poemas a sua melancolia, tristeza e pessimismo. Percebemos então que ela direcionava a abordagem da poesia de Augusto dos Anjos para o viés biográfico. Ela falou sobre o estado de espírito dele, a mágoa que ele tinha da Paraíba, entre outros pontos de sua biografia. Após comentar ―Vandalismo‖, a professora passou para a leitura e interpretação da canção ―Bandalhismo‖, composta por Aldir Blanc. Depois da leitura foi iniciado um comentário rápido, talvez devido ao pouco tempo restante da aula. O título da canção não foi comentado. Notou-se o ambiente profano de um bar, em contraposição ao ambiente sagrado exposto no poema de Augusto; a aproximação com o estilo da linguagem augustiana, que comporta também um tom um pouco agressivo com as expressões ―bofetão na cara‖ e ―piada suja‖, bem como a utilização de termos próximos ao vocabulário usado pelo poeta, tais como os substantivos tosse, escarro, vagabundo, o verbo vomitar e o adjetivo imundo. Nos últimos minutos da aula, após as leituras e interpretações, a professora pediu que os alunos revelassem suas impressões sobre a poesia de Augusto dos Anjos. Depois de alguns segundos de silêncio, apenas uma aluna afirmou ter achado interessante a forma como o poeta escrevia. Depois disso, agradecemos aos alunos por nos terem aceito na turma sabendo do propósito de observá-los, e acrescentamos que em breve voltaríamos. Nossas impressões sobre as observações foram as seguintes: apesar de o livro didático parecer ter sido o norteador das aulas, servindo como um guia e suas informações sendo consideráveis para a elaboração das mesmas, ele não foi utilizado de forma tradicional, fechada e privilegiada. Em conversa informal, a professora contou-nos que nas suas aulas nunca parte do livro didático, mas usa-o 94 de forma secundária. O seu uso não era tão sistemático, seguindo à risca um roteiro pronto com exposição do assunto, leitura do conteúdo e resolução das atividades. Percebemos que o livro era um complemento e reforço para as aulas. Notamos que os poemas trabalhados com a turma foram os canônicos, selecionados com base no livro didático, e a atividade intertextual realizada na sala de aula entre o poema e a música foi sugerida por ele. A leitura do texto de apresentação do poeta foi feita de acordo com o roteiro do manual didático, e os exercícios foram pedidos. Para nós, ficou a impressão de que o planejamento da aula da professora foi baseado no livro e boa parte das pesquisas realizadas pelos alunos também. Os fatos históricos foram chave de entrada para a apresentação do poeta e de sua poesia, mas não foram o foco principal da aula, visto o espaço dedicado para a leitura e interpretação dos poemas. A biografia ainda teve seu momento na aula, tal qual o livro didático sugere, mas não foi explorado. O manual didático quando utilizado de forma crítica, a exemplo da prática da professora observada, pode se transformar em um aliado importante no ensino de literatura. Ao todo a professora leu com os alunos cinco poemas e uma canção baseada em uma composição de Augusto dos Anjos, o que foi positivo, porém nenhum poema com face otimista foi apresentado porque supostamente era desconhecido por ela. De qualquer forma, isso era esperado e mostra-se um fato normal, já que esses poemas são pouco estudados pela crítica e consequentemente pouco divulgados nos livros didáticos, sites ou revistas, fontes mais acessíveis ao alcance dos professores. Para o professor de literatura, que muitas vezes divide seus estudos, seus planejamentos e suas aulas entre as disciplina de literatura, língua portuguesa e produção de textos, saber as peculiaridades das produções dos poetas e prosadores é uma tarefa delicada. Por fim, consideramos que a professora desenvolveu um trabalho significante com os poemas se comparado às tradicionais aulas de literatura ministradas nas escolas. As aulas da professora titular foram bem planejadas e o conteúdo bem explicado. Sua metodologia propunha um momento privilegiável com os textos, baseado na leitura e interpretação dos poemas. Ficou claro que a leitura dos poemas de Augusto dos Anjos foi o foco principal da aula. Os alunos, apesar de não serem participativos, mostraram-se interessados nas aulas e ficaram atentos aos comentários da professora. 95 Todavia, há alguns pontos que não queremos apontar como negativos, mas como lacunas que podem ser preenchidas através da constante reflexão da prática pedagógica e da contribuição do nosso trabalho. Notamos que nas aulas não havia espaço para o debate e o compartilhamento da leitura, em que cada aluno tivesse a oportunidade de falar acerca de suas impressões sobre os textos. Dessa forma, os poemas deixam de ter caráter fruitivo para serem tratados como simples objetos de estudo. Achamos que os poemas poderiam ter sido vivenciados de maneira a dar mais espaço para o aluno falar de sua experiência e não apenas ouvir a interpretação. A interpretação e/ ou análises são importantes, mas o que forma leitores é a experiência estética com os textos, é a forma como os alunos são tocados pela arte literária. Queremos ressaltar que não se trata de críticas ao trabalho da professora. Trata-se de reflexões. Enfim, para a nossa intervenção, as observações foram muito significativas, pois pudemos aprender mais sobre a metodologia e prática de ensino, e refletir sobre as interpretações dos poemas lidos, além de termos subsídios para planejar o questionário de sondagem e as intervenções. 3.2 A aplicação do questionário Depois das observações feitas em sala de aula e a análise dos dados obtidos in loco, aplicamos um questionário de sondagem para averiguar com mais precisão a concepção que os alunos tinham da poesia de Augusto dos Anjos. Por essa razão voltamos à escola no dia 17 de setembro de 2010 para a sua aplicação, com perguntas que se concentravam em torno dos gostos dos alunos em relação à leitura e à experiência que tiveram com a poesia de Augusto dos Anjos, bem como a funcionalidade do livro didático para a aquisição do saber. O questionário foi respondido por apenas trinta e cinco (35) dos quarenta e quatro (44) alunos da turma, pois só se encontrava este número de estudantes presentes na sala de aula. Ao apresentarmos a série de questões, de início notamos um pouco de receio dos discentes, mas ao dizermos que eles não precisavam se identificar, percebemos uma mudança de comportamento. Um aluno confessou que sentia medo de se expor e outro admitiu o receio de escrever algo errado. Este comportamento inicial foi esperado, pois eles pensavam que nós estávamos ali para fazermos uma avaliação do que foi aprendido nas aulas, em outras palavras, eles 96 pensavam que o questionário se referia a algum tipo de prova surpresa, que lhes renderia alguma nota. Após falarmos sobre a importância da participação de todos na pesquisa e da sinceridade nas respostas, entregamos o questionário contendo 13 perguntas. Lemos as informações e instruções, depois fomos explicando cada pergunta ao passo que simultaneamente todos iam respondendo. Comentaremos, a partir de agora alguns dados significativos para a nossa pesquisa, obtidos através das respostas dos alunos. As quatro primeiras perguntas eram sobre leitura literária e sondavam: o gosto pela leitura, os tipos de leitura que mais agradavam a cada aluno, a frequência de leitura e o gosto especificamente pela poesia42. A pergunta de número 1,―Você gosta de ler?‖, era sobre o hábito de leitura. Os resultados foram: sim = 12 não = 0 um pouco = 8 depende da leitura = 15 A partir dessas respostas constatamos que ninguém na turma relatou não gostar de ler, o que é um fato positivo, porém a maioria afirmou gostar de ler dependendo do tipo da leitura, o que demonstra que a maioria dos alunos não lê qualquer texto, pois possuem algumas restrições. A outra parcela da turma revelou gostar de ler, supostamente leituras variadas, sem muitas restrições. A segunda questão era ―Qual (quais) tipo(s) de leitura mais lhe agrada?‖. Os resultados, em ordem decrescente foram: narrativa= 27 poesia = 21 revista = 17 história em quadrinho = 14 jornal = 10 dramaturgia = 7 conteúdos disciplinares = 6 cordel = 3 outros = (científico 2/ esportivo 1) 42 O questionário na íntegra encontra-se no Apêndice A e os questionários respondidos pelos alunos encontram-se no Anexo C. 97 Nesta pergunta os alunos podiam assinalar mais de uma opção, por isso muitos tipos de leitura foram bastante indicados por eles. Esses números revelaram que para os alunos a leitura de narrativas é a que mais agrada, com 27 marcações, seguida da leitura de poesia, assinalada por 21 dos 35 respondentes. A grande referência à poesia foi um dado expressivo para nós, pois sendo um gênero bem aceito, tínhamos um ponto a nosso favor, para a partir daí explorarmos recursos que proporcionassem uma experiência proveitosa para os alunos com os poemas augustianos. Algo que nos chamou a atenção foi que quase a metade da turma gosta de ler revistas, opção assinalada por 17 pessoas. Este dado nos serviu de inspiração para surpreendê-los com um recurso didático diferente para a intervenção, a utilização de uma revista-antologia contendo poemas de Augusto dos Anjos, informações, curiosidades, dicas de leitura, entre outros atrativos. Ao perguntarmos na questão de número 3, ―Com qual frequência você lê?‖, 71% (25 alunos) da turma responderam que leem de vez em quando, ao passo que apenas 7 alunos confessaram ler sempre e 3 raramente. Nenhum aluno admitiu nunca ler. Esquematicamente os números são: sempre = 7 nunca = 0 de vez em quando = 25 raramente = 3 A partir dessa estatística referente à frequência de leitura da turma, podemos observar que o número de leitores assíduos ainda é reduzido; é um número pequeno para a formação de leitores competentes e críticos. Acreditamos que o leitor criticamente formado frequentemente lê, pois tem no seu cotidiano o hábito da leitura. Neste caso não estamos relacionando a frequencia de leitura à quantidade de livros, mas a qualidade que é ―deglutida‖ pelo leitor cotidianamente; o tempo que ele dedica fruindo um texto literário, do que trata Colomer (2007, p. 130) como sendo ―alimento literário‖. A partir dos dados dessa questão, podemos dizer que os alunos dessa turma, em sua maioria, mostram ser leitores ocasionais43, que assim como foi assinalado, leem de vez em quando. 43 Leitores ocasionais e leitores assíduos são expressões utilizadas por Colomer (2007). 98 Ainda sobre a frequência de leitura, há quem relacione o hábito de ler com a quantidade de livros, ou seja, para muitos, a quantidade de livros lidos é que define um leitor. Colomer (2007, p. 50) afirma que Segundo a nomenclatura estabelecida pela sociologia da leitura, o leitor formado nas aulas termina sendo um leitor ―débil‖ pela média dos livros lidos. A maioria de suas leituras são parciais e casuais, concentram-se sobretudo em autores e obras não legitimadas, dos quais nem sequer se lembra dos nomes e títulos. Colomer diz que a denominação leitor ―débil‖ é muito utilizada em pesquisas na França e define pessoas que se declaram ler de zero a quatro livros por ano. São chamados de leitores ―médios‖, aqueles que leem entre cinco e nove livros por ano, e ―fortes‖ os que leem mais de dez. Já constatamos na segunda questão que a turma gosta de poesia, porém descobrimos na questão 4 que para eles não se trata de qualquer poesia ou poeta. Dos 35 respondentes, 18 alunos assinalaram que gostam de poesia dependendo do seu tipo ou do poeta, ao passo que cerca da outra metade, 16 pessoas, responderam que gostam de poesia, dando a entender que é sem muitas restrições. A essa pergunta só obtivemos uma resposta negativa. Em síntese, à pergunta ―Você gosta de poesia?‖, as respostas foram as seguintes: sim = 16 não = 1 depende do poeta ou da poesia = 18 As questões de números 5 a 13 foram a respeito do contato dos alunos com a poesia de Augusto dos Anjos. Na questão de número 5,―Você já teve contato com a poesia de Augusto dos Anjos?‖, as respostas foram as seguintes: sim = 34 não = 0 não lembro = 1 Portanto, todos afirmaram ter tido contato com a poesia augustiana, com exceção de um aluno que afirmou não se lembrar. Neste caso, não estávamos tratando de um assunto desconhecido para eles. 99 Ao perguntarmos na questão 6, ―Este primeiro contato com a poesia de Augusto dos Anjos se deu através de quê?‖, os 35 alunos foram unânimes em responder que foi através da escola por intermédio da professora, até mesmo o aluno que na questão anterior afirmou não lembrar de ter tido contato com a poesia dele. Supomos que o aluno não tivesse uma opção que correspondesse à resposta que gostaria de dar, então para não deixar em branco, respondeu o que seria mais provável em uma aula. Alguns alunos responderam também que tiveram contato inicial através do livro didático (19 pessoas), da internet (9 pessoas) e da TV (2 pessoas). Isso nos mostra que, em muitos casos, a escola, por intermédio do professor, ainda continua sendo o lugar de destaque, transmissor de informações e valores. Em síntese, os números podem ser representados pelo esquema abaixo: professor = 35 livro didático = 19 rádio = 0 revista = 0 internet = 9 tv = 2 jornal = 0 outro = 0 Perguntamos se os alunos se lembravam de algum verso ou poema de Augusto dos Anjos, na questão 7, ―Lembra de algum poema de Augusto dos Anjos?‖, e para a nossa surpresa mais da metade dos alunos que responderam ao questionário (20 alunos) afirmou não lembrar, ao contrário de 15 alunos, que na questão de número 8 mencionaram alguns títulos de poemas que lembraram. Esquematicamente as respostas para a pergunta de número 7 foram: sim = 15 não = 20 O item de número 8 pedia para o aluno que outrora afirmou lembrar-se de um poema ou verso de Augusto dos Anjos o citasse. A questão era: ―Cite o título ou algum verso do poema que você afirmou lembrar.‖ Esse quesito não era obrigatório para aqueles alunos que na questão anterior afirmaram não se lembrar de algum poema de Augusto dos Anjos. Sendo assim, esses alunos seguiram para a questão 10, e neste caso apenas 20 alunos responderam esse ponto. Como para essa 100 pergunta mais de um poema podia ser citado, obtivemos 22 respostas. Os poemas respectivamente mencionados pelos alunos, pela quantidade de respostas, foram: Versos íntimos = 10 O morcego = 6 Budismo moderno = 3 Psicologia de um vencido = 2 Vandalismo = 1 Vale salientar que esta questão era aberta e não havia menção a esses poemas, mas para organizarmos os dados fizemos esta estatística baseada no número de menções a eles, como sugere Moreira e Caleffe (2008). Os autores dizem que ―há duas abordagens para fazer essa organização: a) criar um modelo antecipadamente; ou b) retirá-lo dos dados‖ (MOREIRA E CALEFFE, 2008, p. 141). Dessa forma, o pesquisador pode a partir do desenvolvimento da pesquisa, levantar hipóteses sobre as respostas que espera serem dadas ou a partir delas, desenvolver um conjunto de categorias, como fizemos. Ainda sobre os poemas mencionados pelos alunos, notamos que todos eles foram trabalhados em sala de aula pela professora e alguns estavam contidos no livro didático, o que nos foi confirmado ao perguntarmos onde tiveram acesso ao poema citado e termos recebido como resposta por quase 100% dos discentes. No item 9 perguntamos onde os discentes tiveram acesso ao poema que afirmaram lembrar. A questão era: ―Onde teve acesso a esse poema?‖. As respostas foram as seguintes: livro didático = 13 internet = 9 outro = escola 1 obra = 0 jornal = 0 revista = 0 Essa pergunta ainda foi dirigida apenas aos 20 alunos que afirmaram lembrarse de algum poema de Augusto dos Anjos na questão 7. Como vemos, o livro didático ainda é um dos principais meios de acesso aos textos literários. Depois dele, podemos perceber que a internet ultimamente tem ganhado espaço como ferramenta de estudo entre os discentes. Nenhum aluno assinalou a obra como referência de leitura. Algumas hipóteses podem ser levantadas a respeito desse 101 dado: o primeiro deles é que o hábito de consultar livros nas bibliotecas está sendo substituído pelas pesquisas na internet; o segundo é que possivelmente os alunos não tenham sido estimulados a consultar ou ler a obra do poeta; e por último, os livros didáticos estão ao maior alcance dos alunos. Quando perguntamos na questão de número 10: ―Você conhece alguma obra do poeta Augusto dos Anjos?‖, apenas duas pessoas responderam que sim, que conhecem o Eu. Em números, as respostas foram: sim = 8 não = 26 Dos 35 alunos que responderam ao questionário, uma pessoa não deu resposta para essa questão. Das oito (8) pessoas que afirmaram conhecer alguma obra do poeta, consideramos seis (6) respostas nulas, pois apesar de esses seis (6) alunos terem respondido que conheciam a obra, mencionaram errado o seu título, e por isso consideramos que apenas duas pessoas realmente a conheciam. A maioria dos alunos, composta por 26 pessoas, admitiu não conhecer o livro do poeta. Não sabemos se de fato eles não conheciam porque não tinham sequer a noção da(s) obra(s)44, o que julgamos não ser, já que foi mencionado pela professora e no livro didático também estava exposto, ou apenas não se lembravam do nome da mesma. Ainda cogitamos a possibilidade de eles terem interpretado a pergunta como conhecer, no sentido de ter um contato mais próximo com a obra, ou seja, ter tido uma experiência de leitura. De qualquer forma, o que pretendíamos era mesmo saber se os alunos tinham apenas uma noção de alguma obra poética de Augusto dos Anjos, sem necessariamente tê-la folheado ou lido. A crítica literária e os livros didáticos caracterizam a poesia de Augusto dos Anjos de pessimista, cientificista e melancólica devido ao acentuado destaque com que esses adjetivos se encontram em sua obra. Dessa forma, queríamos examinar se a opinião dos alunos reflete o pensamento dos críticos e autores desses manuais ou se a visão deles era diferente, se eles tinham procurado descobrir outras faces além das que lhes foram apresentadas em sala de aula. Nesta questão, de número 11, colocamos como opções três características exploradas pela crítica e livros 44 Consideramos não somente o Eu, mas as antologias publicadas depois da morte de Augusto dos Anjos, como sendo suas obras. 102 didáticos, e três características que foram estudadas na nossa pesquisa e seriam apresentadas na intervenção. A pergunta era ―Baseado no que estudou sobre a poesia de Augusto dos Anjos, que características lhe são mais comuns?‖. Apoiados no que sabiam sobre as características da poesia de Augusto dos Anjos, os alunos responderam que consideravam a poesia dele respectivamente melancólica (20 pessoas), cientificista (19 pessoas) e pessimista (17 pessoas). O que nos chamou a atenção foi o fato de oito (8) pessoas terem marcado amorosa, três (3) responderem esperançosa e apenas uma (1) pessoa ter marcado otimista. O esquema abaixo ilustra melhor os dados: pessimista = 17 otimista = 3 esperançosa = 1 melancólica = 20 cientificista = 19 amorosa = 8 outro = solidão/ tristeza/ agressivo 3 Como a pergunta exigia uma justificativa para a(s) resposta(s), a justificação de alguns discentes também nos chamou a atenção pela contradição com que a poesia do poeta foi apresentada em sala de aula. Ambos os alunos A2545 e A29 responderam otimista e amorosa, e justificaram respectivamente da seguinte maneira: ―Porque eu vi que era um pouco amorosa e otimista‖ e ―otimista: por que eu acho que ele era uma pessoa otimista e amorosa por que alguns fala de romance; amor‖46. Parece-nos que tanto esses alunos quanto os outros que responderam otimista, amorosa e esperançosa, os marcaram aleatoriamente ou não lembraram o que foi exposto em sala de aula, pois o A23 justificou que marcou amorosa a poesia de Augusto dos Anjos ―Porque fala da ciência e do amor‖, mas na questão de número 5 marcou que não se lembrava de ter tido contato com a poesia augustiana. Pelas aulas que observamos, a professora não mencionou essas características da poesia dele, e, portanto, se esses alunos assinalaram essas alternativas, poderíamos pensar que não prestaram atenção na explicação ou faltaram à aula, 45 Para preservar a identidade dos alunos, pedimos que os mesmos não se identificassem a menos que desejassem. Então, inserimos um código ao questionário de cada um para facilitar a organização dos dados. Neste caso, A25, por exemplo, representa o aluno de número 25. 46 As respostas dos alunos foram transcritas tais como foram respondidas no questionário, conservando os erros de ortografia, sintaxe e concordância. 103 porém na questão 5, com exceção do A23, todos disseram ter tido contato com a poesia de Augusto dos Anjos. A pergunta de número 12 era: ―Você sente dificuldade em compreender os poemas de Augusto dos Anjos?‖. As respostas foram: sim = 8 não = 4 depende do poema = 23 Mais da metade da turma (23 pessoas) afirmou que depende do poema, seguida de oito (8) pessoas que confessaram sentir dificuldades, enquanto apenas quatro (4) afirmaram não sentir esse problema. Alguns se queixaram da dificuldade do vocabulário e da linguagem, como aludiram respectivamente os alunos A8 e A9. O primeiro aluno afirmou sentir dificuldade dependendo do poema e o outro confessou sempre sentir dificuldade, e justificaram respectivamente da seguinte forma: ―Porque como ele usa termos científicos, tinha palavras que eu não conhecia, vim entender aos poucos depois da explicação da professora‖ e ―Pois ele usa muito a linguagem científica, que para compreendê-la é preciso ler sobre a mesma‖. Com isso, notamos ser importante a familiaridade do leitor com o tema e com o vocabulário do poema a fim de que o processo de interação entre o texto e o leitor se realize de maneira efetiva. Seguindo este mesmo raciocínio, o aluno A28 relatou que não sente dificuldade em compreender os poemas de Augusto dos Anjos porque se sente atraído pela temática deles. Assim diz: ―Porque os poemas dele são científicos e isso é uma característica que me atrai muito‖. Com base nessa resposta, vemos que é preciso haver essa atração, essa identificação do leitor com o texto para que a leitura o conquiste. Mas nada mais elucidativo do que a resposta do aluno A7 para percebermos o quão importante é a maturidade do leitor para a sua interação com o texto. Sobre a dificuldade em compreender os poemas de Augusto dos Anjos, o A7 justificou seu problema do seguinte modo: ―Porque todo poema quando se é lido com atenção e quando a pessoa já é realmente um leitor fica fácil de compreender‖. Ele confessou sentir dificuldades em ler a poesia de Augusto, dependendo do poema, mas a sua colocação admite afirmarmos que quando se é um leitor, assíduo, competente e 104 familiarizado com o gênero e o estilo de determinado escritor, torna-se mais fácil a compreensão dos textos e a interação com eles. A última pergunta, de número 13, ―Qual foi a sua primeira impressão sobre a poesia de Augusto dos Anjos?‖, tinha o intuito de averiguar a reação inicial que os alunos tiveram da poesia augustiana. A maioria dos discentes expôs que a primeira impressão que tiveram foi de um poeta melancólico, triste e pessimista, como relatou o A9, que asseverou que ―ele era um homem triste e sincero na sua forma de se expressar‖. Podemos atribuir aos livros didáticos uma parcela da divulgação da tristeza entre outras características marcantes atribuídas não só ao eu - lírico dos poemas, mas ao próprio poeta47. Outros exemplos desse mesmo ponto de vista podem ser observados em colocações de outros alunos. Vejamos alguns exemplos: A28- ―Que ele era uma pessoa muito pessimista e não via o lado bom da vida‖ A33- ―De uma poesia interessante, mas logo notei seu grande pessimismo‖ A35- ―Que ele era uma pessoa pessimista, cheia de problemas, e pela poesia, achou um meio de expressá-los‖ Notamos que o A35 ao declarar que o poeta era cheio de problemas, está atribuindo o pessimismo à pessoa do poeta e não ao eu - lírico de seus poemas, confundindo arte literária com confissões pessoais48. Essas características atribuídas ao poeta foram notadas em outras respostas: A9- ―Que ele era um homem triste e sincero na sua forma de se expressar‖ A11- ―Que ele é melancólico, triste etc.‖ A17- ―Achei o poeta um pouco triste‖ A27- ―Que era um pouco triste. Acho que ele teve uma vida um pouco difícil‖ A30- ―Uma pessoa não muito feliz e melancólico‖ Muitos confessaram ter gostado da poesia de Augusto dos Anjos, a exemplo dos estudantes abaixo: 47 Viana (2000) assegura que nem tudo em Augusto dos Anjos é só tristeza. O autor revela que ―articulado ao pólo de tristeza e pessimismo existe no Eu uma dimensão oposta, de erotismo e alegria‖ (VIANA, 2001, p. 49). 48 Apesar de ser quase imprescindível separar a pessoa poética da pessoa do poeta, é importante frisar que apesar de a poesia ter em sua essência a subjetividade, ela é antes de tudo literatura, e a literatura é mimese. ―O poema é ‗mentira‘, no sentido de que é ficção‖ (VIANA, 2000, p. 67), e logo a poesia pode ser considerada um ato de fingir. O poeta, como diz Fernando Pessoa, é um fingidor. Sendo fingidor, o eu - lírico não é a mesma pessoa que o poeta. Viana (2000, p. 66) acrescenta que um dos equívocos de ordem crítica e interpretativa é o de ―confundir a obra com seu autor, concentrando o foco da abordagem no homem e desprezando o principal, ou seja, o que ele efetivamente produziu‖. Para este autor, mesmo com os traços fortemente autobiográficos encontrados na poesia de Augusto dos Anjos, ―é sempre poesia o que se lê‖ (VIANA, 2000, p. 87). 105 A2- ―Só em ser paraibano já admiro muito, também gosto da forma com que ele se expressa nos poemas, pois mostra sua irreverência e amor aos poemas e ao que fazia. O admiro muito‖ A4- ―Gostei pois achei bem diferente‖ A10- ―Gostei, pois foi interessante conhecer suas obras e seu jeito de expressar-se através da literatura‖ A12- ―Gostei por ser uma maneira única e pessoal do autor fazer seus poemas‖ A14- ―Foi boa, ele é bem verdadeiro e sabe mexer com quem está lendo a obra‖ A20- ―Gostei bastante‖ A29- ―A minha primeira impressão foi que as poesias de Augusto dos Anjos seria bem interessante e incentiva mais‖ A32- ―O melhor possível‖ Entretanto, um aluno admitiu não ter gostado da poesia de Augusto dos Anjos e com toda sinceridade usou uma linguagem um pouco grosseira para relatar seu primeiro contato com ela: A16- ―Uma poesia de forma ridícula por ser triste e conter trechos/ versos ou palavras não muito comuns em poemas‖ Uma pessoa afirmou não ter gostado no início, mas após o primeiro contato quebrou o preconceito e reavaliou seu julgamento sobre a poesia augustiana. O aluno disse o seguinte: A31- ―Antes de ler achei uma besteira, mas depois que li achei bem interessante‖ Nossas impressões após compararmos e avaliarmos os dados dos questionários foram que esse método nos proporcionou conhecermos a opinião dos alunos, suas preferências, entre outros. Sobre as respostas formuladas pelos alunos há pontos satisfatórios e insatisfatórios. Os pontos satisfatórios são: os alunos gostam de ler, gostam de poesia e leem com frequência. Diante desse exposto, surge uma reflexão: por que em muitos casos tantos alunos gostam de ler e leem com frequência, mas costuma-se dizer que a escola não forma leitores? Sobre a formação do aluno leitor, Colomer (2007) explica que ―a escola levou-o a ler e mostrou-lhe uma nova maneira de aproximar-se dos textos que compreendem uma certa hierarquia de valores do sistema literário; mas não o ajudou a tornar-se um leitor‖ (COLOMER, 2007, p. 51). Nesta perspectiva, talvez Colomer esteja se referindo à formação do leitor crítico, e não apenas do leitor decodificador ou do leitor fruitivo. 106 Os pontos insatisfatórios são: a consulta à obra literária é substituída pelo conteúdo estipulado pelo livro didático e pela internet; os poemas trabalhados nas aulas observadas foram esquecidos rapidamente por mais da metade dos alunos, talvez por eles não terem tido uma experiência muito significativa com os textos; a obra não era conhecida pela maioria dos alunos; as características atribuídas à poesia de Augusto dos Anjos pelos alunos refletem o que é exposto nos livros didáticos; os alunos sentem dificuldade em compreender os poemas augustianos. Diante da dificuldade relatada pelos alunos em compreender os poemas, consideramos que era imprescindível trabalhar a poesia de Augusto dos Anjos com os jovens leitores e mostrar-lhes o significado das palavras desconhecidas por eles nos poemas. Por isso, é considerado importante o uso de dicionário ou de um vocabulário para contribuir com o entendimento de alguns vocábulos, favorecendo a compreensão dos textos. Isso nos ajudou a utilizar na nossa revista-antologia um vocabulário com algumas palavras incomuns retiradas dos poemas que seriam trabalhados na intervenção. Os dados extraídos do questionário também foram relevantes para o planejamento das intervenções nessa turma, pois com base neles tentamos reparar os pontos insatisfatórios abordados e aproveitar o que havia de positivo. No próximo tópico explicaremos como planejamos nossas aulas de acordo com o que adquirimos das respostas dos alunos. 3.3 Planejando os encontros e selecionando os poemas: preparando a recepção Para a nossa prática de ensino, acreditamos que ao propormos o encontro entre os alunos e os poemas que contemplem o viés otimista da poesia de Augusto dos Anjos, estaríamos propiciando um conhecimento mais abrangente de sua lírica. À medida que possibilitamos aos alunos a oportunidade de conhecerem esses outros vieses da poesia augustiana, estaríamos oferecendo caminhos para a sua reafirmação como leitores. Sabendo que a leitura de poesia e a leitura de revistas estavam dentro do horizonte de expectativa49 dos alunos, decidimos levar algumas antologias de 49 Horizonte de expectativa é definido como um ―sistema intersubjetivo ou estrutura de espera, um ‗sistema de referências‘ ou um esquema mental que um indivíduo hipotético pode trazer a qualquer 107 poemas em forma de revista, que chamamos de ―revista-antologia‖, como recurso metodológico para as nossas aulas. Através das revistas-antologias pudemos atender à preferência de leitura dos alunos, levando para eles uma gama de textos estruturados semelhantes ao modelo editorial de uma revista dinâmica, simples, com uma linguagem atual e acessível, próxima ao cotidiano dos jovens alunos. Para a revista-antologia foram selecionados e classificados poemas de acordo com três temas: Deus, amor e esperança, que geralmente não são debatidos pelos críticos e pelo livro didático. Dessa forma, foram produzidas três edições, uma para cada aula, cada qual contemplando um tema diferente. E sendo assim, nossas aulas foram divididas em três módulos: Deus, amor e esperança na poesia de Augusto dos Anjos. A nossa antologia continha três poemas, sempre um com a face comum e mais conhecida, e os outros dois diferentes, apresentando a face otimista sobre o mesmo assunto, para que os alunos pudessem perceber e confrontar a diferença de estilo e do tratamento dado aos poemas com o mesmo tema. Basicamente as sequências de atividades realizadas em nossas aulas foram planejadas a partir do modelo metodológico de letramento literário50 proposto por Cosson (2009), que contempla momentos essenciais de: motivação, introdução, leitura e interpretação. O primeiro passo da sequência da aula é a motivação, e ―seu núcleo consiste em preparar o aluno para entrar no texto‖ (COSSON, 2009, p. 54). A motivação é realizada a partir da ―construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou posicionar-se diante de um tema‖ (op. cit., p. 55). É nesse momento que introduzimos o assunto da aula e preparamos o aluno para a leitura, além de possibilitarmos a aproximação do mundo do aluno com o mundo literário, convidando-o a entrar no jogo do texto51. A partir daí o leitor se permite ou recusa entrar nesse jogo. Para Cosson (2009), o sucesso da motivação consiste em abrir portas e pavimentar caminhos para a experiência literária. Se este primeiro momento for realizado com êxito as chances de haver uma boa interação entre o aluno e o texto, além de uma boa recepção deste, serão maiores. Vale salientar que ―a motivação texto‖ (HOLUB apud ZILBERMAN, 1989, p. 113). Em outras palavras, é o misto de códigos vigentes e da soma de experiências sociais acumuladas (ZILBERMAN, 1989). 50 Letramento literário, como concebe Cosson (2009), é o processo de escolarização da literatura. A proposta lançada por ele é que esse processo seja capaz de formar uma comunidade de leitores, que se constrói na sala de aula e vai além da escola. 51 Segundo Iser (1979, p. 107), ―os autores jogam com os leitores e o texto é o campo do jogo‖. Neste caso, os leitores são os jogadores. Para maiores esclarecimentos sobre essa temática, consultar o ensaio ―O jogo do texto‖. 108 exerce uma influência sobre as expectativas do leitor, mas não tem o poder de determinar sua leitura‖ (COSSON, 2009, p. 56). Neste caso, esta etapa que antecede o ato de ler é preparatória para a sua compreensão e não deve ser entendida como influenciadora da interpretação do aluno. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), apesar de não mencionarem um momento exclusivo para a motivação, apontam que a ação de motivar é importante, pois o aluno precisa estar envolvido pela atividade que se concretizará na leitura. Diante disso, o aluno ―lerá então porque se sentirá motivado a fazer algo que deseja e, ao mesmo tempo, começará a construir um saber sobre o próprio gênero, a levantar hipóteses de leitura, a perceber a repetição e as limitações do que lê [..]‖ (BRASIL, 2006, p. 71). Daí a importância desse momento anterior à leitura. A nossa motivação foi feita através de questionamentos que foram lançados para a reflexão dos alunos acerca dos temas de maneira geral até chegarmos às perguntas específicas sobre a obra de Augusto dos Anjos, relacionadas ao eu - lírico dos poemas. Na primeira aula planejamos debater sobre crenças e se era possível o eu - lírico dos poemas crer em Deus. A segunda aula se concentrava no significado do amor, então conversamos um pouco sobre esse tema e depois nos ativemos ao que este sentimento representa na poesia augustiana. Por conseguinte, a terceira aula foi sobre a esperança, por isso conversamos sobre otimismo, caridade, entre outros assuntos. Após a motivação, a próxima etapa da sequência definida por Cosson é a introdução, que consiste na apresentação do autor e da obra (COSSON, 2009). Porém, eliminamos essa fase das nossas aulas porque os alunos da turma participante já conheciam, de maneira geral, o essencial sobre Augusto dos Anjos e sua poesia. Nesse caso, esse momento foi suprimido para dar espaço à leitura e debate dos poemas. A etapa posterior à introdução consiste no momento efetivo da leitura. Para esta ocasião privilegiamos a leitura oral dos poemas, que de acordo com Alves (2001, p. 62), embora o valor atribuído à sua realização não seja consenso entre os estudiosos da poesia, o autor acredita que ―uma leitura expressiva, que realce, por exemplo, o ritmo, a sonoridade e o andamento do poema é um instrumento didáticopedagógico da maior importância para cativar e encantar o leitor‖. Privilegiamos ainda a leitura compartilhada, definida por Colomer (2007) como leitura e 109 interpretação coletivas, já que acreditamos ser uma das melhores formas de possibilitar o contato efetivo dos poemas com uma comunidade de leitores. De acordo com Colomer (2007, p. 147) ―compartilhar a leitura significa socializá-la, ou seja, estabelecer um caminho a partir da recepção individual até a recepção no sentido de uma comunidade cultural que a interpreta e avalia‖. Nesta perspectiva, a autora aduz que compartilhar se trata de criar espaços de leitura em sala de aula, como lugar privilegiado para apreciar os textos com os demais e construir um sentido entre todos os leitores. Para ela, ―a aprendizagem da literatura realiza-se, assim, em meio a um grande desenvolvimento social de construção compartilhada do significado‖ (COLOMER, 2007, p. 139). A importância da leitura compartilhada, segundo Colomer (2007), é que ela duplica a possibilidade de o aluno tornar-se leitor. Para ela, falar sobre livros com as pessoas que nos rodeiam é o fator que mais se relaciona com a permanência de hábitos de leitura. Nas palavras da autora, Compartilhar as obras com outras pessoas é importante porque torna possível beneficiar-se da competência dos outros para construir o sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros. Também porque permite experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, fazendo com que a pessoa se sinta parte de uma comunidade de leitores com referências e cumplicidades mútuas (COLOMER, 2007, p. 143). De acordo com Colomer (2007, p. 144), é na escola que as atividades de compartilhar melhor respondem ao antigo objetivo de ―formar o gosto‖ literário ―porque comparar a leitura individual com a realizada por outros é o instrumento por excelência para construir o itinerário entre recepção individual das obras e sua valorização social‖ (COLOMER, 2007, p. 144). Para esta etapa, enfim, é decisivo que a leitura resulte em uma experiência pessoal positiva e que se realize a partir do diálogo entre o leitor, a obra e a comunidade leitora, para que ela ganhe dimensões significativas para os sujeitos leitores. Planejamos para a nossa sequência três momentos de leitura e interpretação, em que lemos e debatemos três poemas, sendo um pessimista e dois otimistas para que os alunos percebessem a mudança de tom e ritmo nos poemas. Lemos todos os textos oralmente e em voz alta. As leituras foram feitas de forma compartilhada, ora feitas por nós, ora feitas pelos alunos, individualmente ou em conjunto. Enfim, 110 procuramos a forma mais apropriada para propiciar uma leitura produtiva para os alunos-leitores e dar possibilidades de eles fruírem os textos. A última etapa das atividades desenvolvidas nas aulas é a interpretação. Para Cosson (2009, p. 64), ela ―parte do entretecimento dos enunciados, que constituem as inferências, para chegar à construção do sentido do texto, dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade.‖ Ainda de acordo com Cosson (2009, p. 41), ―interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto‖. Vale salientar que não é necessariamente o contexto histórico, ou seja, a época em que as obras foram geradas, pois interpretar um texto é uma tarefa que vai além disso. Interpretar é compreender, fruir, interagir, pensar, tirar conclusões. ―Interpretar um texto não é dar-lhe sentido (mais ou menos fundamentado, mais ou menos livre), é, ao contrário, apreciar de que plural é feito‖ (BARTHES apud JOUVE, 2002, p. 105), e por essa razão os textos são abertos a várias interpretações. Sobre a interpretação de textos, de acordo com Colomer (2007, p. 193) Nem todo mundo entende uma obra da mesma maneira. Não se entende igual, segundo o nível de aprofundamento. Não se entende igual segundo o número de vezes que se leia ou a etapa da vida em que situem os leitores. E não se entende igual, se estamos interessados em buscar significados de um ou de outro tipo. Interpretar é uma tarefa complexa, pois exige uma competência específica do leitor: de raciocinar. Mesmo que uma obra se abra a uma infinidade de interpretações, de acordo com Cosson (2009), isso não significa dizer que qualquer interpretação seja válida, mas também não quer dizer que haja uma interpretação mais precisa do que outra. Jouve (2002), ao discutir se toda leitura é legítima, afirma que mesmo não podendo reduzir a obra a uma única interpretação, há, entretanto, critérios de validação. Segundo esse autor, ―o texto permite, com certeza, várias leituras, mas não autoriza qualquer leitura‖ (JOUVE, 2002, p. 25). Para uma leitura ser legítima, de acordo com Jouve (2002), ela deve satisfazer os critérios da coerência interna e externa. O primeiro princípio, da coerência interna, defendido por Barthes (apud JOUVE, 2002, p. 26), lança três grandes regras de validação da leitura, em que: ―a grade de interpretação deve ser generalizável ao conjunto da obra, deve respeitar a lógica simbólica [...], e ir sempre no mesmo sentido‖. O segundo princípio, da coerência externa, defendido por Ricoeur (apud JOUVE, 2002, p. 26), é que ―uma 111 leitura não pode se opor a certos dados objetivos (biográficos, históricos ou outros) que se possui sobre o texto‖. Para Ricoeur, há critérios de superioridade relativa em que há interpretação mais provável do que outra. Jouve (2002, p. 27), após discutir sobre esses critérios, conclui que ―nem todas as leituras, portanto, são legítimas‖. Tratando da interpretação de poesia, o crítico Antônio Cândido (2006) defende que a interpretação decorre da análise da obra literária e que ambos ―representam os dois momentos fundamentais do estudo do texto‖ (CANDIDO, 2006, p. 29). Segundo Cosson (2009, p. 29), ―a análise literária [...] toma a literatura como um processo de comunicação, uma leitura que demanda respostas do leitor, que o convida a penetrar na obra de diferentes maneiras, a explorá-la sob os mais variados aspectos‖. Mais adiante, Cosson (2009, p. 29) retoma que ―longe de destruir a magia das obras, a análise literária, quando bem realizada, permite que o leitor compreenda melhor essa magia e a penetre com mais intensidade‖. Para Cosson (2009), as atividades de interpretação devem ter como princípio a externalização da leitura, isto é, seu registro. Externalizar a leitura significa registrar o que foi lido, partilhando-o com uma comunidade de leitores, com base na interpretação. Algumas maneiras de fazer isso podem ser através de um desenho, um júri simulado, resenha, debate, entre outros. A importância do registro ―é que o aluno tenha a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a obra lida e externalizar essa reflexão de uma forma explícita, permitindo o estabelecimento do diálogo entre os leitores da comunidade escolar‖ (COSSON, 2009, p. 68). Consideramos o debate e a discussão importantes porque de acordo com Colomer (2007, p. 71) ―trabalhar em grupo ajuda a interpretar de forma mais complexa, já que obriga a argumentar, a retornar ao texto, a comparar, a contestar, etc‖. A autora complementa que ―a discussão em grupo é pertinente porque favorece a compreensão. Serve para enriquecer a resposta própria com os matizes e os aportes da interpretação do outro, já que a literatura exige e permite distintas ressonâncias individuais‖ (COLOMER, 2007, p. 149). Comungando com esse pensamento, Cosson (2009) afirma que a discussão deve ser preferencialmente feita de maneira coletiva, com a participação de todos os alunos. Com base nisso, utilizamos em nossas aulas o debate como forma de externalização da interpretação dos alunos, pois é uma forma democrática de dar espaço para que todos por igual tenham a oportunidade de partilhar as impressões sobre os poemas. 112 Tomando como base para as nossas aulas os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba, o documento assinala que ―a sala de aula deverá se transformar no espaço da leitura e do debate, possibilitando convívio democrático e integrador da reflexão‖ (PARAÍBA, 2006, p. 81) em que o leitor seja livre para expor suas experiências com a leitura, seus gostos, desgostos. Durante esse momento ―o leitor deve ter a liberdade para expor sua experiência de leitura, destacando suas empatias, seus estranhamentos, sua recusa ou sua incompreensão‖ (PARAÍBA, 2006, p. 82). No debate o papel do professor mediante as discussões deve ser de ―moderador e não o catalisador da discussão, evitando dar a primeira e a última palavra sobre a obra. Seu papel é de coordenar a discussão e ajudar os alunos a sintetizar seus resultados‖ (COSSON, 2009, p. 115). Para Beach e Marshall (apud MARTINS, 2006, p.85) O desafio do professor é ajudar os alunos a elaborar ou rever suas interpretações iniciais, sem descartar totalmente suas primeiras leituras. O professor deveria colaborar com os alunos, visando a construção/ reconstrução de interpretações e não simplesmente apresentar leituras já prontas. Nossos momentos de interpretação foram realizados através do debate de alguns pontos e da discussão dos alunos sobre os poemas. Tanto nossos momentos de leitura quanto de interpretação privilegiaram a leitura compartilhada determinada por Colomer (2007), por acreditarmos no seu pensamento quando afirma ―que a leitura compartilhada é a base da formação de leitores‖ (COLOMER, 2007, p. 106). A avaliação é uma etapa à parte da sequência. Ela não tem a finalidade de medir o saber. De acordo com Cosson (2009), as atividades de avaliação são diagnósticos que permitem analisar índices de desempenho do aluno ao longo do processo, a fim de atender às necessidades para atingir os objetivos. Tradicionalmente as atividades mais comuns de avaliação realizadas após a leitura na escola são testes escritos, resumos ou preenchimento de fichas. De acordo com Colomer (2007, p. 121), ―realiza-se uma leitura e, continuando, resume-se o texto, esquematiza-se e analisa-se, utiliza-se para responder a perguntas, imita-se, parafraseia-se, etc.‖ Esse tipo de atividade, segundo Cosson (2009), pretende comprovar o grau de memória dos alunos enquanto, a nosso ver, esquece-se da recepção dos textos e da interação dos mesmos com o leitor. Os Referenciais 113 Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba apontam que ―as formas de avaliação devem levar em conta a participação dos educandos nas discussões‖ (PARAÍBA, 2006, p. 87). Por isso, com base nesse pensamento, preparamo-nos para avaliar a turma com base no que era exposto pelos alunos durante as aulas, bem como nos relatos escritos por eles para a revista-antologia. Algumas questões tocantes ao processo de avaliação inquietam constantemente o professor de literatura: o que se deve avaliar? a leitura em si ou a interpretação? Cosson (2009) propõe que o professor de literatura tome a leitura como uma experiência e não como um conteúdo a ser avaliado. A interpretação, mais do que ser avaliada, pode ser averiguada para chegar-se a sua validade. Durante a avaliação O professor não deve procurar pelas respostas certas, mas sim pela interpretação a que o aluno chegou, como ele pensou aquilo. O objetivo maior da avaliação é engajar o estudante na leitura literária e dividir esse engajamento com o professor e os colegas – a comunidade de leitores. [...]. A leitura do aluno deve ser discutida, questionada e analisada, devendo apresentar coerência com o texto e a experiência de leitura da turma (COSSON, 2009, p. 113). Nossa avaliação estava baseada na recepção dos poemas pelos alunos e na apropriação que eles fizeram desses textos, bem como na validade de suas leituras. Porém não avaliamos estes pontos isoladamente, mas fizemos um balanço geral das aulas, refletindo também sobre nosso trabalho, nossa metodologia, o que consideramos como acertos e em que falhamos. Todos os passos trilhados na sequência das aulas foram relevantes para tornar a experiência com os poemas de Augusto dos Anjos significativa e possibilitar um momento de encontro, partilha e recepção. A recepção dos poemas está intimamente relacionada à experiência de leitura exercida pelo aluno, e, sendo assim, o sucesso dela depende do grau do encontro do aluno com o texto. Conforme aponta Stierle (1979) sobre a recepção dos textos literários, o autor assinala que ela abrange cada uma das atividades que se desencadeia no receptor por meio do texto, desde a simples compreensão até a diversidade das reações por ela provocadas – que incluem tanto o fechamento de um livro, como o ato de decorá-lo, de copiá-lo, de presenteá-lo, de escrever uma crítica (STIERLE, 1979, p. 135 – 136). 114 De acordo com Stierle (1979, p. 135), ―o conceito de recepção pode-se referir a muitas atividades do ‗receptor‘‖ do texto, ou seja, o leitor. Contudo, convém lembrar que ―a recepção da arte não é apenas um consumo passivo‖ (JAUSS, 1978, p. 57), é uma atividade estética, que, segundo Zilberman (1989), propicia a emancipação do sujeito. De acordo com a autora, essa atividade, em primeiro lugar, liberta o ser humano dos constrangimentos e da rotina cotidiana; estabelece uma distância entre ele e a realidade convertida em espetáculo; pode preceder a experiência, implicando então a incorporação de novas normas, fundamentais para a atuação e compreensão da vida prática; e enfim é concomitantemente antecipação utópica, quando projeta vivências futuras, e reconhecimento retrospectivo, ao preservar o passado e permitir a redescoberta de acontecimentos enterrados (ZILBERMAN, 1989, p. 54). Retomando a ligação entre a recepção e a experiência leitora, enquanto aquela é um fenômeno social, esta é um ato individual. Conforme o pensamento de Iser (1979, p. 86), ao proferir ―Não posso experimentar tua experiência. Não podes experimentar a minha experiência‖, o indivíduo assume um papel particular perante cada leitura. Porém, para que essa leitura ganhe dimensões mais profundas, ela necessita ser partilhada no meio social, com uma comunidade leitora. Foi o encontro com o texto e essa partilha que nossas intervenções tentaram promover. 3.4 Augusto dos Anjos e os leitores: vivências poéticas 3.4.1 Deus na poesia de Augusto dos Anjos O primeiro encontro para a experiência de leitura com a turma do 3º ano foi no dia 20 de outubro de 2010. Essa primeira intervenção teve a duração de uma aula de quarenta e cinco (45) minutos. Nesse dia estavam presentes trinta e sete (37) alunos. Nossos objetivos para essa aula foram: 1) conversar sobre o poeta Augusto dos Anjos (1.1. saber quais pontos são marcantes na poesia augustiana a partir do ponto de vista dos alunos; 1.2. ver a concepção que os alunos têm da figura de Deus na poesia de Augusto dos Anjos); 2) vivenciar a poesia (2.1. ler e apreciar alguns poemas que tratam de Deus; 2.2. estimular os alunos a falarem acerca de suas impressões sobre os poemas); 3) dialogar sobre o tema (3.1. tentar fazer 115 alguma associação entre os poemas lidos; 3.2. observar a recepção dos poemas selecionados; 3.3. desmitificar a ideia de que não há a presença de Deus nos poemas de Augusto dos Anjos). Esperamos a professora e juntas entramos na sala de aula. Apesar de outrora já havermos estado nessa mesma sala para observar como a poesia de Augusto dos Anjos era vivenciada na turma, os alunos ainda não sabiam que seriam feitas experiências de leitura com eles. A professora comunicou aos estudantes que ia deixar a turma conosco e falou da importância da participação de todos durante a aula. Antes de sair, a docente pediu a uma aluna que recolhesse uma redação dos alunos, exigida por ela em outra aula, e esta preferiu recolher naquele momento, o que nos prejudicou um pouco, por conta do tempo disponível que foi muito restrito. Quando a professora saiu e nos deixou a sós com os alunos, mais uma vez ressaltamos que se tratava da continuidade da pesquisa de pós-graduação que havia sido iniciada desde a observação e agora lhes proporcionaria uma experiência de leitura com a poesia de Augusto dos Anjos. Além disso, pedimos a colaboração de todos neste trabalho. Preocupava-nos muito gravar as aulas e que a timidez dos alunos atrapalhasse suas participações durante as discussões. Quando dissemos aos estudantes que as aulas seriam gravadas, a princípio eles ficaram apreensivos, mas ao explicarmos que preservaríamos a identidade deles e que a gravação era um método mais conveniente para a obtenção dos dados que seriam analisados posteriormente, eles compreenderam e gentilmente, sem pedirmos, desligaram os dois ventiladores para que o barulho dos mesmos não atrapalhasse e a gravação ficasse mais audível. Após a entrega da antologia de poemas em forma de revista, que prendeu a atenção deles por alguns instantes, ligamos os gravadores. Apresentamos para eles a revista, os poemas contidos nela e as seções que os ajudariam a se aproximarem mais da poesia de Augusto dos Anjos. Passados alguns minutos, iniciamos a aula com uma conversa informal até chegarmos à pergunta: ―O que vocês lembram da poesia de Augusto dos Anjos?‖, com o intuito de começar a discorrer sobre o poeta a partir do que ficou marcado para os alunos. A turma foi unânime em responder: cientificismo e pessimismo. Antes de iniciarmos a leitura e a discussão dos poemas de face otimista, interessava-nos saber mais um pouco sobre a experiência que os alunos tinham tido a partir dos primeiros contatos com a poesia de Augusto. Ao perguntarmos sobre a 116 identificação com a lírica augustiana, obtivemos inicialmente o silêncio como resposta. Depois de insistirmos na pergunta, os alunos afirmaram que não se identificaram com a poesia do paraibano. Essa não-identificação dos alunos a priori com a poesia de Augusto dos Anjos, segundo eles, é decorrente do excessivo pessimismo e da linguagem incomum presente na sua poesia. Diante da nossa admiração por ninguém ter se identificado, alguns alunos começaram a mudar de opinião. O aluno G(M) 52 disse que a poesia de Augusto dos Anjos o tocou um pouco, e a aluna R também confessou ter sido tocada pelo poema ―Versos íntimos‖. Vejamos o que a aluna disse: R(F): ―Versos íntimos‖ chamou muito minha atenção. Pesquisadora: Chamou atenção ―Versos íntimos‖? R(F): Não, assim... não que tenha a ver comigo, mas o jeito que ele falava... (Não dá para entender o restante). Pesquisadora: Certo. Então, você acha que a poesia dele, no geral, assim... não combina com você? R(F): É, mas me chama atenção a forma como ele fala. Pesquisadora: Mas chamou atenção. Sim. R(F): Por causa disso, porque eu achei que por ele não ter medo de falar aquelas coisas assim... bem profundas. Vemos que a aluna confessou ter sido tocada, mas depois não revelou clareza em sua opinião. Parece-nos que houve algum receio de sua parte em afirmar que se identificava com esse tipo de poesia e ser confundida com uma pessoa pessimista como o eu - lírico do poema, pois lembramo-nos que no diálogo acima, na parte que não captamos a sua fala, ela quis demonstrar que não se identificava com a revolta e o pessimismo transmitidos no poema. De toda forma, ela deixou claro que o que lhe chamou atenção foi a linguagem do poema e não a temática, pois segundo ela, não tem nada a ver consigo. Diante disso, ressaltamos que para se identificar com a poesia de Augusto dos Anjos não necessita ser tão pessimista ou melancólico quanto o eu - lírico dos poemas. Ainda sobre esse assunto, a aluna S deu sua opinião, ao mesmo tempo que defendeu a empatia com o texto como um princípio básico para a identificação. 52 Para preservar a identidade dos alunos em alguns momentos, sobretudo, na transcrição das falas, iremos nos referir a eles pela letra inicial de seus nomes acrescidos entre parênteses da letra que se refere ao sexo de cada qual, sendo (M) para os estudantes de sexo masculino e (F) para os estudantes de sexo feminino. Na transcrição, escrevemos os diálogos tais como foram proferidos, mesmo com a linguagem coloquial. 117 S(F): An ham... é... mas eu não me identifiquei muito não, por causa disso, desse pessimismo dele. Mas vai da forma como a gente vê a poesia dele. O jeito que ele fala não é da nossa rotina, então a gente primeiro precisa entender pra poder sentir, né? A linguagem que não faz parte da rotina dos alunos, como destacou S(F), ainda causa espanto aos leitores. A aluna diz que é preciso ―entender para poder sentir‖. Em outras palavras a aluna quis dizer que é preciso compreender a poesia augustiana para poder fruí-la. Portanto, a identificação com o texto decorre desse processo contido na leitura. A compreensão e a identificação constituem passos que levam à fruição do texto. Gilles Thérien (apud JOUVE) vê na leitura um processo de cinco dimensões: neurofisiológico (operação de percepção, identificação e memorização dos signos), cognitivo (entendimento da leitura), afetivo (identificação com o texto), argumentativo (leva o leitor a se questionar sobre o seu modo de conceber o sentido) e simbólico (o sentido que se tira da leitura). A empatia com o texto decorre do processo afetivo que a leitura provoca no leitor. De acordo com Jouve (2002, p. 20), sobre o processo afetivo, ―querer expulsar a identificação – e consequentemente o emocional – da experiência estética parece algo condenado ao fracasso‖. A identificação com o texto pode ser um fator contribuinte para uma recepção significativa. Zilberman (1989, p. 113), em seu vocabulário crítico sobre os termos da recepção, diz que a identificação ―equivale à resposta do leitor quando da experiência estética e tem um significado tanto intelectual, quanto afetivo. Por isso, uma obra pode atuar sobre a audiência, oferecendo-lhe padrões de identificação e também emancipando-a‖. A recepção dos textos literários é influenciada pelo modo como a leitura, sendo um processo afetivo entre leitor e texto, é concebida. Para Jouve (2002, p. 19), O charme da leitura provém em grande parte das emoções que ela suscita. Se a recepção do texto recorre às capacidades reflexivas do leitor, influi igualmente – talvez, sobretudo – sobre sua afetividade. As emoções estão de fato na base do principio de identificação. Retomando a descrição da aula, após esse primeiro diálogo com a turma, partimos para a etapa preparatória para a leitura dos poemas de Augusto, a motivação. Já que essa aula tinha como tema: ―Deus na poesia de Augusto dos Anjos‖, para esse momento iniciamos fazendo indagações à turma a respeito de 118 crenças, para podermos chegar especificamente à crença em Deus. Ao serem indagados sobre o que é crer e em que creem, as respostas foram: Alunos: Acreditar. Pesquisadora: Acreditar, né? Certo. Vocês podem me citar algo que vocês acreditam? Alunos: Em Deus. Pesquisadora: Acreditam em Deus. Certo. Só em Deus? Pode-se acreditar em muita coisa também. S(F): Em nós mesmos. Pesquisadora: Sim. Tem coisas que vocês acreditem mais? J(M): No amor. Quando falamos em crença, os alunos rapidamente associaram à imagem de Deus, que foi o primeiro a ser citado, talvez por a presença religiosa ser muito forte em nossa cultura. Depois da crença em um Deus, os alunos citaram confiar em si mesmos; e mostrando que fazem parte de uma geração que continua sonhadora, disseram ainda que acreditam no amor. Após essa discussão rápida, direcionamos a questão da crença para a poesia de Augusto dos Anjos, tendo em vista o eu - lírico de seus poemas, e, neste momento, diante da indagação sobre em que o poeta acreditava, os alunos E e G responderam respectivamente que ele acreditava na ciência e na morte53. Mais uma vez as respostas dos alunos sobre a poesia de Augusto dos Anjos refletiram o que se propaga nos livros didáticos: o cientificismo presente na sua poesia e a obsessão do poeta pela morte. Após a discussão sobre o tema, passamos para o momento efetivo da leitura e debate sobre os textos. Começamos, então, pelo poema com a abordagem mais próxima daquilo que eles tinham estudado, o viés pessimista, atendendo ao horizonte de expectativas dos alunos. Sendo assim, lemos o poema ―Último credo‖. Último credo Como ama o homem adúltero o adultério E o ébrio a garrafa tóxica de rum, Amo o coveiro — este ladrão comum Que arrasta a gente para o cemitério! É o transcendentalíssimo mistério! É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum, 53 Viana (2001, p. 43) afirma que ―a grande obsessão do poeta é a morte, devoradora insaciável de tudo. O curioso é que essa obsessão com a morte alimenta-se de uma ambigüidade (sic) propiciada pela disposição melancólica do poeta. Ela é temor mas é também desejo. É punição pelos pecados da carne, mas é também a possibilidade de renovar-se a espécie‖ . 119 É a morte, é esse danado número Um Que matou Cristo e que matou Tibério! Creio, como o filósofo mais crente, Na generalidade decrescente Com que a substância cósmica evolui... Creio, perante a evolução imensa, Que o homem universal de amanhã vença O homem particular que eu ontem fui! (ANJOS, 1994, p. 230) Após a leitura desse primeiro poema, perguntamos em que o eu - lírico acreditava. As repostas que obtivemos foram as seguintes: E(M): Na morte. Na primeira estrofe fala assim de morte. No final, ele transparece para o leitor que a única saída pra tudo seja no cemitério. [...] Aluna: Na ciência. Pesquisadora: E como a gente pode afirmar que ele acredita na ciência? Aí no poema, no texto dá alguma dica disso? Hein, J(M)? J(M): Sim, porque ele fala muito na evolução. Os alunos notaram no poema especialmente a solidão do eu - lírico e o seu refúgio no cemitério, e, dentro desse contexto, entenderam como uma obsessão do poeta pela morte. Após o aluno E destacar a relação com o cemitério, ao questionarmos o motivo, a aluna S justificou que ―[...] lá no cemitério é o lugar que ele se sente bem‖. A aluna R ainda comentou que ―ele era muito solitário‖, aludindo à melancolia no tom do poema. Entre outros pontos, os alunos G(M) e S(F) ainda discutiram sobre a última estrofe levando em consideração a universalidade da poesia de Augusto dos Anjos presente na figura particular do eu - lírico, em que as dores da humanidade são descritas através deste, nos versos ―Que o homem universal de amanha vença/ O homem particular que eu ontem fui!‖. Infelizmente não conseguimos decifrar o que foi dito por eles, pois ambos falavam quase ao mesmo tempo e o diálogo não foi bem registrado pelos gravadores. Diante dessas questões entre o homem universal e o homem particular, como também na antítese entre o ontem e o amanhã, ainda foi cogitada por nós a crença no futuro e o progresso, mas não obtivemos muita participação dos alunos. Apenas disseram que a última estrofe mostrava que o eu - lírico acreditava no futuro e no 120 progresso do homem, que ele esperava que ambos estivessem ligados ao conhecimento, na visão do aluno G. Como já tinha sido notado nas observações que precederam nossa intervenção, os alunos não eram muito participativos, e o silêncio perdurava durante as aulas. Isso nos incomodou um pouco, mas sabíamos que estávamos fazendo o possível para propiciar um momento significativo de leitura e apreciação dos poemas. Sabemos que o silêncio, muitas vezes, está associado à timidez de alguns alunos ou à insegurança em suas opiniões, pois os alunos que mais participam sempre são os mesmos e geralmente são os mais seguros de si, mais comunicativos e extrovertidos. O momento mais marcante dessa aula foi o diálogo sobre como o poeta apresenta Deus em sua poesia, pois os alunos, entusiasmados, interagiram conosco, apresentando suas opiniões, baseadas no que aprenderam sobre o poeta. Vejamos a seguir o diálogo: Pesquisadora: Agora, gente, voltando naquela questão de crer, né, voltando nessa questão de crer em Deus, vocês apontaram que creem em Deus. Quando a gente fala em crença, eu acho que a gente associa logo a crença a Deus, já leva logo pro lado religioso, né isso? Agora, me digam uma coisa, nessa questão de crer... Como era a poesia de Augusto dos Anjos relacionada a essa questão aqui de Deus? Como era? E(M): Ele não acreditava em Deus. S(F): Ele não acreditava em Deus. G(M): Ele não acreditava. E(M): Eu acho que ele não acreditava. Aluno: Eu acho que ele era ateu. Pesquisadora: Ele cria em Deus? Alunos: Não. S(F): Porque ele acreditava na ciência. E quem acredita na ciência geralmente não acredita em Deus, porque a ciência e a religião não se misturam. Aluno: Acho que ele não acreditava em Deus. Pesquisadora: Então ele acredita em quem? G(M): ... (não dá para entender o que ele disse) Pesquisadora: Sim, sim. Ele não fala no espírito, só na matéria, né? Aluno: É, é. Esses comentários refletem a postura definida pelos livros didáticos, inclusive o que é utilizado pela turma. Nesta perspectiva, perguntamos se os estudantes já tinham lido algum poema ou procurado saber se Augusto dos Anjos, de fato, tinha escrito alguma coisa relacionada a Deus. Todos responderam que não. Neste momento a aluna F destacou o poema que estava na antologia e tratava desse tema. Para os alunos foram duas surpresas: encontrar poemas que falem de Deus 121 e, além disso, com caráter otimista. A nosso pedido, a aluna S leu o poema ―Amor e crença‖. Amor e crença _ E sê bendita! H. Sienkiewicz Sabes que é Deus?! Esse infinito e santo Ser que preside e rege os outros seres, Que os encantos e a força dos poderes Reúne tudo em si, num só encanto? Esse mistério eterno e sacrossanto, Essa sublime adoração do crente, Esse manto de amor doce e clemente Que lava as dores e que enxuga o pranto?! Ah! se queres saber a sua grandeza, Estende o teu olhar à Natureza, Fita a cúp‘la do Céu santa e infinita! Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa, O amor é a hóstia que bendiz a Crença, Ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita! (ANJOS, 1994, p. 393) Após ler o texto, a mesma aluna de imediato confessou ter se identificado com o poema pelo fato de o tema contido nele ser próximo do seu cotidiano. Um fato interessante foi o extremismo da comparação de alguns discentes: no início da aula um aluno nos disse que considerava Augusto dos Anjos ateu, entretanto, após a leitura de ―Amor e crença‖, o aluno G(M)254 disse que achava que o poeta era evangélico, fato que fez a turma rir e o barulho durar por alguns minutos, pois muitos debocharam da opinião do aluno. Mesmo querendo brincar, o aluno percebeu a mudança de tom em relação a Deus na poesia augustiana, que contrasta com o modo que é propagado na escola e fora dela. Outrora foi dito aos discentes que o poeta não cria em Deus e agora eles se deparam com um poema cujo eu - lírico se mostra tão crente quanto um evangélico55. Esse momento representou a quebra do horizonte de expectativa dos alunos e a ampliação de seu repertório de leitura. 54 Inserimos o número 2 para não confundir com o aluno G(M). O evangélico, segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001), pertence a certos grupos religiosos que afirmam seguir os evangelhos com especial rigor e fidelidade. Os evangélicos ficaram conhecidos como ―crentes‖ e durante muitas décadas foram chamados dessa forma. Ainda de acordo com o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001, p. 193), crente é ―relativo a, próprio de, ou quem é adepto 55 122 Diante desse poema os alunos sentiram-se mais à vontade para debater. Eles começaram destacando os versos que mais lhes chamaram a atenção. O aluno J destacou a segunda estrofe e comentou: J(M): Aqui na segunda estrofe, no último verso da segunda estrofe ele diz ―que lava as dores e que enxuga o pranto?!‖. Ele interroga e ao mesmo tempo exclama. Pesquisadora: Isso. J(M): Aí dá a impressão que ele tá perguntando: Será que ele faz isso mesmo? Pesquisadora: An ham. No caso ele ta perguntando a quem? J(M): Ao leitor. Nessa segunda estrofe é percebido pelo aluno J um pouco de confusão nas palavras do eu - lírico e a possibilidade de ele não ser tão crente como demonstra, pois para J o uso do ponto de interrogação e exclamação lado a lado revela sua dúvida. Discutindo sobre o parecer de J, outros alunos se posicionaram. Vejamos: S(F): Mas no começo ele interroga, realmente, mas no final ele conclui aqui nessa parte: ―Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa,/ O amor é a hóstia que bendiz a Crença,/ Ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita!‖ J(M): Mas aqui... (não dá para entender). G(M): ... (Não dá para entender). J(M): Então é uma questão de paradoxo. G(M): É, é uma questão de paradoxo. Outros alunos interagiram com J(M) e seguiram a discussão, muito rica por sinal, posicionando-se diante do texto. A discussão foi muito proveitosa, pois eles debateram bem, interagiram, mas lamentavelmente não pudemos transcrever o diálogo completo por problemas no áudio dos gravadores. Só lembramos que durante a discussão os alunos refletiram sobre a posição do aluno J(M) a respeito da crença do eu - lírico, ou seja, se ele cria ou não. Por último, eles chegaram ao consenso de que o eu poético, mesmo questionando-se e questionando o leitor, dá a opinião dele sobre quem é Deus, na última estrofe, destacada pela aluna S, no diálogo acima, em que ele diz que ―Deus é o Templo do Bem‖. Sobre o título do poema, ao serem questionados sobre a relação entre o amor e a crença, entre amar e crer, alguns alunos responderam que: J(M): Tem, porque na realidade, quando a pessoa crê em Deus acaba amando, acaba amando do mesmo jeito. de seitas evangélicas‖. Para maiores esclarecimentos consultar o artigo ―Crentes ou evangélicos‖ no site <http://www.portalebd.org.br/atualidades/reflexoes/item/63-crentes-ou-evang%C3%A9licos>. 123 Pesquisadora: Sei, o inverso pode acontecer? Você falou em crer, depois amar. Pode acontecer o inverso, primeiro amar e depois crer? Aluno: Pode. F(F): Acho que pode. Aluno: Pode. Pesquisadora: No caso, primeiro você vai ter a experiência de crer para depois você amar, e se você não amar, você não crê. Será? Será que o amor é tão importante assim dentro da crença? R(F): O amor é muito importante. Concluída a discussão de ―Amor e crença‖, passamos para o último poema da aula, ―Ultima Visio‖. Antes de iniciarmos a leitura, perguntamos aos alunos sobre o significado da palavra ―Visio‖, que eles deduziram se referir a ―visão‖. A leitura desse poema foi feita por nós, por causa do pouco tempo que tínhamos antes de terminar a aula. Ultima visio Quando o homem, resgatado da cegueira Vir Deus num simples grão de argila errante, Terá nascido nesse mesmo instante A mineralogia derradeira! A impérvia escuridão obnubilante Há de cessar! Em sua glória inteira Deus resplandecerá dentro da poeira Como um gazofilácio de diamante! Nessa última visão já subterrânea, Um movimento universal de insânia Arrancará da insciência o homem precito... A Verdade virá das pedras mortas E o homem compreenderá todas as portas Que ele ainda tem de abrir para o Infinito! (ANJOS, 1994, p. 327) Após a leitura desse poema, ao indagarmos sobre qual seria essa última visão mencionada pelo eu - lírico, o aluno G afirmou ser ―a última visão que ele tem antes de morrer‖, a última visão na passagem da vida para a morte. Para alguns alunos, a exemplo de J(M), essa última visão é tão importante porque neste momento de transição da vida para a morte o eu - lírico reflete sobre o homem que deixa à parte sua ignorância e passa a crer em Deus, sendo salvo por Ele. O aluno ainda mencionou o declínio da ciência em detrimento da crença em Deus, que só será possível com o entendimento e a ausência da cegueira, metáfora 124 destacada por J(M) no primeiro verso, para se referir também à ignorância do homem. Quando a discussão estava tomando mais força e a aluna F iniciou seu comentário, fomos interrompidos pelo som do sinal para o recreio. De toda forma, consideramos essa primeira experiência proveitosa e ficamos satisfeita com a participação da turma, principalmente com a empolgação de alguns poucos alunos nas discussões. Os outros estudantes não participaram, mas foram atenciosos e observaram atentamente os comentários dos demais. 3.4.2 O amor na poesia de Augusto dos Anjos A segunda intervenção aconteceu no dia 26 de outubro de 2010, tendo novamente uma aula de quarenta e cinco minutos (45) de duração. Os objetivos traçados para essa aula foram: 1) conversar sobre a poesia de Augusto dos Anjos (1.1. saber se os alunos contemplaram a revista em casa e quais pontos mais lhes agradaram; 1.2. ver a concepção que os alunos têm sobre o amor na poesia de Augusto dos Anjos); 2) vivenciar a poesia (2.1. ler e apreciar os poemas, cujo tema é o amor; 2.2. estimular os alunos a falarem acerca de suas impressões sobre os poemas); 3) dialogar sobre o tema (3.1. tentar fazer alguma associação entre os poemas lidos; 3.2. observar a recepção dos poemas que tratam do amor; 3.3. desmitificar a ideia de que o poeta não versa sobre o amor). Chegamos à escola pouco antes de começar a aula e, como da outra vez, esperamos a professora para juntas entrarmos na sala. A docente disse aos alunos que mais uma vez ficaríamos com a turma e ressaltou novamente a importância da participação de todos. Os estudantes, por sua vez, desligaram os dois ventiladores e nesse momento ligamos os gravadores. Iniciamos a aula sondando quem tinha lido a revista-antologia em casa. As respostas foram negativas e desanimadoras para nós, fazendo-nos pensar que os alunos não tinham tanto interesse na poesia de Augusto dos Anjos ou que nossa primeira intervenção não tinha sido tão cativante. Pela experiência pessoal que tivemos com essa turma em 2008, ocasião em que fomos professora da classe, sabíamos que ela era um pouco desestimulada, desinteressada e pouco participativa, porém agora esperávamos uma participação mais efetiva da turma, por se tratar de uma aula com metodologia e material didático diferentes. 125 Ficamos um pouco aflita porque nenhuma parte da revista-antologia foi explorada pelos alunos após a nossa aula. Na antologia havia indicações de poemas com o mesmo tema trabalhado durante a aula anterior, dicas de vídeos na internet, de sites sobre a poesia de Augusto dos Anjos e uma matéria sobre o concurso do ―paraibano do século‖, título adquirido pelo poeta através de eleição, mas nada foi explorado. Tentamos utilizar estratégias que pudessem contribuir para um maior conhecimento da poesia augustiana e amadurecimento do leitor, através de recursos como a internet, própria do universo dos adolescentes, mas isso não foi o suficiente para fazê-los trabalhar. A aluna F ainda sugeriu que lêssemos a revista-antologia na sala de aula, mas achamos que pelo pouco tempo determinado para a leitura de três poemas, não seria viável ler naquele instante, já que ela foi planejada para um momento extraclasse. Ainda aproveitamos o ensejo para dizer-lhes que esse trabalho era importante não só para nós, mas mais ainda para eles, pois estavam tendo a oportunidade de ter aulas diferentes e de conhecer novos poemas de Augusto dos Anjos. Dissemos também que tudo que estava sendo exposto nas aulas era de grande importância e fazia parte de uma gama de conteúdos programáticos principalmente dos exames de ingresso às universidades, como os PSS, vestibular e ENEM. Fomos obrigada a salientar esse ponto porque muitos alunos, principalmente do 3º ano do ensino médio, têm a impressão de que os conteúdos escolares somente são relevantes para a preparação do vestibular, sendo assim, o que não tiver relação com esses concursos geralmente não lhes interessa. Se os conteúdos não os favorecerem com algo em troca, como por exemplo, uma nota, eles geralmente não dão tanta importância como deveriam. É evidente que havia outras formas de conscientizá-los quanto à importância do conhecimento dos poemas augustianos, mas como o próprio sistema de ensino no nível médio é baseado na preparação dos alunos para o vestibular, tivemos que apresentar a contribuição do nosso trabalho também para a preparação desses exames. Antes de iniciarmos o momento de motivação para essa aula, investigamos que tipo de impressões os alunos guardaram da experiência passada e sobre os poemas de Augusto dos Anjos que tratavam de Deus. No geral todos acharam bons, pois pelo menos ninguém expressou o contrário. Dos poemas trabalhados na aula anterior, um em especial foi o mais citado. Vejamos qual foi e por quê: 126 Pesquisadora: Daqueles poemas, quais foram os que vocês mais se identificaram, o que mais gostaram? A gente leu: ―Último credo‖, ―Amor e crença‖ e ―Ultima Visio‖. E de qual vocês mais gostaram? Alunos: ―Amor e crença‖. Pesquisadora: ―Amor e crença‖? E por quê? Alguém pode dizer o porquê? Por que vocês se identificaram tanto com aquele? F(F): Porque eu nunca tinha visto um poema de Augusto dos Anjos dessa forma, que ele falava em Deus. Assim... Eu nunca tinha, nunca tinha visto. Aí tipo, tipo é diferente. Pesquisadora: Foi uma surpresa? F(F): Foi Pesquisadora: Foi por causa da linguagem também que vocês se identificaram tanto? G(M): A linguagem também era mais fácil. Não tinha muitas palavras difíceis também. Pesquisadora: Não tinha, né? E foi melhor de compreender? G(M): Foi Como foi exposto, dos três poemas trabalhados na primeira aula, o poema escolhido pelos alunos para demonstrar o de que mais gostaram foi o mais simples na linguagem e no vocabulário; era também o que tratava o tema de forma otimista, e cujo tom era mais aprazível, sendo para eles o mais deleitoso. Já para esta segunda intervenção estava dedicado o tema do amor. Porém, para a motivação ainda relembramos a questão da crença, ressaltando que os estudantes tinham afirmado na aula passada que criam no amor. Dessa forma, conversamos um pouco sobre esse tema, apesar de sentirmos que os alunos ficaram desconfiados, talvez com vergonha de falar sobre esse assunto e se exporem diante da turma, pois muitos pensavam se tratar apenas de amor entre enamorados. Diante do silêncio inicial, perguntamos ao aluno J o que ele achava sobre esse sentimento, já que foi o mesmo que na aula anterior disse-nos acreditar nele. O aluno, em meio à timidez, disse que ―não dá pra se explicar. Eu acho que é assim... Só sentindo mesmo para se explicar‖. Para facilitar, modificamos a pergunta e passamos a questionar o que era amar, e o mesmo aluno J respondeu que ―depende do amar, pois tem o amar de forma sentimental e o amar de forma carnal‖ [grifos nossos]. Nesse momento havia um pouco de barulho e risos, pois eles conversavam entre si, mas não expunham suas ideias sobre o tema. Passamos, então a direcionar a questão do amor para a proposta da aula, tentando envolver a turma com o tema do amor na poesia de Augusto dos Anjos. Nesta ocasião perguntamos se eles achavam que o poeta amava ou amou. Só agora, ao dissertarmos, refletimos sobre o equívoco que cometemos ao perguntar dessa forma, pois se a todo momento estamos tentando separar a personalidade do poeta e a aparente personalidade do eu - lírico de seus 127 poemas, não poderíamos ter feito essa pergunta dessa maneira. Poderíamos ter reformulado nossa questão explicitando a questão do eu - lírico dos poemas, perguntando da seguinte forma: Como é tratado o tema do amor na poesia de Augusto dos Anjos? Dessa forma, os alunos poderiam ter dito que esse tema não é tão tratado pelo poeta, e daí ter corrido a discussão, mas a nossa pergunta foi a seguinte: Pesquisadora: E Augusto dos Anjos? Será que ele amava? Será que ele experimentou o amor? E aí? O que vocês podem me dizer? E Augusto dos Anjos? (silêncio) O que Augusto dos Anjos acha do amor? O que vocês acham que ele acha? Ao perguntarmos dessa forma, os alunos responderam algo sobre o poeta tendo como base os poemas dele. Os poemas não são registros de uma vida pessoal, não são confissões. Neste caso, não importava a experiência pessoal dele com o amor, visto que não pretendíamos interpretar seus poemas pelo viés biográfico, o que pretendíamos era saber como ele demonstrava tratar o amor na sua poesia, mas acabamos fazendo uma pergunta que se referia ao poeta e não à voz poética de seus poemas. É comum muitas vezes ao interpretarmos um poema, mencionarmos o nome do poeta para nos referirmos ao eu - lírico contido nele. Nossa intenção foi essa, mas sentimos que direcionamos para um caminho diferente, porque induzimos os alunos a pensarem no poeta e no eu - lírico como uma pessoa só. Se o eu poético não trata o amor de uma maneira positiva, isso não quer dizer que o poeta tenha uma visão negativa deste sentimento. Se a poesia dele, aos olhos dos desconhecedores, não fala de amor, não quer dizer que ele não amasse ou que tratava o amor com desprezo, por isso preferiu não versar sobre esse tema. Mesmo que em seus versos haja um pouco do seu ―eu‖, eles foram escritos à luz de um momento, no sentido restrito da palavra. Um poeta pode escrever influenciado pela sua tristeza, acabar transferindo sua melancolia para o eu - lírico e tratar o tema sobre o qual está versando com rancor, mas isso não quer dizer que dias depois ele não esteja feliz ou seja uma pessoa feliz. Escrevemos tomados por nossos impulsos, a poesia pode refletir um pouco de nós mesmos, mas nem sempre. Retornando à pergunta que fizemos aos alunos, as respostas, portanto, foram ditas com base no que os alunos pensavam sobre o poeta, como se o eu - lírico e o poeta fossem a mesma pessoa. 128 G(M): Eu acho que ele não amou não. E(M): Eu acho que ele era solitário. Pesquisadora: Você acha que ele era solitário? E por ser solitário, então ele... G(M): Não acreditava no amor. Aluno: Não ama. Pesquisadora: Não ama? Pesquisadora: Pelo jeito que ele fala, assim, pela maneira que ele se expressa nos poemas, você acha o quê? Aluno: Eu acho que ele era muito triste. Pesquisadora: Você acha que por ele ser tão triste... você acha que ele não acreditava no amor? F(F): Ele não foi amado também, por isso ele não ter falado muito no amor. Pesquisadora: Pode ser que isso fosse uma justificativa pra ele ser tão agressivo nas palavras, usar aquela linguagem nos poemas dele? G(M): É. Pesquisadora: Mas vocês já procuraram saber se ele já falou de amor, se tem algum poema dele que fale nisso? Alunos: Não. Pesquisadora: Vocês não procuraram saber, né? Alunos: Não. Vemos que as respostas dos alunos estão baseadas no senso comum, naquilo que eles acham porque ouviram dizer ou deduziram. Em outra ocasião, no questionário de pesquisa, na questão 13, o aluno A1 já tinha antecipado sua opinião sobre esse assunto e escreveu ―Que ele não falava muito de amor...‖. Para os alunos, a ausência do amor na poesia de Augusto dos Anjos é decorrente de uma má experiência que o poeta poderia ter tido. Como não pretendíamos dar uma aula explicativa e por nosso tempo ter sido limitado, não quisemos quebrar o roteiro da aula para falarmos sobre a biografia do poeta e dizer para os alunos que o poeta amou, casou e foi pai, ou seja, provou do amor de várias formas. Para não haver precipitação de leitura, entregamos a revista-antologia após a motivação. Um de nossos objetivos traçados para essa aula era refletir sobre a ideia de que os poemas augustianos não falam de amor porque o poeta não acredita nesse sentimento. Sendo assim, levamos poemas que abordavam o amor de maneiras diferentes para que eles refletissem sobre esse ponto. A princípio, destacamos o título do poema ―Idealismo‖ e questionamos acerca do seu significado, o qual o aluno G disse ser: ―idealizar, projetar, criar seu modelo perfeito e ideal‖. Depois do estudo do título, mais uma vez a aluna S leu o poema para a turma. 129 Idealismo Falas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor da Humanidade é uma mentira. É. E é por isto que na minha lira De amores fúteis poucas vezes falo. O amor! Quando virei por fim a amá-lo?! Quando, se o amor que a Humanidade inspira É o amor do sibarita e da hetaíra, De Messalina e de Sardanapalo?! Pois é mister que, para o amor sagrado, O mundo fique imaterializado - Alavanca desviada do seu fulcro — E haja só amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulcro para o teu sepulcro?! (ANJOS, 1994, p. 229) Em seguida realizamos mais uma leitura oral em conjunto. O tratamento dado a esse poema era muito próximo do que os alunos tinham dito sobre a poesia de Augusto dos Anjos no início da aula, pois demonstrava aparentemente um eu - lírico revoltado, que não amava. Após a segunda leitura, imediatamente os alunos disseram que realmente ele não acreditava no amor. Vejamos: Pesquisadora: E aí, gente, o que vocês acharam do poema? G(M): Ele não acredita no amor, ele não acredita no amor. Pesquisadora: É chocante ou não? Alunos: É Pesquisadora: Depois dessa leitura, o que vocês acham? Ele acredita ou não no amor? Alunos: Não. Era o momento de interpretar o poema. Diante da afirmação de alguns alunos sobre a descrença do poeta no amor, eles mesmos começaram a buscar dentro do poema elementos para confirmar isso: Pesquisadora: Ele não acredita no amor. Agora me digam por quê? G(M): Porque ele acha que a humanidade é mentirosa, só pensa em si e não nos outros e por isso ele acha que o amor não existe, só amizade. Ele também acha que só haja amizade verdadeira depois da morte. Quando você passa para o outro mundo, você não pode mais falar de ninguém. E(M): Eu acho que nesse poema ele demonstra amor, tá idealizando uma mulher perfeita. Pesquisadora: Você acha que ele idealizou uma mulher aí? 130 E(M): É, só que ele não consegue definir as características que pra ele seria de uma mulher ideal. Pesquisadora: Mas em qual momento você acha que ele deixa transparecer que está idealizando uma mulher? Em que momento? E(M): Quando... Na última estrofe quando ele diz que ―O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!‖ Depois ele vai falar do Sibarita, da Hetaíra... Pesquisadora: Vocês sabem o que sibarita, hetaíra, vocês viram o que é aí? Aluno: Sim. Pesquisadora: Então você falou que ele idealiza uma mulher. Mas seria qualquer mulher? Não, né? E(M): Só que nesse texto ele dá características ao contrário de quem ele não queria. G(M): Como o da Messalina, que ama só por interesse. S(F): No caso, como se ela amasse só por interesse, porque primeiro, ela ama, assim... só por alguma coisa, né. Aí seria uma forma de amor por interesse, não existisse pra ele amor verdadeiro, como ele diz na última estrofe. Pesquisadora: Não existe pra ele amor verdadeiro, existe o quê pra ele verdadeiro? Alunos: Interesse. S(F): Porque ó... ―O amor, quando virei por fim a amá-lo?‖ Ele acredita no amor, mas diz que ―o amor da humanidade é uma mentira‖, então é assim, quase todo mundo ama por algum interesse. Ao final da discussão desse poema, os alunos reviram suas opiniões sobre a crença do poeta no amor e chegaram a um consenso de que o poeta acreditava nesse sentimento, mas sendo verdadeiro, considerado por ele como o amor sagrado. Para os alunos, toda revolta com a qual ele escrevia era para criticar o amor falso e egocêntrico. Ainda a respeito do poema, para o aluno G, o amor carnal era um amor falso, mentiroso, desacreditado pelo poeta, pois segundo o seu pensamento, Augusto ―só via isso como se fosse um horror‖. Entretanto, quando questionamos se eles consideravam o amor carnal, um tipo de amor verdadeiro, alguns responderam, entre risos, que sim. De maneira geral, os alunos consideraram o tom desse poema pessimista e o amor demonstrado pelo poeta também, como afirmou G, na passagem abaixo: Pesquisadora: Agora vejam só, vocês acham que o tom desse poema é um tom pessimista ou otimista? Alunos: pessimista. Pesquisadora: Pessimista? Por quê? G(M): Em relação à humanidade, sim. E(M): É, em relação à humanidade. Pesquisadora: Você acha que ele deixa transparecer aqui o amor de forma pessimista, é isso? G(M): É. Pesquisadora: Você pode exemplificar alguma coisa? E(M): Na segunda estrofe deixa claramente isso, quando ele fala do amor que a humanidade sente. 131 De acordo com os alunos G(M) e E(M), o poeta tem uma visão pessimista sobre o tipo de amor que a humanidade sente, pois segundo E(M), ele a deixa transparecer na segunda estrofe quando compara o amor que a humanidade sente com o amor do Sibarita, da Hetaíra, Messalina e Sardanapalo, termos que em síntese se referem a prostitutas. Concluída a discussão de ―Idealismo‖, pedimos para que alguém se oferecesse para ler o poema ―Ideal‖, pois sempre quem lia era a mesma aluna, S(F). J(M), então, leu o poema para a turma. Ideal Quero-te assim, formosa entre as formosas, No olhar d'amor a mística fulgência E o misticismo cândido das rosas, Plena de graça, santa de inocência! Anjo de luz de astral aurifulgência, Etéreo como as Willis vaporosas, Embaladas no albor da adolescência, - Virgens filhas das virgens nebulosas! Quero-te assim, formosa, entre esplendores, Colmado o seio de virentes flores, A alma diluída em etereais cismares... Quero-te assim... e que bendita sejas Como as aras sagradas das igrejas, Como o Cristo sagrado dos altares! (ANJOS, 1994, p. 426) Após a leitura, os alunos comentaram que tinham achado esse poema bastante diferente do anterior, porque neste o poeta estava versando claramente sobre uma mulher. Ao perguntar-lhes sobre qual seria a mulher ideal para o eu – lírico, as respostas foram as seguintes: Aluna: Bondosa. G(M): Inocente. J(M): Delicada. Na concepção dos alunos, esse poema tem um tom mais romântico, logo o tratamento do amor descrito nele é otimista, contrário ao que é exposto em ―Idealismo‖. Contudo, o aluno G teve uma visão um pouco diferente da maioria dos alunos, pois segundo ele esse poema não é todo romântico, já que também 132 apresenta momentos de erotismo, expressos na terceira estrofe. O aluno G considerou esses versos eróticos porque a voz poética fala sobre os seios da amada. De acordo com o aluno E, o eu poético deseja a mulher por ele cultuada. Segundo alguns alunos, neste poema há uma ponte entre o amor espiritual e o carnal, contida no paradoxo expresso nos sentimentos do eu – lírico, que ao mesmo tempo que deseja a mulher amada, quer cultuá-la nos altares da igreja, demonstrando simultaneamente desejo e pureza de seus sentimentos. Uma aluna, tomada ainda pelo contexto do poema anterior em que o poeta demonstrava valorizar o amor espiritual em detrimento do amor egoísta que a humanidade inspira, disse que o eu - lírico idealiza uma mulher ―santa‖, logo não a deseja, já que a quer nos altares como o Cristo. Além disso, a aluna destacou palavras do texto para confirmar sua opinião, tais como ―santa de inocência‖, ―virgem‖ e ―bendita‖. A discussão ainda continuou, mas não conseguimos transcrever o confronto entre a opinião dos alunos, por causa do áudio baixo dos gravadores. Lembramos que eles não chegaram a um consenso sobre o romantismo e o erotismo no poema, ou seja, se a mulher idealizada pelo eu poético era ou não desejada por ele. Por motivos de escassez de tempo, tivemos que passar para o próximo poema. Sendo assim, lemos sozinha ―Quadras‖, pois faríamos uma leitura mais rápida. Entretanto, no meio da leitura, fomos interrompidos pelo professor de biologia, que de repente apareceu na porta da sala de aula para avisar aos alunos a recuperação das notas de sua disciplina. Depois disso, iniciamos novamente a leitura do poema. Quadras Embala-me em teus braços, De amores bons à sombra Quero em cheirosa alfombra Pousar os sonhos lassos! Teus seios, oh! morena - Relíquias de Carrara Têm a ambrosia rara Da mais rara verbena. Aperta-me em teu peito, E dá-me assim, divina, De lírios e bonina Um veludíneo leito. Assim como Jesus, Eu quero o meu Calvário 133 - Anelo morrer vário Dos braços teus na Cruz! Por que não me confortas?! Bem sei, perdeste a olência, Morreu-te a redolência, Alma das virgens mortas Mas não! Apaga os traços De tão funéreo aspeito... Aperta-me em teu peito, Embala-me em teus braços! (ANJOS, 1994, p. 425) Neste poema foi imediatamente destacado pelos alunos o erotismo, considerado por eles mais forte do que no texto lido anteriormente. Perguntados sobre em qual parte do texto há resquícios do amor erótico, o aluno G destacou a segunda estrofe, em que o eu - lírico, assim como no segundo poema, fala da beleza dos seios da amada. O aluno ainda destacou a comparação entre os seios da mulher e a ambrosia, cujo significado ele mesmo conhecia, como a bebida atribuída aos deuses. Para ele, ambos enfeitiçavam o eu poético. O aluno E complementou a colocação de G(M), mas não conseguimos decifrar o que ele mencionou, mais uma vez pelo problema apresentado no áudio dos gravadores. Nesse poema, assim como no outro, ainda foi destacada a comparação com um ser divino, porém aqui o eu - lírico é que se compara a Jesus e anseia na mulher amada o seu calvário, bem lembrado por G(M), como o lugar onde Este foi crucificado. Ao questionarmos o motivo pelo qual a voz poética anseia ter a mulher como o seu calvário, o mesmo aluno disse que era porque é nele que se obtém a salvação, enquanto outro aluno, cuja voz não identificamos, retrucou que era simplesmente porque ele queria morrer. Essas duas informações foram pertinentes para refletirmos sobre a interpretação do poema. Perguntamos a este último aluno se o eu - lírico queria morrer fisicamente ou se isso era apenas uma metáfora. Ele opinou ser uma metáfora, mas não justificou. O aluno G, então, disse que na verdade o eu poético queria unicamente ficar nos braços da amada. Retomando o pensamento do aluno G, em que ele mencionou o fato da salvação no calvário, a aluna F complementou dizendo que lá também foi o lugar onde o Cristo ressuscitou. De posse dessas afirmações, quisemos induzir a turma a pensar na possibilidade de o eu - lírico querer entregar-se totalmente à mulher, e naquela relação de amor, ter sua ―morte‖, 134 visto que o ato sexual é muitas vezes considerado corrompido, e a partir dele ter sua redenção, para que no ápice daquele sacrifício carnal, aquele ato transcendesse ao amor espiritual. A mulher, em seu corpo, pode ser fonte de sacrifício, que desperta desejos no eu - lírico, mas também de salvação, que o conforta e acalenta. Não prolongamos a discussão, pois havíamos planejado desde a primeira intervenção pedir no final das aulas comentários dos alunos por escrito acerca do que foi trabalhado em sala para expor nas próximas edições da revista-antologia. Essa estratégia nos permitiria ter um conhecimento mais conciso sobre como foi a recepção dos poemas pela turma e avaliá-la. Como não administramos bem nosso tempo na aula anterior, não foi possível ter o registro por escrito da recepção dos alunos acerca dos poemas de Augusto dos Anjos que contemplavam a figura de Deus. Nesta aula, reservamos os cinco últimos minutos para que os alunos se dedicassem à composição de bilhetes em que eles relatariam resumidamente as suas impressões sobre os poemas apresentados nas duas aulas e que seriam recolhidos por nós. Terminada a atividade, o sinal para o recreio tocou. Ficamos ainda na sala recolhendo os papéis e, nesse momento, a aluna S perguntou-nos se Augusto dos Anjos tinha sido casado. Notamos que como a aula foi dedicada ao tema do amor, e muito das interpretações dos alunos estavam relacionadas diretamente à vida pessoal do poeta, muitos julgaram a ausência desse tema em sua poesia ser decorrente de experiências insatisfatórias. Sendo assim, muitos o consideraram uma pessoa frustrada. A aluna, considerando que as respostas dadas pelos colegas foram baseadas no senso comum, indagou-nos sobre isso. Então, dissemos a ela que o poeta tinha tido uma vida normal, que se casara, tivera filhos, e que segundo consta em alguns livros sobre a sua biografia, ele amara muito sua esposa. A dúvida apresentada pela aluna fez-nos pensar numa dinâmica para a próxima edição da revista-antologia. Ao planejarmos o material a ser trabalhado, preparamos para a próxima revista o espaço para a dinâmica ―Você conhece?‖, em que publicamos fotos da família de Augusto: sua mãe, seu pai, sua esposa e uma foto sua quando criança. Não colocamos o nome de ambos, pois o objetivo dessa dinâmica era que eles adivinhassem quem eram aquelas pessoas e de que forma faziam parte da vida do poeta. Como a revista deveria ser lida em casa, e não 135 tínhamos como tirar as dúvidas dos alunos, colocamos as respostas em letras pequeníssimas e invertidas no final da revista. Enfim, consideramos essa segunda intervenção muito proveitosa. Mais uma vez os alunos participaram, empolgaram-se nas discussões, comentaram suas impressões a respeito dos poemas, contribuíram efetivamente para um momento de partilha e interpretação das leituras. 3.4.3 A esperança na poesia de Augusto dos Anjos Na semana após a segunda intervenção a professora da turma só teria aula na quarta-feira devido ao feriado na terça-feira, dia de finados, sendo ponto facultativo na segunda. Na quinta-feira era o dia de folga dela e na sexta-feira o prédio seria interditado em preparação para o ENEM. Devido a isso, a professora iria fazer revisões com os alunos para a prova do ENEM na única aula da semana. Então julgamos melhor deixar a intervenção para quinze dias depois da segunda intervenção, dia 09 de novembro de 2010. Na data combinada fomos à escola, em um dia de terça-feira, mas lá nos disseram que a professora tinha precisado sair e que nós entrássemos em contato com ela novamente para marcarmos uma nova data56. Três semanas após a segunda intervenção pudemos realizar nossa última aula, no dia 16 de novembro. Encontramos a professora, porém dessa vez entramos na sala de aula sozinha. Havia poucos estudantes em sala, pois cerca de quinze faltaram. Uma aluna nos disse que o motivo da ausência de tantas pessoas era o feriado do dia anterior, 15 de novembro, proclamação da república. Nesse dia faltaram dois dos alunos mais participativos nos nossos encontros, G(M) e E(M). Iniciamos retomando a aula anterior e perguntando o que eles tinham achado dos poemas trabalhados, cujo tema tratava do amor. Depois de perdurar o silêncio, dirigimo-nos a algumas alunas, L e M, que consideraram os poemas bons. 56 Na verdade a professora tinha a terceira aula na turma do 3º ano e como a sua segunda aula era vaga, ela precisou sair nesse intervalo, mas deixou o recado para que nós entrássemos na sala sozinha e ministrássemos a nossa aula. Por falta de entendimento, uma docente nos disse que a professora titular da turma tinha saído e nós a procurássemos em outro momento para marcar um novo dia. Ainda cogitamos a possibilidade de entrarmos na sala de aula para dar continuidade à nossa intervenção, pois já estava marcada, mas a docente que nos atendeu disse-nos que iria dar sua aula naquele horário para liberar os alunos mais cedo naquele dia. 136 Novamente perguntamos se dessa vez eles tinham lido a revista-antologia. Somente a aluna S confessou ter lido e procurado alguns poemas de Augusto dos Anjos que tratavam do amor. A aluna encontrou dois poemas: ―Canto íntimo‖ e ―Versos de amor‖ (ver poemas em anexo, nas páginas 201 e 204), dos quais somente o último estava entre os indicados na seção ―Leia+‖, contida na revistaantologia. A aluna, então, leu para a turma somente as estrofes que mais lhe chamaram a atenção nos dois poemas. Ela afirmou ter gostado deles, e comentou baseada em ―Canto íntimo‖ que ―ele (o poeta) realmente sofreu alguma coisa, que abriu feridas no coração dele, que fez com que ele ficasse desiludido, sem esperança‖. Perguntamos para os alunos de quais poemas trabalhados na aula anterior eles mais tinham gostado. A aluna R respondeu: R(F): Não sei não, eu gostei de todos três. Eles são bem diferentes. Pesquisadora: Sim, são três poemas diferentes, que abordam o amor de tipos diferentes, de maneiras diferentes. R(F): Ele se posiciona de forma diferente, entendeu? (não dá para entender) E nesses três poemas ele falou sobre o mesmo tema do amor de maneira diferente, um ressaltando o erotismo e o outro mais romântico. Ao entregarmos a terceira edição da revista-antologia para a turma, os alunos ficaram empolgados com os comentários que alguns fizeram sobre as aulas, os quais estavam expostos na revista. Eles fizeram o maior alvoroço e durante alguns minutos ficaram lendo os comentários dos colegas na aula, porém pedimos que fizessem isso em outro momento. Destacaremos agora os comentários dos alunos sobre as duas intervenções anteriores, antes de prosseguirmos com a descrição dessa última aula57. ―Augusto dos Anjos é como uma caixinha de surpresas que a cada aula estamos descobrindo algo novo da história desse homem fascinante‖ – S(F) ―A poesia de Augusto dos Anjos é marcada por muito pessimismo e melancolia, mas ilustra muito bem como ele se sentia, como ele via o mundo e a realidade‖ – E(M) ―Estudar Augusto dos Anjos é um imensurável prazer, pois assim aprendemos sobre esse poeta de bastante importância para os paraibanos. Infelizmente o tempo foi incipiente, mesmo assim conseguimos absorver quase tudo que foi dado e discutido em sala‖ – J(M) 57 Os papéis originais com a escrita dos alunos encontram-se no Anexo B. 137 ―Momento de descontração e aprofundamento para com os poemas de Augusto dos Anjos‖ – JL(F) ―As aulas foram fundamentais para nos ajudar a formar um entendimento melhor sobre Augusto dos Anjos, formular novas idéias, ―abrindo‖ assim a nossa mente e melhorando o nosso desenvolvimento pedagógico‖ – G(M) ―Gostei muito desses momentos de discussões sobre o tão ilustre poeta paraibano. Melhor seria se houvesse mais momentos assim, que enriquecessem nosso espírito, até porque é com a poesia que nos conhecemos melhor‖ - R(F) ―Muito boa a experiência de poder conhecer mais sobre a vida e os poemas de Augusto dos Anjos‖ – A(F) ―Gostei bastante pois aprendi várias coisas novas sobre Augusto dos Anjos, vi também novos poemas do mesmo que nunca teria visto e tirei a impressão dele com o melancolismo e que ele acredita no amor e em Deus‖ – F(F) ―Aprendi muito com esses momentos, fiquei mais interessada pelos poemas de Augusto dos Anjos‖ – JK(F) ―Gostei muito de tudo! Gostaria de ler + poemas dele‖ – JN(F) ―Depois dessas aulas passei a me interessar mais por outros tipos de poesia, não só a romântica... Gostei muito dessa experiência!‖ – ML(F) Nem todos os alunos quiseram escrever comentários, talvez por preferirem não se expor, já que foi avisado para a turma que os comentários seriam inseridos na revista-antologia da nossa terceira aula. Os comentários deixaram-nos satisfeita com a realização da intervenção na turma, pois quer queira ou não, não deixaram de ser uma avaliação dos alunos acerca da nossa proposta. Pelos comentários, pudemos perceber que eles gostaram dos momentos de leitura e discussão dos poemas, a exemplo de R(F), que comentou que seria bom se houvesse outros momentos assim, que se trabalhasse a poesia de maneira mais efetiva. O comentário de F(F) demonstra a importância desses momentos para a reflexão acerca de uma poesia que aparentemente não trata de amor, de Deus e da esperança, enfim, da face otimista. Os relatos de ML(F) e JN(F) mostraram-nos que nossos objetivos foram alcançados, pois elas admitiram que passaram a se interessar pela poesia augustiana e que gostariam de ler mais poemas de Augusto dos Anjos. Para essa aula havíamos preparado o momento de motivação, mas acabou passando despercebida e não foi feita. Apenas lembramos as características da poesia de Augusto dos Anjos apontadas pelos alunos na primeira aula: pessimismo e melancolia, para que a partir dos três poemas que seriam lidos na aula, eles 138 pudessem refletir sobre essas características da poesia augustiana. O primeiro poema lido por nós foi ―Eterna mágoa‖. Eterna mágoa O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do Mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se apaga! Não crê em nada, pois, nada há que traga Consolo à Mágoa, a que só ele assiste. Quer resistir, e quanto mais resiste Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga. Sabe que sofre, mas o que não sabe E que essa mágoa infinda assim não cabe Na sua vida, é que essa mágoa infinda Transpõe a vida do seu corpo inerme; E quando esse homem se transforma em verme É essa mágoa que o acompanha ainda! (ANJOS, 1994, p. 290) Na concepção dos alunos esse poema tem um tom triste, explícito principalmente no último verso, quando o eu - lírico afirma que a mágoa eterna acompanha o ser - humano mesmo depois da morte. Para eles, nesse poema, o eu poético mostra-se melancólico e pessimista ante a vida, descrente e sofredor. O aluno J complementou que para o eu - lírico essa tristeza não tem fim. Uma aluna, cuja voz não conseguimos identificar na gravação, disse que o poeta só vê tristeza nesse poema. Outra aluna, S, achou que ele já era conformado com aquela situação. Vimos que algumas respostas dos alunos, com base no texto, se referiam ao poeta Augusto dos Anjos e não ao eu - lírico do poema, por isso questionamos se quem está expondo a sua dor no poema era realmente o poeta ou o eu - poético. Pesquisadora: É o Augusto, é o Augusto dos Anjos que tá mostrando as suas dores aqui ou não? J(M): Não. Pesquisadora: Não? Por quê? A(F): Ele tá demonstrando as dores do homem e não só dele. 139 A aluna F bem destacou o caráter universal da poesia de Augusto dos Anjos, que remete às dores não somente do homem particular, mas de todos os homens. Os alunos sabiam que se tratava do eu - lírico do poema, mas constantemente se referiam a ele como o poeta, por isso é oportuno esclarecer que a palavra ―poeta‖, usado em alguns momentos deste trabalho, sobretudo na interpretação dos poemas no 3º capítulo, não se refere ao autor do Eu. Por ―poeta‖, entenda-se, em determinados momentos, o eu - lírico de seus poemas. Nessa aula sentimo-nos obrigada a falar mais, pois como tinham faltado dois dos alunos mais participativos, o silêncio perdurava na aula por mais tempo. Depois de questionarmos e provocarmos a turma, e não obtermos nenhuma resposta, pois todos ficavam em silêncio e não respondiam, passamos para a leitura de ―Soneto‖. Pedimos para alguém ler o poema e a aluna A leu para a turma. Soneto O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha Santíssima Trindade da Ventura, Pode ser venturosa a criatura Que não crê, que não ama e que não sonha?! Pois a alma acostumada a ser tristonha Pode achar por acaso ou porventura Felicidade numa sepultura, Contentamento numa dor medonha?! Há muito tempo, o sonho, do meu seio Partiu num célere arrebatamento De minha crença arrebentando a grade, Pois se eu não amo e se também não creio De onde me vem este contentamento, De onde me vem esta felicidade?! (ANJOS, 1994, p. 465) Depois da leitura da aluna, lemos outra vez, todos juntos. Segundo alguns alunos esse poema se mostrou alegre e otimista. O aluno J gostou do poema e fez alguns comentários, que não deciframos através do áudio dos gravadores. O aluno ainda destacou os últimos versos das estrofes 1, 2 e 3, e notou que o uso dos pontos de interrogação e exclamação ressaltam a todo momento a dúvida do eu lírico, que se questiona, questiona o leitor e ao mesmo tempo se admira, como se ele mesmo desse as respostas, por sinal, positivas. 140 A discussão sobre esse poema se concentrou na tríade da felicidade, composta, segundo o poema, pelo sonho, pela crença e pelo amor. Para o eu poético, para ser feliz é preciso viver da combinação desses três elementos. Dessa forma, indagamos os alunos sobre o pensamento exposto por ele. As alunas F e S debateram essa parte do texto, mas mais uma vez não pudemos decifrar o que foi dito por elas. Em todas as nossas intervenções usamos dois mp3 para gravar as aulas, porém nesse dia um deles deu defeito e não gravou absolutamente nada. Utilizamos, então, somente um, e pelo fato de os alunos falarem baixo, muito do que foi discutido ficou impossibilitado de ser transcrito. Questionamos os alunos de onde pode vir a felicidade do eu - lírico, se ele mesmo diz que é preciso crer, sonhar e amar, entretanto não ama e não crê. O aluno J alegou que a felicidade do eu poético vem do sonho, pois no poema ele não deixa claro que é preciso para ser feliz ter os três elementos em conjunto ou se é preciso ter apenas um dos três elementos. Neste caso, se ele apenas sonha isso já é o bastante para ser feliz. Concluída a discussão sobre ―Soneto‖, passamos para a leitura de ― À caridade‖. Para esse momento achamos interessante a leitura em si compartilhada, então pedimos que cada aluno se dispusesse a ler uma estrofe. S(F), A(F), R(F), J(M) e F(F) leram o poema. À caridade No universo, a caridade, Em contraste ao vício infando, É como um astro brilhando Sobre a dor da humanidade! Nos mais sombrios horrores Por entre a mágoa nefasta A Caridade se arrasta Toda coberta de flores! Semeadora de carinhos, Ela abre todas as portas E no horror das horas mortas Vem beijar os pobrezinhos. Torna as tormentas mais calmas, Ouve o soluço do mundo E dentro do amor profundo Abrange todas as almas. O céu de estrela se veste 141 E em fluidos de misticismo Vibra no nosso organismo Em sentimento celeste. A alegria mais acesa Nossas cabeças invade... Gloria, pois à Caridade No seio da natureza! ESTRIBILHO Cantemos todos os anos Na festa da Caridade A solidariedade Dos sentimentos humanos. (ANJOS, 1994, p. 491) Nossa primeira pergunta foi acerca das imagens que o poema evoca e a riqueza de metáforas. Ao sondarmos os alunos sobre o significado da caridade, a aluna S afirmou se tratar do amor. De acordo com J(M), esse poema tem um tom otimista e para ele, o eu - lírico demonstra um sentimento de esperança na terceira estrofe. Semeadora de carinhos, Ela abre todas as portas E no horror das horas mortas Vem beijar os pobrezinhos. Muito ainda foi discutido sobre esse poema, mas não pudemos transcrever por causa do baixo áudio do gravador. Por fim, os alunos J(M) e S(F) falaram sobre a experiência vivida durante as três intervenções sobre a outra face da poesia de Augusto dos Anjos, mas também não conseguimos decifrar o que foi dito por eles. Para os alunos, essas aulas contribuíram bastante. O aluno J disse: J(M): A partir das aulas que Verucci deu a gente compreendeu mais que ele não era tão pessimista, mas que também via o mundo de outras maneiras (não dá para entender o restante). Pesquisadora: Se... por acaso, se não tivesse havido essas intervenções que eu fiz aqui com vocês mostrando outros poemas, vocês iriam continuar com aquela visão de que ele só falava em pessimismo, melancolia? S(F): Com certeza. Após essa conversa desligamos o gravador, agradecemos à turma pela participação na pesquisa e desejamos votos de sucesso a todos nas provas do 142 vestibular que estavam por acontecer naquela mesma semana. Assim, despedimonos da turma. Consideramos nossas aulas muito significativas para nós e para os alunos também. Temos consciência de que o tempo dedicado a cada intervenção foi muito restrito para a leitura e discussão de três poemas. Por isso muito do que foi planejado não foi feito. Porém, foi o número de aulas que nos foi permitido trabalhar. É evidente que se tivéssemos tido a oportunidade de termos mais aulas disponíveis para a realização da nossa intervenção, teríamos aprofundado a leitura, sobretudo na questão da análise literária. Nossa metodologia foi muito importante para o nosso trabalho, pois a partir da leitura e discussão dos textos, pudemos apresentar aos alunos uma gama de poemas da face otimista de Augusto dos Anjos. Ela também deu oportunidade de os alunos exporem suas opiniões, interagirem conosco e, sobretudo, fruírem os textos. Há também muitas falhas em nosso trabalho como a questão da análise, que não foi explorada, visto que priorizamos a interpretação, discussão e comentários dos alunos, ou seja, a partilha da leitura. Os recursos utilizados para a gravação das aulas também apresentaram alguns problemas, pois não captaram bem as falas dos alunos e inclusive um mp3 apresentou defeito na última intervenção. Enfim, acertos e erros fazem parte da prática docente. Todavia, o mais importante disso é poder refletir e melhorar cada dia mais. 143 CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de elencarmos a importância e as principais contribuições do nosso trabalho para a crítica e para o ensino, reconhecemos que o percurso que trilhamos neste trabalho foi desafiador, pois andar por caminhos pouco explorados necessitava conhecê-lo bem. A leitura atenta da lírica completa de Augusto dos Anjos, compreendida nas obras Eu, Outras Poesias, Poemas esquecidos e Versos de circunstâncias, mostrou-nos, através de um número considerável de composições escritas com viés otimista, um poeta diferente do que vem sendo propagado pela crítica e pelos livros didáticos. Os primeiros leitores da poesia de Augusto dos Anjos, conhecedores especificamente do Eu, logo notaram a ausência de otimismo em seus poemas, porém rastreando os ensaios que compõem parte da fortuna crítica do poeta, organizada por Alexei Bueno (1994), encontramos textos datados entre 1928 e 1964, ou seja, depois da edição do Eu, Outras Poesias e Poemas esquecidos em 1928, em que quase nada é explorado sobre essa outra face. Somente a partir de 1962, novos leitores, conhecedores de uma gama de poemas quase inéditos, abriram outras perspectivas acerca da lírica augustiana. Esses trabalhos inaugurais como os livros de Humberto Nóbrega (1962), Ademar Vidal (1967) e Raimundo Magalhães Jr (1978), que voltaram o foco para a poesia de cunho otimista do paraibano, abriram caminhos para que se pudessem ter diferentes olhares sobre a lírica do poeta. Embora a denominação ―face otimista‖ não tenha sido utilizada por nenhum desses escritores, eles dedicaram estudos para mostrar o lado alegre, esperançoso, amoroso e religioso de Augusto dos Anjos e sua poesia. Os trabalhos pioneiros desses autores, apesar de não se deterem na parte crítica e serem constituídos como obras biográficas, foram de fundamental importância para a nossa pesquisa porque condicionada à biografia há comentários pertinentes sobre um corpus considerável de poemas, que tratam, sobretudo, de temas diferentes do habitual pessimismo, cientificismo e melancolia. Na verdade, a biografia nesses livros serve como ponto de apoio para a interpretação dos poemas. Dessa forma, alguns autores narram momentos que demonstram que o poeta era alegre e feliz ao passo que mostram poemas que expressam esperança, alegria e contentamento; apontam dados que comprovam que o poeta era crente e logo após 144 apresentam poemas com cunho religioso; fazem especulações de como foi a vida amorosa do poeta e depois exemplificam com poemas que falam de amor. A fim de trilhar na dissertação um diálogo entre a crítica e o ensino, a consulta a livros didáticos de literatura do ensino médio e a intervenção em uma turma de 3º ano do ensino médio constituíram peças fundamentais e complementares desse trabalho. Com a função de contribuir com o ensino de literatura, nossa pesquisa envolveu etapas e processos muito importantes: observar a concepção de ensino da lírica augustiana nos livros didáticos com o intuito de saber como a poesia de Augusto dos Anjos é levada à escola e apresentada aos alunos; e levar para a sala de aula os poemas da face otimista de Augusto dos Anjos, quer os alunos já a conhecessem, quer não. Consideramos alguns pontos favoráveis para a construção do saber e outros restritos para esse processo, encontrados nos livros didáticos do nosso corpus. As análises nos permitiram perceber que não havia menção à face otimista da poesia de Augusto dos Anjos. Pelo contrário, havia a negação dessa face, com afirmações de que o poeta não acreditava em Deus, no amor e na esperança e que por isso não havia versado sobre esses temas. Isso, para nós, constituiu um ponto restritivo, pois o paradigma interpretativo considerado pelos manuais didáticos, o qual prestigia o cientificismo, o pessimismo e a melancolia, e exclui outras fontes, não dá conta da complexidade da poesia augustiana. Outro problema apresentado pelos livros didáticos diz respeito à repetição dos mesmos poemas canônicos do poeta, pertencentes ao Eu, sem haver diversidade temática. A falta de algumas indicações sobre a obra lírica completa de Augusto dos Anjos também constitui um problema que só pode ser contornado com o auxílio do professor. Nos manuais didáticos o Eu é a obra mais citada, por ser considerada a mais importante, além de ter sido a única obra publicada pelo poeta ainda vivo. As obras publicadas após sua morte pouco foram citadas, enquanto alguns livros não citaram nenhuma referência de leitura. A recorrência às mesmas características da poesia augustiana e a repetição dos mesmos poemas preconizados nos manuais didáticos são também pontos que restringem a imagem do poeta, o conceito de sua lírica e a visão do leitor, se aceitas sem reflexão e sem uma leitura atenta que contemple as diversas faces do poeta. Os exercícios propostos nos livros não contribuem efetivamente para a formação crítica do leitor, pois visam muito mais à mera interpretação e à revisão gramatical. 145 Um ponto construtivo encontrado nos livros didáticos é o trabalho com o dialogismo na literatura presente em alguns manuais. O dialogismo, conceito empregado por Bakhtin, porém adaptado por Cereja, é utilizado aqui para referir-se ao diálogo entre textos literários ou entre textos e outros tipos de linguagem, e também pode representar um modelo de aula centrado no diálogo entre professor e alunos. Entre os livros consultados, apenas alguns se preocuparam em fugir do modelo em que se encontram, e uma das formas de inovar foi explorar o dialógico, apresentando uma ponte ligando a poesia de Augusto dos Anjos a outras fontes baseadas em sua obra. Enfim, acreditamos que o modelo dos manuais didáticos poderia ser revisto, e as outras faces da poesia de Augusto dos Anjos reconsideradas para assim contribuir para uma concepção mais crítica do aluno, bem como à formação de leitores admiradores da sua poesia. Todavia, enquanto isso não acontece, as limitações desse instrumento pautadas na repetição dos mesmos poemas, dos mesmos traços de linguagem e de percepção que figuram na obra do poeta podem ser revertidas com a atuação do professor, que é o principal responsável pela apresentação da poesia augustiana em sala de aula. A experiência de leitura com a poesia de Augusto dos Anjos em sala de aula foi peça importante do nosso trabalho, pois através dela pudemos ampliar o repertório de leitura dos alunos e observar a recepção dos poemas. Para que essa experiência fosse concretizada a observação inicial das aulas da professora titular sobre Augusto dos Anjos e as respostas dos alunos obtidas através do questionário de sondagem foram de fundamental importância, pois esses elementos nos possibilitaram elaborar aulas que condissessem com a nossa proposta e com as expectativas dos discentes. As atividades foram elaboradas tentando simultaneamente atender e romper os horizontes de expectativas dos alunos. Nessa perspectiva, atendemos quando levamos para a sala de aula a revista-antologia e rompemos quando levamos os poemas da face otimista. Além disso, as atividades propunham criar um laço estreito entre o possível leitor e a leitura literária. Quando falamos em criar um laço entre o leitor e a leitura, referimo-nos especialmente à metodologia utilizada nas nossas aulas, que privilegiaram a leitura compartilhada de poemas de Augusto dos Anjos, criando condições metodológicas para os discentes lerem, apreciarem e discutirem 146 em conjunto, diferente do método tradicional de aulas de literatura que comumente explora a mera exposição de textos; e quando não, apenas os menciona. Os comentários nascidos das discussões dos alunos foram de extrema importância para o nosso trabalho. Ao reconhecermos que o foco de nossas aulas era a leitura literária e que o leitor estava no centro do processo de leitura, constatamos que cada comentário feito por eles correspondia a uma peça de um quebra-cabeça chamado interpretação, e que a participação de todos era essencial para se descobrir os mistérios desse jogo. Enfim, a experiência foi muito enriquecedora para nós e para os alunos, pois durante a aula, eles tiveram a oportunidade de discutir, dialogar, expor suas impressões sobre a poesia augustiana, ou seja, vivenciar a leitura dos textos com fruição. Embora alguns discentes tenham permanecido em silêncio, sabemos que o simples contato com esses poemas foi proveitoso também para eles, pois puderam conhecer o outro viés da poesia de Augusto dos Anjos e aprender muito do que foi discutido em sala, já que se mantiveram atentos aos comentários dos colegas. A experiência também foi proveitosa para nós porque nos possibilitou trocarmos impressões sobre a leitura e interpretação dos poemas. Foram momentos de partilha que nos fizeram crescer muito acadêmica e pedagogicamente. A partir dessas aulas pudemos refletir sobre nossa própria prática de ensino, confrontando aquela com a qual estávamos acostumada a lecionar (tradicionalista, expositiva e explicativa) e a que utilizamos em nossa intervenção, tendo como foco a leitura literária, em que a voz dos alunos é respeitada. Academicamente aprendemos muito com os alunos, sobretudo a respeito dos poemas, pois eles puderam perceber detalhes nos textos que nós a priori não teríamos percebido sem a sua ajuda, e isso nos mostrou que a nossa interpretação não é mais válida do que a deles. Enfim, todas as etapas que constituíram o nosso contato com a turma do 3º ano foram importantes para nós e nos permitiram refletir sobre a prática de ensino da literatura, bem com vislumbrar novos métodos de trabalhar o texto literário em sala de aula. Ter o texto e o aluno como foco é a maneira mais eficiente de formar leitores competentes. Não obstante o tempo restrito das aulas para os temas trabalhados, acreditamos que os objetivos que traçamos foram alcançados, sobretudo o de incentivar o gosto literário em sala. Enfim, o mais importante foi realizado: abrirmos espaço para os poemas da face otimista da poesia de Augusto dos Anjos em sala de 147 aula, os quais foram durante tanto tempo relegados pela crítica e pelos livros didáticos. Os poemas da face otimista são capazes de conquistar o leitor, sobretudo, o alunado que está iniciando o primeiro contato com a poesia de Augusto dos Anjos, pela temática que se aproxima do cotidiano do leitor, a linguagem simples e os vocábulos mais comuns, tornando-os mais compreensíveis. Os poemas são bem trabalhados esteticamente e a musicalidade presente em alguns poemas são dignos de atenção, pois são capazes de provocar a fruição. Enfim, para um admirador da poesia de forma geral e, sobretudo, da poesia de Augusto dos Anjos, o conhecimento dessa face faz-se importante. Com isso, não queremos valorizar essa face e rebaixar aquela que consagrou o poeta, ou seja, a pessimista, melancólica e cientificista. Não queremos desmerecer o conhecimento de uma ou outra face do poeta, já que, para a formação de leitores, o ideal seria o conhecimento mais amplo possível da lírica augustiana, para que o leitor diante de sua capacidade crítica, possa prestigiar todas as faces e definir aquela(s) que mais lhe agrada(m) e farão parte do seu cânone pessoal. Da nossa pesquisa, pudemos constatar que tanto os poemas pessimistas quanto os otimistas foram bem aceitos pelos alunos, porém através de comentários durante as aulas, os alunos revelaram que se identificaram e fruíram mais os primeiros. Para ilustrar essa assertiva, citamos alguns momentos dentre outros que podem servir para comprovar nossa conclusão. Quando, após lermos um poema pessimista, perguntamos aos alunos se eles comprariam e leriam um livro de Augusto dos Anjos, eles não se intimidaram em dizer que não (ver a transcrição da I intervenção), pois até então só conheciam os poemas da face comum. Por outro lado, quando perguntamos de quais poemas eles mais gostaram, eles foram unânimes em dizer que foram os poemas da face otimista (ver página 126). Desse modo, acreditamos que a experiência contribuiu para despertar no aluno uma nova visão acerca da poesia de Augusto dos Anjos, bem como refletir sobre os rótulos impregnados, sobretudo pelos livros didáticos. A experiência também despertou nos alunos o gosto pela poesia augustiana, como ficou esclarecido nos relatos escritos pelos alunos para a edição da última revista-antologia (ver páginas 136 e 137). Por fim, podemos concluir que as reflexões articuladas nos três capítulos da nossa dissertação foram pertinentes para conhecermos a ponte entre a crítica e o 148 ensino da poesia de Augusto dos Anjos. Para concluirmos apresentamos uma estrofe do poema ―Monólogo de uma sombra‖ 58 , que, subjacente à proposta desse trabalho, define algumas das funções da arte literária. Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa, Abranda as rochas rígidas, torna água Todo o fogo telúrico profundo E reduz, sem que, entanto, a desintegre, À condição de uma planície alegre, A aspereza orográfica do mundo! (ANJOS, 1994, p. 199) A literatura, dentro do campo da arte, possibilita o aluno abrandar as rochas rígidas de sua vida a partir da fantasia que os textos suscitam; reduz a aspereza orográfica do mundo, permite o leitor sonhar, dialogar, aprender sobre a vida, enfim, humanizar-se, como diz Cândido (1995), exercitando a reflexão, a aquisição do saber, a disposição para com o próximo, purificando as emoções, tendo a capacidade de penetrar nos problemas da vida, entre outros. É essa consciência que a literatura deveria incutir ao leitor, ao aluno. Foi isso que nossa proposta implicitamente tentou fazer. 58 O poema completo está em anexo, na página 205. 149 REFERÊNCIAS ALVES, José Hélder Pinheiro. Abordagem do poema: roteiro de um desencontro. In: BEZERRA, Maria Auxiliadora; DIONÍSIO, Ângela Paiva (orgs). O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucena, 2001. p. 60 – 72. ANJOS, Augusto dos. 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Textos: leitura e escrita: literatura, língua e produção de textos. São Paulo: Scipione, 2005. LOPES, Harry Vieira. et al. Língua Portuguesa: projeto escola e cidadania para todos. São Paulo: Brasil, 2004. MAIA, João Domingues. Português. 2 ed. São Paulo: Ática, 2005. NICOLA, José de. Português: ensino médio. São Paulo: Scipione, 2005, v 3. TAKAZAKI, Heloísa Harue. Língua portuguesa: ensino médio. São Paulo: IBEP, 2004. (Coleção Vitória-régia). TERRA, Ernani; NICOLA, José de. Português: de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2004. (Coleção De olho no mundo do trabalho). 156 APÊNDICES 157 APÊNDICE A – Questionário de pesquisa UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO MESTRADO EM LITERATURA E ENSINO Pesquisadora: Verucci Domingos de Almeida Informações ao respondente: O preenchimento deste questionário será de suma importância para o trabalho acadêmico de pós-graduação que estamos realizando no Mestrado em Linguagem e Ensino da UFCG que visa contribuir para a melhoria do ensino de literatura; Portanto, é da maior importância podermos contar com sua colaboração; Caso queria responder, você não precisa se identificar; As respostas contidas nesse questionário manter-se-ão em sigilo. Se as repostas forem relatadas em qualquer tipo de relatório, não conterá identificação nenhuma dos respondentes. Instruções: Responda o questionário com caneta esferográfica azul ou preta; Ao responder as questões fechadas, marque sempre X; Se considerar que há mais de uma resposta, assinale mais de uma vez; Ao responder as questões abertas, fique a vontade para escrever o que achar conveniente. Questionário de pesquisa 1) Você gosta de ler? ( ) sim ( ) não ( ) um pouco ( ) depende da leitura 2) Qual (quais) tipo (s) de leitura mais lhe agrada? ( ) poesia ( ) narrativa (romance, novela, conto, crônica) ( ) história em quadrinhos ( ) dramaturgia (textos para peças teatrais) ( ) folheto de cordel ( ) jornal ( ) revista ( ) conteúdos de disciplinas nos livros didáticos ( ) outro:_____________________________________________________ 3) Com qual frequencia você lê? ( ) sempre ( ) nunca ( ) de vez em quando 158 ( ) raramente 4) Você gosta de poesia? ( ) sim ( ) não ( ) depende do poeta ou da poesia 5) Você já teve contato com a poesia de Augusto dos Anjos? ( ) sim ( ) não ( ) não lembro 6) Este primeiro contato com a poesia de Augusto dos Anjos se deu através de quê? ( ) da escola por intermédio do (a) professor (a); ( ) do livro didático ( ) do rádio ( ) de alguma revista ( ) de alguma página da internet ( ) da televisão ( ) de algum jornal impresso ( ) outro: ______________________________________________________ 7) Lembra de algum poema de Augusto dos Anjos? ( ) sim ( ) não Se você respondeu NÃO à questão anterior, siga para a questão 10. Se você respondeu SIM, continue respondendo normalmente. 8) Cite o título ou algum verso do poema que você afirmou lembrar. _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ 9) Onde teve acesso a esse poema? ( ) no livro didático ( ) na internet ( ) na obra do poeta ( ) em revista ( ) em jornal impresso ( ) outro: ______________________________ 10) Você conhece alguma obra do poeta Augusto dos Anjos? ( ) sim. Qual? __________________________________________________ ( ) não 11) Baseado no que estudou sobre a poesia de Augusto dos Anjos, que características lhe são mais comuns? ( ) pessimista ( ) esperançosa ( ) cientificista ( ) otimista ( ) melancólica ( ) amorosa ( ) outro (s): ___________________________________________________ Justifique sua resposta: ____________________________________________________________ 159 ____________________________________________________________ 12) Você sente dificuldade em compreender os poemas de Augusto dos Anjos? ( ) sim ( ) não ( ) depende do poema Justifique sua resposta: _____________________________________________________________ 13) Qual foi a sua primeira impressão sobre a poesia de Augusto dos Anjos? ______________________________________________________________ Obrigada pela sua participação 160 APÊNDICE B – Planos de aulas PLANO DE AULA Módulo I (20/ 10/2010) TEMA: - Deus na poesia de Augusto dos Anjos OBJETO DE ENSINO: - Poesia de Augusto dos Anjos OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Conversar sobre o poeta Augusto dos Anjos 1.1. Saber quais pontos são marcantes na poesia augustiana a partir do ponto de vista dos alunos 1.2. Ver a concepção que os alunos têm da figura de Deus na poesia de Augusto dos Anjos 2. Vivenciar a poesia 2.1. Ler e apreciar os poemas de temática divina; 2.2. Estimular os alunos a falarem acerca de suas impressões sobre os poemas 3. Dialogar sobre o tema 3.1. Tentar fazer alguma associação entre os poemas lidos 3.2. Observar a recepção dos poemas que tratam de Deus; 3.3. Desmitificar a idéia de que não há a presença de Deus nos poemas de Augusto dos Anjos MATERIAIS DIDÁTICOS 1. Revista-antologia ―A poesia de Augusto dos Anjos: novos olhares‖, contendo antologia dos poemas de Augusto dos Anjos INSTRUMENTOS DE COLETA - Gravador - Diário reflexivo METODOLOGIA Uma aula (45 min.) Introdução - Comentar sobre o propósito do trabalho que será realizado com os alunos - Falar acerca do trabalho de vivência com poemas que se realizará a partir daquele instante e durará mais duas aulas - Expor para os alunos as ações que serão realizadas: a leitura e a apreciação de poemas de Augusto dos Anjos 161 - Conversar um pouco sobre os dados quantitativos do questionário de sondagem - Distribuir a revista-antologia ―Augusto dos Anjos: novos olhares‖ - Ligar os gravadores - Apresentar a revista ―A poesia de Augusto dos Anjos: novos olhares‖ - Perguntar o que eles acham da idéia de ler poemas através de uma revista e qual a primeira impressão do título - Conversar sobre a vivência dos alunos com a poesia de Augusto dos Anjos, para explorar o que eles sabem e pensam sobre o poeta Motivação - Discutir sobre a crença, já que os três poemas falam sobre isso - Conversar sobre o que é crer - Saber em que ou quem os alunos crêem - Sondar o que eles acham que o poeta acredita - tentar fazê-los refletir sobre qual a visão que se tem da crença na poesia de Augusto dos Anjos Leitura e interpretação 1. Primeiro momento Leitura do poema I: Último credo - Leitura pela pesquisadora - Apreciação do poema - Pedir a primeira impressão sobre o poema lido - Discussão do poema - Pedir que eles relacionem dados do poema com aqueles que eles já aprenderam sobre o poeta 2. Segundo momento Leitura do poema II: Amor e crença - Pedir para que eles me digam como eles acham que é a relação da poesia de Augusto dos Anjos com a figura de Deus - Pedir a algum participante para ler o poema ―Amor e crença‖ - Leitura voluntária - Apreciação do poema - Conversar sobre o poema, procurando captar a reação dos leitores com a mudança de tom nesse novo poema - Discussão do poema - Estimular os alunos a dialogarem sobre os sentimentos ali atingidos com a leitura dos poemas 3. Terceiro momento Leitura do poema III: Ultima visio - Leitura da professora - Apreciação do poema - Conversar um pouco sobre as primeiras impressões sobre o poema - Discussão do poema - Apreciar alguns pontos gerais dos três poemas, como as imagens que mais chamaram atenção, para que detalhes atentam, os versos que mais marcaram, quais dos três poemas mais gostaram Conclusão - Convidar os alunos a escreverem algo sobre a vivência dos poemas para ser publicado na próxima edição da revista 162 - Perguntar se a concepção dos poemas de Augusto dos Anjos mudou depois da leitura dos três poemas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANJOS, Augusto dos. Obra completa: volume único; organização, fixação do texto e notas de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. 163 PLANO DE AULA Módulo II (26/10/2010) TEMA - O amor na poesia de Augusto dos Anjos OBJETO DE ENSINO - Poesia de Augusto dos Anjos OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Conversar sobre a poesia de Augusto dos Anjos 1.1. Saber se os alunos contemplaram a revista em casa e quais pontos mais lhe agradaram; 1.2. Ver a concepção que os alunos têm sobre o amor na poesia de Augusto dos Anjos. 2. Vivenciar a poesia 2.1. Ler e apreciar os poemas, cujo tema é o amor; 2.2. Estimular os alunos a falarem acerca de suas impressões sobre os poemas. 3. Dialogar sobre o tema 3.1. Tentar fazer alguma associação entre os poemas lidos; 3.2. Observar a recepção dos poemas que tratam do amor; 3.3. Desmitificar a idéia de que o poeta não versa sobre o amor; MATERIAIS DIDÁTICOS - Revista-antologia ―A poesia de Augusto dos Anjos: novos olhares‖, contendo antologia dos poemas de Augusto dos Anjos INSTRUMENTOS DE COLETA - Gravador - Diário reflexivo METODOLOGIA Uma aula (45 min.) Introdução (10 min) - Cumprimentar a turma - Expor para os alunos as ações que serão realizadas nesse dia: a leitura e a apreciação de poemas de Augusto dos Anjos - Ligar o gravador; - Perguntar se eles aproveitaram um pouco da revista fora da escola e fizeram o que foi sugerido na mesma, como: ler os poemas indicados, acessar sites sobre o poeta, procurar assistir a alguns vídeos, entre outros - Averiguar a recepção dos poemas da aula anterior, através de relatos orais dos alunos, sobre o que eles acharam dos poemas e quais deles mais se identificaram e os motivos Motivação 164 - Retomar a questão da crença, entrando no fato que ele falaram acreditar no amor - Direcionar o tema da aula, o qual será voltado para amor na poesia de Augusto - Conversar um pouco sobre o amor - Falar um pouco sobre o que é amor para eles e como eles acham que os poetas tratam esse tema - Sondar a concepção que os alunos têm sobre o amor na poesia de Augusto dos Anjos - Tentar fazê-los refletir sobre qual a visão que se tem do amor na poesia de Augusto dos Anjos - Distribuir a revista-antologia ―Augusto dos Anjos: novos olhares‖ Leitura e interpretação 1. Primeiro momento - Perguntar o que eles acham do título ―Idealismo‖ e o que eles esperam do poema - Refletir sobre o vocábulo idealizar - Solicitar a leitura do poema ―Idealismo‖ por algum aluno - Leitura voluntária - Pedir a primeira impressão sobre o poema lido e perguntar se era isso que eles esperavam - Releitura do poema pela professora - Pedir que eles relacionem dados do poema com aqueles que eles já aprenderam sobre o poeta 2. Segundo momento - Sondar o que eles sabem da presença de amor a mulheres na poesia de Augusto dos Anjos - Pedir a algum participante para ler o poema ―Ideal‖ - Leitura voluntária - Conversar sobre o poema, procurando captar a reação dos leitores com a mudança de tom nesse novo poema, do tom do eu-lírico melancólico para o mais romântico, com alguns traços eróticos - Estimular os alunos a dialogarem sobre os sentimentos ali atingidos com a leitura dos poemas - Associar os dois poemas quanto às semelhanças e diferenças 3. Terceiro momento - Pedir a algum aluno para ler o poema ―Quadras‖ - Leitura voluntária - Estimular os alunos a dialogarem sobre os sentimentos ali atingidos com a leitura dos poemas - Apreciar alguns pontos gerais dos três poemas, como as imagens que mais chamaram atenção, para que detalhes atentam, os versos que mais marcaram, quais dos três poemas mais gostaram Conclusão - Perguntar quais as semelhanças e diferenças entre os três poemas - Perguntar se a concepção dos poemas de Augusto dos Anjos mudou depois da leitura dos três poemas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANJOS, Augusto dos. Obra completa: volume único; organização, fixação do texto e notas de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 19 165 PLANO DE AULA Módulo III (03/11/2010) TEMA: - A esperança na poesia de Augusto dos Anjos OBJETO DE ENSINO: - Poesia de Augusto dos Anjos OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Conversar sobre a poesia de Augusto dos Anjos 1.1. Saber se os alunos contemplaram a revista em casa quais pontos mais lhe agradaram 1.2. Ver a concepção que os alunos têm sobre a esperança na poesia de Augusto dos Anjos 2. Vivenciar a poesia 2.1. Ler e apreciar os poemas que abordem a esperança; 2.2. Estimular os alunos a falarem acerca de suas impressões sobre os poemas 3. Dialogar sobre o tema 3.1. Tentar fazer alguma associação entre os poemas lidos 3.2. Observar a recepção dos poemas que tratam da esperança; 3.3. Desmitificar a idéia de que a poesia do poeta não é otimista. MATERIAIS DIDÁTICOS - Revista-antologia ―A poesia de Augusto dos Anjos: novos olhares‖, contendo antologia dos poemas de Augusto dos Anjos INSTRUMENTOS DE COLETA - Gravador - Diário reflexivo METODOLOGIA Introdução - Cumprimentar a turma - Expor para os alunos as ações que serão realizadas nesse dia: a leitura e a apreciação de poemas de Augusto dos Anjos - Ligar o gravador; - Perguntar se eles aproveitaram um pouco da revista fora da escola e fizeram o que foi sugerido na mesma, como: ler os poemas indicados, acessar sites sobre o poeta, procurar assistir a alguns vídeos, entre outros - Averiguar a recepção dos poemas da aula anterior, através de relatos orais dos alunos, sobre o que eles acharam dos poemas e quais deles mais se identificaram e os motivos Motivação - Distribuir a revista-antologia ―Augusto dos Anjos: novos olhares‖ 166 - Retomar as características marcantes da poesia de Augusto dos Anjos expostas pelos alunos na primeira intervenção - Apontar o pessimismo e a melancolia como recorrentes na poesia dele e contrapor com a face de um eu-lírico otimista e esperançoso - Direcionar o tema da aula, o qual será voltado para a esperança na poesia de Augusto - Conversar um pouco sobre a esperança - Saber um pouco sobre o que é ter esperança para eles - Sondar a concepção que os alunos têm sobre a esperança na poesia de Augusto dos Anjos - Tentar fazê-los refletir sobre qual a visão que se tem da esperança e do otimismo na poesia de Augusto dos Anjos Leitura e interpretação 1. Primeiro momento Leitura do poema I: - Leitura pela pesquisadora - Apreciação do poema - Pedir a primeira impressão sobre o poema lido e perguntar se era isso que eles esperavam - Pedir que eles relacionem dados do poema com aqueles que eles já aprenderam sobre o poeta 2. Segundo momento Leitura do segundo poema: Soneto - Pedir a algum participante para ler o poema ―Soneto‖ - Leitura voluntária - Releitura do poema - Leitura compartilhada, oralmente pela pesquisadora e os alunos simultaneamente - Conversar sobre o poema, procurando captar a reação dos leitores com a mudança de tom nesse novo poema, do tom do eu-lírico melancólico para o mais romântico, com alguns traços eróticos - Estimular os alunos a dialogarem sobre os sentimentos ali atingidos com a leitura dos poemas - Associar os dois poemas quanto às semelhanças e diferenças 3. Terceiro momento - Pedir a algum aluno para ler o poema ―Quadras‖ - Leitura compartilhada, fragmentada, e voluntária - Estimular os alunos a dialogarem sobre os sentimentos ali atingidos com a leitura dos poemas - Apreciar alguns pontos gerais dos três poemas, como as imagens que mais chamaram atenção, para que detalhes atentam, os versos que mais marcaram, quais dos três poemas mais gostaram Conclusão - Perguntar se a concepção dos poemas de Augusto dos Anjos mudou depois das intervenções na turma - Averiguar a eficiência do método da revista-antologia - Agradecer a importância da participação dos alunos na pesquisa - Despedir-me da turma REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 167 ANJOS, Augusto dos. Obra completa: volume único; organização, fixação do texto e notas de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. 168 APÊNDICE C – Revistas-antologias 169 170 171 172 173 174 175 176 APÊNDICE D – Transcrição das intervenções em sala de aula I Intervenção na turma No dia 22 de outubro de 2010 cheguei à escola pouco antes das 8h30min para começar a primeira intervenção na turma do 3º ano. Esperei a professora e juntas entramos na sala de aula. Ela disse aos alunos que ia deixar a turma comigo e falou da importância da participação de todos na minha pesquisa para o mestrado; disse que entre as três turmas disponíveis do 3º ano, eu tinha escolhido aquela turma, que neste momento aplaudiu e alguns deram sorrisos de satisfação, fizeram corações com as mãos, sentindo-se especiais por terem sido a turma escolhida. Antes de sair a professora pediu a uma aluna que recolhesse a redação dos alunos da turma. A aluna preferiu recolher naquele momento. Quando a professora saiu e me deixou a sós com os alunos, mais uma vez ressaltei a questão da pesquisa e pedi a colaboração de todos neste trabalho. Preocupava-me muito gravar as aulas e quando expus isso para os alunos a priori eles ficaram apreensivos, mas eu expliquei que não ia citar os nomes deles e que a gravação era uma questão mais conveniente para a obtenção de dados a posteriori. Eles compreenderam e gentilmente, sem eu pedir, desligaram os dois ventiladores para que o barulho dos mesmos não atrapalhasse e a gravação ficasse mais legível. Nesse momento liguei os gravadores, após a entrega da antologia de poemas em forma de revista. Pesquisadora: Gente, olhando aí, o que vocês acharam do material? S(F): Ah! Diferente! Pesquisadora: É bem diferente, não é? S(F): É. R(F): É. Pesquisadora: É tipo uma revista. Naquele questionário que eu apliquei pra vocês, que tinha lá o que é que vocês gostavam de ler e muita gente apontou que gostava de ler revista, jornal né, então eu achei, eu achei interessante né, que vocês gostavam de ler revista, aí eu pensei ―eu vou levar poemas pra eles em forma de revista, então aí tem também, tem alguns poemas, tem uma matéria também que vocês podem ler em casa, certo, uma matéria sobre Augusto dos Anjos e tem lá na outra página a sessão ―+ conhecimento‖, certo, tem algumas dicas se vocês quiserem ler outros poemas, tem aí umas dicas. Se vocês quiserem procurar alguma coisa no youtube também tem alguns vídeos interessantes e também alguns sites, certo. Então gente, pra início de conversa, o que vocês lembram da poesia de Augusto dos Anjos? Algumas características marcantes. O que foi que marcou na poesia dele? O que foi que ficou marcado? Alunos: Cientificismo. (A pesquisadora vai escrevendo no quadro as características apontadas pelos alunos) Pesquisadora: Cientificismo? Certo. O que mais? Então o cientificismo... O que mais, gente? O que ficou marcado? O que ficou a cara de Augusto? Quando vocês vêem o nome Augusto dos Anjos, vocês associam? Aluno 1: Cientificismo. Pesquisadora: Cientificismo. O que mais? O que vocês lembram? Alunos: Pessimismo. Pesquisadora: Pessimismo? Pesquisadora: Ele era tão pessimista assim, é? Muito pessimista ou pouco? 177 Alunos: Muito. Pesquisadora: Hummm. O que mais? Tem alguma outra característica que marcou a poesia dele ou não? [silêncio] Pesquisadora: Essas foram as que marcaram mais? Foi isso? Aluno 1: Foi. Pesquisadora: Bom, então vocês se identificaram com a poesia dele? Alguém pode dar um depoimento aí? Dizer se se identificou, se não. Quem se identificou com a poesia dele? [silêncio] Pesquisadora: Ninguém? [risos] Pesquisadora: Ninguém se identificou, gente? Não tocou na alma de ninguém a poesia dele? Alunos: Não. Pesquisadora: Não? (assustada) G(M): Pouco R(F): ―Versos íntimos‖ chamou muito minha atenção. Pesquisadora: Chamou atenção ―Versos íntimos‖? R(F): Não, assim, não que tenha a ver comigo, mas o jeito que ele falava. (Não dá para entender o restante). Pesquisadora: Certo, então, você acha que a poesia dele, no geral, assim... não combina com você? R(F): É, mas me chama atenção a forma como ele fala. Pesquisadora: Mas chamou atenção. Sim. R(F): Por causa disso, porque eu achei que por ele não ter medo de falar aquelas coisas assim... bem profundas. Pesquisadora: Uma pessoa... Como ela diz que não é que seja uma identificação tão profunda, mas pelo menos esse poema tocou ela, né. Uma pessoa pra dar um depoimento aí. Uma pessoa que não se identificou e gostaria de dizer por quê. Uma pessoa que não se identificou. [silêncio] Pesquisadora: Ninguém? Ninguém quer dizer? D(M), você se identificou? Hein D(M)? D(M): Não. Pesquisadora: S(F), você se identificou com a poesia dele? S(F): Não muito. Pesquisadora: Assim... tem gente que pensa que para se identificar ou não, precisa ser tão pessimista quanto ele, tão melancólico, e às vezes não é isso, né? S(F): An ham... é... mas eu não me identifiquei muito não, por causa disso, desse pessimismo dele. Mas vai da forma como a gente vê a poesia dele. O jeito que ele fala não é da nossa rotina, então a gente primeiro precisa entender pra poder sentir, né. Pesquisadora: Se vocês, no caso, se vocês pegassem um livro dele... Vocês sentiriam prazer em, por exemplo, comprar um livro ou pegar emprestado e ler todinho? Alunos: Não. Pesquisadora: Não? Por quê? (assustada) Aluno 1: Ele é pessimista demais. 178 Pesquisadora: Bom, então, olha, veja só. Vejam aí o nome da revista: ―A poesia de Augusto dos Anjos: novos olhares. Novos olhares, então durante esse período nós vamos, nós vamos ver coisas diferentes sobre ele, aí no final eu quero saber quais foram esses novos olhares. Se mudou alguma coisa ou não. Então a gente vai ver que a gente pode olhar para a poesia de Augusto dos Anjos de outra forma, certo? Então vejam aí o primeiro poema, cujo título é ―Último credo‖. O que é crer, pra vocês? Alunos: Acreditar. Pesquisadora: Acreditar né? Certo. Vocês podem me citar algo que vocês acreditam? Alunos: Em Deus. Pesquisadora: Acreditam em Deus. Certo. Só em Deus? Pode-se acreditar em muita coisa também. S(F): Em nós mesmos. Pesquisadora: Sim. Tem coisas que vocês acreditem mais? J(M): No amor. Aluno 3: Olha aqui... ela, ela acredita no amor Aluna 3: Com certeza. [risos] Pesquisadora: No amor? Gente, e Augusto dos Anjos, ele acreditava em quê? E(M): Na ciência. Pesquisadora: Na ciência? G(M): Na morte. Pesquisadora: Na morte? Bom, então ele acredita, segundo vocês, na morte e na ciência, né isso? Alunos: É. Pesquisadora: Então vamos ver aí, vamos ver. A gente vai ver no que o eu-lírico do poema acredita. Então olhem aí o poema que tem como título ―Último credo‖ e diz assim: ―Como ama o homem adúltero o adultério/ E o ébrio a garrafa tóxica de rum,/ Amo o coveiro — este ladrão comum/ Que arrasta a gente para o cemitério!// É o transcendentalíssimo mistério!/ É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,/ É a morte, é esse danado número Um/ Que matou Cristo e que matou Tibério!// Creio, como o filósofo mais crente,/ Na generalidade decrescente/ Com que a substância cósmica evolui...// Creio, perante a evolução imensa,/ Que o homem universal de amanha vença/ O homem particular que eu ontem fui!‖ Pesquisadora: O que é que vocês acharam do poema? É difícil? É difícil de compreender? Alunos: É. (Eles liam de novo olhando o vocabulário) Pesquisadora: Olhem, olhem, vocês podem ver aí o vocabulário, certo, vocês podem fazer uma segunda leitura. Vocês podem ver aí as palavras que vocês não conhecem, então tem aí: ébrio, transcendentalíssimo, nous, pneuma, ego sum qui sum, Tibério. Então aí gente, ―Último credo‖. Depois dessa leitura que último credo seria? uma última crença, alguma crença, algo que o eu-lírico acredita? Assim... O que é? O que é que vocês acharam? E(M): Na morte. Na primeira estrofe fala assim de morte. No final, ele transparece para o leitor que a única saída pra tudo seja no cemitério. Pesquisadora: E essa associação dele assim com o cemitério parece até que é, assim, uma relação íntima, como se ele... Vocês acham que é como se ele se sentisse bem naquele lugar? Vocês acham isso? Acham isso? É que na primeira 179 estrofe ele diz assim ―Amo o coveiro‖. Então amar o coveiro? Por que ele ama o coveiro? Por quê? S(F): Porque lá no cemitério é o lugar que ele se sente bem. Pesquisadora: Isso. É com se ele tivesse uma relação, assim de amizade, alguma coisa, como se ele se sentisse bem e o coveiro que levasse isso pra ele. R(F): Ele era muito solitário. Pesquisadora: Vocês acham que ele é solitário? Vocês acham que lá ele sentia essa paz? Alguma coisa muito especial naquele lugar? S(F): Não, no início ele é... (não dá para entender). Geralmente os poetas eram mais assim pessimistas... (não dá para entender). Pesquisadora: Assim, gente, no... na segunda estrofe, o que é que vocês acham? Tem alguma coisa a dizer? Ah e também ele fala assim, olha, na segunda estrofe, 3º verso: ―É a morte, é esse danado número Um‖ Ele coloca o número, a palavra Um em maiúsculo. Por que será? Por quê? ―A morte, é esse danado número Um‖. Ele chama a morte de danado, danado número Um. Por quê? Por que J(F)? J(F): Han? Pesquisadora: Por que ele coloca isso? Qual seria a intenção dele? Ele queria fazer quê? Ele queria chamar a atenção do leitor? Ele queria o quê? Destacar, dar ênfase a morte, será que era isso? Hein, B(F)? [silêncio] Aluno: Sim. Pesquisadora: Acha que sim? [silêncio] Pesquisadora: Aí na terceira estrofe ele diz aí ―Creio, como o filósofo mais crente,/ Na generalidade decrescente/ Com que a substância cósmica evolui...‖. Gente, aí? No caso, vocês acham que o eu-lírico crê em quem ou em quê? O eu-lírico do poema crê em quê? Aluna: Na ciência. Pesquisadora: E como a gente pode afirmar que ele acredita na ciência? Aí no poema, no texto dá alguma dica disso? Hein, J(M)? J(M): Sim, porque ele fala muito na evolução. Pesquisadora: Ele fala muito na evolução. Então isso aí é uma pista de que ele acredita na ciência, né isso? Então outra parte, gente. O que vocês acharam? O que chamou atenção? Um verso que tocou vocês? Um verso que tocou. Podem me dizer algum verso? Ah eu achei interessante esse verso aqui porque diz isso... A última estrofe. G(M): Eu achei esse verso. Pesquisadora: Oi? G(M): Eu achei os últimos versos. Pesquisadora: Os últimos versos? Você achou interessante? G(M): Achei, porque tem aqui ―Que o homem universal de amanha vença/ O homem particular que eu ontem fui!‖ (não dá para entender o resto, mas ele falava da universalidade e particularidade do poema). Pesquisadora: Muito bem. S(F): (não dá para entender). Pesquisadora: Sim, dentro desse poema poderia ser, a gente poderia fazer uma relação entre o ontem e o amanhã, né isso? O ontem e o amanhã. O ontem é o quê? Passado né? Passado. Amanhã: futuro. Então ele, ele faz aí uma... como é que eu posso dizer... uma contraposição entre o passado e o futuro, entre o ontem e o amanhã né? Então no futuro, ele quer que aconteça o quê? Hein, gente, no futuro? 180 G(M): Mais conhecimento. Pesquisadora: O que é que ele quer que aconteça? Algum progresso? Alguma evolução? Mostra isso? Aluna: Mostra aqui ó... Pesquisadora: Ele mostra sobre o progresso quando ele diz: ―Que o homem universal de amanha vença/ O homem particular que eu ontem fui!‖ Então ele acredita no futuro, podemos dizer assim, que ele acredita no futuro? Num futuro que possa progredir? No geral, gente, esse poema trouxe algo de novo ou era aquilo que vocês já imaginavam que fosse? A linguagem dele é difícil? É complicado de entender? [silêncio] Pesquisadora: Agora, gente, voltando naquela questão de crer, né, voltando nessa questão de crer em Deus, vocês apontaram que crêem em Deus. Quando a gente fala em crença, eu acho que a gente associa logo a crença a Deus, já leva logo pro lado religioso, né isso? Agora, me diga uma coisa, nessa questão de crer... Como era a poesia de Augusto dos Anjos relacionada a essa questão aqui de Deus? Como era? E(M): Ele não acreditava em Deus. S(F): Ele não acreditava em Deus. G(M): Ele não acreditava. E(M): Eu acho que ele não acreditava. Aluno: Eu acho que ele era ateu. Pesquisadora: Ele cria em Deus? Alunos: Não. S(F): Porque ele acreditava na ciência. E quem acredita na ciência geralmente não acredita em Deus, porque a ciência e a religião não se misturam. Aluno: Acho que ele não acreditava em Deus. Pesquisadora: Então ele acredita em quem? G(M): (não dá para entender). Pesquisadora: Sim, sim. Ele não fala no espírito, só na matéria né? Aluno: É, é. Pesquisadora: Certo. Vocês já leram algum poema..., já procuraram saber se Augusto dos Anjos escreveu alguma coisa sobre Deus? Alunos: Não. F(F): Tem esse aqui. (apontando para o poema da antologia). Pesquisadora: Esse aí? F(F): É, ―Amor e crença‖. Pesquisadora: Então vamos ler. Já que ela disse que achou esse aqui, então vamos ler pra ver se acontece realmente isso. Alguém pode ler? Sabrina você pode ler pra mim ―Amor e crença‖? S(F): Amor e crença. ―Sabes que é Deus?! Esse infinito e santo/ Ser que preside e rege os outros seres,/ Que os encantos e a força dos poderes/ Reúne tudo em si, num só encanto?// Esse mistério eterno e sacrossanto,/ Essa sublime adoração do crente,/ Esse manto de amor doce e clemente/ Que lava as dores e que enxuga o pranto?!// Ah! Se queres saber a sua grandeza,/ Estende o teu olhar à Natureza,/ Fita a cúp‘la do Céu santa e infinita!// Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa,/ O amor é a hóstia que bendiz a Crença,/ Ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita!‖ Pesquisadora: É bonito esse poema? Alunos: É, é. S(F): Eu me identifiquei. 181 Pesquisadora: Foi? Ela se identificou. G(M)1: Eu acho que ele era evangélico. Pesquisadora: Por que tu ―sabe‖ que ele era evangélico? Por que ele era evangélico? Vocês acham que só crê em Deus se for evangélico? Alunos: Não, não. [barulho] Pesquisadora: Dar pra saber se ele era evangélico? Alunos: Não. J(M): Aqui na segunda estrofe, no último verso da segunda estrofe ele diz ―que lava as dores e que enxuga o pranto‖. Ele interroga e ao mesmo tempo exclama. Pesquisadora: Isso. J(M): Aí dá impressão que ele tá perguntando: Será que ele faz isso mesmo? Pesquisadora: An ham. No caso ele ta perguntando a quem? J(M): Ao leitor. Pesquisadora: A quem? J(M): Ao leitor. Pesquisadora: Sim, ao leitor, né? Aí cabe a você tomar uma posição. S(F): Mas no começo ele interroga, realmente, mas no final ele conclui aqui nessa parte: ―Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa,/ O amor é a hóstia que bendiz a Crença,/ Ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita!‖ J(M): Mas aqui... (não dá para entender). G(M): (Não dá para entender). J(M): Então é uma questão de paradoxo. G(M): É, é uma questão de paradoxo. Pesquisadora: Como se ele quisesse colocar em nós assim... o leitor. Ele primeiro questiona, mexe com você, questionando e deixa que você tome uma posição diante do texto e depois ele... A gente pode dizer que depois ele dá a opinião dele? A gente pode dizer isso, que depois ele dá a opinião dele? J(M): Pode. Pesquisadora: Então vocês acham que ele dá a opinião dele onde? Em qual parte do texto? G(M): Na última estrofe. E(M): Na última estrofe. Alunos: Na última. Pesquisadora: Na última? Aluno: Isso. Pesquisadora: Quando ele diz: ―Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa,/ O amor é a hóstia que bendiz a Crença,/ Ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita!‖ Gente, o último verso aí ―ama, pois, crê em Deus, e sê... bendita‖, esse verbo amar aí? Aluna: Aqui tem uns versos nesse outro poema entre aspas ―Gemidos de arte‖, ele diz assim: ―E vem-me como um desprezo por tudo isto/ Uma vontade absurda de ser Cristo/ Para sacrificar-me pelos homens!‖ Era como se ele tivesse revoltado com a humanidade porque Cristo morreu e se sacrificou e o povo não sabe agradecer, né. Era como se ele tivesse revoltado com a humanidade. Pesquisadora: Depois de discutir isso, a gente pode concluir... a gente pode ter outra visão da poesia de Augusto dos Anjos? Porque antes quando eu perguntei, vocês disseram ―Não, eu acho que ele era ateu‖, ―ele não acreditava em Deus‖. E depois da leitura desse poema será que ele acredita? Agora a gente vê que ele crê, né? Agora a gente tem outra visão. Agora, gente, o título... por que ele fala ―Amor e 182 crença‖? Por que ele une amor à crença? Por quê? Tem alguma relação entre amar e crer? J(M): Tem, porque na realidade, quando a pessoa crê em Deus acaba amando, acaba amando do mesmo jeito. Pesquisadora: Sei, o inverso pode acontecer? Você falou em crer, depois amar. Pode acontecer o inverso, primeiro amar e depois crer? Aluno: Pode. F(F): Acho que pode. Aluno: Pode. Pesquisadora: No caso, primeiro você vai ter a experiência de crer para depois você amar, e se você não amar, você não crê. Será? Será que o amor é tão importante assim dentro da crença? R(F): O amor é muito importante. W(M): Como é a pergunta aí? Pesquisadora: Se o amor... se é preciso primeiro você amar pra depois crer, se o amor, se ele tá..., se ele tem uma relação muito forte com a crença. Será que tem? Aluna: Tem. Aluna: Tem. W(M): Acredito, de um modo geral, que pode sim haver uma necessidade que se alguém crê e não ama, (não dá para entender), mas de um modo específico (não dá pra entender) se você ama e se você não crê, você não é nada, e se você crê e ama você é tudo. [aplausos] Pesquisadora: Vamos ver aqui agora esse outro poema para ver se ele reforça o que a gente viu nesse. Se chama ―Ultima Visio‖. Vocês sabem o que é Visio? Alunos: Não. Pesquisadora: Parece com o quê? Alunos: Visão. Pesquisadora: Que útima visão seria essa? Então ele diz: ―Quando o homem, resgatado da cegueira/ Vir Deus num simples grão de argila errante,/ Terá nascido nesse mesmo instante/ A mineralogia derradeira!// A impérvia escuridão obnubilante/ Há de cessar! Em sua glória inteira/ Deus resplandecerá dentro da poeira/ Como um gazofilácio de diamante!// Nessa última visão já subterrânea,/ Um movimento universal de insânia/ Arrancará da insciência o homem precito...// A Verdade virá das pedras mortas/ E o homem compreenderá todas as portas/ Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!‖ Pesquisadora: É bonito esse poema? Aluno: É. Aluna: É. Pesquisadora: É diferente do que vocês vinham lendo sobre Augusto dos Anjos? Alunos: É. Pesquisadora: É diferente, não é? Algum verso chamou atenção? Algum verso tocou vocês? O que é que vocês acharam assim, por exemplo, que é importante destacar? Como o poema tem como titulo ―Ultima Visio‖, que última visão seria essa? G(M): A última visão que ele tem antes de morrer. Pesquisadora: A última visão que ele teria na passagem da vida para a morte? G(M): É. Pesquisadora: Agora, o que é que tem de importante para ele nessa última visão? O que foi tão importante que fez ele colocar o eu dele aqui, o eu do eu-lírico? O que 183 é importante, gente, nessa última visão? Como vocês apontaram agora, é a ultima visão da partida da terra, ou seja, quando ele fala aí na terceira estrofe, no primeiro verso: ―Nessa última visão já subterrânea‖ é a última visão da terra para um outro plano, eu não vou dizer para o céu, porque ninguém sabe, para outro plano. Então, qual seria a experiência dele nessa última visão? J(M): Quando ele diz que quando a insciência do homem, quando o homem deixar a ignorância . Pesquisadora: A insciência do homem precito. A ignorância né? J(M): A ignorância. (Não dá para entender). Pesquisadora: Aí no primeiro verso, no primeiro verso da primeira estrofe ele diz assim: ―Quando o homem resgatado da cegueira‖. Será que essa cegueira era a cegueira dos olhos? Aí no caso é uma metáfora, não é? Seria o quê? Seria em relação a quê, essa cegueira? J(M): Não a cegueira visual. Pesquisadora: O quê? Pesquisadora: Não a cegueira, visão, Alguém tem outro ponto de vista? Poderia ser a ignorância também? Que às vezes você tá cego e não quer enxergar o que está na frente dos seus olhos. E como ele coloca Deus aí dentro desse poema? Com que pretensão? Quando o homem resgatado da cegueira, ou seja, quando ele deixar de ser ignorante e vir Deus? F(F): (Não dá para entender). 184 II Intervenção na turma No dia 26 de outubro de 2010 cheguei à escola pouco antes das 8h30min para a segunda intervenção na turma do 3º ano. Como da outra vez, esperei a professora e juntas entramos na sala de aula. Ela disse aos alunos que mais uma vez eu ficaria com a turma e ressaltou a importância da participação de todos. Eles desligaram os dois ventiladores para que o barulho dos mesmos não atrapalhasse e a gravação ficasse mais legível. Nesse momento liguei os gravadores. Pesquisadora: Quem foi que leu em casa aquele material que eu entreguei? Alunos: Ninguém. Pesquisador: Algumas pessoas leram? Alunos: Não. Pesquisadora: Vocês procuraram ler os poemas que tinha lá? Indicando... Tinha algumas sugestões de poemas. Alguém procurou ler? Procurou alguma coisa? Alunos: Não. Pesquisadora: Ninguém procurou aqueles poemas que tinham lá sugeridos naquele folheto? Alunos: Não. Pesquisadora: Ninguém leu? (assustada) Alunos: Ninguém. Pesquisadora: E... deixe eu ver outra coisa que tinha lá... tinha alguns vídeos também... no youtube, ninguém procurou? Alunos: Não. Pesquisadora: Tinha sites. Também ninguém procurou algum site? Alunos: Não. Pesquisadora: Pelo menos vocês leram aquela matéria? Vocês procuraram ler aquela matéria que tinha lá? Alunos: Não. Pesquisadora: Ninguém também? (assustada) Alunos: Não. Pesquisadora: Você também não leu não? Aluna: Não. Pesquisadora: Aquela matéria que tinha lá: Eu, Augusto dos Anjos, o paraibano do século. Ninguém leu? Ninguém procurou... Ninguém teve curiosidade de saber o que tinha escrito lá, gente? Alunos: Não. F(F): A gente pode ler agora? Pesquisadora: Pode né... mas eu queria saber hoje se vocês tinha lido. F(F): Ah! Pesquisadora: Mas tá bom, em outro momento vocês lêem em casa, né? Mas é bom ler, gente, são informações importantes que vocês podem até utilizar, pode até servir... de servir vai ser servir né... mas pode ser que caia, de repente, no vestibular algum texto, no ENEM, quem sabe né? [silêncio] Pesquisadora: Daqueles poemas, o que é que vocês acharam? Daqueles poemas que a gente trabalhou semana passada? Hein, gente, o que vocês acharam? Foram bons? Não foram? Alunos: Foram bons. 185 Alunos: Muito bons. Pesquisadora: Daqueles poemas, quais foram os que vocês mais se identificaram? O que mais gostaram? A gente leu: Último credo, Amor e crença e Ultima Visio. E de qual vocês mais gostaram? Alunos: ―Amor e crença‖. Pesquisadora: Amor e crença? E por quê? Alguém pode dizer o porquê? Por que vocês se identificaram tanto com aquele? F(F): Por que eu nunca tinha visto um poema de Augusto dos Anjos dessa forma, que ele falava em Deus. Assim... Eu nunca tinha, nunca tinha visto. Aí tipo, tipo é diferente. Pesquisadora: Foi uma surpresa? F(F): Foi. Pesquisadora: Foi por causa da linguagem também que vocês se identificaram tanto? G(M): A linguagem também era mais fácil. Não tinha muitas palavras difíceis também. Pesquisadora: Não tinha né? E foi melhor de compreender? G(M): Foi. Pesquisadora: Então, quer dizer que a linguagem também favoreceu a isso? A forma como ele escrevia. Certo. Semana passada quando a gente falou em crença, mais especificamente na crença em Deus, eu lembro que quando eu perguntei em que vocês acreditavam, em que vocês criam, vocês disseram também, eu não me lembro quem foi, falou que acreditava no amor, não foi isso? Alunos: Foi. Aluno: Foi ele aqui. Pesquisadora: Foi quem? Quem falou? Aluno: Júnior. Pesquisadora: Você disse que acreditava no amor, não foi isso? J(M): Foi. Pesquisadora: Gente, agora eu quero saber o que vocês acham do amor e como Júnior disse que acredita no amor, eu acho que ele é a pessoa mais ideal pra falar isso, né? Alunos: Eeeehhhh. Pesquisadora: O que você acha do amor? O que é o amor pra você? J(M): Não dá pra se explicar. Eu acho que é assim... Só sentindo mesmo para se explicar. Pesquisadora: Alguém pode explicar? Alguém saberia como explicar o que é o amor? Alunos: Não. (desconfiados) Pesquisadora: Aqui, quem foi que já amou? [barulho] Pesquisadora: Aqui, quem foi que já amou? Ninguém nunca amou? [barulho] F(F): Até porque não existe só amor de namorados, né? Pesquisadora: Pois é. Existem várias formas de amar, de amor. Então vocês não sabem descrever o amor. Agora e amar? Já outra pergunta. Aluno: É outra coisa. Pesquisadora: E amar, o que é amar, pra vocês? O que é amar? J(M): Depende do amar. Tem o amar sentimental, tem o amar carnal. 186 Pesquisadora: O amar é o quê? Você se doar, é você se sacrificar, é o quê? Gente, o que é amar? [silêncio] Pesquisadora: Gente, o que é amar? [barulho e risos] Pesquisadora: E Augusto dos Anjos? Será que ele amava? Será que ele experimentou o amor? E aí? O que vocês podem me dizer? E Augusto dos Anjos? O que Augusto dos Anjos acha do amor? O que vocês acham que ele acha? G(M): Eu acho que ele não amou não. E(M): Eu acho que ele era solitário. Pesquisadora: Você acha que ele era solitário? E por ser solitário, então ele... G(M): Não acreditava no amor. Aluno: Não ama. Pesquisadora: Não ama? Pesquisadora: Pelo jeito que ele fala, assim, pela maneira que ele se expressa nos poemas, você acha o quê? Aluno: Eu acho que ele era muito triste. Pesquisadora: Você acha que por ele ser tão triste... você acha que ele não acreditava no amor? F(F): Ele não foi amado também, por isso ele não ter falado muito no amor Pesquisadora: Pode ser que isso fosse uma justificativa pra ele ser tão agressivo nas palavras, usar aquela linguagem nos poemas dele? G(M): É. Pesquisadora: Mas vocês já procuraram saber se ele já falou de amor, se tinha algum poema dele que fale nisso? Alunos: Não. Pesquisadora: Vocês não procuraram saber, né? Alunos: Não. Pesquisadora: Nunca leram nada? Certo, então nós vamos ver isso, agora. A gente vai ver se ele acredita, ou não. O que ele disse em alguns poemas dele. Eu trouxe novamente um material, e espero que dessa vez vocês leiam também em casa. Pesquisadora: Todo mundo já recebeu? G(M): Já. Pesquisadora: Gente, então tem aí o poema ―Idealismo‖. Idealismo... Pra começo assim, O que quer dizer idealismo? G(M): Idealizar. Pesquisadora: Idealizar. Quando você idealiza, você faz o quê? G(M): projetar. Aluna: Criar. G(M): Criar, cria o seu modelo perfeito, ideal pra você. Pesquisadora: Você cria a imagem perfeita, ideal, daquilo que você acredita. O que é ideal pra ele, não é pra você ou para outro, então isso é uma coisa muito subjetiva, muito íntima, né? Vamos ver o que Augusto dos Anjos fala aí sobre o amor. Sabrina, você pode ler? S(F): ―Idealismo. Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!/ O amor da Humanidade é uma mentira./ É. E é por isto que na minha lira/ De amores fúteis poucas vezes falo.// O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!/ Quando, se o amor que a Humanidade inspira/ É o amor do sibarita e da hetaíra,/ De Messalina e de Sardanapalo?!// Pois é mister que, para o amor sagrado,/ O mundo fique 187 imaterializado/ - Alavanca desviada do seu fulcro —// E haja só amizade verdadeira/ Duma caveira para outra caveira,/ Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!‖ Pesquisadora: Vamos ler mais uma vez. ―Idealismo. Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!/ O amor da Humanidade é uma mentira./ É. E é por isto que na minha lira/ De amores fúteis poucas vezes falo.// O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!/ Quando, se o amor que a Humanidade inspira/ É o amor do sibarita e da hetaíra,/ De Messalina e de Sardanapalo?!// Pois é mister que, para o amor sagrado,/ O mundo fique imaterializado/ - Alavanca desviada do seu fulcro —// E haja só amizade verdadeira/ Duma caveira para outra caveira,/ Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!‖ Pesquisadora: E aí, gente, o que vocês acharam do poema? G(M): Ele não acredita no amor, ele não acredita no amor. Pesquisadora: É chocante ou não? Alunos: É. Pesquisadora: Depois dessa leitura, o que vocês acham? Ele acredita ou não no amor? Alunos: Não. Pesquisadora: Ele não acredita no amor. Agora me digam por quê? G(M): Porque ele acha que a humanidade é mentirosa, só pensa em si e não nos outros e por isso ele acha que o amor não existe, só amizade. Ele também acha que só haja amizade verdadeira depois da morte. Quando você passa para o outro mundo, você não pode mais falar de ninguém. E(M): Eu acho que nesse poema ele demonstra amor, tá idealizando uma mulher perfeita Pesquisadora: Você acha que ele idealizou uma mulher aí? E(M): É, só que ele não consegue definir as características que pra ele seria de uma mulher ideal. Pesquisadora: Mas em qual momento você acha que ele deixa transparecer que está idealizando uma mulher? Em que momento? E(M): Quando... Na última estrofe quando ele diz que ―O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!‖ Depois ele vai falar do Sibalita, da Hetaíra... Pesquisadora: Vocês sabem o que sibalita, hetaira, vocês viram o que é aí? Aluno: Sim. Pesquisadora: Então você falou que ele idealiza uma mulher. Mas seria qualquer mulher? Não né? E(M): Só que nesse texto ele dá características ao contrário de quem ele não queria G(M): Como o da Messalina, que ama só por interesse. S(F): No caso, como se ela amasse só por interesse, porque primeiro, ela ama, assim... só por alguma coisa, né. Aí seria uma forma de amor por interesse, não existisse pra ele amor verdadeiro, como ele diz na última estrofe. Pesquisadora: Não existe pra ele amor verdadeiro, existe o que pra ele verdadeiro? Alunos: Interesse. S(F): Porque ó... ―O amor, quando virei por fim a amá-lo?‖ Ele acredita no amor, mas diz que ―o amor da humanidade é uma mentira‖, então é assim, quase todo mundo ama por algum interesse. Pesquisadora: Olha gente, vamos chegar a um consenso. Quando eu falei pra vocês, ―gente ele acredita no amor?‖ e vocês disseram ―não‖, mas depois dessa discussão, vocês continuam achando que ele não acredita no amor? Não poderia ser assim, ele acredita no amor, só que no amor verdadeiro, porque o amor que ele diz aqui é o amor verdadeiro. Aí na primeira estrofe ele diz que o amor da 188 humanidade é uma mentira, ele se coloca entre a humanidade? Ele se coloca? Quando ele diz que o amor da humanidade é uma mentira, ele se coloca entre a humanidade? Aluno: Não. Pesquisadora: Não, ele fica de fora da humanidade. Então ele diz que o amor que a humanidade sente é uma mentira, mas e o amor que ele sente? Aluno: É verdadeiro. Pesquisadora: Como ele gostaria de sentir. Porque ele diz assim: ―quando virei por fim a amá-lo?‖ Quando ele tiver a oportunidade de amar dessa forma verdadeira. Agora me digam aí, me digam aí como é o tipo de amor que a humanidade ama? Esse amor mentiroso, como é? Como é o amor que a humanidade ama? Aluna: Falso. G(M): O quê? O carnal? Pesquisadora: O carnal, você acha? Voce acha que o amor carnal é um amor mentiroso? G(M): Não, não, é que eu achava assim, da prostituta... que ele só vê isso como se fosse um horror. Pesquisadora: Sei, sim, é como se fosse uma coisa depravada, assim pra ele, sem limites, mas o amor, amor carnal, será que o amor carnal, é um amor verdadeiro? É um amor verdadeiro? [risos] S(F): É. Alunos: É. Pesquisadora: Gente, é sério, o amor carnal, eu quero saber de vocês, é um amor verdadeiro? [silêncio] Pesquisadora: Gente, há quem diga que o amor verdadeiro, o amor verdadeiro não... o amor, ele só se completa né, com a união do corpo e da alma, o amor completo. Gente, tem como vocês... é porque existem vários tipos de amor. A gente tá debatendo mais amor entre um casal, né isso? Tem como você amar só de forma espiritual? Aluno: Não. Aluno: Tem não. Pesquisadora: Tem como você amar de maneira só carnal? Aluno: Não. Aluno: Não. Pesquisadora: Tem que ter os dois. Então eu acho que o amor verdadeiro que ele fala pode ser a junção desses dois, mas de uma maneira equilibrada, né isso? E quando ele fala assim, que o amor, quando ele fala o seguinte ―quando se o amor que a humanidade inspira é o amor de Sibalita e Hetaíra‖, você vê aí que o amor que a humanidade ama é um amor totalmente desregrado né? Então pode ser que ele... e quando ele diz o seguinte ―E haja só amizade verdadeira/ Duma caveira para outra caveira,/ Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!‖ Vocês acham o quê, quando ele fala isso? Só há amizade verdadeira. A amizade e o amor são sentimentos próximos, só que o amor chega a ser mais intenso, né? E quando ele diz assim: que não pode sentir amor verdadeiro como o da humanidade, pode se ter alguma amizade verdadeira? Pode ou não pode? G(M): Eu acho que não. Pelo que ele diz aqui, não, porque ele diz da caveira, então é da morte. Pesquisadora: Será que ele com essa caveira aí... 189 G(M): Porque caveira é como se fosse assim... E(M): (Não dá para entender). Pesquisadora: Depois que morre? Alguém acha algo diferente? S(F): (Não dá para entender). Pesquisadora: Agora veja só, vocês acham que o tom desse poema é um tom pessimista ou otimista? Aluno: pessimista. Pesquisadora: Pessimista? Por quê? G(M): Em relação à humanidade, sim. E(M): É, em relação à humanidade. Pesquisadora: Você acha que ele deixa transparecer aqui que o amor é algo pessimista, é isso? G(M): É. Pesquisadora: Você pode exemplificar alguma coisa? E(M): Na segunda estrofe deixa claramente isso, quando ele fala do amor que a humanidade sente. Pesquisadora: Então a visão que vocês tem é de um poema pessimista. Você acha que aí ele se mostra melancólico em relação a isso ou não? Ou ele é conformado? G(M): Não, assim não, também. E(M): Ele não acredita. Pesquisadora: Me digam uma coisa... Por que a discussão fica só aqui no meio, hein? Só aqui entre eles e ela? Hein L(F), por que vocês não falam? M(F) também era bem participativa. Por que vocês não falam, hein? Vergonha? [risos] S(F): Eles concordam com o que a gente fala. A gente fala e eles assinam em baixo. Pesquisadora: Geralmente os poetas quando eles falam de amor, eles falam mais de uma experiência. O eu-lírico pensa em uma mulher. A maioria dos poemas de amor, não é assim? Agora será que Augusto dos Anjos, ele escreveu algo assim, sobre alguma mulher, sobre alguma coisa desse tipo? Aluna: Tem esse aqui. Pesquisadora: Qual? Aluna: ―Quadras‖. Pesquisadora: ―Quadras‖? Aluna: Sim. Pesquisadora: Olhe, então vamos ler aqui ―Ideal‖. Idealismo, ideal. Como vocês falaram sobre idealizar uma pessoa, então. Agora vamos ver aqui ―Ideal‖. Alguém pode ler? Sem ser S(F). J(M): ―Ideal. Quero-te assim, formosa entre as formosas,/ No olhar d'amor a mística fulgência/ E o misticismo cândido das rosas,/ Plena de graça, santa de inocência!// Anjo de luz de astral aurifulgência,/ Etéreo como as Willis vaporosas,/ Embaladas no albor da adolescência,/ - Virgens filhas das virgens nebulosas!// Quero-te assim, formosa, entre esplendores,/ Colmado o seio de virentes flores,/ A alma diluída em etereais cismares...// Quero-te assim... e que bendita sejas/ Como as aras sagradas das igrejas,/ Como o Cristo sagrado dos altares!‖ Pesquisadora: E aí, neste poema? Este poema é diferente do outro? Aluno: É. Aluna: É. Pesquisadora: Por quê? Aluna: Por que aqui ele está falando de uma mulher. 190 Pesquisadora: Sim, neste caso aqui você acha que ele está idealizando uma mulher, né? Então, aqui como seria a mulher ideal para ele, a mulher que ele quer? Aluna: Bondosa. G(M): Inocente. Pesquisadora: Certo. J(M): Delicada. Pesquisadora: Delicada. Agora é o seguinte, esse poema ele tem o tom mais romântico ou mais... como é que eu posso dizer... mais erótico? Alunos: Romântico. G(M): Não, é porque aqui também tem umas partes que ele fala aqui, dos seios, dessas coisas assim também né. Pesquisadora: Sim, sei... Vocês acham que tem um tom mais romântico do que erótico. Mas pode existir um pouco de erotismo aqui no poema ou não? Será que tem? [silencio] Pesquisadora: Nessa parte aqui, olhe... deixe eu ver... na terceira estrofe: ―Quero-te assim, formosa, entre esplendores,/ Colmado o seio de virentes flores,/ A alma diluída em etereais cismares...‖. O que vocês acham? Esse verbo: querer... quando ele diz: Quero-te. Vocês não acham que isso é muito forte, não? G(M): É. E(M): Ele deseja. Pesquisadora: Quero-te. Vocês não acham isso muito forte, não? Em querer possuir... Alunos: É. Pesquisadora: Né... e isso aí, e isso aí... em querer, tá mais ligado ao romantismo ou ao erotismo? Alunos: Ao erotismo. Pesquisadora: Ao erotismo né? E quando ele começa a descrever o corpo da mulher, ele fala aqui nas partes dela, vocês não acham que transpareceu também que ele quer aí amar o corpo, naquela ligação entre o espiritual e o carnal? G(M): Sim, pro carnal. Pesquisadora: Então vocês acham, vocês vêem aí, observam um tipo de paradoxo? Vocês entendem o que é paradoxo? G(M): É , porque ele quer e não quer ao mesmo tempo. Pesquisadora: São idéias opostas ao mesmo tempo. G(M): Ao mesmo tempo. Pesquisadora: Ao mesmo tempo ele mostra um romantismo, né, em algumas palavras e ao mesmo tempo ele deixa esse lado romântico, mais espiritual e idealizado e parte para o carnal, do erotismo. Ele deixa transparecer, que o amor, aqui nesse poema, pra ele pode ser a junção do corpo e da alma? Em algum momento ele idealiza né, a mulher de uma forma espiritual e... F(F): (Não dá para entender). Pesquisadora: E aí, gente nessa estrofe ―Quero-te assim... e que bendita sejas/ Como as aras sagradas das igrejas,/ Como o Cristo sagrado dos altares!‖ Essa comparação aí é porque ele quer que a mulher seja bendita e que ela esteja num altar das igrejas como o Cristo sagrados nos altares? Essa comparação aí, o que isso revela? Aluna: Porque ele quer uma mulher santa. Pesquisadora: Vamos voltar aí ao título Ideal, idealizar. Você idealizar é você achar que aquilo fosse perfeito. Então essa comparação pode ser... O ideal é que ele 191 imagina que ela fosse intocável, como se ela fosse importante, né, como o Cristo nos altares. Mesmo ele tendo essa parte do desejo, mas mesmo assim de uma maneira espiritualizada, misturando a pureza com o carnal. Pesquisadora: Vamos ver aí ―Quadras‖. Quadras, por que quadras hein, gente? Aluno: Porque cada estrofe tem quatro versos? Pesquisadora: Certo. Então vejam só: ―Quadras. Embala-me em teus braços,/ De amores bons à sombra -/ Quero em cheirosa alfombra/ Pousar os sonhos lassos!// Teus seios, oh! Morena/ - Relíquias de Carrara -/ Têm a ambrosia rara/ Da mais rara verbena.// Aperta-me em teu peito,/ E dá-me assim, divina,/ De lírios e bonina/ Um veludíneo leito.// Assim como Jesus,/ Eu quero o meu Calvário/ - Anelo morrer vário/ Dos braços teus na Cruz!// Por que não me confortas?!/ Bem sei, perdeste a olência,/ Morreu-te a redolência,/ Alma das virgens mortas -// Mas não! Apaga os traços/ De tão funéreo aspeito.../ Aperta-me em teu peito,/ Embala-me em teus braços! (Neste momento, o professor de biologia aparece na porta na sala, interrompendo a aula para dar um aviso aos alunos) Pesquisadora: Gente, e nesse poema aí... G(M): Ele é mais erótico. Pesquisadora: Demonstra um pouco de erotismo também? O que é que vocês acham? Aluno: Mais aqui é mais do que o segundo já. Pesquisadora: então, você acha que aí demonstra mais erotismo do que o primeiro? Por quê? Em que parte do texto demonstra isso? G(M): Porque aqui ó... na segunda estrofe ―Teus seios, oh! Morena/ - Relíquias de Carrara -/ Têm a ambrosia rara/ Da mais rara verbena.‖ Porque ambrosia também, né, era aquela bebida dos deuses. E(M): (Não dá para entender). Pesquisadora: Você acha que nesse poema aí ele demonstra isso? Mas em que... qual parte? Me diga aí. Aluno: Aqui. ―Por que não me confortas?!/ Bem sei, perdeste a olência,/ Morreu-te a redolência,/ Alma das virgens mortas -‖ Na última estrofe fala em funéreo, em morte. Pesquisadora: Sim, sim, pois é, muito bem. Então no primeiro poema ele deixa naquele impasse com um tom um pouco melancólico sobre o amor, no segundo ele já é mais romântico, já neste aqui, como vocês falaram ele deixa transparecer mais esse lado erótico, mais esse lado de desejo, né? Agora aqui, como no segundo poema, ele também faz uma comparação com Jesus, aqui na quarta estrofe ele diz ―Assim como Jesus,/ Eu quero o meu Calvário/ - Anelo morrer vário/ Dos braços teus na Cruz!‖ Por que essa comparação? Por que, gente, ele fala em calvário? O que é calvário? G(M): Onde Jesus foi crucificado. Pesquisadora: Por que ele quer, na mulher... ter na mulher o calvário dele? G(M): Porque é uma salvação? Aluno: Porque ele queria morrer? Pesquisadora: Será que ele queria morrer mesmo? Alunos: Não. Pesquisadora: Ou é de outra forma? G(M): Ele quer ficar nos braços dela. Ele não quer assim... nos braços dela... ficar nos braços dela? 192 Pesquisadora: Mas poderia ser assim, como Jesus... no calvário não foi o lugar que ele morreu e... F(F): E ressuscitou. Pesquisadora: E também ressuscitou. Sim, então seria um lugar de morte e salvação, também, né? E isso pode ser que ele também pense que na mulher, nos braços da mulher, no corpo daquela mulher ele pudesse ―morrer‖ – entre aspas – morrer, né, se entregar totalmente e aqui ele descreve esse momento, o momento mais carnal, o ápice né, daquele amor, daquele momento, e ao mesmo tempo uma salvação, se sacrificar né. Aí a gente pode perceber que o próprio poema o fala no total, né, no corpo e na alma. Gente, olhe, esse material pra vocês. Novamente tem uma materiazinha aí pra vocês sobre o Memorial lá em Sapé, certo; tem também na última página, tem também o poema ―O morcego‖ em quadrinhos, certo? No próprio exemplar. Na próxima semana, no próximo material, eu queria colocar o espaço do leitor, certo? Mandar uns recadinhos sobre os poemas ou sobre a revista. Eu queria no próximo exemplar trazer alguma coisa de vocês. Eu queria que vocês, bem rapidinho, colocassem alguma coisa. Quem quiser, é claro, né. 193 III intervenção na turma Na semana após a segunda intervenção a professora só teria aula na quartafeira devido ao feriado na terça-feira, dia de finados, sendo ponto facultativo na segunda. Na quinta-feira era o dia de folga dela e na sexta-feira o prédio seria interditado para a preparação para o ENEM. Devido a isso, julguei melhor deixar a aula para 15 dias depois, dia 09 de novembro. Na data combinada fui à escola, em um dia de terça-feira, mas chegando lá me disseram que a professora tinha precisado sair e que eu entrasse em contato com ela novamente para marcar um novo dia. Na semana seguinte, três semanas após a segunda intervenção, pude realizar a última, no dia 16 de novembro. Encontrei a professora, porém dessa vez entrei na sala de aula sozinha. Havia poucos alunos em sala, pois cerca de quinze faltaram. Uma menina me disse que era por causa do feriado do dia 15 de novembro, proclamação da república, que tinha sido na véspera da aula. Pesquisadora: Bom, gente, então sobre a aula passada, sobre os poemas de Augusto dos Anjos que falavam sobre amor, o que vocês acharam? O que vocês acharam sobre aqueles poemas? [silêncio] Pesquisadora: L(F), o que você achou? L(F): Bons. Pesquisadora: O que vocês acharam? Gostaram, não gostaram? [silêncio] Pesquisadora: M(F), o que você achou? M(F): Bom. Pesquisadora: Vocês leram em casa a revistinha, alguma matéria? Leram ou não? Não leram? S(F): Eu li. (Não dá para entender). Pesquisadora: Sei, aí você achou qual poema? S(F): É ―Canto Íntimo‖ e ―Versos de Amor‖ Pesquisadora: Você pode ler pra gente? S(F): Só as partes que eu grifei? Pesquisadora: Sim, pode ser as partes que você achou mais interessantes. S(F): Assim... é de ―Canto Íntimo‖ né... ―Ah! Se me ouvisses falando!/ (E eu sei que às dores resistes)/ Dir-te-ia coisas tão tristes/Que acabarias chorando.// Que mal o amor me tem feito!/ Duvidas?! Pois, se duvidas,/ Vem cá, olha estas feridas,/ Que o amor abriu no meu peito.‖ Aí, foi esse trecho aqui que eu conclui porque quando ele diz assim né... que diria coisas tão tristes que acabaria chorando, mostra que ele tava com o coração triste ou numa desilusão, porque aqui ó... ―Que mal o amor me tem feito. Duvidas‖, aí aqui ó... ―Olha as feridas que o amor abriu em meu peito‖ Pesquisadora: Essa parte é bem tocante, né? S(F): É que ele realmente sofreu alguma coisa, que abriu feridas no coração dele, que fez com que ele ficasse desiludido, sem esperança. Pesquisadora: E o outro poema que você achou, ―Versos de amor‖? Você gostou? S(F): Gostei. Pesquisadora: Tem alguma parte, assim que lhe chamou mais atenção? S(F): Aqui né... Deixe eu ver aqui... diz assim: ―Quis saber que era o amor, por experiência,/ E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,/ Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,/ Todas as ciências menos esta ciência!‖. Aí mostra aqui, olhe... ―Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo/ Mas certo, o egoísta amor este é 194 que acinte/ Amas, oposto a mim. Por conseguinte/ Chamas amor aquilo que eu não chamo.‖ Pesquisadora: Aí esse poema aí, você acha que ele dialoga bem com aquele primeiro que a gente leu? No caso, Idealismo. Quando ele fala assim, no... naquele poema Idealismo, que ele falava do amor, do amor egoísta, do amor que a humanidade sente, não é isso? E aí, nesse outro, Versos de amor, que ele fala, né do amor egoísta, né, que é um tipo de amor, o quê? O amor da pessoa que só pensa em si, né, esse amor também que as pessoas chamam de amor, como em Idealismo, que ele falou dessa banalização do amor, né, essa depravação, quando ele fala que ele não quer o amor do Sibarita, da prostituta, então ele, ele assim... ele valoriza o amor mais puro, né isso? Não o amor egoísta, o amor que só pensa em si, o amor carnal, o amor depravado, então assim... é interessante assim que esse Versos de amor, ele dialoga um pouco com Idealismo. Muito bem, S(F). Ninguém procurou mais nada, assim... nenhuma informação, gente? Ninguém procurou, né? E vocês leram alguma matéria? Tinha aí falando sobre o Memorial Augusto dos Anjos, ninguém leu também pra saber o que era, pra saber do que tratava? Alunos: Não. Pesquisadora: Ninguém leu? Vocês pegam as coisas, e só fazem assim... dão uma olhada e guardam, né? [silêncio] Pesquisadora: Sim, então, os poemas. Sabrina procurou alguns poemas, procurou na internet. Outro vídeo aí no youtube, também ninguém procurou? Ninguém se interessou pelo que tinha lá? [silêncio] Pesquisadora: Ninguém, né? [silêncio] Pesquisadora: Me digam uma coisa, dos três poemas trabalhados na aula passada, Idealismo, Ideal e Quadras, de qual vocês mais gostaram? Gostaram de todos? O que vocês me dizem? Você... que eu não sei teu nome. Como é teu nome? R(F): R(F). Pesquisadora: Rebeca, você... assim, você se identificou mais com qual dos três poemas, ―Ideal‖, ―Idealismo‖ ou ―Quadras‖? R(F): Não sei não, eu gostei de todos três. Eles são bem diferentes. Pesquisadora: Sim, são três poemas diferentes, que abordam o amor de tipos diferentes, de maneiras diferentes. R(F): Ele se posiciona de forma diferente, entendeu? (não dá pra entender) E nesses três poemas ele falou sobre o mesmo tema do amor de maneira diferente, um ressaltando o erotismo e o outro mais romântico. Pesquisadora: No primeiro ele se mostrou totalmente indiferente, né? Bom, então eu trouxe aqui essa outra edição da revista pra gente trabalhar hoje. (Entrega do material) Pesquisadora: E aí, veio também os comentários de vocês. (Os alunos se admiram lendo os comentários dos colegas na revista) Pesquisadora: É, mais depois vocês lêem, certo. Eu falei pra vocês que ia vir um espaço do leitor, que vocês teriam que escrever alguma coisa, que iria vir nessa edição, mas aí depois vocês olham, certo, depois vocês vêem aí o que os outros escreveram. Mas antes vamos aos poemas. Então aí a gente tem novamente três poemas: Eterna mágoa, À caridade e Soneto. Uma das características que eu perguntei a vocês logo na primeira aula foi qual... o que é que vocês... que características vocês apontavam na poesia de Augusto dos Anjos e vocês disseram 195 logo de início que Augusto dos Anjos era um poeta pessimista e melancólico, não foi isso, que vocês enfatizaram pessimismo e melancolia na poesia dele? S(F): É. Pesquisadora: Realmente se a gente for pegar a obra dele, o pessimismo e a melancolia é bem recorrente, só que não é só isso, por isso eu tentei trazer pra vocês outras visões, outros poemas dele, sobre temas diferentes. A gente vai ver em ―Eterna mágoa‖ algo bem próximo do que vocês já viram. ―Eterna mágoa‖ diz o seguinte: ―O homem por sobre quem caiu a praga/ Da tristeza do Mundo, o homem que é triste/ Para todos os séculos existe/ E nunca mais o seu pesar se apaga!// Não crê em nada, pois, nada há que traga/ Consolo à Mágoa, a que só ele assiste./ Quer resistir, e quanto mais resiste/ Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.// Sabe que sofre, mas o que não sabe/ E que essa mágoa infinda assim não cabe/ Na sua vida, é que essa mágoa infinda// Transpõe a vida do seu corpo inerme;/ E quando esse homem se transforma em verme/ É essa mágoa que o acompanha ainda!‖ [silêncio] Pesquisadora: Vejam só... o tom desse poema. Qual é o tom dele? Qual é o tom desse poema? É um tom mais alegre, é um tom mais triste, otimista, pessimista, melancólico, qual é o tom desse poema? Aluno: Triste. Pesquisadora: Triste? Quem foi que falou triste? Aluna: S(M) S(M): Eu? Pesquisadora: Por que o poema é triste? [silêncio] Pesquisadora: Por que, gente? Em que momentos aqui ele deixa transparecer essa tristeza? Aluna: No último. Pesquisadora: No último? Na última estrofe? Quando ele diz ―Transpõe a vida do seu corpo inerme;/ E quando esse homem se transforma em verme/ É essa mágoa que o acompanha ainda!‖ Que mágoa seria essa? [silêncio] Pesquisadora: Aqui ele deixa alguma pista disso? [silêncio] Pesquisadora: Ele deixa alguma pista disso? [silêncio] Pesquisadora: Como se ele carregasse as tristezas do mundo inteiro, as dores do outro, como se ele sentisse as dores do outro. Não tem aquelas pessoas que tem aquela facilidade em carregar as tristezas do outro, de sentir pelo outro? Aqui na primeira estrofe quando ele diz ―O homem por sobre quem caiu a praga/ Da tristeza do Mundo...‖, como se a tristeza que o mundo todinho sentisse, ele pudesse sentir, né? ―...o homem que é triste/ Para todos os séculos existe/ E nunca mais o seu pesar se apaga!‖ Quando ele diz isso: ―E nunca mais seu pesar se acaba‖, quer dizer o que? Que é uma tristeza que.. J(M): Que é uma tristeza que não tem fim. Pesquisadora: Que é uma tristeza que não tem fim, né? Voces acham que a tristeza não tem fim? A tristeza tem fim, né? Por que pra ele então não tem? Por que, gente? Aluna: Porque ele só vê tristeza. Pesquisadora: por que ele so vê tristeza? Aluna: É. 196 Pesquisadora: Por que ele é desacreditado, pode ser por que ele não acredita na vida? Aqui quando ele diz assim, olha, no começo da segunda estrofe, ele diz: ―Não crê em nada, pois, nada há que traga/ Consolo à Mágoa...‖ né, não crê em nada, é como se ele fosse desacreditado, como se ele não acreditasse na vida, numa melhora. S(F): Eu acho que ele já era conformado com aquilo. Pesquisadora: Como se ele já tivesse conformado. Minha gente, esse poema tem uma linguagem difícil? É difícil de compreender? Alunos: Não. Pesquisadora: E por que vocês não falam? Por que vocês não expõem as opiniões de vocês? Na primeira aula vocês participaram tanto. [silêncio] Pesquisadora: Agora me diga uma coisa... Aqui quando ele fala nesse poema, ele fala sobre ele? É o Augusto dos Anjos que está expondo aqui a sua dor ou não? O que vocês acham? Não tenham medo de dizer coisas erradas. Vocês dizem o que vocês acharem. [silencio] Pesquisadora: É o Augusto, é o Augusto dos Anjos que tá mostrando as suas dores aqui ou não? J(M): Não. Pesquisadora: Não? Por quê? A(F): Ele tá demonstrando as dores do homem e não só dele. Pesquisadora: Sim, han ram. Tem essa questão assim do eu-lírico. Vocês sabem o que é eu-lírico, não sabem? O eu-lírico é a voz que fala no poema, que não necessariamente, não é necessário ser o próprio poeta. Aí isso aqui cria aquela questão, aquele estereótipo, de tudo que a gente vê... de todos os poemas que a gente viu, pessimista, poemas pessimistas e melancólicos, a gente automaticamente associa ao poeta, né. Que pode haver pouco, pela poesia ser algo subjetivo, não é, você acaba colocando mesmo um pouco de seus sentimentos, mas isso não é obrigatório, não é. Aqui pode não ser o Augusto, mas o eu-lírico que está falando e como Aline disse, ele está falando não só dele, mas de todos os homens também, né. Gente, o outro poema... Tem ―À caridade‖ e ―Soneto‖. Vamos ler aí ―Soneto‖. Alguém pode ler? A(F): Eu leio. Pesquisadora: Você lê? A(F): Leio. Pesquisadora: Soneto. Vá lá... A(F): ―Soneto. O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha/ Santíssima Trindade da Ventura,/ Pode ser venturosa a criatura/ Que não crê, que não ama e que não sonha?!// Pois a alma acostumada a ser tristonha/ Pode achar por acaso ou porventura/ Felicidade numa sepultura,/ Contentamento numa dor medonha?!// Há muito tempo, o sonho, do meu seio/ Partiu num célere arrebatamento/ De minha crença arrebentando a grade,// Pois se eu não amo e se também não creio/ De onde me vem este contentamento,/ De onde me vem esta felicidade?!‖ Pesquisadora: Certo. Então aí... Soneto. O que é um Soneto, vocês sabem? J(M): É um poema composto de dois quartetos e dois tercetos. Pesquisadora: Sim, é um poema composto por dois quartetos e dois tercetos, né isso? Então aí gente, Soneto. Vamos ler mais uma vez todo mundo junto. A gente não leu nenhum poema todo mundo junto. Vamos ler agora todo mundo junto, tá certo? Então, ―Soneto. O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha/ Santíssima 197 Trindade da Ventura,/ Pode ser venturosa a criatura/ Que não crê, que não ama e que não sonha?!// Pois a alma acostumada a ser tristonha/ Pode achar por acaso ou porventura/ Felicidade numa sepultura,/ Contentamento numa dor medonha?!// Há muito tempo, o sonho, do meu seio/ Partiu num célere arrebatamento/ De minha crença arrebentando a grade,// Pois se eu não amo e se também não creio/ De onde me vem este contentamento,/ De onde me vem esta felicidade?!‖ Pesquisadora: E esse poema, gente, o que vocês acharam? Aluna: Mais alegre. Pesquisadora: Mais alegre? Júnior, dê a sua opinião. É muito importante. O que você achou desse poema? J(M): Achei legal porque ele... (Não dá para entender). E outra coisa, por exemplo, na primeira estrofe, no primeiro verso assim... ele diz ―Pode ser venturosa a criatura/ Que não crê, que não ama e que não sonha?!‖ Aqui ele ta dizendo que a criatura (não dá pra entender). Ele pergunta e ao mesmo tempo exclama, também nas outras estrofes. Na última estrofe ele fala dele mesmo, assim... ―Pois se eu não amo e se também não creio/ De onde me vem este contentamento,/ De onde me vem esta felicidade?!‖ Ele está perguntando e dá alusão de que ele não ama, aí ele pergunta de onde vem esta felicidade dele e dá pra ver que (não dá pra entender) Pesquisadora: Aqui no caso, esse poema é em torno do sonho, do amor e da crença. O sonho, o amor e a crença, que pra ele é a santíssima trindade da ventura. Trindade porque é composto de três elementos, né. A santíssima trindade da felicidade pra ele, né, pra ele poder ser feliz ele precisa amar, sonhar e crer, né. Aí nas duas primeiras estrofes ele vai dialogando com o leitor, questionando o leitor, para que você possa tomar uma posição, né quando ele diz ―O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha/ Santíssima Trindade da Ventura,‖ aí ele questiona o leitor. ―Pode ser [feliz] a criatura/ Que não crê, que não ama e que não sonha?!‖ Ele coloca o questionamento para o leitor. Agora me dêem a opinião de vocês. Pode ser feliz a criatura que não sonha, que não ama ou que não crê? Voces concordam com ele? Quando ele diz que é preciso, sonhar, amar e crer? Será que pra ser feliz isso é fundamental? Hein J(F)? [silêncio] Pesquisadora: Como é o nome daquela menina? Aluno: F(F). Pesquisadora: F(F). Pra você... Você concorda com ele? Pra ser feliz a pessoa tem que sonhar, amar e crer? E se você não sonhar, não amar e não crer, você pode não ser feliz? F(F): Não sei, mas... (Não dá para entender). Pesquisadora: Contribui né? Então, na segunda estrofe ele diz o seguinte: ―Pois a alma acostumada a ser tristonha‖, aí coloca a posição de alguém triste ―Pois a alma acostumada a ser tristonha/ Pode achar por acaso ou porventura/ Felicidade numa sepultura,/ Contentamento numa dor medonha?!‖ então uma pessoa que é triste pode se sentir feliz vendo uma desgraça? Pode ser feliz ao contemplar uma sepultura? Se contentar com uma dor medonha, como diz ele? Será que sim? [silêncio] F(F): Assim... (Não dá para entender). Pesquisadora: Nas duas últimas estrofes ele diz assim. Nas duas primeiras estrofes ele quer mexer com o leitor, quer fazer ele com que você pense, com que você raciocine, que você dê o seu ponto de vista. Aí ta em você. Ele não dá a opinião dele agora, só pergunta ao leitor. 198 S(F): Depende do ponto de vista de cada leitor, assim da sepultura, por exemplo, existe um... é... você tá com um doente em casa, por exemplo, assim, uma senhora e senhor, aí o marido tá doente, aí ele passa um tempo ali internado e ele morre, aí você fica feliz por morrer e não ta sofrendo. Pesquisadora: Sei, então nesse... nesse... na sua visão, as vezes a morte... S(F): É uma solução, é melhor do que ta sofrendo. Pesquisadora: Do que aqui na terra. Sim. Nas últimas estrofes aí sim ele começa a dar a opinião dele ―Há muito tempo, o sonho, do meu seio/ Partiu num célere arrebatamento/ De minha crença arrebentando a grade,// Pois se eu não amo e se também não creio/ De onde me vem este contentamento,/ De onde me vem esta felicidade?!‖ então ele diz que não ama e também não crê, e por que ele é feliz? Se ele começa dizendo que pra ser feliz tem que se ter três elementos, se ele não ama e não crê, então por que ele é feliz? Aí ele questiona de onde vem este contentamento, de onde me vem esta felicidade. Vocês podem imaginar por que ele é feliz? Por que ele diz que ele é feliz, mas diz ―De onde me vem este contentamento,/ De onde me vem esta felicidade‖ J(M): Do sonho. Pesquisadora: Do sonho? ... Sim. Então ele tem um elemento, e esse elemento basta. Por quê? O sonho também tem aquele poder, né. Quando você sonha com algo, você tem esperança naquilo, então o sonho mantém a esperança acesa. Ele não desistiu, ele vai continuar, então ele é feliz por isso, né. Mais alguma coisa a acrescentar? Não? Então vamos ler ―À caridade‖. Eu queria que cada um lesse, já que o poema é composto por quadras, então eu queria que cada um lesse uma parte. Sabrina, você pode começar? S(F): À caridade. ―No universo, a caridade,/ Em contraste ao vício infando,/ É como um astro brilhando/ Sobre a dor da humanidade!‖ Pesquisadora: Aline, você pode ler a outra estrofe? A(F): ―Nos mais sombrios horrores/ Por entre a mágoa nefasta/ A Caridade se arrasta/ Toda coberta de flores!‖ Pesquisadora: Você pode ler? R(F): ―Semeadora de carinhos,/ Ela abre todas as portas/ E no horror das horas mortas/ Vem beijar os pobrezinhos.‖ Pesquisadora: Júnior, você pode ler? J(M): ―Torna as tormentas mais calmas,/ Ouve o soluço do mundo/ E dentro do amor profundo/ Abrange todas as almas.‖ Pesquisadora: F(F). F(F): Cantemos todos os anos Pesquisadora: Não, aí é a próxima. ―O céu de estrela se veste‖ F(F): ―A alegria mais acesa‖. [risos] Pesquisadora: É na coluna do meio. ―O céu de estrela se veste‖. F(F): ―O céu de estrela se veste/ E em fluidos de misticismo/ Vibra no nosso organismo/ Em sentimento celeste‖. Pesquisadora: Quem lê o próximo? Você pode ler? Aluna: ―A alegria mais acesa/ Nossas cabeças invade.../ Gloria, pois à Caridade/ No seio da natureza!‖ Aluna: ―Cantemos todos os anos/ Na festa da Caridade/ A solidariedade/ Dos sentimentos humanos.‖ Pesquisadora: Certo. E esse poema, gente, já fala da caridade. O que vocês acharam desse poema? [silêncio] 199 Pesquisadora: Esse poema aí é rico em imagens, né? Ele fala assim: ――No universo, a caridade,/ Em contraste ao vício infando,/ É como um astro brilhando/ Sobre a dor da humanidade!‖ Quando ele fala na caridade. Caridade, é o quê, gente? S(F): É o amor. Pesquisadora: Sim, caridade é o amor despretensioso né? Aquele amor em que você ajuda as pessoas, aquele amor caridoso, né, aquela vontade de ajudar o próximo, nunca pensando em você, mas no próximo. Entao quando ele diz aqui... O tom desse poema, vocês acharam otimista, pessimista, esperançoso, como é? J(M): Otimista. Aluno: Mais otimista. Pesquisadora: Mais otimista? Aqui, ele demonstra, ele demonstra um sentimento de esperança? Voces acharam isso? Um sentimento de esperança. J(M): Na terceira estrofe dá alusão que sim, porque ele diz aqui: ―Semeadora de carinhos,/ Ela abre todas as portas/ E no horror das horas mortas/ Vem beijar os pobrezinhos.‖ (Não dá para entender). Pesquisadora: É... vocês acharam assim... esses poemas acrescentaram algo de novo pra vocês? Trouxe alguma novidade, o que vocês acharam? J(M): (Não dá para entender). S(F): (Não dá para entender). Pesquisadora: Isso causou impacto? Gente, de uma maneira geral, essas aulas... de maneira geral, tanto na primeira aula, que a gente tratou de temas, de poemas que falavam mais sobre Deus, na segunda aula que falava sobre amor, nessa agora que fala mais sobre a esperança, já em contraponto com a visão melancólica e pessimista dele, vocês acharam que contribuiu em alguma coisa pra vocês ou não? J(M): Contribuiu. Pesquisadora: Contribuíram essas aulas pra quê? J(M): A partir das aulas que Verucci deu a gente compreendeu mais que ele não era tão pessimista, mas que também via o mundo de outras maneiras (não dá pra entender) Pesquisadora: Se... por acaso, se não tivesse havido essas intervenções que eu fiz aqui com vocês mostrando outros poemas, vocês iriam continuar com aquela visão de que ele só falava em pessimismo, melancolia? S(F): Com certeza. Pesquisadora: Gente, de maneira geral, o material que foi utilizado, o que vocês acharam? Foi interessante? Alunos: Foi. 200 ANEXOS 201 ANEXO A – Poemas de Augusto dos Anjos Versos de amor A um poeta erótico Parece muito doce aquela cana. Descasco-a, provo-a, chupo-a ... ilusão treda! O amor, poeta, é como a cana azeda, A toda a boca que o não prova engana. Quis saber que era o amor, por experiência, E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo, Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, Todas as ciências menos esta ciência! Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo Mas certo, o egoísta amor este é que acinte Amas, oposto a mim. Por conseguinte Chamas amor aquilo que eu não chamo. Oposto ideal ao meu ideal conservas. Diverso é, pois, o ponto outro de vista Consoante o qual, observo o amor, do egoísta Modo de ver, consoante o qual, o observas. Porque o amor, tal como eu o estou amando, É Espírito, é éter, é substância fluida, É assim como o ar que a gente pega e cuida, Cuida, entretanto, não o estar pegando! É a transubstanciação de instintos rudes, Imponderabilíssima, e impalpável, Que anda acima da carne miserável Como anda a garça acima dos açudes! Para reproduzir tal sentimento Daqui por diante, atenta a orelha cauta, Como Marsias — o inventor da flauta — Vou inventar também outro instrumento! Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo Ambiciono, que o idioma em que te eu falo Possam todas as línguas decliná-lo Possam todos os homens compreendê-lo! Para que, enfim, chegando à última calma Meu podre coração roto não role, Integralmente desfibrado e mole, Como um saco vazio dentro d'alma! 202 Psicologia de um vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundíssimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme — este operário das ruínas — Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há-de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! Budismo moderno Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?! Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também, das diatomáceas da lagoa A criptógama cápsula se esbroa Ao contato de bronca destra forte! Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma célula caída Na aberração de um óvulo infecundo; Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perpétuas grades Do último verso que eu fizer no mundo! O morcego Meia noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. "Vou mandar levantar outra parede..." — Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, 203 Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh'alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?! A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto! Versos íntimos Vês?! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão — esta pantera — Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! Vandalismo Meu coração tem catedrais imensas, Templos de priscas e longínquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas, Canta a aleluia virginal das crenças. Na ogiva fúlgida e nas colunatas Vertem lustrais irradiações intensas Cintilações de lâmpadas suspensas E as ametistas e os florões e as pratas. Com os velhos Templários medievais Entrei um dia nessas catedrais E nesses templos claros e risonhos. E erguendo os gládios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos! 204 Bandalhismo Meu coração tem butiquins imundos, Antros de ronda, vinte-e-um, purrinha, Onde trêmulas mãos de vagabundo Batucam samba-enredo na caixinha. Perdigoto, cascata, tosse, escarro, um choro soluçante que não pára, piada suja, bofetão na cara e essa vontade de soltar um barro... Como os pobres otários da Central já vomitei sem lenço e sonrisal o P.F. de rabada com agrião... Mais amarelo do que arroz-de-forno, voltei pro lar, e em plena dor-de-corno quebrei o vídeo da televisão. Canto íntimo Meu amor, em sonhos erra, Muito longe, altivo e ufano Do barulho do oceano E do gemido da terra! O Sol está moribundo. Um grande recolhimento Preside neste momento Todas as forças do Mundo. De lá, dos grandes espaços, Onde há sonhos inefáveis Vejo os vermes miseráveis Que hão de comer os meus braços. Ah! Se me ouvisses falando! (E eu sei que às dores resistes) Dir-te-ia coisas tão tristes Que acabarias chorando. Que mal o amor me tem feito! Duvidas?! Pois, se duvidas, Vem cá, olha estas feridas, Que o amor abriu no meu peito. Passo longos dias, a esmo... Não me queixo mais da sorte Nem tenho medo da Morte 205 Que eu tenho a Morte em mim mesmo! "Meu amor, em sonhos, erra, Muito longe, altivo e ufano Do barulho do oceano E do gemido da terra!" Monólogo de uma sombra "Sou uma Sombra! Venho de outras eras, Do cosmopolitismo das moneras... Pólipo de recônditas reentrâncias, Larva de caos telúrico, procedo Da escuridão do cósmico segredo, Da substância de todas as substâncias! A simbiose das coisas me equilibra. Em minha ignota mônada, ampla, vibra A alma dos movimentos rotatórios... E é de mim que decorrem, simultâneas, A sáude das forças subterrâneas E a morbidez dos seres ilusórios! Pairando acima dos mundanos tetos, Não conheço o acidente da Senectus - Esta universitária sanguessuga Que produz, sem dispêndio algum de vírus, O amarelecimento do papirus E a miséria anatômica da ruga! Na existência social, possuo uma arma - O metafisicismo de Abidarma E trago, sem bramánicas tesouras, Como um dorso de azémola passiva, A solidariedade subjetiva De todas as espécies sofredoras. Como um pouco de saliva quotidiana Mostro meu nojo á Natureza Humana. A podridão me serve de Evangelho... Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques E o animal inferior que urra nos bosques E com certeza meu irmão mais velho! Tal qual quem para o próprio túmulo olha, Amarguradamente se me antolha, À luz do americano plenilúnio, Na alma crepuscular de minha raça Como urna vocação para a Desgraça E um tropismo ancestral para o Infurtúnio. 206 Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias, Trazendo no deserto das idéias O desespero endêmico do inferno, Com a cara hirta, tatuada de fuligens Esse mineiro doido das origens, Que se chama o Filósofo Moderno! Quis compreender, quebrando estéreis normas, A vida fenomênica das Formas, Que, iguais a fogos passageiros, luzem... E apenas encontrou na idéia gasta, O horror dessa mecânica nefasta, A que todas as coisas se reduzem! E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes, Sobre a esteira sarcófaga das pestes A mostrar, já nos últimos momentos, Como quem se submete a uma charqueada, Ao clarão tropical da luz danada, O espólio dos seus dedos peçonhentos. Tal a finalidade dos estames! Mas ele viverá, rotos os liames Dessa estranguladora lei que aperta Todos os agregados perecíveis, Nas eterizações indefiníveis Da energia intra-atômica liberta! Será calor, causa ubíqua de gozo, Raio X, magnetismo misterioso, Quimiotaxia, ondulação aérea, Fonte de repulsões e de prazeres, Sonoridade potencial dos seres, Estrangulada dentro da matéria! E o que ele foi: clavículas, abdômen, O coração, a boca, em síntese, o Homem, - Engrenagem de vísceras vulgares Os dedos carregados de peçonha, Tudo coube na lógica medonha Dos apodrecimentos musculares! A desarrumação dos intestinos Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos Dentro daquela massa que o húmus come, Numa glutoneria hedionda, brincam, Como as cadelas que as dentuças trincam No espasmo fisiológico da fome. 207 E unia trágica festa emocionante! A bacteriologia inventariante Toma conta do corpo que apodrece... E até os membros da família engulham, Vendo as larvas malignas que se embrulham No cadáver malsão, fazendo um s. E foi então para isto que esse doudo Estragou o vibrátil plasma todo, À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!... Num suicídio graduado, consumir-se, E após tantas vigílias, reduzir-se À herança miserável de micróbios! Estoutro agora é o sátiro peralta Que o sensualismo sodomista exalta, Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo... Como que, em suas células vilíssimas, Há estratificações requintadíssimas De uma animalidade sem castigo. Brancas bacantes bêbedas o beijam. Suas artérias hírcicas latejam, Sentindo o odor das carnações abstêmias, E á noite, vai gozar, ébrio de vício, No sombrio bazar do meretrício, O cuspo afrodisíaco das fêmeas. No horror de sua anômala nevrose, Toda a sensualidade da simbiose, Uivando, á noite, em lúbricos arroubos, Como no babilônico sansara, Lembra a fome incoercível que escancara A mucosa carnívora dos lobos. Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda. Negra paixão congênita, bastarda, Do seu zooplasma ofídico resulta... E explode, igual á luz que o ar acomete, Com a veemência mavórtica do aríete E os arremessos de uma catapulta. Mas muitas vezes, quando a noite avança, Hirto, observa através a tênue trança Dos filamentos fluídicos de um halo A destra descamada de um duende, Que tateando nas tênebras, se estende Dentro da noite má, para agarrá-lo! Cresce-lhe a intracefálica tortura, 208 E de su'alma na cavema escura, Fazendo ultra-epiléticos esforços, Acorda, com os candieiros apagados, Numa coreografia de danados, A família alarmada dos remorsos. É o despertar de um povo subterrâneo! E a fauna cavernícola do crânio - Macbetbs da patológica vigília, Mostrando, em rembrandtescas telas várias, As incestuosidades sangüinárias Que ele tem praticado na família. As alucinações tácteis pululam. Sente que megatérios o estrangulam... A asa negra das moscas o horroriza; E autopsiando a amaríssima existência Encontra um cancro assíduo na consciência E três manchas de sangue na camisa! Míngua-se o combustível da lanterna E a consciência do sátiro se inferna, Reconhecendo, bêbedo de sono, Na própria ânsia dionísica do gozo, Essa necessidade de horroroso, Que é talvez propriedade do carbono! Ah! Dentro de toda a alma existe a prova De que a dor como um dartro se renova, Quando o prazer barbaramente a ataca... Assim também, observa a ciência crua, Dentro da elipse ignívoma da lua A realidade de urna esfera opaca. Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa, Abranda as rochas rígidas, torna água Todo o fogo telúrico profundo E reduz, sem que, entanto, a desintegre, À condição de uma planície alegre, A aspereza orográfica do mundo! Provo desta maneira ao mundo odiento Pelas grandes razões do sentimento, Sem os métodos da abstrusa ciência fria E os trovões gritadores da dialética, Que a mais alta expressão da dor estética Consiste essencialmente na alegria. Continua o martírio das criaturas: - O homicídio nas vielas mais escuras, 209 - O ferido que a hostil gleba atra escarva, - O último solilóquio dos suicidas E eu sinto a dor de todas essas vidas Em minha vida anônima de larva!" Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos, Da luz da lua aos pálidos venábulos, Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo, Julgava ouvir monótonas corujas, Executando, entre caveiras sujas, A orquestra arrepiadora do sarcasmo! Era a elegia panteísta do Universo, Na podridão do sangue humano imerso, Prostituído talvez, em suas bases... Era a canção da Natureza exausta, Chorando e rindo na ironia infausta Da incoerência infernal daquelas frases. E o turbilhão de tais fonemas acres Trovejando grandiloquos massacres, Há-de ferir-me as auditivas portas, Até que minha efêmera cabeça Reverta á quietação da treva espessa E à palidez das fotosferas mortas! 210 ANEXO B – Bilhete original dos alunos De: G(M) De: A(F) De: JN(F) De: E(M) 211 De: ML(F) De: J(M) De: F(F) 212 De: JK(F) De: S(F) De: JL(F) De: R(F) 213 ANEXO C – Questionários respondidos