Silvana Bessone
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Silvana Bessone
Museu Nacional dos Coches: diferentes públicos, diferentes ofertas Silvana Bessone Ultrapassada a fase em que o público nos museus era considerado um mal necessário, e sobretudo um perigo para a conservação e preservação das colecções, eis os museus a concorrerem intensamente entre si para conquistar um maior número de visitantes. 1 «Fundação de Serralves…à frente do Museu dos Coches» é actualmente notícia de jornal revelando uma preocupação inexistente há vinte anos atrás. Que os tempos mudaram não há dúvida. Mas terão os museólogos compreendido a mudança? O frenesim da guerra de números, que em 2008 se tornou mesmo no principal objectivo definido pelo Ministério da Cultura e consequentemente pelo Instituto dos Museus e da Conservação para os museus do Estado, no aumento de 5% do número de visitantes em relação ao ano anterior corresponderá a uma efectiva valorização do papel dos museus na sociedade portuguesa? Claro que sem público os museus pouca utilidade terão. Mas levar o público aos museus, aos estádios de futebol vazios, aos centros comerciais em crise, às paisagens naturais do interior desertificado poderá e deverá ser feito do mesmo modo? A realização de um concerto de um artista famoso, devidamente publicitado na televisão, seja ele o Tony Carreira ou o Plácido Domingo levará, seguramente um número considerável de pessoas a qualquer dos locais mencionados, mas aproximará o público desses locais enquanto espaços definidos para o cumprimento das missões específicas de cada um deles? A indiscutível importância dos visitantes nos museus portugueses poderá e deverá limitar-se a um contar de cabeças? O que se aprende ou apreende na visita aos museus importa? E o prazer que poderá proporcionar aos visitantes a visita ao museu é um objectivo a ter em conta? São perguntas que obviamente nos preocupam e às quais o número anual de visitantes não responde seguramente. 1 Jornal de Notícias, ed.19 de Novembro de 2009 1 Concretizando um pouco mais o pensamento em torno do Museu Nacional dos Coches, passarei a analisar de forma pragmática a relação público/ museu. Quando foi inaugurado pela rainha D. Amélia, em 1905,o Museu dos Coches Reais representou, uma novidade museológica a nível mundial constituindo-se no primeiro museu de transportes do mundo. Lembremos que na época os coches eram os únicos meios de transporte utilizados pelo Rei na representação pública do Estado. Por isso saíam e entravam no Museu sempre que necessário. Um Museu de técnica verdadeiramente inovador para a época. E o público? Na altura eram sobretudo os nacionais, que vinham ver de perto aquelas sumptuosas viaturas. Mas também os raros estrangeiros que passavam por Lisboa e ficavam maravilhados com esse museu de vanguarda. O Museu Nacional dos Coches possui hoje a mais completa colecção do mundo de viaturas de gala dos séculos XVII a XIX. É uma verdadeira raridade que não pode ser vista em mais nenhum museu do mundo. A juntar a este facto, a exposição dessas viaturas encontra-se num espaço magnificamente adaptado a este tipo de colecção, também ele único no mundo. Por estes motivos o Museu Nacional dos Coches desperta uma natural curiosidade junto dos turistas estrangeiros que visitam Lisboa e que constituem cerca de 70% dos seus visitantes. Outras duas categorias de visitantes são os cidadãos nacionais que representam 23% e a população escolar com cerca de 7%. Para estas três categorias de público com interesses diferentes o Museu oferece produtos diferentes. Para os turistas estrangeiros que na sua maioria visitam o Museu em grupos organizados, a principal oferta é a visita guiada à colecção de viaturas de gala. Para os visitantes nacionais a oferta é actualmente mais diversificada e inclui: uma exposição temporária anual; a visita guiada à colecção especialmente para a Grupos Seniores provenientes de centros de dia ou de universidades da terceira idade; a comemoração do 18 de Maio, Dia Internacional dos Museus, celebrado em todos os museus portugueses e a Noite dos Museus, também em Maio, iniciativa europeia que igualmente se incorporou na vida dos museus com grande entusiasmo do público; Actividades em Família aos Domingos e, mensalmente, desde há cinco anos a realização de um Café-Concerto às cinco da tarde no último domingo de cada mês. 2 Finalmente para a população escolar diversas actividades acompanhadas pelo Serviço Educativo, que vão desde visitas guiadas com uma abordagem diferenciada consoante o grau de ensino e temática solicitada pelos professores a jogos de descoberta através dos quais as crianças desvendam pistas e encontram um tesouro contactando de uma forma lúdica com os aspectos mais relevantes da colecção passando por guiões de exploração pedagógica através dos quais as crianças de forma autónoma desenvolvem o espírito de observação e investigação e ateliers de artes plásticas. À semelhança de outros museus, o Serviço Educativo do Museu Nacional dos Coches procura de forma mais atraente prender a atenção das crianças com o objectivo de desenvolver o seu sentido estético e artístico, aumentar os seus conhecimentos históricos e ainda habituá-las a ter uma relação natural com a cultura e os equipamentos culturais na esperança de cada vez menos no Museu ouvirmos a frase «Ah! Isto é tão extraordinário e eu já não me lembrava. Vim cá uma vez quando era pequeno(a).» Desde a celebração do centenário do Museu Nacional dos Coches, em 2005, e numa fase adiantada da decisão de construir um novo edifício para instalar o Museu, procurou-se estabelecer uma ligação mais forte com o público nacional, especialmente lisboeta, reforçando o papel do Museu na comunidade enquanto força dinamizadora da cultura. Este desafio estratégico poucas vezes tentado pelos museus nacionais revelou-se compensador através da iniciativa dos Cafés-Concerto programada num horizonte de médio prazo. Com uma média mensal de cerca de 500 visitantes, esta iniciativa constitui um exemplo de fidelização de público que se habituou a regularmente visitar o Museu, usufruindo o prazer de uma tarde «bem passada» e culturalmente enriquecedora, em contacto directo com o património nacional «Viajando» pela História da Música; pela Música de Salão; pela Ópera e Opereta; pela Música do clássico ao Popular e, finalmente, Viajando pelos Famosos CafésConcerto do Mundo com os quais terminamos este ano o programa. 2005 N.º de visitantes 900 700 500 300 100 Jan. Fev. Mar . Abril Maio Jun. J ul. Agos. Set. Out. Nov. Dez. 3 2006 N.º de visitantes 900 700 500 300 100 Jan. Fev. Mar. Abril Maio Jun. J ul. Agos. Set. Out. Nov. Dez. 2007 900 N.º de visitantes 700 500 300 100 Ja n. Fe v. Ma r. A bril Ma io J un. Jul. Agos . S et . Out. N ov. D ez . Agos. Set. Out. Nov. Dez. 2008 N.º de visitantes 900 700 500 300 100 Jan. Fev. Mar. Abril Maio Jun. J ul. 4 2 Mas como já tive oportunidade de defender, citando Jean-Michel Tobelem no artigo intitulado «Museu Nacional dos Coches. O desafio de gestão de um museu nacional» publicado no 3 último número da revista Museologia.pt , os museus entraram na sua terceira idade o «Tempo dos Accionistas» depois de terem passado pelo «Tempo dos proprietários» correspondente ao período da sua origem, no final do século XIX, até meados do século XX seguido pelo «Tempo dos Gerentes» de 1950 ao ano 2000 para finalmente entrarem no século XXI orientados para os accionistas, que no caso dos museus do Estado são os cidadãos. E os accionistas querem resultados ou pelo menos os seus representantes eleitos, os políticos, manifestam-se nesse sentido. E nos resultados incluem-se «os clientes». Não só manter «os clientes antigos» como angariar «novos clientes». Mas esta perspectiva que envolve necessariamente os públicos insere-se na problemática mais vasta do financiamento dos museus, e consequentemente no modelo de gestão. Também aqui as coisas mudaram e seria matéria seguramente interessante para um próximo debate. Depois de um longo período de inércia na obtenção de receitas próprias, os museus procuram actualmente diversificar as suas fontes de financiamento correspondendo também nesse domínio às exigências dos seus visitantes e simultaneamente «accionistas» uma vez que continuam a ser os seus impostos a financiar uma larguíssima fatia dos orçamentos da grande maioria dos museus. No entanto o dinheiro público quer venha do Estado Central ou das Autarquias não é suficiente e a procura de alternativas, nomeadamente nos apoios mecenáticos ou na prestação de serviços como as cedências de espaço e a abertura de lojas vieram introduzir uma nova dimensão na existência dos museus: a concorrência comercial. Disputam-se mecenas, disputam-se eventos, disputam-se produtos de merchandising. 2 TOBELEM, Jean-Michel, 2007 Le nouvel âge des musées, Les instituitions culturelles au défi de la gestion, Paris, Armand Colin. 3 BESSONE, Silvana, 2008, «Museu Nacional dos Coches, O desafio da gestão de um museu nacional», Museologia.pt, nº2, Lisboa, ed. IMC,I.P. 5 É neste contexto de concorrência, que uma outra disciplina se introduziu na museologia: o marketing institucional. E com ele, o prestígio das instituições museais tem vindo a crescer, potenciando novas relações com a comunidade. Desde local para celebração de grandes eventos de Estado, como a assinatura do Tratado de Lisboa até às mais simples celebrações de aniversários de crianças, o Museu Nacional dos Coches tem reforçado a sua posição de espaço de excelência para usufruto dos seus visitantes. Mas voltemos aos públicos, não só por ser o tema deste encontro mas também por ser uma questão paradigmática da actual museologia. Pela natureza de raridade mundial o Museu Nacional dos Coches como já vimos tornou-se alvo da curiosidade dos turistas estrangeiros que visitam Lisboa e, por isso mesmo, passou com o desenvolvimento do turismo de massas, a integrar os circuitos turísticos de visita à cidade. A característica principal deste tipo de público é a de viajar em grupo, de forma organizada pelos operadores turísticos, utilizando autocarros de passageiros que recolhem os grupos nos hotéis, efectuando um passeio por determinados percursos com tempos e paragens estabelecidas de modo cumprir o trajecto no horário estipulado. Todos conhecemos e compreendemos este mecanismo, idêntico em todo o mundo. Mas a falta de coordenação institucional e, sobretudo, um certo alheamento da importância que um museu tem enquanto equipamento económico- social pode ocasionar sérios prejuízos. Foi o que aconteceu em Belém. Até há poucos anos, os autocarros de turistas paravam em frente à porta do Museu Nacional dos Coches onde deixavam os passageiros para a visita e depois os recolhiam passados os trinta minutos que esta durava. Com o novo arranjo exterior de alargamento do passeio em frente ao Palácio de Belém realizado em 2005, pela Câmara Municipal de Lisboa sem que se acautelasse previamente uma solução para a paragem dos autocarros de turistas foi completamente proibida a paragem junto ao Museu. Resultado, os operadores turísticos seguem directamente para os Jerónimos onde encontram lugar para estacionarem os autocarros e o Museu perdeu de um ano para o outro cerca de cem mil visitantes. 6 Esta situação veio a agravar-se com a colocação, em finais de 2008, de um conjunto de pilaretes em toda a zona envolvente do Museu, delimitando o parqueamento apenas a dois autocarros e impedindo os poucos motoristas prevaricadores de estacionarem nas proximidades do Museu. Reduziram-se, assim, ainda mais as possibilidades de os turistas encurtarem em tempo e em passos a distância entre os autocarros e o Museu. Agora que se prepara a construção de um novo edifício para a extensão do Museu Nacional dos Coches esperávamos poder vir a corrigir esta situação de modo a possibilitar a concretização do sonhado milhão de visitantes que o Turismo de Portugal anseia. Mas o projecto, por agora, contempla apenas uma área de parqueamento para três autocarros criando uma situação de difícil resolução. Para o Museu Nacional dos Coches como temos vindo a referir as grandes movimentações turísticas tem reflexos directos no número de visitantes do Museu. Foi assim em 1994 com a Capital Europeia da Cultura onde o número de visitantes ultrapassou as 303.000 pessoas, e em 1998 com a realização da EXPO 98 onde se atingiram cerca de 350.000 visitantes. Também as crises têm reflexos. A Guerra do Golfo, o atentado do 11 de Setembro e a grave crise financeira internacional são disso exemplo. Tal como um barómetro da pressão turística o Museu Nacional dos Coches reflecte no número de visitantes a diminuição ou aumento dos fluxos turísticos em Lisboa. Mas não poderia finalizar uma conversa sobre públicos do Museu sem falar de Comunicação. Na sociedade da informação em que vivemos, quem não está na Net simplesmente não está. O website é, por isso, indispensável à actividade actual de um museu, assim como uma eficaz comunicação electrónica através dos mais variados meios (emails, sms, etc.). Em 2008, o Website do Museu Nacional dos Coches recebeu 64.824 visitantes com 71.803 consultas num total de 547.378 páginas, aumentando o número de visitantes 30,4% em relação ao ano anterior. Igualmente o projecto «Historical Carriages on the Digital Highway» deu corpo ao portal europeu www.cariagesofeurope que associou o Museu Nacional dos Coches ao museu holandês Rijtuigmuseum de Leek e ao Kunsthistoriches Museum de Viena de Áustria reforçando a divulgação internacional da colecção portuguesa na moderna concepção do museu virtual. 7 Público e visitantes contam-se, agora, de forma diferente. SB Lista de fotos: Foto 1: Visitas Guiadas a Grupos de Turistas 8 Foto 2: Dia Internacional dos Museus – 18 de Maio Foto 3: Noite dos Museus – Ano Europeu para o Diálogo Intercultural Actuação do Grupo de Dança Cigana de Vila Real de Santo António 9 Foto 4: Cafés-Concerto no Museu Nacional dos Coches Foto 5: Serviço Educativo – Jogo de Descoberta 10 Foto 6: Serviço Educativo – Guiões de Visita 11