Folha da sala - Teatro Maria Matos
Transcrição
Folha da sala - Teatro Maria Matos
1 0 26 outubro ↣ 29 novembro 2013 TEATRO ★ 26 outubro sábado ↣ 16h às 02h a n o s m a l a v mala voadora o a d o r a m u n d o 10 anos p e r f e i t o 2 0 1 3 Mundo Perfeito / Tiago Rodrigues MARIA MATOS TEATRO MUNICIPAL MARATONA 10 ANOS 10 HORAS Tanto a mala voadora como o Mundo Perfeito estão em casa no Teatro Maria Matos e, por isso, decidiram fazer o que se faz quando se quer uma festa na nossa casa: convidar amigos. Durante 10 horas, o palco do Teatro Maria Matos é sucessivamente ocupado por mais de 50 artistas — do teatro, da dança, da música, da performance e das artes visuais — que, em Portugal ou no estrangeiro, têm sido próximos da mala voadora, ou do Mundo Perfeito, ou de ambos, ao longo dos últimos dez anos. Cada um faz aquilo que mais gosta de fazer. As suas prendas de aniversário são peças curtas, fragmentos de peças, leituras, instalações, performances e micro-concertos, preparados especialmente para este evento. Na rua, uma roulotte servirá comida e bebida para aconchegar os estômagos nos intervalos que pontuam a maratona. O dia acaba entre amigos e em festa. sala principal ● duração: 10h ● M/12 um projeto Create to Connect com o apoio do Programa Cultura da União Europeia convidados da maratona 10 anos 10 horas Mundo Perfeito → Alex Cassal (Brasil) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em Estúdios 2 (2009) e Mundo Maravilha (2012) e como autor em Hotel Lutécia (2010). → Alexandre Talhinhas – Colaborou com o Mundo Perfeito como músico em Urgências 2007, Se uma janela se abrisse (2010), Tristeza e alegria na vida das girafas (2011) e Três dedos abaixo do joelho (2012). → Ana Borralho & João Galante – Colaboraram com o Mundo Perfeito como atores em Hotel Lutécia (2010). → Bruno Canas – Responsável pelo registo vídeo dos espetáculos do Mundo Perfeito, figurante no espetáculo O que se leva desta vida (2009), realizou e montou os vídeos usados em Urgências 2007 e Se uma janela se abrisse (2010). → Carla Galvão – Colaborou com o Mundo Perfeito como atriz em Tristeza e alegria na vida das girafas (2011). → Carla Maciel – Colaborou com o Mundo Perfeito como atriz em Hotel Lutécia (2010) e na criação The Jew (2011). → Companhia Maior – Colaborou com o Mundo Perfeito como atores em Bela Adormecida (2010). → Dinarte Branco – Colaborou com o Mundo Perfeito como ator em Urgências (2004). → Felipe Rocha (Brasil) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em Estúdios 2 (2009) e Mundo Maravilha (2012). → Filipe Homem Fonseca – Colaborou com o Mundo Perfeito como autor em Urgências (2004), Azul a cores (2006), Urgências 2006 e A Festa (2008). → Gonçalo Alegria – Impulsionou a criação do Mundo Perfeito. → Gonçalo Waddington – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em O que se leva desta vida (2009) e The Jew (2011) e como ator nos espetáculos Hotel Lutécia (2010) e Três dedos abaixo do joelho (2012). → Iolanda Laranjeiro – Colaborou com o Mundo Perfeito como atriz em Urgências 2006. → Isabel Abreu – Colaborou com o Mundo Perfeito como atriz em Hotel Lutécia (2010) e Três dedos abaixo do joelho (2012). → Jacinto Lucas Pires – Colaborou com o Mundo Perfeito como autor de Hotel Lutécia (2010). → Jerónimo Rocha - Atualmente a colaborar com o Mundo Perfeito como designer. → José Luís Peixoto - Colaborou com o Mundo Perfeito como autor de Urgências 2007. → Kuno Bakker (Holanda) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em The Jew (2011). → Leo Preston (Noruega) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em Long Distance Hotel (2010 e 2011). → Luís Mestre – Colaborou com o Mundo Perfeito como ator em Urgências 2006 e Urgências 2007. → Manja Topper (Holanda) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criadora e atriz em The Jew (2011). → Margarida Cardeal – Colaborou com o Mundo Perfeito como atriz em Azul a cores (2006) e Urgências 2006. → Michel Blois (Brasil) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em Estúdios 2 (2009). → Miguel Borges – Colaborou com o Mundo Perfeito como ator em Tristeza e alegria na vida das girafas (2011). → Nelson Guerreiro – Colaborou com o Mundo Perfeito como ator em Urgências 2006 e A Festa (2008). → Renato Linhares (Brasil) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criador e ator em Mundo Maravilha (2012). → Stella Rabello (Brasil) – Colaborou com o Mundo Perfeito como criadora e atriz em Mundo Maravilha (2012). → Thomas Walgrave (Bélgica) – Colaborou com o Mundo Perfeito como desenhador de luz e cenógrafo em vários espetáculos, dos quais se destacam Duas Metades (2007), Urgências 2006, Urgências 2007, A Festa (2008) e Bela Adormecida (2010). mala voadora Mundo Perfeito → Bernardo de Almeida – Colaborou com o Mundo Perfeito como ator em Se uma janela se abrisse (2010). Colaborou com a mala voadora como ator em Huis Clos (2009), 3D (2010), overdrama (2011) e revelação (2012). → Cláudia Gaiolas – Colaborou como criadora e atriz em vários espetáculos do Mundo Perfeito, dos quais se destacam Duas Metades (2007), Urgências 2006, Urgências 2007, Estúdios 2 (2009), Se uma janela se abrisse (2010) e Mundo Maravilha (2012). Colaborou com a mala voadora como atriz em projeto de execução (2006), teatro-postal (2006), desempacotando a minha biblioteca (2007) e overdrama (2011), e como assistente de encenação em casa & jardim (2012). → Flávia Gusmão – Colaborou com o Mundo Perfeito como atriz em Hotel Lutécia (2010). Colaborou com a mala voadora como atriz em single (2010) e overdrama (2011). → Paula Diogo – Colaborou com o Mundo Perfeito, como atriz em Se uma janela se abrisse (2010) e como criadora e atriz nos espetáculos Estúdios 2 (2009) e Mundo Maravilha (2012). Colaborou com a mala voadora como atriz em casa & jardim (2012) e na banda sonora de memorabilia (2011). → Pedro Gil – Colaborou com o Mundo Perfeito como ator em Tristeza e alegria na vida das girafas (2011). Colaborou com a mala voadora como ator em Os Justos (2004), single (2010), overdrama (2011) e na conceção de O decisivo na política… (2008). → Rui Horta – Parceiro regular do Mundo Perfeito desde 2005. Parceiro regular da mala voadora desde 2005. → Tónan Quito – Colaborou como criador e ator em vários espetáculos do Mundo Perfeito, dos quais se destacam Duas Metades (2007), Urgências 2006, Urgências 2007, A Festa (2008), Se uma janela se abrisse (2010) e Entrelinhas (2013). Colaborou com a mala voadora como ator em desempacotando a minha biblioteca (2007). mala voadora → Alex Kelly (Reino Unido) – Cofundador da companhia britânica Third Angel, com a qual a mala voadora tem trabalhado em cocriação, designadamente nos espetáculos Story Map (2009), what i heard about the world (2009) e Paraíso 2 (2014). → Amaya González Reyes (Espanha) – Desenvolve tese de doutoramento sobre o trabalho da mala voadora. Colaborou com a companhia nos espetáculos 3D (2010), memorabilia (2011) e dead end (2012). → Ana Brandão – Colaborou com a mala voadora como atriz em o duplo (2009) e na banda sonora de memorabilia (2011). → Anabela Almeida – Membro da mala voadora, participa como atriz nos seus espetáculos desde a fundação e é responsável pelo Serviço Educativo da companhia. → Bruno Huca – Participou como ator em chinoiserie (2009), single (2010) e 3D (2010). Colaborou na conceção de real/ show (2009). → Carlos António – Colaborou com a mala voadora como ator em overdrama (2011) e A Sala Branca (2013). → Chris Thorpe (Reino Unido) – Colabora regularmente com a mala voadora na qualidade de dramaturgo. É cocriador de what I heard about the world (2010) e escreveu overdrama (2011), casa & jardim (2012) e dead end (2012). → Deborah Krystall & Jenny LaRue, Norma Swan, Nyma Charles, Samantha Rox, Vitor Hugo - Deborah Krystall atuou em desempacotando a minha biblioteca → → → → → → → → → → → → → → → (2007) e colaborou ainda com a mala voadora em Paraíso 1 (2013). Isaque Pinheiro – Colaborou com a mala voadora em hard (I + II) (2006) e overdrama (2011). Joana Bárcia – Colaborou com a mala voadora como atriz em casa & jardim (2012), dead end (2012) e Wilde (2013) e na banda sonora de memorabilia (2011). José Júpiter – Tem desenvolvido trabalho fotográfico a partir dos espetáculos da mala voadora. Lucy Ellison (Reino Unido) – Colabora em Paraíso 2 (2014). Marta Furtado – codiretora e programadora de Artes Performativas da Galeria Zé dos Bois, da qual a mala voadora é associada. Miguel Loureiro – Dirigiu, na mala voadora, Nicarágua Prologue (2004) e Spitx (2009). Miguel Pereira – Colaborou com a mala voadora (apoio coreográfico) em Os Justos (2004), projeto de execução (2006), hard (I+II) (2006) e foi cocriador de Wilde (2013). Mónica Garnel – Colaborou com a mala voadora como atriz em casa e jardim (2012) e dead end (2012) e na banda sonora de memorabilia (2011). Rachael Walton (Reino Unido) – Cofundador da companhia britânica Third Angel, com a qual a mala voadora tem trabalhado em cocriação, designadamente em Story Map (2009), what i heard about the world (2009) e Paraíso 2 (2014). Rui Lima + Sérgio Martins – Colaboram regularmente com a mala voadora, responsáveis pela banda sonora ou sonoplastia de chinoiserie (2009), o duplo (2009), single (2010), memorabilia (2011), casa & jardim (2012), dead end (2012), nas quais participaram também como intérpretes, A Sala Branca (2013) e Paraíso 1 (2014). Sílvia Filipe – Colaborou com a mala voadora como atriz em Huis Clos (2009), overdrama (2011) e casa & jardim (2012) e na banda sonora de memorabilia (2011). Tânia Alves – Colaborou com a mala voadora como atriz em overdrama (2011), casa & jardim (2012) e A Sala Branca (2013) e na banda sonora de memorabilia (2011). Tiago Barbosa – Colaborou com a mala voadora como ator em Wilde (2013). Tiago Cadete – Colaborou com a mala voadora em o duplo (2009) e memorabilia (2011). Vitor Hugo Pontes – Colaborou com a mala voadora (apoio coreográfico) em A Sala Branca (2013). Preçários e bilheteira Maratona 10 Anos 10 Horas entrada livre mediante levantamento prévio de bilhete no próprio dia a partir das 15h, sujeita à lotação da sala no momento de entrada para o espetáculo cada Espetáculo 12€ / com desconto 6€ Programa paralelo foyer entrada livre sala principal com bancada entrada livre (sujeita à lotação da sala) mediante levantamento prévio de bilhete no próprio dia a partir das 15h mmcafé entrada livre, sujeita à lotação da sala Passe especial para todos os espetáculos 28€ / 14€ Disponível até 26 outubro na bilheteira física do Teatro Maria Matos. Sujeito à lotação da sala em cada sessão de espetáculo. Aconselha-se reserva para o espetáculo pretendido para portadores do Passe. Não abrangido pelo cartão Maria & Luiz. Descontos disponíveis preço único 5€ menores de 30 anos desconto 50% portadores do cartão Maria & Luiz, estudantes, maiores de 65 anos, pessoas com deficiência e acompanhante, desempregados, profissionais do espetáculo, funcionários da CML e empresas municipais (extensível a acompanhante) desconto 30% grupos de dez ou mais pessoas (com reserva e levantamento antecipado) Reservas Levantamento prévio obrigatório até 30 minutos antes do espetáculo. Bilheteira terça a domingo das 15h às 20h em dias de espetáculo das 15h até 30 minutos após o início do mesmo 218 438 801 • [email protected] bilheteira online: www.teatromariamatos.pt outubro ╓── mala voadora & mundo perfeito ║ ║ Maratona 10 anos 10 horas ║ ║ 1 teatro ↣ 16h às 02h ║ ╙ Æ sáb 26 ▶ p. 02 ╓── TIAGO RODRIGUES/MUNDO PERFEITO ║ ║ Tristeza e alegria na vida ║ ║ das girafas ║ 1 ║ teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ qua 30 ▶ p.36 ╓── MALA VOADORA: Overdrama ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ qui 31 ▶ p.38 novembro 2013 ╓── MALA VOADORA: Overdrama ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ sex 01 ▶ p.38 ╓── TIAGO RODRIGUES/MUNDO PERFEITO ║ ║ Tristeza e alegria na vida ║ ║ das girafas ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ sáb 02 ▶ p.36 ╓── TIAGO RODRIGUES/MUNDO PERFEITO ║ ║ Se uma janela se abrisse ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ qui 07 ▶ p. 40 ╓── MALA VOADORA + THIRD ANGEL ║ ║ What I heard about the world ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ sex 08 e sáb 09 ▶ p.42 ╓── MALA VOADORA / MUNDO PERFEITO ║ ║ 1 conversa com 10 convidados ║ ║ 1 programa paralelo ↣ 18h30 ║ ╙ Æ dom 10 ▶ p.54 ╓── MALA VOADORA: Os Justos ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ qui 14 ▶ p.44 ╓── TIAGO RODRIGUES/MUNDO PERFEITO ║ ║ Três dedos abaixo do joelho ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ sex 15 e sáb 16 ▶ p.44 ╓── TIAGO RODRIGUES/MUNDO PERFEITO ║ ║ 2 livros e 1 filme em construção ║ ║ 1 programa paralelo ↣ 18h30 ║ ╙ Æ dom 17 ▶ p.55 ╓── TIAGO RODRIGUES/MUNDO PERFEITO ║ ║ By Heart ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ qua 20 a sáb 23 ▶ p.48 ╓── MALA VOADORA + ASSOCIATION ║ ║ ARSÈNE + SIMON RUMMEL ║ ║ Paraíso 1 ║ ║ 1 teatro ↣ 21h30 ║ ╙ Æ ter 26 a sex 29 ▶ p.52 ╓── MALA VOADORA ║ ║ 2 livros e 1 apresentação ║ ║ 1 programa paralelo ↣ 18h30 ║ ╙ Æ sex 29 ▶ p.57 mala voadora e Mundo Perfeito Mark Deputter, diretor artístico do Teatro Maria Matos Foi com poucos dias de diferença que Tiago Rodrigues do Mundo Perfeito e Jorge Andrade da mala voadora propuseram a organização de um ciclo de programação dedicado ao 10.º aniversário das suas respetivas companhias. Em si, um décimo aniversário não é particularmente impressionante, nem suficiente para uma retrospetiva, mas era uma ótima ocasião para pôr de pé um programa que permitisse um olhar mais completo sobre duas companhias que fazem parte da onda de inovação que atravessa o teatro português. Embora a mala voadora e o Mundo Perfeito sejam muito diferentes, têm mais em comum do que o seu aniversário. Surgem num contexto teatral radicalmente diferente do das gerações anteriores. No fim dos anos 80, os Encontros Acarte começam a introduzir artistas estrangeiros em Lisboa, iniciando uma internacionalização que alcança a sua velocidade de cruzeiro na segunda metade dos anos 90, com a presença de propostas internacionais não só nas programações dos maiores palcos da cidade, mas também em espaços alternativos, festivais, laboratórios artísticos e residências. Informados por uma grande diversidade de propostas artísticas estrangeiras, os criadores portugueses da primeira década do segundo milénio são naturalmente internacionais: inscrevem-se nas tendências europeias, colaboram com toda a naturalidade com colegas estrangeiros e apresentam o seu trabalho cada vez mais em palcos fora do país. Outra característica que a mala voadora e o Mundo Perfeito partilham com a maior parte dos colegas da 4 sua geração é a extrema flexibilidade. Sem espaço próprio e com financiamentos pequenos e irregulares, trocam a relativa segurança do ensemble por uma existência freelance, que permite adaptar os elencos às necessidades de cada projeto e facilita as colaborações artísticas em todos os níveis. Ao mesmo tempo, utilizam esta agilidade para negociar parcerias pontuais com os teatros de acolhimento e os festivais, respondendo a encomendas ou propondo coproduções. É uma existência no fio da navalha, mas que permite a realização de projetos com uma dimensão muito além do que seria possível apenas com os financiamentos governamentais. O teatro do Mundo Perfeito e da mala voadora inscreve-se na tradição do teatro pós-dramático, que dispensa a narrativa dramática linear e as personagens tradicionais para dar mais ênfase à própria situação teatral. O seu teatro não é caracterizado pela representação de uma realidade ficcional, mas procura estabelecer uma relação imediata com o público. Em Três dedos abaixo do joelho, os atores Gonçalo Waddington e Isabel Abreu não representam quaisquer personagens, mas são simplesmente “portadores” do texto, que partilham com o público um conjunto de anotações e comentários da censura salazarista. Na escrita do texto, Tiago Rodrigues não está interessado na criação de um enredo dramático, mas sim na confrontação direta do público com os mecanismos da censura. A opção radical pela utilização de ready-mades (o texto reproduz exclusivamente comentários originais dos censores) dá à peça uma carga irónica e política imediata. Mas mesmo quando o material é ficcional, como em overdrama da mala voadora, a narrativa dramática é reduzida a um esqueleto, uma espécie de gerador de situações teatrais. Não envolve as personagens num enredo credível, mas sobrepõe um número de posições retóricas; assim, a peça situa-se na periferia das alegorias medievais, apesar de a encomenda ao 5 mala voadora/Mundo Perfeito ↙ dramaturgo Chris Thorpe ter solicitado uma peça inspirada no drama burguês. Os atores de Se uma janela se abrisse, de Tiago Rodrigues, limitam-se a emprestar a sua voz a uma série de imagens televisivas, invadindo a “realidade” do Telejornal com a “poesia” do teatro. Apesar de o dispositivo ser elementar, permite algo delicioso que só o teatro consegue de maneira tão radical: oferecer várias leituras paralelas ao mesmo tempo. No primeiro nível, o espectador reconhece o Telejornal e talvez as próprias notícias originais; ao mesmo tempo, presencia a subversão das notícias pela introdução de textos alternativos; ao terceiro nível, é testemunha da ação teatral, executada pelos atores que estão sentados à sua frente, dando vida às imagens pirateadas através da sua interpretação. Numa das primeiras criações da mala voadora, Os Justos, Jorge Andrade joga o enredo da conspiração em dois planos: o do grupo de terroristas que projetam um atentado — a ficção de Albert Camus — e o do grupo de jovens atores que preparam uma peça de teatro — a realidade da mala voadora tornada ficção. A duplicação dos níveis de leitura dá às questões éticas que são levantadas na peça uma inesperada atualidade e relevância, para além da situação pré-revolucionária ficcional da peça. Em Tristeza e alegria na vida das girafas, o espectador experiencia o mundo através dos olhos de uma menina de nove anos. Tal como em Calvin and Hobbes, um boneco de peluche pode ser tão real como o pai ou um agente da polícia e toda a peça baseia-se na oportunidade de dissecar as vicissitudes da nossa sociedade com a inteligência (inocente?) de uma criança. Como ilustram estes exemplos, a multiplicação de pontos de vista e níveis de leitura é uma estratégia recorrente no trabalho das duas companhias. O percurso de ambas é marcado por uma evolução notável da sua relação com a dramaturgia. São raros 6 os exemplos em que a mala voadora ou o Mundo Perfeito pegam num texto existente para fazer uma peça de teatro. Nos primeiros anos das suas existências, experimentam com processos (semi)coletivos — relativamente recorrentes no teatro contemporâneo português — nos quais os atores e colaboradores artísticos vão criando conteúdos e colagens de textos. Nestes processos, a “escrita” do texto coincide de tal forma com a criação da peça que o texto final não sobrevive sozinho e deixa de fazer sentido fora do contexto da peça para a qual foi elaborado. Numa fase mais recente, no entanto, ambas as companhias vão dando cada vez mais ênfase e autonomia à escrita dramatúrgica, na mala voadora através de uma colaboração intensa com o dramaturgo inglês Chris Thorpe, no Mundo Perfeito pela mão do próprio Tiago Rodrigues, no duplo papel de encenador e escritor. É notável que a autonomização da escrita não leve a uma separação da encenação, mas assuma a forma de uma relação dialética. Chris Thorpe responde a encomendas precisas e trabalha em estreita colaboração com Jorge Andrade; Tiago Rodrigues escreve textos para projetos concretos que quer realizar como encenador. Já sabem onde a peça será apresentada, conhecem os atores que vão interpretar as suas personagens e, durante o período dos ensaios, adaptam e reescrevem o texto para responder às necessidades da encenação. Às vezes, as cenas vão sendo escritas à medida que os ensaios avançam. Na realidade, não fazem mais do que seguir os passos de ilustres exemplos como Gil Vicente, Shakespeare, Molière ou Brecht, mas a reaproximação entre a dramaturgia e o teatro que estão a ensaiar não deixa de configurar uma evolução muito prometedora no contexto da criação teatral contemporânea. Se os anos 90 pertenciam à Nova Dança Portuguesa, os anos 2000 pertencem ao Novo Teatro Português. Uma nova geração de criadores veio para ficar: Tónan 7 mala voadora ↙ Quito, Pedro Gil, Patrícia Portela, André e. Teodósio, Pedro Penim, Rui Catalão, Jacinto Lucas Pires, Gonçalo Waddington, Marco Martins, Ana Borralho & João Galante, Gonçalo Amorim, Martim Pedroso, Bruno Bravo, Jorge Andrade, Tiago Rodrigues… Num contexto difícil e de poucos recursos, demonstram resiliência e inventividade, criando uma oferta diversa e alcançando uma qualidade artística que está a conquistar públicos em todo o país e a abrir portas de teatros e festivais estrangeiros. O programa que comemora os dez anos da mala voadora e do Mundo Perfeito é uma oportunidade única para conhecer duas das mais importantes companhias deste teatro português em ebulição. o fenómeno da cena Tiago Bartolomeu Costa, crítico Dez anos não contam a história toda e, sobretudo, não são senão um modo de olhar para a realidade e perceber que ainda são muitas as portas de entrada que estão por abrir. Ao longo de dez anos, e dos seus 28 espetáculos, a mala voadora, dirigida pelo encenador e ator Jorge Andrade e o cenógrafo José Capela, desde sempre acompanhados pela atriz Anabela Almeida, foi-se instituindo como um dos exemplos mais claros de um desejo de teatro amplamente sustentado na experimentação dentro de códigos formais. Esta baliza, que durante anos foi sendo testada na sua capacidade de reconstrução permanente, permitiu que, na sua imensa diversidade e feliz irregularidade, o conjunto do trabalho se instituísse como um caso sério no modo como as companhias que herdaram o cruzamento disciplinar que fez as décadas de 1980 e 1990 souberam transformar um desejo de intervenção num programa de ação que já não se prende com o imediatismo, mas, pelo contrário, não teme a beleza do erro. Ou seja, aquilo a que o encenador e ator Miguel Loureiro, colaborador desde o início da companhia, definiu como “o fenómeno da cena”. Espetáculos como what I heard about the world1 (Teatro Maria Matos2, 2010), overdrama (Culturgest, 2011) e Os Justos (Teatro da Garagem, 2004) são, por isso, hipóteses diferentes de entrada num universo 1. Exceto quando indicado todas as encenações são assinadas por Jorge Andrade 2. É dado como referência o local de estreia, mesmo que, em alguns casos, se trate de uma antestreia na sequência de uma residência artística. 8 9 mala voadora ↙ que, com o tempo, esclareceu que não pretendia criar um modo de agir distinto, mas, pelo contrário, propor reformulações e olhares diferentes sobre o próprio ato teatral. O entendimento que se possa ter sobre o modo como o trabalho da mala voadora evoluiu não é alheio às condições e ao contexto no qual esse desenvolvimento ocorreu. Com o tempo podemos observar que as ruturas protagonizadas pela geração imediatamente anterior, aquela que era herdeira direta dos fundadores do teatro independente no pré e pós revolução de 1974, haviam justificado a alteração substancial dos modos de criação e produção. Na mesma ordem de fatores concorrem aspetos de ordem estrutural como sejam o surgimento de novos equipamentos culturais, nomeadamente em Lisboa, e o estabelecimento de programas de apoio financeiro por parte do Estado no início da década de 2000, que facilitaram a produção e proliferação de discursos, bem como a sua acessibilidade a públicos diversos (quando não mesmo a construção de novos públicos). Nesse sentido, e olhando retrospetivamente para o percurso de dez anos da mala voadora, percebemos que a sua evolução deve também ser entendida enquanto parte contribuinte para uma paisagem que partia da hierarquia teatral já instituída para conceber uma abordagem ao ato performático mais ampla, no qual a imagem e o discurso alternavam no modo de se instituírem como ação ou consequência. Se é hoje mais predominante a presença do texto ou, de certa forma, se o exercício de remontagem do texto através da encenação se diluiu para permitir que seja a palavra o motor de condução da ação, tal deve-se a uma alteração na base dos próprios projetos. Mesmo que exista, como existiu no início, um texto, esse parte agora de um desejo de implicação com o que os envolve e não simplesmente de convocação desse contexto. Assim, se nos espetáculos iniciais — Trilogia Strindberg 10 (encenação Rogério de Carvalho, Coimbra 2003 — Capital Nacional da Cultura, Zoo Story (encenação João Mota, Teatro da Comuna, 2004), Nicarágua Prologue (encenação Miguel Loureiro, Sala B, Citemor, 2004) — havia um desejo de pensar a forma como a palavra podia produzir, através do modo como o ator a ressentia, um desejo de intervenção no espectador, a partir de Os Justos é na encenação, ou seja, no filtro que dá a ver, que o teatro da mala voadora se constituiu, em si mesmo, como prática performativa. Ou seja, passa a ser, ele mesmo, sujeito e objeto de trabalho. Distinguido com uma menção honrosa do prémio Madalena Azeredo Perdigão, então atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian, Os Justos, concebido a partir do texto de Albert Camus, transformava o palco num imenso laboratório onde era solicitado aos atores que fossem protagonistas diretos de confrontos éticos e, nesse sentido, que estabelecessem um paralelo entre o grupo de terroristas que procurava atentar contra o Grão-Duque, e as suas próprias experiências enquanto atores na construção de um espetáculo. Ou seja, e desde logo, as intenções da mala voadora abandonavam uma ideia de teatro como o primado da materialização de uma ética — do texto, longe portanto de um teatro de reivindicação — para abraçarem um desejo de materialização de uma estética do discurso. Anos mais tarde, quando se deu um regresso ao texto, agora escritos propositadamente para a companhia, a experiência dos primeiros anos tornava-se evidente na segurança como enfrentavam a rarefação dos diálogos e a pulverização de situações. Textos como os que Chris Thorpe assinou, overdrama e dead end (Guimarães 2012 — Capital Europeia da Cultura), sugerem já uma construção teatral muito mais atenta ao potencial especulativo do teatro e à sugestão como motor de ação, mais do que uma afirmação do palco como território de finitude. 11 mala voadora ↙ Mas, para isso, foi preciso que a companhia atravessasse um período no qual os espetáculos se constituíam como espaço de encontro entre os objetos e os atores. what I heard about the world é, de certo modo, o fecho de um ciclo de espetáculos que admitiam o ocasional como forma de diálogo e a exposição descarnada do artifício como método de intervenção. A relação entre a ficção e a realidade, na base de muitos dos espetáculos, permitia que as histórias recolhidas ao longo do processo (em colaboração com o coletivo inglês Third Angel) se transformassem em material narrativo através da confiança que o dispositivo dramatúrgico demonstrava. E, nesse sentido, quando comparado, por exemplo, com real/show (Citemor, 2009), no qual os bibelots eram os indutores de uma narrativa que ambicionava ser-nos comum, what I heard about the world instituiu-se como momento-chave de um percurso que, afinal, especulamos, desejou sempre a reinvenção, mais do que a construção. Ao longo dos anos, percebe-se agora, a companhia foi, intencional ou ocasionalmente, constituindo um corpo criativo que se ia respondendo, quando não mesmo propondo um discurso rizomático. Ou seja, os espetáculos constituir-se-iam, na sua profusão de temas, discursos, modos de agir e de se dar a ver, como vasos comunicantes de uma ambição de territorialização do teatro. O lugar do discurso seria, afinal, o modo como a companhia reagia à sua própria voz. Há jogos de espelhos entre os espetáculos que admitem, em retrospetiva, identificar ao longo dos anos um esforço de permanente reconstrução do seu próprio discurso. Por vezes, esses espelhos não são intencionais. E, na maioria dos casos, não o foram. Mas permitem levantar a hipótese de que, de espetáculo para espetáculo, o desejo de inscrição de um discurso num contexto — ou de discursos vários num contexto sem fronteiras — se fez através de uma revisitação de coordenadas e de referências que poderiam ser partilhadas 12 por diferentes espetáculos. Em Spitx (encenação Miguel Loureiro, Teatro Maria Matos, 2009), por exemplo, procedia-se a uma releitura de O decisivo na política não é o pensamento individual, mas sim a arte de pensar a cabeça dos outros, disse Brecht. (Auditório de Serralves, 2008), sugerindo que a ficcionalização dos discursos políticos permitia a libertação de uma carga ideológica, porque nominal, desses mesmos discursos. O que antes era um discurso de afronta e de exigência transformava-se, agora, numa desmontagem ácida e paródica da retórica política. E se a intervenção política nunca foi uma preocupação para a mala voadora, o modo como o teatro (ou o discurso teatral) pode ser lido como reflexão sobre a política, no sentido do discurso público (ou do que é público) então a possibilidade criada pela indistinção entre discursos e ideologias permitia a convivência da esfera pública (o efeito) e privada (a intenção), ao mesmo tempo que, sustentado pela espetacularização do discurso — ou seja, a exploração do seu potencial dramático — reagia à efemeridade desses mesmos discursos. Por isso, é interessante verificar que houve sempre, no decorrer dos anos, uma tentativa de olhar para o que fica da realidade, a sua herança, e perceber, ou inventar, modos de a organizar, sugerindo narrativas fossem elas paralelas, complementares ou contrastantes para uma realidade que, assumidamente, não pode ser materializada no palco por força do princípio de ficcionalização a que são sujeitos todos os elementos postos em cena. Podemos olhar para chinoserie (Teatro Maria Matos, 2009) e observar como já em teatro-postal (Teatro do Campo Alegre, 2006) ou philatélie (Negócio, 2005) era claro que uma das linhas principais do trabalho da companhia era o de permitir — ou desejar — que a pequena história projetada sobre e pelos objetos se transformasse numa narrativa federadora. De certo modo, também memorabilia (Teatro Maria Matos, 2011) 13 mala voadora ↙ obedecia ao mesmo princípio de storytelling, mas aqui, os factos, criados a partir de notícias de jornal, implicavam uma capacidade de reconhecimento por parte do espectador que as louças, os postais e os selos dos espetáculos anteriores não exigiam. Os objetos, que não abandonavam a sua função utilitária, ganhavam presença, ou corporalidade, pelo modo como se transformavam em protagonistas das suas próprias histórias. A chave para compreender este desejo de diálogo entre a ficção e a realidade foi fixado nesse objeto ensaístico, e por isso mesmo estranho e indefinido, intitulado desempacotando a minha biblioteca (O Estado do Mundo/Fundação Calouste Gulbenkian, 2007), criado a partir de um texto de Walter Benjamin e no qual as personagens dos livros conviviam com a sua própria imagem e as consequências da sua existência. O modo como eram traçadas as linhas de ação no início do espetáculo, através da leitura do ensaio de Benjamin, permitiam que a encenação experimentasse formas de o abordar diferenciando a caracterização das personagens através dos diferentes modos de uso dos objetos em cena. O que daí resultava eram hipóteses de entendimento do palco como território de ação, onde atores, discursos, objetos e tipologias de uso eram manipulados com vista à constituição de processos de existência. De certa maneira é isso que tem estado presente no percurso da companhia, e através de espetáculos muito diferentes como projecto de execução (Negócio, 2006), o duplo (Temps d’Images/CCB, 2009), 3D (Negócio, 2011), Wilde (com Miguel Pereira, Culturgest, 2013) e A Sala Branca (Negócio, 2013). Nos diferentes casos, o modo como as personagens se iam dando conta da sua materialidade, fosse através da reação provocada nas outras personagens ou na estranheza que ambicionavam criar, intencionalmente, no espectador, tinha como base uma reflexão sobre o potencial dramático da verosimilhança. 14 A experimentação em torno das relações entre a ficção e a realidade tinha já sido elemento de base de espetáculos anteriores. Nomeadamente hard I + II (CaPA, 2006), mas foi com what I heard about the world que a companhia conseguiu estabelecer um princípio de ação e consequência dentro dos limites possíveis da ficção que nos espetáculos seguintes se viria a expressar, por exemplo, com as impressões em tamanho XXL que constituem os cenários de overdrama e casa & jardim (CCB, 2012). Estas, em si mesmas, são evoluções narrativas e dramatúrgicas das projeções em vídeo usadas em projeto de execução e o duplo. Mas mesmo que em overdrama o primado fundamental seja o do cruzamento de diferentes narrativas, feitas com apontamentos claramente desejantes de verosimilhança e realidade, o modo de exposição do artifício não é diferente do exercício de construção, e crença, a que eram sujeitos os atores de Os Justos ou, de certo modo, os três atores de Huis Clos (Negócio, 2009) e as oito atrizes de casa & jardim. Houve sempre no trabalho da mala voadora uma intencional pesquisa sobre o ponto mais fraco de um espetáculo. Podia ser a relação conflituosa entre um objeto e um ator (o duplo), entre uma encenação e um texto (single, Citemor, 2010) ou entre um discurso e um contexto (revelação, Cine-Teatro São Pedro, Alcanena, 2012). Mas se olharmos para as diferenças entre Os Justos, what I heard about the world e overdrama, percebemos que os une a maravilhosa hipótese de questionar a verdade como a única ficção passível de completar esse fenómeno da cena que é, precisamente, a impossibilidade de afirmar uma verdade como absoluta. A efemeridade do teatro passa por aí. E é por isso que dez anos não contam a história toda. 15 Mundo Perfeito ↙ Imaginação ao poder Thomas Walgrave, diretor artístico do alkantara festival A minha opinião é a seguinte: se há alguma coisa na nossa época que possa ser útil, é a violência. Nós sabemos o que esperar dos nossos príncipes. Tudo o que eles nos concederam foi-lhes arrancado pela necessidade. E mesmo essas concessões foram-nos atiradas como uma esmola mendigada e um miserável brinquedo de criança. Estas foram as primeiras palavras — de uma carta de Georg Büchner aos seus pais em 1833 — que ouvi o Tiago Rodrigues dizer em palco. Foi no verão de 1997, quando Jorge Silva Melo convidou os tg STAN a vir ao Centro Cultural de Belém apresentar uma série de espetáculos e realizar um workshop de duas semanas com cerca de 25 jovens artistas de teatro portugueses. Tudo e todos eram jovens nessa época: o CCB existia há cerca de cinco anos, os tg STAN há pouco mais de oito, o Jorge ainda nem sequer tinha cinquenta. O Tiago, com 21 anos (a mesma idade de Büchner quando escreveu a carta em causa), era o mais jovem de todos nós. Ainda estava no Conservatório (Escola Superior de Teatro e Cinema), provavelmente não tinha a bagagem técnica de alguns dos seus colegas mais velhos, mas entrou naquele palco da Blackbox e pronunciou as palavras de Büchner com uma tal clareza, autenticidade e inteligência que não havia como ignorá-lo. Seria o início de um longo romance com os tg STAN. O Tiago cocriaria cerca de sete espetáculos com a companhia flamenga (além de participações pontuais em várias outras peças), mas essa é toda uma outra história. 16 Outra vez julho, agora em 2006. O Tiago Rodrigues convidou-me para colaborar em Urgências 2006, a segunda edição de um projeto no Teatro Maria Matos, cujo ponto de partida era uma série de peças curtas de uma dúzia de dramaturgos portugueses e um grupo de atores perante uma pergunta: o que é que tens de urgente para me dizer? O Mundo Perfeito tinha sido fundado três anos antes e Urgências era a primeira cristalização da forma de uma companhia que, nos anos que se seguiram, assumiria um lugar crucial no panorama do teatro português e internacional. Centrado no ator/encenador/escritor Tiago Rodrigues e na produtora/fotógrafa/financeira/e-muitas-outras-coisas Magda Bizarro, o Mundo Perfeito gera trabalho muito diverso mas sempre inovador, que concilia o contemporâneo com o acessível, a densidade com o humor. A um ritmo vertiginoso (30 produções em 10 anos!), o Mundo Perfeito desenvolve projetos que começam, muitas vezes, pela escrita de um novo texto. O resultado é um repertório espantoso, guiado pela urgência de espoletar o debate de uma série de questões prementes. A sucessão de produções do Mundo Perfeito também pode ser lida como um processo de aprendizagem, refletindo uma curiosidade insaciável e uma crença profunda no mote humanista do homo universalis, a imagem do artista que adquire um conhecimento geral sobre o mundo ao invés de optar pela especialização. Um one-man-ensemble. No entanto, o Mundo Perfeito é tudo menos um empreendimento solitário. A companhia manifesta-se explicitamente como uma casa aberta, em busca constante de companheiros para a sua autoproclamada “batalha contra as forças do mal” que assume a forma de uma série de colaborações com uma impressionante lista de artistas portugueses e internacionais: com os libaneses Rabih Mroué e Tony Chakar em Yesterday’s Man (2007); com João Canijo, o congolês Faustin Linyekula, a companhia norte-americana 17 Mundo Perfeito ↙ Nature Theater of Oklahoma e o croata Sergej Pristas, apenas para destacar alguns do colaboradores das várias edições de Estúdios (2008 a 2010); com, entre outros, Tim Etchells, Alex Cassal, Miguel Castro Caldas, José Luís Peixoto, José Maria Vieira Mendes e Jacinto Lucas Pires, em Hotel Lutécia (2010); com companhias como os tg STAN em Berenice (2005), a Companhia Maior em Bela Adormecida (2010), os holandeses Dood Paard em The Jew (2011) e os brasileiros Foguetes Maravilha em Mundo Maravilha (2012). Além disso, esta casa aberta contou com uma série de hóspedes regulares. Ao longo dos anos, ganhou forma um grupo de atores que passaram a pertencer de facto à companhia, ainda que mantivessem a liberdade de realizar outros projetos fora do Mundo Perfeito. O ensemble descomprometido, formado por Cláudia Gaiolas, Tónan Quito, Paula Diogo, Gonçalo Waddington, entre outros, é fundamental porque, essencialmente, o Mundo Perfeito faz teatro vivo: espetáculos que estão ancorados a 200 por cento no aqui-e-agora, longe das convenções de ensaiar (no sentido francês da palavra, répéter — repetir) e reproduzir, completamente empenhados no encontro singular entre estes atores e este público, neste espaço, nesta noite. Isto implica a grande responsabilidade (e liberdade) de os atores reinventarem o espetáculo em cada noite. É, acima de tudo, uma forma muito generosa de fazer teatro, que tira o máximo proveito do singular poder deste meio de comunicação e que dá origem a espetáculos particularmente acessíveis, sem nunca se tornarem paternalistas ou populistas. Teatro vivo. Há outra maneira através da qual o Mundo Perfeito entrelaça o palco e a vida. Convida Pedro Passos Coelho, João Adelino Faria, Marcelo Rebelo de Sousa ou Alberto João Jardim diretamente para o palco. Desenha um mapa de Beirute nas paredes do teatro. Os cheiros e os barulhos da cozinha de O que se leva desta vida são mais fortes do que os de uma 18 cozinha da vida real. Para seu grande espanto, personagens e situações reencontram-se a si próprias numa sala de teatro, mais reais que reais, hiperreais. Nos espetáculos do Mundo Perfeito, a distância metafórica entre palco e realidade parece, à primeira vista, ser quase nenhuma. Este é o movimento oposto ao que acontece tradicionalmente no teatro de repertório: um grego antigo, um Shakespeare, Ibsen ou Molière é encenado para demonstrar a universalidade da condição humana, através do tempo e do espaço. Com o Mundo Perfeito não é um Creonte que nos coloca frente a um espelho da corrupção e cegueira do poder; é antes um Pedro Passos Coelho, que tira os sapatos e come um croissant, que se torna Creonte. Situações do jornal diário são elevadas a um patamar universal. É um modo de fazer teatro talvez próximo a alguém como o húngaro Béla Pínter, que usa temas muito locais e datados para contar histórias absolutamente universais. Aqui, a ficção cumpre um papel central. O que o Mundo Perfeito faz é tudo menos teatro documental. Pelo contrário, arrasta a realidade para o palco duma maneira descaradamente manipulada e ficcionada, com uma fortíssima qualidade de «e se…», na qual a imaginação tem toda a liberdade. Existe algo extremamente subversivo neste poder da imaginação, em reivindicar o direito de voltar a sonhar uma realidade inteiramente nova, ainda que esta tenha os mesmos ingredientes da antiga. É algo muito próximo da quase infantil e provocadora ingenuidade dos Dadaístas (basta olharmos para o nome da companhia), de um Kurt Schwitters que afirmaria: exigimos a abolição imediata de todos os abusos em todo o mundo (no manifesto An alle Bühnen der Welt). Falando do mundo: surpreendentemente, o Mundo Perfeito, com os seus espetáculos partindo de temas muito específicos e locais, é, de longe, a companhia de teatro portuguesa com mais ampla visibilidade internacional. Isto diz muito acerca da necessidade de 19 autenticidade e identidade no teatro, tal como também diz muito sobre o mal-entendido do chamado Euro teatro universal. Mas a prosperidade da vida internacional do Mundo Perfeito é também um sinal claro do singular modo de operar desta estrutura: é uma entidade orgânica, muito distante do funcionamento quase marcial da companhia de teatro convencional, com os seus generais artísticos, as suas brigadas de administradores, escritórios de produção e especialistas em comunicação, as suas tropas de atores e técnicos. No Mundo Perfeito, a mesa da cozinha e a cabina técnica, a casa de banho e o camarim estão intimamente ligados. Eles não precisam de muitas reuniões para organizar as coisas. O Tiago comparou o funcionamento do Mundo Perfeito a “um pequeno comércio local, a mercearia da esquina, onde a tónica é o humano, o autêntico e o honesto, onde sabemos de onde vêm os produtos e para onde vão”. Mas também lhes podemos chamar uma companhia de guerrilha, altamente manobrável, viajando com pouca carga, diminuindo ao mínimo a distância entre as fileiras. Uma estrutura completamente alinhada com as necessidades do projeto artístico. Dez anos de Mundo Perfeito. É um armazém cheio de cenários. Uma estante com guiões de textos, as falas sublinhadas a caneta fluorescente. Um percurso feito de desafios, percorrido à velocidade de uma montanha russa, guiado pela fome de descobrir novos territórios, de ultrapassar limitações. E ainda há um mundo inteiro lá fora, à espera de perfeição. ↖ Mundo Perfeito 20 mala voadora 10 anos 2013 Paraíso 1 mala voadora + Association Arsène + Simon Rummel coprodução: mala voadora, Association Arsène (França), Maria Matos Teatro Municipal, Théâtre des Bernardines (França), O Espaço do Tempo, tanzhaus nrw (Alemanha) e Marseille-Provence 2013 — Capital Europeia da Cultura estreia: La Gare Franche, Marselha (França) A Sala Branca mala voadora + Teatro Oficina texto: Don DeLillo direção: Jorge Andrade coprodução: Teatro Oficina estreia: Negócio/ZDB, Lisboa Título e Escritura mala voadora + Teatro Oficina texto: Will Eno direção: Marcos Barbosa coprodução: Teatro Oficina estreia: Fábrica ASA, Guimarães imagem p. 24: Casa & Jardim © José Carlos Duarte Wilde mala voadora + Miguel Pereira texto: Oscar Wilde coprodução: Culturgest e Teatro Viriato estreia: Culturgest, Lisboa 2012 dead end direção: Jorge Andrade texto: Chris Thorpe coprodução: Guimarães 2012 — Capital Nacional da Cultura estreia: Fábrica ASA, Guimarães revelação a partir de textos de: Dostoiévski e Nechayev direção: Jorge Andrade coprodução: Artemrede estreia: Cine-Teatro São Pedro, Alcanena 25 mala voadora ↙ casa & jardim direção: Jorge Andrade texto: Chris Thorpe coprodução: Centro Cultural de Belém (CCB), Théâtre National de Bretagne (França) e O Espaço do Tempo estreia: CCB, Lisboa 2011 memorabilia direção: Jorge Andrade coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa overdrama texto: Chris Thorpe direção: Jorge Andrade coprodução: Culturgest estreia: Culturgest, Lisboa 2010 3D direção: Jorge Andrade coprodução: Zé dos Bois (ZDB) e O Espaço do Tempo estreia: Negócio/ZDB, Lisboa what I heard about the world (incl. performance duracional Story Map) mala voadora + Third Angel coprodução: Maria Matos Teatro Municipal, Sheffield Theatres (Reino Unido), Pazz Festival, Oldenburg (Alemanha) estreia: The Crucible, Sheffield (Reino Unido) single direção: Jorge Andrade coprodução: Citemor estreia: Citemor, Montemor-o-Velho 2009 Spitx direção: Miguel Loureiro coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa 26 o duplo direção: Jorge Andrade coprodução: Festival Temps d’Images/CCB estreia: CCB, Lisboa Huis Clos direção: Jorge Andrade coprodução: Zé dos Bois estreia: Negócio/ZDB, Lisboa real/show direção: Jorge Andrade coprodução: Citemor estreia: Citemor, Montemor-o-Velho chinoiserie texto: Miguel Rocha direção: Jorge Andrade coprodução: Maria Matos Teatro Municipal, Citemor e O Espaço do Tempo estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa 2008 O decisivo na política não é o pensamento individual, mas sim a arte de pensar a cabeça dos outros (disse Brecht). direção: Jorge Andrade coprodução: Serralves — Mugatxoan, Citemor e ZDB estreia: Auditório de Serralves, Porto 2007 hard III direção: Jorge Andrade coprodução: Festival Y estreia: Festival Y, Fundão desempacotando a minha biblioteca textos: Walter Benjamin e Miguel Rocha direção: Jorge Andrade coprodução: Fundação Calouste Gulbenkian — O Estado do Mundo e ZDB estreia: Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 27 mala voadora ↙ 2006 teatro-postal direção: Jorge Andrade coprodução: Teatro do Campo Alegre — Serviço Educativo estreia: Teatro do Campo Alegre, Porto hard (I + II) direção: Jorge Andrade coprodução: Devir CAPa e Teatro da Garagem estreia: CAPa, Faro 2003 Trilogia Strindberg texto: August Strindberg encenação: Rogério de Carvalho (Credores) e Jorge Andrade (Pária; A Mais Forte) coprodução: Actores Produtores Associados, Coimbra 2003 — Capital Nacional da Cultura e Casa das Artes de Famalicão estreia: Museu dos Transportes, Coimbra (Credores) e Casa das Artes de Famalicão (Trilogia) projeto de execução direção: Jorge Andrade coprodução: ZDB estreia: Negócio/ZDB, Lisboa 2005 philatélie texto: Miguel Rocha direção: Jorge Andrade coprodução: Fundação Calouste Gulbenkian — Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística estreia: Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 2004 Os Justos texto: Albert Camus direção: Jorge Andrade apoio: Teatro da Garagem estreia: Teatro da Garagem, Lisboa Nicarágua Prologue texto: Bernard-Marie Koltès encenação: Miguel Loureiro coprodução: Citemor e Casa d’Os Dias da Água estreia: Citemor, Montemor-o-Velho Zoo Story texto: Edward Albee encenação: João Mota apoio: Comuna Teatro de Pesquisa estreia: Comuna Teatro de Pesquisa, Lisboa 28 29 Mundo Perfeito 10 anos 2013 By heart texto e encenação: Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal e O Espaço do Tempo estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Peça Romântica para um teatro fechado Mundo Perfeito + Cia. Provisória texto e encenação: Tiago Rodrigues coprodução: No_Lugar (Brasil) estreia: Teatro Ipanema, Rio de Janeiro (Brasil) Entrelinhas texto: Tiago Rodrigues encenação: Tiago Rodrigues e Tónan Quito estreia: São Luiz Teatro Municipal, Lisboa 2012 imagem p.30: Yesterday's Man © Magda Bizarro Mundo Maravilha (Estúdios 5) cocriação: Alex Cassal, André Calado, Cláudia Gaiolas, Felipe Rocha, Magda Bizarro, Paula Diogo, Renato Linhares, Stella Rabello e Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal, BIT — Teatergarasjen (Noruega), Guimarães 2012 — Capital Europeia da Cultura e O Espaço do Tempo estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Três dedos abaixo do joelho texto e encenação: Tiago Rodrigues coprodução: alkantara festival, Teatro Nacional D. Maria II, Kunstenfestivaldesarts (Bélgica), De Internationale Keuze van de Rotterdamse Schouwburg (Holanda) e Stage Helsinki Theatre Festival (Finlândia) estreia: Teatro Nacional D. Maria II (alkantara festival), Lisboa 31 Mundo Perfeito ↙ 2011 Tristeza e alegria na vida das girafas Mundo Perfeito + AnaPereira.PedroGil texto e encenação: Tiago Rodrigues coprodução: Culturgest e TAGV estreia: Culturgest, Lisboa The Jew (Estúdios 4) cocriação: Gillis Biesheuvel, Gonçalo Waddington, Kuno Bakker, Manja Topper, Tiago Rodrigues e os técnicos André Calado, Julian Maiwald, René Rood coprodução: Dood Paard, Mundo Perfeito e Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Long Distance Hotel (Revisited) cocriação: Gilles Polet, Goran Sergej Pristas, Judith Davis, Leo Preston, Tiago Rodrigues e Tónan Quito coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa 2010 Bela Adormecida Mundo Perfeito e Companhia Maior texto e encenação: Tiago Rodrigues coprodução: CCB estreia: CCB, Lisboa Hotel Lutécia textos: Tim Etchells, Alex Cassal, Miguel Castro Caldas, José Maria Vieira Mendes, Tiago Rodrigues, Jacinto Lucas Pires e Nature Theater of Oklahoma encenação: Tiago Rodrigues encomenda: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Fachada do Hotel Lutécia, Lisboa Influências: WTF? & O Arco da Histeria WTF? de Cátia Pinheiro, José Nunes e Rogério Nuno Costa estreia: Negócio/ZDB, Lisboa O Arco da Histeria de John Romão e Nillo Galego estreia: Negócio/ZDB, Lisboa 32 Long Distance Hotel (Estúdios 3) cocriação: Gilles Polet, Goran Sergej Pristas, Judith Davis, Leo Preston, Tiago Rodrigues e Tónan Quito coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Se uma janela se abrisse texto e encenação: Tiago Rodrigues coprodução: alkantara festival e Teatro Nacional D. Maria II estreia: Teatro Nacional D.Maria II, alkantara festival, Lisboa 2009 O que se leva desta vida de: Gonçalo Waddington e Tiago Rodrigues coprodução: São Luiz Teatro Municipal estreia: São Luiz Teatro Municipal, Lisboa SEMPRE / PEDRO PROCURA INÊS / BOBBY SANDS VAI MORRER THATCHER ASSASSINA! (ESTÚDIOS 2) 3 espetáculos em 3 semanas cocriação: Alex Cassal, Cláudia Gaiolas, Felipe Rocha, Magda Bizarro, Michel Blois, Paula Diogo, Thiare Maia e Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Cartões de visita (Estúdios 2) solos de: Alex Cassal, Claúdia Gaiolas, Felipe Rocha, Michel Blois, Paula Diogo, Thiare Maia e Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Piscina do Areeiro, Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa 2008 A Festa (Estúdios 1) texto: Filipe Homem Fonseca, Nelson Guerreiro e Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal, Festival de Almada, alkantara festival, DEVIR/CAPa e Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa 33 Mundo Perfeito ↙ 2007 Yesterday’s Man cocriação: Rabih Mroué, Tiago Rodrigues e Tony Chakar coprodução: alkantara e Mundo Perfeito estreia: La Mercê, Girona (Espanha) A partir de amanhã texto: Tiago Rodrigues encenação e interpretação: Cláudia Gaiolas estreia: mmcafé, Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Urgências 2007 peças curtas de: Inês Meneses, Joaquim Horta, José Luís Peixoto, José Maria Vieira Mendes, Mickael de Oliveira e Rui Cardoso Martins encenação: Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal e Produções Fictícias estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Duas Metades textos: Patrícia Portela (Babbot) e Tiago Rodrigues (Coro dos Amantes) cocriação: Cláudia Gaiolas, Magda Bizarro, Tiago Rodrigues, Thomas Walgrave e Tónan Quito estreia: Culturgest, Lisboa 2005 Berenice Mundo Perfeito + tg STAN texto: Jean Racine criação e interpretação: Cathy Naden, Carly Wys, Frank Vercruyssen e Tiago Rodrigues coprodução: Culturgest estreia: Casa d’Os Dias da Água, Lisboa 2004 Urgências 2004 peças curtas de: Filipe Homem Fonseca, Luís Filipe Borges, Nuno Artur Silva, Nuno Costa Santos, Pedro Mexia, Susana Romana e Tiago Rodrigues encenação: Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal e Produções Fictícias estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Vagabundos de nós texto: de Daniel Sampaio encenação: de Luís Osório coprodução: Maria Matos Teatro Municipal estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa 2003 2006 Urgências 2006 peças curtas de: Filipe Homem Fonseca, João Quadros, Luís Filipe Borges, Nelson Guerreiro, Nuno Artur Silva, Nuno Costa Santos, Patrícia Portela, Pedro Mexia, Pedro Rosa Mendes, Susana Romana, Tiago Rodrigues encenação: Tiago Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal e Produções Fictícias estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Stand-up Tragedy texto: Luís Filipe Borges, Nuno Costa Santos e Tiago Rodrigues encenação: Tiago Rodrigues estreia: Maria Matos Teatro Municipal, Lisboa Azul a cores texto: Filipe Homem Fonseca cocriação e interpretação: Margarida Cardeal e Tiago Rodrigues estreia: Teatro da Trindade, Lisboa 34 35 Mundo Perfeito ↙ TEATRO ★ 30 outubro e 2 novembro quarta e sábado ↣ 21h30 Tristeza e alegria na vida das girafas sala principal com bancada duração: 2h ● M/16 A morte do urso de peluche A menina tem de fazer um trabalho para a escola sobre girafas, mas a televisão lá de casa tem uma espécie de avaria, quer dizer, desde que o pai ficou desempregado não há como pagar o canal dos documentários. O que acontece a partir daí é hilariante, cruel, comovente e sábio. É uma peça de teatro que está em digressão pelo país, chamada Tristeza e alegria na vida das girafas, de Tiago Rodrigues, com atores cujos nomes e fotos não aparecem nas páginas cor-de-rosa e que são muito, muito bons. O mundo visto pela lógica implacável de uma criança não tem diplomacia nem condescendência. Não é uma visão povoada por flores e borboletas, é muito pragmática e absorve sucessivas aprendizagens sem o tempero que no futuro se traduzirá em conceitos morais. Uma coisa é ou não é, não há assim-assim nem o desconto das subtilezas. Por isso, quando a menina vai à procura de dinheiro para pagar o canal por cabo atravessa uma realidade que lhe mata a infância e o delicioso urso de peluche. Há muitas razões que me levam a gostar de ir ao teatro e lamento não poder ir com mais frequência. Ir ao cinema é mais prático, porque o mesmo filme pode ser visto em diferentes salas e com horários variados. Mas o teatro, como o bailado ou o circo, tem a força da 36 presença física, do risco, do improviso, tem variáveis que o cinema reduz com a repetição das filmagens e respetiva montagem. Longe do glamour das passadeiras vermelhas de Cannes ou Hollywood, a vida dos artistas e de todos os que estão envolvidos nestas artes é de uma instabilidade que exige enorme entrega e persistência. Ontem, no dia a seguir à festa dos 70 anos de carreira de Eunice Muñoz, ficou definido no Orçamento do Estado o aumento do IVA para os espetáculos, numa percentagem intermédia de 13 por cento. Não estou de acordo, mas não vou deixar de ir ao cinema, ao teatro, ao bailado, ao circo, não vou deixar de comprar livros nem de visitar museus e exposições porque o preço vai subir. Desertar da cultura seria uma desistência do que me faz aprender mais e mais sobre a vida e o mundo, sobre o passado e o presente, sobre a capacidade humana para se transcender. A realidade mata a infância e o ursinho da menina das girafas, e essa viragem não faz dela melhor nem pior, apenas menos crédula e mais informada. Mais crescida. Ana Sousa Dias, jornalista novembro 2011 Escolhido pela revista Time Out Lisboa como um dos melhores espetáculos de 2011 37 mala voadora ↙ TEATRO ★ 31 outubro e 1 novembro quinta e sexta ↣ 21h30 overdrama sala principal com bancada duração: 1h40 ● M/12 Este espetáculo é provavelmente a coisa mais parecida com uma peça que escrevo há já algum tempo. As minhas conversas iniciais com o Jorge foram sobre torcer as convenções das peças “bem feitas” até ao ponto de tornar essas convenções ridículas ou irreconhecíveis através da repetição e do exagero. Com o processo de escrita e desenvolvimento, o texto tornou-se uma coisa diferente. Fiquei interessado em criar uma peça que parecesse relativamente “normal” — uma série de diálogos entre um grupo de pessoas todas a atravessar mais ou menos o mesmo período e acontecimentos na mesma cidade —, mas que dispensasse alguns dos seus mecanismos de formas inesperadas. Os meandros da intriga, por exemplo, ou o subtexto a fervilhar nas conversas, podem de vez em quando surgir de forma óbvia e nua, sem nenhum dos artifícios que seriam normalmente usados por um escritor para pedir ao público que suspenda a consciência do teatro à sua volta ou dos atores por detrás das personagens em palco. Enquanto escrevia o texto pensava sobre a natureza cíclica dos movimentos de protesto. Pensava em particular em como é possível enganarmo-nos a nós próprios achando que cada ciclo de protesto não se parece com nada do que aconteceu antes — que desta vez os seres humanos envolvidos vão finalmente 38 conseguir reimaginar radicalmente a sociedade em que participam. A ânsia de protestar, particularmente em sociedades mais “democráticas”, torna-se parte da estrutura social em vez de atacá-la — um meio de controlar o fluxo de energia através de sistemas altamente globalizados que assegura a satisfação de uma necessidade social ao mesmo tempo que protege a integridade do próprio sistema. Esta ânsia é talvez mais fácil de canalizar em sociedades que já não têm a capacidade de se reconfigurar através de revoluções — sociedades que desenvolveram a flexibilidade de absorver a energia do protesto, normalmente dando a um número suficiente de pessoas a quantidade suficiente daquilo que elas querem de modo a que a imaginação de uma alternativa seja esmagada pela inércia do consenso. Tive a sorte em vários momentos durante o processo de ver o elenco a trabalhar e de fazer parte do seu mundo à medida que desenvolviam um ponto de vista partilhado sobre o texto que escrevi. Deixaram generosamente que alterasse e desenvolvesse partes do texto durante os ensaios, produzindo um espetáculo que dava sempre a sensação de estar vivo e aberto à mudança e às ideias e interpretações de todos os implicados. Estou verdadeiramente grato por ter sido convidado a trabalhar com este excelente grupo de pessoas. Chris Thorpe, dramaturgo julho 2011 39 Mundo Perfeito ↙ TEATRO ★ 7 novembro quinta ↣ 21h30 Se uma janela se abrisse sala principal com bancada duração: 75 min ● M/12 A primeira vez Nunca o silêncio me tinha pesado tanto. Nunca tinha sido para mim tão incómodo estar no meio de câmaras de televisão, as mesmas com que eu convivo e trabalho há décadas. Nunca ninguém me tinha pedido para estar tanto tempo calado, no lugar onde ganho a vida a falar. Nunca tinha sentido tanta solidão na cadeira onde já me acompanharam mais de um milhão de espectadores. Foi tudo isto que aconteceu quando o Tiago Rodrigues e o seu Mundo Perfeito me pediram para ser eu próprio, numa ficção. Os momentos que gravámos para a peça Se uma janela se abrisse foram intensos e inéditos para mim. Foi-me pedido que estivesse sentado na minha cadeira, onde apresento o Telejornal, sem falar durante mais de uma hora de gravação. O burburinho, os gritos e o stress habituais no estúdio foram substituídos por um silêncio incómodo apenas quebrado pela voz do Tiago no meu ouvido. Contava-me histórias, só a mim. Fazia-me viver sensações de personagens que o Tiago tinha criado, mas às quais apenas os meus olhos, rosto ou transpiração podiam responder. Não podia falar. Senti pena, alegria, medo, tristeza, sonhei e… acordei com muita lucidez. Tudo ao mesmo tempo. Nunca as câmaras, que eu considerava velhas amigas, me pareceram tão ameaçadoras. Subiam e desciam como que para me denunciar. Não deixavam 40 escapar nada, ávidas de saber o que até aqui nunca tinham conseguido. Quando finalmente vi a minha gravação integrada na peça, tudo fez sentido. Mas aquele não era eu. Era a minha cabeça, o meu tronco, mas eram ambos estranhos e novos para mim. A minha boca abria, mas o som que saía dela não era a minha voz. Os atores falavam para aquele rosto igual ao meu, mas não falavam comigo. Eram todos cúmplices, menos eu, que sentado na plateia me sentia cada vez mais um forasteiro ou um simples espectador de mim próprio. Vi a peça de fora, mas como se vivesse em dois mundos paralelos, o real e o que estava dentro do palco. Tive uma sensação única de prazer estranho. Era eu próprio não sendo nada daquilo que tinha sido até então. Olhava para mim sem me reconhecer, ou talvez me tenha conhecido um pouco melhor… como nunca me tinha conhecido. Tudo na peça andava ao contrário, mas tudo fazia agora mais sentido do que nunca. João Adelino Faria, jornalista setembro 2013 Nomeado para o Prémio Autores SPA/RTP para Melhor Espetáculo de Teatro 2010 41 mala voadora ↙ TEATRO ★ 8 e 9 novembro sexta e sábado ↣ 21h30 what I heard about the world sala principal com bancada duração: 70 min ● M/12 Se é estrangeiro e se gaba que sabe falar português, quando na verdade não sabe, o pior que pode fazer é comprar bilhete para este espetáculo, com várias partes faladas em português sem tradução. Faz tudo parte de um humor muito próprio resultante de uma curiosa colaboração entre a companhia Third Angel, de Sheffield, a portuguesa mala voadora e o dramaturgo inglês Chris Thorpe. O objetivo deste espetáculo intercultural — parte teatro, parte investigação — é contar algumas das histórias em “segunda mão” que usamos para criar uma imagem dos países que nunca visitámos. Ouvimos falar de uma linha telefónica francesa para confissões religiosas; uma estação de rádio israelita que emite silêncio; um jardim zoológico em Gaza onde os burros são pintados para parecerem zebras. Por vezes torna-se difícil saber se as histórias são verdadeiras, mas isso não tem importância nenhuma. Fiel aos factos ou não, é uma demonstração do melhor e do pior do comportamento humano, ora hilariante ora comovente. Laura Barnett crítica ao espetáculo what I heard about the world 12 agosto 2012 in The Telegraph 42 43 mala voadora ↙ TEATRO ★ 14 novembro quinta ↣ 21h30 Os Justos sala principal com bancada duração: 70 min ● M/12 44 45 Mundo Perfeito ↙ TEATRO ★ 15 e 16 novembro sexta e sábado ↣ 21h30 Três dedos abaixo do joelho sala principal com bancada duração: 75 min ● M/12 O perigo das fronteiras invisíveis Como medida para o comprimento mínimo de uma saia, três dedos abaixo do joelho parece uma indicação relativamente arbitrária, mas também clara. Desenha-se uma linha horizontal na perna da atriz: acima não, abaixo sim. Outras linhas se traçaram nos textos que passaram pela Comissão de Exame e Classificação de Espectáculos: um círculo à volta das palavras “a sua nudez”, um risco por baixo da frase “O porco! Não existe!” aplicada a Deus, uma constelação de X ao longo de um sketch sobre a “liberdade de pressão”. Uma linha muito clara separa também o texto de um relatório da Comissão e o texto de uma peça de teatro. O que este espetáculo faz não é tanto diluir essa fronteira — e ela esteve lá, no trabalho de montagem, copy-paste, que fez o Tiago Rodrigues — mas, mais precisamente, torná-la invisível. Um censor escreveu que “Não deve ser percetível ao público qualquer corte”, o Tiago Rodrigues segue essa instrução: pega na frase, apaga-lhe as aspas (e com elas autor, data, contexto), cola-a a outras. Não deixa de haver um lado “informativo” ou “documental” em relação ao que foi a censura de teatro em Portugal, mas ao tratar o material escrito pelo Padre Teodoro da mesma maneira que o Othello — encenando os relatórios dos censores, intercalando-os com obras de teatro mais ou menos 46 famosas —, este espetáculo usa sobretudo os mecanismos que pode haver num palco para melhor tornar visível a violência da operação da censura e da sua burocracia, para dar dela uma imagem. E se às vezes, enquanto público, damos por nós sem saber muito bem distinguir entre a maneira de pensar dos censores (no regime fascista) e a nossa (ou a da nossa época) — porque compreendemos, porque reconhecemos, porque nos rimos — é que atravessar uma fronteira contém sempre uma promessa e um perigo. Este espetáculo corre o risco de dar golpes (três dedos) abaixo da cintura para tentar pensar o teatro, por confiar no seu poder. Joana Frazão, tradutora maio 2012 Vencedor do Prémio Autores SPA/RTP para Melhor Espetáculo de Teatro de 2012 Vencedor do Globo de Ouro para Melhor Espetáculo de Teatro de 2012 Escolhido pelo jornal Público como um dos melhores espetáculos de 2012 Nomeação para Prémio Autores SPA/RTP para Melhor Texto Português Representado Nomeação para Globo de Ouro para Melhor Atriz de Teatro 47 Mundo Perfeito ↙ TEATRO ★ nova criação 20 a 23 novembro quarta a sábado ↣ 21h30 BY HEART sala principal com bancada duração: 60 min ● M/12 Uma multidão olha para um elefante no topo de uma montanha gelada. O elefante é o maior animal que anda à superfície da Terra. No entanto, este deverá ser cerca de 100 vezes maior do que um elefante normal. Esta foi a imagem que Tiago Rodrigues escolheu para ilustrar o dossier da sua obra By heart, uns meses antes de a estrear. Perante a estranheza, os espectadores irão questionar-se. Que faz um elefante em cima de uma montanha gelada? Como lá chegou? Ou ainda: mas este elefante tem uma escala incomensurável, a esta distância apenas deveria ser um ponto no horizonte. Como é isto possível? Perante o fenómeno, as opiniões divergem, cada um terá algo para contar, cada um terá uma memória do que testemunhou, em que todos são confrontados com a estranheza. Cada um irá guardar a sua versão individual do acontecimento. Face ao que nos espanta e comove, iremos contar a outros aquilo que sentimos e nesta transmissão acrescentaremos a nossa própria emoção e alteraremos alguns detalhes. A memória é camaleónica e adota a cor do transmissor. Estamos perante dois fenómenos: a perceção e a transmissão. Na brecha entre os dois, surge a possibilidade da poética. George Steiner diz que “quando uma linguagem 48 morre, morre igualmente uma forma de olhar o mundo”. Diz-nos também que estamos no fim da era dos livros. Quando Tiago Rodrigues junta dez espectadores e lhes pede para aprenderem de cor (by heart) um soneto de Shakespeare, pede-lhes que aprendam “com o coração”, oferece a possibilidade da poética aliada à experiência da poesia. Cumpre, indelevelmente o papel de bibliotecário do efémero. Se cada um decorar aquele soneto, ele sobreviverá para sempre de uma forma viral. E por isso o papel simbólico dos livros nesta obra. Formalmente este é o espetáculo mais simples que Tiago Rodrigues até hoje criou. Conceptualmente é, provavelmente, a sua obra mais complexa. Voltando à fotomontagem do elefante e da multidão, há algo mais que nos surpreende. Cores saturadas, película ectachrome dos anos 50 e roupa antiquadas, os seus corpos estão paradoxalmente descontraídos numa ambiência quase bucólica de contemplação, pessoas de várias gerações unidas na experiência do olhar, traduzindo o lado arcaico e profundamente civilizacional que os livros convocam. Não sei se era este o público que o encenador imaginou, mas foi certamente próximo daquele que encontrou nas apresentações try out desta obra: uma amostra de pessoas da comunidade, um público particularmente heterogéneo, a quem foi pedido que aprendesse um poema de Shakespeare, no palco, face aos outros espectadores, algo que seria um enorme desafio, até para um/uma experiente ator/ atriz. “Quando em meu mudo e doce pensamento / chamo à lembrança as coisas que passaram...” Nesse momento, o público transgride diversos rituais da convenção teatral e assume de uma forma militante o papel de guardião das palavras e das ideias. A deslocação do lugar do espectador para o lugar do ator/encenador, sem que seja sequer beliscado o delicado lugar do teatro enquanto espaço de memória, acontece sem que nos questionemos perante esta mudança. A partilha é agora entre espectadores e o ator/encenador assume um 49 Mundo Perfeito ↙ papel de mediador. By heart questiona o lugar do espectador e responsabiliza-o perante a experiência teatral. A viagem temporal que atravessa o espetáculo é, pois, a da responsabilização. A mesma viagem que a avó de Tiago decide empreender quando se obstina em memorizar um livro inteiro antes da inevitável cegueira que se avizinha (situação na peça, mas também na vida real). Este ato de obstinação é o contrato que, em cada noite, o teatro celebra entre os atores e os espectadores. O contrato da memória, essa fronteira última da live art, que o poder tanto detesta, pois não se pode vender, comprar, medir ou taxar, e que transfere para cada espectador a responsabilização de algo que foi relevante mas efémero. Rui Horta, coreógrafo setmbro 2013 50 51 mala voadora ↙ TEATRO ★ nova criação 26 a 29 novembro terça a sexta ↣ 21h30 PARAÍSO 1 sala principal com bancada duração: 80 min ● M/12 Paraíso 1 é uma colaboração entre a companhia de teatro mala voadora, de Lisboa, a transdisciplinar Association Arsène, de Paris, e o músico Simon Rummel, de Colónia. A missão desta equipa será descrever o paraíso. Descrever uma paisagem. Em inglês, que é a sua língua comum. Mas também nas suas três línguas de origem — português, francês e alemão — cada uma com a sua musicalidade. E cantam. Paraíso 1 é um musical a três vozes em que se descreve uma paisagem. E em que se dança, como é comum nos musicais. A descrição de uma obra de arte (do tipo literário que os gregos designaram como Ekphrasis) é uma representação de uma representação. Um tema propício a considerações semióticas. A nós, interessou-nos a “representação de uma representação” pelo hiato que se abre entre as duas, a preencher pelo artifício. Inventar esta paisagem, ou o paraíso, é inventar o modo de os descrever. Como se fez nos manuais do pitoresco do século XVIII. É preciso saber como compor o idílio da paisagem (“As obras da natureza parecem-nos tão mais agradáveis quanto mais se assemelham às da arte”, disse Joseph Addison). Quando surge a arte, surge o conflito. Tornou-se comum achar que a arte deve comprometer-se com a política e adotá-la como tema. Para nós, a sua dimensão política privilegiada continua a ser a sua 52 própria definição ou, mais concretamente, a forma. Este é o primeiro espetáculo de um ciclo que a mala voadora vai desenvolver em torno do paraíso — um móbil otimista — um sítio suficientemente vago para que tenhamos de recorrer a modos artificiosos de o enunciar. mala voadora setembro 2013 programa paralelo ↙ 10 novembro ● domingo ↣ 18h30 17 novembro ● domingo ↣ 18h30 MALA VOADORA E MUNDO PERFEITO 1 conversa com 10 convidados mundo perfeito 2 livros e 1 filme em construção mmcafé sala principal com bancada 10 anos, 10 convidados, 10 perguntas. Fugindo aos suspeitos do costume do mundo do teatro, o Mundo Perfeito e a mala voadora convidam 10 espectadores para os interpelar sobre o seu percurso. Ana Maria Simões professora de História e de Teatro Ângelo Rocha gerente do Miosótis, supermercado biológico Bernardo Vaz de Castro investigador na área da comunicação Carlos Vaz Marques jornalista e diretor da revista Granta Daniel Sampaio psiquiatra e professor universitário Maria João Guardão jornalista e realizadora Mário Caetano investigador na área da deteção remota por satélite Nuno Coelho designer de comunicação Pedro Delfim analista informático Stella Horta estudante do ensino secundário 54 Lançamento dos livros Os ingredientes do Mundo Perfeito e Peças de Tiago Rodrigues — Vol. 1, seguido de exibição de filme em construção de Tiago Guedes. Um filme, dois livros, uma exposição fotográfica. Celebrar uma década de trabalho na criação de espetáculos de teatro produz, inevitavelmente, uma onda de choque que dá origem a outros projetos artísticos. Isto é ainda mais verdade no caso de uma estrutura com um culto da colaboração tão profundo e um ritmo de produção tão intenso como o Mundo Perfeito. Se alguns desses projetos vivem na órbita do corpo de trabalho da companhia, outros assumem-se como astros com luz própria. No programa paralelo dedicado ao Mundo Perfeito, teremos a oportunidade de, num só dia, assistir a um filme ainda em construção, ao lançamento em conjunto de dois livros e de visitar uma exposição fotográfica que estará patente ao longo de um mês. O realizador Tiago Guedes mostra uma versão prévia e em construção do filme que está criar a partir da primeira peça de teatro escrita por Tiago Rodrigues, Coro dos Amantes, e que é protagonizado por Isabel Abreu e Gonçalo Waddington. Já o livro Os Ingredientes do Mundo Perfeito conta com texto da autoria de Rui Catalão, design gráfico de Tiago Gandra e fotografias 55 programa paralelo ↙ de Magda Bizarro. É um mergulho no universo criativo do Mundo Perfeito e examina uma década de trabalho (porque a vida não examinada não merece ser vivida). Catalão parte das palavras de diversos colaboradores da companhia e Gandra perde-se no labirinto do arquivo fotográfico que Bizarro acumulou nos últimos 10 anos. Peças de Tiago Rodrigues — Vol. 1 é uma edição da responsabilidade do Centro de Dramaturgia Contemporânea do Teatro Académico de Gil Vicente, do qual Tiago Rodrigues é Dramaturgo Residente. Este primeiro volume de peças inclui os textos Coro dos Amantes, Tristeza e alegria na vida das girafas e Três dedos abaixo do joelho. A apresentação do livro será feita por Francisco Frazão, programador de teatro da Culturgest, e pelo diretor do TAGV, Fernando Matos Oliveira. EXPOSIÇÃO de fotografia 30 outubro a 29 novembro Magda Bizarro O desconcerto do mundo Ao longo de todo programa estará patente no foyer do Teatro a exposição fotográfica O desconcerto do mundo. Magda Bizarro revela 10 trabalhos inéditos numa visita guiada pelo olhar de uma testemunha privilegiada e protagonista dos bastidores de uma década de atividade desta companhia. terça a sexta: 18h às 02h sábado e domingo: 15h às 02h ● foyer 56 29 novembro ● sexta ↣ 18h30 mala voadora 2 livros e 1 apresentação mmcafé Lançamento dos livros 3 peças de Chris Thorpe para a mala voadora e modos de não fazer nada, seguido da apresentação A mala voadora anuncia a sua programação para os próximos 10 anos. Depois de termos colaborado em what I heard about the world, começámos a convidar o Chris Thorpe para escrever textos para a mala voadora. Primeiro, pedimos-lhe um texto sobre a revolução utilizando para isso os recursos narrativos do drama burguês — overdrama. Depois, pedimos-lhe um texto em torno do anunciado “fim da história” e da sua não consumação. Propusemos-lhe escrever casa & jardim a partir da estrutura de House & Garden de Alan Ayckbourn: duas peças para serem representadas em simultâneo pelos mesmos atores que, assim, circulam entre dois cenários e dois públicos. O terceiro convite foi para escrever a partir de histórias recolhidas na zona de Guimarães utilizando a estrutura característica do melodrama. Desta vez, o Chris propôs-nos um texto — dead end — sem o formato de uma peça: uma série de narrativas, sem personagens, abertas a que inventássemos uma estrutura para elas. São estas três peças que estamos agora a publicar, ao mesmo tempo que continuamos a trabalhar com o Chris, a apreciá-lo enormemente e a ter nele um belo amigo. 57 José Capela, arquiteto, iniciou-se no Teatro Universitário do Porto (TUP), onde foi ator, designer gráfico e figurinista. Em 2003, fundou a mala voadora com Jorge Andrade e tem sido sobretudo nesta companhia que tem desenvolvido o seu trabalho como cenógrafo. Concebeu cenários para espetáculos de Jorge Andrade, e também de Rogério de Carvalho, João Mota, Miguel Loureiro e Álvaro Correia. A mala voadora publica agora um catálogo com essas cenografias. Sem a pretensão de produzir uma antologia, esta pequena publicação tem o formato de um manual — uma lista de modos de fazer cenários, desde “não fazer nada” até à utilização de maquetas, telões ou décors como os das telenovelas. Finalmente, cumpridos 10 anos de atividade, Jorge Andrade e José Capela anunciam, detalhadamente, os espetáculos que a mala voadora vai apresentar nos próximos 10 anos. ↖ programa paralelo 58 mala voadora ↙ Fichas artísticas OVERDRAMA direção: Jorge Andrade texto: Chris Thorpe tradução: Francisco Frazão com: Anabela Almeida, Carlos António, Cláudia Gaiolas, Flávia Gusmão, Jorge Andrade, Márcia Breia, Marco Paiva, Miguel Fragata, Pedro Gil, Sílvia Filipe, Tânia Alves, Wagner Borges, entre outros figurantes: Jessica Almeida, Rita Figueiredo, Filipe Baptista e Pedro Baptista cenografia: José Capela, com fotografias de Bruno Simão figurinos: Rita Lopes Alves luz: Daniel Worm d’Assumpção com assistência de: Eduardo Abdala imagem de divulgação: Isaque Pinheiro produção: Manuel Poças e João Lemos assistência de produção: Francisca Rodrigues consultoria para a gestão e a programação: Vânia Rodrigues coprodução: Culturgest apoio: Cine-Teatro do Montijo, Fundação Calouste Gulbenkian, NG5 imagem: © Bruno Simão PARAÍSO 1 de e com: Jorge Andrade, Odile Darbelley e Simon Rummel colaboração e cenografia: José Capela e Michel Jacquelin colaboração dramatúrgica: Anabela Almeida, Carlos António, David Cabecinha banda sonora: Rui Lima e Sérgio Martins apoio coreográfico: Fernando Santos produção: João Lemos assistência de produção: Francisca Rodrigues consultoria para a gestão e a programação: Vânia Rodrigues coprodução: Association Arsène (França), mala voadora, Maria Matos Teatro Municipal, Théâtre des Bernardines (França), O Espaço do Tempo, tanzhaus nrw (Alemanha) e Marseille-Provence 2013 — Capital Europeia da Cultura (França) financiado por: Institut Français, Conseil Régional PACA e EHESS Paris (Labex) Projeto financiado com o apoio da Comissão Europeia. imagem: © António MV WHAT I HEARD ABOUT THE WORLD de e com: Alexander Kelly, Chris Thorpe e Jorge Andrade colaboração: José Capela e Rachel Walton luz: João d’Almeida com assistência de: Eduardo Abdala produção: Manuel Poças e João Lemos assistência de produção: Francisca Rodrigues consultoria para a gestão e a programação: Vânia Rodrigues coprodução: Maria Matos Teatro Municipal, Sheffield Theatres e Pazz Festival apoio: LuxFrágil imagem: © José Carlos Duarte OS JUSTOS texto: Albert Camus tradução e adaptação: elenco original direção: Jorge Andrade com: Anabela Almeida, John Romão, Miguel Fragata, Pedro Gil e Wagner Borges colaboração coreográfica: Miguel Pereira som: Sérgio Delgado cartaz e apoio dramatúrgico: Suzana Vaz produção: João Lemos assistência de produção: Francisca Rodrigues consultoria para a gestão e a programação: Vânia Rodrigues financiado por: Ministério da Cultura/Instituto das Artes (2004) apoio: Fundação Calouste Gulbenkian, Câmara Municipal de Lisboa e Teatro da Garagem imagem: © Susana Paiva 60 61 Mundo Perfeito ↙ Fichas artísticas TRISTEZA E ALEGRIA NA VIDA DAS GIRAFAS texto e encenação: Tiago Rodrigues intérpretes: Carla Galvão, Miguel Borges, Pedro Gil e Tónan Quito participação especial: Beatriz Bizarro Rodrigues conceito de cenário e figurinos: Magda Bizarro e Tiago Rodrigues luz e apoio técnico: André Calado música e sonoplastia: Alexandre Talhinhas figurino urso: Sandra Neves imagem do cartaz: Afonso Cruz produção: Ana Pereira, Rita Mendes e Magda Bizarro produção: Mundo Perfeito & AnaPereira.PedroGil residência artística para a criação: O Espaço do Tempo coprodução: Mundo Perfeito, AnaPereira.PedroGil, Culturgest e TAGV imagem: © Magda Bizarro SE UMA JANELA SE ABRISSE texto e encenação: Tiago Rodrigues interpretação: Paula Diogo, Cláudia Gaiolas, Tónan Quito, Tiago Rodrigues e Alexandre Talhinhas colaboração especial: João Adelino Faria vídeo: Bruno Canas e Tiago Rodrigues sonoplastia e banda sonora: Alexandre Talhinhas cenário, figurinos e luzes: Magda Bizarro e Tiago Rodrigues direção de produção e fotografia de cena: Magda Bizarro assistência de produção na criação: Mariana Sampaio assistência de produção: Rita Mendes apoio técnico: André Calado produção: Mundo Perfeito apoio: Direção de Informação da RTP coprodução: alkantara festival e Teatro Nacional D. Maria II. agradecimentos: João Adelino Faria, José Alberto Carvalho, Marina Ramos, Luís Marinho, Fátima Fernandes, Luís Filipe Silveira, Iolanda Laranjeiro, Patrícia Azevedo, Catarina Dantas, Thiare Maia, Michel Blois, Flávia Gusmão, Nuno Gil, Judith Davis, Gilles Pollet, Arlete Rodrigues, Ana Maria Bizarro e a todas as pessoas presentes no vídeo do espetáculo. imagem: © Magda Bizarro 62 TRÊS DEDOS ABAIXO DO JOELHO encenação: Tiago Rodrigues texto: Tiago Rodrigues, a partir de relatórios de diversos censores do SNI interpretação: Isabel Abreu e Gonçalo Waddington pesquisa e apoio dramatúrgico: Joana Frazão vídeo: Tiago Guedes e Rita Barbosa (Take it Easy) sobre o arquivo da RTP conceito de figurinos: Magda Bizarro e Tiago Rodrigues, a partir do espólio do TNDMII cenário: Magda Bizarro, Rita Barbosa e Tiago Rodrigues desenho de luz e direção técnica: André Calado música: Márcia Santos (O gosto do poder) e Alexandre Talhinhas (Drum’n’Bass) direção de produção e fotografia de cena: Magda Bizarro assistência de produção: Rita Mendes legendagem: Magda Bizarro e Rita Mendes produção: Mundo Perfeito coprodução: alkantara festival e Teatro Nacional D. Maria II, Kunstenfestivaldesarts (Bélgica), De Internationale Keuze van de Rotterdamse Schouwburg (Holanda) e Stage Helsinki Theatre Festival (Finlândia) projeto coproduzido pelo NXTSTP, com o apoio do Programa Cultura da União Europeia. apoios: RTP, Take it Easy, Arquivo Nacional da Torre do Tombo/DGARQ agradecimentos: Paulo Tremoceiro, trabalhadores da Torre do Tombo, Diogo Infante, Fernando Matos de Oliveira, Rui Pina Coelho, Mickael Oliveira Figurinos gentilmente cedidos pelo Teatro Nacional D. Maria II. Documentação gentilmente cedida pela Biblioteca do Teatro Nacional D. Maria II. Imagens de arquivo gentilmente cedidas pelo Arquivo da RTP. imagem: © Magda Bizarro BY HEART texto, encenação e interpretação: Tiago Rodrigues texto com fragmentos e citações de: William Shakespeare, Ray Bradbury, George Steiner, Oliver Sacks, Joseph Brodsky, entre outros cenário, adereços e figurino: Magda Bizarro apoio técnico: André Calado direção de produção e fotografia de cena: Magda Bizarro assistência de produção: Rita Mendes residência artística: O Espaço do Tempo produção: Mundo Perfeito coprodução: O Espaço do Tempo, Maria Matos Teatro Municipal Espetáculo criado com a cumplicidade da equipa d’ O Espaço do Tempo imagem: © Westwood & Strides 63 DANÇA ★ 5 a 7 dezembro quinta a sábado ↣ 21h30 coprodução mm CLÁUDIA DIAS Nem tudo o que fazemos tem de ser dito, nem tudo o que dizemos tem de ser feito Em Nem tudo o que fazemos tem de ser dito, nem tudo o que dizemos tem de ser feito assumo a centralidade que o texto foi ganhando nos meus últimos trabalhos mas liberto-me da autoria da escrita. Livre da escrita posso dedicar-me então à inscrição […] para que o que é dito e escrito não se dilua, impune, num etéreo e efémero espaço mas que ecoe publicamente e sejamos todos responsabilizados pelo que vinculamos. Para que haja memória. E talvez seja esta a característica mais distintiva desta peça, relativamente a anteriores, a consciência de que o Teatro é também espaço de inscrição. TEATRO ★ 13 a 15 dezembro sexta e sábado ↣ 21h30 domingo ↣ 18h30 coprodução mm DE WARME WINKEL (Amesterdão) We Are Your Friends O coletivo De Warme Winkel é a nova companhia fetiche do teatro holandês. Os seus espetáculos esgotam invariavelmente, a imprensa usa palavras como “surpreendente”, “cheio de humor”, e “maravilhoso” e a companhia está pelo terceiro ano consecutivo representada na lista das dez melhores encenações do ano. Depois de trazer para o palco as contradições do sistema financeiro em San Francisco, os holandeses De Warme Winkel voltam a falar-nos da crise no Velho Continente e tentam descobrir o prazo de validade da Europa que conhecemos. sala principal com bancada ● 14€ / 7€ em inglês Cláudia Dias sala principal com bancada 12€ / 6€ a seguir... 65 A Maratona 10 Anos 10 Horas é um projeto Create to Connect com o apoio do Programa Cultura da União Europeia apoios Maratona Desde 2009, a mala voadora é uma estrutura financiada por DGArtes/ Presidência do Conselho de Ministros/Secretaria de Estado da Cultura e associada da Associação da Galeria Zé dos Bois O Mundo Perfeito é uma estrutura financiada por DGArtes/Presidência do Conselho de Ministros/Secretaria de Estado da Cultura, residente no alkantara e associada a O Espaço do Tempo. apoios Mundo Perfeito