LEVANTAMENTO DE PESO EM VIÇOSA/MG: QUATRO DÉCADAS
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LEVANTAMENTO DE PESO EM VIÇOSA/MG: QUATRO DÉCADAS
4382 LEVANTAMENTO DE PESO EM VIÇOSA/MG: QUATRO DÉCADAS DE RELAÇÃO ESPORTE-CIDADE, INFLUÊNCIAS MÚTUAS, AVANÇOS E LIMITES. Carlos Nazareno Ferreira Borges Simone Magalhães Lopes/CNPq Denia Paula Gomes Universidade Federal de Viçosa RESUMO Esse texto é originado de um estudo que visa encontrar e compreender as relações de auxílio recíproco entre dois objetos sociologicamente e contemporaneamente próximos: o esporte e a cidade. Fazemos um recorte tomando como foco a cidade de Viçosa/MG e a modalidade Levantamento Olímpico. Há evidências empíricas indicando relações de crescimento recíproco entre esporte e cidade, quando tomados exemplos recentes de modalidades olímpicas presentes em cidades brasileiras de pequeno porte. Acreditamos que um levantamento histórico da relação Levantamento Olímpico X Viçosa, ao longo das últimas quatro décadas, pode permitir o encontro de possíveis pontos de auxílio recíproco entre os mesmos. Palavras-chave: Esporte, cidade, história. 4383 TRABALHO COMPLETO Estamos quase todos convencidos de que a História não é uma ciência como as outras – sem contar com aqueles que não a consideram ciência. Falar de História não é fácil, mas estas dificuldades de linguagem introduzem-nos no próprio âmago das ambigüidades da História (Le Goff, 1988). Se um quadro de dificuldades se apresenta assim quando nos referimos à História em sua amplitude enquanto área do conhecimento, muito mais vamos encontrar quando tratamos de especificidades de estudos em sub áreas como a História da Educação e mais ainda na História da Educação Física. O que vem em mente quando pensamos em EDUCAÇÃO FÍSICA? Esporte, performance, busca do corpo perfeito, saúde, energia, movimento, academia, competições, fisiologia, enfim, podemos elencar uma série de termos com as quais a Educação Física poderá ter alguma relação, no entanto, é raro encontrar alguém que ao voltar suas idéias a esse campo de trabalho, interrelacione-o com as Ciências Sociais. A Educação Física tem sido considerada por muitos como uma ciência biológica, por outro lado, tem sido também considerada por outros como uma ciência humana. Indiferente ao debate da cientificidade ou não da Educação Física, para nós é bastante considerar que o profissional da área lida o tempo todo com pessoas, interage com elas, transmite-lhes conhecimentos e, conseqüentemente, pode intervir de algum modo em suas vidas como indivíduos e como seres sociais, o que em última instância implica mesmo em uma interferência na sociedade. Quando lançamos um breve olhar sobre a História da Educação Física, é comum observarmos uma inter-relação de influências recíprocas entre Educação Física e sociedade, desde âmbitos locais até o âmbito mundial. A título de ilustração basta lembrarmos, como exemplo, o advento dos métodos ginásticos: alemão, sueco, francês e austríaco. Os estudos centrados na investigação desses métodos e suas influências nas sociedades do século XIX e XX têm apontado para questões relacionadas com o higienismo e a preparação militar entre outros elementos que se caracterizaram e ainda se caracterizam como fatores de intervenção do Estado no estilo de vida da sociedade, via o mecanismo de incentivo à prática de atividades físicas. São muitas dessas práticas de atividades físicas, outrora chamadas de ginástica, que em determinado momento ganham status de institucionalização, universalização de regras e o caráter competitivo, ou seja, todas as características que nos permitirão observar a gênese de um dos componentes mais específico e fenomênico da Educação Física: o esporte. Embora a prática de atividades físicas com ênfases competitivas tenha sido observada ao longo da história desde a antiguidade, muitas fontes históricas, como os estudos de Elias (1995) nos mostram que as práticas de atividades físicas com características daquilo que passou a se denominar de esporte, somente teve início na Inglaterra do século XIX1. O esporte, como tal, foi introduzido no Brasil no final do século XIX, início do século XIX com a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. Lucena (2001), diz que ao contrário da Inglaterra, o esporte no Brasil não surgiu de um amadurecimento de ações simples, mas sim, por uma ação deliberada e dirigida para determinados setores da elite brasileira. O mesmo autor diz ainda que desde sua introdução no Brasil, o esporte tem sido reflexo do comportamento da sociedade brasileira que desde então, passou a desprezar e tratar como primitiva e insalubre a prática dos jogos populares - tal como o entrudo – para gozar de uma prática muito mais “civilizada”, centrada em regras, ao molde europeu: a prática esportiva. Contemporaneamente, quando escutamos a expressão: “vivemos no País de Futebol”, fica fácil perceber a influência que o esporte tem no cotidiano dos brasileiros. Tem sido um consenso a percepção de que em época de Copa do Mundo de futebol (campeonato mundial de seleções nacionais), o país pára para ver a seleção jogar. O esporte é instrumento até mesmo para encobrir tragédias políticas, corrupções e falcatruas do governo. A mídia enlouquece a população bombardeando de informações durante esse e outros eventos esportivos, promovendo a chamada manipulação de massas. Enfim, o esporte afeta o país em proporções políticas, sociais e econômicas. Desse modo, não parece deixar dúvidas de que a Educação Física ao longo dos anos, sobretudo por meio do esporte, incidiu e ainda incide de maneira direta e indireta na sociedade. 1 O Sociólogo Nobert Elias se refere ao processo civilizatório na Inglaterra, sobre o que, o autor afirma que o futebol teve influência significativa em função de sua proximidade lógica com a organização política da sociedade inglesa. 4384 O presente trabalho representa justamente um esforço de contribuição no campo da História da Educação Física, qual seja o de estudar como se constrói uma trajetória histórica da relação entre esporte e cidade. Sentimos a grandeza dessa tarefa e, para dar conta de um estudo consistente dessa relação, optamos por fazer um recorte que considere as aproximações e influências mútuas entre apenas uma modalidade esportiva em específico, no nosso caso o Levantamento de Peso; e uma cidade brasileira: Viçosa, no Estado de Minas Gerais. Desde 1926 que se pode observar a proximidade entre duas realidades diferentes que por motivos intencionais e contingentes passaram a coexistir em um pedaço de terra da zona da mata mineira e desde então vêm mantendo uma relação de interdependência, apesar da autonomia jurídica de cada uma, assim como da função social que cada qual desempenha. Estamos falando da relação entre a cidade de Viçosa e a Instituição de Ensino Superior ali instalada: a atual Universidade Federal de Viçosa (UFV). No âmbito das tentativas de construção historiográfica em linhas de pesquisa que abordam questões alusivas às instituições, já temos estudos que objetivam descrever e analisar a participação da cidade de Viçosa no desenvolvimento da UFV, assim como o itinerário inverso da segunda em relação à primeira. O presente estudo, pensado a partir de matrizes históricas e sociológicas, pretende se inserir no grupo de trabalhos que analisam a relação biunívoca de auxílio entre a cidade e a universidade, contudo, tomando um novo elemento, o qual poderá servir de ferramenta que nos possibilite abrir outra “caixa preta” de investigação: o esporte. Tomado como fenômeno social, acreditamos que o esporte possa nos ajudar a perceber a (in) existência de relações diferenciadas de auxílio entre cidade e universidade, como também nos fornecer elementos que demonstrem como ambas respondem de forma semelhante ou diferenciada a algum tipo de contribuição ao crescimento do próprio esporte enquanto dimensão da vida social. Como já dissemos, estamos tomando uma modalidade esportiva que tem sido um significativo mediador na relação Viçosa X UFV: o Levantamento de Peso. Esta escolha deu-se por diferentes e importantes fatores, entre os quais: o esporte em questão ser uma modalidade olímpica; ser uma modalidade que mantém a entidade máxima de representação nacional (Confederação Brasileira de Levantamento de Peso – CBLP2) com sede na cidade de Viçosa; bem como, por manter uma seleção nacional (de diversas categorias) permanente na mesma cidade. Embora a prática da modalidade esportiva em questão seja realizada nas dependências do Departamento de Educação Física da UFV (DES-UFV), ela não se caracteriza como uma iniciativa direta da instituição (sob a forma de projeto de extensão). Na verdade, consideramos importante esse fator, pelo qual tomamos o Levantamento de Peso como modalidade esportiva escolhida para esse estudo, a ponto de deslocarmos o foco de investigação inicial da relação cidade x universidade, para a relação esporte x cidade. A partir dessas considerações, entendemos que o estudo passa a ser dos impactos diretos que o Levantamento de Peso e a cidade de Viçosa geram (ou não) entre si ou de como essa relação tem sido construída de modo que nos possibilite entender mais essa natureza sociológica do esporte como fenômeno social e cultural. Queremos deixar evidente que nosso trabalho está para além de pretender ser uma extensa obra de descrição historiográfica, nem tampouco queremos mostrar a evolução linear de relação entre os três objetos citados – agora cidade e esporte, com mediação da universidade. Por isso, na tentativa de fazer um exercício de sociologia histórica, nos propomos lançar um olhar a partir de um fato que, a nosso ver, adquire significativa relevância acadêmica para interpretações da tríplice relação: a implementação da prática do Levantamento de Peso3 na cidade de Viçosa, mais especificamente no Campus da Universidade. Com isso, deixamos claro nossa intenção de trabalhar na plataforma de duas limitações para o estudo: a) a temporalidade, tomada no decorrer de quatro décadas, uma vez que o Levantamento de Peso está instalado em Viçosa desde a década de setenta; e, b) a especificidade de uma modalidade esportiva, com seu mérito de classificação como modalidade olímpica além do status 2 Fundada em 30 de maio de 1979 filiada ao Comitê Olímpico Brasileiro – COB, à International Weightlifting Federation – IWF, à Confederacion Panamericana de Levantamento de Pesas – CPLP, e à Confederacion Sudamericana de Levantamiento de Pesas – CSLP. 3 O Levantamento de Peso, enquanto modalidade olímpica recebe a denominação de levantamento olímpico, mas também é denominado de halterofilismo, nome esse com o qual comumente se faz referência à Federação Internacional IWF (International Weightlifting Federation). 4385 cuo da concentração de performance e institucionalização nacionais máximas instaladas na cidade, já que aí treinam a Seleção Brasileira e também está abrigada a sede da CBLP. Parece oportuno que mostremos as questões que deram partida a esse estudo, no que diz respeito à tríplice relação abordada: Como se tornou possível o desenvolvimento do Levantamento de Peso em proporções de alto rendimento na cidade de Viçosa, considerando suas características geográficas, sociais, econômicas e políticas? Qual o impacto da implementação e funcionamento de uma estrutura de performance esportiva sobre a cidade de Viçosa? Que relações de aproximação existem entre a prática do levantamento olímpico e a tradição de vida esportivo-recreativa desenvolvida pela Universidade? As indagações levantadas tornaram-se apenas a ponta do iceberg dessa investigação que considera transversais discussões como: amadorismo, gênero, dom esportivo (talentos) e mobilidade social; temáticas essas que poderão vir a se constituir em aprofundamentos desse estudo. Descobrindo perspectivas de investigação da relação esporte X cidade Viçosa é uma cidade da Zona da Mata Mineira que conta com aproximadamente 70 mil habitantes. Assim como na maioria dos municípios brasileiros, temos uma cidade que comporta toda sorte de problemas administrativos em função da onda de municipalização a qual foram submetidas a maioria das cidades brasileiras em 19964. No entanto, muitas cidades parecem ter uma certa “vocação” econômica, isto é, parecem ter também algum fator econômico que garanta a maior parte da sustentabilidade do município. Em geral, esse fator econômico, no Brasil, é garantido nas pequenas cidades pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), recurso de impostos repassados pelo governo federal e pelos governos estaduais, ou mesmo, pela movimentação financeira gerada pelos comércios locais. No entanto, Viçosa tem uma particularidade que poucas cidades brasileiras têm: é uma cidade universitária, ou seja, é uma cidade cujo cotidiano gira em torno de uma grande universidade federal, além de outras instituições de nível superior de menor porte ali também instaladas. Essa particularidade representa um grande impacto sobre a economia da cidade, que passa a girar preponderantemente em torno da vida universitária. É notório que a UFV, desde a sua implementação tenha sido a grande propulsora, não somente para a economia do município, como para seu próprio crescimento demográfico, geográfico e urbano. Isso pode ser comprovado em um breve apanhado do desenvolvimento histórico da cidade e da universidade. A cidade surgiu como um povoado aglomerado em 1800 em torno de uma capela, e recebeu o nome de Santa Rita do Turvo (nome relacionado ao rio que cortava a cidade). Depois de se tornar um pequeno vilarejo elevado à condição de município em 1871, sendo que em 1876 recebeu o nome de Viçosa de Santa Rita, em homenagem ao bispo de Mariana da época, que se chamava Dom Antônio Ferreira Viçoso. Somente em 1911, a cidade adquiriu o seu nome atual. Entre tantos personagens que constroem uma cidade, encontram-se aqueles que marcam sua história, em função da contribuição significativa para o seu desenvolvimento. Foi assim, que graças à naturalidade viçosense de Arthur Bernardes, Presidente do Estado de Minas (1918) e depois presidente do Brasil (1922), implantou-se em Viçosa a Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV)5, sob justificativa da necessidade de estimular o desenvolvimento da cultura agropecuária na região. Baia (2004), conta-nos que a saída do curso de veterinária, transferido para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1942, fizeram com que a ESAV se transformasse na Escola Superior de Agricultura (ESA)6, vindo posteriormente a se constituir na Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG),e mais tarde, teria a denominação atual (UFV). Baia (2004) ao estudar a vida recreativa e esportiva da universidade, verificou que desde sua implementação enquanto ESAV - provavelmente devido à composição do corpo docente ser 4 É a descentralização administrativa promovida pelo governo FHC em 1996, que estimulava a criação de municípios em virtude da melhor repartição do “bolo” orçamentário. Com o tempo variamos que isso era uma falácia. 5 Embora a ESAV tenha sido criada em 1922, pelo decreto 6.053, suas atividades somente iniciaram em 1926 (data oficial de nascimento da atual universidade) 6 Baia (2004), diz ainda que a ESA foi instituída pelo Decreto-lei n. 824 de 20/01/1942, e que a UREMG foi criada pelo da Lei n.272 de 13/11/1948, sendo que a UFV foi criada pelo Decreto 64.825 de 15/07/1969. 4386 constituído de muitos professores estrangeiros - a recreação e o esporte estiveram constantemente atrelados às atividades da instituição. São muitas as fontes que este autor utiliza para mostrar indicativos de uma vida esportiva ativa no âmbito da UFV. No contexto dessa trajetória de vida esportiva, no final da década de setenta, o professor David Monteiro Gomes, colombiano naturalizado brasileiro, instalado na UFV como arquiteto responsável pela construção de prédios, aproveitou de materiais excedentes das empreiteiras para construir uma sala de Levantamento de Pesos. É que o referido professor, enquanto estudante no Rio de Janeiro, também havia se desenvolvido na prática dessa modalidade esportiva. Desse modo, considerando suas credenciais na modalidade, o professor começou a treinar atletas atraídos para a cidade, e isto chamou a atenção do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). A cidade passou, então, a ser um centro de práticas do Levantamento de Peso, sendo que atualmente, abriga a sede da Confederação Brasileira de Levantamento de Peso (CBLP), assim como a seleção brasileira permanente. Nesse momento, chamamos atenção para um fenômeno comum em cidades que sediam a prática de uma modalidade esportiva de referência nacional. Estamos nos referindo às cidades que não se configuram como capitais de Estado, onde se instala um clube, associação desportiva ou seleção permanente de alguma modalidade esportiva e onde freqüentemente tal estabelecimento gera uma ligação forte entre população e a equipe ali instalada, fazendo com que a vida esportiva da cidade, direta ou indiretamente, esteja vinculada àquela representação esportiva. Entre outros exemplos, podemos citar os casos do Esporte Clube Corinthians, equipe de basquetebol que se instalou na cidade de Santa cruz do Sul/RS; a equipe de Futsal do Carlos Barbosa, instalada na cidade mesmo nome no Rio Grande do Sul; a equipe de basquetebol do Uberlândia, instalada na cidade mesmo nome no interior de Minas Gerais; a Seleção Brasileira Panamericana de Box, que esteve instalada antes do Pan de 2003 na cidade de Belém, e mais recentemente, a equipe de voleibol do São Bernardo, instalada na cidade do mesmo nome em São Paulo e que se tornou Campeã nacional em 2005. O que esses casos têm em comum, é o fato de que a instalação de uma equipe em uma cidade altera os sentidos de pertencimento, fazendo com que os habitantes se relacionem com a equipe e a modalidade, como se essas fossem expressão da cidade, ou ainda, fazendo com que esses fatos sociais tomem centralidade no cotidiano da cidade. Por sua vez, a equipe ou a modalidade, incidem na vida da cidade, sob o ponto de vista econômico, educacional, social, entre outros. Se voltarmos nosso olhar para a cidade de Viçosa, e a instalação ali de uma seleção brasileira permanente, treinando para competições importantes no cenário esportivo internacional, como os Jogos Panamericanos e os Jogos olímpicos, poderíamos nos questionar: qual o impacto da presença da equipe brasileira permanente de Levantamento de Pesos sobre a cidade de Viçosa? E quanto a presença da sede da CBLP? Em busca de suportes teóricos Lucena (2001), Gomes (1995), Baia (2004), são alguns dos nossos autores brasileiros que seguindo passos de grandes sociólogos internacionais, dentre os quais não podemos deixar de destacar a grandeza do Elias (1995), têm tratado das relações de proximidade e distanciamento entre os objetos cidade e esporte. O ponto de partida mais recomendável para abordarmos essas relações parece ser mais uma vez o da trajetória histórica, isto é, de como tem se construído os elos que não somente fazem com que o esporte influencie na vida das cidades, como também possam mostrar de que formas as cidades respondem com algum tipo de influência sobre o desenvolvimento de um esporte. Como já dissemos, esse estudo não pretende se construir como descrição historiográfica, portanto, não vamos recorrer à linearidade histórica para mostrar as relações entre cidade e esporte. Contudo, é preciso dizer que tais relações vêm sendo estudadas. A título de exemplo, Lucena (2001), tomou o início do século XX para estudar e mostrar o que significou para as cidades brasileiras, no caso específico do seu trabalho, a cidade do Rio de Janeiro, o fato do esporte passar a fazer parte do cotidiano das pessoas. O trabalho do autor deixa bem claro que transformações nas condições específicas de caráter físico, político e social, associadas ao aumento de concentração populacional e aumento de inter-relação entre as pessoas, contribuíram para que o esporte fosse introduzido no cotidiano das pessoas, e a partir daí, começar um processo cada vez crescente de influências nesse cotidiano. O trabalho de Lucena segue mostrando que o caminho inverso foi realizado também, isto é, também o modo como a cidade se desenvolveu relacionada com o esporte também contribuiu em 4387 alguma medida com o desenvolvimento do mesmo, evidentemente que em dimensões diferenciadas quanto às modalidades e quanto à projeção em nível local, nacional e internacional. Quando tomamos a transformação da condição social enquanto apenas um dos elementos apontados por Lucena entre os que influenciaram no cotidiano das pessoas do Rio de Janeiro do início do século XX, temos que recorrer aos estudos de Gomes (1995) para entender mais ou menos como se processa esse mecanismo. A autora nos diz que o esporte tomas as faces de uma metáfora da sociedade, porque nele é possível encontrar características da sociedade na qual ele está inserido. Uma das muitas características apontadas no estudo, é o fomento da idéia de que todas as pessoas têm as mesmas oportunidades de sucesso no esporte, assim como na vida, bastando para isso o esforço individual, e essa passa a ser uma verdade bastante evidenciada pelo mito da fabricação de heróis e ídolos que alcançaram tal sucesso e que, por isso mesmo, tornam-se modelos a ser seguidos. O esforço do qual falamos acima, por muitas vezes é tão intenso, tão generalizado, e tão alimentado, que alguma influência passa a ser identificada no desenvolvimento do próprio esporte. Um fato contemporâneo que mostra esse fenômeno pode ser apresentado na recente relação que a mídia brasileira vem fazendo entre as trajetórias de vida esportiva de “Ronaldinho gaúcho” e Anderson, ambos atletas vinculado ao Grêmio de Futebol Porto-alegrense (Rio Grande do Sul). O primeiro foi atleta revelado pelo clube, e o segundo também, onde ainda se encontra. O fato de se mostrar trajetórias esportivas parecidas incentiva a procura pelas divisões de base do clube, o que aumenta a possibilidade de surgimento dos talentos, por sua vez deixando em evidência um certo crescimento atribuído ao futebol das divisões de base daquele clube. Ou ainda, a recente conquista da Equipe do volta Redonda - propagada pela mídia nacional - da Taça Guanabara (primeiro turno do campeonato do rio de Janeiro). Quantos garotos aderem às escolinhas do clube, quanto aumento na possibilidade de crescimento do futebol dentro do clube, e como a cidade de Volta Redonda contribui em várias dimensões para que isso aconteça. É esse tipo de fenômeno que estamos querendo estudar na relação Viçosa X Levantamento de Peso. Acreditamos que o estudo das influências recíprocas entre os dois objetos, talvez muito próximo do que acontece em muitas outras cidades e com outras modalidades esportivas, possa nos ajudar a compreender como acontece essa relação e como os atores sociais envolvidos contribuem para que o processo se desenvolva. Outrossim, pensamos ser um estudo importante, na medida que ajuda a subsidiar o debate que venha a propor políticas de fomento ao crescimento do esporte, da qualidade de vida nas cidades, da possibilidade de crescimento real das cidades, em especial de Viçosa (envolvida no estudo), vantagens essas que adquirem grande possibilidade de se viabilizar mediante o tratamento adequado da produção do conhecimento necessário para tal. Por último, gostaríamos de comentar o porquê da escolha de Viçosa, e o porquê da escolha do Levantamento de Peso. Na verdade, ambas as escolhas estão relacionadas, vindo a caracterizar uma única escolha, e essa se deve ao fato da projeção, ainda que modesta, conseguida pela cidade em conseqüência da modalidade. Um dos fatos mais marcantes dessa projeção aconteceu durante os Jogos Olímpicos de Sidney em 2000. Havia uma única representante brasileira no Levantamento de Peso, Maria Elizabeth Jorge, natural de Viçosa, revelada na cidade, e onde também reside e treina. Isso fez com que durante algum tempo Viçosa permanecesse na mídia nacional e internacional, mostrando para o Brasil e o mundo uma cidade pequena do interior mineiro, até então somente conhecida pela sua relação com a UFV, instituição de grande tradição educacional, sobretudo na área agrária. Da mesma forma, a cidade tem contribuído em alguma medida com o Levantamento de Peso, embora não possamos mensurar essa contribuição. Os elementos possíveis de inter-relação entre Viçosa e o Levantamento de Peso parecem ser suficientes para justificar um estudo sobre os dois objetos e os achados do estudo podem vir a contribuir de forma significativa na relação a partir do fornecimento de possíveis indicadores de melhora na qualidade da influência recíproca. Caminhos a percorrer O estudo que ora estamos desenvolvendo, caracteriza-se como sendo preponderantemente qualitativo, por isso, acreditamos na necessária revisão de literatura suficientemente ampla para que possa permitir as futuras análises dos dados que estamos levantando. Embora a revisão de literatura seja algo pressuposto em qualquer trabalho acadêmico-científico, essa investigação diversifica sua revisão, no sentido de demonstrar várias dimensões da modalidade Levantamento de Peso que ainda 4388 são insipientes no âmbito da produção acadêmica. Nesse sentido, estamos montando uma apresentação da modalidade, enquanto, descrição de sua natureza, características, trajetória histórica, principais regras, além da situação do Brasil dentro do cenário histórico e contemporâneo desse esporte. Outrossim, um estudo do fenômeno esportivo e seu impacto sobre a cultura, sobretudo sobre o cotidiano de vida das pessoas nas cidades tem se mostrado imprescindível, para que assim possamos encontrar bases sólidas do entendimento do fato social representado pela relação esporte X cidade. Quanto as fontes, essas têm se constituído em publicações da imprensa escrita que relatem os fatos que citamos antes, a respeito das presenças de modalidades e entidades esportivas instaladas em cidades não metropolitanas, preferencialmente aquelas com população menor de 300.000 habitantes, as quais tentaremos qualificar como cidades de médio para pequeno porte. As publicações a respeito da cidade de Viçosa, e da presença do Levantamento de Peso nessa cidade, além das pessoas envolvidas nessa relação, estão tendo caráter de prioridade, a fim de que possamos coletar materiais suficientes sobre um fato particular e localizado: a presença de uma entidade de representação máxima (CBLP) e de uma seleção nacional permanente na cidade. O recorte temporal para a coleta dos dados é o equivalente à presença do Levantamento de Peso em Viçosa, nesse caso, estamos considerando as últimas quatro décadas. Ainda considerando o recorte adotado sobre a cidade de Viçosa, acreditamos que há a possibilidade de enriquecimento da apresentação dos fatos a partir da confrontação direta das fontes captadas via imprensa com a versão de atores sociais que estiveram envolvidos com a trajetória de acontecimentos dos fatos. Dessa forma, estamos também coletando dados a partir da técnica de entrevistas, sobretudo entrevista de elite com alguns dos principais atores sociais envolvidos nas quatro décadas referenciadas (entre eles Davi Monteiro e Elizabeth Jorge, citados neste texto), as quais terão aplicações distintas: Primeiramente, utilizando-nos da história oral7, pretendemos tornar mais transparente um registro da trajetória do Levantamento de Peso em Viçosa, enquanto uma seção importante da trajetória dessa modalidade no Brasil. Em segundo lugar, parece-nos importante buscar formas de perceber informações sobre a relação Levantamento de Peso X Viçosa, mediada pela UFV, que porventura não estejam presentes em publicações, pois sabemos que não só as fontes dizem algo, como a ausência delas também é significante. As entrevistas estão sendo realizadas de forma não estruturada (aberta), tomando como ponto de partida uma simples questão, apresentada ao entrevistado sob a forma de solicitação, formulada da seguinte maneira: “gostaríamos que nos contasse o que você sabe sobre a trajetória do Levantamento de Peso em Viçosa e qual a sua participação nessa trajetória”. Cremos que assim possamos encontrar pistas para entender e explicar nossas questões. Mas, além do confronto com a literatura, a análise dos dados relativos às entrevistas deverá ser feita à luz dos referenciais da análise de conteúdo. Por fim, parece-nos importante frisar que a presente intenção de estudo é caracterizada como intenção de um trabalho histórico, porém, não pretende prender-se a datas e fatos lineares, mas sim objetiva concretizar “uma análise que não se esgote em nomes, recordes ou resultados alcançados por atletas ou equipes, mas que se desenvolva na percepção das configurações forjadas nas relações que se inauguram”.(LE GOFF, 1924) Referências Bibliográficas BAIA, A. O Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa- A História e As Histórias. In Revista Mineira de Educação Física – v. 1. Ano XII. Viçosa/MG, 2004 BORGES, C. N. F. Manifestações de Lazer na feira Livre de Viçosa/MG. In Anais do XII Congresso Brasileiro de Sociologia. Belo Horizonte. FAFICH/UFMG. ELIAS, N. & DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1995 GOMES, A.C.C.O esporte como metáfora da sociedade. Viçosa/MG LUCENA, R. O esporte na cidade: aspectos do esforço civilizador brasileiro. Campinas/SP: Autores Associados, Chancela editorial CBCE, 2001. 7 Sobre os referenciais de História Oral, é mister esclarecer que usaremos as argumentações de Meihy (1996), segundo o qual devemos tomar esse tipo de metodologia como um recurso de tratamento rigoroso das fontes e não simplesmente como testemunho oral de indivíduos. 4389 SOUZA, D.H. et al. O lazer, a cidade de Viçosa/MG e a festa da Republica “Os Largado”: Algumas Relações. In Coletânea do VI Seminário “O Lazer em Debate”. Belo Horizonte: EEFFTO/ UFMG, 2005. LE GOFF, J. História e Memória; tradução Bernardo leitão [et al]. 4.ed. campinas/SP, Editora UNICAMP, 1996 MEIHY, J.C.S.B. Manual de História Oral. Edições Loyola, São Paulo, 1996.