0 universidade estadual de santa cruz gardênia tereza jardim

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0 universidade estadual de santa cruz gardênia tereza jardim
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
GARDÊNIA TEREZA JARDIM PEREIRA
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
CULTURAL: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia
ILHÉUS – BA
2010
GARDÊNIA TEREZA JARDIM PEREIRA
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
CULTURAL: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia
Dissertação apresentada, para obtenção do
título de Mestre em Cultura & Turismo, pela
Universidade Estadual de Santa Cruz.
Linha
de
Pesquisa:
planejamento,
configuração de produtos, serviços e destinos
turísticos.
Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Ávila.
Co-orientador: Prof. Dr. Walter Fagundes
Morales.
ILHÉUS – BA
2010
P436
Pereira, Gardênia Tereza Jardim.
Patrimônio arquitetônico e desenvolvimento do turismo
cultural: um estudo sobre Mucugê – Chapada
Diamantina - Bahia / Gardênia Tereza Jardim Pereira. –
Ilhéus, BA: UESC, 2010.
xiv, 154f. : il.
Orientador: Marco Aurélio Ávila.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa
Cruz, Programa de Pós - Graduação em Cultura e Turismo.
Inclui bibliografia e apêndice.
1. Turismo cultural. 2. Patrimônio cultural. 3. Turismo –
Planejamento – Mucugê (BA). I. Título.
CDD 338.479181
GARDÊNIA TEREZA JARDIM PEREIRA
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
CULTURAL: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia
Ilhéus – BA, 26/07/2010
____________________________________
Marco Aurélio Ávila – Profº. Drº.
UESC - BA
(Orientador)
____________________________________
Walter Fagundes Morales – Profº Drº.
UESC - BA
(Co-orientador)
____________________________________
Sênia Regina Bastos – Profª. Drª
ANHEMBI MORUMBI - SP
DEDICATÓRIA
A Deus, força suprema,
Ao Mestre Jesus, amigo e irmão de todas as vidas,
Aos bons espíritos pelo estímulo,
Ao meu anjo da guarda pela vigilância constante.
AGRADECIMENTOS
A minha família por acreditar na capacidade de superação, vivendo comigo cada
segundo desse sonho-realidade.
Ao meu para sempre Márcio, companheiro, amor de toda vida, que não só acreditou
nesse momento, mas ajudou a torná-lo possível...
A hoje amiga, e não só ex-professora, Silvana Toledo de Oliveira, a ela a
possibilidade, a busca e a conquista.
As amigas, Kátia e Leyliane pela fidelidade, pelo carinho, pelo apoio.
Aos meus colegas de turma (2008-2010), ao meu calo amado Luciano, a Fabíola, a
Rosijane, Mércia, Saul... Tantos momentos inesquecíveis. Em especial a Luiza
Edmeé (coração), por ter compartilhado lágrimas, sorrisos, expectativas,
inseguranças e aprendizado desde o começo. A João Felipe Seborella, o psicólogo
no processo seletivo...
A CAPES pelo apoio financeiro tão fundamental.
Ao meu Orientador Profº Dr. Marco Aurélio Ávila por acreditar sempre que eu
poderia ir além e ao meu co-orientador Profº Dr. Walter Fagundes Morales pelo
incentivo na corrida contra o tempo.
Agradeço também, ao ex- Secretário de Turismo e Meio Ambiente de Mucugê,
Oremildes Alves de Oliveira, que com total disponibilidade forneceu material
necessário e se fez presente durante todas as etapas desenvolvidas.
A querida Valdeci, a Welighton Camarandoba, Euvaldo Ribeiro e Ailton Silva,
moradores de Mucugê pelo auxílio e disponibilidade constante, bem como a todos
os moradores que concederam as entrevistas durante a pesquisa de campo.
vii
RESUMO
Atualmente a busca por novos produtos turísticos e a inserção dos mesmos no
mercado com o objetivo de atrair maior demanda e/ou satisfazer uma demanda
existente, é uma necessidade. Esse estudo, denominado “Patrimônio arquitetônico
e desenvolvimento do turismo cultural: um estudo sobre Mucugê – Chapada
Diamantina – Bahia”, objetivou identificar a importância do patrimônio arquitetônico
do município para os moradores e para a iniciativa pública. Especificamente,
buscou-se identificar as edificações mais relevantes a partir do seu valor histórico e
turístico, podendo assim ser utilizadas para o turismo cultural. Foram enfatizadas
questões relevantes como o ciclo do diamante, escravidão e o coronelismo, pois
acredita-se que a história do lugar agrega valor a atividade turística do município. A
coleta de dados com os moradores líderes de opinião e com a iniciativa pública se
deu através de registros de entrevistas semi-estruturadas. A partir de então se
elencou as edificações relevantes e em bom estado de conservação, contribuindo
assim para tomadas de decisões locais no âmbito do planejamento visando à
possível implementação do turismo cultural. Percebeu-se que os moradores, além
de compreender o patrimônio arquitetônico do município como de grande valor
histórico, reconhecem a possibilidade de esse recurso agregar valor ao turismo
local se for utilizado de maneira planejada e dentro de medidas preservacionistas.
No que se refere à iniciativa pública, a pesquisa identificou ausência de
representatividade, bem como, divergências no que se refere ao planejamento
turístico para o município.
Palavras-Chave: Patrimônio Arquitetônico. Turismo Cultural. Planejamento.
Desenvolvimento. Mucugê – Chapada da Diamantina. Bahia.
viii
ABSTRACT
Currently, the search for new touristic products and the introduction of them in the
marketing with the goal of attracting a better demand and/or satisfy the existent one
is a necessity. This study, called “Architectural property and cultural tourism
development: a study about Mucugê - Chapada Diamantina - Bahia”, aimed at
identifying the importance of the municipal architectural property to the city
residents and to the public enterprise. It was the specific objective of this study to
identify the most relevant buildings from their historical and cultural value, for their
usage in cultural tourism. Relevant questions were emphasized as the diamond
cycle, slavery and the “coronelismo” (local political farm owners), because it is
believed that the history of the place adds value to the touristic activity of the
county. The data research with the opinion leader residents and with the public
enterprise was done through semi structured interview records, immediately
afterwards the relevant and well preserved buildings were casted in order to
contribute for local decisions in the scope of planning to aim for the possible cultural
tourism implementation. It was detected that the county residents comprehend the
great historical value of the county architectural property as well as recognize the
possibility of this resource bring value to the local tourism since it is used in a well
planned manner and inside preservation steps. On the other hand, the research
identified the absence of representativeness by public enterprise as well as
divergences referring to touristic planning for the county.
Key-word: Architectural property. Cultural tourism. Planning. Development.
Mucugê - Chapada Diamantina. Bahia.
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional – Chapada Diamantina ... 16
Figura 2 - Buquê de Sempre Viva .................................................................................. 57
Figura 3 - Atual prédio Biblioteca Municipal ................................................................... 58
Figura 4 - Atual sobrado Sr. Carlos Machado ................................................................ 58
Figura 5 - Atual casa de D. Laçimi ................................................................................ 59
Figura 6 - Atual casa do Sr. Fugêncio ............................................................................ 59
Figura 7 - Atual pousada Jardim da Estalagem.............................................................. 60
Figura 8 - Igreja de Santa Izabel .................................................................................... 60
Figura 9 - Atual pousada Mucugê .................................................................................. 60
Figura 10 - Atual sobrado da Profª Elice ....................................................................... 60
Figura 11 - Fundo da prefeitura ..................................................................................... 61
Figura 12 - Cemitério Bizantino ...................................................................................... 61
Figura 13 - Família do Cel. Reginaldo Landulpho da Rocha Medrado ........................... 65
Figura 14 - Mapa da Regionalização Turística da Bahia ................................................ 72
Figura 15 - Mapa das cidades que compõem o Pólo Turístico Chapada Diamantina ..... 73
Figura 16 - Toca em alvenaria ....................................................................................... 80
Figura 17 - Sede do museu de acervo permanente ....................................................... 81
Figura 18 - Peças utilizadas no garimpo ........................................................................ 82
Figura 19 - Visitante no museu ...................................................................................... 82
Figura 20 - Carbonato – Pedra que indicava diamantes ................................................ 82
Figura 21 - Encenação as margens do Rio Mucugê ...................................................... 83
Figura 22 - Vista aérea da cidade .................................................................................. 85
Figura 23 - Vista da Rua Direita do Comércio ................................................................ 85
Figura 24 - Vista frontal do Cemitério Bizantino ............................................................. 90
Figura 25 - Vista da parte baixa do cemitério ................................................................. 91
Figura 26 - Vista da rampa de acesso a parte alta ......................................................... 92
Figura 27 - Mausoléu de Douca Medrado ....................................................................... 93
Figura 28 - Mausoléu de sua esposa Gertrudes ............................................................. 93
Figura 29 - Mausoléu de Anatalino Medrado.....................................................................94
x
Figura 30 - Vista da Prefeitura ........................................................................................ 132
Figura 31 - Centro de Cultura ......................................................................................... 133
Figura 32 – Acervo permanente do museu ..................................................................... 134
Figura 33 - Arquivo Público Municipal ............................................................................. 134
Figura 34 - Sobrado D. Elice ........................................................................................... 135
Figura 35 - Sobrado do Srº Carlos Machado................................................................... 137
Figura 36 - Chalé da Família Medrado (atual prefeito) .................................................... 138
Figura 37 - Casa do Sr. Tarso......................................................................................... 139
Figura 38 - Pousada Casa da Roça ................................................................................ 139
Figura 39 - Restaurante Sabor & Arte ............................................................................ 140
Figura 40 - Casa da Família de D. Laçimi ....................................................................... 141
Figura 41 - Cabaré do Fecha Nunca ............................................................................... 142
Figura 42 – Casa do Sr. Fugêncio .................................................................................. 143
Figura 43 - Estalagem Jardim do Edem .......................................................................... 144
Figura 44 - Casa de D. Elice ........................................................................................... 144
Figura 45 - Pousada Mucugê .......................................................................................... 145
Figura 46 - Igreja Matriz Santa Izabel ............................................................................. 146
Figura 47 - Igreja de Santo Antônio ................................................................................ 149
Figura 48 – Vista do cemitério Bizantino ......................................................................... 150
Figura 49 - Detalhes de um mausoléu ............................................................................ 151
Figura 50 - Adornos neoclássicos ................................................................................... 151
Figura 51 - Detalhe de um pináculo...................................................................................151
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Estabelecimentos de Alimentos e Bebidas de Mucugê ................................ 75
Tabela 02 - Estabelecimentos de Meios de Hospedagem de Mucugê ............................ 75
Tabela 03 - Perfil do visitante de Mucugê ....................................................................... 77
Tabela 04 - Edificações de valor histórico ....................................................................... 107
Tabela 05 - Edificações de valor turístico........................................................................ 109
Tabela 06 - Edificações em bom estado de conservação ............................................... 110
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 - Tipos de medidas preservacionistas ........................................................... 45
Quadro 02 - Composição dos sujeitos da pesquisa ........................................................ 96
xiii
LISTA DE SIGLAS, ABREVEATURAS E SÍMBOLOS
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
OEA – Organização dos Estados Americanos
OMT – Organização Mundial de Turismo
IBC – Instituto Brasileiro do Café
CONCID – Conselho (Turístico) Circuito do Diamante
PDITS – Plano Estratégico de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
PED – Projetos de Execução Descentralizada
ACVM – Associação de Condutores de Visitantes de Mucugê
UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz
ICOM – International Council of Museum
APMM – Arquivo Público Municipal de Mucugê
xiv
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................... vii
ABSTRACT .............................................................................................................. viii
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. ix
LISTA DE TABELAS .................................................................................................. xi
LISTA DE QUADROS ............................................................................................... xii
LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS E SÍMBOLOS ............................................... xiii
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
1. CAPÍTULO I: legado cultural e atividade turística ................................................. 22
1.1 Turismo, turismo cultural e cultura......................................................... 29
1.2 A arquitetura das cidades enquanto patrimônio cultural ........................ 37
1.3 Patrimônio cultural: a necessidade de preservação .............................. 41
1.4 A importância do planejamento sustentável .......................................... 47
2.CAPÍTULO II: De Vila Isabel do Paraguaçu a Mucugê: a história como atrativo
turístico ...................................................................................................................... 52
2.1“Ué! Estrelas de dia? Não! Eram Diamantes...” exploração, exportação
e decadência do diamante ..................................................................................... 54
2.2 Entre as Serras, o poder do coronelismo .............................................. 62
2.3 Escravidão na Vila de Santa Isabel do Paraguaçu ................................ 68
3 CAPÍTULO III: Turismo em Mucugê ....................................................................... 72
3.1 De objeto museavel a atrativo turístico: o Museu Vivo do Garimpo ...... 78
3.2 A partir da rua direita, neoclássico e neogótico se encontram... ........... 84
3.3 Vultos na história: o Cemitério Bizantino ............................................... 88
4. CAPÍTULO IV: Procedimentos metodológicos ...................................................... 95
4.1 Caracterização da pesquisa .................................................................. 95
4.2 Coleta e sistematização dos dados ....................................................... 95
5. CAPÍTULO V: Resultados e discussões ............................................................. 100
5.1 A iniciativa pública ............................................................................... 118
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 125
7. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 127
8 . APÊNDICE A – Edificações mais apontadas na pesquisa de campo. ............... 132
APÊNDICE B - ROTEIROS PARA ENTREVISTAS .................................. 150
15
1. INTRODUÇÃO
A Serra do Sincorá está localizada na borda centro-oriental da Chapada
Diamantina. É nesta região que se localizam os municípios de Lençóis, Palmeiras,
Andaraí, Mucugê e Barra da Estiva (BRITO, 2005).
Quanto à designação Chapada Diamantina, pode-se dizer que a palavra
refere-se à ampla faixa de terreno plano ou pouco ondulado, elevado, cortado por
vales neles ajustados (AURÉLIO, 1986), e ao contexto sócio-econômico decorrente
da exploração baseada na extração de diamantes.
Fato é que a atividade lavrista foi responsável por dinâmicas migratórias de
várias pessoas que vieram trabalhar no garimpo alimentando sonhos de fortuna e
sorte. A história e a formação econômica desta região estão intimamente associadas
à exploração dilapidadora, ao comércio dos seus recursos naturais, e à passagem
de significativos fluxos migratórios intra e extra-estaduais formados também por
bandeirantes, garimpeiros e fazendeiros de variadas origens (BRITO, 2005).
Do final do século XIX até meados do século XX, o garimpo definiu toda a
estrutura sócio-política e econômica das cidades da Chapada Diamantina. Da mãode-obra escrava até o trabalho manual dos garimpeiros, as cidades tomaram forma
e ergueram-se no sertão semi-árido da Bahia em meio à riqueza, ambições e
esperanças de melhoria de vida.
A Chapada Diamantina chama a atenção de um grande número de visitantes
por conta de um conjunto de atrativos; natureza exuberante, histórias de garimpo e
coronéis, casarios antigos e culinária típica. Patrimônios tangíveis e intangíveis que
vêm despertando a motivação de visitantes que procuram desde um passeio
ecológico a experiências culturais.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2008),
o Parque Nacional da Chapada possui aproximadamente 152 mil hectares. Dessa
área, 52% pertence ao município de Mucugê, que se localiza no semi-árido baiano,
na mesorregião do Centro-Sul e na microrregião SEABRA, a 441 km de Salvador e
possui uma área territorial de 2.482 Km². Situa-se a uma altitude média de 986
metros acima do nível do mar e possui temperatura média anual de 19,8ºC, sendo
que, no inverno, a temperatura chega a atingir 7ºC. Possui população aproximada de
14.131 habitantes (CENSO - IBGE, 2007), sendo 5.017 habitantes na zona urbana,
(que praticamente se restringe ao centro histórico, ou seja, a toda área tombada pelo
16
Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional - IPHAN) e 9.114 habitantes na
zona rural.
Abaixo mapa ilustra a localização geográfica do município, bem como os
demais municípios da Chapada Diamantina, onde o diamante foi encontrado.
Figura 1 - Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional – Região Chapada Diamantina.
Fonte: Sapucaia, (1995)
17
Apesar de a atividade turística no município ter seu início significativo apenas
a partir da década de 1990, vem sendo vista como uma alternativa importante tanto
para a comunidade, quanto para a iniciativa pública e privada. Isso porque, além de
uma infra-estrutura em melhoria, a cidade está próxima dos principais atrativos
naturais da Chapada Diamantina, tais como Cachoeira da Fumaça, Cachoeira do
Tiburtino, Mar da Espanha, Projeto Sempre Viva, além do Poço Encantado, Poço
Azul, Cachoeira do Buracão, e Vale do Paty. Esse fator é também um dos motivos
para a permanência do visitante na cidade, uma vez que a hospedagem em Mucugê
possibilita maior mobilidade ao visitante que pretende conhecer esses atrativos.
Neste contexto pode-se afirmar que, inicialmente, Mucugê atrai visitantes por
possuir uma das áreas naturais mais bem preservadas do Parque Nacional da
Chapada Diamantina, e, por estar tradicionalmente associada a atrativos naturais, a
prática do ecoturismo e do turismo de aventura vem se tornando uma constante na
região. Entretanto, a cidade possui mais do que cachoeiras, vales, fauna e flora
endêmica. Existe grande potencial no que se refere ao patrimônio cultural, sendo
priorizado, neste estudo, o patrimônio arquitetônico, por sua representatividade para
valorização da identidade e da memória local.
Ainda que a dinâmica de hoje não seja a mesma de meados do século XIX,
tem-se a sensação, ao chegar a Mucugê, que a cidade “parou no tempo”, ora pelo
casario bem preservado, ora pelas narrativas de garimpo presentes nas esquinas do
lugar. No município encontram-se preservadas igrejas do século XIX, sobrados,
museus, casas térreas, além da arquitetura funerária dos mausoléus do Cemitério
Santa Isabel (Cemitério Bizantino) e as tocas e locas em alvenaria, que serviram de
habitação para os garimpeiros durante o auge da extração do diamante.
Pode-se afirmar, então, que, em meio a um cenário peculiar, a atividade
turística se desenvolve. Por um lado, patrimônio natural, sem dúvida a principal
motivação dos visitantes que ali chegam, por outro, uma cidade antiga que viveu do
minério e sofreu as conseqüências da existência e exploração deste. Uma história
materializada por meio de um patrimônio imóvel e ainda não explorada pelo turismo
local.
Deste modo, através do patrimônio arquitetônico de Mucugê, o leque de
produtos ofertados pela atividade turística do município pode ser ampliado e o
turismo cultural pode vir a tornar-se uma atividade complementar. Autores como
Dias (2005) e Ávila (2009), acrescentam que esta segmentação é um dos tipos de
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turismo que, devido à grande diversidade de recursos a serem explorados, possui
maior capacidade de lucratividade, podendo tornar-se importante complemento a
outras formas de turismo tradicionais.
Acredita-se também que a prática do turismo cultural possa estimular o
resgate à memória por parte dos moradores do lugar, pois cada visitante que busca
essa segmentação subtende em uma oportunidade para o morador do destino
turístico de divulgação da história local e enaltecimento do seu patrimônio, o que
implica em um exercício constante, onde a memória torna-se o principal elo de
aproximação com o passado.
Esse patrimônio arquitetônico será convertido em atrativo turístico a partir do
momento em que se transformar em espaço dotado de infra-estrutura turística capaz
de estimular a visitação e estiver sustentado por políticas de promoção e marketing
específicas para bens culturais. Conseqüentemente, à medida que esse patrimônio
passar a ser utilizado pela atividade turística, haverá necessidade ainda maior de
cuidado específico, uma vez que o uso indevido desses bens pelo turismo pode
gerar degradação até mesmo irreversível.
Importante ressaltar também, que:
O desenvolvimento do turismo cultural pode variar em função de vários
aspectos, como importância, perspectiva e reflexos da atividade na
comunidade, empresários, gestores e visitantes. Potencialidade, grau de
autenticidade, nível de visitação e estado de conservação dos atrativos,
além das questões ao alcance da proteção legal (ÁVILA, 2009 p.46).
Ou seja, vários fatores podem ser vistos como limitantes para implementação
dessa segmentação. Questões que devem ser discutidas como, por exemplo, o que
realmente é importante para o turismo, partindo do pressuposto que os moradores
são fundamentais nesse processo de identificação, uma vez que se não há
importância para o morador, conseqüentemente não haverá valor para o turismo.
Perspectivas com relação ao ciclo de vida desses bens, já que se trata de patrimônio
material que necessita sempre de manutenção e muitas vezes não há recurso
financeiro para tal. É importante considerar também os reflexos positivos e negativos
que o uso desses bens pode gerar diante Dos moradores e do trade como um todo.
Nesse sentido ressaltam-se os benefícios financeiros e discute-se o grau de
autenticidade desses bens materiais.
19
Sobre essa questão, cabem cuidados, já que o turismo tem a capacidade de
modificar e assim atribuir valores, características, elementos que muitas vezes não
condizem de fato ao patrimônio. Mudanças que às vezes ocorrem para adequar o
bem a uma “necessidade” turística fundamentada apenas por interesses capitalistas,
o que pode levar o próprio visitante a questionar a autenticidade do atrativo e ao
morador a perda de elementos que caracterizavam esses bens como seu.
Assim, enfatiza-se a necessidade de buscar compreender a opinião dos
atores sociais envolvidos com a atividade turística no que tange a esse patrimônio
arquitetônico, pois subtende que a conversão desse recurso em atrativo turístico por
meio do turismo cultural, possa de fato contribuir para o desenvolvimento da
economia local e para sensibilização da comunidade em relação à importância do
seu patrimônio arquitetônico e de sua memória.
Assim, esta pesquisa levanta e discute questões relacionadas ao turismo em
Mucugê, buscando responder a seguinte questão: teria o patrimônio arquitetônico de
Mucugê potencialidade para estimular o desenvolvimento do turismo cultural?
O objetivo desta dissertação é o de compreender a importância do patrimônio
arquitetônico de Mucugê para os moradores e para os gestores públicos enquanto
recurso capaz de fomentar o turismo cultural.
Como objetivos específicos, foram estabelecidos os seguintes: identificar as
edificações mais significativas para os moradores a partir de valores históricos e
estéticos; identificar as edificações mais importantes para a iniciativa pública, a partir
do valor turístico; registrar as edificações apontadas na pesquisa como relevantes
para os moradores e interessante para a atividade turística, por meio de fotografias.
A pesquisa foi delimitada em quatro capítulos; o primeiro capítulo, intitulado
de “legado cultural e atividade turística” está dividido em quatro tópicos. O primeiro
traz reflexões sobre o conceito de cultura e a apropriação de bens culturais pelo
turismo cultural. Já o segundo tópico apresenta ponderações sobre a arquitetura das
cidades enquanto patrimônio cultural. O terceiro tópico traça o cenário das atuais
políticas de preservação, enfatizando a necessidade de preservação do patrimônio
cultural e o quarto tópico enfatiza a importância de políticas de planejamento como
ferramenta para a sustentabilidade da atividade turística.
O segundo capítulo, intitulado de “Vila Isabel do Paraguaçu a Mucugê: a
história como atrativo turístico” tem como elementos centrais o contexto histórico de
Mucugê e a importância da história do lugar enquanto atrativo turístico. Esta parte foi
20
dividida em quatro tópicos iniciando com uma descrição sobre o município e
considerações a respeito da fundação da cidade ainda com o nome de Santa Isabel
do Paraguaçu. No segundo tópico, reflexões a respeito do ciclo diamantífero:
exploração, exportação e declínio. No terceiro tópico, ressalta-se o coronelismo
enquanto fenômeno sócio-político, e para fechar esse capítulo, a presença de
escravos no município configura-se como quarto tópico.
O terceiro capítulo intitulado “turismo em Mucugê” traz no primeiro tópico,
uma panorâmica da atividade turística do município no que se refere não somente
aos recursos existentes, mas também aos demais produtos que compõem a infraestrutura turística e as políticas de planejamento adotadas pela atual Secretaria de
Turismo. Já no segundo tópico, considerações acerca do museu enquanto lugar de
apelo turístico em uma abordagem sobre o Museu Vivo do Garimpo, por se tratar de
espaço de memória e saber e por estar localizado em uma toca de alvenaria;
arquitetura primitiva que servia de habitação para os garimpeiros. O terceiro tópico
deste capítulo, intitulado a partir da rua direita, neoclássico e neogótico se
encontram, apresenta uma abordagem acerca do patrimônio arquitetônico do centro
histórico. O quarto tópico aborda questões a respeito do Cemitério Bizantino, sua
dinâmica enquanto espaço de memória e de rituais, a exemplo da Lamentação das
Almas, enfatizando a importância desse patrimônio arquitetônico para a atividade
turística.
Os procedimentos metodológicos são mencionados no terceiro capítulo. Foi
subdividido em dois tópicos: no primeiro comenta-se a respeito da caracterização da
pesquisa, onde se aponta o perímetro onde a pesquisa de campo foi realizada e o
tipo de pesquisa utilizada. No segundo tópico, menciona-se a coleta e
sistematização dos dados com explicações acerca da amostra e sujeitos da
pesquisa, dos instrumentos utilizados e detalhamentos das etapas realizadas em
campo, explícita também, as variáveis e a análise dos dados.
O quarto capítulo apresenta os resultados e discussões com base nas
entrevistas realizadas e no referencial teórico. Neste momento, a partir das
transcrições das entrevistas, são apresentados conceitos de patrimônio a partir da
perspectiva dos sujeitos da pesquisa e a importância do patrimônio arquitetônico do
município para os mesmos. As edificações mais apontadas na pesquisa pelos
sujeitos são apresentadas a partir do valor histórico, turístico e do estado de
conservação. O último tópico desse capítulo configura-se nas entrevistas concedidas
21
pela iniciativa pública a fim de relatar a opinião da Secretaria de Turismo do
município e da Bahiatursa com relação ao patrimônio em questão.
Na última parte são apresentadas as considerações finais, limites e
perspectivas do estudo.
22
1. CAPÍTULO I: legado cultural e atividade turística
Considerando a amplitude do conceito de legado cultural, já que este se
refere a tudo que é transmitido para gerações futuras, sabe-se que o turismo, com
base no legado cultural, é aquele que tem como principal atrativo o patrimônio
cultural (BARRETTO, 2000). Este patrimônio, por sua vez, compreende desde
edificações de pedra e cal, como até as mais variadas formas do fazer humano,
tangíveis e intangíveis.
Segundo Simmel, (apud BARRETTO, 2000 p. 43), a respeito de legado
cultural: “mantém a continuidade cultural, são um nexo dos povos com o seu
passado”. E essa continuação, essa proximidade com o passado produzem
certezas, permite saber ou ter ao menos uma noção de quem somos e de onde
viemos, ou seja, que tenhamos identidade.
Para Funari e Pinsky (2003), além de contribuir para o conhecimento do
passado, por meio do legado cultural é possível também que um homem possa
lembrar e ampliar o seu sentimento de pertencer a um mesmo espaço e a uma
cultura comum a outras pessoas, fortalecendo, assim, o sentido de grupo e
compondo a identidade coletiva.
No que se refere à motivação por atrativos culturais, esta pode ter como foco
a história, o cotidiano, o artesanato, as edificações, os museus ou qualquer outro de
inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange. As pessoas viajam em busca
de particularidades, em busca da diferença e as encontram no cotidiano do outro. “O
turista é uma espécie de peregrino contemporâneo, procurando autenticidade em
outras ‘épocas’ e em outros ‘lugares’ distanciados de sua vida cotidiana [...]” (URRY,
1990, p. 24-25). O contato com essa multiplicidade, com essa diferença promove a
sensação de bem estar porque essa experiência foge à rotina do visitante.
Banducci e Barretto (2001, p. 19), comentam que:
O contato entre turistas e residentes, entre a cultura do turista e a cultura do
residente, desencadeia um processo pleno de contradições, tensões e
questionamentos, mas que, sincrônica ou diacronicamente, provoca o
fortalecimento da identidade e da cultura dos indivíduos e da sociedade
receptora e, muitas vezes, o fortalecimento do próprio turista que, na
alteridade, se redescobre.
23
Considerando que esse trabalho volta-se para o legado edificado, ressalta-se
que as cidades históricas, como são mais conhecidas, os sítios arquitetônicos
protegidos por lei no Brasil e no mundo “tratam-se de um conjunto de ambientes
construídos em diferentes tempos históricos, cujas necessidades humanas eram
bem distintas das atuais” (PORTUGUEZ, 2004 p. 03). Ou seja, nas cidades
históricas é possível, a depender do grau de preservação, identificar hábitos, modos
de vidas comuns há um tempo que necessariamente não se faz significativo nos
dias atuais. Quintais extensos para cultivo de hortas, alcovas grandes por se tratar
geralmente de famílias numerosas, mirantes como necessidade de espaço para
armazenar pertences e melhor visualização da cidade – necessidade de proteção. “Ir
a um sítio histórico representa uma viagem no tempo, que permite ao contemplador
da paisagem uma experiência [...] que remonta seu passado, dando mais sentido à
história de sua vida” (PORTUGUEZ, 2004 p. 04).
Em Mucugê, a Rua Direita, as casas de grandes quintais coladas umas nas
outras e de pequenas calçadas a frente, o próprio início do povoamento marcado
pela igreja matriz, o calçamento ainda em pedra, é fruto de dado contexto histórico.
Esse contraste entre tempo e necessidades é percebido ao analisar a parte
tombada, no caso o centro histórico, e a parte contemporânea da cidade fora desse
perímetro.
O contraste da arquitetura antiga com a arquitetura contemporânea chama
atenção, ora pelo estilo funcional dessas edificações, ora pelos mais variados
elementos construtivos utilizados. A arquitetura do lugar torna-se interessante pela
beleza, pelas mais variadas formas de construção realizadas pelo homem, mesmo
em um tempo onde os recursos não eram tão numerosos e eficientes como os
atuais. A partir de formas arquitetônicas antigas, da singularidade desses espaços
muitas vezes turísticos, podem-se fazer muitas leituras a respeito dos grupos sociais
que os construíram, que ali viveram (PORTUGUEZ, 2004).
O turismo como “ponte” entre passado e presente de acordo com Banducci e
Barreto (2001, p. 16),
Passa, nesse caso, a ser um dos fatores que desencadeiam o processo
aproximação entre passado e presente. [...] acaba penetrando
interstícios do tecido social e transformando-se em movimento cultural
presente com interesse genuíno na valorização e no conhecimento
próprio passado.
de
os
do
do
24
Segundo Vinuesa (apud PORTUGUEZ, 2004 p. 34-35) “no limiar do século
XXI, as cidades históricas se encontram cada dia mais associadas ao turismo. Sua
função turística vem-se reforçando [...], aumentando a simbiose entre cidade e
turismo”. Devido essa motivação de visitantes por edificações antigas, autores como
Portuguez (2004, p. 04) garante que “o crescimento do interesse dos operadores do
turismo interno pelos sítios históricos brasileiros remontam os anos 60” do século
passado.
Todavia, é importante esclarecer que:
[...] não são todos os tipos de heranças que despertam o interesse do fluxo
turístico. São muitos os sítios históricos que apresentam construções de
belezas únicas. No entanto, o aspecto estético e a conservação do
patrimônio não se têm mostrado suficientes para assegurar a presença e a
permanência dos turistas. Determinados sítios históricos representam muito
para comunidades específicas, de acordo com o elenco de fatores que
deram origem aos processos responsáveis por sua existência.
(PORTUGUEZ, 2004 p. 05).
Ou seja, o belo não é pré-requisito para garantir um fluxo significativo e
constante de visitação. Quando o imóvel não é possuidor de outros valores, valores
esses, bem particulares, capaz de identificar e/ou representar o coletivo ou o
individual, faz com que sua importância passe a ser questionada para o turismo.
Percebe-se, então, a necessidade de refletir sobre o conjunto de fatores que
definem um determinado produto ou lugar enquanto possuidor de potencial turístico,
pois se sabe que, na atualidade, quando pensamos em potencial, devemos atentar
para questões relacionadas à demanda turística por determinado produto, e
principalmente, a uma série de fatores que vão além da beleza, elemento
extremamente vulnerável, dado seu caráter particular e sua fragilidade perante
determinadas ações. Devem-se observar também as questões que envolvem, por
exemplo, a conservação desse patrimônio, quais sejam: acesso, mão-de-obra
qualificada que possa transmitir a história oficial e a pluralidade de narrativas das
memórias sobre essas edificações, bem como a interferência de fatores externos
como climáticos, econômicos, conflitos civis, epidemias, etc., pode comprometer a
demanda por esses bens culturais.
O que deve ser considerado quando se pensa no turismo em cidades com
grande legado histórico e conseqüentemente, interesse turístico, é “a fragilidade da
cidade histórica e sua complexidade funcional” (VINUESA apud PORTUGUEZ,
25
2004, p. 34), uma vez que não é simples dotar de infra-estrutura turística uma cidade
histórica.
Neste caso as restrições são muitas, e os cuidados devem ser ainda mais
latentes no que se refere à preservação em destinos turísticos que se enquadram
como patrimônio histórico.
Uma cidade histórica, além de um espaço receptor de turistas, é um lugar
onde se vive, um centro de negócios, uma zona de compras e onde estão
localizadas as funções administrativas. Trata-se, em suma, de uma
realidade multifuncional, onde uma excessiva pressão turística pode
introduzir desequilíbrio, sendo necessário dotar-se de um planejamento
urbanístico que ajude a dar respostas às novas demandas funcionais e
propicie estratégias qualitativas de multifuncionalidade (VINUESA, apud
PORTUGUEZ 2004, p. 39).
Essa realidade sugere provocações em relação à maneira de conduzir os
fluxos turísticos, o planejamento urbanístico, a proteção do patrimônio, a
acessibilidade e mobilidade ao meio ambiente urbano. Tais considerações são
relevantes, uma vez que a capacidade de carga desse patrimônio arquitetônico é
limitada, seja pela própria condição física da edificação, em se tratando do espaço e
de condições estruturais, seja por questões de conflitos entre visitantes e visitados,
na medida em que o fluxo é maior que o suportável ou, até mesmo pela ênfase
exacerbada sobre esse bem, no sentido de uma banalização da cultura local
(OLIVEIRA, 2003).
Os elementos que devem ser considerados para transformar um determinado
patrimônio arquitetônico antigo em produto turístico devem ancorar-se na
perspectiva de pensar os sítios históricos, de modo a perceber além das formas
arquitetônicas, compreendendo o processo histórico que se fez imprimir nessas
edificações (PIRES, 2002).
Para autores como François, (apud BARRETTO 2000, p. 47), há críticas
sobre a transformação do legado cultural em bens de consumo:
O legado cultural, assim transformado em produto para o consumo, perde
seu significado, deixa de ser importante para a comunidade, por sua própria
história e passa a ser importante por que simplesmente torna-se mais uma
fonte de renda em meio a busca pela sobrevivência.
26
Contudo, a afirmativa que o legado cultural deixa de ser importante, porque
passa a ser utilizado pelo turismo, porque se torna “somente” uma possibilidade de
aquisição de renda, é algo a ser discutido; a idéia de pertencimento e, por
conseguinte, a perspectiva de preservação seja por meio da perpetuação de um
bem por gerações em gerações, ou por meio de práticas legais (principalmente a
nível internacional) é algo bastante antigo, que inclusive, antecede ao surgimento do
turismo enquanto atividade organizada.
Portanto, não se pretende neste capítulo julgar a eficácia dos meios de
preservação de bens culturais de destinos turísticos, mas é evidente que preservar,
de uma maneira ou de outra, independente dos métodos, dos porquês, é algo
intrínseco ao homem, pois às vezes é feito até inconscientemente ao se guardar e
cuidar de determinado bem, muitas vezes, apenas por afetividade. Nesse sentido,
além de não se aconselhar uma generalização, acredita-se que a preservação, a
partir de interesses turísticos, merece reflexões, afinal, o que teria sido, por exemplo,
o futuro de cidades históricas como Tiradentes, Ouro Preto e Mariana? O que seria
de suas edificações antigas se não tivessem sido transformadas em atrativo
turístico? (PORTUGUEZ, 2004).
Acredita-se que somente o apreço da comunidade em relação a esses
imóveis não seria suficiente para manutenção, bem como o não uso, ou o pouco uso
apenas dos prédios públicos, como é de costume, poderia caracterizar como
abandono e conseqüentemente desgaste físico.
Seria leviano afirmar que de alguma maneira a transformação desse
patrimônio arquitetônico em atrativo turístico não traz benefícios para o mesmo no
que tange a preservação. Muitas vezes, financiamentos para restauração e
manutenção desses imóveis, bem como, políticas de sensibilização para proteção
ocorrem justamente por conta do interesse turístico.
Sempre haverá essa discussão em se tratando da finalidade da preservação,
seja decorrente de interesse turístico, no patrimônio enquanto produto, ou na relação
morador e sua motivação para preservar por conta da afetividade para com esses
bens. Antes de questionarmos o porquê preservar, deve-se lembrar que todas as
cidades apesar de serem históricas - fato é que todas as cidades são históricas, tem
história - muitas vezes cuidam de seus bens independentemente de serem
turísticas, até porque, necessariamente nem todas as cidades históricas, apesar de
terem história, de terem recursos, são turísticas.
27
O que ocorre é que o turismo pode sim, ser uma motivação a mais para
preservação, tanto pelo desejo de enaltecer esse patrimônio para o visitante como
pelas facilidades financeiras que podem viabilizar a preservação.
Em verdade, o ideal seria que a consciência de valorização e preservação do
legado cultural viesse antes do turismo, por meio de educação patrimonial, todavia,
indubitavelmente, não se pode esperar que aqui haja o mesmo cuidado com o
patrimônio cultural como nos países europeus, nos quais, essa questão sempre
esteve agregada, antes de tudo, ao grau de patriotismo daquele povo. Ocorre que a
Europa durante todos esses séculos vem fazendo com que essa questão patrimonial
seja uma de suas prioridades, principalmente por meio da educação difundida nas
escolas desde os primeiros anos (LEMOS, 2004).
Para que uma cidade seja transformada em destino turístico é preciso muito
mais que recursos, daí acredita-se que a idéia de que a desvalorização de
determinado legado cultural por parte de sua comunidade não necessariamente
ocorre a partir do turismo ou por culpa da atividade turística. Como foi citado
anteriormente, essa noção de pertencimento na Europa antecede ao turismo, os
bens culturais que hoje são enaltecidos pelo mundo afora já eram valorizados pelos
donos da casa.
Ao pensar na interferência do turismo sobre bens culturais, deve-se
corroborar com a idéia de que as culturas não são estáticas, e, por conta dessa
mobilidade, a identidade dos povos e das pessoas se modifica ao longo do tempo.
Valores são agregados, outros se perdem no esquecimento, outros deixam de fazer
sentido, e assim percebe-se que nada nem ninguém permanece absolutamente
idêntico a si mesmo para sempre. Por isso, acredita-se que tentar manter a
identidade local, no sentido de engessá-la, é tentar impedir que a cultura flua, que
aconteça de forma a permitir o envolvimento das sociedades nesse processo.
Porém, é importante ressaltar que a antropologia, ao estudar as relações
simbólicas que ocorrem a partir do contato entre visitante e visitadas, aponta
impactos, muitas vezes negativos, oriundos dessa relação, e que podem caracterizar
a
atividade
turística
como
vilã.
Isso
ocorre,
sobretudo,
em
países
em
desenvolvimento, onde o acontecer turístico é tido como salvação econômica. Nesse
sentido, as poucas medidas de planejamento empreendidas visam apenas o lucro
em curto prazo, não se preocupando com os impactos negativos que podem vir a
28
comprometer definitivamente o ciclo de vida dos atrativos turísticos, e a estreitar os
laços entre visitantes e visitados.
Certo que, antes mesmo do turismo ser visto como o vilão que permite
transformações negativas ao legado cultural de determinada comunidade, deve-se
ter a compreensão de que mudanças ocorrem independentes do turismo, e,
sobretudo que a atividade turística planejada permite que se mantenham vivos
aspectos relevantes que deu origem a essa comunidade, contribuindo também para
que ela, de alguma forma, engaje-se no processo de recuperação da memória
coletiva e de reconstrução da história. Por meio do turismo, muitas vezes, muitos
membros dessa comunidade adquirem, pela primeira vez, consciência do papel que
sua cidade representou em determinado cenário, e em determinada época.
Nesta discussão entre os benefícios e malefícios provenientes da atividade
turística, Barreto e Banducci (2001) rotulam o turismo a partir de plataformas. Na
primeira, nomeada como plataforma de defesa, agrupa-se o caráter positivo do
empreendimento turístico: fonte de riqueza, trabalho e renda. Já a segunda,
conhecida como plataforma de advertência, caracteriza-se por uma postura
extremamente crítica, aponta vários problemas sociais decorrentes da atividade;
prostituição, dependência econômica, desestruturação de valores e degradação de
ambientes naturais. A plataforma de adaptação questiona se todo tipo de turismo
tem o mesmo efeito devastador sobre as comunidades em que opera, conforme
indicam os estágios do período.
São apontadas formas alternativas de turismo que podem ter impacto menor
que o turismo de massa. Por fim, “a plataforma de conhecimento” cujo objetivo
principal é a formação de um corpo científico de conhecimento acerca do turismo,
visando estudar não só os impactos ou forma, mas o turismo como todo.
Ao pensar em turismo, é imprescindível entender a fundo tal atividade sob o
âmbito social e, por conseguinte, cultural, bem como, a importância da identidade e
da diversidade enquanto fator de motivação para visitação. Deve-se pensar no
planejamento e na promoção das potencialidades para que a atividade proporcione
todos os benefícios econômicos e sociais possíveis.
O turismo, quando planejado, constitui numa ferramenta importante para a
economia de muitas cidades históricas, contribuindo, muitas vezes, para estimular a
recuperação e manutenção urbana. Por isso, há um desafio em adaptar o legado
cultural de forma tal que, conservando seus valores e singularidades, a função
29
turística se integre harmoniosamente, convertendo-se em uma aliada na
recuperação e no desenvolvimento urbano.
1.1 Turismo, turismo cultural e cultura
O turismo vem conseguindo ao longo dos anos, ainda que de forma tímida,
lograr espaço nas discussões acadêmicas onde tem passado a ser visto não
somente como deslocamento e permanência de um indivíduo em um determinado
lugar, sejam pelas mais variadas motivações, o que implicaria em lucratividade, mas,
como uma atividade antes de tudo social, onde as mais diferentes relações se fazem
presentes.
Moesch (2002, p. 12) critica o tratamento teórico do turismo apenas como
indústria. Sua perspectiva vai muito além de “índices estatísticos, projeções de
crescimento, planos e projetos em nível macro e micro, estudos de demandas,
viabilidade econômica de investimento, custo-benefício entre produção e consumo”
– o que limitaria os estudos voltados para o turismo a uma “análise aparente do
fenômeno”. O turismo é, antes de tudo, um fenômeno cultural que ocorre em dado
contexto social.
Sobre a atividade turística Andrade (2004, p. 66) acrescenta que:
[...] o turismo como vetor social busca raízes na nova reconfiguração da
sociedade contemporânea, onde a busca pelo prazer e de reflexões
cotidianas se revelam no ato de viajar e no sentido de transcender para dar
vazão aos sentimentos e ao imaginário. Além de buscar atender os apelos
econômicos e meramente estruturais, o turismo também é responsável
pelos anseios, expectativas e impressões onde traduz ensaios culturais no
processo cambiante de construção do ser social.
Todavia, é necessário que a atividade turística seja tratada como mais um
modo de produção econômica, onde impactos positivos e negativos fazem parte de
todo o processo, deixando de lado a visão romântica e utópica do turismo como o
“salvador da pátria” ou extremista de grande vilão.
Trigo (2004, p. 98) se posiciona diante a realidade da atividade turística
quando diz:
30
Vários problemas precisam ser enfrentados. Um deles é acabar com o
“discurso triunfalista ingênuo” que só vê qualidades no turismo e condena
os críticos como se fossem “aves agourentas” e não pessoas com visão
estratégica. Outro problema é a “tradição” anômala e perversa de não
preparar as comunidades e diferentes setores para discutir em conjunto e
se co-responsabilizar pelos projetos políticos.
Confrontado a outras atividades econômicas, o turismo revela-se como uma
alternativa de recuperação e valorização de áreas degradadas, já que se torna difícil
o sucesso da atividade onde não há um cenário adequado. Nesse sentido, a
possibilidade de conservar mais o que se consome é um dos pré-requisitos quando
se pensa em atrativos e infra-estrutura turística.
Yázigi (2002, p. 09) coloca que
Se for verdade que o turismo pode facilmente deteriorar lugares
desavisados de planejamento e força política, em momentos posteriores
torna a sua recuperação uma exigência. Daí ser melhor prevenir, por meio
do planejamento, do que remediar. Aliás, considerado entre outras formas
de exploração econômica (mineração, indústria, etc.), o turismo, quando
sabiamente conduzido é o que menos danifica a paisagem: ele tem de viver
e sobreviver com níveis de excelência.
Neste sentido, o turismo cultural seria a segmentação que mais “foge” a idéia
errônea da atividade turística meramente lucrativa. O diferencial estaria na
possibilidade de compreender a atividade como algo maior do que a dinâmica
operacional que a envolve. Pensar em turismo cultural é nos atentar para o valor
atribuído a uma viagem no sentido de trocas culturais, nas relações construídas
entre visitante e visitado e nas experiências vivenciadas por estes.
Para a Organização Mundial de Turismo (2001), o turismo cultural seria
caracterizado
pela
procura
por
estudos,
cultura,
artes
cênicas,
festivais,
monumentos, sítios históricos ou arqueológicos, manifestações folclóricas ou
peregrinações.
Na Carta de Turismo Cultural do ICOMOS (1976), o turismo cultural é
definido como um fato social, humano, econômico e cultural que tem como objetivo
central a ciência de monumentos, sítios históricos e artísticos ou qualquer elemento
do patrimônio cultural. Ele desempenha um efeito positivo sobre estes porque
contribui para a sua conservação, mas também corremos riscos de provocar efeitos
31
negativos que devem ser evitados por meio da educação e de medidas políticas
concretas.
E como a cultura de um determinado povo, seja imaterial ou material,
apresenta-se como elemento principal dessa segmentação, faz-se necessário
esclarecer questões referentes ao seu conceito.
No século XVI os franceses concebiam o conceito de cultura como parâmetro
de civilização, associando a idéia de refinamento e progresso material. Já no século
XVIII os alemães concebiam a cultura ou Kultur como sinônimo de autenticidade,
tradição e valor espiritual (SAHLINS, 1998). Nesse curso, em função da
complexidade do tema, o conceito de cultura continua a sofrer modificações. Muitos
antropólogos estudaram a cultura e suas implicações, a exemplo de Claude LéviStrauss, Franz Boas, Bronislaw Malinowski e Clifford Geertz. Dentre estes, acreditase que Geertz, ao criar a teoria interpretativa que considera a cultura como um
“sistema simbólico”, e afirmar que “estudar a cultura é estudar um código de
símbolos partilhados pelos membros dessa cultura” (LARAIA, 2005 p. 63), tenha
sido o responsável por um conceito de cultura mais amplo, onde o homem por si só
é o principal artefato dessa cultura.
Para a antropologia moderna de Geertz (1989, p. 56), é preciso desconstruir
alguns conceitos sobre cultura e apresentar novos, mesmo que seja difícil sair da
condição tranqüila, do conceito confortável de cultura proveniente da visão
iluminista, preso a uma natureza humana clara e simples. É melhor compreender a
cultura “não como complexos de padrões concretos de comportamentos – costumes,
usos, tradições, feixes de hábitos [...] mas como um conjunto de mecanismo de
controle – planos, receitas, regras, instruções [...] para governar o comportamento.”
Ou seja, a cultura deve ser vista como um modo de pensar para sobreviver, não um
modo simplista, mas como, uma maneira de viver que dá sentido ao individual e/ao
coletivo. Segundo o autor, a idéia de que o homem precisa, anseia por esse
conjunto de regras, chamado mecanismo de controle para sobreviver, é outra
questão que deve ser considerada, pois o ser humano é “o animal mais
desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extra genéticos,
fora da pele, como se fossem programas culturais, necessária para ordenar seu
comportamento” (GEERTZ, 1989 p. 56-57).
Na perspectiva acima, o ambiente natural do homem é a casa, a praça da
cidade, o mercado, a escola, o trabalho e as relações que são construídas nestes
32
espaços, e tais mecanismos de controle seriam todas as palavras, gestos,
desenhos, sons musicais ou objetos que sejam usados porque dão significado às
experiências vividas por esses indivíduos.
Geertz (1989, p. 61) acrescenta ainda que “somos animais incompletos e
inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura – não através da
cultura geral, mas através de formas altamente particulares de cultura: dobuana,
javanesa, [...], classe alta e classe baixa, acadêmica e comercial [...]”. Para o autor,
o homem nasce inacabado, e sua cultura começa a ser construída a partir de
experiências no meio social, tendo como princípio a família e posteriormente a
escola, o trabalho, e assim todos os outros ramos da sociedade vão se
encarregando de moldar o homem.
Ao conceber a cultura como mecanismo de controle, entender-se-á como
modo de pensar para sobreviver.
Para Geertz (1989, p. 63):
Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções
são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos manufaturados a partir
de tendências, capacidades e disposições com as quais nascemos, e não
obstante, manufaturados. Chartes é feita de pedra e vidro, mas não é
apenas de pedra e vidro, é uma catedral, e não somente uma catedral, mas
uma catedral particular, construída num tempo particular por certos
membros de uma sociedade particular. Para compreender o que isso
significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer
mais do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do
que é comum a todas catedrais. Você precisa compreender também – e, em
minha opinião, da forma mais crítica – os conceitos específicos das relações
entre Deus, homem e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram
eles que governaram a sua criação. Não é diferente com os homens: eles
também, até o último deles, são artefatos culturais.
Isso mostra que conceber a cultura como algo estático, definitivo e simplista é
um grande erro. Apesar da evolução do conceito de cultura e de hoje esta já ser
compreendida como toda produção humana que resulta do seu modo de viver, é
preciso mais que isso, pois não há um único jeito de se viver.
Para compreender a catedral de Chartes foi necessário muito mais que
conhecer sua tipologia arquitetônica, ou quem a construiu, mas, como afirmou o
autor, as mais variadas relações que se materializaram (e se materializam) naquela
edificação.
33
Além de perceber a pluralidade que envolve o conceito de cultura, faz-se
necessário parafrasear Sahlins (1998, p. 01), quando o autor difunde a idéia de que
pensar que a cultura (ou culturas) irá desaparecer, seria praticar um “suicídio
epistemológico”. Segundo o autor, ainda que a cultura ao longo do tempo tenha
perdido aquele caráter natural “primitivo” proveniente de ideologia positivista, é
notório que esta ainda é a única ferramenta capaz de tornar compreensível as
experiências e as ações dos homens através dos símbolos.
A cultura vem passando por processos de mudanças no sentido de que o
próprio curso da história, o próprio dia-a-dia do homem, as relações pessoais,
profissionais, individuais ou coletivas, sofrem modificações, o que não quer dizer que
tais modificações estão dizimando com as raízes, com os hábitos, costumes, com o
modo de viver de todas as comunidades de forma catastrófica, como se isso fosse
gerar um processo de “aculturação”, ainda que esse termo não seja o mais
adequado.
Na pós-modernidade, em um primeiro momento, tem-se a sensação de que
tudo se tornará igual, uma só cultura, uma só civilização. Mas, apesar da
globalização permitir a idéia de homogeneidade cultural, Lévi- Strauss (apud
SAHLINS, 1998 p. 11) afirma que “existem sempre tendências operando em
direções contrárias – por outro lado, em direção a homogeneização e por outro, em
direção as novas distinções”.
Considerando a aparente homogeneidade x heterogeneidade da cultura, uma
vez que ao pensar a cultura de um determinado povo, devemos lembrar que dentro
dessa cultura aparentemente homogênea, há sempre particularidades – diferenças.
Percebe-se que de fato essas particularidades se freqüentam, pois não há toda uma
verdade absoluta.
Dentro de uma dada cultura existem diferenças que apontam uma
heterogeneidade dentro dessa suposta homogeneidade cultural. As tendências da
arquitetura neoclássica de Mucugê, por exemplo, endossam essa afirmativa, na
medida em que, nessa arquitetura, podem-se encontrar elementos advindos de
outros períodos, bem como algumas edificações que receberam acréscimos a gosto
de seus proprietários e de acordo com o contexto cultural da própria cidade.
É então, possível que a cultura se apresente de várias formas, em vários
lugares, de forma contínua, porém susceptível a modificações e a alterações num
34
processo aberto e flexível de constante alimentação, o que garante sua
sobrevivência.
Refletir sobre cultura material, mais especificamente as edificações de pedra
e cal, pensar num casarão do século XVIII é pensar na história contida nessa
edificação, seus moradores, as relações que mantinham com o lugar, com os
espaços daquela casa, é pensar na representação, no significado daquela edificação
de tempos tão remotos, muitas vezes em contraste com o moderno e com costumes
bem diferentes do século XVIII. Ao considerar que não existe um jeito único de ser
mulher, homem, criança, idoso, ou ainda um único jeito de ser brasileiro, baiano, ou
mucugeense, pode-se afirmar também que não há uma única arquitetura, ainda que,
num conjunto, elas sejam todas neoclássicas, ou neogóticas, num centro histórico
com essas características, as casas, por mais parecidas que sejam, serão sempre
diferentes, terão sempre particularidades que a fazem especiais e únicas.
Todas essas considerações nos levam a tomar certo cuidado ao julgar o que
venha a ser ou não cultura, a intensidade do termo, quem a possui ou não, diante de
um universo pluralizado. O garimpeiro, o coronel, a casa simples de estilo colonial, o
casarão com tri-beira, a cultura flui e se manifesta no cotidiano muitas vezes sem
perceber seu curso.
Por conta dessa indissociabilidade entre homem e cultura, acredita-se que
toda atividade turística, se for considerado, o espaço, os símbolos, as
particularidades do meio e as relações do homem com este, entre, neste, e ainda as
relações entre os próprios homens e demais seres vivos, possui caráter cultural.
Sobre relação entre homem e cultura, Barretto (2000, p. 46) afirma também
que:
A cultura está diretamente ligada à identidade. O homem precisa destes
dois elementos para saber e afirmar quem ele é, e diante deste contexto da
modernidade encontrar um caminho norteador para sua vida, baseado na
sua história e nas experiências vividas para que se perpetue o legado
cultural que recebeu. Manter algum tipo de identidade – étnica, local ou
regional – parece ser essencial para que as pessoas se sintam seguras,
unidas por laços extemporâneos a seus antepassados, a um local, a uma
terra, a costumes e hábitos que lhe dão segurança, que lhes informam
quem são e de onde vêm, enfim, para que não se percam no turbilhão de
informações, mudanças repentinas e quantidade de estímulos que o mundo
atual oferece.
35
A identidade do homem é composta por fatos históricos e experiências
pessoais, mas também, e principalmente, a identidade pessoal é construída por
componentes coletivos que abrangem fatos históricos, monumentos, manifestações
folclóricas e costumes marcantes e peculiares. Essas expressões são criação e
aceitação de um povo, a partir da sua cultura tradicional ou do recolhimento de
elementos de outras culturas e são consolidadas através da aceitação coletiva.
Nesse sentido, o indivíduo, por sua vez, precisa recorrer a essa memória coletiva
quando quer saber de fatos que não testemunhou, mas que fazem parte de seu
passado e de sua comunidade.
Barretto (2000, p. 45), a respeito da “manutenção” dessa identidade, comenta:
Nesta conjuntura, para manter a identidade, o homem hoje tem que lidar
com questões próprias da época em que vive; a reconfiguração do mundo
que está sendo chamado de pós-moderno. A dinâmica da vida pós-moderna
é marcada por diferentes identidades em uma só pessoa e em função disso,
a atuação do homem na sociedade é feita de forma isolada, com pequenas
performances que não precisam estar interligadas, porém são muito
diversificadas.
Banducci e Barretto (2001, p. 19) teorizam que “no pensamento pós-moderno,
a identidade é vista como algo móvel, sempre em construção, que vai sendo
moldado no contato com o outro e na releitura permanente do universo circundante”.
A identidade estaria num processo contínuo de lapidação, pois uma pessoa
desenvolve diversos costumes e comportamentos ao longo de sua vida, que são
convenientes, em muitos casos, de forma inconsciente, como resposta a um
estímulo, às necessidades internas e externas.
De acordo com Urry (1990), apesar de vivermos numa sociedade pósmoderna, há uma tendência de uma atração nostálgica pelo patrimônio cultural,
enquanto representação simbólica da cultura, sendo esta uma das motivações mais
fortes para a prática do turismo cultural.
O antropólogo Delgado (2000, p. 37), afirma que:
[...] El turismo cultural se ha constituido en lugar privilegiado en el que
operar análisis acerca de cómo las sociedades humanas se presentan ante
otras sociedades y ante si mismas [...] el turismo cultural es una industria
cuya materia prima es la representación dramatizada y en extremo realista,
de cualidades que se consideran de algún modo inmanentes a
determinadas agrupaciones humanas de base territorial – ciudades,
regiones, países-, reificación radical de lo que de permanente y substantivo
pueda presumir una entidad colectiva cualquiera.
36
Além disso, outro antropólogo, Clifford (1999, p. 88-98), fala do turismo
cultural, não sob a perspectiva dos produtores e dos produtos, mas do ponto de vista
dos consumidores e do consumo. Clifford entende este como uma forma específica
de viajar:
El viaje abarca una variedad de prácticas más o menos voluntaristas de
abandonar `el hogar´ para ir a `otro lugar´. El desplazamiento ocurre con un
propósito de ganancia: material, espiritual, científica. Entraña obtener
conocimiento y/o tener una “experiencia” excitante, edificante, placentera,
de extrañamiento y de ampliación de conocimientos... El viaje denota
prácticas más o menos voluntarias de abandono del terreno familiar, en
busca de la diferencia, la sabiduría, el poder, la aventura o una perspectiva
modificada.
Entende-se também o turismo cultural como uma visita fugidia à alteridade,
uma fuga às rotinas onde se busca experiência decorrente do contato com
produções culturais; artes visuais, artes manuais, festivais, festividades, e com
patrimônio cultural; sítios históricos, paisagens, arquiteturas (BONIFACE, 1995).
De modo geral, pode-se dizer que o perfil do visitante, que procura por
turismo cultural, esta relacionada à busca por uma relação mais aprofundada com o
patrimônio cultural. Geralmente, costumam antes mesmo de viajar ter o hábito de
procurar conhecer o próprio território que habitam. São pessoas com ganhos acima
da média, pessoas que gastam mais, é mais provável que se alojem em hotéis, é e
mais presumível que sejam mulheres jovens que procuram experiências culturais
intensas e pouco estereotipadas (PÉREZ, s/d).
À medida que essas particularidades são consideradas, o que resumidamente
perpassa o viés do planejamento, alguns autores como Barretto (2000), afirmam que
a atividade turística que tem como principal atrativo o legado cultural, vem
contribuindo para manter vivos prédios, bairros e até cidades. Se planejado, o
turismo cultural gera sensibilização no que se refere à preservação, pois esse tipo
de turismo pode possibilitar o engajamento dos moradores em um processo de
salvaguarda da memória coletiva, adquirindo, muitas vezes pela primeira vez,
consciência do papel que sua cidade representou em determinada época. Além
disso, no que se refere aos impactos econômicos, a segmentação é uma ferramenta
importante para que se torne financeiramente viável qualquer medida de
preservação.
37
Tendo em vista que o turismo cultural tem como principal produto a cultura de
determinada comunidade, e essa cultura compreende um universo tanto intangível
quanto tangível, coletivo quanto individual. De acordo com o artigo 216 da Carta
Magna (BRASIL, 2008) pode ser considerado patrimônio cultural brasileiro e
possivelmente recurso turístico:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
O turista cultural é movido pelo desejo de conhecer particularidades de
determinados grupos sociais, principalmente aquelas manifestações, aqueles
objetos, edificações, pertences distintos dos seus e pouco comuns em seu cotidiano.
Dessa forma, percebe-se que esses grandes números de recursos culturais são a
principal motivação da viagem.
Às vezes, os visitantes se aproximam desses recursos de forma aleatória, por
meio do simples contato com os moradores do destino turístico e com os próprios
atrativos, ou através da visita aos museus, ao patrimônio arquitetônico do lugar, da
participação em festas populares, do acesso à gastronomia do local, dos inúmeros
tipos de eventos e de tantas outras maneiras que a cultura se manifesta, sem
necessariamente, estar acompanhado de um guia, ou em meio a uma excursão
organizada.
1.2 A arquitetura das cidades enquanto patrimônio cultural
Acredita-se que há um consenso quando se pensa em arquitetura: está
sempre ligada à construção. Porém, nem todos entendem como se entrelaçam os
significados que envolvem uma determinada construção. A falta de percepção sobre
o que pode estar entre as pilhas de concreto de uma edificação ocorre inicialmente
porque as pessoas às vezes buscam na arquitetura apenas o belo, a aparência.
Certo que é difícil imaginar construções levantadas, sem que tenha havido um
38
mínimo de desejo primário em se fazer algo bonito, dentro de uma estética,
rudimentar que seja. Por isso, é preciso perceber mais que os valores estéticos e as
formas técnicas, “[...] a arquitetura é assim, inseparável da formação da civilização e
é um fato permanente, universal e necessário [...]” (ROSSI, 1995 p. 01). Ou seja, é
algo que vai muito além do visual, é necessário e inseparável das civilizações.
Sendo assim, é notório o valor dos bens imóveis enquanto patrimônio cultural. A
arquitetura da cidade diz muito a respeito da população que ali reside, “denuncia”
todo o seu processo de crescimento urbano, as atividades econômicas que o
moveu, as influências culturais que sofreu decorrentes muitas vezes de fluxos
migratórios. Reafirma o poder de classes sociais, demonstra a miséria de outras
comunidades, encanta pela suntuosidade, choca pela simplicidade.
No Brasil em particular é possível perceber o quanto a arquitetura é
representativa, os ciclos econômicos no início da colonização brasileira demonstram
os mais variados estilos decorrentes de influências portuguesas, africanas, e já no
século XIX principalmente no sul do país as edificações trazem quando não a cerne
da cultura alemã, holandesa e polonesa, elementos característicos dessas regiões.
Uma mistura de tipos, elementos, estilos arquitetônicos estão espalhados pelo
país. Essa miscelânea nos leva a perceber que a arquitetura por si só equivale à
cultura, e se assim pode ser definida, compreende também em patrimônio.
Uma construção não se resume apenas a camadas de cimento e adornos de
decoração. A arquitetura apresenta uma função social a partir do momento em que
sua intervenção no meio ambiente objetiva criar novos espaços para atender as
necessidades imediatas ou as expectativas programadas, de acordo com um dado
contexto que a impulsiona (ZEVI, 1996).
As igrejas barrocas quando envolvidas por adornos, tinham o objetivo do
dualismo em função de uma necessidade católica de reafirmar poder e “aproximar” o
indivíduo de Deus, portanto, da própria igreja. Possuem portas longas também
propositalmente. Havia sim necessidade de mostrar ao homem sua inferioridade
diante do celestial.
No auge do café em São Paulo, bem como do cacau na Bahia, as
dependências de empregadas eram fora das casas, em áreas isoladas das sedes
das fazendas. Essa atitude demonstrava uma clara divisão econômica e social.
Baseado então nas diferenças culturais que moldam a arquitetura
compreende-se que “não há possibilidade de repetições ou de identidades
39
absolutas. Queira-se ou não, cada povo, em cada região, terá a sua própria
arquitetura (LEMOS, 2004 p. 40)”. Cada edifício caracteriza-se por um pluralismo de
valores: econômicos, sociais, técnicos, funcionais, artísticos, espaciais e decorativos,
e cada um têm a liberdade de escrever histórias econômicas da arquitetura, histórias
sociais, técnicas, volumétricas. Cada um destes contextos tem a capacidade de
possibilitar que a realidade de cada edifício seja única.
Viollet-le-duc (apud ROSSI, 1995 p. 138), concebe a arte da arquitetura como
uma criação humana. O arquiteto francês adiciona que “essa criação humana, não
é, pois, na verdade, nada mais que uma aplicação de princípios que nasceram fora
de nós e de que nos apropriamos por observação”. Tais princípios encontram-se
representados nas cidades que, por sua vez, possuem nas casas a representação
do que melhor caracteriza os costumes, os gostos e os usos de um povo.
Ao se atentar para a condição da arquitetura enquanto fazer humano,
enquanto artefato cultural compreende-se que edificações não são apenas lugares
de condição humana, mas, uma parte desta que se representa na cidade, em seus
monumentos, nos bairros, nas residências, em todos os acontecimentos urbanos
que surgem do espaço vivido. Neste sentido, Rolnik (1995, p. 18) compreende que a
arquitetura da cidade é
[...] ao mesmo tempo continente e registro da vida social e é essa dimensão
que permite que o próprio espaço da cidade se encarregue de contar sua
historia. A consciência desta dimensão na arquitetura levou a que hoje se
fale muito em preservação da memória coletiva, através da conservação de
bens arquitetônicos, isto é, da não demolição de construções antigas. Tratase de impedir muitas vezes, que acabem por servir apenas à contemplação,
morrendo assim para a cidade que pulsa viva, ao redor.
Sendo a própria cidade a memória coletiva dos povos e estando essa
memória ligada a fatos e a lugares, Barretto (2000, p. 47) acrescenta que “a
recuperação da memória leva ao conhecimento do patrimônio e este, à sua
valorização por parte dos próprios habitantes do local”. Uma edificação dificilmente
será alvo de depredação, por exemplo, por parte de alguém que sabe seu
significado, que reconhece o que ele representa para sua própria história enquanto
cidadão, simplesmente porque se identificará com aquele prédio.
Assim entendida, a memória torna-se o fio condutor de toda a complexa
estrutura; nisso a arquitetura dos fatos urbanos se destaca da arte enquanto
elemento que existe por si mesmo; até os maiores monumentos da arquitetura estão
40
intimamente ligados à cidade. De tal modo, a união entre o passado e o futuro está
na própria idéia de cidade, que a percorre tal como a memória percorre a vida de
uma pessoa para concretizar-se nela.
Ao pensar em patrimônio deve-se lembrar que esta palavra é utilizada
corriqueiramente, empregada em seus mais variados sentidos, atrelada seja a
finanças, considerando o contexto material, seja ao simbólico, seja do individual ao
coletivo. Ultimamente há um consentimento de que a noção de patrimônio cultural é
muito mais ampla, que inclui não apenas os bens tangíveis como também
intangíveis, não só as manifestações artísticas, mas também o que concebe a
cultura dos menos favorecidos.
Dentre os vários significados da palavra patrimônio, Barretto (2000, p. 09),
justifica que:
O mais comum é conjunto de bens que uma pessoa ou uma entidade
possuem. Transportado a um determinado território, o patrimônio passa a
ser o conjunto de bens que estão dentro de seus limites de competência
administrativa. Assim, patrimônio nacional, por exemplo, é o conjunto de
bens que pertencem a determinado país. Independentemente do corte
territorial, que implica a delimitação do patrimônio dentro de fronteiras
geopolíticas, há outros cortes pelos quais o patrimônio pode ser analisado.
Alfonso (2003, p. 100) acrescenta:
Patrimônio é aquilo que identifica os grupos humanos, aquilo pelo qual se
diferenciam etnias distintas, e inclui aspectos tão diferentes como
arquitetura, lendas, técnicas de trabalho, textos históricos ou que nos falam
da tecnologia atual; também a música, a poesia ou o vestido, assim como
os conhecimentos que se tem sobre as formas de produzir.
Sobre essa idéia de patrimônio enquanto conjunto de bens legados pela
coletividade sabe-se que, até a primeira metade do século XVIII, o conceito de
patrimônio cultural era sempre associado a obras monumentais, luxuosas,
consagradas como arte elitizada e associada às classes dominantes, seja da
sociedade política ou civil. Os imóveis avaliados como dignos de cuidados especiais
e exposição eram os antigos palácios, as residências de nobres, os locais onde
aconteceram fatos relevantes para a história política de determinado local, além da
arquitetura religiosa.
Por volta de 1980, no Brasil a concepção de patrimônio estava associada a
lugar de memória social. Esta visão mais ampla propiciou a inclusão de bens
41
materiais, não tão abastados quanto os casarões e as igrejas barrocas, mas tão
imensamente importantes em se tratando do fazer humano. Desse modo, fábricas e
residências operárias, imóveis rurais, por exemplo, passaram a fazer parte do rol de
patrimônio nacional pela suas histórias e particularidades. Nessa perspectiva, ao
considerar a arquitetura como patrimônio, passa-se a compreender edificação como
muito mais que um amontoado de concreto. Contudo, é necessário que quem a veja
considere a junção da fachada com o seu espaço interior, tanto no sentido físico
quanto simbólico. Pensar arquitetonicamente é compreender a edificação como um
todo e identificar os elementos que tornam cada construção única.
Todavia, enfatiza-se que o reconhecimento da arquitetura enquanto
patrimônio cultural ultrapassa essas considerações. É preciso que a edificação
contenha valores históricos, sociais e culturais, o que não é difícil, pois o homem é,
sem dúvida, o principal “elemento” da arquitetura, e o principal agente da história.
Ele começa a construir as primeiras histórias no momento em que pensa a
construção, seja ele homem-arquiteto, homem mestre-de-obras, ou homemhabitante, os homens se encarregam de cultivar história nesses lugares.
1.3 Patrimônio cultural: a necessidade de preservação
Segundo Santos (1996), o Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
(SPHAN), hoje Iphan, foi criado na década de 1930 por intelectuais, com o objetivo
de salvaguardar os bens imóveis do país, a partir de categorias de patrimônio. Podese perceber que, desde o início de sua fundação, a instituição foi responsável por
um conjunto de representações, a fim de atingir certa universalidade no que viria,
então, a ser tido como patrimônio a partir do instituto do tombamento. Esta
universalidade visava estabelecer um conceito de identidade nacional para o Brasil
baseado no conceito de nação.
Por hora foi um passo importante, o poder público se atentou para o
patrimônio cultural do país, todavia, Santos (1996, p. 78) chama a atenção para o
fato de a instituição ter nascido ancorada numa idéia que objetivava dar uma “cara
ao Brasil”, uma “cara universal”, uma identidade brasileira. Houve muitas críticas e
questionamentos, já que a idéia de “unificar” a cultura brasileira acabaria por perder
42
ou desconsiderar a imensidão, e, portanto, as particularidades do que viria a ser o
Brasil, em se tratando de culturas.
Constitucionalmente, no Brasil, a promulgação do Decreto – Lei nº 25, de 30
de Novembro de 1937 organizou o patrimônio histórico e artístico e instituiu o
instrumento do tombamento por meio dos livros do tombo: belas artes, histórico,
paisagístico e arqueológico. Nesse sentido, a concepção de patrimônio histórico e
artístico nacional passava a ser delineada a partir de categorias: passado, cultura,
civilização, estética. Gonçalves (apud ABREU, 2003) afirma que essa categoria de
patrimônio provém do século XVIII, junto com a formação dos Estados Nacionais,
todavia, ressalta seu caráter milenar desde o período clássico e, porque não dizer,
das sociedades tribais.
Subtende-se, então, que a categoria de patrimônio existe a partir do momento
em que consideramos o homem e sua existência. Ainda que não tenha sido com
essa nomenclatura e que não seja, como na modernidade com tantas faces, a idéia
de patrimônio está diretamente associada a algo pertencente ao ser humano.
Hoje é possível perceber que a idéia de dar uma “cara” ao Brasil estava
ancorada por ideais políticos e pelo discurso de nação que surgiu na década de
1920, cujo objetivo era criar uma identidade nacional, principalmente por conta da
grande extensão territorial do país.
Em meio a todas as questões levantadas pelo então Sphan, no sentido do
que viria ou não a ser patrimônio e conseqüentemente, o que deveria ou não ser
digno de tombamento, surgem discussões ainda maiores sobre como tais bens
deveriam ser preservados. Além disso, questionava-se como a restauração, uma
das técnicas preservacionistas, deveria ser empreendida, e a partir de que valores
essas intervenções aconteceriam, como por exemplo, valor artístico, de uso, de
artes, de antiguidade, dentre outros.
Santos (1996) comenta também que a latente valorização dos bens imóveis
na década de 1930 é explicada pelo grande número de arquitetos de linhagem
modernista presentes no corpo da instituição, e a estes atribui uma das mais
importantes estratégias utilizadas com o objetivo de salvaguarda: o Conselho
Consultivo (1937). A este órgão coube o ato do tombamento, respectivas inscrições
dos bens nos livros dos tombos e, conseqüentemente, a nomeação oficial como
monumento. Contudo, a autora questiona o caráter técnico do órgão e a própria
43
erudição humanista universalista, proveniente do corpo que, na ocasião, compunha
o conselho.
Verdade é que a concepção limitada do que viria ou não a ser patrimônio,
permitiu que, por muito tempo, a imagem de bens culturais estivesse presa ao
material, mais precisamente aos bens imóveis. A compreensão de que bens
imateriais, como exemplo, as formas de fazer e saber, deveriam ser valorizados e
preservados, bem como ações com esse propósito, surgiu apenas a partir de 1998.
A própria inclusão dos bens imateriais no livro do tombo, assim como demais
políticas por parte do Iphan, são bem recentes.
Funari e Pinsky (2003) informam que essa perspectiva de preservação por
meio do poder público a bens protegidos por lei começou na França, através da
ação de órgãos de proteção ainda no século XVIII. Simão (2001, p. 15) elucida que:
O cuidado sobre bens culturais caracteriza-se, crescentemente, como uma
tendência da contemporaneidade. A valorização das coisas locais, em
contraposição à globalização, reveste de importância a manutenção de
identidades específicas que garantam às pessoas as referências do seu
lugar. O passado e suas referências assinalados no território, as
manifestações culturais habituais, as formas de fazer, objetos, alimentos,
festas, voltam na virada do milênio, a ser valorizados. Começa-se a sentir,
novamente, necessidade de entender o passado como um referencial para
a construção do futuro.
Deve-se, então, de qualquer maneira, garantir a compreensão de nossa
memória social preservando o que for significativo dentro do nosso vasto repertório
de elementos componentes de patrimônio cultural. E, para que se possam
compreender as memórias coletivas são necessário artefatos materiais e imateriais,
que remetam ao passado por meio de sua simbologia, que faça presentificados
momentos que marcaram a história de uma comunidade, de uma cidade, de um
estado, de um país; momentos que se tornaram relevantes, não só pela
probabilidade de se conhecer e compreender o presente, mas também, pela
perspectiva de se pensar no futuro das próximas gerações. Nesse sentido e por
isso, essa é a principal justificativa do por que preservar.
Quando se pensa em preservação em nível nacional, deve-se ressaltar, antes
de qualquer coisa, que, no Brasil, diferentemente dos países europeus, a
preocupação preservadora por parte do governo é relativamente nova. Certo que
casos isolados, espontaneamente e sem uma política de preservação específica,
aconteceram no curso da história do país, como é o caso do pioneirismo do Conde
44
de Galveias, em meados do século XVII. “Em 5 de Abril de 1742, escreveu uma
carta lamentando o projeto que transformou o palácio das Duas torres, construído
pelo Conde de Nassau, em quartel de tropas locais” (LEMOS, 2004 p. 34). Essa
correspondência seria destinada ao então governador de Pernambuco, Luis Ferreira
Pereira de Andrade.
Hoje, por conta dessa nova compreensão do que venha a ser patrimônio, a
idéia do que preservar não está limitada aos bens imóveis, ainda que estes sejam os
mais beneficiados em se tratando de recursos do Estado para tais medidas
preservacionistas. Fato é que, se comparamos o patrimônio material tangível com o
intangível, mesmo que muitas edificações estejam em estado de calamidade,
compreende-se que preservar a arquitetura de um lugar, muitas vezes é mais “fácil”
do que preservar o intangível. O material, o palpável, por meio de intervenções, a
princípio, parece mais simples de se resguardar, enquanto que os bens intangíveis
perpassam por questões que vão desde o seu acesso, à maneira menos evasiva de
guardá-los, em se tratando de fatores antropológicos.
Em suma, atualmente já existe a concepção de que se deve preservar tudo
que for representativo para uma determinada comunidade, independente de
questões elitistas, da estética, ou do seu valor por ser material ou imaterial. Tem-se
a perspectiva de que é necessário preservar todos os bens coletivos e individuais,
que estão relacionados a uma história, a partir, não só da sua história oficial, mas da
relação desses bens com seus proprietários.
Dentre as mais variadas maneiras de preservar, Lemos (2004, p. 29)
acrescenta que:
Preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um
miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar
depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos,
mesmo que alterados, usos e costumes populares. É fazer, também,
levantamentos, levantamentos de qualquer natureza, de sítios variados, de
cidades, de bairros, de quarteirões significativos dentro do contexto urbano.
É fazer levantamento de construções, especialmente aquelas sabidamente
condenadas ao desaparecimento decorrente da especulação imobiliária.
Adverso à idéia de congelar um imóvel para que este seja herdado em
“perfeito” estado por futuras gerações, quando se pensa em bens arquitetônicos o
primeiro preceito de procedimento associado ao “como preservar” é manter o bem
cultural, especialmente o edifício, em uso constante e, sempre que possível,
45
satisfazendo a programas originais. Mas isso não é fácil, principalmente porque os
movimentos preservacionistas já encontram as construções de interesse arruinadas,
mutiladas, descaracterizadas e muitas vezes irrecuperáveis, até porque, além das
questões relacionadas ao custo para manter um imóvel em condições de uso, há
outros problemas, como os conflitos entre o proprietário do imóvel e dos órgãos
competentes, o próprio desinteresse por parte do proprietário em manter o imóvel,
ou a falta de recurso para tal, além da especulação imobiliária.
Quando se pensa em preservação, Pires (2002, p. 56) afirma que é uma
intervenção legal no bem histórico. “Aquilo que, em princípio foi julgado importante a
ponto de justificar sua permanência à posteridade recebe, [...], proteção, integrando
o inventário dos bens que, [...] consista no livro do tombo”. Neste sentido, pode ser
considerada sinônimo de tombamento.
Dentre as medidas preservacionistas, a conservação e restauração, segundo
os artigos 6º e 9º da Carta de Veneza (1964), são essencialmente, atividades
interdisciplinares que recorrem “para todas as ciências e todas as técnicas capazes
de contribuir para o estudo e salvaguarda do patrimônio nacional [...]”. O auxílio de
técnicos vai desde a participação de historiadores, artistas plásticos e arqueólogos,
na identificação correta do bem cultural, até, por exemplo, peritos em mecânica dos
solos.
Por meio do quadro (01) abaixo, pretende-se mostrar os conceitos de
algumas medidas preservacionistas de acordo com Pires (2002):
Conservação
Deslocamento
Replica
Reconstrução
Reutilização
É uma intervenção mais leve, realizada em geral diuturnamente com o propósito
de afastar do bem tudo que possa de alguma maneira, prejudicá-lo.
É a remoção de bens históricos do local em que originalmente foram construídos
ou gerados.
É a reprodução de um original no qual se respalda.
* Ainda que o original venha a se perder, a cópia, ou cópias, mesmo assumindo
“o lugar” do original, permanecerá com o nome de réplica.
É a recriação de um bem histórico já desaparecido no local onde se encontrava o
original.
*Isso se justifica no caso de fatos importantes para uma localidade ou nação
terem ocorrido nesse bem histórico.
Reaproveitamento de edificações e artefatos para usos diversos daqueles para
os quais foram originalmente concebidos.
Quadro 1 - Descrição de alguns tipos de medidas preservacionistas.
Fonte: adaptado de Pires (2002).
46
A conservação de bens culturais estará sempre condicionada aos processos
de revitalização de monumentos e à adequação do uso do espaço disponível.
“Vemos, portanto, que não é fácil a previsão de um programa que venha a ser útil a
sociedade para um edifício antigo e disponível depois de ter sido declarado
monumento” (LEMOS, 2004 p. 51-53).
Percebe-se que a medida preservacionista empreendida vai variar de acordo
a função atribuída ao imóvel após as ações, ao seu valor de uso. É possível
estabelecer um padrão para preservação e adotá-lo em todos os casos. Cada
necessidade de uso requererá um procedimento específico. Contudo, mesmo
empreendendo medidas específicas, é impossível um completo retorno às condições
iniciais do edifício restaurado. Além disso, por mais que se consiga aproximar a
edificação de seu original, o tempo permite que outros valores sejam acrescentados
nessa edificação, um prédio do século XVII, em pleno século XXI, subtende um novo
contexto. Trata-se então de uma edificação com feição antiga, envolta num processo
recorrente, tal como é a história do homem e, por conseguinte, da cultura.
É de extremo interesse o texto da Carta de Veneza, sendo importante aqui
ressaltar suas determinações. Em resumo, ela expõe e sugere no seu artigo 7º que
“o monumento é inseparável do meio onde de encontra situado, bem assim, da
história da qual é testemunho” (IPHAN, 2008 p. 02-03). Procura-se, então, relacionar
o bem cultural (o monumento que, inclusive, pode ser uma obra modesta) com o seu
meio ambiente, com sua área envoltória, com o seu contexto sócio econômico,
recusando-se a encará-lo como trabalho isolado no espaço.
Para Simão (2001, p. 17) a preservação do patrimônio cultural nacional,
Extrapola, hoje, os limites da história e da memória, uma vez que começa a
cumprir um papel econômico e social. Assim, pesquisar sobre preservação
cultural e compreendê-la implica em desvendar não somente as
características culturais, mas, sobretudo, em avaliar possibilidades de
ampliar o leque de atividade econômicas dos núcleos urbanos possuidores
de acervo cultural.
No que se refere à aproximação entre a atividade turística e o patrimônio
cultural. Sabe-se que tal fato se deu a partir de 1964, quando o departamento de
assuntos culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA) promoveu um
encontro no Equador, do qual resultou num documento, assinado pelos países
participantes, inclusive o Brasil: a carta de Quito.
47
Nela se recomendava que os projetos de valorização do patrimônio fizessem
parte
dos
planos
de
desenvolvimento
nacional
e
fossem
valorizados
simultaneamente com o equipamento turístico das regiões envolvidas. A valorização
turística do patrimônio já era eficaz em outros países, possibilitando também a
manipulação de um universo simbólico de considerável importância para o reforço
do civismo.
No Brasil, segundo Funari e Pinsky (2003) o turismo, porém, não contaria nos
anos de 1960, com plenas condições de aproveitamento do patrimônio, cujo estado
de conservação, em geral, deixava a desejar. Além disso, alguns elementos
fundamentais na composição da estrutura turística, como pessoal especializado,
apenas começavam a ser formados. O patrimônio alimenta o turismo e, nesse
sentido, não há outra alternativa senão, a preservação.
Sem dúvida, a base correta do “como preservar” está na elucidação popular,
na educação sistemática, que difunda entre toda a população, a começar pelas
crianças ainda em processo de aprendizagem nas escolas, aos adultos, bem como,
aos dirigentes federais, estaduais e municipais, o interesse maior que há na
salvaguarda de bens culturais.
1.4 A importância do planejamento sustentável
“Planejar” é um verbo que faz parte do cotidiano do homem, seja de forma
empírica ou cientificista, afinal, todo indivíduo, de uma maneira ou de outra, sempre
é
induzido
a
direcionar
e
organizar
seus
interesses.
Todavia,
planejar,
definitivamente, não é algo simples. Segundo Chiavenato (2000, p. 16) o
planejamento está relacionado ao ato de administrar: “é o ponto de ligação entre a
situação atual e situação desejada”. É necessário também compreender que as
intervenções feitas no presente devem ser constantemente reavaliadas, de modo a
corrigir possíveis desvios de objetivos, alcançando, assim, êxito. Dias (2005) relata
que apesar do planejamento, ter a flexibilidade de ser definido de várias maneiras,
todas estas remetem à organização do futuro.
De acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT, 2001), o
crescimento da busca por planejamento está diretamente relacionado à necessidade
48
de se criar produtos competitivos em detrimento de produtos medíocres, e ao
conceito de qualidade total tão difundido pela Europa. Por isso, a melhoria dos
serviços turísticos vem sendo cada vez mais desejada por empresários e por
governantes. Neste sentido, o planejamento é apresentado como o caminho mais
seguro para conquistar um lugar garantido no mercado.
Ruschmann e Widmer (2001, p. 67) afirmam que:
O planejamento é fundamental e indispensável para o desenvolvimento de
um turismo equilibrado, também chamado de turismo sustentável, ou seja,
aquele que ocorre em harmonia com os recursos naturais, culturais e
sociais das regiões turísticas receptoras, preservando-os para as gerações
futuras.
Para Barretto (2000), quando se trabalha com conceitos referentes às leis
sociais, tem-se várias definições de planejamento. Sendo assim, percebe-se que os
estudos realizados acerca do planejamento remetem aos mais variados enfoques, a
muitos conceitos. Holanda (1985, p. 36) nos apresenta um dos conceitos mais
utilizados proveniente da teoria geral da administração:
Planejamento é a formulação sistemática de um conjunto de decisões,
devidamente integrado, que expressa os propósitos de uma empresa e
condiciona os meios de alcançá-los. Um planejamento consiste na definição
dos objetivos, na ordenação dos recursos materiais e humanos, na
determinação dos métodos e formas de organização, no estabelecimento
das medidas de tempo, quantidade, de qualidade, na localização espacial
das atividades e outras especificações necessárias para canalizar
racionalmente a conduta de uma pessoa ou grupo.
Devido à amplitude desse universo, poder-se-ia dizer que outros conceitos
equivalentes se complementam. Molina acrescenta que o planejamento voltado para
a atividade turística contém valores ainda mais específicos:
O planejamento do turismo é um processo racional cujo objetivo maior
consiste em assegurar o crescimento e desenvolvimento turístico. Este
processo implica vincular os aspectos relacionados com a oferta, a
demanda e, em suma, todos os subsistemas turísticos, em concordância
com as orientações dos demais setores de um país (MOLINA, 2005 p. 46).
Segundo a OMT (2001) pensar em planejamento como forma de gestão é
reconhecer a necessidade de efetuá-lo de forma adequada, caso se deseje que um
determinado espaço, município ou região possa chegar a um valor importante como
49
produto turístico e, por conseguinte, possa ser relevante para economia local. Dessa
maneira, a melhor adequação dos recursos disponíveis no território em questão, a
definição de um plano de trabalho que saiba unir e coordenar as diferentes variáveis,
que intervêm no desenvolvimento turístico e, sobretudo o planejamento adequado
das estratégias do produto e comercialização do mesmo, podem obter a diferença
entre um produto competitivo e um medíocre que tende a desaparecer com o tempo
(NERES; PEREIRA, 2008).
Ruschmann (1997, p. 162) acrescenta:
[...] um planejamento adequado determinará medidas que conduzirão a
qualidade ideal do produto turístico, que interessa tanto a população
residente quanto como aos turistas. Um crescimento desordenado agride e
descaracteriza o meio natural e urbano, fazendo com que os turistas
busquem outras localidades, nas quais a originalidade das paisagens e a
autenticidade das tradições ainda não foram afetadas pela sua adequação
aos interesses comerciais da atividade e do traçado urbano.
Segundo Molina (2005), o planejamento do turismo na América latina,
infelizmente, ainda tem sido setorial, ou seja, a atividade tem sido organizada e
conduzida de maneira independente dos demais setores da sociedade. Até o
presente momento não se impulsionou nem se desenvolveu um processo de
planejamento integral do turismo que considere as variáveis ideológicas, políticas,
econômicas, sociais, psicológicas, antropológicas e físico-ambientais. Além disso,
por muito tempo o planejamento do turismo teve um enfoque apenas econômico,
dirigido especialmente para regularizar os investimentos.
Esta visão restrita desembocou em urbanizações de uso turístico, em vez de
verdadeiros pólos turísticos, longe, portanto, de gerar o efeito multiplicador tão citado
pela literatura. Sobre essa questão, Ávila (2009, p.11) afirma:
O planejamento turístico, balizado apenas por teorias econômicoadministrativas, principalmente em países subdesenvolvidos, não tem dado
conta do desenvolvimento adequado da atividade e os resultados são
preocupantes.
Esse panorama errôneo do turismo como instrumento de poder, capaz de
salvar a economia de cidades e até mesmo de países, vem se desmoronando à
medida que assumimos a falta de um planejamento multidisplicinar e que tenha seu
enfoque em todos os atores envolvidos, fugindo do caráter reducionista do
planejamento tradicional.
50
Ainda para Ruschmann (1997), outra questão relevante perpassa pela
necessidade de interação entre o planejador e a realidade planejada. Não basta ser
um estudioso do assunto, é necessário estar inserido na realidade planejada,
fazendo parte do processo, e isso é o que podemos chamar de planejamento
integral.
Como todo procedimento que necessita do uso de múltiplos enfoques, o ato
de planejar enfrenta problemas de várias naturezas para sua implantação. Dentro da
atividade turística, algumas experiências nacionais e internacionais mostram que os
mecanismos de planejamento não funcionam por si mesmos, exigem uma vontade
política que os põe em andamento, apoiado de ações paralelas por meio de
reformas administrativas.
Como resposta às barreiras impostas pelo planejamento, Dias (2005, p. 36),
enfatiza que:
Não há planejamento perfeito; ao contrário, todo planejamento deve ser
revisto periodicamente, pois a realidade está mudando permanentemente, e
devem ser consideradas novas variáveis, novas situações, novos arranjos,
e assim por diante.
Os problemas identificados na aplicabilidade de políticas de planejamento
ocorrem especialmente, por conta da descontinuidade nas políticas de crescimento,
que são bastante freqüentes, principalmente na iniciativa pública. Neste contexto, as
políticas públicas podem ficar fragilizadas, por exemplo, caso as mudanças de
governo impliquem alta rotação de profissionais encarregados de conduzir o
processo do planejamento. Tais profissionais não podem ser facilmente substituídos,
a partir do ponto de vista técnico, pois já estão imbuídos no projeto que está sendo
buscado, além de terem conseguido maturidade e experiência. Mudanças como
estas geralmente variam as diretrizes que orientam o crescimento, modificando,
portanto o conteúdo dos planos e programas (MOLINA, 2005).
Outro fator que acaba por prejudicar o planejamento é a escassez de
informação estatística ou a presença de informações deficientes, além de falhas no
setor público e baixo índice de profissionais capacitados para geri-lo. Esses
problemas impedem que os resultados do planejamento se concretizem e se
51
consolidem, pois são necessários prazos, que geralmente vão além do que o
disponível pelo grupo político que está no poder.
Acredita-se numa tendência onde as políticas de planejamento buscarão um
enfoque de planificação turística variado, que considere as necessidades das
empresas, moradores e visitantes. Não se pensa mais o turismo a partir de
interesses unicamente públicos, pois as políticas de planejamento vêm tentando
trabalhar em parcerias, o que corresponde a criar estratégias que beneficie a
iniciativa privada, por exemplo, através da isenção de impostos, os moradores por
meio da criação de empregos e do envolvimento no planejamento do turismo e os
visitantes na viabilização de produtos diversificados de qualidade e preço mais
acessíveis.
É importante enfatizar que o papel do Estado não enfraqueceu, e não há
previsão de que isso ocorra, ainda que haja uma tendência de participação mais
efetiva das empresas e dos municípios (MOLINA, 2005). Outra visão equivocada é
que o planejamento setorial tenda a perder forças, pois a atividade turística, cada
vez mais, apresenta a necessidade de ser organizada e conduzida de maneira
conjunta aos demais setores da sociedade. Também há perspectiva de que a busca
contínua pela participação de especialistas formados em diversas áreas,
considerando a multidisciplinaridade do turismo, cresça.
Assim, pode-se considerar como uma das novas tendências o planejamento
participativo, caracterizado pela relação entre vários grupos de indivíduos, quais
sejam:
empregados,
clientes,
fornecedores,
governantes
e
membros
da
comunidade, num esforço para envolver a todos no processo de tomada de decisão.
Acredita-se que a necessidade de ampliar o âmbito do planejamento do
turismo, transcenda a busca meramente econômica, pois, cada vez mais,
necessidades de um compromisso mais sério com os aspectos ambientais e
socioculturais vêm sendo sinalizadas.
52
2.CAPÍTULO II: De Vila Isabel do Paraguaçu a Mucugê: a história como atrativo
turístico
A Chapada Diamantina é um lugar onde a própria paisagem se encarrega de
narrar sua história. As pedras que calçaram e até hoje cobrem as ruas das principais
cidades do ciclo diamantífero da Bahia são alicerces dos tempos áureos por onde
passaram homens poderosos sobre o lombo de animais, bem como escravos, e
famílias de outros estados e até países.
O processo de ocupação socioeconômica da Chapada Diamantina data do
início do século XVIII. A princípio foi motivado pela busca do ouro para outras partes
do interior do país, depois pela atividade pecuária praticada ao longo do Rio São
Francisco e, mais tarde, pela exploração diamantífera (BRITO, 2005).
Mucugê é a cidade mais antiga das lavras diamantinas. Inicialmente, de
acordo com a Lei provincial 271, de 17 de maio de 1847, surgia como a Vila Santa
Isabel do Paraguassu1, depois São João do Paraguassu. Recebeu o nome de
Mucugê, mais tarde, pela Lei estadual nº 1.556, de 23 de agosto de 1917 (IBGE,
2008). Sobre o povoamento de Mucugê Medrado (2000, p. 27) relata:
Sabe-se que seu núcleo original foi à fazenda de criação de gado Riachão
do Mucugê, de propriedade de Reginaldo Landulfo da Rocha Medrado.
Justamente nesse local, nas proximidades do rio Mucugê foram
encontradas as primeiras pedras preciosas transformando-se em um centro
urbano de quase 3.000 habitantes. Primeiro era conhecida como povoado
de Mucugê da Chapada Diamantina, mais tarde Vila de Santa Isabel do
Paraguassu em homenagem a Santa Isabel padroeira da cidade e ao rio
Paraguassu e só em 1917 com a emancipação do município voltara a ser
chamada de Mucugê em homenagem dessa vez ao riacho Mucugê e a uma
fruta típica da região.
Autores como Sales (1994); Brito (2005), afirmam que o primeiro diamante da
Chapada Diamantina não só teria sido encontrado em Mucugê, como também o fato
teria acontecido ainda em 1844, antes mesmo do surgimento da Vila de Santa Isabel
do Paraguaçu. Sobre o achado oficial do então garimpeiro Cazuza do Prado, os
versos do poema “Descobrimento”, assim registram o fato:
1
Acredita-se que Paraguassu com dois SS, como foi encontrado em alguns textos, faz referência à
maneira antiga de escrita. Enquanto que Paraguaçu, com Ç, refere-se ao Rio Paraguaçu, maior rio
genuinamente baiano que percorre toda região de Mucugê.
53
Cazuzinha do Prado mergulhou a mão em concha nas águas tranqüilas do
córrego e viu no fundo, onde o céu se refletia claramente, estrelas
brilhando, cintilantes...
- Ué! Estrelas de dia? Não. Eram diamantes... (Roteiro Sentimental das
Lavras Diamantinas apud SALES, 1994 p. 31)
Moraes (1991, p. 33) ainda acrescenta que
As descobertas dos garimpos do rio Mucugê em 1844 cuja concentração de
diamantes superava em muito os garimpos existentes nas vizinhanças,
deixaram em secundários os serviços de mineração de pedras preciosas do
Gentio do Ouro, da Chapada Grande, da Chapada Velha e adjacências.
Ainda sobre a descoberta de diamantes, há relatos de que, antes mesmo do
achado da primeira pedra bruta, dois pesquisadores naturalistas alemães de nomes
Spix e Martius em 1818 reconheceram, pela formação geológica dos terrenos e pela
natureza das chapadas, a existência do carbonato, um tipo de pedra que viria a ser
um indicador da existência de diamantes e revelaram o fato ao sargento-mor
Francisco José da Rocha Medrado, proprietário de vastos terrenos nestes lugares
(BRITO, 2005).
Na medida em que sucediam outros achados, um número cada vez maior de
pessoas ia se deslocando da capital do Estado da Bahia, de Minas Gerais, e da
redondeza em direção à Chapada Diamantina, ocasionando, assim, a expansão da
área de diamantes, aumentando o número de garimpos, contribuindo para retirar da
estagnação vilas como Rio de Contas e Barra da Estiva, e proporcionar a criação de
diversos povoados que, não só constituíram os municípios de Mucugê, Andaraí
(1884), Lençóis (1856) e Palmeiras (1890), como também estabeleceriam os limites
da região que passou a ser caracterizada como Chapada Diamantina.
Sobre a origem desses imigrantes, Moraes (1991, p. 35) esclarece que:
[...] provinham, sobretudo do Tejuco (atual Diamantina) e Grão Mogol, em
Minas Gerais, do Recôncavo e de outras áreas do estado da Bahia. Eram
formados por pessoas que vieram em busca de uma melhor condição de
vida, passando por aventureiros, desejosos de enriquecimento rápido, todo
o tipo de malfeitores, até homens de qualidade abastados e de condição
econômica e social elevada que se deslocavam para Lençóis com seus
haveres, com todos os seus bichos, com todos os seus escravos [...] que
constituíram, incontestavelmente, a aristocracia lavrista.
Sendo assim, Mucugê foi tomada por um grande contingente de pessoas e
entre essa população flutuante estavam homens abastados, conhecidos por
54
coronéis que, ao chegar, apossavam-se das terras, mandavam demarcá-las,
providenciavam o registro e colocavam fim na livre garimpagem (ROSA, 1973).
Junto com essa população flutuante “também vieram para a Chapada
Diamantina vários estrangeiros, a exemplo dos árabes, judeus, franceses, ingleses e
(raros) africanos chegados na condição de escravos, livres ou libertos” (SENNA,
2002, p. 229). Nesse período a população do município chegou a 12.000 pessoas,
número que se justapõe hoje à população atual, o que assegura a importância das
lavras diamantinas em determinado período da história econômica do município.
O trabalho acumulado pelo garimpo do século XIX até meados do século XX
resultou em um direcionamento econômico, em uma organização espacial com
novas exigências de mercado que passaram a reestruturar esse espaço. Percebe-se
então que a organização sócio-espacial que passou a existir nas cidades da
Chapada Diamantina é resultado do processo de garimpagem, que constituiu numa
exploração individual e nômade, fazendo passar a existir as lavras diamantinas.
2.1“Ué! Estrelas de dia? Não! Eram Diamantes...” exploração, exportação e
decadência do diamante
Seduzidos pela perspectiva de uma vida melhor acondicionada à extração de
diamantes, no final do século XIX, mineradores provenientes de outras regiões
brasileiras onde a extração e o comércio de pedras preciosas já não prometiam
grandes lucros, desbravaram o sertão semi-árido da Bahia e, ao ficarem nessas
terras férteis fizeram de Mucugê, Andaraí, Palmeiras e Lençóis os principais
cenários de extração e comércio diamantífero do estado. “A sociedade lavrista se
plasmou, caldeada, toda ela, pela febre da aventura e da ambição desmedida de
fortuna fácil” (MORAES, 1991 p. 31).
No romance Maria Dusá, Rocha (1980, p. 44), comenta as riquezas
provenientes do garimpo:
Eis por que em todas as minas de diamantes, por grandes que sejam suas
riquezas, gira com rapidez maior que em qualquer outra indústria, a roda da
fortuna e ninguém sabe ao justo, quando se abatem os muros e levam-se
os monturos, acontecendo ainda que aquele que se abate hoje, levanta-se
amanhã, e assim sucessivamente.
55
Ainda sobre a estrutura social das cidades que compunham o ciclo
diamantífero, Brito (2005) afirma que a classe dominante era composta por aqueles
cujo poder sucedia da propriedade das terras mais férteis e dos garimpos mais
produtivos e pelos grandes comerciantes de diamantes, ou “pedristas”. Este grupo
representava a chamada nobreza lavrista (o coronel), e era possuidor tanto do poder
econômico como do poder político local.
Abaixo, dependentes desses chefes de poder, e acalentando sonhos de uma
mobilidade social cada vez mais improvável, observa-se a presença de
campangueiros (termo da região que designava comerciantes de diamantes) e
funcionários municipais cujo azar ou sorte estava no grau de lealdade devotado aos
coronéis.
Na base da pirâmide encontra-se o garimpeiro. “Sempre o velho garimpeiro, o
incorrigível sonhador das
bandeiras
e entradas
de
aventureiros,
vivendo
romanticamente, nutrido moralmente por um ideal de riquezas inexauríveis”
(ROCHA, 1980 p. 44), obrigado a se sujeitar a toda sorte de exploração dos donos
dos garimpos, motivado pela esperança de encontrar a pedra da abastança que
viesse a lhe proporcionar dias melhores, mesmo certo de que, por mais valiosa que
fosse a pedra, a esse garimpeiro jamais seria possibilitado o alcance àqueles que já
detinham, legal e/ ou ilegalmente, uma grande quantidade de terras, de garimpos, de
pedras acumuladas.
Após o achado da primeira pedra “a garimpagem se tornou intensa e o
povoamento se fez com rapidez” (SALES, 1994 p. 34). Porém, este crescimento
desordenado causou diversos problemas e dificuldades sociais e, na tentativa de
controlar o caos da concentração urbana, os “detentores do poder” da região
reuniam-se para discutir regras de crescimento e convívio social. Em nome do
enriquecimento valia a lei das armas e do dinheiro; jagunços matavam a mando de
seus senhores, sempre em busca de mais terra, escravos e, conseqüentemente,
diamantes.
Por conta do comércio intenso, muitos coronéis viajavam para o exterior a fim
de tratar diretamente sobre a venda das pedras. A respeito desse comércio para o
exterior, Pereira (1907), comenta que de 1851 a 1864, os principais receptores em
nível de exportação foram os países da Europa: Inglaterra, França, Alemanha e
Portugal.
56
Contudo, após um período de quase um quarto de século, o que parece
pouco tempo, mas que foi suficiente para propiciar uma nova organização espacial
na Chapada Diamantina, a exploração do diamante inicia o seu declínio em 1871. As
causas dizem respeito à utilização de métodos extrativos arcaicos impeditivos à
exploração e à perda de competitividade para as jazidas da África do Sul.
A crise que iniciara em 1871 veio para detectar a queda da economia mineral
nas lavras diamantinas. Porém, a súbita valorização do carbonato proporcionou uma
sobrevida à derrocada final do diamante. Esta pedra que até então era jogada fora
por se desconhecer seu valor comercial (MORAES, 1991), passa a ser utilizada, de
maneira crescente, na fabricação de brocas de perfuratrizes de rochas, muito
requisitadas pelos trabalhos do Canal do Panamá, em 1880, nas obras como o
metrô de Londres e para a Petrobrás, quando a empresa começou a abrir postos de
petróleo. O carbonato contribuiu, dessa maneira, para o processo de revolução
tecnológica industrial em nível mundial.
Com o fim do garimpo, a Chapada Diamantina, que experimentava um
período de prosperidade, passa a enfrentar sucessivas crises econômicas, às quais
vieram se juntar a crise política, decorrente das lutas travadas pelos coronéis e da
redução deste poder político oligárquico, ocorrida a partir da revolução de 1930.
Fato é que o fim da mineração e também do comércio de carbonato levou
Mucugê a grande êxodo a partir de 1930, o que reduziu a população a pouco mais
de 300 pessoas. A solução imediata foi o comércio da Sempre Viva, a Syngonanthus
Mucugensis Giulietti, planta endêmica do município de Mucugê que chegou a ser
exportada em grandes quantidades para Europa, Japão e Estada Unidos e
principalmente para dois estados brasileiros; Santa Catarina e Minas Gerais. A
mesma era utilizada em decoração por conta da sua durabilidade (SEMPRE VIVA,
2008).
Para a população, a atividade consistia na colheita e comercialização da flor,
para fins de exportação. Em torno desse objetivo, toda uma infra-estrutura interna
permitiu a emissão de grandes quantidades da flor altamente valorizada, devido à
sua beleza e durabilidade, para a Europa, para os Estados Unidos
A ilustração abaixo se refere a um buquê de Sempre Viva.
57
Figura 2 – Buquê de Sempre Viva
Fonte: Disponível em:
http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/melhorespraticas/praticas_premiadas_2005_2006/Sempre_vi
va.pdf. Acesso: 10/JAN/2010.
Maria Fernanda Vomero, numa publicação à revista Superinteressante (2000,
p.18), narra a importância da Sempre-Viva para Mucugê:
Houve um tempo em que Mucugê, na Bahia, ficou conhecida como a cidade
da sempre-viva, uma florzinha pequena, de uso ornamental que pode durar
décadas depois de seca. Na região do município da Chapada Diamantina,
os platôs eram repletos de tufas de flores. Nos meses de maio a julho,
época em que a sempre viva atinge o ápice da florescência, havia uma
febre na cidade. Muita gente montava acampamentos na serra para coletar
quilos e quilos da flor. A venda de sempre viva completava a renda da
população, ou sofria com a decadência do garimpo.
Não necessariamente acredita-se numa relação de causa e efeito: fim do
garimpo e o comércio da sempre-viva. Porém, fato é que o declínio das larvas
permitiu que a população se atentasse para o valor econômico da planta.
Para sustentar o novo comércio que começava a se estabelecer, a infraestrutura citada anteriormente, envolvia quatro tipos de trabalhadores: os
coletadores, a camada mais numerosa, composta por ex-garimpeiros que, assim
como nas lavras, chegavam cedo aos campos e até dormiam por lá; os
subcompradores, aqueles que possuíam “vendinhas” (estabelecimentos) e também
colhiam, com o papel de comprar as flores dos coletadores e repassá-las aos
compradores oficiais, sendo estes homens de certa estabilidade econômica,
58
possuidores de casas comerciais e responsáveis pelas extrações; e os prestadores
de serviço, que auxiliavam nas demais necessidades decorrentes do comércio.
Mas, como acontece nas culturas exploratórias em que o homem não se
preocupa em repor o que extrai da natureza, o que era abundante ficou raro. Com a
ameaça de extinção da planta, a proibição da colheita e, conseqüentemente, o fim
do comércio em 1980, tornou-se fato.
As crises econômicas que começaram em 1930 com o fim do diamante,
somadas às crises decorrentes do fim do comércio da Sempre Viva culminaram
novamente em êxodo urbano. A população começou a buscar meios de
sobrevivência na capital, no norte de Minas Gerais e em São Paulo.
As edificações em ruínas denunciam o aspecto de abandono, como é
possível perceber nas imagens abaixo.
Figura 3 - Atual biblioteca Municipal
Figura 4 - Atual sobrado Sr. Carlos Machado
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980)
É importante esclarecer que paralelo ao fim do comércio da planta em 1980
teve início o tombamento por parte do Iphan. A cidade começou a perder o aspecto
de abandono e a esperança por novas possibilidades de recomeço foram surgindo
para os moradores a partir do renascimento urbanístico propiciado pelo órgão. Essa
medida poder ser considerada como primeiro passo para viabilizar o surgimento do
turismo no município.
Ressaltar que a edificação da figura 3, o casarão do antigo Snoocker bar,
pertenceu a família Medrado e atualmente, além de ser um dos pontos turísticos
59
mais visitados da cidade, é bastante frequentado pela comunidade local pela sua
função enquanto Secretaria de Educação e biblioteca no primeiro andar, arquivo
público e museu na lateral da parte térrea.
Já o sobrado ilustrado na figura 4, de propriedade particular, vem sendo
reformado pelos próprios proprietários. Não há aqui política de restauro, as ações
empreendidas limitam-se sim, à reforma. Faz-se importante visualizar o mau estado
em que se encontrava, desde as janelas com vidros quebrados à quantidade e
grandes rachaduras internas.
Figura 5 - Atual casa de D. Laçimi
Figura 6 - Atual casa do Sr. Fugêncio
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980)
Já as ilustrações 5 e 6, referem-se a residências particulares. A primeira
encontra-se fechada, os atuais proprietários não residem na cidade. Já a segunda,
encontra-se a venda e o atual proprietário alega que um dos motivos em
comercializar o imóvel é a necessidade de restauro que não é apoiada pelo orgão
competente responsável.
60
Figura 7 - Atual pousada J. da Estalagem
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980)
Figura 8 - Igreja de Santa Izabel
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980)
A figura 7, além de residência do Sr. Aloísio Paraguaçu, é também meio de
hospedagem. Funciona como pousada de custo acessível. Geralmente a demanda
por esse meio de hospedagem parte de visitantes conhecidos como “mochileiros”,
pessoas que tentam viajar a baixo custo.
Figura 9 - Atual pousada Mucugê
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves(1980)
Figura 10 - Atual sobrado da Profª Elice
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves(1980)
Nas ilustrações acima, respectivamente, a pousada Mucugê é um dos meios
de hospedagem mais procurados pelos visitantes, possuindo também número
61
siginificativo de leitos e uma das melhores infra-estrutura da cidade. No que se
refere ao sobrado da profª Elice, está em reforma pelo Banco Espírito Santo.
Figura 11 - Atual fundo da prefeitura
Figura 12 - Cemitério Bizantino
Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980)
Nas imagens acima, é notório a problemática do uso de cal como
revestimento em edificações. No Cemitério Bizantino, percebe-se a total inexistência
de tinta no topo dos mausoléus. Tal situação é ainda mais agravada pelo acúmulo
de mofo e lodo.
Passado o período de declínio do diamante e com o fim do comércio da
Sempre Viva, o turismo, passou a ser visto pela gestão pública como mais uma
alternativa para alavancar a economia local. Contudo, mesmo tendo o turismo como
uma nova possibilidade de incremento na economia do município, o renascimento
econômico do local só foi marcado na década de 1980 pelo Instituto Brasileiro do
Café (IBC), quando, de fato, o município parecia dar os primeiros passos rumo à
recuperação.
Todavia, é importante frisar que essa nova perspectiva econômica a princípio
foi vista com restrição por alguns moradores. Sobre as críticas a essa nova atividade
econômica, Brito (2005, p. 94) ressalta:
[...] os técnicos do Instituto Brasileiro do Café – IBC cientes do potencial dos
solos e das condições climáticas propícias decidiram fomentar o cultivo do
café nestes e nos outros municípios da região. Os técnicos que viam a
implantação da cultura do café como uma alternativa econômica e de
melhoria das condições de vida, através da geração de emprego e renda,
ficaram surpresos quando foram a Mucugê e fizeram a proposta para os
proprietários de terras, herdeiros dos falecidos coronéis.
62
Isso porque houve oposição por parte dos herdeiros de coronéis em investir
na agricultura. Era uma mentalidade de apego ao passado que impossibilitava a
esses homens enxergar novos caminhos. Para esses herdeiros, o passado era
reverenciado constantemente, o presente surgia como lamentação pelo fim das
minas e o futuro era algo longo, obscuro, e inexistente enquanto projeto (SENNA,
2002).
Entretanto, Brito (2005, p. 94) conta que:
Após a resistência inicial, os descendentes dos coronéis Douca Medrado e
Horácio de Matos que se alternavam no poder, modernizaram-se e
passaram a assumir, sobretudo, a partir da segunda metade dos anos 80, o
papel de mudança local aproveitando todas as iniciativas de diversificação
econômica apresentadas ao município, dedicando-se em suas fazendas ao
plantio do café, à horticultura irrigada e à bovinocultura em confinamento.
Inseriram-se também na atividade turística, tornando-se proprietário de
pousadas e um de seus membros viria a tornar-se o presidente do Conselho
(Turístico) Circuito do Diamante – CONCID.
As saídas para as tocas e locas que serviam de refúgio durante o garimpo, os
dias e noites entre os leitos dos rios e entre as rochas foi substituído pelo caminhar
em direção a zona rural, rumo às fazendas para o plantio e cultivo do café. Os
instrumentos, como a bateia, foram substituídos, ainda que com resistência, pela
enxada, por ferramentas e pela tecnologia que auxilia o trabalho agrícola.
O espaço, que primeiramente era cenário de extração de diamantes, passou
pelo comércio da floricultura e, a partir da década de 1990, depois de uma
agricultura consolidada, passa a ter no turismo, atividade baseada nos serviços de
bens de consumo, uma nova reconfiguração espacial constituindo uma nova
apropriação do espaço, em que o patrimônio natural, que por muito tempo
enriqueceu os coronéis ávidos por diamantes, continuava fazendo parte do sistema
mercadológico através da comercialização de bens materiais e imateriais, do uso do
patrimônio do município pela atividade turística.
2.2 Entre as Serras, o poder do coronelismo
Configurou-se no Brasil, no período de 1889 a 1930, uma clara distinção
social onde os representantes da classe dominante eram identificados pela patente
63
de militar, enquanto que os dominados pelo coronel recebiam identificação genérica
de “gente” ou “cria” (CHAGAS, 1996). O coronelismo teve seu auge de influência
contundente do período que se estende desde a Presidência de Campo Salles às
vésperas, e por que não dizer, mesmo após a “revolução” de 1930 (DANTAS, 2006).
Segundo a concepção de Leal (1993, p. 20), “o ‘coronelismo’ é, sobretudo, um
compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público [...], e a decadente
influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”. Todavia,
por mais restritos que fossem os poderes dessas figuras, ainda assim, “a cobrança
de impostos, a conquista de novos territórios, a exploração de riquezas, o assegurar
de uma boa votação, sedimentava essa simbiose entre chefes soberanos e chefes
menores” (DANTAS, 2006 p. 15). Esses, por sua vez, passavam a ser vistos em
seus clãs como lideranças inquestionáveis e únicas, capazes de decidir sobre os
destinos do povo.
Ao pensar em uma tipologia social do coronel, Teixeira, citado por Dantas,
(2006, p.16), ressalta que, na Bahia, o coronel da Chapada Diamantina apresentava
algumas particularidades: “O coronel da Chapada queria distância e paralelismo de
poder com o Estado”. Segundo o autor, o comportamento do Coronel Horácio de
Matos, de Lençóis, por exemplo, não é de antagonismo ou de aproximação com o
Estado, como ocorre com os coronéis do nordeste. É um comportamento de chefe
de Estado; ele tratava o governador de igual para igual. Tratava as demais
autoridades da República como se fosse (e foi de fato) o chefe de um Estado
encravado dentro do próprio Estado.
Sabe-se também que o coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria
natureza do tipo de denominação que ele exercitava implicava adoção de métodos
coercitivos, ameaçadores, quando não criminosos. O cenário era marcado por
contundentes diferenças sociais e pela concentração de renda. A Chapada
Diamantina afigurou-se da segunda metade do século XIX até 1930, como fronte de
batalhas pelo poder de mando disputado pelos homens-coronéis (DANTAS, 2006).
Chagas (1996) conta que, no início do garimpo, as serras eram devolutas, o
que significava liberdade para os garimpeiros trabalharem onde bem quisessem,
sem qualquer interferência. A cobrança de impostos só passou a ocorrer quando
vieram as medições dos terrenos diamantíferos, assim, os proprietários desses lotes
(coronéis) passaram a cobrar o “quinto”, o que significava (20%) da produção. Nesse
sentido, percebendo que o garimpo poderia ser um bom negócio não somente para
64
quem achasse pedras, os proprietários de açudes e de regos que banhavam os
garimpos, passaram a cobrar também o “quinto” pelo fornecimento de água para
lavagem do cascalho.
A respeito da rotina dos garimpeiros nas lavras e a cobrança de impostos, o
autor comenta:
Os garimpeiros moram em ranchos de palha ou se abrigavam em tocas e
lapas nas serras e comiam às vezes em conjunto nos calumbés, ou até
mesmo sobre os lajedos que lhes serviram de prato e de mesa. Muitos
deles eram assalariados pelos donos de garimpos ricos e outros trabalham
de sociedade com os patrões que custeavam a despesa das catas; mas
havia ainda um grande número que não tinha padrões e andava pedindo
grande auxílio nos dias de feira para fazerem o saco, prometendo ao
fornecedor a meia (50%) ou um quarto (25%) do que pegassem no garimpo
(CHAGAS, 1996 p. 18).
Diante de tantas cobranças sob a produção e a fim de não pagarem mais os
tributos, “o comércio de pedras preciosas, que antes era feito à luz do dia,
beneficiando a todos, tornou-se depois meio secreto” (CHAGAS, 1996 p. 20). Os
garimpeiros começaram a fazer buscas às escondidas, o que propiciou o surgimento
de um comércio clandestino, gerando fortuna rápida para muitos compradores
improvisados. E para voltar ao que era, seria necessário a força de um dispositivo
legal que viesse reduzir a tributação ou tornar novamente as serras devolutas.
O poder e a influência dos coronéis sobre a população era tão forte que os
homens influentes da cidade encontravam-se para tratar do bem público e para
discutir sobre as melhorias para a mesma. Dentre esses assuntos, um dos muito
comentados foi a possibilidade de transferência da capital de Salvador, para Mucugê
por conta da importância econômica angariada pelo ciclo diamantífero e do poder
dos coronéis.
O coronelismo em Mucugê, sem dúvida, teve em seu cenário uma família
imponente e que até hoje se encontra no poder político; os Medrado. Segundo
Medrado (2000), em meados do século XVIII, já se tinha notícia de membros da
família Medrado, donos e senhores de muitas terras em minas do Rio de Contas.
65
Figura 13 - Família do Cel. Reginaldo Landulpho da Rocha Medrado. O patriarca no lado esquerdo da
figura, com duas das suas filhas ao lado.
Fonte: http://www.cidadeshistoricas.art.br/mucuge/muc_his_p.php. Acesso: 13/FEV/2010
Pereira (1907, p. 64) fala um pouco mais sobre o patriarca da família
Medrado:
A política ali era chefiada ora pelo coronel Reginaldo Landulfo Medrado, ora
pelo coronel Francisco José da Rocha Medrado. Como “irmãos viviam bem
e revezavam no poder sem grandes abalos, e muito bem se entendiam
quanto à política”. Só se separando quando a proclamação da república. O
comendador Francisco José era educado e digno de respeito. Esse eu
conheci muito bem. Enérgico e de ação, e sobretudo amigo opinioso e altivo
de bom coração. Era leal e amigo de toda família.
Criou-se para o governo em Mucugê, novas obrigações sobre o poder
patriarcal do Cel. Reginaldo Landulfo (SALES, 2004). Nesse período de grande
riqueza, também para os Medrado “não havia nenhuma preocupação com o futuro,
pois o presente era sempre muito bem resolvido” (MEDRADO, 2000 p. 25). Os
coronéis preocupavam-se apenas em sugar as minas, e usufruir dos bens que os
diamantes poderiam oferecer, dentre eles; roupas que seguiam a moda francesa,
porcelanas chinesas, conforto, tudo que o diamante pudesse comprar.
Na sucessão do coronel Reginaldo passou a governar seu filho, Antônio
Landulfo da Rocha Medrado, vulgo Douca Medrado, homem que estabeleceu ali
uma dinastia política. “[...] Mucugê foi governada por um chefe, um coronel, que
tinha nas mãos inúmeros poderes. Douca Medrado tornou-se o mais conhecido pelo
longo tempo em que esteve com o poder em mão”. (SALES, 2004 p. 197). Nasceu
66
numa das fazendas da família em 1857. Homem de muitos filhos abandonou o curso
de medicina para assumir os negócios depois da morte do pai e casar-se com a
prima Gertrudes Maria Landulfo Pina.
Fato relevante que ocorreu durante o coronelismo e que é narrado com
orgulho pelos moradores de Mucugê foi a passagem da Coluna Prestes pelo
município. Em 26 de fevereiro de 1926, a Coluna Prestes penetrava na Bahia com
aproximadamente 1200 homens e alguns animais de carga, iniciando a travessia de
uma região deserta, de vegetação raquítica, emaranhada e eriçada de espinhos.
Várias cidades, distritos e vilas foram saqueados, mesmo com a tentativa de boicote
pelas diversas forças representadas pelos coronéis que ali existiam.
Chagas (1996, p. 198) lembra que:
A velocidade da Coluna Prestes revolucionou tudo o que se conhecia em
matéria de guerrilhas, pondo por terra a antiga tática de Horácio de Matos: a
guerra de cerco. Antes de chegar a notícia da passagem dos revoltosos por
algum lugar, já apareciam eles de surpresa em toda parte, numa extensão
de muitas léguas, arrebanhando animais e correndo as casas, em busca de
armas, dinheiro e roupas, sem dar tempo aos habitantes de organizar ou
planejar qualquer defesa.
No dia 26 de abril de 1926 seguiram os revoltosos rumo a Serra do Sincorá,
chegando a Barra da Estiva, cidade vizinha a Mucugê, no dia seguinte. Foi nas
imediações da Fazenda Sumidouro, uma das propriedades do Cel. Douca Medrado,
então governador de Mucugê, que seu filho, Anatalino Medrado, foi aprisionado
pelos revoltosos. Ao ter notícias do ocorrido, de que um dos seus filhos estava
aprisionado pelos revoltosos, o Cel. recolheu-se nesta mesma propriedade, que fica
a 6 km de Mucugê e recomendou ao povo da cidade que não resistisse (CHAGAS,
1996). “Anatalino faz um bilhete para o pai contando que estava com a Coluna e que
ele, o pai, deveria receber os revoltosos amistosamente, com comida e
acomodações” (MEDRADO, 2000 p. 87)2.
No dia 07 de Maio, a maior parte da Coluna seguiu para Guiné de Cima,
distrito de Mucugê, ficando um revoltoso de nome Djalma Dutra, com mais 250
homens, encarregado de passar por Mucugê, com o então refém Anatalino para
facilitar a entrada na cidade. “À frente vinha, na manhã daquele dia, a vanguarda de
2
A ausência de outras referências sobre a família Medrado nos limitou a utilizar apenas o autor da
própria família.
67
50 homens [...], margeando pela esquerda do Paraguaçu e depois de atravessar o
rio, penetrou no boqueirão em direção a Mucugê” (CHAGAS, 1996 p. 206).
Ainda comenta Chagas (1996, p. 207) que:
Quando a “coluna da morte” se aproximou das primeiras casas, alguns
indivíduos, desobedecendo às ordens do chefe, fizeram fogo, acorrendo
logo muita gente armada em defesa da cidade e generalizou-se o tiroteio
que durou o dia todo, da manhã à noite.
Fator que contribuiu para sorte desses indivíduos foi o mau tempo. Durante o
tiroteio, a metralhadora que os revoltosos assentaram não surtiu o efeito desejado,
pois a cidade estava quase toda encoberta por serração, atingindo somente a parte
desabitada conhecida na época como boqueirão, onde fica o Cemitério Bizantino.
Como não estavam bem municiados, mandaram os principais organizadores da
resistência, entre eles um representante da família Medrado. Auto Medrado pediu
ajuda ao coronel de Andaraí, Aurélio Gondim, este enviou 300 homens que subiram
a Serra de Mucugê, tendo o primeiro grupo alcançado ainda os rebeldes em retirada,
na batalha do boqueirão (CHAGAS, 2006).
Ao cair da noite retrocederam os revoltosos, com várias baixas, para Guiné de
Cima, onde se juntaram ao grosso das tropas. Nunca se soube ao certo o número
de baixas que tiveram os revoltosos na batalha de Mucugê, pois eles levaram
consigo todos os mortos e feridos.
Para Chagas (1996, p. 208) “Anatalino Medrado, que não contava com a
resistência de Mucugê, teve a sorte de ter caído no gosto do Estado-Maior e seguiu
com a coluna Prestes até Monte Alegre, onde foi posto em liberdade”. O filho do
coronel ficou em permanência da Coluna Prestes de 26 de Junho a 18 de julho de
1926.
Há dúvidas sobre a condição de Anatalino perante os revoltosos. Tanto a
história oficial quanto a história contada de geração em geração é contraditória. Há
afirmativas de que ele fora seqüestrado e estava junto aos revoltosos por pressão, e
há também relatos de que o caçula de Douca Medrado havia tomado gosto pelos
ideais dos revoltos e seguiu com eles por opção. Medrado afirma que no diário do
secretário da Coluna Prestes, Moreira Lima, sua narrativa não deixa dúvidas: “[...]
encontramos o rapaz nos Gerais”. E no dia 18 de julho de 1926 Moreira Lima volta a
68
dizer; “hoje libertamos Anatalino Medrado” (MEDRADO, 2000 p. 84). Ou seja, para a
autora, o descendente dos Medrado teria realmente sido levado à força.
O resquício do coronelismo em Mucugê, a passagem na Coluna Prestes em
1926, tais fatos estão vivos na memória da comunidade e por meio do seu
patrimônio material, seja através dos casarões destes coronéis, dos monumentos
em homenagem aos mesmos ou na literatura do lugar. A importância que tal
fenômeno teve e a repercussão disso até os dias atuais é evidente. Vestígios de
coronelismo são encontrados em todas as partes, não que ainda haja um sistema
político baseado na força, mas sim, pela materialização em pertences do acervo
permanente do museu, nos mausoléus dessas famílias no Cemitério Bizantino, nos
nomes das ruas e praças como, por exemplo, a Praça Cel. Douca Medrado, na
narrativa dos moradores do município e nas construções.
2.3 Escravidão na Vila de Santa Isabel do Paraguaçu
A decisão por trazer nesse capítulo considerações acerca da escravidão em
Mucugê, se dá pela importância dos escravos no garimpo de toda região. Sendo
este um acontecimento que marcou a história do lugar, subtende a importância
desse contexto para a atividade turística. É comum encontrar menção em
documentos como, por exemplo, os inventários dos grandes coronéis onde há
registro de posse e comércio de escravos. A comunidade narra também à presença
dos escravos na construção das principais edificações da cidade como a Igreja de
Santa Isabel e a Prefeitura Municipal, demonstrando assim a importância da mãode-obra escrava.
Sobre a sociedade escravista, Machado (1987, p.17) a considera como
“produtora de uma rede de controle social, capaz de combinar o argumento da força
com outros mecanismos de dominação”. Juízes, padres, feitores, camaradas,
agregados e outros se tornaram atores importantes nesse cenário, pois, ao
manipular diferentes mecanismos de dominação, tornaram o sistema funcional e
legítimo aos olhos dos contemporâneos.
De modo geral, quando se fala em escravidão na Chapada Diamantina, sabese que antes mesmo dos diamantes, a Chapada já abrigava escravos. “Sua força
69
de trabalho era empreendida então na pecuária e na lavoura. Outros vieram
acompanhando comerciantes, garimpeiros, e até mesmo, em alguns casos, libertos
proprietários de escravos” (PINA, 2000 p. 182).
Com relação ao fluxo de migrantes, em direção ao interior baiano, destaca-se
que “muitos libertos que vegetavam a margem do sistema em Salvador, no
Recôncavo ou mesmo no alto do sertão, viram a riqueza do diamante como uma
possibilidade de integração e também de ascensão social” (SILVA, 1997 p. 32).
Nesse sentido, registrou-se na Vila Isabel do Paraguaçu, atual Mucugê, um fluxo
significativo de escravos. Pina (2000, p. 180) enfatiza:
O escravo se fez presente no cotidiano da vila construindo moradia,
relações de trabalho, família, burlando o controle policial, diversificando
suas funções, buscando alforria, construindo assim, um sentido próprio
agregando especificidade a escravidão.
Todavia, segundo Neves (1998), era na pecuária que o trabalho cativo
predominava. Todavia, a autora acrescenta que o número de escravos por
proprietário era pequeno. E em contradição a essa afirmativa, os viajantes Spix e
Martius relatavam em seus diários que uma fazenda na região da Chapada
Diamantina chegou a ter 160 cativos, o que para Neves (1998) não passava de uma
exceção, pois afirma que ainda que um proprietário tivesse esse número significativo
de cativos, estes seriam distribuídos por várias fazendas.
O autor enfatiza também que havia uma relação de proximidade entre o
senhor e escravo. Essa relação era tida como freqüente, por conta da carência de
feitores e do número pequeno de animais para se cuidar nas fazendas, o que
facilitava o controle do escravo e também a negociação entre as partes.
Para Pina (2000, p. 190) a confiança entre estes era fundamental:
A atividade mineradora necessitava, para sua reprodução de uma relação
de confiança, por mínima que fosse entre escravo e senhor. O escravo tinha
que procurar o diamante, lavrar o cascalho e, só depois, entregar a pedra.
Nem sempre o dono do garimpo estava por perto e, para evitar o roubo,
outras estratégias de controle eram necessárias. Numa vila pequena como
Santa Isabel era muito difícil para um escravo passar adiante diamantes
roubados. Para isso, dependeria necessariamente da ajuda de pessoas
livres, pois, do contrário, não teria como vender ou usufruir desse dinheiro
sem ser notado.
70
Pina (2000), a partir de levantamento em inventários do século XIX (1844 –
1885), na Vila de Santa Isabel, percebeu que, no que se refere à mão-de-obra
escrava, não só havia um número significativo de escravos nessas companhias de
mineração como também foram encontradas as escrituras de compra de escravos
por essas companhias. Esses inventários ainda demonstravam que a maioria das
companhias de mineração apresentava, no geral, de dois a três escravos. Muitas
vezes, havia proprietários de escravos que não possuía nenhum bem além destes
escravos.
Em relação ás funções exercidas pelos escravos nas lavras diamantinas,
sabe-se que, apesar de esses inventários nem sempre apresentarem declarações
de ocupação quando elas aparecem, fica evidente a diversidade de atividades
devolvidas. “Encontramos escravos vaqueiros, armeiros, garimpeiros (ou do serviço
de mineração), pedreiros, do serviço doméstico, de lavoura, ferreiros, com uma
predominância de ocupação ligada na agricultura e na pecuária” (PINA, 2000, p.
183). Nesse sentido, a autora enfatiza o valor mercadológico do escravo enquanto
produto, e um produto caro. Tão caro que havia proprietários de escravos sem
qualquer outro tipo de posse. Essa situação demonstra a sua serventia e as várias
funções que estes exerciam.
Pina (2000), a partir da análise do Livro de Posturas, da seção do Legislativo
da Vila Isabel do Paraguaçu, de 1856, esclarece que havia grande preocupação
quanto à circulação das pessoas pela cidade. Isso porque “ao circularem na cidade,
envolvidos em suas tarefas diárias, os negros estreitavam seu relacionamento com
os mais diversos indivíduos, forros, brancos e escravos como eles” (ALGRANTI,
1988, p. 97). E, para manter a disciplina, o autor sugere um cuidado especial para
com a circulação de escravos e libertos. Algumas ações eram proibidas sob pena de
multa: dar tiros, perturbar o sossego público, palavras ofensivas à moral pública,
danças lascivas e jogos nas tabernas.
Quanto à perspectiva de liberdade desses escravos, Pina (2000) acrescenta
que nos testamentos de Vila Isabel, a intenção de libertar um escravo ou, até
mesmo, a declaração de sua liberdade. Mas, geralmente, tais declarações eram
acompanhadas de condições, como por exemplo, a subserviência que o escravo
deveria destinar ao declarante até a sua morte. Há também casos de relatos acerca
da significativa quantidade de compra de alforria por parte dos próprios escravos,
71
um indício de que eles obtinham dinheiro, por certo, não apenas por meio dos
garimpos, mas também de outros serviços oferecidos pelo ambiente urbano.
A alforria – ou apenas a expectativa em obtê-la – pode ter fornecido uma
das motivações para que o escravo se mantivesse na escravidão, evitando
a alternativa de fuga. É possível que uma das estratégias utilizadas pelos
escravos numa região de mineração como Santa Isabel tenha sido a aposta
no diamante, isto é, na esperança em encontrar uma pedra e com ela sua
alforria. Assim, podemos pensar que o próprio diamante portava em si, um
elemento decisivo para manutenção do escravo no interior do território da
escravidão (PINA, 2000 p.195).
Outra referência sobre a alforria em Vila de Santa Isabel diz respeito à Lei dos
Sexagenários. Em 16 de fevereiro de 1888, o juiz de órfãos de Santa Isabel do
Paraguaçu enviou ao presidente da província, um mapa contendo o número de
libertos em função da idade no ano anterior.
A escravidão se fez presente em Mucugê e foi responsável por movimentar a
economia local, e estabelecer as mais variadas redes sociais. Como foi explicitado
acima, o escravo não tinha sua mão de obra limitada ao trabalho nas minas de
diamante, mas, certamente, este o atraiu como probabilidade de busca pela alforria.
O processo de escravidão em Mucugê pode ser contado através de grande
número de documentos disponíveis no arquivo público da cidade, aberto a visitação,
bem como, por meio de fotografias no Museu do Centro de Cultura e pela história
associada, por exemplo, ao casarão onde hoje funciona a prefeitura, que no século
XIX era uma casa de câmara e cadeia.
72
3. CAPÍTULO III: Turismo em Mucugê
Dentro da regionalização turística proposta pela Bahiatursa, a Chapada
Diamantina constitui um importante pólo de investimento e desenvolvimento do
destino Bahia. Foram desenhados quatro grandes Pólos Turísticos distribuídos em
sete Zonas Turísticas. A área de planejamento do Pólo Turístico Chapada
Diamantina é composta por 28 municípios da região central do Estado da Bahia,
abrangendo uma área total de 40.246,2 km² situados a cerca de 400 km de
Salvador, 1100 km de Brasília e 1.800 km de São Paulo que, atualmente, são os
maiores pólos emissores de turistas para a região (PDITIS, 2004). O “Circuito do
Diamante” congrega as cidades que têm a sua história ligada ao mineral que dá
nome ao trajeto. Baseando-se nos recursos naturais e culturais da Bahia, o mapa
turístico (Fig. 14) se desenha.
Figura 14 - Regionalização Turística da Bahia
Fonte: www.seplan.ba.gov.br Disponível em:
<http://www.seplan.ba.gov.br/arquivos/rev_2003_2006/eco_turismo.htm>Acesso em 28/09/2009.
O Pólo Turístico da Chapada Diamantina se divide entre: Circuito Chapada
Norte, composto pelos municípios de Bonito, Utinga e Wagner. Circuito do
Diamante, abrangendo Andaraí, Ibicoara, Iraquara, Barra da Estiva, Lençóis,
Mucugê, Nova Redenção, Palmeiras e Seabra. E Circuito do Ouro, composto por
73
Abaíra, Érico Cardoso, Jussiape, Boquira, Botuporã, Paramirim, Piatã, Rio de
Contas e Rio do Pires como expõem o mapa abaixo.
Figura 15 - Mapa das cidades que compõem o Pólo Turístico Chapada Diamantina
Fonte: Secretaria de Turismo do Estado da Bahia
Disponívelem:<http://www.setur.ba.gov.br/imagens/zonas/mapas/Chapada-Diamantina.jpg > Acesso
20/JAN/2010.
O desenvolvimento da atividade turística na Chapada Diamantina tem como
um dos seus marcos o tombamento do patrimônio histórico e arquitetônico de
Lençóis, no início dos anos de 1970. A partir daí iniciou-se a estruturação do setor
turístico – inclusive com o apoio do Estado, que chegou a construir duas pousadas
na região, dado o surgimento de uma oferta técnica, ainda incipiente, formada,
basicamente, por empreendedores, que viam no turismo uma oportunidade
econômica (PDITIS, 2004).
No final da década de 1990, com o projeto do Governo do Estado de
pavimentar as estradas ligando Mucugê às cidades de Rio de Contas e Palmeiras, o
município tornou-se o ponto mais próximo da maioria das atrações do Circuito do
Diamante e do Ouro. Surgiram então, investimentos públicos e privados, que fizeram
de Mucugê o segundo destino mais visitado da Chapada Diamantina, seguido de
Lençóis (SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE
MUCUGÊ, 2008). Na ocasião, um número significativo de recursos naturais se
converteu em atrativos turísticos, à medida que foram dotados de infra-estrutura e,
posteriormente, utilizados através da prática do ecoturismo e do turismo de
74
aventura. Porém, ainda não há, no município, lei específica para o turismo. Apenas
alguns mecanismos de disciplina e controle estão contemplados no Plano Diretor
Urbano. Este existe porque Mucugê faz parte de uma região estratégica, no caso a
Chapada Diamantina.
Em entrevista concedida a Pereira (2008), o então ex-secretário de Turismo
de Mucugê, Oremildes Oliveira, ressaltou que as medidas de fomento da atividade
turística não dependem somente das leis específicas, mas também do Plano
Estratégico de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável instituído e
aprovado pelo Ministério do Turismo para o Pólo Chapada Diamantina - PDITS. Para
Oliveira, o turismo de forma planejada requer em primeira instância, a participação
da iniciativa pública, principalmente a ação do governo federal e estadual.
Dentre os atrativos mais visitados em Mucugê encontra-se o Projeto Sempre
Viva, que é o mais bem sucedido projeto da linha Projetos de Execução
Descentralizada - PED, firmado pelo convênio MM/PNMA/PED 96CV 00027/96, que,
integrou várias esferas do poder público na construção de tecnologias e infraestrutura para gestão de recursos naturais, com parceria dos seguintes órgãos: o
Ministério do Meio Ambiente, Governo do Estado da Bahia, Universidade Católica de
Salvador, Universidade Estadual de Feira de Santana gerido pela Prefeitura
Municipal de Mucugê, que visa, basicamente, preservar a variedade da flor
(SEMPRE VIVA, 2008).
Com relação à infra – estrutura para o turismo na cidade pode-se afirmar que,
considerando o fluxo turístico que ainda apresenta demanda em crescimento, e
conseqüentemente, questões como sazonalidade, no que se refere ao setor de meio
de hospedagem e alimentos e bebidas, ambos são satisfatórios, ou seja, atendem a
demanda atual. A seguir, tabela (01) para maior compreensão desses setores no
que tange ao tipo e ao número de serviço prestado.
Tabela 01 - Estabelecimentos de Alimentos e Bebidas de Mucugê
Nome do
Estabelecimento
Point da Chapada
Todo Sabor
Pizzaria da Mama
Sabor e Arte
Restaurante
da
Roça
Nº de funcionários
Nº de Mesas
Até 10
Até 10
Até 10
Até 10
Até 10
De 21 a 30
De 21 a 30
Até 10
De 21 a 30
Até 10
Tipo de
Estabelecimento
Pizzaria
Restaurante
Pizzaria
Restaurante
Restaurante
75
Pesquisa realizada em estabelecimentos de alimentos e bebidas de Mucugê em 2007, para trabalho
de conclusão de curso em Turismo pela Faculdade de Tecnologia e Ciências.
Fonte: Elaboração própria (2007).
Com relação ao setor de meio de hospedagem, segue a tabela (02) com
definições sobre o tipo de hospedagem e número de leitos disponíveis:
Tabela 02 - Estabelecimentos de Meios de Hospedagem de Mucugê
Nome do
estabelecimento
Nº
de Nº de U.H’S
funcionários
(unidade
habitacional)
Tipo de
estabelecimento
Tempo de
permanência
Pousada Mucugê
Alpina Resort
Pousada Casa da
Roça
Estalagem Jardim
do Éden
Pousada Pé de
Serra
Pousada Monte
Azul
Pousada Recanto
da Chapada
Pousada Santo
Antônio
Até 10
De 11 a 20
Até 10
De 21 a 30
Acima de 30
Até 10
Pousada
Resort
Pousada
Até 3 dias
Até 3 dias
Até 3 dias
Até 10
Até 10
Pousada
Até 3 dias
Até 10
Até 10
Pousada
Até 3 dias
Até 10
Até 20
Pousada
Até 3 dias
Até 10
Até 10
Pousada
Até 3 dias
Até 10
Até 10
Pousada
Até 3 dias
Pesquisa realizada em estabelecimentos de hospedagem em Mucugê em 2007 (no prelo), para
trabalho de conclusão de curso em Turismo pela Faculdade de Tecnologia e Ciências.
Fonte: Elaboração própria (2007).
Para lidar com a sazonalidade, o poder público vem tentando consolidar um
calendário de eventos para os meses de abril, maio, agosto, setembro e outubro,
meses em que o fluxo de visitantes diminui consideravelmente deixando a rede
hoteleira ociosa e conseqüentemente os condutores de visitantes e demais
moradores que contam com a renda advinda do turismo em situação difícil.
Ainda no que se refere à infra-estrutura, há uma agência de viagem, a KM
Turismo, que presta serviços de vendas de bilhetes para duas empresas de ônibus
interestaduais, passagens aéreas e oferece serviço de locação de carros.
Outro serviço importante ao visitante é o trabalho desenvolvido pela
Associação de Condutores de Visitantes de Mucugê (ACVM), entidade jurídica sem
fins lucrativos, fundada desde 1999, que tem como objetivo o fortalecimento da
atividade de ecoturismo. A associação atua, principalmente, na capacitação dos
76
seus associados para a condução de visitantes do Município de Mucugê,
promovendo a inclusão social dos moradores do município, principalmente
sensibilizando o trade turístico local no desenvolvimento de um turismo mais
centrado no comprometimento social e ambiental e na consolidação de um turismo
sustentável.
É importante ressaltar também que a associação, além de proporcionar todo
esse trabalho voltado para a atividade turística por meio da condução de visitantes,
contribui significadamente, para a economia local, uma vez que emprega pessoas
do próprio município, possibilitando que o efeito multiplicador do turismo aconteça,
levando
benefícios
à
população,
desde
os
financeiros
ao
aprendizado
(ASSOCIAÇÃO DE CONDUTORES E VISITANTES DE MUCUGÊ, 2008).
A ACVM participa ativamente do Conselho do Parque Nacional da Chapada
Diamantina, do Conselho do Prodetur Nordeste II e do Comitê da Bacia do Rio
Paraguaçu. Trabalha em parceria com a Prefeitura e com o Ministério Público local.
Sobre demanda turística no município, Pereira (2008) enfatiza que é
composta, em sua maioria, por jovens, solteiros, do sexo masculino, estudantes
oriundos do próprio estado e que se encontram satisfeitos com a visita ao destino
turístico em questão. Contudo, foi possível identificar também que existe demanda
para turismo cultural (tabela 03), ainda que as operadoras de viagem e a Secretaria
Municipal de Turismo enfatizem apenas o patrimônio natural por meio de
associações à prática do ecoturismo e turismo de aventura. Ou seja, o percentual
correspondente à demanda por turismo cultural nos leva a perceber que as
perspectivas são positivas e ao mesmo tempo, preocupantes.
Até o momento a infra-estrutura existente atende as necessidades dos
visitantes sem por em condição menos importante o morador. Porém, a partir do
momento em que o turismo cultural se consolidar, haverá uma preocupação com
questões relacionadas à capacidade de carga. Exemplo disso são os dados de uma
pesquisa realizada por Oliveira e Ribeiro (2007, no prelo); foi constatado que
Mucugê recebeu no ano de 2006 aproximadamente 14.150 visitantes3. Ou seja, no
3
Estima-se que esse número seja maior, pois essa pesquisa ocorreu nas imediações do Projeto
Sempre Viva que fica localizado no acesso a cidade, ainda na BA 142. Devido a esta localização,
nem sempre o visitante que se hospeda em Mucugê em curta permanência chega a visitar o projeto.
E, por se localizar na rodovia, pode ocorrer, ainda, de o visitante conhecer o Projeto e seguir viagem
sem entrar na cidade. Porém, por tratar-se da única fonte estatística sobre o fluxo turístico do
município, considera-se que seja válido enfatizá-la.
77
mesmo ano, o número de visitantes chegou a ser superior ao número de habitantes
do município. Tal fato nos leva a perceber a necessidade de compreender de que
maneira o turismo se desenvolve no município. Faz-se necessário questionar até
que ponto a infra-estrutura turística comportou esse fluxo, já que essa população
flutuante se concentrou na área urbana, que apresenta pequena extensão territorial.
Abaixo a tabela (03) aponta dados referentes à demanda por turismo cultural
no município.
Tabela 03 - Perfil do visitante de Mucugê
Sexo
Idade
Masculino
de 52,24%
16 a 25 Solteiros
anos
61,19%
44,78%
26 a 35 Casados
anos
32,84%
16,42%
Estudantes
40%
36 a 45 Outros
anos 20, 5,97%
09 %
Outros
25,00%
Feminino
47,76%
Estado
Civil
Ocupação
Origem
profissional do
visitante
Bahia
77,61%
Profissionais São Paulo
liberais
10,45%
35,00%
Acima de
42
anos
17,91%
5,05
%
Brasília
Minas
Gerais
2,89%
Outros
4,00%
Interesse
por
turismo
cultural
82,09%
Nível de
satisfação
com
a
visita
Muito
satisfeito
58,21%
Satisfeitos
40,03%
Não
souberam
responder
1,49%
Dados extraídos de pesquisa realizada em 2007.
Fonte: PEREIRA, G.T.J. Demanda turística e turismo cultural: considerações acerca do perfil do
visitante de Mucugê – Bahia. In: XIV Seminário de Iniciação Científica da UESC. PROP 2008.
Quando a questão é capacidade de carga, é necessário entender a infraestrutura turística não somente enquanto alimentos e bebidas e meio de
hospedagem. Faz-se necessário também questionar outros produtos importantes
como água, energia, segurança pública e assistência médica, considerando que se
há uma busca pela melhoria do turismo no município, esse fluxo poderá ocorrer em
outros anos e ainda em maior número.
A atividade turística de Mucugê se desenha nas ruas e becos, nas antigas
casas, sob a forma de pousadas e restaurantes, e no modo de vida de alguns
moradores, que já atrelam sua ocupação financeira à atividade. Uma teia de
78
relações se fia em torno do que se configura como potencial econômico local.
Acredita-se que a o turismo cultural pode vir a ser uma nova alternativa de lazer para
o visitante e uma nova fonte de renda para a economia local. Porém, para isso, é
necessário políticas de planejamento que venham a converter esse recurso cultural
em atrativo turístico, satisfazendo assim os anseios desse visitante e atendendo as
expectativas econômicas que serão suscitadas nos moradores.
Longe de fazer qualquer tipo de analogia entre as atividades econômicas
turismo e garimpo, o que seria, no mínimo, injusto, se considerando a proporção em
se tratando de impacto econômico que as atividades ocasionaram, pode-se afirmar
que ambas encontram-se na sobrevivência e na apropriação de um mesmo espaço,
porém, hoje, possuidor de outro valor.
Durante séculos a atividade do garimpo foi a mola propulsora do município,
quando o turismo ainda se apresentava tímido e representava uma fatia ainda
pequena na geração de renda, principalmente para os moradores, que não estão
diretamente envolvidos com a atividade.
3.1 De objeto museavel a atrativo turístico: o Museu Vivo do Garimpo
Segundo a definição da ICOM4 (apud GODOY, 2000) museu é uma
instituição permanente de fins não lucrativos, a serviço da sociedade e de seu
desenvolvimento, aberta ao público, que adquire e conserva, pesquisa, comunica e
expõe com finalidade de estudo, educação e entretenimento a evidência material do
homem e de seu ambiente.
Para Godoy (2000, p. 20), “durante largo período de tempo, o elemento mais
importante dos museus foi o objeto. O homem, quando considerado, era também,
sobre a ótica de homem/objeto”. A nova tendência da museologia não é o objeto,
seja ele qual for, mas o homem/sujeito, criador, mantenedor e transformador dos
objetos.
Nesse sentido, pensar museologicamente é esbarrar na necessidade de
praticidade, de romper com a imagem do museu como depósito de antiguidade,
4
International Council of Museums) Conselho Internacional de Museus, órgão pertencente a
UNESCO, (Organização das nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
79
usando da interdisciplinaridade para aproximar a comunidade da instituição, bem
como, fazer uso da mesma para formação profissional. Por isso, o processo de
evolução no qual a museologia está imersa, nos permite, na contemporaneidade, a
escolha de tornar os museus objetos de luxo ou de necessidade, pois “uma política
cultural que idolatre a memória enquanto memória ou que oculte as memórias sob
uma única memória oficial, está irremediavelmente comprometida com as formas
presentes de dominação [...]” (CHAUÍ, 1992 p.37).
Sobre essa nova perspectiva dos museus, Pires (2002, p. 37) ressalta:
Não há dúvidas de que os museus modificaram bastante, agregando
atividades antes sequer imaginadas. Posturas novas foram implantadas
com o objetivo de integrar a comunidade ao museu, mediante visitas
guiadas, levando-se em conta o interesse dos visitantes, com aulas de
pintura, decoração, teatro, exposições de obras de autores da própria
localidade e muito mais. Uma nova concepção o transformou em um espaço
de educação extraclasse, contribuindo para o cumprimento de uma das
suas grandes metas: a pedagogia.
Por isso, atualmente acredita-se que há uma preocupação funcional e que a
mentalidade colecionante de muitas instituições vem sendo questionada. Nesse
sentido, o Museu Vivo do Garimpo, ao contar a história, não só do garimpo, mas
também do garimpeiro, nos remete à “cultura alma coletiva” (GUATARRI, 1986), pois
é vista como conceito democrático, no sentido de que todo mundo tem cultura, o que
se aproxima de uma museologia mais popular, ao considerar que a cultura não é
fruto apenas de um meio elitista.
O Museu Vivo do Garimpo merece destaque pelo trabalho diferenciado que
proporciona à comunidade e aos visitantes, encaixando-se perfeitamente dentro dos
padrões difundidos e valorizados pela museologia moderna. Apresenta um ambiente
multidisciplinar, onde muitas áreas de estudo se encontram: o valor histórico do
acervo, as particularidades das ciências biológicas, considerações sobre geologia.
Percebe-se que a ambientação de base histórica do museu não é apenas mais um
atrativo turístico, mas um elemento que pode contribuir na estratégia mercadológica
da destinação turística.
A visitação ao Museu Vivo do Garimpo se inicia pelo acesso a uma “toca”,
que serve de instalação para o Projeto Sempre Viva como pode ser identificada na
figura abaixo.
80
Figura 16 - Toca em alvenaria.
Fonte: Disponível em:
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.projetosempreviva.com.br/images/museu/marc
a_museuvivo.jpg&imgrefurl=http://www.projetosempreviva.com.br/museu.html&usg=__U3OiwGKhdp3
jwj9Q8OU2vjbygnc=&h=201&w=200&sz=12&hl=pt-BR&start=6&um=1&itbs=1&tbnid=iKB_sDa2PlP9M:&tbnh=104&tbnw=103&prev=/images%3Fq%3DMUSEU%2BVIVO%2BDO%2BGARIMPO%26um
%3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26tbs%3Disch:1 Acesso: 20/JAN/2010.
Esclarece-se que esse tipo de arquitetura chamada popularmente de “tocas”
ou “locas” em alvenaria é visto fora do perímetro urbano e em várias áreas do
Parque Nacional da Chapada Diamantina. São casas de pedra que serviram de
moradia para garimpeiros durante o auge da exploração do diamante e que hoje são
mencionadas para o visitante durante a visitação ao destino turístico.
Sobre essa arquitetura o relatório do Ipac (1997, p. 20), enfatiza:
Da maior importância é a arquitetura vernácula da região, constituída por
locas ou tocas e ranchos de alvenaria de pedra seca, recobertos por palha
de coqueiro. Estes dois tipos de habitação estão entre os mais primitivos
existentes no país. [...] é um tipo de habitação rupestre do mesmo gênero
das habitações trogloditas encontradas na Ásia, Europa e América do Norte,
embora as encontradas na Chapada Diamantina detêm a segunda metade
do século passado. As locas ou tocas da região são grutas naturais com
edições, transformadas em habitações temporárias, à margem dos
garimpos.
Ao entrar no projeto Sempre Viva, o condutor de visitantes fornece
informações sobre a planta, sobre o ecossistema do Parque Nacional da Chapada
Diamantina e a necessidade de preservação ambiental.
Após as explicações
fornecidas o visitante é conduzido à outra “toca”, onde funciona o acervo
81
permanente do Museu Vivo do Garimpo, cuja composição é de peças que eram
utilizadas nos garimpos (bateias, peneiras, enxadas, utensílios para alimentação,
dentre outros), assim como as próprias amostras dos carbonatos que sinalizavam a
existência de diamantes.
Figura 17 - Sede do museu de acervo permanente.
Fonte: Foto da autora (2007).
O acervo é composto por peças que eram utilizadas nos garimpos; bateias,
peneiras, enxadas, utensílios para alimentação durante a estada nos garimpos, (fig.
17) assim como próprias amostra do tipo de carbonato que era encontrado na região
(fig. 20)
Figura 18 - Peças utilizadas no garimpo.
Figura 19 - Visitantes no museu.
82
Fonte: Foto da autora (2007).
Fonte: Foto da autora (2007).
Há também grandes painéis com fotos e textos que contam toda a história
dos diamantes: da descoberta à exploração e, por conseqüência, o declínio do
minério (fig. 20).
Figura 20 - Carbonato – Pedra que indicava diamantes.
Fonte: Foto da autora (2007).
Depois do acesso ao acervo permanente, os visitantes são conduzidos para a
área externa às margens do Rio Mucugê, onde presenciam a encenação de todo
processo da garimpagem: catra (processo de escavação), bateagem (método para
separar e tirar o cascalho grosso), ralagem (onde o minério era lavado) e, por último,
a cata (escolha manual da pedra).
Oliveira (2008, p. 20), explica de forma detalhada o processo de extração do
diamante:
Catra ou cata é o processo de escavação de buracos, no seco ou no leito
do rio, para posterior lavagem do cascalho e da retirada do diamante.
Bateagem é o método pelo qual se lava o cascalho no rio com a bateia,
separando e retirando o cascalho grosso. O garimpeiro tem o cuidado de
não deixar escapar qualquer grão negro, que pode ser carbonato. Depois do
processo de bateagem, o cascalho isento de argila é lavado e concentrado
na peneira ou no ralo. Cata – escolha manual. Entorna-se o ralo ou peneira
numa superfície lisa – tabua, chapa de ferro ou laje de pedra -, onde os
diamantes “estrelam” na superfície do cascalho.
83
Abaixo na ilustração 21, o morador encena o processo de bateagem diante
visitantes.
Figura 21 - Encenação as margens do Rio Mucugê.
Fontes: Disponível em:
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.projetosempreviva.com.br/images/museu/marc
a_museuvivo.jpg&imgrefurl=http://www.projetosempreviva.com.br/museu.html&usg=__U3OiwGKhdp3
jwj9Q8OU2vjbygnc=&h=201&w=200&sz=12&hl=pt-BR&start=6&um=1&itbs=1&tbnid=iKB_sDa2PlP9M:&tbnh=104&tbnw=103&prev=/images%3Fq%3DMUSEU%2BVIVO%2BDO%2BGARIMPO%26um
%3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26tbs%3Disch:1 Acesso: 20/JAN/2010.
Segundo a Secretaria de Turismo do Município (2008), quando um visitante
chega a Mucugê, a ACVM sugere um roteiro que contemple, em primeiro lugar, a
visitação ao Museu Vivo do Garimpo e ao Projeto Sempre Viva, ora pela localização,
pois muitas trilhas possuem acesso a partir do Museu; ora pela necessidade de
sensibilizar o visitante por meio das palestras e exposição de documentários que
relatam os recursos naturais da região. Nesse sentido, a educação patrimonial e
ambiental faz-se presente por meio do Museu Vivo do Garimpo.
Considerando as ressalvas sobre a importância dos museus enquanto
espaços de lazer, mas não só de lazer, e também de memória e de pesquisa, e a
possibilidade de desmistificar a idéia dos museus apenas como guardiões do
passado, o Museu Vivo do Garimpo se enquadra nessa nova museologia, pois ele
vai além de um conjunto de artefatos envolvidos por concreto. A própria dinâmica de
como o acervo é exposto e o acesso do visitante a esses objetos já foge à
museologia tradicional, que dificilmente permite contato direto do visitante com o
objeto. Essa falta de interação talvez seja o principal motivo de os museus ainda
serem vistos como “lugar de coisas velhas”, que se perderam no tempo.
84
Manter viva essas edificações, sensibilizar o visitante para que haja de forma
responsável diante o patrimônio que o cerca e conservar a riqueza natural de
Mucugê são objetivos do Museu Vivo do Garimpo que, por meio de uma museologia
mais participativa, considera ser mais importante que o objeto museável, o homem,
seu principal idealizador. Assim, o museu é o espaço físico que abriga os objetos e
as atividades museológicas. Ele tem o papel de organizar e expor o acervo, além de
escrever uma função cultural e educativa para com a sociedade. Sendo lugar de
memória, colocarão em destaque os testemunhos da realidade apresentada e será
um cenário onde o fato museológico se evidencia.
3.2 A partir da rua direita, neoclássico e neogótico se encontram...
De acordo com o Inventário do IPAC (1997), a cidade está localizada em um
vale amplo e desenvolveu-se seguindo uma matriz em L, em cujas extremidades
estão situadas a igreja matriz de Santa Isabel e a Igreja de Santo Antônio, sendo
que uma das pernas do L é a Rua Direita do Comércio. A urbe teve, como área de
expansão, faixas de terrenos planos, imprensados entre o núcleo original e, as
cercas de pedra seca e escarpa, onde se localiza o Cemitério Bizantino. Próximo ao
cemitério fui construído novas residências e também prédios de serviços públicos
que não puderam ser instalados nos imóveis tombados.
85
Figura 22 – Vista aérea da cidade.
Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ. Disponível em:
< http://www.mucuge/teste.gov.br >. Acesso em 02/Nov/2008.
Seria então, a Rua Direita, o segundo núcleo de povoação de uma cidade
colonial, uma vez que elas costumam ter seus núcleos originais junto à igreja matriz.
Em Mucugê, o maior número de estabelecimentos comerciais do centro histórico se
encontra na Rua Direta e dentre estes existem comércios que estão no mesmo ramo
desde 1970 como, por exemplo, o restaurante de D. Nena, a Farmácia de D. Laura e
a venda do Sr. Carlos Machado.
Figura 23 - Vista da Rua Direita do Comércio.
Fonte: Foto da autora (2007).
A partir de dados obtidos junto ao Iphan (2001), Mucugê foi tombada como
patrimônio nacional em 1980 no livro arqueológico, etnográfico e paisagístico - LAEP
sendo que a área tombada refere-se a todo o perímetro urbano e ao Cemitério
Bizantino. Atualmente, o acervo arquitetônico do centro histórico de Mucugê é
constituído por aproximadamente 300 casas térreas e 10 sobrados edificados, na
maioria dos casos, em adobe ou pedra. “O casario, a época do povoamento, em sua
maioria era feito de pau-a-pique. As paredes com enchimento de torrões de barro
eram pouco rebocadas” (SALES, 1994 p. 48). Tais edificações marcam de meados
do século XVIII a final do século XIX e apresentam influências, ora do neoclássico,
ora do neogótico, que ali se difundiu muito cedo.
86
De acordo com Dias (2008) a arquitetura brasileira foi bastante influenciada
pela chegada da Família Real Portuguesa em 1808, e foi ela que trouxe de Portugal,
dentre outros estilos, o neogótico e o neoclássico.
Segundo Castro (1987, p. 213), no Brasil, o estilo neogótico:
Surgiu timidamente nas ogivas das janelas de algumas casas. Sendo
também aplicado em igrejas, tais como os telhados íngremes, pináculos e
torre axial única. Dentre as reduções formais do vocabulário da velha
arquitetura gótica impostas à construção residencial, apareciam as
platibandas ritmadas por merlões e ameias, além de vergas com tímpanos
contornados por arcos ogivais ou lobulados.
Vasconcellos (2002, p. 25), define a arquitetura neo-clássica
[...] pela clareza construtiva e pela simplicidade de formas. O esquema geral
das fachadas consistia em uma ordem monumental de pilastras sobre alto
entablamento e platibanda e coroada por frontão triangular. As pilastras
marcavam as linhas básicas da composição. O frontão triangular, pontudo
ou achatado, transformou-se num dos elementos mais característicos desta
época.
Este tipo de arquitetura pode ser observado tanto nas construções civis
quanto nas religiosas, apresentam características que seguem o modelo dos
templos greco-romanos ou das edificações do renascimento italiano.
Em Mucugê os dois estilos se encontram. Em contrapartida ao estilo mais
“rebuscado” do neogótico, a casa de porão alto, em estilo neo-clássico representa
uma transição entre os velhos sobrados e as casas térreas. Longe do comércio, nos
bairros de caráter residencial, a nova fórmula de implantação permitiria aproximar as
residências à rua.
A respeito das residências em Mucugê, Sales (1994, p. 49) acrescenta:
As casas, de um modo geral, de um só pavimento, apresentavam-se com
porta e até duas janelas, reunindo em um só cômodo, salas de visita e de
jantar, dois e três quartos e cozinha, onde normalmente as refeições eram
servidas. As casas dos mais abastados, dispondo de planta diferente,
ofereciam três e até quatro janelas de cada lado da porta, corredor a
distribuir entradas aos cômodos internos - amplos e ventilados, e com o
chamado “quartinho” ao fundo, funcionando como banheiro. À noite, os
vasos noturnos tinham a sua utilização. Algumas dessas casas, até tinham
alpendre com balanço de redes. Seus moradores, evidentemente que
gozavam de relativo conforto. Nos quintais, quase sempre extensos,
erguiam-se ao lado da horta, senzala, depósitos de lenha e de material,
galinheiro e chiqueiro de porcos.
87
Percebe-se então que o status social das residências dos mais abastados se
afirma, pelas dimensões e número de pisos das mesmas. A maioria destas
construções é de uso exclusivamente residencial, sendo que as residências mais
ricas possuem pisos assoalhados sobre porões altos e forros de tábuas ou lona,
janelas guarnecidas de treliças, vidros ou venezianas, e fachadas emolduradas por
cunhais e frisos decorados. Casas modestas têm piso de lajota de barro cozido ou
terra batida, janelas cegas e não possuem forros nem decoração.
Dentre estas edificações, um número pequeno era utilizado como comércio.
Provavelmente porque a principal atividade econômica do município acontecia fora
da área urbana. Os comércios que ali existiam em sua maioria vendiam produtos do
ramo alimentício, praticamente de subsistência.
Com relação às casas comerciais, Sales (1994, p. 64) afirma que:
[...] via-de-regra, mantinham comunicação com a residência do negociante,
quase sempre ao lado ou mesmo no fundo pelos comerciantes locais. À
tarde, quando o sol descambava para o poente, era comum o prosear de
figurões representativos da vila, quase sempre sentados a porta da
farmácia, da coletoria e de algumas lojas, ali permanecendo até o toque do
ângelus, quando despediam, dirigindo as respectivas casas.
É a mesma cidade de meados do século XIX, preservada em suas legítimas
afirmações culturais, mesmo não sendo tarefa fácil o cumprimento da ingente
atribuição de defender e preservar os bens culturais do país. O belo casario de
Mucugê permanece harmonioso e preservado. É uma característica marcante do
início da implantação de um dos mais belos instantes da história socioeconômica da
Bahia: a descoberta e povoamento das lavras diamantinas ou Chapada Diamantina
(SALES, 1994).
Percorrer as ruas de Mucugê e ter acesso à cultura do lugar, à um pouco de
sua história por meio da visitação às edificações e museus possibilita experiências
para o visitante que anseia por conhecimentos diferentes do seu cotidiano. As
marcas históricas deixadas nos casarões, nas ruas, nos hábitos dos moradores,
bem como as modificações sofridas na paisagem do lugar, sejam elas por meio da
extração do garimpo, ou da dinâmica da vida na cidade, são fortes indicativos de um
lugar especial que, além da paisagem cênica, traz nas entrelinhas aspectos de uma
88
cultura moldada pelos personagens que hoje tornam a memória presentificada a
partir das histórias contadas.
Através do conjunto arquitetônico do centro histórico de Mucugê, que ainda
conserva
características
artísticas
representativas
do
gosto
construtivo
predominante no século XIX, é construída uma forte ligação entre o passado e o
presente na cultura e história do município. Ao mesmo tempo, a atividade turística
local tem nesse conjunto um atrativo de destaque para o desenvolvimiento do
turismo cultural.
3.3 Vultos na história: o Cemitério Bizantino
Atualmente, é comum encontrar roteiros turísticos onde cemitérios são
atrativos. Isso se dá ora pelas mais variadas formas arquitetônicas, ora pela história
que esses espaços guardam, ou até mesmo pelo inerente ar de mistério.
A cidade dos mortos é o inverso da sociedade dos vivos, ou, mais
propriamente que o inverso, a sua imagem intemporal. É que os mortos
passaram o momento da mudança e os seus monumentos são os sinais
visíveis da perenidade da cidade. Assim, o cemitério reconquistou na cidade
um lugar, ao mesmo tempo físico e moral, que tinha perdido no início da
Idade Média, mas que tinha ocupado durante a Antiguidade. (ÁRIES, 1989
p. 43-54).
Ainda de acordo com Áries (1989), na Idade Média não havia o costume de
se preocupar com os mortos. Em verdade, pouco importava o local exato da sua
sepultura, que, na maior parte dos casos, não era indicada nem por um monumento,
nem mesmo por uma simples inscrição.
Já na segunda metade do século XVIII mudanças ocorreram; começaram os
sepultamentos nas igrejas. Isso ocorria quando se tratava de representantes da
própria igreja e de famílias importantes, que faziam doações à mesma. Entretanto, à
medida que o sepultamento nas igrejas tornou-se hábito, a acumulação de mortos
em seus adros ou pequenos pátios foi ficando intolerável.
Nesse momento, além da separação entre vivos e mortos, por meio do
surgimento dos cemitérios, percebe-se o crescimento de um comércio, onde se
comprava não só o espaço para o sepultamento, mas, com o tempo, os mais
variados tipos de mausoléus e de ornamentos.
89
Ribeiro (2005) esclarece que o afastamento dos cemitérios para o entorno
das cidades aconteceu no antigo regime e que essa mudança não foi proveniente de
legislação urbana, por conta do próprio crescimento das cidades, mas sim, das
interferências de médicos higienistas que atribuíam a estes o grande número de
doenças contagiosas que, por sua vez, comprometia a saúde pública. Nessa
perspectiva, aparecem, então, os cemitérios a céu aberto que se difundiram e
passaram a fazer parte da paisagem urbana do século XIX.
Rodrigues (1983, p. 130) comenta que, atrelado a essas mudanças,
Entre os séculos XV e XVII, a família passou a se apropriar do local da
inumação e a reunir os corpos dos parentes mortos em um só lugar. O
anonimato foi sendo substituído pelas inscrições sobre as lápides e pelas
imagens retratando a figura do morto. Era um processo de personalização
do defunto que seria reforçado no século XVII e que desembocaria em
importantes práticas contemporâneas.
Aos chamados campos-santos, nova função além da estritamente religiosa foi
atribuída: a de local privilegiado da perpetuação da memória individual e familiar
“imortalizada” em materiais nobres e duradouros como o bronze, o granito e o
mármore (RIBEIRO, 2005).
A importância do patrimônio construído, no caso, o Cemitério Bizantino de
Mucugê para o turismo, se dá não só pela bela arquitetura, mas principalmente
pelos nomes que fizeram a história do município e lá estão sepultados e eternizados.
O Cemitério Bizantino surgiu a partir de preocupações com a saúde pública.
Borges (2008) ressalta que o crescimento urbano descontrolado resultante do ciclo
diamantífero e tantos outros problemas sociais que eclodiram, dentre eles a
ocorrência da epidemia de Cólera Morbus, e conseqüentemente, grande
mortalidade, impulsionaram a construção do cemitério em 1855, pela prefeitura do
município.
Construído as margens da BA – 142, possivelmente sua arquitetura está em
conformidade com a religiosidade popular, e com ornatos facilmente reconhecidos
pelas famílias que marcaram o início do povoamento do município. Por conta da
referência sacra, proveniente do cemitério, é importante enfatizar que a iniciativa da
população local em encaminhar o processo de tombamento foi um avanço para a
cultura local, e por que não dizer, enquanto patrimônio nacional, uma vez que,
existem poucos cemitérios tombados no país.
Abaixo vista frontal do Cemitério Bizantino:
90
Figura 24 - Vista frontal do Cemitério Bizantino.
Fonte: Foto da autora (2010).
Como pode ser visto na figura (24) à distância, somente os jazigos instalados
sobre as pedras são visíveis, ficando a parte térrea sem possível identificação. Eles
são edificados de tijolos revestidos de reboco e caiados de branco, decorados com
elementos arquitetônicos clássicos e medievais, cognominados pela população local
como “bizantinos”. A origem dessa denominação é desconhecida, já que não se
pode afirmar que esta edificação tenha influência inteiramente bizantina, porém, é
assim que o cemitério consta no processo de tombamento do Iphan e a comunidade
o identifica (BORGES, 2008).
Abaixo, ilustrações que evidenciam a parte térrea do Cemitério Bizantino,
onde há predominância de covas rasas. Importante ressaltar que desde o período de
sua construção as covas rasas são destinadas a população menos favorecida. Não
há nenhum descendente de coronel, nenhum integrante de família “importante”
sepultada nessa área. O fato de a parte alta ser destinada apenas a elite
mucugeense é motivo de revolta para alguns moradores que não possuem
mausoléus na parte superior.
91
Figura 25 - Vista da parte baixa do cemitério.
Fonte: Foto da autora (2010).
Na segunda parte do cemitério (figura 25), os jazigos estão sobre o terreno
rochoso da encosta da Serra do Sincorá, alinhados horizontalmente, numerados
seqüencialmente, voltados para frente da BA-142. Dentro desta visualidade espacial
atípica e o impacto do branco entre o verde e cinza evidenciam-se as distinções
sociais daqueles que ali repousam em ambas as partes do cemitério.
A arquitetura da parte superior nos dá a entender que a parte inferior é o lugar
dos garimpeiros, “pessoas comuns” enquanto a parte superior dos coronéis
“pessoas importantes”. Pensamento com certeza equivocado, mas que marcou uma
época. Ao entrar no Cemitério Bizantino e se deparar com a disparidade
arquitetônica da construção, essa é sem dúvidas umas das primeiras leituras que o
visitante faz.
Na próxima ilustração, vista da rampa em pedra que possibilita o acesso a
parte alta do cemitério.
92
Figura 26 - Vista da rampa de acesso a parte alta.
Fonte: Foto da autora (2010).
Os jazigos são caiados de branco e possuem formatos variados: pirâmides,
miniaturas de casas em formas retangulares, quadrados, ovais. Alguns são tão
simples e pequenos que passam despercebidos diante dos grandes mausoléus,
principalmente os mausoléus das famílias de nome como Medrado, Pina e
Paraguaçu.
Já as covas rasas são identificadas apenas pelas cruzes de madeira, sem
qualquer acabamento, às vezes não é possível nem identificar o nome do indivíduo
sepultado. Todas estas sepulturas estão entremeadas por um tipo de vegetação
denominada de dracena, conhecida popularmente como “pau d’água”.
No cemitério, alguns hábitos religiosos perduram como o ritual da
Lamentação das Almas. A manifestação começa na quarta-feira de cinzas e termina
na sexta-feira da paixão, a meia-noite. Um grupo restrito de pessoas, mais
precisamente de dez participantes, sendo dois homens e oito mulheres saem, em
peregrinação pelas ruas batendo as matracas, com o corpo todo coberto de lençóis
brancos, deixando descoberto apenas o rosto.
Durante a peregrinação do grupo pelas ruas da cidade, a população
acompanha entoando os cânticos e segurando velas. No caso de Mucugê, a
manifestação inicia-se na porta da Igreja matriz de Santa Izabel e termina no
cemitério (SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ,
2008). Porém, somente o grupo entra no cemitério onde os cânticos continuam e as
93
orações para os mortos são realizadas. Os componentes do grupo circulam pelo
cemitério com a intenção de “abarcar” todos os mortos que ali se encontram. O ritual
inicia-se na parte baixa do cemitério, e posteriormente, o grupo segue para a parte
alta, onde se encontram os mausoléus.
A manifestação das Almas de Mucugê foi criada por Dona Nenzinha,
moradora da cidade em 1950. Essas seis décadas fazem desta a mais antiga
manifestação da Chapada Diamantina, uma vez que ocorre também em Lençóis e
Andaraí. A matriarca já não participa mais das rezas, mas deixou um legado cultural
imaterial para a cidade, uma vez que outras gerações não só participam das rezas
como reconhecem a importância desse patrimônio imaterial.
Ainda que não se tenha dados estatísticos sobre o fluxo de visitantes que
procuram pelo cemitério, o próprio relato dos condutores revela que o visitante que
pernoita em Mucugê, que tem a oportunidade de conhecer o centro histórico e saber
um pouco sobre os moradores dessas edificações e sobre a história do lugar, ao
chegar ao Cemitério Bizantino, tem também a curiosidade de conhecer os
mausoléus onde esses personagens estão sepultados.
Considerando a importância da família Medrado na história do município, e o
interesse por parte do visitante em saber onde os restos mortais de seus integrantes
estão sepultados, abaixo,
ilustrações dos mausoléus de Douca Medrado, sua
esposa Gertrudes e o filho do casal, Anatalino Medrado.
Figura 27 - Mausóleu de Douca Medrado
Fonte: Foto da autora (2010).
Figura 28 - Mausóleu de sua esposa Gertrudes
Fonte: Foto da autora (2010).
94
Figura 29 - Mausoléu de Anatalino Medrado, o filho de Doca Medrado “capturado” pela Coluna
Prestes.
Fonte: Foto da autora (2010).
É importante ressaltar que por se tratar de recursos turísticos, haja vista que a
prática de turismo em cemitérios é uma realidade, esses mausoléus encontram-se
carentes de reparo. O mau estado de conservação dificulta até o acesso a
informações importantes como ano de nascimento e morte dos sepultados.
Apesar de ser um dos atrativos mais procurados pelos visitantes, não existe
ainda infra-estrutura adequada. Falta um guia especializado que possa conduzir as
visitas, sinalização turística, talvez uma cartilha com informações sobre a
construção, sobre os elementos arquitetônicos. Ações relacionadas ao turismo que
possa melhorar o produto e satisfazer o visitante.
Porém é notório que apesar dessas limitações, trata-se de um espaço
secularizado em pleno funcionamento que, além de cumprir sua função maior, que é
a de abrigar os restos mortais da sociedade mucugeense, é também patrimônio
material possuidor de arquitetura que não segue o padrão estético e topográfico
implantado nos demais cemitérios do país. A diferença torna-se então um fator
determinante para o estímulo à visitação e para o incremento da atividade turística
do município.
95
4. CAPÍTULO IV: Procedimentos metodológicos
4.1 Caracterização da pesquisa
Compreender a opinião dos moradores de Mucugê e dos gestores públicos
quanto ao patrimônio arquitetônico e o uso desse recurso pelo turismo cultural
constituiu o fio condutor dessa pesquisa que foi realizada no município de Mucugê,
que se localiza na mesorregião do centro sul baiano e micro região de Seabra.
Todavia, esclarece-se que a investigação limitou-se ao perímetro urbano, mais
precisamente ao centro histórico da cidade.
Em primeiro momento, trata-se de um estudo de caráter exploratório, a fim de
buscar a elaboração de um suporte teórico que permitisse familiarização com o tema
e conceitos que viessem a subsidiar a realização do mesmo. Nesse sentido, foi
realizada
pesquisa
bibliográfica
em
livros,
artigos
científicos
e
revistas
especializadas (APOLLINÁRIO, 2006), complementada por pesquisa documental no
Arquivo Público Municipal de Mucugê (APMM) e em material publicitário sobre
turismo no município. A pesquisa documental para Gil (1994, p. 32) “refere-se ao
tratamento analítico de documentos conservados em arquivos públicos e instituições
privadas”.
Trata-se também de uma pesquisa de caráter descritivo. Segundo Sâmara e
Barros (1997), a pesquisa descritiva visa descrever certa realidade sem nela
interferir.
Quanto à natureza da pesquisa, pode ser definida como quali-quantitativa,
porém de predominância qualitativa. Apollinário (2006, p. 59), explica que “qualquer
pesquisa provavelmente possui elementos tanto quantitativos como qualitativos,
tendendo mais para um lado ou para o outro”.
4.2 Coleta e sistematização dos dados
Como o objetivo foi o de identificar a opinião dos atores sociais envolvidos na
atividade turística do município de Mucugê acerca do patrimônio arquitetônico da
96
área, ressalta-se que os sujeitos da pesquisa de campo são representados por dois
universos, sendo o primeiro os moradores líderes de opinião e o segundo, os
gestores públicos. Ao optar por esse tipo de amostra, era sabedor que poderia haver
coincidências e que entre os líderes de opinião poderiam estar empresários do ramo
turístico. Sem a intenção de uma amostra representada apenas por uma elite
intelectual e econômica, demonstra-se por meio do quadro abaixo como o conjunto
dos sujeitos da pesquisa foi representado. Neste contexto, identificou-se entre os
líderes de opinião, empresários do ramo turístico do município, moradores idosos
aposentados, representantes de ONGs, associações etc., um total de catorze
sujeitos.
Para determinar o conjunto de sujeitos foi utilizada amostra não-probabilística
intencional que, para Lakatos e Marconi, (2002 p. 52), “o pesquisador não se dirige,
portanto a “massa”, isto é, a elementos representativos da população em geral, mas
àqueles que, segundo seu entender, pela função desempenhada, cargo ocupado,
prestígio social, função de aconselhamento, exercem posição de líderes de opinião
na comunidade”.
Para maior compreensão sobre os sujeitos da pesquisa e a heterogeneidade
que compõem a amostra, foi elaborado quadro explicativo a fim de mostrar
informações relevantes no que se refere à idade, profissão e grau de escolaridade
dos envolvidos.
Quadro 02: composição dos sujeitos da pesquisa – líderes de opinião a partir
de dados extraídos das transcrições das entrevistas:
Nome do entrevistado
Idade
Grau
escolaridade
de Profissão
P. R. G.
65 anos
3º grau completo
Empresário
hoteleira local
E. R. Jr
33 anos
2º grau incompleto
A. L
40 anos
3º grau incompleto
A.P
68 anos
1º grau incompleto
Funcionário
do
Projeto
Sempre Viva
Empresário - Agência de
viagens
Aposentado
A. S. L. S
68 anos
E. R.
L. V
87 anos
81 anos
W. C
22 anos
Ensino
fundamental
completo
Analfabeto
Ensino
fundamental
completo
1º grau completo
da
rede
Aposentada
Aposentado
Comerciante
Condutor de visitante da
ACVM
97
J. M
A. R. L
36 anos
78 anos
E. S. C. A
V. G. da S.
60 anos.
3º grau completo
Ensino
fundamental
completo
2º grau completo
2º grau completo
F. L. P.
O. da S
67 anos
39 anos
2º grau completo
3º grau incompleto
Arqueólogo
Pedreiro
Aposentada
Funcionária
pública
Centro de Cultura.
Aposentado
Professor
–
Fonte: elaboração própria (2010).
É possível perceber a partir do quadro acima que os relatos extraídos na
pesquisa de campo apresentaram opiniões ora mais formatadas, ora mais
simplistas. Expressões resultantes de contextos sociais, econômicos e culturais
pelos quais estes sujeitos estão inseridos. Opiniões de jovens, idosos, empresários,
aposentados, indivíduos com alto grau de escolaridade, outros que não tiverem
acesso a educação formal. Relatos particulares e extremamente importantes
justamente pela diversidade e pela influência direta que esses sujeitos detêm sobre
a comunidade local.
No que se refere ao segundo universo, representado pela iniciativa pública
acredita-se que a mesma se limitou as três instâncias de poder: municipal, estadual
e federal, não havendo mais representações, principalmente, por se tratar de um
município onde a atividade turística ainda caminha em busca de consolidação.
Tentou-se realizar entrevistas com três sujeitos: Secretária Municipal de Turismo,
Secretaria Estadual de Turismo (Bahiatursa) e Iphan. Contudo, sobre o último
sujeito, é necessário registrar o insucesso no que se refere à pesquisa de campo.
Esclarece-se que até meados de 2009, o município de Mucugê pertencia ao
escritório de Lençóis. A partir de então, várias tentativas foram feitas a fim de
agendar uma entrevista com o então representante do órgão, Ricardo de Oliveira.
Sem sucesso, buscou-se na 7ª superintendência do órgão em Salvador, encontrar
um funcionário que pudesse responder pelo patrimônio arquitetônico de Mucugê.
Porém a secretaria do então presidente Leonardo Lins, informou que Mucugê já não
estava mais sobre a jurisdição de Lençóis, mas sim, de Rio de Contas, sob os
cuidados do arquiteto Mateus Almeida. Outros contatos foram feitos através da
secretaria do mesmo, mas nenhum com sucesso. Até meados do mês de fevereiro
ainda aguardava-se uma resposta, e depois de muitos e-mails e telefonemas
98
chegou-se a conclusão que não seria possível contar com qualquer contribuição
advinda do órgão.
Ainda no tocante ao levantamento de dados primários, foi adotado o seguinte
procedimento metodológico: a coleta dos dados primários foi executada por meio de
entrevistas semi-estruturadas. Segundo Matos e Vieira (2001), este instrumento
permite que o entrevistado fale sobre tópicos relacionados a um tema específico,
definido previamente pelo pesquisador, através de um roteiro que possua uma
seqüência lógica de pensamento, sendo, assim, compreensível ao entrevistado,
possibilitando a clareza nas respostas e a posterior análise dos dados.
Antes da realização das entrevistas foi feito um pré-teste através da
amostragem por conveniência (APPOLINÁRIO, 2006), para que se pudesse obter
maior confiança sobre a aplicabilidade do mesmo, verificando possíveis falhas no
roteiro, clareza das perguntas e o interesse dos respondentes pelos temas
abordados. Percebeu-se que algumas perguntas não estavam claras e outras
davam margem à dupla interpretação, dificultando assim as respostas e,
conseqüentemente, a possibilidade de atingir o objetivo do roteiro de entrevistas.
Nesse sentido, os roteiros foram reestruturados.
A pesquisa de campo ocorreu perfazendo então o total de 16 entrevistados,
que atenderam aos objetivos e às expectativas da pesquisa, sob uma abordagem
predominantemente qualitativa.
Consideraram-se as seguintes variáveis:
(1º) Compreensão do entrevistado sobre o conceito de patrimônio;
(2º) Importância do patrimônio arquitetônico da cidade;
(3º) Políticas de tombamento como medida de preservação;
(4º) Conhecimento sobre a história dessas edificações;
(5º) Importância do patrimônio arquitetônico enquanto recurso turístico;
(6º) Perspectiva sobre o fomento do turismo cultural
A coleta de dados ocorreu entre os meses de março e abril de 2009, sendo o
pré-teste dos instrumentos entre 07 e 08 de março e as entrevistas entre 18 a 21 de
abril nos turnos matutino (08h00min às 12h00min horas) e vespertino (14:00 às
18:00 horas). No que se referem às fotografias, as imagens foram coletadas em
janeiro de 2010, todavia, é importante esclarecer que optou-se por utilizar algumas
99
imagens decorrentes do trabalho monográfico de conclusão de curso realizado em
2007.
O corpus foi considerado satisfatório quando as opiniões relacionadas ao
patrimônio e ao turismo começaram a se tornar repetitivas. Os depoimentos foram
registrados em um gravador digital e transcritos de forma a não perder os detalhes,
pausas e inflexões de vozes.
Importante registrar que a etapa relacionada à transcrição das entrevistas foi
organizada
da
seguinte
forma:
primeiramente
optou-se
por
ouvir,
sem
necessariamente transcrever os relatos dos moradores. Depois, cada pergunta e
resposta foram ouvidas por duas vezes à medida que as pausas aconteciam para
transcrição. Cada transcrição foi realizada em uma média de três horas. O total das
14 entrevistas dos moradores foi transcrito em aproximadamente quinhentos e
quarenta e seis horas, ou seja, aproximadamente 18 dias. Já as transcrições da
iniciativa pública como se tratou apenas de dois sujeitos, foram realizadas em
setenta e oito horas, aproximadamente três dias.
Realizadas as transcrições, a análise desses dados se deu a partir de um
diálogo reflexivo com o arcabouço teórico. Fez-se o uso dos métodos descritivos,
que “procura descrever fenômenos ou estabelecer relações entre variáveis”
(DENCKER, 1998, p. 124), e explicativo, com a finalidade de “identificar os fatores
que determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos” (DENCKER,
1998, p. 125).
100
5. CAPÍTULO V: Resultados e discussões
Na pesquisa de campo a princípio tentou-se identificar a importância do
patrimônio arquitetônico de Mucugê enquanto recurso capaz de fomentar o turismo
cultural. Partindo desse pressuposto, tornou-se relevante também compreender a
opinião dos moradores sobre o patrimônio, se os mesmos sabiam o significado do
termo, e se de certa forma, o associavam aos bens culturais do município, mais
precisamente, ao patrimônio arquitetônico.
Dos catorze moradores entrevistados, apenas um afirmou não saber o
significado do termo patrimônio. Os demais entrevistados, ainda que não definissem
na íntegra, associavam patrimônio a bens, a pertence coletivo ou individual. “Algum
bem sendo apropriado por alguém. Algum bem tangível ou intangível. Costuma-se
citar os patrimônios culturais, sejam tangíveis ou intangíveis” comenta o morador e
empresário da rede hoteleira, P.R.G, 65 anos.
Para o morador, O. A. 39 anos, “patrimônio é tudo que tem valor para uma
comunidade, aquilo que de certa forma possui uma utilidade, tem uma ligação onde
você se identifica e se sente parte disso. Acho que é tudo que tem valor pra
alguém”.
Percebe-se então, através dos relatos desses moradores, que há uma
compreensão do que venha a ser ou não patrimônio, e mais ainda, que esses
moradores conseguem assinalar inclusive que há formas de patrimônio, ou seja,
conseguem apontar uma subdivisão entre o que é material e o que é imaterial. Essa
percepção, atrelada à concepção de patrimônio enquanto legado, é um passo
importante para a inserção de possíveis políticas de preservação, já que entre a
comunidade representada por esses líderes de opinião, há uma compreensão a
respeito do que seria ou não patrimônio.
Outros moradores mostraram não somente conhecimento acerca do termo,
mas também, sensibilidade no que se refere a salvaguardar, a fim de legar para
outras gerações.
E.S.C.A, professora aposentada, define patrimônio como “tudo aquilo que nós
conservamos e queremos deixar para alguém, para nossos descendentes”.
101
E.R.J. 33 anos, acrescenta:
Patrimônio é tudo que pertence ou foi gerado por um povo, a cultura, a
arquitetura, são os conhecimentos. Difícil uma palavra para definir
patrimônio... Acho que é tudo que um povo gerou e que cultuou. São as
ações e as experiências de um povo.
Os moradores líderes de opinião associam o conceito de patrimônio a
pertencimento, tal fato leva a crer que há uma relatividade quando se considera o
termo, afinal, o que vai decidir se um determinado bem é visto pela coletividade ou
pelo individual como patrimônio é justamente a relação de pertença, a importância, o
valor simbólico que esse artefato possui.
Essa relação simbólica é sem dúvida um ponto importante quando se pensa
em atividade turística e na possibilidade de fomento do turismo cultural. A
valorização desse patrimônio e cuidado para com este depende em grande parte da
importância atribuída pelos moradores do destino turístico. Nesse sentido, acreditase que ter identificado que há conhecimento por parte do morador de Mucugê com
relação a esse patrimônio, e que o mesmo reconhece a importância desses bens
culturais, torna-se um aspecto imprescindível para o desenvolvimento de qualquer
prática de turismo, principalmente o turismo cultural.
Quando foi questionado aos moradores sobre a importância do patrimônio
arquitetônico de Mucugê, houve uma associação direta com a identidade do lugar.
Os entrevistados associavam o patrimônio material do município, a memória, aos
fatos históricos que ali ocorreram, atribuindo uma importância significativa. “O
patrimônio arquitetônico de Mucugê é uma coisa muito importante porque preserva a
antiguidade e as coisas que foram feitas pelas pessoas que a gente não tem mais
junto com a gente” relata A.L, 68 anos, empresário da rede hoteleira.
Sobre a importância desse legado para a comunidade local, V. G. da S, 60
anos, questiona:
Quantos dariam pra ter isso aqui que nós temos? Isso aqui foi legado pelos
nossos antepassados, ricos e pobres, porque mesmo a classe baixa aqui
tinha suas casinhas, em vez de cerâmica, era pedra seca, e ninguém sabe
como eles construíram isso... Hoje pensam em construir mais um estilo
moderno e acho que deveria ser preservado, manter o estilo antigo.
Quando foi perguntado a outro morador, W. C, 22 anos, sobre a importância
do patrimônio arquitetônico do lugar, este acrescentou que o patrimônio
102
arquitetônico é muito importante porque identifica uma cultura. Porém chama a
atenção para a necessidade de medidas de preservação mais eficazes. “Precisa de
educação para o pessoal não depredar o patrimônio”.
Acredita-se que a educação citada pelo morador, ainda que o mesmo não
tenha sido tão enfático, trata-se da educação patrimonial, ferramenta importante no
processo de preservação de bens culturais. A mesma pode decorrer muitas vezes
em parcerias entre o poder público, desde órgãos locais, às esferas que
correspondem ao cuidado em âmbito nacional, bem como às ações isoladas e
iniciadas por professores do ensino formal, a fim de enfatizar a importância do
legado cultural de determinada comunidade.
Sobre educação patrimonial Horta et al, (1999, p. 06), a define como:
Um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado
no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento individual e
coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e
manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e
significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as crianças e
adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de
sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto desses bens,
e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num
processo contínuo de criação cultural.
As escolas podem e devem participar deste processo de apropriação, através
de visitas a museus, arquivos e bibliotecas públicas. No caso específico do
município de Mucugê existe uma carência nesse tipo de ações, mesmo a iniciativa
pública tendo conhecimento sobre a importância da sensibilização dos atores sociais
que estão envolvidos com a atividade turística.
Oriá (2005, p.2) acrescenta:
A educação patrimonial é uma proposta interdisciplinar, já que visa
questões referentes ao patrimônio cultural desde a inclusão, nos currículos
escolares de todos os níveis de ensino, de temáticas ou de conteúdos
programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do
patrimônio histórico, até a realização de cursos de aperfeiçoamento e
extensão para os educadores e a comunidade em geral, a fim de lhes
propiciar conhecimentos acerca do acervo cultural, de forma a habilitá-los, a
despertar nos educandos e na sociedade, o senso de preservação da
memória histórica e o conseqüente interesse pelo tema.
Quando tratamos de questões relacionadas a tombamento, percebemos que
a problemática que se instaura em Mucugê, não é diferente de outras cidades
históricas, como por exemplo, Ouro Preto. A maior parte dos moradores não ignora
103
que as revitalizações que ocorreram após a década de 1980, quando o centro
histórico foi tombado pelo Iphan, estas foram essenciais para a sobrevivência da
arquitetura do local, e conseqüentemente para revitalização urbana.
O caos e o abandono que a cidade se encontrava ao fim do ciclo
diamantífero, é lembrado pelos moradores, e nesse contexto o papel do Iphan foi
visto como uma alternativa capaz de reerguer inclusive a dinâmica social do
município. “Se não tivesse sido tombado não teria mais nada disso aqui”, alega W.
C, 22 anos. “A gente vê a diferença de Mucugê pra outros lugares que não têm esse
tombamento” diz O. A. 39 anos.
E. R. J, 33 anos, acrescenta que o papel do Iphan foi de suma importância
para preservação dessas edificações, mas, acha que pelo grau de exigência que o
órgão controlador impõe, deveria haver uma maior assistência ao patrimônio no que
se refere à restauração. Deveria realmente assessorar a população de como fazer,
como não fazer.
O que a população muito questiona é a ausência de interação entre o órgão
preservacionista, a comunidade e o poder público e privado, principalmente quando
o assunto são questões relacionadas às intervenções por conta da atividade
turística. Sobre a falta de aproximação e conseqüentemente de esclarecimento por
parte do órgão, o próprio morador O. A, 39 anos acrescenta:
Embora eu ache que às vezes esse tombamento é mal direcionado e que a
preservação mal dirigida causa impactos em si mesma porque perde a
credibilidade das pessoas. Eu acredito que se tivesse uma sensibilização
correta, uma educação correta pra exatamente o que é eu acho que a
cidade estaria bem mais preservada do que está. Mas há radicalismo por
parte de algumas pessoas que trabalham em determinados órgãos. Elas
impõem algumas coisas que muitas vezes não condiz com a questão da
preservação. Acho que isso afasta as pessoas do patrimônio, e por revolta,
por qualquer outro tipo de sentimento as pessoas acabam rejeitando,
resistindo à questão da preservação [...]. Em parte foi benéfico, mas
Mucugê seria muito mais preservada se tivesse tido um tipo de preservação
mais consciente, não só por parte dos moradores, mas também, por parte
do próprio órgão de fomento que às vezes não tem consciência. [...] Se em
Mucugê tivesse tido uma sensibilização do porque preservar, do porque
tombar o resultado teria sido melhor. Aqui simplesmente chegou um decreto
dizendo que estava tombado que a partir desse momento não se podia mais
nada. A população não entendia nada até porque existe o direito de
propriedade e as pessoas às vezes não preservam não é porque elas não
têm consciência, mas porque elas vêm isso como ameaça a esse
patrimônio, como se estivesse perdendo esse patrimônio. Então as pessoas
acabam às vezes resistindo como prova de que é proprietária e de que elas
têm esse direito sobre o patrimônio em questão.
104
Quando o morador fala que “há radicalismo por parte do órgão”, exemplifica
comentando a respeito da tentativa da gestão pública anterior em construir a réplica
de um sobrado onde funcionou o primeiro Banco do Brasil da cidade na Pça Coronel
Propércio. O qual segundo foi demolido por iniciativa dos moradores porque estava
prestes a cair e não havia posicionamento por parte do órgão. A proposta era
construir uma edificação dentro do padrão das demais, com recursos do município e
utilizá-la como uma espécie de “mercado de artesanato” para valorizar o trabalho
dos moradores da região. O órgão não consentiu a construção, o que gerou conflitos
com a gestão pública e com os próprios moradores, já que estes vislumbraram a
possibilidade de incremento na economia local. A área continua vazia e
esteticamente falando, poder-se-ia dizer que chega a destoar o ambiente.
Percebe - se que a problemática principal não está no reconhecimento da
importância do tombamento, isso é fato para a maioria dos moradores. No entanto, o
motivo de reprovação é com relação a algumas medidas tomadas pelo órgão e
vistas como impositivas e da pouca participação do governo diante isso. Relataram
também, a falta de comunicação entre o órgão e a comunidade, a ausência de
medidas voltadas para a educação patrimonial e questionaram muito a maneira
como algumas questões são impostas pelo órgão.
Alguns moradores que tem suas casas tombadas, não podendo assim fazer
nenhuma intervenção, afirmam que o órgão apenas mantém medidas impositivas,
sem nenhuma forma de diálogo a fim de explicá-los o porquê não é possível
modificações.
E. R, 87 anos, comenta a respeito:
[...] tem umas coisas que eu não concordo, como por exemplo, o Iphan. Ele
só quer proibir e não dar uma decisão pra que todo mundo fique satisfeito.
Eu acho que é importante preservar, inclusive essa casa, por exemplo, foi
feita de pedra e adobe e isso é segurança porque as casas de hoje são
todas falsificadas. Mas devemos preservar de acordo com o gosto do dono
e não contrariar. [...] as coisas devem ser dentro de um método de
conciliação entre o Iphan e dono da casa. Eu sou ignorante, não tenho
estudo como eu disse, sou leigo, mas tenho uma compreensão: se o Iphan
chega aqui e eu quero fazer uma pintura na minha casa e eu quero pintar
de amarelo e ele quer pintar de verde, então o Iphan tem que pintar com a
tinta dele... Se eu quem sou dono quero pintar de amarelo e o Iphan quer
pintar de verde, então ele que gaste o dinheiro dele, pinte com o dele. Outra
coisa que tem que eu não concordo, por exemplo, com alguns funcionários
que chegam e dizem que a gente não pode fazer nada, mas não tentam
entrar num acordo. O Iphan impediu muito, ele nem faz, nem obriga o dono
a fazer.
105
É comum encontrar esse tipo de polêmica em cidades tombadas. Geralmente
essa problemática é decorrente da falta de informação, da falta de aproximação
entre o Iphan e a comunidade. É inaceitável que o Iphan, órgão que há anos realiza
pesquisas e contribui para preservação do patrimônio cultural do país, que aponta a
educação patrimonial como principal ferramenta para preservação, não busque
alternativas para um “corpo a corpo” com os moradores proprietários desses bens,
não incentive palestras, oficinas, ações que mostrem qual a verdadeira função do
órgão e a importância dele em nível nacional.
Enquanto isso não acontecer, haverá sempre do outro lado, uma sensação de
apropriação, de perda, de impotência. Assim, foi percebida a relação entre o órgão e
os mucugeenses.
Quando perguntamos aos moradores por que o município conquistou o título
de Patrimônio Nacional pelo Iphan, a maior parte desses moradores associou tal fato
à importância da história do lugar, ao ciclo do diamante, ao poder dos coronéis e
acreditam que esses fatos importantes de certa forma estão materializados por meio
da arquitetura secular. “Eu acho que esse título é devido à história do passado”
afirma o aposentado F. L. P, 67 anos.
Em verdade, como já foi visto no capítulo II, por conta do ciclo diamantífero,
Mucugê e outros municípios da Chapada Diamantina contribuíram muito para o
processo
de
revolução
tecnológica
industrial
a
nível
mundial,
afinal,
a
comercialização do diamante não teve impacto somente no Brasil, houve uma
proporção mundial. Nesse sentido, “toda essa cultura produzida aqui na época
mostra essas riquezas, esses valores culturais, essas riquezas de detalhes, a
própria arquitetura da época... Eu acho que isso é singular, não tem outro”. (O. A. 39
anos),
P.R. G, 65 anos, acredita que o título de Patrimônio Nacional deva-se
“certamente porque há edificações interessantes de serem preservadas. E a
definição de patrimônio nacional é uma forma de preservar essas características
originais de cada construção”. Já para E. R, 87 anos, alguns bens materiais por
conta da arquitetura singular como, por exemplo, o Cemitério Bizantino, contribuíram
para que o título fosse dado ao município.
Para identificar as edificações mais interessantes para o turismo a partir do
que é significativo para os moradores líderes de opinião, foi solicitado que os
106
mesmos apontassem as edificações mais importantes, baseado em valores
estéticos, históricos e de afinidade.
É importante ressaltar que não foi estabelecido um limite de edificações. O
entrevistado teve a liberdade de apontar quantas edificações quisesse e na ordem
que julgasse significativo.
Para compreender quais as edificações eram mais importantes para os
moradores a partir do valor histórico, foi perguntado se o mesmo conhecia a história
de alguma das edificações do centro histórico, como por exemplo: proprietário, tipo
de construção, quando foi construída. A partir do momento que o morador relatava
os fatos históricos como o coronelismo, escravidão e o garimpo começava a
associá-los as edificações.
E. R. J, 33 anos, diz:
A prefeitura municipal e onde hoje é o museu e o Centro de Cultura... Na
verdade, aqueles dois principais prédios ali foram dois irmãos que
construíram um comendador e o outro sargento mor. A igreja matriz
começou a ser construída em 1850, por escravos, uma obra que ficou um
pouco inacabada em função do declínio naquela época da principal
atividade econômica, o diamante. O próprio Cemitério Bizantino tem uma
história muito rica, foi construído em 1855 e sofreu a influência gótica e
bizantina na minha visão daquela arquitetura, mas, existem várias versões
pra aquilo ali, neogótico, neoclássico...
Fato é que há uma história não oficial que é propagada por gerações, e como
os registros históricos são escassos, foi difícil captar informações mais precisas.
Nesse sentido há uma lacuna quando o assunto é a arquitetura do lugar, o que foi
percebido é que o que se sabe está relacionado à história de alguns proprietários
dessas edificações. Datas não são afirmadas com precisão, tampouco há
conhecimento do porque dos dois estilos que prevalecem no centro histórico serem
o neogótico e o neoclássico.
Em parte dos relatos sobre a história desses imóveis há associação aos
coronéis enquanto proprietários, o que foi confirmado em análises de inventários no
Arquivo Público Municipal. Porém, questões como datas e dados sobre a presença
de escravos na construção dessas edificações são informações que em sua maioria
ainda estão sem respaldo científico.
A tabela (04) mostra as edificações mais mencionadas na pesquisa de campo
a partir do valor histórico atribuído pelos moradores líderes de opinião:
107
Tabela 04 - Edificações mais apontadas na pesquisa a partir do valor histórico
Edificações
Indicações
1. Igreja Matriz de Santa Isabel
2. Igreja de Santo Antônio
3. Prédio do Centro de Cultura
4. Prédio da Prefeitura Municipal
5. Casa de D. Laçimi
6. Sobrado da Profª Elice Azevedo
7. Casa térrea da prof. Elice Azevedo
11
11
11
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11
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10
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10
10
10
9
9
9
9
9
9
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8
8
8
8
8
8
8
7
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7
7
7
7
7
6
6
6
6
6
6
6
5
5
5
5
5
5
5
4
4
4
4
4
4
4
3
3
3
3
3
3
3
2
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
0
0
0
0
0
0
0
8. Cabaré do Fecha Nunca – Cabaré do Joinha
9. Casa de Sr. Fugêncio
10. Cemitério Bizantino
11. Chalé da família Medrado
12. Pousada Mucugê
13. Pousada Jardim da Estalagem
14. Casa de Sr. Tarso
15. Sobrado do Sr. Carlos Machado
16. Pousada Casa da Roça
17. Restaurante Sabor e arte
11
11
11
11
11
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11
11
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10
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9
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8
8
8
8
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8
8
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7
7
7
7
7
7
7
7
7
6
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6
6
6
6
6
6
6
6
5
5
5
5
5
5
5
5
5
5
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Dados da pesquisa de campo realizada no centro histórico de Mucugê em 2009.
Fonte: elaboração própria (2010).
As edificações acima foram apontadas pelos moradores como de maior
importância na ordem em que se encontram expostas, justificadas ao lado pelo
número de indicações. Todas as edificações estão relacionadas diretamente a
algum acontecimento histórico que os moradores acreditam ter sido relevante e se
faz presente em suas memórias. Por exemplo, o prédio da prefeitura foi apontado
em primeiro lugar por ter pertencido ao coronel Reginaldo Landulfo Medrado, o
primeiro cidadão mucugeense nomeado coronel e por ter funcionando como casa de
câmara e cadeia. A Igreja de Santa Isabel por ter sido o primeiro prédio religioso da
cidade construído por mão de obra escrava.
As edificações que foram apontadas apenas uma vez, também estão
associadas a algum acontecimento histórico como as últimas: sobrado do Sr. Carlos
Machado (primeiro comércio da cidade); pousada Casa da Roça (pertenceu a
primeira família de imigrantes portugueses que chegou a cidade); Restaurante Sabor
e arte (casa de grande latifundiário possuidor de escravos, há relatos que havia uma
senzala aos fundos da residência); Chalé da família Medrado (por deter até hoje o
poder político do município).
108
Para identificar as edificações mais importantes a partir do valor turístico, foi
questionado ao entrevistado se tivesse a oportunidade de sugerir uma visita, ou
conduzir um visitante em um passeio pela cidade, quais as edificações este gostaria
de mostrar. À medida que os moradores citavam as edificações, justificavam o
porquê.
As associações entre a história da edificação e o valor estético foram bastante
enfatizadas. Para os moradores, o interessante para o turismo são os imóveis tidos
como belos e agregados de um contexto histórico relevante. Quando o primeiro
aspecto não era evidenciado, os mesmos afirmavam que a escolha do imóvel
poderia ser justificada “apenas” pelo contexto histórico. Nenhuma edificação foi
apontada na pesquisa somente pelo valor estético.
A. P. 68 anos, recomendaria aos visitantes:
Cento de cultura, igreja de Santa Isabel, igreja de Santo Antônio, a casa
onde hoje é a Comida Caseira. Aquela casa é muito importante na história
de Mucugê e na minha também porque aquela casa era de Maria Fulor, era
uma senhora de cabedal como se chamava de beira, pessoas ricas que
tinham escravos. Ela morreu e os bens dela foram pro leilão e meu avô tava
construindo casa pra morar, pra fazer loja, e ai ele arrebatou todos os bens
dela, os garimpos, as terras e aquela casa era a casa onde ele morava...
Era uma casa com 16 cômodos, uma casa muito grande, então já tinha na
casa a moradia para uma família muito grande e loja comercial. Então essa
casa é muito importante... Eu sairia na rua, levaria os visitantes pra ver as
casas e contava as histórias... Aqui morou fulano de tal que era tal coisa...
Que tinha tal coisa... A pessoa que tem história a casa é importante pra ser
visitada.
A. S. l. S, 68 anos, não menciona sua edificação, mas afirma:
Veio uma pessoa aqui outro dia que queria conhecer a casa de Doca
Medrado ai eu pedi licença a dona da casa fui lá e mostrei, ... Ah ele viveu
aqui? Ela teve a curiosidade de querer ir lá e saber onde o coronel viveu...
Dentro da cidade... Mas o museu, né? Também o projeto Sempre Viva que
faz parte daqui também, e o cemitério, esses três.
O morador A.L, 40 anos, afirma que conduziria o visitante desde a igreja de
Santa Izabel a casa do Sr. Pedro de Xodrea, casa antiga dos Jesuítas que hoje é a
residência do ex-prefeito da cidade, Sr. Fugêncio Landulfo. Também mostraria o
cabaré do Joinha (ou Cabaré do Fecha Nunca), que é na Rua do Caetité, a casa de
D. Elice, o próprio chalé do prefeito atual e a casa de D. Lacimi, porque ela é filha de
um dos maiores maestros do país, Júlio César. “Ele fez partitura que hoje é
109
conhecida no mundo todo e inclusive as filhas dele tem nome de música, na casa
dela tem um piano doado por D. Pedro II, eu acho interessante”.
Abaixo as edificações que os moradores acreditam possuir valor turístico.
Percebeu-se que as respostas muitas vezes estavam fundamentadas também nas
experiências já vividas por esses moradores com os visitantes que passaram por
Mucugê.
Tabela 05 - Edificações mais apontadas na pesquisa a partir do valor turístico.
Edificações
Indicações
1. Igreja Matriz de Santa Isabel
2. Igreja de Santo Antônio
3. Prédio do Centro de Cultura
4. Prédio da Prefeitura Municipal
5. Casa de D. Laçimi
6. Sobrado da Profª Elice Azevedo
7. Casa térrea da prof. Elice Azevedo
10
10
10
10
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10
10
9
9
9
9
9
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4
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4
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3
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3
3
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2
2
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1
1
1
1
1
1
1
0
0
0
0
0
0
0
8. Cabaré do Fecha Nunca – Cabaré do Joinha
9. Casa de Sr. Fugêncio
10. Cemitério Bizantino
11. Chalé da família Medrado
12. Pousada Mucugê
13. Pousada Jardim da Estalagem
14. Casa de Sr. Tarso
15. Sobrado do Sr. Carlos Machado
16. Pousada Casa da Roça
17. Restaurante Sabor e arte
10
10
10
10
10
10
10
10
10
10
9
9
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7
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6
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6
6
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4
4
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3
3
3
3
3
3
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3
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2
2
2
2
2
2
2
2
2
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1
1
1
1
1
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1
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0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Dados da pesquisa de campo realizada no centro histórico de Mucugê em 2009.
Fonte: elaboração própria (2010).
Interessante que as duas últimas edificações da tabela não apresentaram
nenhuma indicação. Supõe-se que seja em decorrência no caso do Restaurante
Sabor e Arte, dos conflitos ocorridos entre a proprietária da edificação e a
comunidade uma vez que a edificação foi totalmente modificada e perdeu elementos
que perduraram até este século. Apesar de ter sido apontada na tabela anterior
como de grande valor histórico, acredita-se que os moradores a despeito de se
recordarem de fatos importantes sabem que as transformações que ocorram podem
limitar o uso do imóvel pelo turismo.
Após apontar as edificações de valor histórico e turístico fez necessário
compreender a opinião dos moradores em relação às edificações que de fato estão
conservadas ao ponto de receber visitantes. Nesse sentido, foi solicitado aos
110
moradores que dentro das edificações apontadas na tabela anterior como
interessantes para o turismo, os mesmo ressaltassem apenas os prédios que se
encontram em bom estado de conservação.
Tabela 06 - Edificações apontadas na pesquisa a partir do estado de conservação.
Edificações
Indicações
1. Igreja Matriz de Santa Isabel
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
2. Igreja de Santo Antônio
3. Prédio do Centro de Cultura
4. Prédio da Prefeitura Municipal
5. Casa de D. Laçimi
6. Sobrado da Profª Elice Azevedo
7. Casa térrea da prof. Elice Azevedo
10
10
10
10
10
10
9
9
9
9
9
9
8
8
8
8
8
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7
7
7
7
7
7
6
6
6
6
6
6
5
5
5
5
5
5
4
4
4
4
4
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3
3
3
3
3
3
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2
2
2
2
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1
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0
0
0
0
0
8. Cabaré do Fecha Nunca – Cabaré do Joinha
9. Casa de Sr. Fugêncio
10. Cemitério Bizantino
11. Chalé da família Medrado
12. Pousada Mucugê
13. Pousada Jardim da Estalagem
14. Casa de Sr. Tarso
15. Sobrado do Sr. Carlos Machado
16. Pousada Casa da Roça
17. Restaurante Sabor e arte
10
10
10
10
10
10
10
10
10
10
9
9
9
9
9
9
9
9
9
9
8
8
8
8
8
8
8
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8
8
7
7
7
7
7
7
7
7
7
7
6
6
6
6
6
6
6
6
6
6
5
5
5
5
5
5
5
5
5
5
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
2
2
2
2
2
2
2
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2
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1
1
1
1
1
1
1
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0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Dados da pesquisa de campo realizada no centro histórico de Mucugê em 2009.
Fonte: elaboração própria (2010).
A opinião do morador no que tange a conservação desses imóveis nos leva a
crer que os prédios públicos são os mais bem preservados. Alguns prédios que
tiveram apenas uma indicação, como por exemplo, o sobrado da Profª Elice
Azevedo, acredita-se que pelo fato do mesmo estar passando por uma reforma, é
visto ainda como inadequado para visitação. Na mesma condição encontra-se o
sobrado do Sr Carlos Machado. Novamente a edificação onde funciona o
Restaurante Sabor e Arte não é apontada. É possível que a não indicação tenha
ocorrido justamente pelo morador associar as mudanças que ocorreram com
ausência de conservação.
Nos relatos de F. L. P. 67 anos, o mesmo vê como negativa as construções
novas que surgiram próximo as edificações tombadas, destoando assim à área. O
morador acrescenta: “na década de 60 nós tivemos conhecimento de que as
pessoas vendiam as casas e o material das casas. Portas, madeira, telhas, até que
111
o poder público tomou conhecimento na época e aí veio o tombamento e foi
impedido que assim continuasse”.
Já J. M, 36 anos, afirma que as mudanças são visíveis, porém alega que para
apontar como positivas ou negativas, é necessário analisar cada edificação de
maneira isolada.
As mudanças ocorridas no atual prédio da prefeitura, eu achei que
descaracterizou... Você entra ali e não tem noção de que ali já foi uma casa
de câmara e cadeia. Agora, por exemplo, onde é o centro de cultura, que
antes era uma escola de meninos, você percebe que se conservaram as
características de um prédio público. Nas residências, pouco se mudou,
aquelas que se conservam nas mãos dos herdeiros, pouco mesmo e eles
sofrem muito com isso, quando cai chuva forte com raios, as intempéries da
natureza deixam os proprietários assombrados afinal, são casas
centenárias e você não sabe até quando vão agüentar. As intempéries, a
crise do diamante, o abandono de algumas dessas casas as transformaram
em ruínas, ruínas de grande valor cultural, que poderia ser utilizada pelo
turismo. (J. M, 36 anos)
Ao traçarmos um paralelo entre as tabelas (05) e (06), os dados nos mostram
principalmente que não existe uma equivalência entre valores. O que é interessante
para o turismo pela estética ou pelo valor histórico, necessariamente não pode ser
utilizado pela atividade em decorrência do estado de conservação. Seja este pelas
limitações físicas e ausência de restauro, seja pelas edificações que foram ou estão
sendo modificadas ao ponto de não serem vistas pelos moradores como imóveis
conservados para receber o visitante
Ainda sobre essas mudanças que ocorreram e muitas vezes ainda ocorrem
no patrimônio arquitetônico da cidade, com liberação do próprio Iphan, a percepção
dos moradores as definem em alguns casos como inevitáveis e em outros como
abusivas e desrespeitosas.
E. R. J. 33 anos comenta que:
Houve mudanças. Não tem como não haver porque passou por
restauração, e por mais minuciosa que seja, acaba perdendo alguma coisa,
mas houve também muita preocupação em manter o mais original possível,
mas algumas edificações térreas realmente, elas têm mudanças grandes e
bruscas lá no centro histórico. Pra mim são mudanças negativas porque
acredito que o conjunto teria que ser homogêneo e o mais original possível.
Tem por exemplo, casas que estão com recuo, casas que estão com grade
na fachada, casas que estão com revestimento de pedra que não existiam,
alguns problemas desse tipo.
O.A., 39 anos, contrário, percebe as modificações ocorridas ao longo do
tempo como positivas:
112
Muitas. Como positivas porque é impossível você preservar, principalmente
a arquitetura, preservar o que foi destruído, Mucugê passou por um período
de decadência muito grande, era impossível você restaurar sem
mudanças... Se você olhar para fotos de 1980, vai ver que era só ruínas. O
que eu acho é hoje há mudanças que nem no passado eram permitidas, e
por isso eu acho que o Iphan está totalmente equivocado. Não justifica em
determinado tempo quando foi tombando, por exemplo, o prédio da casa de
Ceçi que estava ameaçando cair e causar acidente, e pela demolição
pessoas responderam judicialmente, foram intimadas pela policia federal.
Hoje a gente ver coisa muito mais gritante com a permissão dos órgãos.
Hoje o patrimônio está sendo degradado com a autorização do próprio
órgão
Mesmo certa de que nenhuma edificação é a mesma com o passar do tempo,
até porque valores são acrescidos, outros perdidos, o próprio contexto social e o
espaço geográfico em que o imóvel está inserido contribuem para mudanças
subjetivas ou não. O objetivo era tentar entender o que os moradores compreendiam
por mudanças e o grau de impacto negativo ou não que pudessem acometer essas
edificações.
Com relação aos atrativos turísticos da cidade, ao questionar especificamente
sobre o Cemitério Bizantino, o objetivo era compreender se os moradores percebem
a necessidade de melhorias no que se refere principalmente à infra-estrutura, até
porque considerando a ausência de planejamento para o turismo cultural não é
possível conceber os recursos turísticos de Mucugê enquanto atrativos turísticos. Há
uma diferença latente entre os termos. Só é possível considerar um dado recurso
turístico enquanto atrativo se o mesmo possuir infra-estrutura adequada. Nesse
sentido, todo o patrimônio arquitetônico de Mucugê deve ser nomeado apenas como
recurso turístico.
E. R. J, 33 anos, diz que o cemitério está subutilizado; “não enxergo dinheiro
acima de tudo, mas eu acredito na sustentabilidade. Acredito que o cemitério deveria
ter uma equipe profissional ali cobrando uma taxa de manutenção”. O morador
afirma que a receita advinda dessa cobrança poderia ser revestida em melhorias
para o recurso, bem como para qualificação profissional, para que assim, os
condutores de visitantes pudessem levar informações relevantes sobre a construção
como, por exemplo, por quem foi feito, que tipo de arquitetura é aquela, porque um
cemitério naquele local. Acrescenta ainda que seria mais uma forma de gerar e
distribuir emprego na região, tendo como mão-de-obra pessoas qualificadas.
113
Com relação ao tombamento realizado pelo Iphan, e consequentemente
proibição para construção de novos mausoléus, o morador E. R de 87 anos
questiona:
Desde criança conheço aquele cemitério daquele jeito, mas achei pior
depois desse tombamento porque não pode mais construir carneira na parte
de cima e olha que tem lugar lá pra quatro carneiras de urnas. Depois do
Iphan não pode mais construir... É o cartão postal de Mucugê. Ele é muito
bem visitado, sempre eu passo lá tem carro, gente tirando fotos, então o
cemitério pra mim é um dos pontos mais visitados de Mucugê. Mas será que
o turista ia achar ruim ver outras urnas construídas lá? Se eu não tenho
urna lá, não posso construir... Isso não é certo não.
Entende-se a postura do Iphan, porém faz-se importante refletir sobre a
citação acima já que o cemitério além de seu uso funcional é tido como artefato
cultural.
E. R, 87 anos, ex-garimpeiro, comenta o privilégio das famílias abastardas
que ali se encontram. Deixar de construir mausoléus implica em uma medida de
proteção para o Iphan, todavia, moradores como o Sr. E.R. alega que algumas
famílias são sepultadas em detrimento de uma maioria que acaba sendo enterrada
nas covas rasas. Para o morador que participou ativamente da história do município
enquanto garimpeiro, essa limitação é constrangedora e o faz refletir sobre seu
sentimento real enquanto cidadão mucugeense.
Por um lado, o mesmo possui um imóvel tombado e não tem condições de
mantê-lo e realizar intervenções dentro do padrão do Iphan, e de outro por não se
tratar de um coronel e não fazer parte de uma elite, não possui lugar para
sepultamento entre os tão admirados mausoléus.
Sem a intenção de aprofundar discussões sobre essa questão crítica, mas
ferrenha, deve ser considerada em relação à perspectiva de não mais permitir
sepultamentos no cemitério a partir da construção de outro.
Há projeto para construção de outro cemitério, visto que a população vem
crescendo, o que é normal. Porém, o que se questiona é a interdição do Cemitério
Bizantino e conseqüentemente a limitação do mesmo ao turismo: espetáculo para
turista ver?
Acredita-se que tal ato seria o mesmo que tentar “frear” a cultura dessa
comunidade, tanto para os moradores que já possuem seus jazidos, bem como para
aqueles que vão ao cemitério para realização da Lamentação das Almas. Limitá-lo à
visitação seria em um primeiro momento privilegiar o visitante em detrimento do
114
morador. Além disso, o que se deve pensar, é que o visitante que busca por turismo
cultural espera por experiências reais, sem maquiagem, e saber que aquele
cemitério possui uma dinâmica, faz parte da história, da cultura do lugar desde sua
fundação é importantíssimo para o visitante que busca por turismo cultural.
O ideal seria que o funcional e a atividade turística coexistissem. Para os
moradores, o direito de uso da maneira que fosse significativa aos mesmos e para
os visitantes, melhora na infra-estrutura turística.
O. A, 39 anos, enfatiza:
Com relação ao cemitério, ele além de ser um bem material ele traz consigo
aspectos imateriais. O fato se sepultar ali é patrimônio imaterial, só há esse
cemitério em Mucugê e eu não sou a favor de que se construa outro, que se
rompa com a continuidade da cultura de se sepultar ali como já se faz a
mais de 160 anos. Há espaço na parte inferior e sem ir contra a lei de
patrimônio que é justamente não causar um choque do novo com antigo,
isso poderia ser feito. O que foi construído a 160 anos retrata uma época e
o que esta sendo construído hoje retrata outra. Nesse ponto de vista, e essa
é minha critica com relação ao órgão, sou contra o congelamento, o
cemitério não vai suportar 100 anos de crescimento, ele precisa ser
ampliado, e isso pode ser feito respeitando o que se foi feito. Não se pode
interromper a história, interromper o processo de sepultamento. É querer
podar essa cultura imaterial. Assim estaríamos preservando o cemitério em
si, a arquitetura que é maravilhosa e o aspecto imaterial do cemitério.
Preservaríamos as duas coisas. É difícil conseguir essa junção, mas isso é
uma forma de quebrar paradigmas. Antes se enterrava nas igrejas, aqui era
assim... Isso determinou a construção do cemitério, era tradição enterrar
nas igrejas.
Sobre a possibilidade de transformar de fato esse recurso em atrativo
turístico, W. C, 22 anos, ressalta:
Eu acho que o cemitério ainda cabe uma proteção melhor e pessoas
capacitadas para fazer o serviço ali. Precisa de uma reforma, porque, por
exemplo, todo ano a prefeitura pinta de cal os mausoléus, e aí há 10 anos,
têm ficado uma camada grossa que está modificando o original, porque eles
não raspam a tinta anterior. Falta sinalização, placas informando sobre a
história do cemitério...
J. M, 36 anos, salienta que “a iluminação cênica é interessante, mas falta um
guia lá dentro que saiba comentar e apresentar aquele equipamento”. O arqueólogo
acrescenta que há material arqueológico no cemitério. O mesmo refere-se ao hábito
de um morador já falecido que por problemas mentais durante muitos anos chegou a
levar vidro e louças, para o local. “A memória local diz que um menino que tinha
doença mental se cortou, e tudo que ele via que poderia cortá-lo de novo, ele levava
115
pro cemitério”. Para o antropólogo seria necessário guias para passar informações
relevantes, bem como alguém que pudesse fiscalizar em prol da preservação.
“Ontem mesmo tinha dois ônibus estacionados em frente ao cemitério, isso quer
dizer aproximadamente 80 pessoas lá dentro, isso não envolve capacidade de
carga?”
O cemitério precisa acima de qualquer coisa, passar por um processo de
restauração, restauração e ampliação porque na parte de baixo que tem o
muro pode ser feito outros mausoléus, não impacta tanto de modo a
diminuir mais o uso dos mausoléus da parte superior. Usar uma tinta
específica para que não precise pintar todo ano com cal como é feito. Lá
poderia ter guias que possam passar informações ou pelo menos um
preposto da prefeitura que pudesse cuidar, porque fica aberto o dia inteiro.
Eu sempre questionei isso porque é um patrimônio muito valioso pra ser
deixado totalmente desguarnecido. A qualquer momento alguém até com
problema mental pode chegar lá e destruir tudo e não ter mais jeito. Outra
coisa é ter uma visita realmente dirigida pra orientar mais o visitante. (O. A,
39 anos).
Percebe-se então que os entrevistados são sensíveis a necessidade de
intervenções em prol de melhorias turísticas, mas também questionam os benefícios
diretos que podem chegar à comunidade, principalmente em se tratando de um bem
de grande apreço para os mesmos.
Quando o assunto é ausência de um serviço especializado de profissionais
capacitados para conduzir um city tour pelo centro histórico, as informações são
contraditórias. A maioria dos moradores afirma a não existência de um serviço
específico, organizado. Afirmam que os condutores de visitantes não estão aptos
para tal função. Sabem pouco da história do lugar, não possuem informações acerca
de arquitetura e história da arte, bem como possuem limitações no vocabulário, não
somente por dificuldades decorrentes do baixo grau de escolaridade, como ao
conhecimento básico de outros idiomas. Até desenvolver habilidades para
valorização das relações interpessoais seria fator a ser trabalhado com esses
condutores.
E.R, 33 anos, afirma que a ACVM tem buscado essa qualificação profissional
para satisfazer essa necessidade do visitante que busca o turismo cultural. Porém
percebe-se que não há planejamento. Na prática, não há um roteiro turístico que
enfoque o patrimônio material, bem como não foi mapeado as necessidades desses
condutores e não há nenhum projeto com intuito de disponibilizar recurso para essa
capacitação.
116
O. A, 39 anos, comenta com relação à falta de qualificação dos condutores de
visitantes:
A questão de se trabalhar com cultura e mais precisamente arquitetura,
exige um conhecimento muito apurado e não serão os guias da ACVM que
talvez façam isso. Pode até serem guias da ACVM, mas no dia que esses
guias tiverem com nível de escolaridade maior. Pra se trabalhar com isso
requer que a pessoa tenha uma especialização em história ou em
museologia, uma pessoa voltada pra essas áreas, de um conhecimento
maior. Eles não fazem porque tem dificuldade... Imagina você enquadrar
num contexto histórico, artístico, arquitetônico, a nível nacional e mundial,
num contexto geral da arte. É preciso conhecer de história da arte, é porque
eles se sentem inseguros. Falta capacitação. Embora eu ainda atue como
guia, fui secretário de turismo, mas não dá pra gente aprender tudo... É
dificuldade mesmo que eles têm de aprender isso. Outra coisa também é
que é preciso um trabalho em nível local, estadual, nacional, no sentido de
vender a história como atrativo, porque aqui ainda não há um trabalho
nesse sentido, o que se vende ainda é o patrimônio natural. Até em nível
nacional, por exemplo, vende-se no pelourinho a capoeira, mas vende-se a
arte de fazer capoeira, pouco se fala na Bahia da história da capoeira...
Assim ocorre aqui, pouco se fala da história do diamante, dessas
edificações.
Sobre o potencial do destino turístico em relação ao desenvolvimento do
turismo cultural os moradores dizem perceber certa curiosidade por parte dos
visitantes, ainda que a grande maioria deles procure o destino turístico por conta do
patrimônio natural.
Claro, com certeza. E acho que é isso que mais o atrai... Apesar de Mucugê
ter 52% do Parque Nacional da Chapada Diamantina, é o conjunto
arquitetônico que atrai no sentido de valorizar a estada do visitante. Se uma
pessoa for optar em ficar em Mucugê e outra cidade que não é tombada,
que não tem um conjunto arquitetônico tão rico e preservado na hora de
escolher ela vai optar por Mucugê, não tenho duvida disso. Isso é implícito,
essa preferência que tem não é tão explicita. Só que a partir do momento
que as pessoas entram na cidade e interagem com o conjunto elas já está
sentido isso, é que às vezes você precisa de um trabalho direcionando que
valorize isso, por exemplo, informações mais específicas pra falar das
casas, quando foram construída, quem morou e hoje não há isso. Aqui não
tem nenhuma residência que morou alguém conhecido a nível nacional,
talvez por isso o interesse do visitante não seja tão latente. Mas quando
houver informações mais detalhadas sobre o tipo de arquitetura, isso vai
valorizar o patrimônio. Nem o Iphan nunca divulgou isso, eles dizem que o
estilo é o neo-gótico, neoclássico, mas não disponibilizam essas
informações de forma mais segura. Não foi feito nenhum estudo do
patrimônio, já solicitamos várias vezes o livro do tombado mais o Iphan
nunca disponibilizou... (O.A, 39 anos).
117
E.S.C. A, adiciona: “eles perguntam sempre. Querem saber quem morava nas
casas... Não sei por que não tem um roteiro, não sei se é porque o secretario de
turismo não tem assim certo interesse em divulgar... Não sei”.
F. L. P, 67 anos proprietário de um dos sobrados da cidade afirma que:
Mucugê chama muito atenção dos visitantes, eles dizem gostar muito do
estilo da cidade, das construções antigas, da maneira como ela foi
edificada, embora tenham pouca coisa do que era antigamente mais o que
tem ainda chama muita atenção do visitante. Quanto aos roteiros, talvez por
ser pequena, são poucas as casas que podem ser abertas a visitação. E
também não teve ainda alguém que tivesse essa iniciativa, mas se isso
acontecesse seria bom. Agora, precisava também saber mais sobre a
história dessas casas porque cada uma deve ter uma historia mesmo
sabendo que todas elas são da época do diamante, mas tem que ter uma
história diferenciada da outra e nós perdemos isso, talvez ainda possa
resgatar em algumas, mas nem todas vão saber a origem dessas casas. É
o meu caso, sei pouco sobre a história da minha casa até porque não
pertenceu a vida toda a minha família.
Quando questionados sobre a perspectiva de contribuição por parte do
turismo cultural em relação à preservação desses imóveis, os moradores se
mostraram otimistas, porém bastante realistas ao considerar a necessidade do
efeito multiplicador tão comentado na atividade em atingir de fato a comunidade.
A gente, o dono do casarão, o dono do prédio para que ele possa desejar
cuidar. Ele tem que ganhar alguma coisa com isso... Não posso forçar...
Olha dona Maria a senhora tem que cuidar da sua casa porque eu to
fazendo city tour aqui e se ela tiver bonitinha eu vou agradar o turista. Mas
aí ela cuida da casa e não ganha nada... Ela não vai estar incentivada a
fazer isso. Se eu conseguir uma forma de fazer com que ela ganhe algo em
troca aí nós iremos conseguir ter uma cidade muito mais bem cuidada, mais
preservada e mais preparada para receber o visitante. (E.R, 33 anos).
F. L. P, 67 anos também chama atenção para a possibilidade de resistência
por parte de alguns moradores em abrir suas casas para serem visitadas. Mesmo
assim ele afirma que se a gestão pública atuasse em busca desse propósito por
meio da sensibilização com certeza o resultado seria positivo.
E. R, 33 anos, alega que outro fator importante deve ser considerado quando
se fala na falta em investimento no turismo cultural: “a questão das políticas públicas
[...] Ela está voltada apenas para o patrimônio natural porque é isso que inicialmente
atrai o visitante pra Mucugê”. Para o morador, o que propiciou o desenvolvimento
turístico de Mucugê foi o patrimônio natural e não o cultural. “No cultural não se
118
mantém o dinheiro e isso faz com que não se invista. Já tentamos fazer algo com a
cultura, como o Museu Vivo do Garimpo, mas não com o patrimônio arquitetônico”.
A falta de estímulo por parte da prefeitura e da própria ACVM, são fatores
determinantes. O mesmo esforço que é empreendido na capacitação profissional
desses condutores para as atividades relacionadas ao turismo na natureza, deveria
voltar-se para os bens imateriais, até porque o próprio trade reconhece a
importância dos bens culturais enquanto recurso complementar.
O turismo cultural pelo que eu entendo, tanto poderia trazer alguma coisa
para o nosso enriquecimento, como também poderia ser algo que eles
conhecessem aqui e levassem para outros centros. O turismo cultural
poderia vir com mais conhecimento, mais conscientização, aqui precisa
muito. Precisava ter mais familiarização, entrosamento, diálogo, mais
conversa. Agora isso não é coisa que se faça em curto prazo, deve ser
preparado desde a criança na escola até a idade adulta para que ele cresça
com uma nova consciência da situação. Cada visitante que chega e diz que
aqui é bonito, é lindo, vocês devem preservar, isso vai fortalecendo o nosso
raciocínio de que devemos conservar. Isso estimula mais e faz mudar o
nosso raciocínio. (F.L. P, 60 anos)
Fato é que, quando ocorre qualquer tipo de iniciativa em se tratando de
conduzir o visitante por um passeio ao centro histórico, não há infra-estrutura
adequada para tal. Não se tem buscado objetos que venham agregar valor a essas
visitas como, por exemplo, a venda de souvenires que remetam a esses bens
materiais. A falta de incremento, a ausência de um roteiro organizado, tudo isso gera
falta de estímulo e até mesmo descrença entre os condutores em conceberem o
patrimônio como mais uma alternativa econômica.
5.1 A iniciativa pública
Após a coleta de dados com os líderes de opinião, buscaram-se os
representantes do poder público. Ao entrevistar o então representante da Secretaria
de Turismo e Cultura do município, o arquiteto Sr A. M. S, tentou-se identificar não
somente sua opinião sobre a potencialidade do recurso turístico tratado na pesquisa,
como também compreender se havia ações consolidadas ou projetos que
contribuíssem para o fomento da atividade turística.
Importante ressaltar que, quando retornamos para fotografar as edificações,
em janeiro de 2010, o Sr A.M.S já não se encontrava no cargo, e não havia ninguém
119
que pudesse responder pela Secretaria de Turismo. Na verdade, houve mudanças
questionáveis no período entre a coleta de dados da pesquisa e a coleta das
imagens.
A princípio, a Secretaria de Turismo e a Secretaria de Meio ambiente eram
uma só, as duas instâncias atuavam juntas. Em 2008, com a mudança de gestão,
ocorreu uma fusão entre a Secretaria de Turismo e a Secretaria de Cultura. Por
motivos de divergências políticas, segundo relatam os moradores, o então secretário
Sr. A. M. S teria abandonado o cargo em 2009. Desde então o órgão não possui
representante.
Sobre a lacuna junto à prefeitura de um representante da Secretaria de
Turismo, foi possível perceber que os moradores demonstraram indignação e
questionaram bastante tanto a ausência de uma representação voltada para
atividade turística como mudanças ocorridas após a última gestão, como por
exemplo, o site oficial da prefeitura, que antes se apresentava bem informativo e
ilustrativo, com informações relevantes para o turismo e para o visitante do que
agora.
Porém por se tratar da entrevista conseguida pelo então secretário o único
documento representativo do órgão e também de um documento que de certa forma
retrata a realizada de um determinado período político-administrativo do lugar, julgase necessário aqui enfatizar.
Segundo o Sr A.M.S, o então Secretário de Turismo, no que se refere a
importância do patrimônio arquitetônico de Mucugê:
Há uma singularidade impressionante. Tem quem o compare ao pelourinho,
a Rio de Contas, mas se você se ativer a detalhes você vai verificar que tem
peculiaridades que são específicas aqui na cidade. Então é uma arquitetura
colonial clássica oitocentista que tem detalhes interessantíssimos que levam
exatamente a história do lugar. Embora lutas de coronéis e a intervenção da
Coluna Prestes tenham ocorridos em várias cidades da Bahia, aqui você
encontra vestígios de tudo que foi feito em se tratando de arquitetura pra
dar proteção. Você tem passagens subterrâneas, paredes que são
verdadeiras trincheiras, mirantes etc. Bem singular.
Ao pedir que apontasse quais as edificações seriam interessantes para o
turismo, para um possível city tour, o entrevistado afirmou que todo o conjunto
arquitetônico possui potencial, porém, enfatizou:
Eu acho que todo o conjunto arquitetônico. O cemitério Bizantino tem sua
história especifica, está mais afastado e precisa de cuidados especiais. Há
120
um projeto com vistas a restaurar o cemitério, há iniciativas a fim de
solucionar o problema da cal, que depois de camadas sucessivas vem
descaracterizando a fase, a superfície dos mausoléus e está removendo as
características originais. Cada prédio desses tem sua história específica,
cada edificação tem um legado. As casas térreas possuem detalhes que
marcam um período de bom gosto em imóveis em contraste com o hoje, o
centro histórico mostra um requinte.
.
Ainda com relação ao cemitério afirma que é um atrativo muito mal
aproveitado, pois é carente de ações referentes a paisagismo, a iluminação, ao
trabalho de guias que possam esclarecer todas as curiosidades do visitante. Relatou
ainda sobre a necessidade de cartilhas explicativas que fale do tipo de arquitetura
presente nos mausoléus, dos elementos arquitetônicos que a compõem, período de
construção, informações que venham agregar valor ao produto em questão.
Afirma também, como já havia sido apontado por alguns moradores sobre a
necessidade de cobrança de taxas, para que se possa garantir a manutenção. Ainda
sobre infra-estrutura turística, esclarece a necessidade de um estacionamento, uma
vez que o próprio visitante acaba ficando sem proteção, já que logo no acesso ao
cemitério encontra-se uma rodovia estadual e os automóveis geralmente circulam
em alta velocidade.
Com relação ao papel do Iphan, desde o tombamento, A.M.S, acrescenta:
Se a gente der uma olhada na cidade a gente percebe que se perderam
alguns imóveis importantes antes do tombamento. E mesmo depois do
tombamento ainda sofremos com dificuldades em preservação, ainda não
há uma linha de crédito para recuperação... Estamos esperando algo do
Monumenta. Não adianta recuperar um prédio e deixar os outros. Agora
mesmo estamos com três edificações precisando urgentemente de
reformas.
Interessante é identificar com precisão o que se limita a discurso político e o
que realmente é possível ser realizado. Percebeu-se não necessariamente por falta
de empenho do então secretário, que na prática, as ações para melhoria do turismo
ficam embargadas principalmente por conta da falta de articulação do próprio trade.
Tem-se a sensação de que não há uma comunhão, um único propósito: a melhoria
da atividade turística. O setor de hotelaria caminha sozinho, assim como o de
alimentos e bebidas, cada empresário do ramo turístico caminha em busca de seus
próprios interesses.
Com relação ao fomento do turismo cultural, A.M.S considera que o turismo
não pode se dissociar da cultura e que a população e o trade em algum momento,
121
vão se atentar para a importância do melhor uso dos recursos do município. “O que
a iniciativa pública quer com certeza é a permanência do visitante na cidade, mas
pra isso temos que ter produtos para oferecer, bens materiais e imateriais, serviços
para ofertar”.
Com a relação à noção de pertencimento dos moradores para com o
patrimônio arquitetônico da cidade, A.M.S sinaliza para a necessidade de um
trabalho educativo desenvolvido pela secretaria para sensibilizar os moradores da
importância desse patrimônio e de esclarecimento de outros bens como por
exemplo, tudo que se refere ao patrimônio imaterial do município.
Sobre a criação de um roteiro turístico voltado para a questão patrimonial, A.
M. S. afirma que essa iniciativa deveria ser subsidiada por uma campanha ostensiva
de marketing, uma vez que o divulgado não é a cidade histórica, não são aspectos
culturais, ou a cultura mucugeense, mas sim, as atrações naturais, sendo elas então
o grande motivo da demanda pelo turismo na região.
Para A.M.S, um roteiro voltado para o turismo cultural a curto prazo, pode
aumentar a permanência, e somente a logo prazo pode ser um dos ou talvez, o
principal motivo de deslocamento do turista, a principal motivação da viagem.
“Assim como o turismo cultural é uma grande fonte de renda em muitas cidades que
são visitadas em função da sua história, isso é possível em Mucugê, mas precisa de
um trabalho específico para que isso ocorra”.
No entanto, não concebemos a possibilidade do turismo cultural vir a ser o
principal motivo de deslocamento dos visitantes que buscam por Mucugê. Vários
fatores contribuem para a perspectiva do turismo cultural enquanto atividade
complementar como, por exemplo: número bem menor de recursos em se
comparando aos reconhecidos para o turismo em áreas naturais; nem todos os bens
imóveis se encontram disponíveis para visitação, seja por condições físicas, ou por
restrições dos próprios proprietários, e ainda, o próprio apelo ecológico que a
Chapada Diamantina por si só possui.
No que se refere ao segundo representante entrevistado da iniciativa pública,
no caso, o funcionário da Empresa Baiana de Turismo - Bahiatursa, a responsável
pelas respostas foi a Sr. L. A., representante do departamento de marketing da
Chapada Diamantina.
Questionou-se a funcionária como a instituição percebe as políticas de
planejamento e gestão no destino Mucugê.
122
Veja bem, desde a gestão anterior da prefeitura, a gente percebe um
empenho maior em busca da consolidação do destino. Porém, por ser o
turismo ainda a terceira atividade do município, ainda não há um esforço
conjunto. Percebem-se iniciativas muitas vezes isoladas, ora do poder
público, ora da iniciativa privada, mas há percepção clara da importância do
turismo, a comunidade sabe que a atividade é importante. Entre os pontos
positivos podemos citar a presença do município em eventos que provem os
destinos como o Salão do Turismo, o município também acompanha o
programa de regionalização do ministério do turismo, participa da câmara
do turismo, do conselho do pólo, do Prodetur, enfim, as ações ainda são
pequenas, mas Mucugê caminha numa pesquisa de planejamento e gestão
eficazes (L. A, Representante da Bahiatursa).
Sobre a demanda turística por Mucugê, L. A. acredita que ainda é pequena se
comparada com demais destinos do Estado e que essa demanda é intra-estadual
Para a funcionária da Bahiatursa, para que Mucugê atraia um número maior de
visitantes decorrentes de outros estados é necessário marketing e promoção por
parte da iniciativa pública. “A Chapada é conhecida (até internacionalmente), mas os
municípios não. Muitas pessoas ainda confundem Mucugê com Lençóis, e sozinhos,
os municípios não conseguem sobressair”.
Afirma ainda que Mucugê poderia ser um destino indutor de desenvolvimento
para as regiões de proximidade como, por exemplo, Ibicoara, isso contribuiria para
investimentos indiretos em marketing. Outro fator importante enfatizado pela
entrevistada é a perspectiva de eventos como estímulo para visitação e como saída
para aumentar o fluxo, e conseqüentemente difundir o município. Nesse sentido,
eventos relacionados à aventura e natureza por conta do cenário propício, seriam
possibilidades reais para a cidade.
Mucugê precisa mostrar a cara, o município chegou a ser incluído dentro
do programa de turismo do ministério como destino internacional, mas ainda
é pouco. Outro evento importante é o São João porque gera demanda.
Porém, depende de um esforço de empresários locais, e muitas vezes
esses empresários, buscam retorno imediato, e no turismo pouco acontece
de forma tão rápida, e quando ocorre, não é duradouro, principalmente se
pensarmos a necessidade da melhoria de infra-estrutura. Então a gente se
pergunta: só o estado tem obrigação de divulgar? Vejo os empresários de
Mucugê como uma classe acomodada que deveria investir firme em
promoção. (L. A. responsável pelo departamento de marketing da
Bahiatursa - Chapada Diamantina).
Com relação à possibilidade de desenvolvimento do turismo cultural no
município, L.A afirma que há muitos empecilhos de ordem política. Segundo esta, a
Bahiatursa chegou a implementar um programa intitulado Estrada Real, que
123
objetivava fomentar o turismo cultural em áreas dos estados da Bahia, Minas, Rio de
Janeiro e São Paulo. Foi investido em capacitação para mão-de-obra pelo governo
do Estado visando levar turistas às trilhas por onde passaram comitivas em busca
de ouro e diamantes. Todavia, não houve uma continuidade, o governo atual não
tem até o momento demonstrado interesse na continuidade do programa.
Há pouca veemência por parte do poder público em explorar essa questão,
até porque a natureza vende-se mais rápido.
Recurso há. A história do lugar é muito interessante, existe grande potencial
tanto material como imaterial: as igrejas; o boqueirão (local onde a Coluna
Prestes foi cercada e derrotada), as manifestações folclóricas, o próprio
cemitério, agora, precisa de um trabalho que destaque o conjunto
arquitetônico, enquanto isso não acontecer só o cemitério terá destaque. (L.
A. responsável pelo departamento de marketing da Bahiatursa - Chapada
Diamantina).
Quando questionamos sobre o patrimônio arquitetônico de Mucugê e
possibilidades de uso, L.A citou como recurso consolidado o cemitério e afirmou
ainda que os roteiros de agências de viagem que vendem Mucugê, como por
exemplo, as agências de Lençóis, por mais que mostre o conjunto arquitetônico, o
enfoque é sempre maior para o cemitério.
Para L. A um roteiro voltado para visitação às edificações antigas da cidade e
para o cemitério bizantino, poderia contribuir para aumento do tempo de
permanência do visitante. Atividades voltadas nesse sentido como um city tour
durante a noite, um programa cultural voltado para terceira idade, isso tudo poderia
agregar valor e assim o turismo cultural poderia colaborar para o crescimento do
turismo como um todo através da geração de renda. Crescimento na demanda,
acredita-se que somente a partir de algo muito bem planejado e em longo prazo.
Quando se questionou por que as campanhas publicitárias do órgão, ao
comercializarem a Chapada Diamantina, dão pouca ênfase ao legado cultural, L.A
justificou:
Questão mercadológica, questões relacionadas a políticas públicas. Quem
vende patrimônio cultural? Creio que isso é um papel das operadoras, as
agências vendem, a Bahiatursa promove. A empresa não vende, ela apenas
promove... Veja o caso de Porto Seguro, as agências e as operadoras que
vendem o destino trabalham nesse sentido, valorizando os aspectos
culturais do lugar. Na Chapada, em Lençóis mais precisamente, as 19
agências de Lençóis, divulgam o patrimônio cultural da Chapada? E a
124
ACVM e a Prefeitura de Mucugê, elas vendem o patrimônio arquitetônico da
cidade?
Com relação à possibilidade do turismo cultural contribuir para a preservação
do patrimônio arquitetônico da cidade, L.A diz: “sim, é claro que é possível. Mas para
isso a segmentação precisa estar consolidada porque é comum conservar-se mais o
que se consome”. Como exemplo, a representante da Bahiatursa cita a própria
pousada Mucugê e afirma que depois da função atribuída ao espaço, ficou mais
interessante conservar a edificação. O próprio consumo do produto patrimônio teria
estimulado o cuidado, afinal, dificilmente temos interesse em preservar o que é
intocável.
Em suma, o que se percebe é que o poder público entrevistado reconhece o
destino turístico como de grande potencial, porém no caso da Secretaria de Turismo,
a mesma parece ficar presa ao empirismo. Planejamento estratégico é um recurso
praticamente desconhecido, outro fator que dificulta a consolidação do destino é
ausência de profissionais capacitados a frente de cargos diretamente ligados ao
turismo. Os representantes do município desejam ter um produto competitivo a
Lençóis, mas na prática não conseguem programar medidas eficientes que venham
a alcançar tal meta.
Já a Bahiatursa, como cuida apenas da promoção turística do destino Bahia
como um todo, alega “divulgar” aquilo que é ao órgão transmitido por meio das
Secretarias de Turismo e das Agências de viagem.
Fica claro mais uma vez que a consolidação do município de Mucugê
enquanto destino turístico depende diretamente do trade local; dos pequenos e
médios empresários, bem como da comunidade, subsidiados por políticas públicas
decorrentes da Secretaria de Turismo juntamente com o poder estadual. Enquanto
isso não ocorrer, a Chapada Diamantina continuará sendo representada e/ou
compreendida apenas enquanto Lençóis e os recursos difundidos se limitarão aos
naturais. Perda de potencial, de possibilidades de incremento na econômica local,
de geração de emprego e renda.
125
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se que os objetivos tenham sido alcançados. As entrevistas
corroboram
que
o
patrimônio
arquitetônico
de
Mucugê
possui
grande
representatividade para os moradores do município, bem como para a iniciativa
pública abordada pela pesquisa.
Trata-se de um legado cultural arraigado de valor histórico e estético.
Ferramenta importantíssima que pode viabilizar o fomento do turismo cultural.
Todavia, diante das barreiras expostas, do limiar entre recurso e atrativo, verifica-se
que Mucugê necessita de maior atenção no que tange à oferta de seus recursos
turístico-culturais, ainda que essa oferta tenha sido apontada em pesquisa anterior
como de grande interesse por parte do visitante que procura por Mucugê.
Percebeu-se que apesar das pesquisas sobre o perfil dos turistas
representarem um importante indicador da realidade do mercado, no caso particular
de Mucugê, ainda é incipiente o interesse por parte dos atores envolvidos no turismo
em utilizar-se delas para orientar as estratégias objetivando o desenvolvimento do
turismo cultural local e, conseqüentemente, o desenvolvimento do município como
um todo.
Com relação à necessidade de se indicar alternativas para estrutura de
gestão e publicidade para patrimônio cultural de Mucugê, as primeiras ações a
serem implementadas devem passar por um trabalho de sensibilização sobre a
importância da história de Mucugê e da preservação do patrimônio local, junto às
instituições de ensino público e privado, das associações comunitárias, dos órgãos
públicos e entidades privadas que trabalham com patrimônio, turismo e cultura.
É fundamental que a gestão do patrimônio cultural esteja ancorada em
padrões de qualidade que visem não só atender as necessidades dos visitantes,
mas também contribuir para sensibilização social dos visitantes e visitados. Cabem
então, medidas sócio-educativas a começar nas escolas.
Por mais que a pesquisa tenha apontado valorização patrimonial por parte
dos moradores, é notório que os mesmos não sabem o que fazer e como fazer
quando o assunto é preservação. Ainda não é claro que a elucidação popular é o
maior recurso quando se fala em preservação, tão pouco o quanto é necessário que
a mesma seja perpetuada para gerações futuras.
126
Longe de fazer qualquer tipo de analogia entre as atividades econômicas
turismo e garimpo, o que seria, no mínimo, injusto, se considerando a proporção
diferenciada em se tratando de impacto econômico que as atividades ocasionaram,
pode-se afirmar que ambas encontram-se na apropriação de um mesmo espaço,
porém, hoje, possuidor de outro valor.
Durante séculos a atividade do garimpo foi a mola propulsora do município
quando o turismo ainda se apresentava tímido e representava uma fatia ainda
pequena na geração de renda, principalmente para os moradores, que não estão
diretamente envolvidos com a atividade.
A inserção da população no processo do acontecer turístico ainda precisa
caminhar muito, principalmente no que diz respeito a sua participação. Constatou-se
que a maioria dos entrevistados ainda está à margem do processo turístico,
principalmente os moradores que nasceram no município. A fatia ainda é
insignificante frente ao potencial conjeturado no lugar. Os efeitos positivos
provocados pelo turismo, como emprego e renda, ainda não são para muitos, o que
preocupa quem está de fora.
Diante das análises realizadas, espera-se que o trade turístico, o poder
público e os moradores de Mucugê, percebam a relevância da valorização do
patrimônio cultural, a necessidade de pesquisas específicas sobre o patrimônio
arquitetônico
aqui
explicitado,
dinamizando
técnicas
de
interpretação
que
possibilitem a melhoria dos recursos existentes no local. Espera-se então que
futuramente essa pesquisa possa contribuir como referencial para inserção do
turismo cultural no município, pois o turismo como alavanca para o desenvolvimento
socioeconômico constitui numa grande alternativa.
127
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132
8 - APÊNDICE A – Edificações mais apontadas na pesquisa de campo.
Figura 30 - Prefeitura Municipal
Localização: Pça Coronel Douca Medrado nº 59
Fonte: Foto da autora (2009)
A figura (30) ilustra a Prefeitura Municipal de Mucugê. No que se refere à data
de construção dessa edificação, não há registro oficial, todavia acredita-se que suas
características tipológicas são do final do século XIX. Funciona como prédio público
desde 1994. Pertenceu a Reginaldo Landulfo Medrado, o primeiro coronel de
Mucugê. Também há relatos do prédio ter funcionando como casa de câmara e
cadeia.
O sobrado é desenvolvido em dois pavimentos mais um mirante5, sendo que
no térreo, como nos demais casarões da cidade funcionavam o comércio, e nos
outros pavimentos se distribuía a residência da família em questão. Do lado direito
há uma entrada que conduz ao pátio, onde se encontram dependências de serviço.
O corpo principal da casa, assim como o mirante, que são de planta regular
possuem cobertura em quatro águas.
De acordo com inventário do Ipac (1997) na fachada principal o beiral termina
sobre cornija de madeira sendo que nos demais casos apóiam-se sobre
5
Construção sobre a cobertura da edificação em que as paredes circundantes evidenciam-se
caracterizando um volume destacado. Nas antigas construções, em geral de menor porte, é também
chamado camarinha.
133
cachorrada6. No frontispício existem seis portas no térreo e igual número de janelas
no andar superior, cujas folhas externas são do período recente. Apresentam-se
ainda, ao nível do mirante, três janelas com esquadrias em guilhotina, sendo uma
folha em caixilharia e outra em treliça.
Todos os vãos têm vergas retas e cercadura em madeira. Os tabuados do
primeiro andar e do mirante são originais, enquanto o piso do térreo, em lajota de
barro, foi parcialmente substituído. Em geral, para não pesar sobre a estrutura dos
pavimentos inferiores, os mirantes, na região em estudo, são de pau-a-pique7·.
Figura 31 - Centro de Cultura
Localização: Praça Coronel Propércio
Fonte: Foto da autora (2009).
Quanto à figura (31), esta edificação também pertenceu à família Medrado.
Na parte posterior do sobrado existe um apêndice de serviços com dois pisos, cuja
cobertura ruiu em 1978. A fachada principal emoldurada por cunhais8 e cornija é
vazada no térreo, por sete portas, e no pavimento superior, por sete janelas
rasgadas, com guarda-corpos entalados, em serralheiro, que substituem antigas
escadas. Todos os vãos são encimados por arcos plenos. O único forro existente no
6
8
Peça de pedra ou madeira em balanço apoiada no frechal para sustentar o beiral do telhado. Muitas
vezes fica aparente no beiral, sendo então freqüentemente recortado, constituindo também em
elemento decorativo.
7
Genericamente, qualquer sistema construtivo que utilize gradeados de varas de madeira
organizados em sebe, preenchidos em barro. As varras de madeira são chamadas de piques. O
mesmo que taipa-de-mão. Dessa técnica resultam paredes leves, com cerca de 15 cm de espessura,
pois as paredes de pau-a-pique não recebem, nem também transmitem esforços. Foi o sistema
construtivo mais usado no Brasil colonial.
Faixas verticais salientes nas extremidades de paredes ou muros externos do edifício. Em geral
abrange da base ao coroamento da construção.
134
edifício é novo e localiza-se no salão de frente do pavimento térreo. O piso em
lajotas de barro e lajões de pedra foi parcialmente substituído.
O acesso ao segundo pavimento, desenvolvido em uma das extremidades da
fachada principal é freqüente em Mucugê e pode ser observado em outros sobrados.
A segunda escada de serviços, embora posterior, denota a estratificação social
dentro de casa. Estes elementos só são encontrados em sobrados maiores e mais
requintados. O período da construção é de aproximadamente metade do século XIX.
Ressalta-se que quando a pesquisa de campo foi realizada, funcionava nesse
prédio o Centro de Cultura, o Arquivo Público Municipal, a Biblioteca da cidade, a
ACVM, e o Museu de acervo permanente, todavia, houve mudanças. Atualmente no
andar térreo, funciona um restaurante e no primeiro andar a Secretaria de Educação
e apenas a Biblioteca Municipal. O museu, bem como o arquivo, foram transferidos
para parte de baixo, já na lateral da edificação. Em um dos cômodos funciona a
Central de Atendimento ao Turista - CAT, sendo a ACVM transferida para um posto
de informações turísticas.
Figura 32 - Acervo permante do museu.
Fonte: Foto da autora (2010).
Figura 33 - Arquivo Público Municipal.
Fonte: Foto da autora (2010).
O Acervo permanente do museu, é composto de louça, fainça chinesa,
instrumentos utilizados na época do gampiro, fotos e pertece dos antigos coronéis,
como roupas e objetos residenciais. Quanto ao arquivo, acredita-se que o acervo é
pequeno, poucos documentos conseguiram sobreviver ao tempo. O estado de
conservação é bom, porém, em se tratando de um município de tamanho valor
histórico, pouco há em registros. Percebeu-se a ausência de documentos
relacionados ao cemitério, no que tange ao comércio dos mausoléus pela elite local,
135
bem como a documentação sobre os sepultamentos, já que esses dados não
constam no arquivo público, mas sim, junto a secretaria de sáude que, por sinal, não
tivemos acesso.
Figura 34 - Sobrado D. Elice.
Localização: Praça Coronel Propércio
Fonte: Foto da autora (2010)
Sobrado que pertence à família da professora Elice Rocha. Atualmente
encontra-se fechado, pois está sendo reformado pelo Banco Espírito Santo, onde irá
funcionar como sede do Instituto do Café. Segundo a proprietária, esse sobrado
pertence a sua família há 35 anos. Trata-se de uma edificação do século XVIII, onde
a fachada está totalmente preservada, todavia, acredita-se que houve intervenções
na parte interior.
Ainda de acordo ao Ipac (1997) o edifício possui plantas em forma de “L”, e é
desenvolvido em dois pisos mais um mirante. No auge do século XVIII, o térreo tinha
utilização comercial, enquanto os pavimentos superiores, residencial. O corpo
principal e mirante são recobertos por telhados em duas águas9. O apêndice de
serviço que possui telhado de meia água10 apresenta, ao nível do primeiro andar,
uma estreita varanda com guarda-copo11 em gradil de madeira12 (IPAC, 1997).
9
Cobertura formada por duas faces em declive unidas por uma cumieria central, de modo a formarem
uma empena em cada extremidade, também chamado telhado de dois panos e telhado de duas faces
10
Telhado com uma única vertente, cuja extremidade superior é delimitada por um muro ou uma
construção maior.
11
Anteparo de proteção em geral de meia altura, aproximadamente 85 cm do piso, usado em
alpendres, balcões, escadas e terraços. Pode ser cheio ou vazado.
136
Nas fachadas principais, as portas são enquadradas por cunhais13 e cornija14
de madeira e encontram-se sobrepostas por igual número de janelas rasgadas. Os
vãos do frontispício são em arcos plenos. No mirante existem vãos com vergas
retas, guarnecidas por caixilharias em guilhotina de três folhas. O interior é simples.
Apenas na sala da frente do pavimento superior há forro do tipo “saia e camisa”. O
pavimento térreo tem piso em lajões de pedra e lajota de barro cozido15; os
pavimentos superiores, em assoalho.
Sobrado com tratamento decorativo neoclássico e mirante. Este elemento
setecentista sobreviveu na Serra do Sincorá até o final do século XIX. Na região da
Chapada Diamantina encontra-se apenas em Mucugê, onde são registrados dois
exemplos, sendo este e o prédio da prefeitura municipal. Normalmente os mirantes
estão implantados sobre telhados de quatro águas e apresentam cobertura do
mesmo tipo. Este é um caso raro de mirante, aberto apenas para dois lados (o que
difere do mirante da prefeitura que possui abertura para os quatro lados).
Quanto aos materiais utilizados na construção, trata-se de estrutura mista,
compreendendo paredes auto-portantes, em alvenaria de pedra com vedação em
pau-a-pique, no primeiro andar e mirante.
12
Faixas verticais salientes nas extremidades de paredes ou muros externos do edifício. Em geral
abrange da base ao coroamento da construção.
13
Faixas verticais salientes nas extremidades das paredes ou muros externos do edifício. Em geral
abrange da base ao coroamento da construção. Ângulo externo e saliente formado pelo encontro de
das paredes externas convergentes, servindo de proteção á quina do edifício ou de ornamentação da
fachada. Muitas vezes é feito em material diferente do utilizado na alvenaria das paredes.
14
Faixa que se destaca horizontalmente da parede e acentua as suas nervuras horizontais. Faixa que
se destaca horizontalmente da parede e acentua as suas nervuras horizontais.
15
Pequena laje de barro usada para revestimento de pisos. As tradicionais são lajotas geralmente
menores do que as encontradas atualmente no mercado, às vezes retangulares. Devem apresentar
um desgaste natural de uso.
137
Figura 35 – Sobrado de Carlos Machado.
Localização: Rua direita do comércio S/N
Fonte: Foto da autora (2010).
Edificação citada na pesquisa de campo como relevante para a atividade
turística por se tratar de um prédio secular, cujo proprietário é o Sr. Carlos Machado,
mucugeense de quase 100 anos. Segundo relato dos moradores, a urgência de
intervenção se deu por conta do estado preocupante da edificação. Atualmente,
encontra-se em recuperação, porém as despesas estão sendo custeadas por conta
do próprio proprietário, sem nenhum apoio de órgãos municipais ou federais. A.L, 40
anos, empresário, acrescenta que “esse sobrado tem uma história de vida: foi
primeiro uma fábrica de sabão, depois foi uma grande loja que sustentava 4 mil
garimpeiros e até hoje essa venda continua no estilo antigo”.
138
Figura 36 - Chalé da Família Medrado (atual prefeito)
Localização: Rua Direita do Comércio S/N
Fonte: Foto da autora (2010).
Esta edificação, em verdade, não pode ser enquadrada nem como
neoclássica, nem como neogótica. Há apenas alguns elementos construtivos como
telhado, portas e janelas que se aproximam ao neoclássico. Tanto a fachada como
interior apresentam estilo rústico. O interior necessariamente possui parede em
alvenaria sem qualquer tipo de cobertura em argamassa e pintura. Talvez o que
tenha chamado a atenção do morador, tenha sido justamente o estilo “diferente” ao
clássico, que aparece nas outras edificações da cidade. Fato relevante é que se
trata da casa do atual prefeito Fernando Medrado.
Figura 37 – Casa do Sr. Tarso
Localização: Rua Direita do Comércio, S/N.
Fonte: Foto da autora (2010)
Esta edificação apresenta características neoclássicas bastante evidentes
como, por exemplo, janelões com vitrais com formas geométricas, beiral e porta com
treliças. Segundo relatos dos moradores, o interior encontra-se bastante preservado.
Porém, o proprietário não permitiu que o interior da residência fosse fotografado.
139
Figura 38 - Pousada Casa da Roça.
Localização: Rua do Amola Faca, s/n.
Fonte: Foto da autora (2010).
Nessa edificação, só a fachada permanece como era no período de
construção. Assim como na casa de Aloísio Paraguaçu, também funciona um meio
de hospedagem e houve várias interferências para sua adequação. Ressalta-se
também que essa cor não é a original. Na verdade, depois da revitalização realizada
pelo Iphan todas as edificações foram pintadas fora do padrão original. Costuma-se
associar casas coloniais a tons claros, até porque por volta do século XVIII, nem se
pensava em outra perspectiva, usava-se apenas cal.
Figura 39 - Restaurante Sabor & Arte.
Localização: Rua Rodrigues Lima, S/N
Fonte: Foto da autora (2010).
Segundo os moradores, durante a reforma, o Ipac chegou a embargar a obra
alegando descaracterização do imóvel, haja vista que o interior foi totalmente
140
modificado, acabando inclusive com todo vestígio de material arqueológico
encontrado anteriormente. Porém o Iphan autorizou a obra, o que gerou grande
revolta na comunidade. A proprietária do restaurante por sua vez, possui tradição no
comércio local e não é a primeira vez que seu comércio é instalado em uma
edificação tombada.
O que se discute aqui não é o uso do imóvel, mas as interferências sofridas
pelo mesmo. Acredita-se que se a proprietária tivesse preservado os vestígios
arqueológicos, poderia ter ambientado o lugar de maneira a valorizar esse
patrimônio, podendo atrair assim um número maior de visitantes que se interessam
por arqueologia.
Figura 40 – Casa da Família de D. Laçimi.
Localização: Praça Coronel Próprio, S/N
Fonte: Foto da autora (2007).
Edificação que pertence a D. Laçimi, filha do maestro Júlio César. Há nessa
residência um piano que teria sido doado por D. Pedro II. A edificação chama
atenção pelo número de janelas, um total de oito. Não foi possível fotografar o
interior da residência, pois os proprietários não residem mais na cidade.
A edificação está construída sobre um porão alto, segundo planta retangular,
cujo eixo maior é paralelo à rua. Tem, ao fundo, (IPAC, 1997) um apêndice de
serviços, e um quintal com vários tipos de ervas que se abre para um pátio
ajardinado. O corpo principal é recoberto por telhado em duas águas, terminando em
141
beiral de cachorrada com guarda-pó16.
A fachada principal apresenta porta de
ingresso excêntrica e oito janelas de vergas retas, guarnecidas por caixilharia em
guilhotina com estreitas bandeiras de ferro. Seu interior se caracteriza pela grande
amplitude dos espaços. O corpo principal da casa possui piso assoalhado, exceto o
do corredor, atualmente cimentado. No salão de visitas e em três quartos da ala
esquerda existem forros originais em tábuas com mata-junta (IPAC, 1997).
Este edifício apresenta uma das plantas mais típicas de residências urbanas e
rurais da região com três faixas de uso: a anterior, ocupada por salões sociais; a
intermediária, constituída por alcovas; e a do fundo, ocupada por salões de uso
familiar. Um corredor, relativamente curto, conduz o visitante à porta principal dos
salões sociais e de jantar. Não foi possível identificar o ano de construção desta
casa. Trata-se provavelmente, do final do século XIX.
Figura 41 : Cabaré do fecha nunca.
Localização: Rua do Caetité S/N
Fonte: Foto da autora (2010).
Esta edificação foi apontada na pesquisa não por valores estéticos, mas sim,
pelo apelo histórico. Na década de 1920, funcionava como um espaço de lazer e
entretenimento, mais popularmente conhecido como bordel. Aqui os coronéis
comemoravam os diamantes encontrados com muita bebida, jogos e mulheres.
Hoje, está abandonada. O proprietário atual não se encontra na cidade.
16
Forro de tábuas dispostas de forma a recobrirem apenas o ripamento do telhado sobreposto aos
caibros e deixando os cachorros à mostra. O guarda-pó também tem a função de camuflar cachorros
e lajes. É usado mais freqüentemente nos beirais dos telhados.
142
Não se trata de uma casa dentro dos padrões estéticos neoclássicos, muito
menos neogótico. Trata-se de uma edificação em estilo colonial tardio.
Figura 42 - Casa do Srº Fugêncio
Localização: Rua Rodrigues de Lima S/N
Fonte: Foto da autora (2010)
A casa do Sr Fugêncio é a edificação que se encontra em melhor estado de
conservação. Da construção original datada da metade do século XIX até os dias
atuais, poucas interferências foram feitas. Percebe-se que apenas o quintal foi
modificado e os próprios proprietários afirmam que ao adquirir essa edificação em
1960, já encontraram com quintal coberto por dependências adicionais. Na obra
original, isso não ocorria, até por uma questão cultural, os quintais das casas
coloniais eram espaços abertos que davam lugar ao plantio de horta, flores, árvores
frutíferas etc.
O proprietário atual alega falta de condições em mantê-la. No momento,
inclusive, a casa encontra-se à venda.
143
Figura 43 – Estalagem Jardim do Éden.
Localização: Praça Coronel Propércio, S/N.
Fonte: Foto da autora (2010).
Edificação pertencente a Aloísio Paraguaçu, conhecido como Lói. A fachada
data de aproximadamente metade do século XIX, porém, todo interior fora
modificado, inclusive o quintal. Foi adaptada para funcionar como meio de
hospedagem, talvez o que explique as interferências sofridas.
Paredes circundantes em taipa se evidenciam, caracterizando um volume
destacado. O piso não é o original, bem como há novos elementos no interior na
residência, como uma escada, elemento não condizente a uma casa térrea simples
como esta.
Figura 44 - Casa da profª Elice.
Localização: Praça Coronel Propércio
Fonte: Foto da autora (2010).
144
Esta residência, desde período do tombamento, 1980, já se encontrava com
interior modificado. Somente a fachada pôde ser preservada de acordo a construção
inicial durante as intervenções realizadas pelo Iphan. Pertence a D. Elice Rocha,
mesma proprietária do Sobrado que está sendo restaurado pelo Banco Espírito
Santo. Interessante o número de janelas e os vitrais que a compõem. O portão maior
que dá acesso a uma garagem que aponta características mais modernas.
Figura 45 - Pousada Mucugê.
Localização: R. Dr. Rodrigues Lima, 30
Fonte: Foto da autora (2010).
Edificação neoclássica. Acredita-se que se trata do final do século XIX,
todavia, só a fachada encontra-se preservada. Nesta edificação funciona a pousada
Mucugê, meio de hospedagem com aproximadamente 30 leitos que pertence à
família Medrado.
No interior, há escadas, rampas e inclusive uma piscina, o que demonstra o
grau de interferência que a edificação sofreu. Segundo o Ipac (1997), apresenta
planta regular, desenvolvida, sobre porão alto. Sua cobertura é em duas águas,
terminando sobre cimalha de madeira na frontearia17 e, em beiral de cachorrada,
com guarda-pó, na fachada posterior. À esquerda existe uma entrada lateral que
dava acesso ao anexo de serviços, hoje desaparecido. A fachada principal
enquadrada entre cunhais e cornija é composta por cinco janelas e duas portas,
17
Arremate emoldurado formando saliência na superfície de uma parede. Em geral situa-se no alto
das paredes externas, constituindo uma saliência contínua ao longo de toda a fachada, ou sobre as
guarnições de portas e janelas, constituindo uma saliência interrompida. No alto do beiral do telhado,
servindo de apoio a este ou sob platibanda. Em geral é feito de massa, pedra ou madeira. Pode ter
ornatos, alem de molduras.
145
sendo uma, a entrada social e outra, o acesso ao corredor de serviço. Esta última foi
integrada à fachada, recebendo o mesmo tratamento dos demais vãos, sendo
coberta, inclusive pelo prolongamento do beiral. Todos os vãos possuem
terminações em arco e são guarnecidos por esquadrias com caixilharia em
guilhotina (IPAC, 1997).
No fundo, alguns vãos são protegidos por gelósias18. No interior já não se
encontra o forro primitivo, restando apenas suas vigas e cornijas de madeira em
alguns cômodos. O piso em tabuado ainda é o original, porém nada mais resta do
mobiliário primitivo.
No que se refere aos materiais utilizados na construção, sua estrutura
autônoma é em madeira, que suporta a cobertura. Paredes de vedação em taipa de
mão19.
Figura 46 - Igreja Matriz de Santa Isabel
Localização: Praça Santa Isabel, S/N.
Fonte: foto da autora (2010).
A Igreja de Santa Isabel está implantada sobre pequena elevação, situa-se no
extremo nordeste da cidade, na saída para o município de Andaraí. Sua fachada,
voltada para a cidade, é precedida de um adro elevado cuja escadaria se projeta
sobre rua pavimentada de pedras irregulares. Do adro, onde existe um cruzeiro,
18
Folhas de vão preenchidas por treliças de madeira. Quando basculante tem o nome de rotula.
Genericamente, qualquer sistema construtivo que utilize gradeados de varas de madeira
organizados em sebe, preenchidos em barro. As varras de madeira são chamadas de piques. O
mesmo que taipa-de-mão. Dessa técnica resultam paredes leves, com cerca de 15 cm de espessura,
pois as paredes de pau-a-pique não recebem, nem também transmitem esforços. Foi o sistema
construtivo mais usado no Brasil colonial.
19
146
avista-se toda a rua Dr. Rodrigues Lima, tendo como fundo o perfil de serras
rochosas, recobertas de rala vegetação (IPAC, 1997).
Trata-se de um edifício inacabado, em estrutura mista, constituída por uma
caixa de paredes auto-portantes de alvenaria de pedra e pilares internos, que
suportam o assoalho do coro e a cobertura. Apresenta planta regular, constituída por
nave central e lateral, recoberta por telhado de duas águas20, terminando em beiraseveira21. A fachada principal é dividida por pilastras em três partes (IPAC, 1997). O
corpo principal apresenta uma portada22, ladeada por duas portas, e ao nível do
coro, três janelas, coroa a composição um frontão triangular23 com nicho no centro.
Servem de sineiras “espadanas” em “L”, que tentam imitar torres. No interior da
igreja destaca-se o coro em forma de “U”, guarnecido por balaústres24 chatos, em
madeira.
No altar principal destaca-se N. Senhora Das Dores, Santa Isabel, N. Senhora
do Carmo, S. Antônio, S. José e S. João Batista. Possui três naves e três sinos e em
pedra são confeccionadas as pias batismais e de água benta. As igrejas de três
naves difundiram-se na região com o ciclo dos diamantes, possivelmente por
influência mineira, onde este tipo de igreja já existia desde a primeira metade do
século anterior, na região de Sabará e Mariana. Na chapada, a presente igreja é a
primeira cujas naves são balizadas por pilares e colunas (SECRETARIA DE
TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ, 2008).
Sua fachada apresenta uma interpretação neoclássica. Sobre o período de
construção, a Igreja teria sido construída em 1855 e passou a funcionar em 9 de
março do mesmo ano. A obra foi construída com apoio financeiro dos moradores e
pelo frei Caetano de Troyria, em terreno doado pelo Cel. Reginaldo Landulpho
(IPAC, 1997).
20
Cobertura formada por duas faces em declive unidas por uma cumieria central, de modo a
formarem uma empena em cada extremidade, também chamado telhado de dois panos e telhado de
duas faces.
21
Beirada de telhado cujas telhas externas se apóiam em cimalha de boca-de-telha constituída por
duas fiadas de telha engastadas no alto de parede externa. A fiada superior é chamada de beira e a
fiada inferior é chamada beira sob-beira, beira sobreira e beira em algeroz.
22
Grande porta de acesso ao edifício, enquadrada por larga moldura, muitas vezes ornamentada e
feita com matérias de lei. Às vezes também é chamada de portal.
23
Tem a função de conciliar a longa linha horizontal do telhado com outros elementos verticais.
24
Pequena coluna ou pilar que junto com outros elementos iguais, dispostos em intervalos regulares,
uma balaustrada. Constitui-se no elemento de sustentação de travessa ou corrimão. (INBI-SU, 2000)
147
Trata-se na atualidade de uma edificação que durante os dias úteis encontrase fechada, abrindo apenas aos domingos para missas ou celebrações agendadas.
Talvez isso ocorra principalmente pelo estado de conservação da mesma. A fachada
encontra-se bastante preservada, bem como a parte interior no que se referem as
três naves, todavia, há um andar superior em que o piso de madeira encontra-se
tomado por cupins, isso implica na degradação do piso não só do primeiro andar
como também da escadaria de acesso. Esse ambiente encontra-se interditado para
evitar acidentes. O telhado também se encontra carente de reparos.
Há no interior da igreja restos mortais de familiares de pessoas influentes que
provavelmente contribuíam para manutenção das atividades religiosas como era de
costume nesse período. Na parte superior da igreja, onde há uma espécie de
sacada tanto na parte fortal em direção ao sino principal como nas laterais direita e
esquerda, por conta do mau estado de conservação, não há possibilidade de
circulação de pessoas. Há também nesse mesmo espaço grande presença de
entulhos.
Figura 47 - Igreja de Santo Antônio
Localização: Rua do Cruzeiro, S/N.
Fonte: Foto da autora (2010).
A Igreja está localizada no extremo da Igreja matriz de Santa Isabel, na ponta
do L, já na saída da cidade em direção ao Cemitério Bizantino. Não constam
registros sobre a data de construção, documentos encontrados relatam apenas que
a edificação teria sido construída em meados do século XIX. Em verdade, a Igreja é
conhecida como igreja de Santo Antônio, por conta da forte influência da família
148
Medrado, e que segundo a história não oficial o tinha como santo de devoção,
mandando então construí-la em sua homenagem. Todavia, a mesma igreja também
é conhecida como igreja da Conceição e Igreja do Rosário. Ou seja, pertenceria
então a três posseiros. (A. P, 68 anos. Proprietário de meio de hospedagem).
Figura 48 - Vista do Cemitério Bizantino
Localização: periferia da cidade
Fonte: Foto da autora (2010)
O Cemitério Bizantino, está dividido em duas partes, uma plana, murada,
situada onde estão localizadas covas rasas. Nesta parte térrea quase não há
mausoléus e sim sepulturas comuns marcadas apenas por cruzes de madeira e a
identificação do indivíduo sepultado. Logo a frente há uma espécie de rampa em
cascalho envolvida por paredes rochosas que dá acesso a parte alta do cemitério.
Nessa área não há lugar para covas rasas, a própria dinâmica do lugar, todo envolto
por rochas, permite apenas sepultamentos em mausoléus.
Os mausoléus são em alvenarias de pedra e/ ou tijolos, revestidos de reboco,
caiados. Muitos terminam em arcos ornamentais, em cujos fechos existem, quase
sempre, pináculos ou cruzes25. Outros são miniaturas de igrejas e capelas. O perfil
fragmentado dos mausoléus, a cor branca, os elementos arquitetônico de cada
mausoléu aproxima-se de uma necrópole (IPAC, 1997).
25
Arremate ornamentado no coroamento do edifício, usualmente com forma cônica, piramidal ou
octogonal. Foi utilizado principalmente em edificações antigas, sobretudo nas igrejas. Nestes casos
em geral é feito de pedra.
149
Com relação aos materiais utilizados na construção, o muro que fecha o
recinto do cemitério é em alvenaria de adobe, recoberto por telhas, já os mausoléus
são em alvenaria de pedra ou mista com arcos ornamentais em tijolos.
Figura 49 – Detalhes de um mausóleu
Fonte: Foto da autora (2010).
Figura 50 - Adornos neoclássicos
Fonte: Foto da autora (2010).
Figura 51 - Detalhe de pináculo.
Fonte: Foto da autora (2010).
Todas as edificações demonstradas por meio das fotografias reforçam a
pluralidade arquitetônica que compõem o centro histórico de Mucugê e ao mesmo
tempo a chama atenção para necessidade de maior aproximação dos profissionais
do turismo acerca dessas informações para que o serviço prestado ao visitante seja
mais qualificado e capaz de aproximar o visitante das histórias dessas edificações.
150
APÊNDICE B - ROTEIROS PARA ENTREVISTAS
Moradores líderes de opinião
1. Qual o seu nome e sua idade?
2. Qual o grau de escolaridade e sua profissão?
3. O que você compreende por patrimônio?
4. Qual a sua opinião sobre o patrimônio arquitetônico da cidade?
5. Porque Mucugê é tida pelo Iphan como Patrimônio Nacional?
6. Você acredita que o tombamento do centro histórico e do cemitério bizantino
contribui para a preservação desses patrimônios arquitetônicos?
7. Conhece a história de alguma dessas edificações? Por exemplo: proprietário, tipo de
construção, quando foi construída... Comente.
8. Dentre o patrimônio arquitetônico da cidade o que você mais gosta: as casas térreas,
os sobrados, as igrejas, o cemitério bizantino? Por quê? E Entre essas tipologias,
poderia citar quais são as edificações que mais te agradam?
9. Em sua opinião houve mudanças nessas edificações ao longo do tempo? Se houve
você as percebe como positivas ou negativas? Por quê?
10. Percebe que há interesse por parte do visitante em conhecer esse patrimônio
arquitetônico? Se sim, por que não há roteiros para patrimônio cultural em Mucugê?
11. Em sua opinião, porque a ACVM (Associação de Condutores e Visitantes de
Mucugê) não oferece o serviço de city tour para os visitantes?
12. Se tivesse a oportunidade de sugerir uma visita, ou até mesmo conduzir um visitante
em um passeio pela cidade, quais as edificações que gostaria de mostrar? Cite-as.
13. Em sua opinião qual (is) dessas edificações está (ao) preservada ao ponto de
receber visitantes?
14. Qual a sua opinião sobre o Cemitério Bizantino, você acredita que este recurso
poderia ser mais bem aproveitado pela atividade turística?
15. O turismo cultural pode contribuir para a valorização do patrimônio arquitetônico da
cidade? De que maneira?
151
Gestores públicos
Secretaria Municipal de Turismo de Mucugê
1. Qual a opinião do órgão sobre o patrimônio arquitetônico da cidade?
2. A Secretaria de Turismo acredita que o patrimônio arquitetônico da cidade pode ser
utilizado como atrativo turístico?
3. Dentre o patrimônio arquitetônico da cidade o que mais interessa a iniciativa pública
em se tratando possível atrativo turístico: as casas térreas, os sobrados, as igrejas
ou o Cemitério Bizantino?
4. Dentre essas tipologias poderia citar quais dessas edificações estão preservadas ao
ponto de receber visitação?
5. Qual do órgão sobre o cemitério Bizantino. Você acredita que esse recurso poderia
ser mais bem aproveitado pela atividade turística?
6. A Secretaria de Turismo acredita que o tombamento do Centro Histórico e do
Cemitério Bizantino por parte do Iphan, contribuiu para preservação desses
patrimônios arquitetônicos?
7. Na opinião do órgão, porque a ACVM (Associação de Condutores e Visitantes de
Mucugê) não oferece o serviço de city tour para os visitantes?
8. A iniciativa pública percebe interesse por parte da iniciativa privada em fomentar o
turismo cultural?
9. Como a Secretaria de Turismo ver a relação dos moradores com o patrimônio
arquitetônico da cidade no que se refere à noção de pertencimento?
10. A empresa acredita que um roteiro turístico voltado para a questão patrimonial
poderia motivar um aumento na demanda turística do município?
11. A Secretaria de Turismo acredita o turismo cultural pode contribuir para a
valorização do patrimônio arquitetônico da cidade?
152
Gestores Públicos
Empresa Bahiatursa
1. Considerando a política de descentralização da atividade turística vigente no país,
como a empresa percebe as políticas de planejamento e gestão no destino Mucugê?
2. Sendo a Chapada Diamantina um dos destinos mais procurados na Bahia, como
essa instituição analisa a demanda turística por Mucugê?
3. Ainda nesse sentido, sabe-se que praticas de turismo relacionado à natureza
sobressaem no município de Mucugê. Como a empresa concebe a possibilidade de
desenvolvimento do turismo cultural?
4. E no que se refere a recursos, como a empresa percebe o patrimônio arquitetônico
da cidade? Acredita que pode ser convertido em atrativo turístico?
5. Dentre o patrimônio arquitetônico de Mucugê: casas térreas, sobrados, igrejas,
mausoléus do cemitério bizantino. Quais desses patrimônios seriam interessantes
para o turismo?
6. Na opinião da Bahiatursa um roteiro voltado para visitação às edificações antigas da
cidade e para o cemitério bizantino, poderá atrair mais visitantes para cidade?
7. Por que as campanhas publicitárias da instituição, ao comercializarem a Chapada
Diamantina, dão pouca ênfase ao legado cultural?
8. A empresa acredita que o turismo cultural pode contribuir para a preservação do
patrimônio arquitetônico da cidade?
153
Gestores Públicos
Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN - Escritório Rio de Contas - BA.
1. Responsável pelas respostas:
2. Cargo / Função:
3. O que você compreende por turismo cultural?
4. Acredita que o patrimônio arquitetônico de Mucugê pode vir a ser um atrativo em
potencial para o fomento dessa segmentação?
5. E por se tratar de edificações tombadas, como o Iphan vê a possível transformação
desse bem material em “produto” turístico?
6. Considerando o Cemitério Bizantino enquanto importante recurso turístico, como o
órgão percebe a prática do turismo nessa área?
7. Dentre essas edificações tombadas, na opinião da instituição, quais seriam
interessantes para visitação, considerando o valor histórico?
8. Acredita que o fomento do turismo cultural na cidade, pode contribuir para
preservação desse legado cultural? Justifique.
9. Em sua opinião atualmente existe uma valorização desse patrimônio arquitetônico
por parte dos moradores da cidade?
10. Sobre preservação, em condições encontram-se essas edificações?
12. Quais as principais dificuldades que o órgão encontra nesse sentido?
13. Sabe da existência de ações de educação patrimonial no município?
154