Marina Ramos Vasconcelos Rada

Transcrição

Marina Ramos Vasconcelos Rada
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
DIREITO
O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES
PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
Autora: Marina R. Vasconcelos Rada
Orientadora: Prof.ª Maria Gabriela Viana Peixoto
MARINA R. VASCONCELOS RADA
O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES
PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de Brasília UCB, como requisito parcial para obtenção do
Título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profª. Maria Gabriela Viana Peixoto.
Brasília
2010
Monografia de Autoria de Marina Ramos Vasconcelos Rada, intitulada ―O Tráfico
Internacional de mulheres para fins de exploração sexual‖ como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Direito na Universidade Católica de Brasília, em 01/11/2010, defendida e
aprovada pala banca examinadora abaixo assinada:
____________________________________________
Profª. Maria Gabriela Viana Peixoto.
Orientadora
_________________________________________
__________________________________________
Brasília
2010
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente, como sempre é, e como nunca poderia deixar de ser, a
Deus, que esteve comigo durante todo o curso e me deu o sustento necessário.
Ao meu esposo Alexandre, que sempre me apoiou, por ter vivido este trabalho
comigo. Por toda a sua dedicação e cuidados comigo durante o curso e em especial neste
trabalho.
À minha mãe, Débora, Maria Clara, Ana Cecília, Tia Cleuza e Tia Valquíria e a todos
os amigos e família que ajudaram de alguma forma na conclusão deste trabalho.
RESUMO
Referência: RADA, Marina Ramos Vasconcelos. O Tráfico Internacional de Mulheres. Ano
2010. Nº folhas. Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, 2010.
A presente pesquisa trata do tráfico internacional de mulheres, seus objetivos, modos
de atuação e as origens do crime, convidando o leitor a refletir sobre o assunto. A proposta deste
estudo é analisar a legislação brasileira sob a perspectiva da Convenção de Palermo, enfocando o
tráfico de mulheres no Brasil, após um breve histórico evolutivo do tema. Dá ênfase ainda para o
tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, explicitando as medidas de enfrentamento
existentes no Brasil e no mundo, pois trata-se de uma ameaça transnacional na qual as redes de
crime organizado colocam em risco a segurança humana, usufruindo das facilidades que um
mundo globalizado pode oferecer. Ressalta a responsabilidade dos órgãos de prevenção e
combate ao crime, já que diz respeito a um crime contra os direitos humanos e que atinge as
parcelas mais vulneráveis da sociedade. Para combater esse tipo de crime é necessário diminuir
as disparidades sociais internas e até entre os países, dar maior visibilidade ao fenômeno
orientando as possíveis vítimas no intuito de desarticular as redes de crime organizado e adequar
as normas para coibir e punir o tráfico internacional de mulheres.
Palavras-chave: Tráfico de mulheres. Crime organizado. Exploração.
RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
This research discusses many aspects of the international trafficking of women:
the objectives, the ways of acting and the origins of this form of crime, by inviting the reader to
think about the subject. The purpose of this study is analyzing the set of Brazilian laws from the
perspective of the Palermo Convention, focusing on the trafficking of women in Brazil, after a
brief history of the subject. The study deals with the trafficking of women for sexual exploration,
focusing specifically on enforcement measures in Brazil and other countries, as this is a
worldwide problem in which organized crime networks take advantage of a globalized era and
risks human safety. All are responsible, since this is a crime against human rights and affects one
of society‘s most vulnerable groups. In order to efficiently fight against this type of crime, it is
necessary to: reduce internal and international social discrepancies; give more publicity to this
phenomenon by warning possible victims thus breaking down organized crime networks; and,
adjust the legal norms to inhibit and punish international trafficking of women.
Keyword: Trafficking of women. Organized crime. Exploration.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Destino das vítimas do tráfico de seres humanos .................................................. 17
Figura 2 – Profissões mais comuns dos aliciadores.................................................................. 27
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................10
1 – A ORIGEM HISTÓRICA ....................................................................................................12
1.1 – O que é o tráfico internacional de mulheres?........................................................................15
1.2 - A Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração
Sexual – PESTRAF........................................................................................................................17
1.3 - A escravidão e o tráfico de mulheres ....................................................................................20
1.4 – O imigrante, o migrante e o refugiado ..................................................................................24
1.5 - Perfil dos Réus ou Indiciados.................................................................................................28
1.5 - Perfil das vítimas....................................................................................................................30
1.6 – O crime Organizado Internacional .......................................................................................31
1.7 - O Crime de tráfico de mulheres e a lavagem de dinheiro......................................................33
2 – A CONVENÇÃO DE PALERMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE AO
CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES..............................................36
2.1- Direitos Humanos e o tráfico de pessoas ..............................................................................40
3 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICO PENAL DO TRÁFICO DE PESSOAS PARA
FINS
SEXUAIS
NA
LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
E
NAS
CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS RATIFICADAS PELO BRASIL ...........................................................45
3.1 - A eficácia e aplicabilidade do mecanismo jurídico-penal brasileiro .....................................49
3.2 - O avanço das Normas brasileiras ..........................................................................................58
CONCLUSÃO .............................................................................................................................65
REFERÊNCIAS ..........................................................................................................................67
10
INTRODUÇÃO
Embora tenha surgido há séculos, o tráfico de seres humanos vem se tornando um
problema de dimensões cada vez maiores. É uma violação dos direitos humanos fundamentais
que tem atingido, em uma esfera global, diversos países de vários continentes, causando uma
grande insegurança para a população mundial.
O tráfico de pessoas é realizado com diferentes propósitos. Além da exploração da
indústria do sexo, que envolve milhões de pessoas em todo o mundo, as vítimas podem ser
exploradas por trabalhos em condições abusivas, por servidão doméstica ou sofrerem doação
involuntária de órgãos para transplante.
Por ter suas raízes no modelo de desenvolvimento desigual do mundo capitalista
globalizado, esta ameaça global vem colocando em risco a liberdade e a vida de milhões de
homens, mulheres, crianças e adolescentes. Entretanto, a parcela mais significativa das vítimas
desse crime ainda permanece sendo a do sexo feminino, já que as mulheres fazem parte de um
grupo mais fragilizado e vulnerável a todo tipo de exploração. Daí o motivo pelo qual será
abordado na presente monografia o tráfico de mulheres.
Diante dos números altamente expressivos que envolvem o tráfico de pessoas,
especialmente mulheres, nota-se que as medidas adotadas pelo governo têm se demonstrado
incipientes para coibir e punir os infratores.
Com o objetivo de organizar os principais aspectos concernentes ao tráfico de
mulheres, a presente pesquisa será dividida em quatro capítulos, que irão mostrar: a evolução
histórica do crime, os conceitos, as normas internacionais e nacionais para enfrentamento desse
fenômeno, direitos humanos das vítimas, a evolução da normativa brasileira e sua eficácia e
aplicabilidade.
Quanto à metodologia, omodelo bibliográfico ajusta-se à proposta deste estudo, sob a
perspectiva da análise da Convenção de Palermo, enfocando o tráfico de mulheres para fins de
exploração sexual, explicitando as medidas de combate existentes no Brasil e no mundo.
O Primeiro Capítulo proporciona uma compreensão geral do tráfico de pessoas
resgatando aspectos históricos que permearam sua construção e consolidação, o perfil dos réus,
indiciados e das vítimas. Explica o que é o crime organizado e como ele atua na sociedade.
Distingue a participação dos imigrantes, migrantes e refugiados dentro do crime de tráfico de
11
mulheres para fins de exploraçao sexual e sua ressalta sua correlação com a escravidão e com a
lavagem de dinheiro.
O Segundo Capítulo apresenta a Convenção de Palermo, um dos instrumentos mais
eficientes no combate ao crime e outras medidas governamentais. Ressalta a importância dos
direitos humanos para o tema em análise, vez que inúmeras são as violações a que são submetidas
às vítimas desse tipo de crime: violação do direito à vida, à liberdade sexual, integridade física e à
condições desumanas de trabalho.
O Terceiro Capítulo trata das diversas Convenções das quais o Brasil é signatário
com o propósito de combater esse ilícito, destacando que as nações têm cooperado entre si para
criar instrumentos legais e políticas públicas destinadas a erradicá-lo. Analisa a evolução e a
eficácia da legislação brasileira concernente ao crime.
Destaca ainda as metas estabelecidas pelos projetos de lei em trâmite nos órgãos
responsáveis para verificar se o Brasil conseguiu ou está em processo de adequação de sua
legislação penal ao Protocolo de Palermo para que com uma legislação pertinente e as medidas
preventivas necessárias seja extinta essa prática atual, porém tão primitiva.
Logo o assunto em tela é de alta relevância em nosso ordenamento jurídico. O
alcance da lei penal deve ser discutida e analisada, já que o Brasil se prontificou, ao assinar
tratados e convenções internacionais, a zelar pelos direitos humanos e coibir qualquer tipo de
escravidão e discriminação. Deve haver um combate mais efetivo não só das autoridades
brasileiras, mas de toda sociedade que se encontra omissa em relação a essa forma de exploração.
Mudanças devem ser feitas na legislação brasileira, mas também na forma como essa prática é
vista e aceita pela nossa sociedade.
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1 - A ORIGEM HISTÓRICA
O tráfico de seres humanos é uma prática muito antiga, existindo desde a Antiguidade
Clássica, originou-se na Grécia e depois a prática continuou se manifestando em Roma. As
principais modalidades de aquisição de escravos eram essencialmente a guerra, o comércio e a
pirataria. Nesse período, a escravidão era respaldada por pensadores como Aristóteles, que
afirmava que havia homens que eram escravos por natureza, pois existiam indivíduos tão
inferiores que nada melhor poderiam fazer (ARY, 2009, p.23).
Documentos antigos comprovam a presença de escravos no período de formação da
civilização da Grécia Antiga que descreviam uma separação de classes em homens livres,
homens sem poder político, servos e escravos. Os escravos eram utilizados como força produtiva
direta em quase todo tipo de trabalho e, além de trabalhar para seus senhores, poderiam ser
alugados a terceiros (VIEIRA NINA, 2010, p.43).
A escravidão, meio de enriquecimento das classes dominantes, compunha os
exércitos e o serviço público e era vista como modo de libertação do trabalho para o cidadão livre
para que este pudesse se dedicar à filosofia e às artes. Tornou-se a escravidão então, essencial a
civilização grega.
Em Roma, a expansão de seu domínio acarretou a incorporação de novos territórios e
de prisioneiros de outros povos que se tornavam escravos. Eram considerados como mercadoria e
explorados como tal, sendo componente de grande importância para a produção de bens. Além
desses escravos, poderiam também ser escravizados os patrícios que não pagavam suas dívidas e
filhos abandonados ou vendidos pelos seus próprios pais (VIEIRA NINA, 2010, p.48).
Durante o período renascentista, entre os séculos XIV e XVII, o tráfico se tornou
uma prática comercial com o tráfico negreiro; sistema comercial que recrutava mão de obra
mediante a força. Milhares de africanos foram vítimas do tráfico de pessoas devido à falta de mão
de obra nas colônias de exploração européia.
A exploração dessa espécie de trabalho se tornou a base da sociedade, movimentou
economias, levantou impérios e impulsionou o comércio.
O fluxo migratório no final do século XIX se deu devido à mobilidade de inúmeras
pessoas que tentavam escapar de doenças, miséria, etc. Muitas dessas pessoas eram mulheres em
busca de emprego e melhores oportunidades, várias não eram prostitutas, mas, em virtude da
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facilidade na oferta de emprego e de falsificar documentos, se tornavam prostitutas no exterior.
Outras já saíam do país de origem com o intuito de praticar a prostituição no país de destino. A
nova forma do crime chamou atenção mundial, pois atingia mulheres sem melhores perspectivas.
Assim, de pesquisas realizadas no Brasil no intuito de se depreender as motivações
que icentivam as pessoas a migrar, detectou-se que:
O interesse no tema ressurgiu na década de 1970, sobretudo a partir da pressão das
feministas, preocupadas com os impactos sociais da reconstrução e do desenvolvimento
do Sudeste da Ásia após a guerra do Vietnã e com a permanência contínua das tropas
estadunienses na região. Nessas campanhas se atacou com força a prostituição voltada
para os militares, o turismo sexual, as noivas arranjadas por correspondência, os
casamentos forçados e as correções e violências no deslocamento e, no emprego de
mulheres de áreas pobres em lugares ricos no âmbito nacional e internacional, utilizadas
para trabalhar no lazer e nas indústrias do sexo. Na década de 80, a problemática do
tráfico tinha sido integralmente incorporada pelo movimento feminista internacional
(OLIVEIRA; CAMPOS, 2007, p.18).
Como os casos relatados eram poucos e a real magnitude do problema era encoberta
por uma retórica de exagero, foi criado um mito acerca do tráfico de escravas brancas, pois era
definido como a captura mediante força ou engano de mulher ou menina branca, contra o seu
desígnio para a comercialização do sexo.
A tênue diferenciação entre a captação violenta mediante intimidação e engano, e o
recrutamento consentido para a prostituição era objeto de consternação feminista em busca de
uma melhor conceituação do tipo penal em sua forma moderna, tendo em vista que nesse período
não havia ainda conhecimento das formas do crime.
Na década de 80, a percepção do problema se ampliou e pode se perceber que a
situação de vulnerabilidade da mulher migrante não existia apenas na prostituição, mas também
nas atividades associadas à figura feminina; serviços domésticos, dançarina, garçonete, babá,
cuidadora de idosos, que eram as únicas atividades disponíveis para as mulheres migrantes de
baixa escolaridade. Ao mesmo tempo, o próprio movimento feminista observou que os homens
provenientes de países em desenvolvimento também estavam em situação de vulnerabilidade
(OLIVEIRA; CAMPOS, 2007, p.18).
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O fato de existem mulheres que em busca de uma melhor qualidade de vida são
submetidas aos mais tristes e degradantes tipos de exploração, sensibilizou o mundo e,
vislumbrou-se a necessidade de tipificar o crime internacionalmente como delito transnacional
que é.
O termo ―tráfico‖ está frequentemente associado à linguagem e às preocupações
presentes nas Convenções Internacionais formuladas a partir do século XX. Nesse
período, os movimentos para proteger as migrantes, predominantemente as européias e
as estadunienses, do perigo de serem forçadas à prostituição no exterior, lutaram contra o
que denominaram ―Tráfico de Escravas Brancas‖. Essa noção de tráfico, vinculada à
prostituição, dominou a atenção internacional em torno do tema da migração
internacional das mulheres, no contexto da internacionalização de mão-de-obra, no
período de globalização do capitalismo até as primeiras décadas do século XX. O debate
deu lugar a uma série de discussões e convenções, encabeçada pela Liga das Nações,
sobre o tráfico de mulheres e crianças. Essas primeiras definições de tráfico,
exclusivamente ligadas a atividades do comércio global do sexo, estão presentes também
na Convenção das Nações Unidas de 1949 sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas e a
Exploração da Prostituição dos Outros (OLIVEIRA; CAMPOS, 2007, p.18).
Apesar de todos os debates e consensos alcançados pelo movimento do grupo
feminista, a visão de prostituição ainda está em discussão, com duas posições majoritárias: a das
abolicionistas, cujo objetivo é criminalizar o consumo de serviços sexuais, pois não pode haver
uma opção pela prostituição, vista como violência de gênero, e a posição do segundo grupo que
deseja ver a prostituição como profissão legalizada, pois pode ser uma escolha livre de pessoas
cuja sexualidade não está atrelada aos modelos tradicionais, representando uma libertação dos
padrões culturais patriarcais dominantes.
Das mudanças internacionais pós-Guerra Fria, depreende-se que a globalização
econômica não gerou apenas prosperidade à sociedade, o cenário da interdependência complexa
dos Estados foi perfeito para a proliferação das atividades criminosas altamente sofisticadas
(SANDRONI, p. 4).
A dissolução da União Soviética significou um câmbio nas relações internacionais de
poder que influenciaram o mundo por 40 anos. Os EUA foram a única potência sobrevivente da
Guerra Fria, consolidando o capitalismo como modo de produção econômico mundial. Porém sua
atuação econômica não lhe deu autoridade para estabelecer a paz mundial.
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Nesse contexto de inexistência de hierarquia política se sedimentaram as
organizações criminosas internacionais. As redes são compostas de pessoas ligadas ao governo e
das que defendem interesse particular, e, ambas possuem uma ligação econômico-políticocultural, a qual os impede de tomar medidas unilaterais extremas, pois o custo do rompimento
seria muito alto.
Essas organizações, cujas atividades são destinadas a obter poder e lucro
transgredindo as leis das sociedades, escolhem o tráfico de seres humanos por causa dos altos
lucros e baixo risco inerentes ao negócio. Traficar pessoas, diferentemente de outras mercadorias,
pode render mais, pois elas podem ser usadas repetidamente. No Brasil, mulheres e meninas são
retiradas de seus lares, muitas vezes humildes e interioranos, e são levadas pra outras cidades,
para capitais dos mais variados Estados brasileiros, para se prostituírem. A promessa de um bom
emprego ainda é a maior arma dos aliciadores, porém, não é a única.
Hoje o tráfico de pessoas, assim como a prostituição, tem uma ligação direta com a
pobreza, e com o desejo dessas mulheres de alcançar uma melhor qualidade de vida, o que quase
nunca acontece. A prostituição é um problema social, e a pessoa que se vende é, normalmente,
vítima de um sistema que não lhe oferece opções. Para saber como combater o crime é necessário
apronfundar o estudo nas organizações que o promovem.
1.1 - O que é o Tráfico Internacional de mulheres?
O tráfico de mulheres é uma das modalidades do tráfico de pessoas mais praticadas
no mundo contemporâneo. O tráfico de mulheres em sua essência se presta a escravidão sexual e
se dá de forma degradante, reduzindo a mulher a um mero objeto dedicado a satisfazer a lascívia
de outrem.
Pode ser considerado como uma forma contemporânea de escravatura. Mulheres são
levadas de um país para outro, como parte do comércio de seres humanos e, em outro país, com
outra língua, as mulheres se tornam mais vulneráveis.
A pobreza, o desemprego, bem como a ausência de educação e de acesso aos recursos
constituem as maiores causas do surjimento do tráfico de seres humanos.
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É evidente que algumas pessoas estão dispostas a assumir o risco de cair nas mãos de
traficantes para melhorarem as suas condições de vida, por outro lado, existe nos países
industrializados uma tendência preocupante para a utilização de mão-de-obra barata e
clandestina, bem como para a exploração de mulheres para fins de prostituição e pornografia.
Milhões de pessoas em todo o mundo são enganadas, recrutadas e transportadas
alimentando o crime organizado internacional. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime – UNODC1 revelam que pessoas de 127 nacionalidades são exploradas em 137
países.
A partir do momento em que surgiram dificuldades na elaboração de um rol exaustivo
do qual constassem todas as possíveis formas de exploração, devido à falta de consenso, nem
mesmo a definição de exploração como finalidade do tráfico pareceu adequado adotar a definição
do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas em especial
Mulheres e Crianças. Uma vez que a adoção da definição do Protocolo confere aos países
membros uma liberdade ampla para estabelecer as várias formas de exploração, diminuindo o
risco de perda das tentativas de harmonizar as legislações nacionais.
Desta forma, o Protocolo detém a definição mais aceita do crime em seu artigo 3º:
a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da
força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de
autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra
para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição
de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;
b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo
de exploração descrito na alínea ―a‖ do presente Artigo será considerado irrelevante se
tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea ―a‖;
1
O UNODC é guardião do Protocolo da ONU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente
Mulheres e Crianças, suplementar à Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional em vigor
internacionalmente desde 2003.
17
c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma
criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não
envolvam nenhum dos meios referidos da alínea ―a‖ do presente Artigo;
d) O termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.
Como se pode observar no texto do Protocolo, três elementos caracterizam o crime de
tráfico de pessoas. O primeiro é o deslocamento de pessoas que envolve a migração, e que pode
acontecer em movimento interno ou externo, ou seja, dentro dos limites de um mesmo país, ou
internacionalmente, quando há cruzamento de fronteiras internacionais.
O segundo elemento é o emprego de meios ilícitos durante os procedimentos de
aliciamento, transporte e a exploração das vítimas, tendo em vista que só fica configurado o
crime de tráfico de pessoas se o aliciador se valer de meio que vicie a vontade da vítima, por
meio de ameaça, força, engano, etc.
O terceiro elemento caracterizador do crime é essencial, pois é a exploração do ser
humano propriamente dita, que compreende uma série de violações aos direitos humanos, pois as
vítimas sofrem abusos sexuais, tortura psicológica, violência, ameaça, trabalho forçado,
escravidão, servidão e remoção de órgãos, entre outros (GAMA; CAMPOS, 2008, p. 22).
Com o escopo de obter uma definição precisa e universal sobre o que vem a ser o
tráfico de pessoas, faz-se necessário um estudo de como a comunidade nacional e internacional
vem tratando o fenômeno, é o que passaremos a analisar.
1.2 – Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de
exploração sexual comercial - PESTRAF
Ao arrecadar maiores informações sobre o crime de tráfico de mulheres no Brasil
para estabelecer as rotas do tráfico, identificar vítimas e criminosos e, principalmente, combater o
crime, observou-se que a precariedade dos dados disponíveis sobre a realidade do tráfico de
mulheres torna ainda mais difícil o combate do um crime.
Desta forma, a PESTRAF foi realizada com objetivo de alcançar um mapeamento
sobre o perfil das vítimas e dos aliciadores que auxilie na construção de ações de combate e
prevenção ao crime de tráfico de pessoas (GAMA; CAMPOS, 2008, p. 22).
18
Essa pesquisa identificou que muitas das vítimas brasileiras são de cidades litorâneas
ou do interior do País. Essas rotas são estrategicamente escolhidas, ficam em locais mais
próximos a rodovias, ferrovias e aeroportos. Essa proximidade que possibilita uma maior
agilidade na movimentação das pessoas traficadas.
A Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de
Exploração Sexual Comercial (Pestraf), fez um amplo mapeamento das rotas de tráfico utilizadas
pelas redes de tráfico no Brasil, assim, contabilizou 141 rotas nacionais e internacionais.
As vítimas do tráfico provêm em sua maior parte dos estados de Goiás e Ceará,
porém, as formas de aliciamento são adequadas aos tipos de vítimas e às formas de se chegar a
elas. No interior do Goiás, a maioria das vítimas não é profissional do sexo, são atraídas pela
chance de obter novas e melhores oportunidades profissionais (COLARES, 2004, p.17).
Em locais onde o turismo sexual é amplamente praticado, como no estado do Ceará, a
maior parte das vítimas já é profissional do sexo e, é levada para o exterior por livre e espontânea
vontade pelas redes criminosas para continuar exercendo a profissão, atraídas pela vantagem de
receber em moeda mais valorizada do que o Real e manter sua família com maior conforto no
Brasil.
Através da PESTRAF não foi possível obter uma representação específica do tráfico,
vez que as informações obtidas refletem apenas a realidade dos estados onde foi realizado o
projeto-piloto do Ministério da Justiça e do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime
– UNODC. Porém, essa análise compreende uma grande inovação, vez que é o primeiro estudo
realizado no Brasil no sentido de se identificar as rotas adotadas pelas redes criminosas, as
vítimas em potencial e quem são e como trabalham os aliciadores.
Vale ressaltar ainda que os dados obtidos na pesquisa não alcançam a realidade de
hoje, tornando-se imperativo a atualização de estudos e pesquisas nesse sentido, a fim de
implementar políticas públicas e projetos de lei eficazes, que atendam as necessidades da
sociedade, e não defazados desde seu início.
As investigações desse tipo de crime esbarram em uma série de dificuldades tais
como a falta de informação, pois as vítimas não têm coragem de denunciar por medo dos
criminosos, a conivência da população com o crime, já que parcela da sociedade acredita que a
exploração seja um ramo do mercado de trabalho, o preconceito dos policiais com relação às
vítimas, por considerá-las co-responsáveis pela situação em que se encontram vez que já
19
exerciam atividades relacionadas ao mercado do sexo e mantinham contato com as organizações
criminosas no Brasil, e, pela participação de policiais federais nas redes criminosas, sendo
negligentes nas fronteiras ou facilitando o mecanismo das rotas do tráfico (COLARES, 2004,
p.24).
Porém, errônea é a visão dos policiais que consideram as vítimas co-responsáveis no
crime, vez que como já anteriormente citado, as vítimas residentes em cidades do interior muitas
vezes não são profissionais do sexo, são aliciadas iludibriadas pela expectativa de oportunidades
de emprego melhores no exterior, e, ainda do ponto de vista jurídico, nem o Código Penal
Brasileiro e nem a Convenção de Palermo avalia o comportamento anterior da vítima
determinante para consumação do crime (COLARES, 2004, p.23).
De acordo com a pesquisa, apenas trinta por cento dos casos chegaram ao conhecimento das
autoridades depois de investigação policial ou prisão e flagrante do réu. A grande maioria só
foi apurada devido a denúncias anônimas ou depoimentos de parentes, amigos ou da própria
vítima. Esse dado indica que uma campanha de esclarecimento da sociedade sobre o tráfico,
que ensine a população a identificar o crime, pode ajudar num combate mais efetivo.
Nesse sentido é urgente que os veículos de comunicação e a população percebam que o
tráfico pode estar interligado tanto com fatos aparentemente lícitos (proposta de casamento
repentina e moradia no estrangeiro, proposta de trabalho no exterior, convite para viajar para
fora do país) ou notadamente ilícitos (cárcere privado, lenocínio, tráfico de drogas, entre
outros). (COLARES, 2004, p.23).
Desta forma, a resposta da sociedade e do Poder Público ao fenômeno do tráfico de
mulheres para fins sexuais no Brasil, deve ser o fortalecimento de uma concepção que vincule, na
prática, a globalização dos direitos e do desenvolvimento social e intelectual das mulheres em
situação de tráfico para fins sexuais, enfrentando as desigualdades sociais, de gênero, raça e etnia,
e combatendo a impunidade numa ação conjunta entre sociedade e governo, em nível local e
global.
Como já anteriormente dito, pela complexidade do crime, combatê-lo é também conter
vários tipos de desrespeitos a dignidade humana, entre eles o direito a liberdade, pois a prática do
crime implica na criação de uma moderna e degradante versão da escravidão.
20
1.3 - A Escravidão e o Tráfico de Mulheres
Conforme citado na parte histórica da pesquisa, o trabalho forçado é um fenômeno
antigo na humanidade que tem raízes profundas no tempo. Desde os primórdios da história, no
período grego e romano já havia formas de escravidão. Alcançou as épocas medieval e moderna
e, atualmente é amplamente utilizado (VIEIRA NINA, 2010, p.98).
A partir do século XVIII surgiram ideias de pensadores como Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778) que iriam inspirar movimentos revolucionários na França e na América. Tais ideias
fundamentaram a chamada filosofia iluminista, radicalmente contrária ao absolutismo da época,
projetando-se para o mundo exterior através das transformações sociais e políticas que
culminaram com a promulgação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em 1789,
que em seu artigo 1º proclama que ―todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade de
direitos‖. Portanto a liberdade é inerente à conduta humana2.
Segundo Rousseau: ―o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros‖.
Para ele, os indivíduos possuíam uma condição natural humana de felicidade, virtude e liberdade,
mas estavam presos a uma ordem desigual, assim, a perda dessa liberdade se dava por meio de
um pacto viciado e fraudulento.
A escravidão é uma forma de trabalho forçado. Implica o domínio absoluto de uma
pessoa por outra ou, até, de um grupo de pessoas por outro grupo social. Para a
Organização Internacional do Trabalho – OIT, a escravidão foi definida, no primeiro
instrumento internacional sobre o assunto, em 1926 3, como estado ou condição de uma
pessoa sobre a qual se exerce todo ou algum poder decorrente do direito de propriedade.
Uma pessoa submetida à escravidão será certamente obrigada a trabalhar, mas essa não é
a única característica definidora da relação. Além dela, outro aspecto é que a situação
não tem duração fixa, muitas vezes baseada na descendência (VIEIRA NINA, 2010,
p.99).
Na visão de Moisés Naim, esse é o mais repugnante de todos os comércios ilícitos,
por estar entranhado a um complexo fluxo migratório impulsionado por falta de oportunidade,
esperança, desespero ou necessidade de sobrevivência da vítima, que o aliciador transforma em
2
3
(Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/pt/programasglobais_tsh_inicial.html>, 2002. Acesso em 17/10/10).
Convenção sobre a escravatura, assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926.
21
lucro. Esses valores são estimados pela OIT em cerca de US$ 32 bilhões de dólares (VIEIRA
NINA, 2010, p. 99).
Nesse mesmo sentido afirma Bárbara Campos:
[...] Os números são alarmantes. Há estudos que apontam o tráfico de pessoas como um
negócio tão lucrativo quanto o tráfico internacional de armas e de drogas. Estimativas da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que o tráfico de seres humanos
fez aproximadamente 2,4 milhões de vítimas em 2005. A OIT calcula ainda que 43%
foram vítimas de exploração sexual e 32% de exploração econômica. A verdade é que
não é fácil determinar a real dimensão desse problema nos dias atuais, inclusive em
razão da sua própria natureza ilícita (CAMPOS, 2006/2007, p. 37).
Além de estar submetido ao trabalho forçado, o trabalhador ainda carrega o peso de
estar vinculado a uma relação de emprego não regulamentada. Desse modo, os trabalhadores não
recebem o pagamento integral dos salários a que fazem jus, são submetidos a jornadas mais
longas e a mais dias de trabalho. No caso específico do tráfico de mulheres, elas pagam uma série
de custos para sua contratação como os pagamentos efetuados às agências de colocação ou aos
intermediários, o financiamento de uma formação específica necessária para serem admitidas no
país de destino, a aquisição de conhecimentos linguísticos, pagamento do visto, transporte e
outros custos impostos pelo empregador de maneira discricionária.
Outro meio comum utilizado pelos exploradores para manter a vítima presa na rede
de exploração é o incentivo ao vício dos trabalhadores às drogas, o que também escraviza por
dependência e diminui a possibilidade de fugas e denúncias.
A escravidão sexual é a mais caracterizada no mundo global. O tráfico sexual é um
dos empreendimentos criminosos que mais crescem no mundo. Costa informa alguns números
desse crescimento:
Um milhão de mulheres e crianças são vendidas por ano em todo o mundo por um total
de 6 bilhões de dólares. Isso inclui 50 mil nos EUA, mas os grandes mercados para esse
tráfico são o Sudeste Asiático (250 mil) e a Europa Oriental (mais de 200 mil). Na
Tailândia, 35 mil prostitutas, geralmente vendidas muito jovens por algo como 2 mil
dólares, ganham cada uma cerca de US$ 50 mil por ano para seus donos, mas nada para
si mesmas. O colapso da URSS levou uma enxurrada de mulheres empobrecidas e
desesperadas da Europa Ocidental, repetindo a triste odisséia das polacas espalhadas
22
pelo mundo como consequência da derrocada econômica, da guerra e das perseguições
anti-semitas dos anos 1920 (VIEIRA NINA, 2010, p.110).
Trata-se de um mercado bastante flexível, pronto a oferecer a mercadoria que lhe é
demandada como uma transação de compra e venda. Este tráfico chama a atenção dos grupos de
criminosos por sua alta lucratividade e seu baixo risco. As pessoas são consideradas mercadorias
tão valiosas quanto armas e drogas, porém podem render mais, pois podem ser vendidas muitas
vezes. Este tipo de crime também não necessita de grandes investimentos e se apóia de um lado
na aparente cegueira com que muitos governos lidam com o problema da migração internacional
e do outro, com o problema da exploração sexual comercial.
De acordo com o Relatório da OIT de 2005, intitulado ―Uma Aliança Global Contra o
Trabalho Forçado,‖ as raízes do problema encontram-se muito mais nas forças que permitem a
existência da demanda pela exploração de seres humanos do que nas características das vítimas.
Essa demanda vem de três diferentes grupos: os traficantes que são atraídos pela perspectiva de
lucros milionários, os empregadores inescrupulosos que querem tirar proveito da mão de obra
aviltada e, por fim, os consumidores do trabalho produzido pelas vítimas (PASCUAL, 2007, p.
43).
O desemprego e a precarização do trabalho cresceram persistentemente desde a
década de 90 no cenário latino americano. Os salários caíram e cresceu a mão de obra informal.
De acordo com a OIT, na America Latina, 85% dos novos postos de trabalho se implantaram no
campo informal, com condições precárias e sem direitos trabalhistas.
O crescimento da pobreza e a desigualdade social são fortes sinais da debilidade
política do sistema, no qual as garantias democráticas estão sob ameaça, o que fomenta
descontentamento e a desconfiança crescente com relação a representantes políticos e às
instituições, cenário propício aos fluxos migratórios que buscam condições de salário e vida.
O Brasil assumiu a liderança mundial no combate à prática ilícita de trabalho escravo
que alicia homens do campo e da cidade com falsa promessa de emprego e subsistência graças à
atuação conjunta dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de Organizações como a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
(Contag) e a Organização Internacional do Trabalho 4 (OIT).
4
(Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/pt/programasglobais_tsh_inicial.html>, Acesso em 17/10/10).
23
Na atualidade, quase todos os países proíbem o trabalho forçado, vedação essa que
pode estar contemplada nas suas disposições constitucionais, no Código Penal, nas leis
trabalhistas ou em outras disposições do direito administrativo e, de acordo com a Convenção
sobre o Trabalho Forçado de 1930 da OIT receberam ratificação quase que universal.
O grande objetivo da OIT, com mais de quarenta escritórios em todo o mundo, é
promover o trabalho decente e a erradicação do trabalho infantil. Falar em trabalho
decente significa fortalecer os pilares de uma ―globalização justa‖, ou seja, ampliar os
horizontes econômicos sem perder o foco no desenvolvimento humano. De acordo com
a OIT, o trabalho decente é aquele adequadamente remunerado, exercido em condições
de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. Apóia-se em
quatro eixos estratégicos: respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos
princípios e direitos fundamentais do trabalho, promoção do emprego de qualidade,
extensão da proteção social e diálogo social (PENNA e FARIA, 2008, p. 9).
Esse conceito deve ser aplicado de acordo com as diferentes realidades, colocando os
direitos sociais sempre em primeiro plano para que não sejam deixados de lado em relação ao
desenvolvimento econômico.
Para garantir um combate efetivo ao crime de tráfico de pessoas, a OIT tem
executado projetos de cooperação técnica internacional com vistas a desenvolver pesquisas e
fortalecer as instituições nacionais. No Brasil, presta assistência por meio do Programa
Internacional de Ação Especial contra o Trabalho Forçado (SAP/FL) e do Programa Internacional
para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC). Desde 2005, a OIT se empenha em ampliar um
projeto com o objetivo de fortalecer a capacidade das organizações nacionais em aplicar a
legislação existente, bem como implementar políticas e programas de combate ao tráfico de
pessoas para fins de exploração sexual comercial e trabalho forçado (PENNA e FARIA, 2008, p.
11).
As ações da OIT com seus parceiros sociais, governos, organizações de empregadores
e trabalhadores, se baseiam na ideia de que o tráfico de pessoas pode ser prevenido com a oferta
de trabalho descente, livre e produtivo pelo mercado, assim como por medidas sociais que
envolvam a polícia, magistrados, autoridades do Executivo, capacitação, sociedade civil e os
24
setores produtivos capazes de melhorar a situação econômica da sociedade (FARIA; PENNA,
2008, p. 9).
A Declaração dos Princípios Fundamentais e Direitos do Trabalho, com o objetivo de
manter o vínculo entre progresso social e o crescimento econômico garantindo os princípios e
direitos fundamentais do trabalho, reafirma os princípios Constitucionais em sua Convenção:
- liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
- eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
- abolição efetiva do trabalho infantil;
- eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação (FARIA,
OLIVEIRA, 2007, p. 47).
Assim, juntamente com os países membros que se comprometeram a se esforçar para
atingir os objetivos gerais da Organização, a OIT busca combater o tráfico de pessoas e auxiliar
seus membros em resposta às necessidades que tenham apresentado, por entender que a
legislação trabalhista pode ser um elemento de ajuda importante nesse combate.
Além da mulher, uma outra classe marginalizada é bastante suscetível ao crime : o
migrante, normalmente sem recursos financeiros e mesmo sem conhecimento de seus direitos,
acabam se tornando vúlneráveis aos aliciadores.
1.4 - O imigrante, o migrante e o refugiado
O tráfico internacional de mulheres se insere no contexto das grandes correntes
migratórias de hoje. Essas três figuras provenientes de fluxos migratórios – o imigrante, o
migrante e o refugiado - exercem papel relevante no tráfico, pois são classes vulneráveis à
exploração, já que muitas vezes entram em países irregularmente e se submetem a condições de
trabalho abusivas para manter a sua sobrevivência econômica e a sobrevivência econômica de
suas famílias. Como receiam relatar suas condições da vida e trabalho às autoridades por medo de
serem detidas e deportadas, essas pessoas estão menos dispostas a sair do esquema do tráfico por
vontade própria, e assim tornam-se cada vez mais dependentes dos traficantes.
De acordo com o artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o
tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é um crime contra a humanidade:
25
[...] entende-se como crime contra a humanidade qualquer um dos atos seguintes,
quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer
população civil, havendo conhecimento desse ataque:
c) escravidão;
g) agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada,
esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade
comparável (CAMPOS, 2006/2007, p. 45).
E, levando em consideração o artigo 9º do Pacto de Direitos Civis e Políticos –
PIDCP, que diz que todo ser humano tem o direito à liberdade e à segurança de sua pessoa,
(CAMPOS, 2006/2007, p. 45) pode-se afirmar que esses são direitos inerentes à pessoa humana
que devem ser respeitados aonde quer que ela esteja, seja em seu país ou em território
estrangeiro.
Vê-se, porém, inúmeras formas de discriminação ao ser humano que se encontra em
trânsito entre países a passeio, a trabalho, pessoas que estão em busca de trabalho no exterior de
forma legal ou ilegalmente e principalmente as vítimas de crimes transnacionais.
No contexto do tráfico de pessoas, a adoção de políticas migratórias restritivas por
parte dos Estados acaba por gerar o efeito contrário. Primeiro, o que se nota é que fazem
muitos países, ao adotar o discurso do ―combate ao tráfico de pessoas‖, é adotar política
migratória disfarçada. Parece cada vez mais forte o vínculo que se criou entre as
políticas de contenção da migração e as estratégias para combater o tráfico, que deve ser
visto com muita cautela. Em segundo lugar, o recrudescimento da vigilância nas
fronteiras só faz aumentar ainda mais a demanda e as possibilidades de lucro das
organizações criminosas. As possibilidades de migração regular diminuem, aumentando
o ―mercado‖ de serviços de migração irregular. Desse modo, as restrições migratórias
acabam por gerar uma demanda cada vez maior por alternativas irregulares, criando um
terreno fértil para as atividades do crime organizado transnacional [...] (CAMPOS,
2006/2007, p. 46).
Assim, passemos a caracterizar:
a) Imigração
26
O papel da imigração ilegal é importante no comércio sexual, pois a movimentação
de pessoas em busca de oportunidades beneficia o recrutamento de vítimas. A imigração tem
origem no desenvolvimento econômico dos países ricos, que contratam trabalhadores com baixa
escolaridade provenientes dos países pobres e dispostos a trabalhar em setores abandonados.
Assim, foi criada em alguns países uma demanda por trabalhadores inexistentes no mercado
local, sendo incontáveis os imigrantes dispostos a receber baixos salários em empregos
desprezados por trabalhadores locais.
É consenso que, um modo simples de reduzir a imigração ilegal seria aplicar as leis
existentes contra a contratação de trabalhadores sem registro. O custo da fiscalização
seria, então, transferido dos contribuintes para as multas imputadas aos empregadores,
que contratam milhões de trabalhadores ilegais (VIEIRA NINA, 2010, p.113).
O interesse econômico norteia a decisão de abrigar certa categoria de trabalhadores
e rejeitar outras, respaldada por políticas imigratórias e leis trabalhistas ambíguas e
contraditórias, como foi o caso da anistia concedida em 2005 na Espanha aos trabalhadores
ilegais que já viviam no país. Outros não são tão bem vindos, e passam a atuar no mercado
marginal sob a ameaça de deportação ou da chantagem.
b) Migração
A migração é também um fenômeno que contribui para o crime de tráfico de
mulheres e cresce a cada dia, pois elas são mais pobres, mais vulneráveis, tem mais dificuldade
de obter nova cidadania, e muitas além dos problemas pessoais têm problemas com suas crianças
e famílias. As mulheres são historicamente discriminadas, pois são mais vulneráveis às mudanças
e tornam-se parte expressiva das migrações de busca de soluções mais imediatas de
sobrevivência. Elas compreendem 70% da parcela das pessoas mais pobres no mundo, fenômeno
reconhecido por distintas agências internacionais inclusive o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD (TELES, 2007, p. 35).
Gina Vargas, feminista latino-americana, em seu discurso durante a IV Conferência
Mundial Sobre a Mulher, promovida pela ONU, em Beijing, China, em 1995,
denunciou:
27
As mulheres representam 57% da população mundial; realizam 66% das horas de
trabalho; ganham menos de 10% da renda global e só possuem 1% da terra. Como não
falar de discriminação quando os homens que representam 43% da população possuem
99% das propriedades do planeta? (Revista Mujer Salud/Mujeres Del Tercer
Milênio/RMLAC,3-4/99) (TELES, 2007, p. 35).
Apesar da necessidade de crescimento em todas as formas de trabalho migrante, as
leis de imigração dos países de destino não satisfazem à demanda. Observa-se uma contradição
existente entre a necessidade de políticas de migração e as medidas de repressão adotadas. As
mulheres dos países em desenvolvimento que viajam sozinhas são frequentemente mal vistas
pelos órgãos de imigração e muitas vezes seus vistos e entradas são recusados em outros países.
O efeito das leis e das políticas repressivas de migração faz com que pessoas desesperadas saiam
à procura de agentes para facilitar sua migração, muitas vezes usando documentos falsos e meios
ilegais de viagem e entrada (PEARSON, 2006, p.42).
Deve-se destacar que a maior parte dos brasileiros trabalhadores migrantes entra na
Europa como turista, sem permissão para trabalhar, especialmente aqueles que já se encontravam
no setor informal brasileiro. Buscando ganhar mais dinheiro longe de casa, às vezes mesmo sem
nenhuma proposta de trabalho, esses brasileiros acabam normalmente desenvolvendo trabalhos
informais, onde não necessitam de qualificações específicas, como babá, doméstico e trabalho
sexual. Esses migrantes geralmente experienciam alguma forma de exploração já que estão
vulneráveis para a deportação imediata se, e quando, seu status irregular for descoberto.
c)
Refugiado
Não se pode confundir o tráfico de pessoas com a figura do refugiado. Este, de acordo
com a Convenção de Genebra, é a pessoa que é perseguida por causa de sua raça, religião,
nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas; e que se encontre
fora do país de que tem nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira
voltar.
O refugiado vai à procura de um intermediador-transportador, por iniciativa própria,
sabendo qual será o roteiro a ser seguido e qual o destino final. Sendo assim, não há qualquer
cunho de exploração entre pessoas daquela relação, nem tampouco uso de força física ou meios
28
iludibriantes, enquanto no tráfico há necessidade que haja ameaça, uso da força, outras formas de
coerção, rapto, abuso de autoridade ou situação de vulnerabilidade (CAMPOS, 2006/2007, p. 45).
Identificar as possíveis vítimas de um crime é essencial para a conscientização da
população mundial, mesmo que fora do seu país de origem, os migrantes devem ter sempre seus
direitos humanos observados.
Entre os esforços empreendidos para avançar contra o crime, o Brasil realizou estudos
exploratórios para entender as motivações que incentivam a migração tais como a Pesquisa em
Tráfico de Pessoas, uma pesquisa de parceria entre a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério
da Justiça (SNJ/MJ) e o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC).
O objetivo desse estudo era traçar o perfil socioeconômico das pessoas que sofreram
deportação e não admissão, identificar indícios de envolvimento no tráfico, compreender a
dinâmica do recrutamento, deslocamento, recepção e inserção no mercado de trabalho no exterior
para subsidiar a implantação do serviço de atendimento aos deportados, capacitação dos
funcionários federais que atuam na área restrita, contribuir com o Ministério da Justiça no
aperfeiçoamento da Política Nacional do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e, oferecer dados
precisos sobre a deportação de brasileiros para auxiliar o trabalho diplomático.
Essas pesquisas e trabalhos focados no tráfico de pessoas nos oferecem dados
relevantes para que se possa conhecer a vítima, o aliciador, a forma de aliciamento e
principalmente como encarar o crime.
1.5 - Perfil dos Réus ou Indiciados
Conforme as pesquisas realizadas pelo Ministério da Justiça, juntamente com o
Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC), e pelo Centro de Referência,
Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (CECRIA), através da PESTRAF – Pesquisa
sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial,
detectou-se que os traficantes, em sua maioria, são homens com mais de 30 anos de idade, porém,
há uma alta presença de mulheres envolvidas no tráfico, atuando, principalmente, no
recrutamento das vítimas (COLARES, 2004, p. 30).
Essas pesquisas demonstraram, também, que várias mulheres mais velhas se tornam
aliciadoras, pelo fato de exercerem influência e possuir uma relação de proximidade e intimidade
29
com a vítima alegando até que já foram trabalhar no exterior e que tiveram uma experiência
proveitosa, principalmente sobre as moças que tem medo de aceitar as propostas vindas do
exterior (COLARES, 2004, p. 30).
Nos processos e inquéritos examinados, os acusados declaram ter ocupações em
negócios como casas de show, comércio, casas de encontros, bares, agências de turismo, salões
de beleza e casas de jogos. A maioria dos brasileiros acusados nos inquéritos e processos
examinados está associado a alguma rede criminosas envolvendo drogas, prostituição, lavagem
de dinheiro e contrabando, que, por sua vez, mantêm ligações com organizações sediadas no
exterior. (COLARES, 2004, p. 32).
Entre os acusados há uma presença maior de pessoas com nível médio e superior, o
que explica, em parte, a característica internacional do crime, que exige maior escolaridade para
possibilitar operações que podem ter ramificações em diferentes países. Quanto à nacionalidade,
encontra-se a presença tanto de brasileiros como de estrangeiros.
É alarmante o diagnóstico que aponta a suspeita de participação da Polícia Federal
Brasileira nas redes criminosas de tráfico de seres humanos no Brasil. Isso se deve ao fato do
único processo em curso na Justiça Federal no Rio de Janeiro ter, como principais envolvidos, 45
policiais federais. Num universo total de 94 suspeitos incluídos nessa amostra, o número de
policiais citados no processo citado acaba distorcendo o diagnóstico final. Os policiais aparecem
como aliciadores e participantes de redes internacionais de tráfico para fins de exploração sexual,
conforme gráfico abaixo: (COLARES, 2004, p. 32).
Empresário - 19%
Prof. Liberal - 2%
Prof. do Sexo - 3%
Agente de Turismo - 2%
Taxista - 1%
Policial - 47%
Nenhuma - 4%
30
Importante ressaltar que, em muitos casos, o aliciamento ocorre de boca a boca, por
intermédio de pessoas já traficadas e que retornam com a incumbência única de fornecer vítimas
ao negócio. Trata-se de redes que transformam pessoas traficadas, antes exploradas, em
aliciadoras de outras pessoas, em uma estratégia que, além de facilitar o contato, não expõem os
verdadeiros financiadores do tráfico.
1.6 - Perfil das Vítimas
Como anteriomente citado, há dois perfis de mulheres traficadas: o da mulher que
viaja à procura de um emprego com bom salário, mas que na verdade é enganada, pois o objetivo
real da viagem é a exploração; e o da mulher que já estava inserida na prostituição, antes mesmo
de fazer viagem ao exterior.
Porém, as vítimas do tráfico, em sua maioria, viajam ludibriadas com promessas de
emprego ou uma vida melhor no exterior. E ao chegarem ao país onde foram enviadas, tais
mulheres são obrigadas a se prostituir e viver em condições lastimáveis, endividadas e sem
possibilidade de retorno, de fuga ou pedido de ajuda, seja de suas famílias ou das autoridades,
uma vez que seus passaportes são confiscados. (COLARES, 2004, p. 27).
Elas recebem todo incentivo para acreditar que realmente tiraram a sorte grande. Os
aliciadores providenciam desde roupas ao passaporte, a passagem e ainda adiantam dinheiro. As
mulheres saem de seus países tanto de forma clandestina como também às vezes de forma legal.
Porém, ao chegarem ao exterior, descobrem que seu sonho virou pesadelo, pois terminam
prisioneiras de redes de prostituição e viram valiosas mercadorias assim como armas e drogas, à
mercê dos criminosos, seus exploradores, que são capazes de tudo para garantirem seu
faturamento. São violentadas de todas as formas, seja física ou psicologicamente.
No Brasil, o tráfico para fins sexuais é, predominantemente, de mulheres e
adolescentes, afrodescendentes, com idade entre 18 e 21 anos. Essas mulheres são oriundas de
classes populares, apresentam baixa escolaridade, habitam em espaços urbanos periféricos com
carência de saneamento, transporte (dentre outros bens sociais comunitários), moram com algum
familiar, têm filhos e exercem atividades laborais de baixa exigência. Inserem-se em atividades
laborais relativas ao ramo da prestação de serviços domésticos (arrumadeira, empregada
doméstica, cozinheira, zeladora) e do comércio (auxiliar de serviços gerais, garçonete, balconista
31
de supermercado, atendente de loja de roupas, vendedoras de títulos etc.), funções desprestigiadas
ou mesmo subalternas. Funções estas, mal remuneradas, sem carteira assinada, sem garantia de
direitos, de alta rotatividade e que envolvem uma prolongada e desgastante jornada diária,
estabelecendo uma rotina desmotivadora e desprovida de possibilidades de ascensão e melhoria
(COLARES, 2004, p. 30).
Os dez países com maior número de vítimas são: Rússia, Ucrânia, Tailândia, Nigéria,
Moldávia, Romênia, Albânia, China, Bielorússia e Mianmar. O gráfico abaixo explicita os
destinos mais freqüentados pelas vítimas brasileiras: (CECRIA, 2002, p. 6).
Destino das vítimas do tráfico de seres
humanos
Não informado
8%
Japão EUA
4% 6%
Portugal
França
20%
6%
Israel
6%
Suiça
6%
Espanha
36%
Itália
8%
Nessa perfeita arquitetura de crimes, a atuação das organizações criminosas é
imprescindível para o aliciamento das vítimas e transporte de um país para o outro,
movimentando milhões arrecadados em outros crimes como o tráfico de drogas, por exemplo e,
conectando todos os crimes em uma só rede criminosa.
1.7 - O Crime Organizado Internacional
O Crime Organizado Internacional é um dos temas mais complexos do século XXI,
pois envolve uma série de outros tópicos tais como a justiça, a saúde, o tráfico de migrantes, a
prostituição, a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, o trabalho e o emprego, o
32
trabalho forçado, trabalho escravo, o trabalho infantil, a educação, a cultura, as migrações
irregulares, entre outros.
No contexto do novo ambiente internacional, a criminalidade organizada
transnacional configura-se como uma das novas entidades paraestatais de poder, que emerge com
uma grave ameaça à paz e à prosperidade, possuindo como objetos principais e permeadores da
sua atividade o narcotráfico, a lavagem de dinheiro, o contrabando de imigrantes e o tráfico de
pessoas.
O crime Organizado Transnacional é considerado hoje como uma das maiores
ameaças à segurança humana, vez que se configura em um crime multifacetado que impede o
desenvolvimento político, econômico, social e cultural da sociedade. Observa-se ainda que o
ordenamento jurídico dos países democráticos também é afetado. Os criminosos aproveitam
todas as brechas das normas jurídicas para burlar o aparato legal. Ainda mais, procuram
internacionalizar suas ações em países onde as punições sejam leves e de preferência que não
haja extradição. Dessa maneira, o fato de cada país ter a sua própria lei sobre o crime organizado
dificulta o combate a essa ameaça mundial (SANDRONI, p.6.).
Nessa teia de relacionamentos, a tecnologia tem papel fundamental no intercâmbio
financeiro e no fluxo de informação, pois diminui o espaço mundial.
É evidente que sem o aprimoramento da tecnologia e o espírito capitalista não haveria o
fenômeno da globalização, fluxo de bens materiais e não materiais entre dois ou mais
países. De acordo com a pesquisadora Louise Shelley: ―A globalização caminha junto
com a ideologia de livres mercados e livre comércio e com a diminuição da intervenção
estatal. Conforme os defensores da globalização, a redução das regulamentações e
barreiras internacionais às transações comerciais e aos investimentos aumentará o
comércio e o desenvolvimento (SANDRONI, p.4).
Porém, a globalização não se restringiu aos aspectos econômicos e culturais, pois a
diversa interação entre as pessoas resultou na fragilidade da fronteira estatal, configurando-se um
verdadeiro desafio às autoridades monitorar todos os fluxos internacionais (SANDRONI, p.5).
Constata-se, assim, que existe uma crise de governabilidade nos países contaminados
pelo crime organizado, e que se caracteriza pela perda do monopólio da força coercitiva do
Estado. A liberdade de movimentação trouxe mudanças significativas na natureza do Estado e o
33
cenário marcado pela corrupção governamental contribuiu ainda mais para o aumento da
violência. Sabe-se que onde a autoridade estatal é fraca, o terrorismo e o crime organizado são
intrínsecos. Uma declaração que sustenta essa tese foi dada pela norte-americana Louise Shelley
(SANDRONI, p.5):
Grupos criminosos e terroristas têm explorado o grande declínio nas regulamentações,
o afrouxamento dos controles de fronteiras e a maior liberdade resultante para ampliar
suas atividades nas fronteiras e em novas regiões do mundo. Esses contatos têm se
tornado mais freqüentes e a velocidade na qual ocorrem, mais acelerada.
O Crime organizado cada vez mais aumenta seu poder e se fortifica enquanto a
democracia é fragilizada. É nessa configuração que o crime organizado usufruiu da globalização
e tornou-se um ameaça transnacional.
1.8 – O crime de Tráfico de Mulheres e a Lavagem de Dinheiro
O enfrentamento ao tráfico de pessoas e à lavagem de dinheiro são correlatos, pois
ambos tem dimensões internacionais, representando uma faceta da criminalidade do mundo
globalizado e, como tal, precisam de uma estratégia para serem combatidos.
A Lei n.º 9.613/98 define o delito de ―lavagem‖ ou ocultação de bens, direitos e
valores, prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta lei, em seu
artigo 1°, abaixo transcrito:
Ocultar ou dissimilar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta
ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou
omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
34
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a Administração Pública estrangeira. (Lei n.º
9.613/98).
A lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais é uma expressão que se refere a
práticas econômico-financeiras que têm por finalidade dissimular ou esconder a origem ilícita de
determinados ativos financeiros ou bens patrimoniais, de forma a que tais ativos aparentem uma
origem lícita ou a que, pelo menos, a origem ilícita seja difícil de demonstrar ou provar. É dar
fachada de dignidade a dinheiro de origem ilegal. Nesse mesmo sentido afirma Tatiana Bicudo:
Assim, a lavagem de dinheiro é uma prática em que o criminoso transforma
recursos oriundos de atividades ilegais em ativos com origem aparentemente legal. Prática
essa que envolve transações financeiras para ocultar a origem dos ativos financeiros e
permitir que sejam utilizados sem que comprometa os criminosos. A dissimulação é,
portanto, a base para toda operação de lavagem, que envolve o dinheiro proveniente de um
crime antecedente (BICUDO, 2008, p.89).
Verifica-se assim a prática de um crime pressuposto e a prática de outro delito. Notese que há o fato antecedente, descrito nos incisos, de onde provém o ―dinheiro sujo‖, e a posterior
lavagem de capitais (crime consequente), definida no caput. Porém, a Lei não menciona o tráfico
internacional de mulheres e crianças, um dos que mais desembocam na lavagem de capitais. A
razão histórica da falha técnica está em que nos idos de 1998, quando a Lei entrou em vigor, não
obstante o delito de tráfico internacional de pessoas estivesse sendo cometido há muito tempo e
em grande escala, este não tinha grande repercussão social. Esquecido pela mídia, passou
despercebido aos olhos do legislador. Dessa forma, não há a tipificação do crime na hipótese de o
objeto material advir de tráfico internacional de pessoas, subsistindo apenas o delito antecedente.
O sistema legal de enunciação de rol de crimes que devem ser alcançados pela norma
punitiva é falho pois, como norma taxativa, o rol do art. 1.º da lei referida não pode ser ampliado
por analogia nem por interpretação extensiva.
Apesar do inciso VII mencionar crime ―praticado por organização criminosa‖, a lei
brasileira ainda não definiu o que se deve entender pelo termo. Além disso, é possível que o fato
seja cometido em concurso de pessoas (co-autoria e participação) ou por quadrilha, escapando do
eventual conceito de organização criminosa.
35
O delito de lavagem de dinheiro não está apenas adstrito às organizações criminosas,
apesar de serem estas seus autores na maioria das vezes, podendo ser cometido por
quadrilhas, bandos e empresários.
[...] o delito é autônomo, assim, quando o autor participa da execução de ambos os
crimes, da lavagem e do crime precedente, incorre em concurso material, de acordo com
o artigo 69, do Código Penal. Não se pode falar da aplicação do Princípio da Consunção,
cujo fato posterior é consumido pelo anterior, como ocorre nos delitos de receptação e
favorecimento real, pois, nestes crimes, o bem jurídico é apenas um (Santos, 2003, p.01).
O principal objetivo no combate à lavagem de dinheiro é neutralizar as vantagens
obtidas com a atividade ilícita, ou seja, combater as organizações criminosas por meio da perda
ou bloqueio de seus recursos financeiros, e, uma das fontes de lucro ou crime antecedente pode
ser o tráfico de mulheres. Mais do que deter ou prender o criminoso, o objetivo passa a ser deixar
a organização criminosa sem os recursos necessários para desenvolverem suas atividades ilegais,
tendo em vista que prender quem pratica o crime não resolve o problema, a solução é desarticular
a atividade criminosa (BICUDO, 2008, p.91).
De acordo com a PESTRAF, associação do crime de tráfico de pessoas com outros
feixes do crime organizado é amplamente reconhecida. São fortes os indícios de que, no norte do
Brasil, as rotas de tráfico de pessoas possuem conexões com o tráfico de drogas. A maioria dos
brasileiros acusados nos inquéritos e processos coletados é intermediária de um conjunto de
negócios escusos (drogas, sexo pago, lavagem de dinheiro e contrabando) pertencentes a uma
―matriz‖ do crime sediada no exterior.
Segundo a ONU, o narcotráfico não é o crime que gera mais ativos a serem lavados,
60% do dinheiro lavado provêm da corrupção e grande parcela provém da exploração da
prostituição de mulheres e crianças (BICUDO, 2008, p.93).
Trata-se de mais um tema que congrega segurança pública e segurança internacional,
ação internacional e políticas domésticas. Temas preocupantes em um país continental como o
Brasil, com uma economia dinâmica e internacionalmente relevante, e que tem divisas com
vários países problemáticos no que diz respeito à tráficos.
36
Assim, para combater a lavagem de dinheiro é necessário combater a organização
criminosa, necessário se faz o combate do tráfico de mulheres, uma das grandes fontes de
recursos do crime organizado.
37
2- A CONVENÇÃO DE PALERMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS AO COMBATE AO
CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES
Como anteriormente dito, o crime organizado transnacional foi um dos grandes
beneficiados da globalização, pois como as multinacionais, ele dispersou suas atividades
rapidamente com as redes transnacionais em vários continentes.
Porém, a legislação não acompanhou as transformações dessa estrutura criminosa e as
redes procuram os lugares onde a legislação é mais frágil e se torna mais propício explorar todas
as brechas da lei. Nesse contexto, o Estado sozinho se torna insuficiente contra um crime
transnacional.
Desta forma, pode-se dizer que uma das melhores formas de combater o crime
organizado é por meio de um mecanismo que represente a ordem mundial interconectada: a
Organização das Nações Unidas. Essa instituição internacional, composta por 192 estados tem o
objetivo de assegurar a paz e a segurança no mundo. Em 2000, foi criada a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado, que foi considerada um reflexo do reconhecimento
dos países de que a cooperação internacional no combate ao crime organizado seria um
instrumento essencial (SANDRONI, p.8).
Na elaboração das normas dessa Convenção, os elementos encontrados para melhor
definir o crime organizado foram: a continuidade, o uso da intimidação e violência, a sua
estrutura hierárquica com a divisão do trabalho, o objetivo visando o lucro e, por fim, a sua
influência na sociedade, na mídia e nas estruturas políticas.
Segundo o pesquisador Dimitri Vlassis, a Convenção de Palermo foi organizada em
quatro etapas: criminalização, cooperação internacional, cooperação técnica e
implantação. Na criminalização foram definidos os conceitos e as formas de crimes
transnacionais. Nas partes de cooperação e técnica pautaram-se nos assuntos referentes
às trocas de informações, inteligência, programas de treinamentos e financiamento de
atividades de promoção contra o crime transnacional. E por fim, a etapa de
implementação criou o órgão chamado Conferência das Partes, o qual tem como
competência monitorar, sugerir mudanças, facilitar as atividades de troca de informação,
além de servir como fórum de ajuda aos países menos desenvolvidos no combate ao
crime organizado transnacional (SANDRONI, p.8).
38
A partir da Convenção de Palermo, a ONU estabeleceu o Escritório das Nações
Unidas Contra Drogas e Crimes, mais conhecido como UNODC, em inglês. Criado em 1997, a
agência está sediada em Viena, na Áustria, e possui atualmente mais de 500 colaboradores e 21
filiais espalhadas no mundo, inclusive no Brasil (SANDRONI, p.8).
O UNODC é o organismo das Nações Unidas designado como guardião da
Convenção e de seus Protocolos Adicionais e presta cooperação aos países signatários desse
documento para que tenham condições de cumprir com as obrigações assumidas. Desde 2001, o
UNODC trabalha com o governo brasileiro, junto à Secretaria Nacional de Justiça no auxílio do
combate ao crime (OLIVEIRA, p.34).
O Protocolo de Palermo resulta de uma negociação entre Estados, um consenso
político entre países de origem e de destino, ou seja, mostra o que foi possível comprometer
naquele momento histórico, por isso deve ser aplicado em conjunto com outros instrumentos de
direitos humanos.
Aponta em seu artigo segundo seus objetivos principais: ―A prevenção e o combate
ao tráfico de pessoas; a proteção de suas vítimas; a promoção da cooperação entre os Estados
para atingir esses fins.‖ Desta forma, exorta os Estados a incorporarem os preceitos desse
crime, além de buscar proteger e ajudar as vítimas, para que também possam intermediar
o procedimento de investigação com o fornecimento de informações relevantes, que serão
usados como elementos comprobatórios da execução do ilícito 5.
Em seu artigo nono, o Protocolo destaca a importância do papel das ONG‘s no
combate ao crime de tráfico de mulheres no desenvolvimento de políticas, programas e medidas
de prevenção, assim como o financiamento governamental das atividades das mesmas (ARY,
2009, p. 62).
O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas apresentou a
definição de tráfico anteriormente transcrita que representa o resultado de uma evolução histórica
iniciada em 1904 acerca do tratamento normativo internacional a ser dispensado ao tráfico de
pessoas.
5
Disponível em:
http://www.mp.go.gov.br/portalweb/conteudo.jsp?page=32&conteudo=conteudo/c9259c9a04fa9454b16ce28b6a697
b53.html >. Acesso em: 16/10/10
39
Os amoldamentos ao Protocolo se deram de 1904 a 2000, e incidiram especialmente
em dois aspectos: o primeiro diz respeito às pessoas objeto de proteção. As vítimas eram,
inicialmente, as mulheres brancas, depois mulheres e crianças, e, finalmente, todos os seres
humanos. O segundo aspecto também se relacionava às vítimas. Até o Protocolo de 2000 elas
eram tratadas como criminosas. O Protocolo Adicional procura garantir que sejam tratadas como
pessoas que sofreram graves abusos. Explicita no art. 2º como um dos seus objetivos: ―proteger e
ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos‖. Para
concretizar esse objetivo se faz necessário que os Estados membros criem serviços de assistência
e mecanismos de denúncia.
Vale esclarecer a diferença entre o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes,
pois o Protocolo de Palermo contém os dois crimes, o que gera certa confusão. Veja algumas
diferenças:
No que concerne a fonte de lucro no tráfico de pessoas, o lucro advém da exploração
da vítima após chegar ao destino, e no contrabando o lucro advém do próprio pagamento do
migrante para chegar ao destino (OLIVEIRA, 2008, p.33).
A exploração no tráfico de pessoas começa quando ela chega ao seu destino, tem seus
documentos confiscados e é submetida a trabalhos forçados sob ameaças físicas e psicológicas.
Em um caso prático é muito difícil determinar onde começa um crime e onde termina
o outro, ainda mais porque as redes criminosas se articulam e trabalham em conjunto. Assim, o
elemento que melhor identifica o crime de tráfico de pessoas é a exploração após a chegada ao
destino (OLIVEIRA, 2008, p.33).
É fundamental distinguir os dois crimes, pois os direitos das vítimas são totalmente
diferentes. Uma pessoa flagrada em território estrangeiro em hipótese de contrabando de
migrantes está sujeita a deportação, já que é um crime contra a soberania do Estado. Já o tráfico
de pessoas é um crime contra a humanidade, os direitos humanos, contra a nossa condição de
pessoas detentoras de direitos inalienáveis.
O Protocolo de Palermo, em atenção aos direitos humanos violados, assegura direitos
especiais às pessoas traficadas, tais como assistência médica e psicológica, possibilidade de
permanecer no país de destino e obter reparação legal e financeira pelo dano sofrido, além de
vedar a deportação.
40
O Brasil é signatário do Protocolo desde dezembro de 2000, porém, apenas foi
promulgado em 2004 pelo Decreto nº 5.107. Assim, há um processo longo de implementação a
ser percorrido. Apesar disso, o texto tem sido um instrumento de pressão para a sociedade civil
organizada e os cidadãos, bem como para que os compromissos firmados possam ser exigidos
pelos governos. Por isso, torna-se imperiosa a capacitação constante dos operadores do direito
para que os Estados-Partes da Convenção se utilizem dos direitos apresentados (OLIVEIRA,
2008, p.33).
A Constituição brasileira assegura que o país cumprirá todas as orientações dos
acordos internacionais ratificados. Desta forma, a partir de agora a legislação nacional terá de ser
adaptada à nova definição apontada na Convenção para esse tipo de crime. Com isso, a questão
de ter havido ou não consentimento da vítima deixa de ser um fato relevante nos processos,
facilitando a responsabilização dos aliciadores. Outra mudança é que se torna mais fácil tipificar
o crime de tráfico de pessoas no país.
Até então, o Brasil não possuía legislação específica sobre o assunto. O Código Penal
brasileiro faz referência exclusiva ao crime de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual,
e a Constituição não aborda de forma específica a questão do tráfico de seres humanos. Apena s
determina como atribuição da Polícia Federal prevenir e reprimir o tráfico de entorpecentes,
drogas e contrabando. Como a exploração humana é feita também por redes de tráfico e por sua
atuação internacional, existe um consenso sobre a competência da Polícia Federal para agir
nesses casos.
Alguns países têm buscado trabalhar em conjunto para estabelecer maior controle e
vigilância nas regiões de fronteira, gerar pesquisas e bancos de dados sobre o perfil dos
traficantes, as rotas utilizadas para o tráfico e formas de resgate das vítimas, garantir o constante
treinamento das pessoas encarregadas da prevenção e da responsabilização na área de tráfico,
disseminar por meio de todas as formas de mídia informações que auxiliem a prevenir o tráfico e
permitir que as pessoas denunciem sua prática, trocar informações e experiências.
41
2.1 - Direitos Humanos e o tráfico de pessoas
Nos anos 90 surgiu um novo conceito adotado pelas Nações Unidas intitulado
―Segurança Humana‖ a fim de atingir um moderno modelo de segurança internacional, pautado
não na sua obtenção apenas por meio das armas, mas também por um desenvolvimento humano
sustentável, que deveria ser alcançado dedicando maior atenção aos problemas que afetam toda a
humanidade (ARY, 2009, p. 37).
Essa perspectiva é baseada em uma estrutura de ação coletiva com o objetivo de
apreender a atenção internacional para questões como o crime organizado, degradações
ambientais, efeitos da globalização, e concentrá-la em promover a paz e o desenvolvimento
sustentável, minimizando os problemas da sociedade moderna (ARY, 2009, p. 37).
Nesse sentido, foram realizadas inúmeras conferências internacionais que trataram
de temas diversos e correlatos ao desenvolvimento humano como direitos humanos, os direitos
das mulheres, população e outros.
Com a Conferência de Viena em 1993, que objetivou a reavaliação do processo do
desenvolvimento na esfera dos direitos humanos, o tema adquiriu uma importância maior a partir
de uma visão global e crítica de um mundo cada vez mais interdependente, no qual variados
temas se apresentam convergentes e parte integrante de um mesmo problema (ARY, 2009, p. 38).
A antiga noção do Direito internacional na qual a garantia dos direitos humanos
seria coletiva e dotada de mecanismos de supervisão próprios é inadequada aos dias de hoje,
sendo necessária uma interpretação e aplicação dos instrumentos internacionais voltados à
proteção dos manifestamente mais fracos, pois os direitos humanos não regem as relações entre
os iguais, posiciona-se a favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio
entre as partes, e sim minimizar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades (PIOVESAN,
2004, p. 23).
A declaração de Viena sobre os direitos das mulheres reservou um artigo acerca do
tráfico de mulheres:
Os direitos humanos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos
direitos humanos universais. Não há direitos humanos sem a plena observância dos
direitos das mulheres, ou seja, não há direitos humanos sem que metade da população
42
mundial exerça, em igualdade de condições, os direitos mais fundamentais. Afinal, sem
as mulheres os direitos não são humanos6 (PIOVESAN, 2003, p. 219).
Bem como a de Viena, a Declaração de Beijing em 1995 buscou esquematizar um
panorama internacional da questão da mulher e se tornou um dos mais completos tratados sobre o
assunto por ter tratado dos principais problemas envoltos à violação dos direitos da mulher,
delineando os direitos sexuais da mulher de ter controle e de decidir de forma livre e responsável
sobre as questões atinentes à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual, sem coerção,
discriminação ou violência (ARY, 2009, p. 37 e 38).
A implementação do direito à igualdade é fundamento essencial em qualquer
democracia, para que haja o exercício em igualdade de condições dos direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais. Para assegurar a igualdade deve-se combater a discriminação,
pois enquanto esta pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica na violenta
exclusão e intolerância à diferença e a diversidade. Logo, a discriminação significa sempre
desigualdade (PIOVESAN, 2003, p. 202 e 203).
Na origem do problema do tráfico de pessoas estão fatores já identificados como as
guerras e outros conflitos armados, a fome, a doença e a pobreza, a corrupção nas instituições
públicas e privadas, a intolerância política e religiosa, os desastres naturais, todos geradores de
falta de oportunidades de emprego nos países de origem. Os imigrantes são então atraídos pelas
―terras da promissão‖ onde supostamente irão encontrar salários mais altos, melhores
oportunidades de emprego, saúde e educação, melhor comportamento entre as pessoas,
estabilidade política, tolerância religiosa, relativa liberdade, normalmente em países que gozam
de boa reputação.
Do muito que já se disse, sem se conseguir encontrar a solução do problema, que é
extremamente complexo, importa reter é que os imigrantes são, em primeiro lugar, seres
humanos com direitos humanos. Além disso, há três ideias que se cabe realçar: a primeira é criar
condições para que as pessoas não tenham de deixar a sua terra natal para poderem trabalhar e
viver com um mínimo de dignidade; a segunda é que se faz necessário garantir o direito de ir e
vir a todos e determinar que os países que são demandados pelos imigrantes não podem
6
Esse foi o lema da campanha internacional em prol de uma Declaração Universal de Direitos Humanos sob a
perspectiva de gênero, lançada pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
(CLADEM), em 1998.
43
simplesmente fechar as suas fronteiras, mas sim definir políticas migratórias corretas que
correspondam aos interesses econômicos e salvaguardem os direitos humanos; e a terceira é a
necessidade de se reprimir o crime transnacional organizado e o tráfico de pessoas, que fomenta
as redes de imigração clandestina, aproveitando-se da vulnerabilidade das vítimas para lhes
extorquir tudo o que puderem (OLIVEIRA, 2008, p. 30).
Na África, a pobreza generalizada, as doenças, a degradação dos solos e as elevadas
taxas de desemprego masculino contribuem para o aumento permanente do número de mulheres
migrantes, com taxas superiores à média mundial.
A situação das mulheres migrantes documentadas ou em situação regular já é muito
difícil e interpela a atenção dos governos, das Organizações Internacionais e das entidades
nacionais para que os seus direitos humanos possam ser respeitados. Tais situações tornam-se
extremamente precárias e degradantes quando nos confrontamos com as mulheres vítimas de
tráfico ou migrantes em situação irregular, que se dedicam essencialmente a serem trabalhadoras
domésticas e profissionais do sexo (COLARES, 2004, p.51).
Por meio deste fenômeno, milhares de mulheres estão excluídas da cidadania, não
conhecem seus direitos políticos e, muitas vezes quando os conhecem, eles não são respeitados.
As suas condições de saúde, moradia, acesso aos bens, condições de trabalho, emprego, educação
e lazer ainda requerem muita luta para que sejam minimamente satisfatórias.
E ainda, vale mencionar que os depoimentos das vítimas valem apenas para
comprovar a existência do crime de tráfico de mulheres, já que a legislação brasileira não adota
nenhuma medida de ressarcimento, indenização ou de assistência social em favor da vítima
(PISCITELLI e VASCONCELOS, 2008, p. 119).
As ações afirmativas empreendidas, seja pela comunidade internacional, seja por
entidades nacionais dos países de acolhimento, são assim imprescindíveis, pois as exclusões que
as mulheres migrantes sofrem são objetivas, conforme indicadores sociais que nos mostram o
relatório da UNFPA7 sobre a situação da população mundial em 2006 que muito pertinentemente
7
Fundo de População das Nações Unidas é o organismo da ONU responsável por questões populacionais. Trata-se de uma
agência de cooperação internacional para o desenvolvimento que promove o direito de cada mulher, homem, jovem e criança a
viver uma vida saudável, com igualdade de oportunidades para todos; apóia os países na utilização de dados sóciodemográficos
para a formulação de políticas e programas de redução da pobreza; contribui para assegurar que todas as gestações sejam
desejadas, todos os partos sejam seguros, todos os jovens fiquem livres do HIV/AIDS e todas as meninas e mulheres sejam
tratadas com dignidade e respeito.
44
destaca o tráfico de mulheres e a exploração das trabalhadoras domésticas. Os instrumentos
jurídicos como os Tratados Internacionais são importantes armas no combate ao crime de Tráfico
de Mulheres pois, além de fortalecerem e ampliarem o catálogo de direitos previstos pelo direito
brasileiro, também apresentam relevantes garantias para a proteção de direitos. Envolvem quatro
dimensões:
1 – a celebração de um consenso internacional sobre a necessidade de adotar
parâmetros mínimos de proteção dos direitos humanos;
2 – a relação entre a gramática de direitos e a gramática de deveres; ou seja, os
direitos internacionais impõem deveres jurídicos aos Estados (prestações positivas e/ou
negativas);
3 – a criação de órgãos de proteção (ex: Comitês, Comissões, Cortes Internacionais);
4 – a criação de mecanismos de monitoramento voltado à implementação dos direitos
internacionalmente assegurados. São eles: os relatórios, as comunicações interestatais e o direito
de petição aos organismos internacionais.
O tráfico de mulheres e meninas encontra-se diretamente ligado à falha, às vezes a
recusa, dos governos em concordar que mulheres têm os mesmos direitos humanos básicos que
homens. As mulheres têm seu direito à educação negado, pois em períodos de maiores
necessidades pais preferem enviar seus filhos à escola do que suas filhas. Algumas culturas
valorizam o masculino mais do que o feminino, e espera-se que os homens sejam os principais
provedores na família. As mulheres tendem a correr o risco de serem tratadas como propriedade,
serem violentadas sexualmente ou mais abusadas do que homens, mesmo que a liberdade
individual e o direito à proteção e à segurança sejam direitos para todos.
Incapazes e inábeis de serem economicamente independentes, tais mulheres são,
particularmente, vulneráveis ao tráfico.
Embora todas as pessoas independentemente do gênero sejam intituladas a apreciar
todos os direitos humanos básicos, os direitos das mulheres são negados freqüentemente,
simplesmente porque são mulheres. No contexto do tráfico, muitos direitos básicos das mulheres
são violados, como por exemplo, o direito a estar livre. Devido à natureza desigual das relações
de gênero, a maioria das pessoas traficada é mulher e menina.
45
3 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICO-PENAL DO TRÁFICO DE PESSOAS PARA
FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E NAS
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS RATIFICADAS PELO BRASIL
No Brasil, o tráfico internacional de mulheres começou a ser discutido de forma
ampla com a assinatura do Protocolo de Palermo sobre Tráfico de Pessoas em 2000, como já
citado. Observemos a evolução das Normas Internacionais:
a) A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial,
ratificada pelo Brasil em 1968, define a discriminação como qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseada em raça ou cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé
de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais, e tem como objetivo eliminar a
discriminação e assegurar a igualdade.
b) A Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra
a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1984, afirma que a discriminação contra a mulher significa
toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado
prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu
estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, civil e cultural ou em qualquer
outro campo.
Essa Convenção permite a ―discriminação positiva‖, na qual os Estados podem adotar
medidas transitórias para minimizar os efeitos da discriminação e quando não forem mais
necessárias, serão extintas, conforme o artifício usado pela Lei n.º 9.100/95, que estabelece
normas para eleição para o Poder Legislativo determinando que no mínimo vinte por cento das
vagas de cada partido fossem preenchidas por candidaturas de mulheres (PIOVESAN, 2003, p.
207).
46
c) A Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, (1995) foi um marco
importante nos avanços pela consciência mundial e mudança nos paradigmas do cenário da
igualdade, justiça social e Direitos Humanos, à luz da perspectiva de gênero e do reconhecimento
da desigualdade entre os sexos. Implantou uma Plataforma de Ação no combate à violência
contra a mulher e um dos três objetivos estratégicos fixados consiste em eliminar o tráfico de
mulheres e prestar assistência às vítimas da violência derivada da prostituição e do tráfico. Foi
acolhido o conceito de prostituição forçada como uma forma de violência, permitindo entender
que a prostituição livremente exercida não representa violação aos direitos humanos
(CASTILHO, p.3, texto mimiografado).
d) O maior marco contra todos os tipos de discriminação é, sem qualquer dúvida, a
Constitiução Federal de l988, conhecida como Constituição Cidadã. A Carta de 1988 constitui o
marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos na história
brasileira.
O texto constitucional de 1998 consagra ineditamente, como objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil, a redução das desigualdades sociais e promoção do bem
comum, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, incisos III e IV).
No artigo 5º, incisos XLI e XLII, a Carta estabelece que "a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", acrescentando que "a prática
do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da
lei." Portanto, no tocante à Convenção tratada, a atual Constituição transformou o racismo de
mera contravenção penal em crime, tornando-o inafiançável e imprescritível (Disponível em :<
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado8.htm>. Acesso
em:
06/11/10).
e) Em 1995, o Brasil ratificou o primeiro tratado internacional de proteção dos
direitos humanos, que reconhece a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado
com a aprovação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, editada no âmbito da Organização dos Estados Americanos - OEA
em 1994.
47
Observe-se que, em 1993, foi adotada pela ONU a Declaração sobre a Eliminação da
Violência contra a Mulher, que define a violência contra a mulher como ―qualquer ato de
violência baseado no gênero que resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual ou
psicológico ou em sofrimento para a mulher, inclusive as ameaças de tais atos, coerção
ou privação arbitrária da liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou na esfera
privada.‖ À luz desta definição, a violência contra a mulher é concebida como um
padrão de violência específico, baseado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento
físico, sexual ou psicológico à mulher [...] (PIOVESAN, 2003, p. 215).
A definição trazida pela Convenção se reveste de significativa importância ao
preocupar-se com a violência na esfera privada, a chamada violência doméstica, pois os
agressores das mulheres, geralmente, são parentes ou pessoas próximas. Desta forma, a violação
ao direitos humanos da mulher, ainda que ocorra, no âmbito da família ou unidade doméstica,
interessa à sociedade, interessa ao poder público. De acordo com a ONU, a violência doméstica é
a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo.
A Convenção confere importantes responsabilidades ao Estados na missão de
proteger a mulher da violência no âmbito privado e público. O enfoque da Convenção é a
prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Conforme o artigo 4º da
Convenção, os Estados têm que tomar medidas para prevenir a violência, investigar
diligentemente qualquer violação perseguindo a responsabilização dos violadores e assegurar a
existência de recursos adequados e efetivos para a devida compensação para as vítimas das
violações.
f) O Protocolo Facultativo à Convenção sobre Eliminação da Discriminação
contra a Mulher foi acolhido pelo Brasil em 2002. Introduz o mecanismo de petição individual
para melhor monitorar as violações de direitos humanos enunciados na Convenção e um
procedimento investigativo das violações dos direitos humanos.
g) Também em 2002, detectou-se a gravidade do problema quando se realizou a
primeira pesquisa sobre o tema: a Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e
Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial – PESTRAF (Tráfico de Seres
Humanos no Brasil, CD-ROM).
48
O impacto social da Pesquisa foi tão significativo que resultou em mudanças
concretas na legislação referente ao tráfico de mulheres para fins sexuais, com a criação do
Artigo 231-A do Código Penal Brasileiro pela edição Lei n.º 11.106/2005, que tipifica o tráfico
no território brasileiro. Apontou também para a necessidade da implantação da Política Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto Presidencial n.º 5.948 de 26/10/2006) e a
elaboração do Plano Nacional de Tráfico de Pessoas finalizado em setembro de 2007.
A PESTRAF foi coordenada pela professora Lúcia Leal da Universidade de BrasíliaUNB, quando atuava junto ao Centro de Referência, Estudo e Ações Sobre Crianças e
Adolescentes (CECRIA), e serviu como ponto de partida para o trabalho da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI do Congresso Nacional, na qual foram investigadas as
diversas modalidades de tráfico internacional de mulheres.
O tema foi incluído no Plano Plurianual de Investimentos para os anos de 2004 a
2007, o qual previu ações para capacitação de profissionais da rede de atenção às vítimas e
realização de diagnósticos sobre o assunto (GAMA e CAMPOS, 2008, p. 22 e 23).
h) Ainda em 2002, o Brasil ratificou o Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal
Internacional, com o objetivo de promover o Direito internacional julgando os indivíduos e não
os Estados em crimes como genocídios, crimes de guerra, e crimes contra a humanidade.
i) O Brasil participa de forma efetiva no combate ao crime de Tráfico Internacional
de Mulheres, por meio dos Protocolos Adicionais à Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional (Palermo, 2000): Protocolo relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, e Protocolo
sobre o Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, promulgados no Brasil,
respectivamente, pelo Decreto nº. 5.017 e 5.016, de 12.03.2004 (CASTILHO, 2010 p.1).
j) Em 2006, foi aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas (Decreto n.º 5.948/2006), considerada um marco inovador que traz um conjunto de
princípios, diretrizes e ações orientadoras da atuação do Poder Público nessa área.
A implantação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas integrou
as medidas de combate ao crime às políticas de governo de saúde, emprego, direitos humanos,
49
justiça, segurança pública, relações exteriores, igualdade racial, dentre outras (ARY, 2009,
p.108).
k) A Lei 12.015/09 traz diversas mudanças ao Código Penal, ao ECA e à Lei dos
Crimes Hediondos acerca dos crimes contra a liberdade e dignidade sexual.
Em uma primeira leitura, fica evidente que a intenção do legislador, ao elaborar a
nova redação, era punir com mais vigor aqueles que cometem crimes contra a liberdade sexual,
principalmente quando há o envolvimento de menores de idade.
A Lei traz ao Código Penal Brasileiro a exploração da prostituição de vulnerável de
forma expressa. Com relação aos favorecimentos à prostituição de maiores de idade a redação
antiga não sofreu grande alteração. O legislador incluiu a expressão exploração sexual ao tipo,
mas ainda não conseguiu prever o impacto na prática.
No entanto, a maior mudança acarretada pela lei é a causa de aumento de pena que
considera mais gravosa a conduta quando cometida por ―ascendente, padrasto, madrasta, irmão,
enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima‖, ou por
agente que ―assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância‖.
No Tráfico Internacional de Pessoas para fim de exploração sexual propriamente dito,
passa a se punir quem agencia, alicia, vende ou compra a pessoa traficada, assim como aquele
que, tendo conhecimento dessa condição, a transporta, a transfere ou a aloja.
3.1 - A eficácia e aplicabilidade do mecanismo jurídico-penal brasileiro
É imprescindível que o Estado promova a efetiva igualdade real, a ponto de haver
uma verdadeira transformação de comportamento social, pois apenas coibir a desigualdade social
e as várias formas de violência contra as pessoas em situação vulnerável não é suficiente.
Conforme afirma Joaquim Barbosa:
A insuficiente atitude estática e passiva do Estado em não discriminar cede, portanto,
lugar a uma necessária noção dinâmica e intervencionista em busca de uma igualdade
material, ou substancial, a partir da qual são devidamente pesadas e avaliadas as
desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais
sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a
50
perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade (BARBOSA, 2003,
apud PASCUAL, 2007, p.47).
A legislação que dispõe sobre crimes hediondos, incluiu no rol o estupro e o atentado
violento ao pudor (Leis 8.072/1990 e 8.930/1994). Esta é uma concepção importante, que
expressa o reconhecimento da gravidade da violência sexual cometida contra as mulheres.
O Código Penal Brasileiro de 1940 vem sofrendo sucessivas alterações, de tal monta
que afetaram sua organicidade. Vale notar, ainda, que o número de infrações penais definidas em
leis especiais supera as do Código.
No Código Penal há três situações em que a saída de pessoas do território nacional,
ou a entrada nele, estão tipificadas, vejamos: (CASTILHO, 2010, p.1).
A) Situação 1: Promover ou facilitar a entrada de pessoas no território brasileiro ou a
saída dele constitui, no art. 231, o crime de tráfico internacional de pessoas, se tiver como
finalidade o exercício da prostituição. Este crime, até a Lei n.º 11.106, de março de 2005,
contemplava apenas a mulher como sujeito passivo. É uma infração inserida no Título dos
Crimes contra os Costumes. Portanto, embora esteja presente a tutela da liberdade sexual e do
pudor individual prevalece a tutela do pudor público. A pena cominada é privativa de liberdade,
de 3 (três) a 8 (oito) anos. Se houver fim de lucro, aplica-se também multa.
Segundo Mirabete, ―promover‖ abrange o dar causa, executar, tomar a iniciativa, e
―facilitar‖ abrange auxiliar, ajudar, tornar mais fácil. Os meios utilizados podem ser:
fornecimento de dinheiro, papéis, passaporte, compra de roupas ou utensílios de viagens etc. Na
segunda conduta de ―facilitar‖, a iniciativa da entrada ou da saída é de outrem ou do próprio
sujeito passivo (CASTILHO, 2010, p.1, apud MIRABETE, 1999, p. 465).
B) Situação 2: Há outra hipótese no Código Penal Brasileiro de saída de pessoas do
território brasileiro configuradora de crime. Está prevista no art. 207 como crime contra a
Organização do Trabalho, denominado Aliciamento de Trabalhadores de um local para outro do
território nacional, e consiste em ―recrutar trabalhadores com o fim de levá-los de uma para outra
localidade do território nacional‖. É punido com a pena privativa de liberdade, de 1 (um) a 3
(três) anos, passível de ser substituída por pena restritiva de direitos. Antes de 1993, o tipo penal
só exigia a iniciativa do agente para atrair, seduzir ou angariar trabalhadores (no mínimo três,
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irrelevantes a qualificação ou habilidade técnica de cada um) para fins de emigração. Hoje, a lei
exige ―que haja fraude, ou seja, que o agente induza ou mantenha em erro os trabalhadores, com
falsas informações, promessas etc., convencendo-lhes a levá-los para território estrangeiro‖.
C) Situação 3: Fruto de alteração legislativa de 1984, o art. 245 do Código Penal
define como crime contra a assistência familiar, punível com pena privativa de liberdade de 1
(um) a 4 (quatro) anos, a entrega de filho menor de 18 (dezoito) anos à pessoa em cuja
companhia o agente saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo,
para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior.
Há quatro hipóteses que qualificam o crime: a) menoridade da vítima; b) pela
autoridade do agente; c) pela violência, grave ameaça ou fraude; d) pelo fim de lucro
(BITENCOURT, 2009, p. 908):
- 1ª Hipótese: Menoridade da vítima. Se a vítima for maior de quatorze e menor de
dezoito anos. Se a vítima for menor de quatorze anos haverá presunção de violência, nos termos
do art. 232 do Código Penal.
- 2ª Hipótese: Pela autoridade do agente. Se o agente é seu ascendente, descendente,
marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem a vítima esteja confiada para fins de educação,
de tratamento ou de guarda, a pena privativa de liberdade é de quatro a dez anos. Este dispositivo
não inclui a esposa, somente o marido.
- 3ª Hipótese: Pela violência, grave ameaça ou fraude. Quando o consentimento é forçado
ou viciado, isto é, obtido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude, tem implicações
para a pena que é aumentada para 5 (cinco) a 12 (doze) anos, somando-se à pena correspondente
a violência. Se resultar da violência, a título de culpa, lesão corporal de natureza grave, a pena
será de 8 (oito) a 12 (doze) anos, e, resultando do fato a morte, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos.
Presume-se a violência se o sujeito passivo não é maior de 14 anos, é alienado, débil mental ou
não pode oferecer resistência e o agente conhecia esta circunstância.
52
- 4ª Hipótese: Pelo fim de lucro. Se o agente for movido pelo fim de lucro, além da pena
de prisão prevista, aplica-se também a de multa, por constituir lenocínio mercenário, crime mais
grave em razão da sua maior torpeza.
Não existe a modalidade culposa. Consuma-se o crime com a efetiva entrada ou
saída, sendo desnecessário que a mulher exercite, de fato, a prostituição. Admite-se a tentativa.
Se há o recrutamento, mediante fraude, de trabalhadoras com o fim de levá-las para território
estrangeiro, sem objetivo de exercer a prostituição, aí é caso do artigo 206 do Código Penal
Brasileiro - Aliciamento para o fim de Emigração. Pena: (caput) reclusão, de 3 (três) a 8 (oito)
anos.
O momento consumativo do crime é atingido com a prática de quaisquer das condutas
previstas, independentemente da ocorrência da efetiva entrada no território nacional ou do
efetivo recrutamento, transporte, transferência etc, da pessoa, sendo absolutamente irrelevante o
exercício da prostituição que, acaso ocorrer, será mero exaurimento do delito.
Uma Situação Tipificada fora do Código Penal Brasileiro é a do artigo 125, inciso
XII da Lei n.º 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, constitui crime
―introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular‖, punível com pena
privativa de liberdade de um a três anos, passível de ser substituída por pena restritiva de direitos
e, se o infrator for estrangeiro, cabe ainda a pena de expulsão. A declaração falsa em processo de
transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a
obtenção de passaporte para estrangeiro, ou, quando exigido, visto de saída, implica na pena
privativa de liberdade de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão
(CASTILHO, 2010, p.1).
Passaremos a analisar a adequação da norma penal Brasileira aos Protocolos
Adicionais à Convenção de Palermo, tendo em vista que ao se tornar signatário, o Brasil avocou
o compromisso de amoldar suas leis para estabelecer como infrações penais os atos descritos nos
citados instrumentos internacionais.
Inicialmente cabe observar que os Protocolos se aplicam a condutas transnacionais
praticadas por grupos criminosos organizados. O tráfico internacional de pessoas para
fins de prostituição (art. 231), o tráfico internacional de crianças e adolescentes (art. 239
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do ECA), o aliciamento para fins de emigração (art. 207) e a introdução clandestina de
estrangeiro (Lei n.º 6.815), por definição são crimes transnacionais. Entretanto, podem
se configurar independentemente da existência de um grupo criminoso. Por isso, se
desejável a aplicação das regras dos Protocolos, é necessário demonstrar que o fato se
insere nas atividades de uma organização criminosa (CASTILHO, 2010, p.1).
O Brasil não tipifica organizações criminosas de caráter transnacional, o Código
Penal Brasileiro apenas prevê em seu artigo 288 a figura delituosa autônoma de quadrilha ou
bando, consistente na associação de mais de três pessoas, para o fim de cometer crimes, punível
com pena privativa de liberdade de 1 (um) a 3 (três) anos.
Quanto à criminalização das condutas daquele que promova, facilite ou intermedeie a
entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou promova, facilite ou
intermedeie a saída de pessoa do território nacional, para exercer a prostituição no estrangeiro,
são previstas no Código Penal brasileiro nos artigos 227, 228, 229, 230, 231-A, ajustando-se,
portanto, aos dispositivos internacionais.
As inadequações ocorrem na definição dos tipos penais, ou seja, nos verbos que
constituem o núcleo, nos sujeitos passivos, no objeto jurídico e, ainda, na coerência entre
as penas (CASTILHO, 2010, p.1).
O artigo 231 do Código Penal inseriu novidades na legislação brasileira. Uma delas
foi a inclusão do tipo penal referente ao tráfico interno de seres humanos, haja vista que o tráfico
somente ficava configurado quando as vítimas ultrapassavam demarcações fronteiriças do país.
No entanto, lacunas dessa reforma devem ser explicitadas, vez que demonstram
negligência às diretrizes emanadas do Protocolo de Palermo. A primeira delas é o fato de a nova
redação do artigo haver mantido a prostituição como destinação única desta prática. Outra é que
descaracterizou o novo viés do tráfico de seres humanos. O Código se ateve à promoção ou
facilitação da prostituição, desconsiderando a utilização de artifícios, de fraude ou coação das
vítimas (ARY, 2009, p.106).
Dessa maneira, a legislação brasileira, de forma inaceitável, negligenciou tais
recomendações e adotou uma redação descompassada com a nova configuração da
prática de se traficar pessoas. Essa reforma do Código Penal pouco acrescentou no
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tocante a reprimir o tráfico de pessoas no Brasil, haja vista que se mostrou anacrônica e
inconsistente, deixando a posição do judiciário em descompasso com os esforços
internos de combate ao tráfico de pessoas em outras esferas (ARY, 2009, p.108).
Esse problema foi enfatizado pelo relatório de 2007 da UNODC sobre o tráfico de
pessoas no Brasil.
Outra inconsistência é que o artigo 231-A do Código Penal emprega quase todos os
verbos mencionados no Protocolo, tais como agenciar, transportar, transferir, alojar ou acolher a
pessoa, porém, o artigo 231 não os reproduziu. E ainda, segundo o Protocolo não existe tráfico
sem exploração, seu texto abarca o termo ―exploração‖ como elemento constitutivo do tipo
tráfico de pessoas, e a legislação brasileira não emprega o termo ‗exploração‘ como elemento
constitutivo do tipo.
Ressalte-se a incompatibilidade entre as duas normas; o Código e a Convenção; o
artigo 3º da Convenção é claramente uma norma conceitual, enquanto os artigos 231 e 231-A do
Código Penal se dedica a proibir o agenciamento de profissionais do sexo, com ramificações
internacionais, sem determinar exatamente o que é o tráfico internacional de pessoas. O artigo
231 não inclui o consentimento da vítima do tráfico de pessoas como elemento constitutivo do
tipo, pois sua intenção é apenas criminalizar o agenciamento da prostituição, no plano
internacional.
O exercício da prostituição não configura crime. Crime é explorar a prostituição
alheia. Assim, se uma mulher brasileira quer exercer a prostituição em Portugal e conta com a
ajuda de alguém para a compra da passagem, ela não pratica crime, mas quem lhe empresta o
dinheiro, por exemplo, sabendo da finalidade, pratica o crime de tráfico. O consentimento livre
não exclui o crime.
O texto da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico, estatuído no ano seguinte
ao da reforma do Código Penal, compatibilizou os preceitos da norma internacional, adequando a
atuação do Poder Executivo, executor da referida política (ARY, 2009, p.108).
Ressalte-se que está sendo desenvolvida uma proposta para reformar, mais uma vez,
esse artigo, para que o mesmo sane as lacunas anteriormente apresentadas (ARY, 2009, p.108).
Nas Convenções até 1950, dominava a preocupação de coibir o tráfico para fins de
prostituição. Porém, com a Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores
é introduzida uma nova preocupação, repetida no Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar
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o Tráfico de Pessoas. Trata-se de combater o tráfico de pessoas com propósitos ilícitos, neles
compreendidos, entre outros, a servidão, a prostituição e a exploração, o que engloba qualquer
forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos, bem
como quaisquer outras, pois a enumeração é apenas ilustrativa.
Hoje, na perspectiva internacional não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e à
condenação de todas as formas de exploração, porém, quando se tratar de homens adultos e
mulheres adultas o consentimento exclui o tráfico. Só perde a relevância se obtido por meio de
ameaça, coerção, fraude, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade, bem como
mediante a oferta de vantagens (CASTILHO, p. 5, texto mimiografado).
Tendo em conta o Protocolo Adicional sobre Tráfico de Migrantes, o artigo 3º
estabelece, entre outras, as seguintes definições:
a) A expressão "tráfico de migrantes" significa a promoção, com o objetivo de obter,
direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material, da entrada
ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não seja nacional ou
residente permanente;
b) A expressão "entrada ilegal" significa a passagem de fronteiras sem preencher os
requisitos necessários para a entrada legal no Estado de acolhimento.
c) A expressão "documento de viagem ou de identidade fraudulento" significa qualquer
documento de viagem ou de identificação: Que tenha sido falsificado ou alterado de
forma substancial por uma pessoa ou uma entidade que não esteja legalmente autorizada
a fazer ou emitir documentos de viagem ou de identidade em nome de um Estado; ou
que tenha sido emitido ou obtido de forma irregular, através de falsas declarações,
corrupção ou coação ou qualquer outro meio ilícito; ou que seja utilizado por uma
pessoa que não seja seu titular legítimo.
A obrigação de criminalização implica em definir como infração penal o tráfico de
migrantes e os seguintes atos quando praticados com o objetivo de possibilitar o tráfico ilícito de
migrantes: a) a elaboração de documento de viagem ou de identidade falso; b) a obtenção,
fornecimento ou posse de tal documento; c) viabilizar a permanência de uma pessoa que não seja
nacional ou residente permanente, sem preencher as condições necessárias para permanecer
legalmente no Estado, recorrendo a qualquer meio ilegal (OLIVEIRA e CAMPOS, 2007, p.19).
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Considerando o padrão normativo internacional, feita a comparação com os tipos
penais existentes na legislação brasileira, pode-se afirmar que o Brasil criminaliza o tráfico
internacional de pessoas para fins de prostituição assim como o tráfico internacional de crianças e
adolescentes independentemente da finalidade, mas não criminaliza o tráfico internacional de
pessoas adultas para o fim de outras formas de exploração sexual, trabalhos ou serviços forçados,
escravidão ou formas análogas à escravidão, servidão ou transplante de órgãos, muito embora
criminalize em outros tipos penais independentes os trabalhos ou serviços forçados, formas
análogas à escravidão e o comércio de tecidos, órgãos e partes do corpo humano. Também não
criminaliza o tráfico de migrantes. As infrações penais relativas à imigração ilegal não
contemplam o fim de lucro, nem o tratamento desumano ou degradante.
A criminalização existente é desproporcional ao bem jurídico tutelado. No tráfico
internacional de pessoas para fins de prostituição é a moralidade pública e os costumes da
sociedade que são tutelados. No recrutamento fraudulento de trabalhadores a Organização
Internacional do Trabalho. Na introdução clandestina de estrangeiro, abrigada pela Lei n.° 6.815,
ou na fraude para promover a entrada no território nacional, são resguardadas a fé pública ou a
administração pública conforme o Código Penal.
Os verbos utilizados para descrever a conduta em cada hipótese de tráfico são
diferentes, nem sempre abrangendo o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento e
o cárcere de pessoas. Entretanto, cabe lembrar que a criminalização dessas condutas é admissível
a título de participação dolosa, consoante previsão na Parte Geral do Código Penal em seu artigo
29.
As formas ilícitas de se obter o consentimento de uma pessoa são criminalizadas
autonomamente no Brasil quando se trata de constrangimento ilegal, ameaça (mal injusto e
grave), sequestro ou cárcere privado, estelionato, assédio sexual, abuso de autoridade ou
violência física. Pressão psicológica, corrupção no âmbito privado, abuso da situação de
vulnerabilidade não estão contemplados.
A redução à condição análoga a de escravo, classificada como crime contra a
liberdade pessoal, até a entrada em vigor da Lei n.º 10.803, de 2003, abrangia a conduta de tráfico
de pessoas. Todavia, na tentativa de dar maior efetividade à lei penal, foram explicitadas no texto
as condutas que levam ao resultado, porém inadvertidamente deixou-se de mencionar a hipótese
clássica de compra e venda.
57
Os Protocolos Adicionais da Convenção de Palermo relacionam o tráfico de pessoas
ou de migrantes à ausência de consentimento da vítima maior de 18 anos. Na lei brasileira,
porém, o consentimento não afeta o tráfico de pessoas para o fim de prostituição.
Nesse mesmo sentido, afirma Castilho:
[...] No que diz respeito ao tráfico para fins de prostituição, a definição legal brasileira é
mais restrita, porque considera o consentimento válido. Adequar a nossa lei aos
parâmetros de Palermo pode ser uma saída para a perseguição da prostituição, mas
também pode ser um reforço para a política antimigratória dos países centrais e a
redução da proteção às pessoas que vão para o exterior exercer a prostituição
(PISCITELLI e VASCONCELOS, 1993, P.118).
Quanto ao tráfico de mulheres na migração há praticamente um vácuo. Os casos que
têm sido levados ao Judiciário, na maior parte relativos à emigração de brasileiros, são
classificados como incursos nos crimes de quadrilha e de falsificação de documentos.
De acordo com o Relatório do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de
Direito Penal (2002, p. 127), verifica-se que o tráfico fornece seres humanos para os mais
diferentes propósitos. O Brasil ainda se preocupa pouco com o fato.
Os países de destino se preocupam apenas com a exploração sexual e procuram fazer
a distinção entre tráfico e imigração ilegal, dando às vítimas do tráfico de mulheres algum tipo de
atenção. Todavia, é preciso estabelecer a todas as pessoas em movimento garantias mínimas de
emprego legal, de assistência e de retorno seguro aos países de origem.
A ordem jurídica brasileira é integrada por um complexo sistema normativo que
conjuga instrumentos jurídicos contemporâneos e inovadores como a Constituição Brasileira de
1988 e os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, com diplomas legais
instituídos no início do século, como o Código Civil de 1916 e do Código Penal de 1940.
Nesse universo normativo revelam-se constantes tensões e conflitos valorativos que
são objeto das atividades dos intérpretes do Direito, principalmente dos doutrinadores e dos
órgãos que aplicam o Direito, que a todo tempo realizam escolhas jurídico-políticas.
A condição jurídica da mulher eleva essa tensão ao seu grau máximo, pois, se de um
lado, a Constituição Federal e os Tratados Internacionais em defesa aos direitos da mulher, dos
quais o Brasil é signatário adotam uma postura centrada na mulher, a legislação
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infraconstitucional adota uma postura androcêntrica, ou seja, a perspectiva masculina é a
principal, o homem é o paradigma da humanidade, tendo uma visão discriminatória da mulher. O
Código Civil de 1916 e o Código Penal de 1940 estabelecem nítida relação hierárquica entre
homens e mulheres, retirando, destas, direitos fundamentais, atribuindo-lhes um papel social prédefinido, condicionando a aquisição ou perda dos seus direitos.
Verifica-se assim, a necessidade de revogar toda a norma ordinária incompatível
com a Constituição e com os instrumentos internacionais de proteção aos direitos da mulher, que
são obstáculos ao alcance dos dispositivos avançados.
Com base no avanço da Constituição Brasileira e nos tratados e declarações
internacionais de proteção à mulher, faz-se necessário suscitar uma cultura de implantar
internamente os parâmetros internacionais e constitucionais de proteção aos direitos das
mulheres, visando à implementação dos avanços constitucionais e internacionais já alcançados,
que consagram uma ótica democrática e igualitária em relação aos gêneros.
Outras importantes medidas de repressão cabem ser mencionadas nesse contexto: a
capacitação de profissionais de segurança pública com vistas a conhecer os mecanismos inerentes
a este crime; o estímulo à cooperação e troca de informações entre órgãos federais, estaduais e
municipais, incentivo à cooperação internacional para combater o tráfico de mulheres, mediante
acordos bilaterais e multilaterais relativos à repressão a esta prática; e o empreendimento de
ações conjuntas em áreas fronteiriças.
3.2 - O avanço das Normas brasileiras
O Código Penal é datado de 1940, época de outros conceitos e costumes. Em razão
disso, muitas normas, contidas em seu bojo, perderam de certa forma a eficácia, pois se tornaram
obsoletas frente à modernidade.
Visando ajustar alguns pontos destoantes entre o Código e a atual realidade brasileira,
o Congresso Nacional está, lentamente, reformando alguns aspectos importantes da área penal.
Em 17 de junho de 2004 foi sancionada a Lei nº 10.886, que tipificou o crime de
violência doméstica no Código Penal, prevendo, para estes casos, penas de seis meses a um ano
para o agressor.
59
Conforme mencionado, em 2005 foi aprovada a Lei nº 11.106, que revogou seis
artigos do Código Penal Brasileiro: 217, 219, 220, 221, 222 e 240, e acrescentou mais um (231A) e dois incisos (IV e V, do parágrafo 1º, do art. 148).
Porém, para se amoldar adequadamente ao Protocolo Adicional à Convenção de
Palermo, o Brasil ainda deve percorrer um longo caminho. A legislação penal deve ser
criticamente examinada para se preencher as lacunas apresentadas acimas e outras que vierem a
surgir, tais como tipificar o tráfico de pessoas e seus tipos derivados, segundo a finalidade da
exploração, e não conforme os sujeitos passivos (Leal, 2002, p.216).
Para isso, é indispensável uma análise da organização sistêmica do Código Penal, que
é dividido em títulos conforme a objetividade jurídica, vinculada aos bens tutelados. A solução já
delineada de certa forma pelo Anteprojeto de Reforma da Parte Especial, de 1922, seria criar um
capítulo dos crimes contra a dignidade da pessoa humana dentro do título referente aos crimes
contra a pessoa humana incluindo, entre outros, o tráfico de seres humanos para fins de
exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas similares a esta, servidão
e remoção de tecidos, órgãos e partes do corpo humano.
Com efeito, o bem jurídico principal a ser tutelado é a dignidade da pessoa humana. A
assistência familiar, a organização do trabalho, a moral pública são bens jurídicos
secundários. Destaca-se também a necessidade de passar do conceito restrito de
prostituição para mais amplo de exploração sexual, e do conceito restrito de coação ou
de ameaça para o conceito mais amplo de abuso de situação de vulnerabilidade da
pessoa traficada (Leal, 2002, p.216).
Os principais projetos de lei em trâmite sobre o combate ao tráfico de pessoas são:
1 - O Projeto de Lei n.º 2.375/03, que tipifica como crime o tráfico de pessoas, foi
aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado no dia 19 de
agosto. A proposta incluiu no Código Penal Brasileiro a tipificação dos crimes de tráfico
internacional e interno para exploração do trabalho escravo, exploração sexual e econômica, além
do tráfico de tecidos e partes do corpo.
Teve por base a latente necessidade de adequação do ordenamento jurídico brasileiro
para a tipificação criminal do tráfico de pessoas.
60
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) daquela Casa, após apresentar algumas
adequações de caráter técnico, manifestou-se favorável à aprovação do projeto em comento, com
a alteração do artigo 231 do Código Penal nos termos que seguem:
Art. 231 – Promover, intermediar ou facilitar a entrada ou saída do território nacional,
com ou sem consentimento, de pessoa que venha a exercer a prostituição :
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227 :
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5
(cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
§ 4º - Na mesma pena do ―caput‖ incorre quem promove, intermedeia ou facilita a
entrada ou saída do território nacional, com ou sem consentimento, de pessoa que seja
submetida a trabalhos forçados, escravatura ou remoção de órgãos‖.
O Protocolo de Palermo considera o consentimento da vítima um fator irrelevante na
caracterização do tipo penal, a inserção, no caput do artigo, da expressão ―com ou sem
consentimento‖ visa somente evitar que o réu que responde por crime de tráfico de pessoas
alegue, em sua defesa, o consentimento da vítima, como ocorre, com freqüência, nos processos
criminais. De tal modo, magistrados e promotores abreviariam o tempo destinado à elaboração de
argumentos destinados a refutar tal alegação, o que beneficiaria, de forma indireta e sutil, a
prestação jurisdicional.
O projeto se refere à insuficiência do disposto pelo caput do artigo 231, o qual não
aborda, de forma completa, as condutas descritas no artigo 3º, alínea ‗a‘, do Protocolo de
Palermo, como recrutar, transportar, transferir, alojar e acolher. Além disso, não trata de ―outras
formas de exploração sexual‖, criando uma lacuna no caso de a vítima ser traficada para fins de
exploração através da produção de material pornográfico, o que foge ao conceito de prostituição.
A introdução de um novo parágrafo ao artigo 231 que tipifique as demais formas de
tráfico se faz necessária tendo em vista que, as modalidades previstas para fins de serviços
forçados, escravatura, práticas similares à escravatura e servidão continuam sem previsão, apesar
61
de o texto sugerido não contemplar a definição de tráfico constante do artigo 3º do Protocolo de
Palermo.
Interessante, portanto, o leque de inserções necessárias à tipificação do crime de
tráfico de pessoas: inclusão de um parágrafo ao artigo 231, conforme propõe o Projeto de Lei n°
2.375/2003; modificação do teor do caput do referido artigo, adequando a atual redação à alínea
―a‖ do art. 3º do Protocolo de Palermo; ou ainda a criação, no corpo do Código Penal, de um
capítulo específico que verse sobre crimes contra a dignidade humana, dentre os quais o tráfico
de pessoas em todas as suas vertentes.
2 - O Projeto de Lei n.º 2.845/03 estabelece normas para a organização e manutenção
de políticas públicas específicas de prevenção e enfrentamento ao tráfico de seres humanos, e
institui o Sistema Nacional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos — um
sistema de cooperação técnico-jurídico operacional entre União, Estados, Distrito Federal e
municípios (Disponível em :< http://psbmulherconquistabahia.blogspot.com/2010/04/sistemanacional-de-prevencao-e.html >. Acesso em: 30/10/10).
Entre as medidas de prevenção e enfrentamento do tráfico de pessoas, destacam-se:
- assistência para a realização de diligências judiciais e administrativas, obtenção de
provas e outros atos processuais necessários ao cumprimento dos objetivos da
proposta;
- cooperação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;
- integração das ações entre os entes da Federação e organismos estrangeiros;
- articulação com organizações governamentais e não-governamentais, nacionais e
internacionais, para a formação e ampliação da rede;
- proteção das vítimas de tráfico de seres humanos;
- apoio institucional e material aos centros de referência para a assistência jurídica e
psicossocial às vítimas do tráfico de seres humanos;
- proteção da intimidade e da identidade das vítimas, incluindo o sigilo dos
procedimentos judiciais e administrativos relativos a esse tráfico;
62
- intercâmbio de experiências, informações sobre legislação nacional e internacional,
jurisprudência, práticas administrativas, estatísticas e modalidades que tenham
assumido o tráfico de seres humanos.
Entre outros, o projeto visava à inclusão do artigo 231-B no Código Penal que previa
circunstâncias especiais de aumento de pena para todos os crimes tipificados no Capítulo V do
Código Penal Brasileiro que dispõe sobre o Lenocínio e do Tráfico de Pessoa para fim de
Prostituição ou outra forma de exploração sexual. Porém, a proposição esbarra na análise da
juridicidade, pois recentemente a Lei nº 12.015 de 2009 alterou os Artigos 231 e 231-A para
aumentar o rol de circunstâncias especiais de aumento de pena para os crimes neles previstos 8.
O crime de tráfico de seres humanos em todas as suas vertentes revela-se
especialmente cruel já que coloca a dignidade da pessoa humana na condição de ―res‖ ou de
objeto plenamente negociável. Deve, portanto, ser o crime de tráfico de seres humanos, em todas
as suas modalidades, incluído no rol de crimes hediondos.
Assim, o artigo 11 do presente projeto de lei objetiva ainda, modificar o artigo 1º, da
Lei nº 8.072/90, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:
―Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no DecretoLei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
VII-C- O tráfico de seres humanos para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do
corpo humano e exploração sexual (artigos 154-A,154-B, 231 e 231-A).
3 - Tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados os Projetos de Lei n°
1.471/2003, n° 4.334/2004 e n° 5.568/2005, estando estes dois últimos apensados àquele
primeiro. Tais projetos de lei visam à inclusão do tráfico de pessoas no rol de crimes enumerados
nos incisos do art. 1º da Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de
8
Disponível em :< http://www.camara.gov.br/sileg/integras/708241.pdf>. Acesso em: 30/10/10.
63
―lavagem‖ ou ocultação de bens, direitos e valores, para inserir a mencionada conduta entre os
crimes antecedentes da lavagem de dinheiro.
Os projetos encontram-se atualmente arquivados na Câmara dos Deputados. Porém,
caso prosperem, os projetos trarão as seguintes inovações à Lei n. 9.613/98:
Art. 1º Esta lei inclui o tráfico de pessoas e o de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano, o rufianismo e a redução à condição análoga à de escravo no rol dos crimes que
podem ensejar o crime de ―lavagem‖ ou ocultação de bens, direitos e valores.
Art. 2º O art. 1º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, passa a vigorar acrescido dos
seguintes incisos IX, X e XI:
―Art. 1º .......................
IX – de tráfico de pessoas ou de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano;
X – rufianismo;
XI – redução à condição análoga à de escravo.(...)
Assim, pela quantidade de projetos de lei em trâmite no Poder Legilativo brasileiro e
por todas as informações aqui alegadas, conclui-se pela ineficiência das leis do país e pela falta
de disposição de atuar efetivamente contra o crime.
É visível a falta de cooperação e coordenação dos órgãos envolvidos no combate ao
tráfico de pessoas, tanto no panorama nacional quanto internacionalmente. Sendo assim, é fraca a
atuação do Poder Judiciário, acarretando em uma morosidade processual, contribuindo para a
impunidade e corrupção.
Infelizmente, a polícia que atua no combate ostensivo contra o crime organizado é
vista com desconfiança por parte da população, que desacredita no poder público, e decidem não
denunciar os aliciadores.
Nesse sentido, ganha relevância, como forma de combate ao tráfico de seres
humanos, as políticas públicas de caráter socioeducativo que visam à inclusão social e geração de
empregos com o fim de possibilitar a minimização da miséria social à qual está submetida a
maior parte da população mundial, principalmente as vítimas do tráfico. Ou seja, a educação e a
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conscientização da população mundial mostram-se como as principais medidas de combate ao
tráfico de mulheres para fins de exploração sexual.
Eis a razão pela qual se deve conhecer o crime, suas modalidades, as vítimas mais
frequentes, o aspecto socioeconômico da vítima, as motivações da migração, o tipo de pessoa que
alicia mulheres, para que se possa alertar a população, dar o tratamento adequado a cada tipo de
vítima, lançar formas de combate e prevenção adequadas ao crime, adequar a legislação de forma
eficiente, treinar da melhor forma os agentes da Polícia Federal, para que munidos de todas essas
informações possam detectar uma vítima e dar a ela o tratamento adequado, em atenção aos
direitos humanos inerentes à pessoa.
Embora a repulsa formal à escravidão seja cada vez mais enfática e geral, constata-se
que a escravidão permanece de forma indelével nos dias presentes através da ameaça, da
violência psicológica, da coerção física, das punições ou até assassinatos para manter a ordem.
Certo é que foram alcançados alguns progressos no que se refere à adoção de medidas
jurídicas contra o crime, porém, maior dificuldade reside na aplicação das leis. É reconhecida a
capacidade dos traficantes, peritos em transformar pequenas diferenças entre leis em
oportunidade para ganhar dinheiro, pois são maleáveis às mudanças no ambiente dos negócios, se
adaptam com maior facilidade do que a burocracia estatal às modificações.
Por fim, sobra o desafio de buscar o desenvolvimento humano e sustentável num
mundo globalizado, longe da opressão e discriminação de classe e gênero a que as mulheres são
submetidas, lembrando que não há desenvolvimento sustentável sem a garantia dos direitos das
mulheres.
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CONCLUSÃO
O tráfico de seres humanos, embora muitas vezes imperceptível, é uma realidade em
nosso meio. Infelizmente, em pleno século XXI, onde a liberdade e a democracia estão se
estendendo a todos os continentes, é espantoso e moralmente inaceitável que milhões de pessoas
sejam vítimas de exploração, abuso e escravidão por parte de mercadores da miséria humana, o
que despertou o interesse em entender-se um pouco mais sobre a dinâmica desse crime.
A presente pesquisa apresentou os principais aspectos sobre o tráfico de mulheres,
onde a partir de uma análise de sua conceituação, situação atual, causas, consequências,
principais vítimas e instrumentos legislativos atilizados na sua prevenção e combate foi possível
perceber que o enfrentamento ao tráfico de mulheres, é sobretudo, uma questão econômica,
baseado no desenvolvimento desigual do mundo capitalista e do colapso do Estado, reforçando a
ideia de que é necessário fortalecer a globalização do desenvolvimento, crescimento para todos e
da globalização dos direitos humanos.
Como se pode verificar ao longo do trabalho, o tráfico de mulheres é uma atividade
do crime organizado transnacional, que atrai os criminosos devido ao elevado montante que
movimenta e pelo baixo risco que representa, já que ele se apóia na fragilidade dos mecanismos
legais de proteção, na informalidade do mercado de trabalho e na aparente cegueira com que os
governos lidam com o problema.
Fica claro também que fatores como o desemprego e a exclusão social são relevantes
causas para a propagação do tráfico de mulheres. A falta de oportunidade e a ignorância que
atinge grande parte das vítimas, juntamente com outros fatores culturais e econômicos, tem sido
os grandes responsáveis por isso.
A situação da mulher chama a atenção no caso da exploração da prostituição, porque
muitas vezes estas são enganadas, forçadas a se prostituir sem receber nada em troca, tornam-se
reféns dos exploradores e são tratadas como mercadoria, gerando milhões em lucro.
Essa pesquisa objetiva responder a seguinte questão: Qual a postura legislativa do
Brasil no combate ao tráfico de muheres para fins de exploração sexual?
Como vimos no Capítulo 3, foram alcançados alguns progressos no que se refere à
adoção de medidas jurídicas contra o crime, porém, visualisamos que os dados da PESTRAF, a
pesquisa mais completa sobre o assunto no Brasil, não foram utilizados para embasar os projetos
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de lei em tramitação no Congresso Nacional. Os principais projetos de lei foram iniciados em
2003, à época, esses projetos já estavam defasados, visto que não se aprofundaram nos dados
empíricos coletados entre os anos de 2002 e 2004 pela PESTRAF. A Legislação em tramitação
não acompanhou também ao menos as Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário.
Assim, não se pode esperar eficiência dessas normas se elas não levam em
consideração os dados empíricos ou as políticas internacionais existentes. Essa normativa
representa um retrocesso e não uma inovação, pois os textos apresentados claramente não
alcançam a dimensão almejada.
Nesse sentido, ganha relevância o combate preventivo para o desarme do tráfico
internacional de mulheres com políticas públicas de caráter socioeducativo visando à inclusão
social e geração de empregos.
Para enfrentar o crime, é necessário integrar combate preventivo e medidas de
combate ostensivo às políticas públicas que possibilitem a minimização da miséria social à qual
está submetida a maior parte da população mundial, principalmente as vítimas do tráfico.
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