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M. Quraishi/AP
Internacional
Um basta à corrupção
POLÍTICA Anna Hazare, líder pacifista indiano
inspirado em Gandhi, envolve milhões
de pessoas em nome da honestidade
Anna Hazare (à esquerda) durante
um encontro com outros líderes
em Nova Déli
Roberto Catalano
Q
uando olhamos para Anna
Hazare, mais do que o
novo Gandhi, como muitas vezes foi rebatizado
pela imprensa internacional, ele faz
lembrar, pela baixa estatura e pelo
modo de vestir, Lal Bahadur Shastri,
o primeiro-minis­
tro indiano que
nos anos 1960 sucedeu Jawaharlal
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outro líder pacifista, gandhiano e
marxista-socialista. Narayan ficou
Nehru. Shastri, quase desconhecido famoso pela sua oposição a Indira
no Ocidente, foi capaz de conduzir a Gandhi, filha de Nehru, principalÍndia num momento histórico deli- mente no período em que ela decado, tanto em nível internacional – cretou na Índia o estado de emerpelas tensões com a China e o Pa- gência, em meados dos anos 1970.
quistão – como internamente.
Depois ele inspirou o Partido JanaHazare suscitou também com- ta (Partido do Povo Indiano), que
parações arriscadas com o grande­ fez história ao vencer as eleições
Mahatma e com Jai Prakash Narayan­, de 1977, derrubando não só Indira
como o Partido do Congresso, que
havia governado ininterruptamente o país durante 30 anos.
Nos últimos meses, graças a
Gandhi e ao movimento da revolução total, “Sampoorna Kraanti”,
lançado por Narayan, Anna Hazare­
conseguiu mobilizar a opinião pública e reunir novamente multidões, concentrações pelas quais a
Índia ficou famosa nos tempos da
independência. O que impressiona
é o fato de Hazare – um líder pacifista já muito conhecido na Índia pelo
seu empenho a favor das aldeias –
ter conseguido envolver estratos
transversais da população em torno
da questão da corrupção.
Há anos que na Índia está em
curso um debate sobre um Projeto
de Lei – a “Lokpal Bill” (Lei para a
Proteção do Povo) – apresentada há
muito tempo no Parlamento, mas
que foi encontrando sempre novos
obstáculos. O Projeto de Lei – produzido com o intuito de combater
a corrupção endêmica que caracteriza o país asiático – propõe a
formação de uma comissão ad hoc
com uma liberdade de ação em nível administrativo e executivo, que
permita intervir legalmente em casos comprovados de corrupção. A
comissão teria um estatuto semelhante ao da comissão eleitoral que
regula as eleições na maior democracia do mundo, garantindo assim
a independência das influências
políticas e dos jogos partidários. Foi
precisamente esta a razão da demora na aprovação do projeto de lei em
sede parlamentar.
Percurso difícil
Foi no contexto dessa lentidão
que entrou em cena Anna Hazare,
líder de inspiração gandhiana, imagem de incontestável honestidade,
que propôs algumas modificações
e melhoramentos na lei, de modo
que esta passasse a ter um verdadeiro caráter popular. Por isso, o termo
“jan” (gente, povo) foi acrescentado
à proposta, que agora é designada
por “jan lokpal bill”. Hazare fez
depois uma greve de fome, como
na tradição iniciada por Mahatma
Gandhi, que usou frequentemente
essa arma, quer pela independência, quer para pedir a suspensão
dos confrontos entre hindus e muçulmanos e a promoção social dos
“­dalit” (os sem casta).
A promessa do primeiro-ministro, Manmohan Singh, garantindo
que a lei seria discutida antes da
­festa da Independência (15 de agosto), levou então Hazare a interromper seu jejum.
“
meiro-ministro Manmohan Singh­a
comunicar, com uma carta pessoal­
a Hazare­
, a aprovação pelo Par­
la­
mento­do estudo da proposta de lei
à luz dos seus pedidos.
Todavia, as coisas não são tão
simples como parecem. Se ninguém
duvida da integridade moral do pacifista indiano, muitos o consideram ingênuo, capaz de ser facilmente manipulado. Não são poucos os
que veem no grupo mais próximo
de Hazare vários potenciais candidatos às próximas eleições, que,
para conseguirem uma projeção
em nível nacional, não hesitaram
em se alinhar na luta anticorrupção do gandhiano. Um segundo aspecto apontado pelos observadores­
”
Uma proposta de lei sobre a corrupção
das autoridades políticas administrativas
e da segurança pública tem um grande significado
não só para a Índia, mas para todo o mundo
No fim do prazo prometido, co­
meçaram novas tensões. Hazare
anunciou uma nova greve de fome,
mas foi preso juntamente com centenas de adeptos. Hazare manteve
a sua decisão até que o Parlamento
cedeu ao seu pedido.
Os três pedidos de Hazare preveem que todas as pessoas a serviço
do governo central e nas suas repartições possam ser acusadas por
corrupção, nos termos da lei. Além
disso, cada Estado da Federação Indiana deveria ter uma comissão local anticorrupção (lokayukta). Por
fim, deverão ser determinados os
prazos previstos para a realização­
de tarefas por parte dos funcionários públicos nas diversas repartições ao serviço dos cidadãos, sob
pena de sanções. Foi o próprio pri­
é a pretensão do movimento anticorrupção de assegurar uma intervenção popular em todos os projetos de lei. Se assim fosse, o poder
legislativo­indiano poderia transformar-se num sistema intrincado
e cada lei se tornaria um referendo.
De modo geral, Hazare e o seu
movimento ofereceram uma prova
de maturidade política e social que
é uma lição para muitos países que
se dizem democráticos. Uma proposta de lei sobre a corrupção das
autoridades políticas administrativas e da segurança pública tem um
grande significado não só para a
Índia, mas para todo o mundo. No
entanto, é necessário encontrar o
modo de evitar cair numa forma de
populismo que prejudicaria o funcionamento democrático do país.
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