Pensamento do Dia Pensamento do Dia

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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 10/
10/11/
11/12 04 2009
----------------------------------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 10 04 2009
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
As boas notícias da inflação
Com a capacidade ociosa muito
alta em vários setores, a queda
da inflação tende a se prolongar
até 2010
A INFLAÇÃO no primeiro trimestre do ano surpreendeu -para melhor- os analistas
do mercado financeiro. Para o IPCA esperava-se algo como 1,5% no período
fechado de três meses. O resultado final foi de apenas 1,2%.
O mesmo ocorreu com a inflação medida no atacado, com o IGP-DI calculado pela
Fundação Getulio Vargas fechando o trimestre com deflação de quase 1%,
influenciada por cadeias fundamentais para a formação de preços na indústria,
como petroquímica e metalurgia.
Com esses números, é possível esperar uma inflação ao consumidor em 2009
bastante abaixo do centro da meta fixada pelo Banco Central.
Mas as melhores notícias sobre o comportamento da inflação estão nos detalhes de
alguns grupos restritos de preços. É o caso da inflação de serviços, que abrange
itens como alimentação fora da residência e serviços pessoais de vários tipos.
Esse grupo sempre apresentou, no passado, uma dinâmica mais perversa devido à
elevada inércia e aos resquícios de indexação. Seus componentes persistem em
alta mesmo depois de uma fase de aceleração da inflação geral, e também são os
últimos a responder à redução da demanda.
Pois foi aí que tivemos surpresas agradáveis no primeiro trimestre.
No grupo chamado pelos economistas da Quest Investimentos de Serviços Livres
Diversos, que representa cerca de 10% do IPCA, tem havido uma tendência de
acomodação nos últimos meses e o aumento em março foi de apenas 0,13%. A
mesma dinâmica benigna pode ser encontrada no grupo de materiais de
construção, que vinha apresentando taxas de inflação bem acima da média. Agora
a moderação atinge uma gama muito grande de produtos. Se essa tendência se
mantiver por mais tempo, teremos um sinal importante para a política monetária.
Esse comportamento favorável na inflação é resultado da desaceleração econômica
verificada nos últimos meses. Com a capacidade ociosa muito alta em vários
setores, inclusive no mercado de trabalho, a tendência de queda da inflação pode
se prolongar até 2010: é possível que o IPCA fique abaixo de 4% no ano que vem.
Com isso, haverá dois efeitos positivos sobre o crescimento da economia brasileira.
O primeiro virá da preservação do poder aquisitivo dos salários, na medida em que
eles foram corrigidos a taxas nominais bem mais altas nos meses que antecederam
a crise. Com a inflação na margem correndo perto de 4% ao ano, ou mesmo abaixo
disso, o poder de compra da população empregada permanecerá defendido. Isso é
valido principalmente para o salário mínimo. Medido em termos de cestas básicas,
ele se encontra hoje no pico dos últimos anos. Essa é uma grande diferença em
relação ao nosso histórico de crises, sempre agravadas por choques de inflação que
corroíam a renda.
O segundo efeito positivo virá dos juros mais baixos, conforme o Banco Central se
sinta confortável para continuar o processo de ajuste da taxa Selic. Com as
informações que temos hoje, não há por que o Copom moderar o ritmo de redução
dos juros em sua próxima reunião, marcada para os dias 28 e 29 deste mês.
É possível que a taxa Selic caia para algo perto de 8% até o último trimestre
ano, mesmo tendo em vista a gradual recuperação da economia esperada para
próximos meses. Juros em queda terão efeitos positivos sobre o Orçamento
governo e sobre a atividade econômica, compensando em parte a queda
arrecadação de tributos.
do
os
do
na
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 66, engenheiro e economista, é
economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações
(governo Fernando Henrique Cardoso). [email protected]
--------------------------------------Folha de S.Paulo 10 04 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
O G20 e a emergência do Brasil
ALOIZIO MERCADANTE
O elogio de Obama a Lula é um
reconhecimento do novo papel
que nosso país e os demais
emergentes desempenham no
mundo
"Esse é o cara!"
(Obama, sobre Lula)
O ELOGIO público de Obama a Lula na cúpula do G20, mais que uma reverência ao
carisma e à capacidade de negociação do presidente brasileiro, representa, acima
de tudo, um reconhecimento do novo papel que nosso país e as demais nações
emergentes desempenham neste cenário mundial conturbado.
Algo mudou no mundo. As novas geopolítica e geoeconomia internacionais, que
reduziram as assimetrias da ordem mundial, catapultaram o Brasil, assim como
outros países emergentes, à condição de atores de primeira linha no cenário
externo.
Hoje, não se pode mais discutir questões relevantes do planeta sem a presença de
Brasil, China, Índia e outras nações em desenvolvimento. O G8 teve de se
transformar em G20. Algo inimaginável há poucos anos.
Outra coisa inimaginável era a crise. A confiança no livre mercado era total, mas a
mão invisível deu um cruzado de direita bem no queixo do sistema financeiro norteamericano. O mundo ainda está tonto.
Esse mundo combalido voltou seus olhos para Londres. Havia a expectativa de que
das brumas londrinas sairia alguma luz de esperança para um planeta bastante
castigado pelos efeitos da pior crise desde 1929. Fez-se a luz. Não foi uma explosão
solar, mas o suficiente para iluminar um caminho incipiente da necessária gestão
multilateral da recessão.
Os números e compromissos impressionaram. Gordon Brown até declarou, com
pompa e circunstância, que o Consenso de Washington morreu e que um novo
consenso para mudar as regras do capitalismo emergiu. Coisa também
inimaginável há pouco tempo.
O avanço foi significativo. Politicamente, as lideranças demonstraram união,
fundamental para recobrar a confiança num cenário de grandes incertezas.
Economicamente, porém, tudo vai depender da implementação das medidas. O
enfrentamento da crise vai demandar bem mais do que boas intenções. Não será
fácil. Na realidade, a crise desencadeou um complexo e delicado jogo geopolítico e
geoeconômico que não se desenvolverá sem conflitos. A realização dos
compromissos assumidos na reunião do G20 pressupõe, desse modo, uma
constante e paciente negociação de interesses que nem sempre serão
convergentes.
Os EUA terão um déficit, neste ano, de 12% do seu PIB, quase 3% do produto
bruto mundial. Assim, para que a maior economia do planeta retome seu
crescimento, será necessário encontrar meios para financiar esse imenso passivo. A
China comprometeu boa parte de suas reservas no financiamento desse déficit,
mas parece não estar mais disposta a arcar com um custo que a expõe a grandes
riscos. O futuro do dólar como reserva de valor está ameaçado.
De outro lado, Obama afirmou que o mundo deverá se acostumar a viver sem o
"excesso de consumo" que os Estados Unidos vinham praticando, o que terá
consequências profundas no padrão de crescimento da China. A regulação das
finanças mundiais opõe os interesses dos EUA e os da União Europeia.
O Brasil, por sua vez, com um sistema financeiro saudável, contas públicas em
ordem, comércio exterior diversificado e efetiva vocação para o multilateralismo, se
coloca em boa posição para aceder ao cenário pós-crise com renovado
protagonismo.
O elogio público de Obama a Lula, além de um reconhecimento da posição atual do
nosso país no mundo, talvez tenha sido também uma reverência premonitória a
uma nova liderança que se consolidará cada vez mais.
No quadro desse complexo jogo da "realpolitik" mundial, os resultados da reunião
de Londres podem soar utópicos. Contudo, são compromissos imprescindíveis.
Os líderes compreenderam que o custo do fracasso da reunião seria muito maior
que quaisquer sacrifícios que compromissos multilaterais efetivos poderiam
acarretar. O G20 percebeu que estamos todos no mesmo buraco e que a primeira
coisa a fazer é parar de cavar com a pá do protecionismo e do isolacionismo. Não
haverá "soluções nacionais" para a crise mundial. Na crise de 1929, as "soluções
nacionais" conduziram a mais crise, à xenofobia e aos regimes autoritários que
desembocaram na Segunda Guerra Mundial.
Bertrand Russel, um inglês profundamente comprometido com a paz e o progresso
mundiais, afirmou certa vez: "Tem-se dito que o homem é um animal racional.
Toda a minha vida busquei evidências que embasassem essa afirmação".
Da sua querida Londres surgiu uma pequena evidência do que ele tanto buscou.
Obama, representando um EUA mais alinhado com o multilateralismo, foi decisivo.
E o "cara", representando a nova força do Brasil, ajudou. Muito.
ALOIZIO MERCADANTE, 54, economista e professor licenciado da PUC-SP e da
Unicamp, é senador da República pelo PT-SP.
--------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 10 04 2009
O ''Cara'' do mundo e a cara do Brasil
Dionísio Dias Carneiro*
A reunião do G-20 superou expectativas. Boas notícias fecharam o primeiro
trimestre do complicado 2009. Os investidores precisam disso para que o
pessimismo não agrave a depressão mundial. Assim, é bem-vinda a confirmação de
que os governos estão dispostos a agir em conjunto e não medirão esforços para
estimular as respectivas economias, via políticas monetárias e fiscais, e esconjurar
defesas protecionistas. Em boa hora foram reforçados o poder financeiro e o papel
institucional do FMI como instrumento para evitar que defesas diante das
necessidades de financiamento externo dos países emergentes atingidos pela crise
venham a agravá-la. Um bônus que não deve ser desprezado: o nosso presidente,
na linguagem de Obama, é "o cara", e, na linguagem dos mercados, nossa "cara"
saiu muito bem na foto.
A recuperação dos preços de ativos financeiros arriscados na economia global tem
sido interpretada como sinal de que os mercados antecipam o fim do túnel para
mais breve do que os economistas, perdidos que estamos no dimensionamento e
na duração desta catástrofe econômica. O risco Brasil caiu 10,5% até anteontem e
o Ibovespa subiu 18% neste ano.
Até que ponto os países emergentes podem sofrer menos do que economias
maduras, onde de fato a crise eclodiu, instalou-se e se desdobra em fatos cuja
progressão negativa não parece haver se esgotado? A ação pronta dos líderes do
G-20 foi motivada pelos riscos de que a crise mexicana e a exposição dos países da
zona do euro à fragilidade dos balanços de pagamentos da Europa do Leste e do
Sudeste se transformem em fatores de agravamento da crise global. Conseguirão?
Em comparação com as economias emergentes, como ficará o Brasil? Do ponto de
vista do quadro macroeconômico de curto prazo, Brasil e China estão
comparativamente mais fortes se considerarmos a inflação, o grau de alavancagem
e de liquidez das empresas, a trajetória de endividamento interno e o balanço de
pagamentos. A China não pode salvar o mundo, mas pode agravar a crise. O Brasil
tem vantagens estruturais importantes para uma economia menos capaz de
ameaçar o mundo, como estrutura legal mais consolidada, diversificação das
exportações e estabilidade das relações comerciais em geral, flexibilidade cambial,
credibilidade do Banco Central (BC), os instrumentos de defesa do nível de renda
dos mais pobres e projetos de investimento em infraestrutura, modernização
urbana e construção habitacional que fazem sentido.
Não foi só por causa dos dons inequívocos de grande comunicador, capaz de
conciliar a espontaneidade com a disciplina humilde e de encorajar a sensação de
intimidade, que o presidente Lula foi a estrela emergente do encontro do G-20.
Qualificou-se como interlocutor responsável entre os americanos e os
antiamericanos porque cuidou de não se apresentar nem como simples porta-voz
dos terceiro-mundistas - como gostariam alguns de seus conselheiros e
companheiros do continente - nem como pregador de políticas macroeconômicas
que os vizinhos fracassados, aliados petistas e até adversários, dentre os potenciais
candidatos, não se cansam de desqualificar como "neoliberais". Mas também
porque o desempenho da economia brasileira inspira confiança, comparado ao dos
concorrentes.
Até agora, sofremos menos com a crise em produção industrial, inflação e mesmo
em deterioração do balanço de pagamentos e variáveis fiscais nos 12 meses até
fevereiro. Há razões para esperar que soframos menos, segundo projeções para
2009. Temos instrumentos para defesa da produção e da renda dos mais pobres,
seja pela sustentação do crédito e da queda dos juros, seja por cortes de impostos
e aumento dos investimentos e defesa do consumo, sem abusar dos venenos que
rondam o mundo desenvolvido: maior alavancagem financeira, dívida pública
explosiva e menor transparência dos balanços dos bancos, que provocam o receio
de que os remédios agravem os problemas estruturais nas economias maduras e
fomentem irresponsabilidade nas economias emergentes.
Por maior que seja a irritação dos adversários diante do sucesso de Lula, seu
conservadorismo prevaleceu quando resistiu à manipulação cambial, às pressões
para desmoralizar o BC, explodir os gastos e desmontar tudo o "que aí estava"
quando tomou posse. Por isso merece o crédito pelo respeito conquistado hoje.
Para sofrer menos com a devastação econômica mundial, o presidente não precisa,
pois, seguir os conselhos dos que tanto erraram no passado e continuam a
empurrá-lo para a irresponsabilidade.
*Dionísio Dias Carneiro, economista, é diretor da Galanto Consultoria e do
IEPE/CdG
--------------------------------------------------Folha de S.Paulo 10 04 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
Um soco no estômago
MARCOS CINTRA
Os zelosos guardiões da lei não
deram alternativas aos meninos
pegadores de bola, a não ser
perambular pelas esquálidas
ruas da favela
VIVI RECENTEMENTE uma triste e pungente experiência. Observando as fotos das
arruaças ocorridas em Paraisópolis, quando jovens moradores daquela favela
depredavam propriedades e agrediam inocentes transeuntes em combate campal
com a Polícia Militar paulista, identifiquei alguns jovens que eu havia conhecido
algum tempo antes em circunstâncias totalmente diversas.
Lembrei-me deles sem as feições embrutecidas que exibiam durante as arruaças,
mas como saudáveis meninos pegadores de bola em uma academia de tênis. Eram
jovens com idade aproximada entre nove e 12 anos que, após o período escolar
matutino, ganhavam alguns trocados participando como auxiliares de partidas de
tênis.
Nos períodos de ociosidade das quadras alugadas, brincavam alegremente entre
eles, praticando o esporte e tomando gosto pela prática salutar da cultura física.
Não ganhavam salário, não tinham horário fixo nem obrigações a serem
observadas. Apenas passavam seu tempo pegando bola e ganhando em troca
alguns reais para suas pequenas despesas.
No passado, esse costume induziu vários desses jovens pegadores de bola a se
tornarem profissionais em suas respectivas modalidades esportivas.
Outros acabaram cursando faculdades de educação física. Outros ainda se
profissionalizaram como treinadores. E tudo como resultado dessa convivência
lúdica com o esporte e com o aprendizado de uma técnica ou de uma profissão.
Chamava-me a atenção que o dono da academia exigia desses meninos que
mostrassem seus boletins escolares e dava-lhes uma dura, chegando até mesmo a
impedir que frequentassem a academia enquanto não demonstrassem que suas
notas eram adequadas.
Um dia, as autoridades baixaram no recinto e proibiram, sob alegação de trabalho
infantil, que esses jovens continuassem naquelas condições.
Cumprindo as determinações da legislação trabalhista, que, como diz a sabedoria
popular, lota boa parte do inferno apesar das boas intenções, nossos zelosos
guardiões da lei não deram alternativas aos meninos pegadores de bola, a não ser
perambular pelas esquálidas ruas da favela.
Como a ociosidade é a mãe dos vícios, pouco tempo depois, como pude constatar,
aqueles meninos, já jovens adolescentes, acabaram engrossando as fileiras dos
baderneiros e servindo de massa de manobra para os bandidos e traficantes
daquela região.
Não é minha intenção criticar as autoridades, que apenas cumprem a lei. Como foi
dito por elas ao proprietário da academia, naquele caso específico, sentiam-se
incomodados por terem que cumprir suas obrigações legais, mas afirmaram que
era comum casos de flagrante exploração de trabalho infantil, uma prática
universalmente repudiada e a ser extirpada de nosso meio.
Vem então a pergunta: o que fazer?
É triste ver que, por força de bem-intencionados dispositivos legais, aqueles jovens
não puderam encontrar caminhos que evitassem que fossem transformados em
meliantes e bandidos em potencial.
É necessário encontrar um ponto de equilíbrio nesse absurdo descasamento entre
intenções e resultados.
Abundam exemplos similares em outras áreas, da tributária à preservação
ambiental, passando pela proteção de bens históricos e pela legislação de uso e
ocupação do solo. Tais equívocos nos fazem descrer da lei como uma diretriz
segura em direção ao bem-estar social.
Como secretário do Trabalho do município de São Paulo, proporei ao prefeito
Gilberto Kassab que, em colaboração com outras secretarias, procuremos o
Ministério Público e o Ministério do Trabalho para a celebração de um acordo que
nos permita criar um programa de certificação de atividades e de empresas que
possam, sob estrita vigilância e acompanhamento da prefeitura, desenvolver
programas monitorados e devidamente formatados, capazes de recuperar práticas
como a que presenciei no passado naquelas quadras de tênis.
Quem sabe a cada bola lançada para uma raquete haja um coquetel molotov a
menos arremessado com ódio na cara da sociedade paulistana.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 63, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é vereador licenciado (PR) e
secretário municipal do Trabalho e Desenvolvimento Econômico de São Paulo.
---------------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 11 04 2009
Dez ações para combater a crise
Antonio Corrêa de Lacerda*
A crise internacional tem se agravado e seus efeitos são significativos para a
economia brasileira. A expressiva queda de 3,6% no Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro no último trimestre do ano passado e um muito provável novo resultado
negativo no primeiro trimestre do ano em curso têm acirrado o debate sobre as
saídas para a crise.
O País conta com uma boa condição macroeconômica, considerando as contas
externas e outros indicadores. No entanto, o desempenho da economia dependerá
fundamentalmente das decisões e da capacidade de implementação de medidas
para combater os efeitos do cenário externo adverso. Há pelo menos 10 aspectos
potenciais de ação:
1) O primeiro ponto relevante é intensificar o corte da taxa básica de juros. É
preciso gerar um "choque" positivo de expectativas, reduzindo-a rapidamente a um
dígito. Ao contrário do que poderia parecer, a manobra proposta implicaria
baixíssimo risco. A queda generalizada da inflação permite e exige ousadia nesse
ponto. É preciso recuperar o tempo perdido, pois a redução dos juros no Brasil
começou tímida e tardiamente;
2) Diminuir o custo e estimular as operações de crédito, inclusive spreads e taxas
ao tomador final. Para isso, há que se utilizar o poder dos bancos públicos, BNDES,
Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e bancos estaduais para ampliar crédito e
financiamento em condições mais favoráveis e estimular a demanda, a produção e
os investimentos, além de estimular a competição entre os bancos privados;
3) Ampliar a liberação de depósitos compulsórios que os bancos comerciais devem
fazer no Banco Central (BC). Apesar das reduções já realizadas, assim como a
liberação de depósitos compulsórios, ainda há muita margem para fazê-lo. É
importante que ocorra simultaneamente às medidas para melhorar a liquidez e
fortalecer a confiança no mercado;
4) Desonerar tributos para incentivar o nível de atividades e os investimentos
produtivos. A propalada "perda de arrecadação" decorrente de desonerações
precisa ser revista, porque, se a recessão se instalar, todos perdem, inclusive o
governo, que terá queda brusca de arrecadação;
5) Ampliar os investimentos públicos no âmbito federal e estimular as esferas
estaduais e municipais e as empresas estatais a também fazê-lo, para fomentar
toda a cadeia produtiva envolvida e estimular os investimentos privados. É muito
importante desobstruir entraves, inclusive pendências ambientais e legais para
acelerar a execução, especialmente de grandes projetos. Eles são balizadores e
multiplicadores do investimento em toda a economia;
6) Aprimorar a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), para consolidar e
mesmo criar novas vantagens competitivas setoriais, ampliando o grau de valor
agregado local. É preciso estimular as atividades geradoras de emprego e renda e,
ao mesmo tempo, pouco demandadoras de importações. É o caso, entre outras, da
infraestrutura, construção civil e indústrias de "bens de salário", como alimentícia,
vestuário e calçadista, etc.;
7) Fomentar as exportações, via promoção e acordos comerciais. É fundamental
ampliar a participação brasileira nos mercados. Embora o maior impulso da
economia seja oriundo da demanda doméstica, que representa 85% do total, é
preciso aproveitar o câmbio mais competitivo para enfrentar o desafio da retração
da economia internacional, assim como as ações protecionistas de alguns países;
8) Adotar medidas ágeis de preservação do mercado interno, inibindo a
concorrência desleal de fornecedores externos, muitos deles com uma clara
estratégia de desova de estoques, para isso muitas vezes com práticas de
dumping;
9) Viabilizar pactos pela preservação do emprego e da renda, envolvendo as
empresas e trabalhadores, com a participação e mediação do governo, que pode
oferecer e exigir contrapartidas às medidas de alívio dos problemas da crise;
10) O último, mas não menos importante ponto, é adotar como principal prioridade
da política macroeconômica o crescimento. Isso implica romper paradigmas e torna
imprescindível a ação coordenada de todos os atores econômicos para combater a
recessão e os efeitos negativos da crise global.
*Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP, doutor em
economia pela Unicamp, é economista-chefe da Siemens e coautor do livro
Economia Brasileira
E-mail: [email protected]
---------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 11 04 2009
Façam bancos tediosos
Paul Krugman *, THE NEW YORK TIMES
Há mais de 30 anos, na época em que eu acabava de me formar em Economia,
somente os meus colegas de turma menos ambiciosos procuraram fazer carreira no
mundo financeiro. E mesmo então, os bancos de investimentos pagavam mais do
que as universidades ou o funcionalismo público - embora não muito mais, e, de
qualquer modo, todos sabiam que trabalhar em banco era uma coisa tediosa.
Nos anos seguintes, evidentemente, o sistema bancário deixou de ser tedioso. As
negociatas iam de vento em popa e os níveis salariais nas finanças dispararam
repentinamente atraindo grande número dos melhores e mais dotados jovens da
nação (bem, não tenho muita certeza quanto aos "melhores"). E os americanos
tiveram a garantia de que no nosso superdimensionado setor financeiro estava o
segredo da prosperidade.
No entanto, ao contrário, o mundo das finanças transformou-se no monstro que
engoliu a economia mundial. Recentemente, os economistas Thomas Philippon e
Ariell Reshef fizeram circular o estudo Wages and Human Capital in the U.S.
Financial Industry, 1909-2006 (Salários e capital humano no setor financeiro dos
EUA). Eles mostram que, no século passado, o sistema bancário dos EUA cobriu
três épocas.
Antes de 1930, era um setor particularmente interessante, com várias
personalidades cercadas por uma aura de grandeza, que construíram gigantescos
impérios (que posteriormente revelaram-se baseados na fraude). Este ambicioso
setor determinou um rápido aumento da dívida: o endividamento das famílias como
porcentagem do PIB, quase dobrou entre a Primeira Guerra Mundial e 1929.
Durante a primeira fase das altas finanças, executivos de bancos percebiam, em
média, salários muito maiores do que seus colegas de outros setores. Mas as
finanças perderam seu glamour quando o sistema entrou em colapso com a
Depressão.
O setor bancário que emergiu do colapso obedecia a uma rígida regulamentação,
era muito menos interessante do que antes da Depressão, e muito menos lucrativo
para os que o dirigiam. O sistema bancário tornou-se algo tedioso, em parte porque
os executivos eram extremamente conservadores em matéria de empréstimos. O
curioso é que esta era de bancos tediosos foi uma era de progresso econômico
espetacular para os americanos.
Entretanto, depois de 1980, com a mudança dos ventos da política, foram
eliminadas muitas regulamentações que haviam sido impostas ao setor e o sistema
bancário voltou a ser interessante. O endividamento começou a crescer de maneira
rápida, chegando quase ao mesmo patamar de 1929 em relação ao PIB. As
dimensões do setor financeiro explodiram. Em meados daquela época,
representava um terço dos lucros das empresas.
Enquanto estas mudanças ocorriam, uma carreira nas finanças voltou a ser
altamente compensadora, com remunerações espetacularmente elevadas, para os
que construíam novos impérios financeiros.
Não é preciso dizer que os novos superastros acreditavam que haviam merecido
ganhar sua riqueza. "Acho que os resultados da nossa companhia, dos quais saiu a
maior parte da minha riqueza, justificaram o que eu consegui", declarou Sanford
Weill em 2007, um ano depois de se aposentar do Citi. Muitos economistas
concordaram com ele.
Somente alguns advertiram que este sistema financeiro supercarregado poderia
acabar mal. A Cassandra mais notável foi talvez Raghuram Rajan da Universidade
de Chicago, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Numa
conferência da qual participou em 2005, ele argumentou que o rápido crescimento
das finanças aumentara o risco de um "derretimento catastrófico".
Mas outros participantes da conferência, como Lawrence Summers, atualmente
diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, ridicularizaram os temores
de Rajan.
E o derretimento aconteceu.
Grande parte do aparente sucesso do setor financeiro revelou-se então uma ilusão.
Pior ainda, o colapso lançou no caos o restante da economia, enquanto o comércio
e a produção industrial mundial caíam na realidade mais rapidamente do que
durante a Grande Depressão. A catástrofe provocou apelos para uma
regulamentação mais rígida do setor financeiro.
Eu acho que as autoridades econômicas ainda acreditam numa reformulação da
área de supervisão dos bancos. Elas não estão absolutamente dispostas a fazer o
que deve ser feito - ou seja, tornar novamente o sistema bancário um setor
tedioso.
Em parte, o problema está no fato de que isto significaria executivos mais pobres;
além disso, o setor tem muitos amigos nos altos postos. Mas é também uma
questão de ideologia: apesar do que aconteceu, a maioria das pessoas que ocupam
cargos de poder ainda associa finanças exorbitantes a progresso econômico.
Encontraremos a vontade de adotar uma reforma financeira de fato? Se não for
assim, a crise atual deixará de ser um acontecimento esporádico, mas determinará
o próprio futuro.
*O autor é economista e articulista
---------------------------------------O Estado de S.Paulo 11 04 2009
''Brasil será alvo das potências
econômicas''
Economista, Vice do Deutsche acha que o País pode crescer de
2% a 4% em 2010
Paula Pacheco
Caio Koch-Weser, 64 anos, número dois do Deutsche Bank, um dos principais
bancos europeus, ocupou alguns dos cargos de maior visibilidade no mundo
econômico. Foi vice-ministro das Finanças da Alemanha, teve o segundo principal
posto no Banco Mundial, foi eleito presidente do Comitê Econômico da União
Europeia e chegou a ser cotado para assumir a direção-geral do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
A transição do setor público para o privado foi tranquila. Experiente, dá consultoria
em temas financeiros e ambientais a vários clientes de peso, como o governo
chinês. A visão holística dá ao economista a facilidade para estudar e compreender
o que ocorre no mundo desde o início da crise financeira global. O estudioso tem
propriedade para falar do Brasil.
Nascido em Rolândia, interior do Paraná, ele deixou a cidade na juventude para
estudar na Alemanha, onde nasceram seus pais.
Apesar da cautela sobre o futuro da economia mundial, Koch-Weser é categórico. O
Brasil vai se sair bem dessa crise e será um dos alvos preferidos das potências
econômicas interessadas em grandes mercados consumidores para retomar o
crescimento. "Emergentes como o Brasil sairão mais fortes porque têm a
capacidade de expandir a demanda interna".
CRESCIMENTO SÓ EM 2010
Koch-Weser alerta, no entanto, que o mercado interno brasileiro não será suficiente
para blindá-lo contra os atuais efeitos da crise. "Somos todos globalizados, muito
dependentes de exportações. Os próprios mercados financeiros são muito globais.
Além disso, os índices de confiança caíram e isso se transmite de uma economia
para outra", explica. Por isso, o economista acredita que será muito difícil que o
Brasil consiga crescer em 2009. "O crescimento deve ser zero neste ano."
O executivo do Deutsche Bank calcula que o crescimento no Brasil só volta a partir
do ano que vem. Sua previsão é que a economia brasileira se expanda em 2010 de
2% a 4%.
O encontro do G-20, grupo do qual fazem parte as maiores economias do mundo,
ocorrido na semana passada em Londres, mereceu a atenção do brasileiro. "Esse
clube dos 20 representa os futuros governadores da economia mundial. Um
encontro como esse pode ter o importante papel de remodelar as instituições
financeiras, como o FMI e o Banco Mundial", avalia.
Instâncias como o G-20, opina Koch-Weser, servem para definir os próximos
passos para temas como a regulação financeira no mundo. "Hoje essa regulação é
fraca demais", critica. No entanto, o economista não acredita em uma única
instituição com o poder de dar as cartas e fiscalizar os bancos. Ele explica: "O
melhor modelo seria a criação de um colegiado, formado por supervisores."
NOVOS PAPÉIS
Outra mudança, segundo ele, deve vir da atuação do próprio FMI, que poderá
assumir o papel de coordenação dos pacotes de estímulo às várias economias,
desde que seja mais capitalizado. De acordo com o vice-presidente do banco
alemão, "para prevenir outras crises é preciso ter um FMI mais forte".
Até o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU), afirma KochWeser, deveriam avaliar a necessidade de passar por reformulações. "Botsuana não
pode ter o mesmo número de votos que o Brasil em organismos como esses",
opina.
Ainda sobre o Brasil, Koch-Weser aposta em um futuro promissor. O País, segundo
ele, tem muito potencial para crescer nos próximos 10 a 20 anos. Com as
privatizações e outras reformas dos anos 90, afirma, criou-se a base para o
crescimento mais rápido.
"Mas ainda há problemas com a Previdência Social e com a estrutura da despesas
públicas. Falta, por exemplo, uma reforma no setor público. Junte-se a isso a
estabilidade econômica e social, que já foram conquistadas. Mas falta a governança
pública. Há muita coisa a ser feita, que poderia aumentar o crescimento do País em
pelo menos 1%", diz ele.
Os temas ambientais também estão na pauta de Koch-Weser. "Esta crise também é
dramática. Se brasileiros, americanos e chineses não atuarem para limitar o
aquecimento global, nossos filhos e netos não terão muito prazer em viver no
planeta.
O Brasil, por exemplo, tem um papel importante por conta das suas florestas e do
mercado de carbono. Já estamos na frente com o programa do etanol", lembra o
executivo. Mas falta, segundo ele, investir de forma mais enfática na preservação
das florestas. "Só assim para o Brasil entrar nesta discussão como líder."
A eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, acredita Koch-Weser, foi um passo
importante para a retomada dos temas ambientais nas discussões globais. "Obama
é uma volta de 180 graus. Ele quer liderar e vai levar essas discussões ao
Congresso americano antes da reunião de Copenhague (Dinamarca), no fim do ano.
A China também tem planos nacionais sobre as discussões climáticas, mas não vai
aceitar o limite imposto pelo Protocolo de Kioto", diz.
-------------------------------------------Folha de S.Paulo 11 04 2009
ROBERTO RODRIGUES
Correspondência pascoal
Amanhã é domingo de Páscoa
(de novo!), data para quem
gosta de chocolate, de doces e
de bombons
MINHA querida amiga. Amanhã é Domingo de Páscoa. De novo! Desta vez, estou
triste, mesmo gostando, como você sabe, de chocolate. É que nos últimos 30 dias
perdi quatro colegas, todos da minha idade, dois do colégio e dois da faculdade. Foi
muito duro: um deles morou na minha república de estudantes, convivemos anos
felizes, sem compromissos que não os escolares.
Para eles, acabou-se o que era doce: não têm mais bombom nem Páscoa. Deverei
passar o domingo sem meus filhos, que cada qual vai com sua família para um
lugar diferente, aproveitar o feriadão. Talvez vá pescar com alguns velhos amigos,
lá no Pantanal. Mas ainda não sei. Tenho andado meio chato e não quero chatear
ninguém. Voltou, intensamente, minha recorrente indagação sobre o sentido da
vida.
Quando éramos jovens, lembra-se, a gente imaginava uma velhice tranquila: os
filhos criados, cada um em sua profissão e vida organizada, uma rendazinha para
nós que daria para o gasto, um bom seguro de saúde, uma casa pequena com bons
livros e discos, um carrinho seminovo e todas as preocupações jogadas no baú do
passado. Achávamos, em nossa inocência, que a idade traria uma merecida paz.
Que bobagem! Que estupidez! Como pudemos acreditar nisso? Claro que é
impossível! Em primeiro lugar, porque morrem muitos companheiros, os pais,
outros familiares queridos, amigos e, às vezes, fora da ordem, jovens que amamos.
Em segundo lugar, porque o coração vai se enchendo de vazios (desculpe o jogo de
palavras), determinados pelas saudades do que não fizemos. Porque saudade é um
sentimento ruim, representa um tempo perdido, em que deixamos de decidir, e
agora, não tem mais volta. Em terceiro lugar porque os filhos, mesmo nos amando
de verdade, têm suas vidas, seus rumos, não podemos atrapalhá-los.
Por outro lado, vamos perdendo as capacidades intelectuais e físicas: não temos
mais a mesma agilidade mental, o corpo já não obedece às ordens do cérebro.
Experimente jogar tênis para ver -você pensa direitinho a jogada, mas, quando
acaba de pensar, a bola passou...
Tudo isso é normal, a gente deveria saber. E há coisa pior: os ombros vão se
curvando com o peso das esperanças que os outros depositaram em nós. As pernas
ficam trôpegas de tanto andar semeando amor todos os dias -nem sempre no
terreno fértil da reciprocidade. Os olhos vão se turvando de espreitar a solidão à luz
do dia e o abandono no breu da noite. A voz enrouquece de clamar por justiça,
único bem indispensável e tão fortuitamente alcançado.
Afinal, qual o sentido de tudo isso? Para onde vamos, de onde estamos vindo? Será
preciso o refúgio da fé para ter as respostas? Acho que não vou pescar não. Porque
lá, na beira do rio, essa conversa sempre volta e não estou a fim dela. Até porque
um dos meus amigos defende uma tese terrível: ele diz que não passamos de
mulas de carga, e nossa única função é carregar o DNA do berço ao túmulo.
Claro que não é só isso. Há algo muito mais nobre, que a trágica ignorância não me
deixa perceber. Mas não vou pescar não, apesar da delícia de rever os velhos
amigos nesta única vez em cada ano, quando colocamos em dia os fatos do ano
que passou. Não vou não: vão contar de outros que morreram. Nem quero saber.
Vou ficar aqui, sozinho mesmo. Boa Páscoa para você, querida amiga. Beijos.
PS: Quer vir passá-la comigo?
ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV,
presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do
Departamento de Economia Rural da Unesp/Jaboticabal, foi ministro da Agricultura
(governo Lula).
------------------------------Jornal do Brasil 11 04 2009
Conservadorismo em excesso no BC
Antonio Carlos Lemgruber
ECONOMISTA
No início desta semana, saiu a minuta da última reunião do Fed – e o presidente
Obama deu entrevista ontem rodeado de seus economistas (Bernanke, Geithner,
Romer, Summers) dando destaque à forte reversão nas expectativas sobre a
recuperação econômica dos EUA.
Curiosamente, o Fed hoje é exatamente o oposto do BC brasileiro. Não tem a
mínima preocupação com a inflação. Andou emitindo dinheiro (base monetária) em
grandes quantidades – agora eles usam o codinome: "aumentar o balanço do Fed",
mas é emissão de moeda pra valer. E parece que está dando certo, e tudo indica
que isto é que vai evitar uma repetição de 1929. Bernanke seguiu fielmente as
lições de Milton Friedman. Mesmo com o travamento do crédito e a instabilidade
dos multiplicadores monetários, vai haver recuperação nos EUA – quem sabe até
um V, com 2010 já acima de zero em matéria de crescimento (com o risco de
alguma inflação, por conta da expansão monetária e de uma potencial
desvalorização do dólar semelhante a 1933).
O primeiro trimestre no PIB dos EUA vai de novo mostrar queda na faixa de 5%,
mas parece que o pior passou. No final das contas, a "recessão" que vai aparecer
estatisticamente apenas como um número negativo em 2009 vai ser menor do que
74/75 ou 81/82.
Já o Brasil virou alemão, virou "Bundesbank". Mario Toros e Mario Mesquita
(especialistas em macroeconomia na diretoria do nosso Bacen) só pensam naquilo:
inflação. Mas, afinal, tivemos inflação zero em março. Será que agora eles se
convenceram que podem continuar baixando os juros com intensidade? Cremos que
não. Pelo contrário.
Além do noticiário proveniente dos EUA, a nova argumentação é a inércia e
resistência inflacionária no Brasil, que justifica juros altos. Os juros vão continuar
caindo, mas muito lentamente. Se por um lado a inflação (IGP) foi zero em março,
há indícios de que – assim como nos EUA - a recessão brasileira de 2009 será
moderada ( algo como menos 1%, melhor do que 1981 ou 1990). E, em 2010, a
taxa do PIB voltará a ser positiva, mantendo a tradição de o país de nunca ter tido
uma grande "variabilidade" no PIB em torno de sua tendência ( o tal hiato do
produto), ou seja, de não ter enfrentado grandes recessões (as maiores quedas
foram 1981 e 1990: 4% negativos).
Isto significa que, muito provavelmente, a redução de juros na próxima reunião do
Copom vai ser de 1% , e não de 1,5%.
Também no câmbio, Toros e Mesquita não raciocinam como Bernanke: como a
preocupação deles é sempre inflação ( o tal coeficiente de repasse da
desvalorização para a inflação), não se cogita aparentemente de estimular
desvalorizações, mas temos certeza de que Bernanke não pensa assim: ele acha
que Roosevelt agiu certo em 1933, desvalorizando o dólar em 50% para estimular
a economia ( o que foi feito por Vargas também).
O fato é que, por incrível que pareça, o conservadorismo excessivo é do nosso
Banco Central, em nítido contraste com o Fed que teve coragem para evitar o pior e
passou a emitir dinheiro em grande escala.
--------------------------------Folha de S.Paulo 12 04 2009
RUBENS RICUPERO
Uma nova ordem?
Para torná-la realidade é preciso merecê-la, via consenso
e equidade, que demandam muito esforço
A JULGAR pela extravagante retórica de Gordon Brown após a reunião do G20, o
mesmo "ghost-writer" vem escrevendo ao longo de 20 anos todos os discursos que
falam de uma nova ordem internacional. Em 1988, Gorbatchov dizia na ONU que o
progresso só seria possível mediante a busca do consenso de toda a humanidade
em "movimento rumo a uma nova ordem". Dois anos depois, Bush pai declarava de
modo mais exorbitante que uma nova parceria de nações tinha começado e nos
encontrávamos em um momento único e extraordinário. Desses tempos
conturbados, "uma nova ordem mundial pode emergir na qual as nações do mundo,
no leste e no oeste, no norte e no sul, poderão prosperar e viver em harmonia".
Ambos se referiam, é claro, ao fim da Guerra Fria e do permanente risco de
destruição nuclear devido à hostilidade entre leste e oeste. Ainda não se previa
que, pouco depois, o colapso da própria URSS e do "comunismo real" tornaria a
mudança mais avassaladora.
Abria-se janela que não tinha existido desde o final da Segunda Guerra: a
oportunidade de reconstruir a ordem internacional em bases de maior equilíbrio.
Desperdiçou-se o momento propício; se foi por falta de imaginação ou de tempo
(Bush não foi reeleito), é matéria de debate. Tenho para mim que a razão é outra.
Seduzido pela ilusão do poder unipolar, o governo americano quis que ele se
tornasse perpétuo, confundindo-o com a nova ordem. Afinal, a primeira Guerra do
Golfo não havia demonstrado que era possível resolver os desafios mediante a
afirmação da vontade dos EUA?
No episódio, a "coalizão dos decididos", liderada por Washington, tomou o lugar do
consenso. A fórmula foi repetida por Clinton, com menos seguidores, na Bósnia e
no Kossovo, e de forma mais unilateral na invasão do Iraque por Bush filho. A nova
ordem se parecia cada vez mais com a velha desordem estabelecida. O discurso de
Gorbatchov indicava qual era o primeiro elemento da nova ordem: o consenso de
todos. O segundo é a equidade, isto é, certa igualdade e equilíbrio na justiça.
Sem isso, pode-se ter situações de fato, nunca verdadeira ordem. Aplicar o
conceito à reunião de Londres é um despropósito. Substituir o G1, G2 ou G8 pelo
G20 é alguma coisa. Pouco, porém, para fazer jus à legitimidade, que só pode vir
do G192, número de membros da ONU. Será, por exemplo, que os 850 milhões de
africanos negros se dão por representados apenas pela África do Sul?
Equidade foi algo só mencionado pro forma no comunicado. Tratar do tema a sério
exigiria esforço muito maior. Os aspectos políticos -reforma a fundo do Conselho de
Segurança, solução justa do conflito Israel-palestinos, desarmamento para valer,
acordo sobre clima- dependeriam de consenso o mais amplo possível.
Chamar esse modesto começo de nova ordem é enganador. Obama, aliás, evitou o
exagero da campanha e falou com sobriedade. A contundente realidade já começou
a confirmar o salmo 32: o Senhor desfaz os projetos das nações. A bomba da
Coreia do Norte, o silêncio do Irã, a guinada à direita de Israel e o fantasma de um
novo Vietnã pairando sobre o Afeganistão-Paquistão são lembretes de como será
árduo construir uma nova ordem. Uma nova ordem é só uma palavra, diria
Fernando Pessoa. Para torná-la realidade é preciso merecê-la.
RUBENS RICUPERO, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto
Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
---------------------------------------
Jornal do Brasil 12 04 2009
Mês de janeiro aparece como o ponto
crítico até agora
Marcelo Neri
ECONOMISTA
Em março, recebemos a notícia da desaceleração de 10 pontos de porcentagem do
PIB entre o terceiro e o quarto trimestre de 2008 (de 6,3% para -3,6%), gerando
uma perda equivalente à taxa de crescimento chinês observado nos bons tempos
de boom. Os dados da indústria e do emprego formal do Caged alinham-se a este
dado do PIB, indicando uma parada súbita da economia brasileira ("tsunami"). Já
os dados do comércio e dos serviços apontam para uma desaceleração modesta
("marolinha"). Há marcada dicotomia das trajetórias de crescimento entre os
segmentos mais ou menos conectados com o mundo globalizado, dos mais ou
menos formalizados e daqueles com maior ou menor renda.
O problema da metáfora da marolinha e do tsunami é que ela sugere um evento
discreto, diferenciando-se apenas entre as suas proporções. Na natureza, as ondas
de um determinado tamanho são seguidas de outras de amplitude parecida, que
são dissipadas ou amplificadas gradualmente. O que caracterizou a Grande
Depressão, além do seu tamanho, foi a longa duração, ao contrário, por exemplo,
das crises asiática, russa (1998) e da crise cambial brasileira de 1999, vistas
individualmente. A crise brasileira de 2001 – embora de magnitude diferente –
assemelha-se mais à atual, pois juntou diferentes impulsos de natureza distinta: a
crise argentina, o apagão elétrico e o 11 de setembro.
O período imediato pós-crise, apesar das flutuações espetaculares dos mercados
financeiros, foi de relativa calmaria no bolso do trabalhador metropolitano em
geral. Em particular naqueles de menor renda inicial. Se calcularmos as variações
de renda de fevereiro dos últimos cinco anos até 2009, houve uma melhora no
poder de compra dos brasileiros nas grandes metrópoles. No entanto, janeiro
aparece como o ponto crítico da crise até agora, do ponto de vista de transição na
composição das classes econômicas. A crise começa nas bolsas lá fora, e aqui no
país chega ao bolso do cidadão comum.
-----------------------------------Jornal do Brasil
12 04 2009
A passagem para a economia dos
mercados financeiros
De uma tradicional "economia do endividamento", segundo a terminologia então
em voga no Banco da França, passou-se para a rutilante "economia dos mercados
financeiros". Nesse novo cenário, os excedentes das famílias, dos fundos de pensão
e dos seguros saciavam as necessidades do Estado e das empresas sem temer os
efeitos corrosivos da inflação. Ainda faltava desmantelar o controle da Bolsa,
suprimido no Reino Unido já em 1979. Sua suspensão progressiva, entre 1985 e
1989, abriu as eclusas do capital.
O fluxo de dinheiro que inundou as praças europeias pressionou a baixa das
comissões descontadas antecipadamente pelos corretores.
A sorte estava lançada. Investidores institucionais, principalmente bancos e
seguradoras, trataram de cobrar a sua parte no bolo. Receberam o vigoroso apoio
do Tesouro, que brandia o espectro de uma França desacreditada pelas
desvalorizações da moeda e pela amplitude das suas dívidas. Uma esquadra de
jovens
altos
funcionários
acabou
convencendo
François
Miterrand
a
desregulamentar os mercados.
– A esquerda tinha de fazê-lo, pois a direita não o faria (7) – diria posteriormente
Pascal Lamy.
Coube a Bérégovoy e seu chefe de gabinete cumprir a missão.
Inspirado no "modelo americano", Bérégovoy transformou a paisagem da Bolsa
francesa em menos de dois anos. Em 1985, uma nova paleta de produtos
financeiros unificou os mercados monetários e lhes deu acesso ao conjunto dos
agentes econômicos – famílias, empresas, bancos.
Com a instituição em 1985 do Mercado Futuro de Títulos Financeiros (Matif) e do
Mercado de Opções Negociáveis em Paris (Monep), a França mergulhou de cabeça
na era das finanças especulativas (8). Xavier Dupont, diretor da Compagnie des
Agents de Change a partir de 1984, relatou suas relações com o séquito de
Bérégovoy: "Nós saíamos daquelas reuniões transtornados, perturbados. Fazia
tempo que acreditávamos na economia de mercado e nas virtudes do liberalismo. E
eis que os representantes da nossa direção, no mais alto nível, se apropriavam
dessas ideias e nos desafiavam a materializar valores que eram os nossos (8)".
O monopólio dos corretores titubeou. A informatização da Bolsa levou à queda dos
custos de negociação e possibilitou a circulação planetária da informação. Antes
fixada no pregão, a cota passou a se formar em tempo real. Equivalente a 5% do
PIB em 1982, a capitalização da bolsa francesa representava 20% dele quatro anos
depois.
Quando retornou ao poder em março de 1986, a direita utilizou o "grande mercado
unificado de capitais", construído pela esquerda, para legitimar as privatizações em
nome dos "acionistas populares". O crash de 1987 esfriou-lhes o entusiasmo,
oferecendo uma degustação dos riscos inerentes a uma economia financista, cujos
efeitos estamos avaliando atualmente. Na esteira das reformas socialistas, o
governo de Jacques Chirac dissolveu a Compagnia des Agents de Change em
janeiro de 1988. Uma oligarquia expulsando outra.
– Há duas coisas na vida: o poder e o dinheiro. Nós tivemos o poder, agora nos
falta o dinheiro (9) – explicou Naouri quando se afastou do Ministério da Economia
em 1986. Alguns meses depois, criou um fundo de investimento.
---------------------------------Revista VEJA 2108 15 04 2009
Entrevista Francis Fukuyama
O liberalismo é o caminho
O cientista político Francis Fukuyama diz que os Estados
Unidos precisam repensar o estado mínimo para vencer
a crise atual – mas sem abrir mão dos valores liberais
Chico Mendez, de Washington
"As ideias que exportamos desde os tempos do presidente Ronald Reagan
precisam ser modificadas"
Francis Fukuyama ficou famoso com o livro O Fim da História e o Último Homem
(1992) ao defender a ideia de que os sistemas políticos encontraram na democracia
liberal sua expressão evolutiva final, provocando a ira dos acadêmicos esquerdistas,
para quem o pináculo só seria atingido pelo comunismo. Pela ousadia de pensar
contra a corrente, Fukuyama não mais foi deixado em paz, dividindo-se seus
leitores entre desafetos e seguidores. O cientista político americano de 56 anos
agora reflete sobre a América Latina no livro Falling Behind: Explaining the
Development Gap Between Latin America and the United States (Ficando para Trás:
as Razões do Abismo de Desenvolvimento entre a América Latina e os Estados
Unidos), ainda sem tradução para o português. Fukuyama falou a VEJA em seu
escritório na Universidade Johns Hopkins, em Washington.
Quando o senhor anunciou o fim da história, o império soviético acabara de
ruir e a globalização econômica começava a se tornar realidade. Hoje, vinte
anos depois, sua tese ainda fica de pé?
Até aquele momento era dado como um fato da vida pelos intelectuais de esquerda
que a história continuaria seu caminho evolutivo em direção à utopia socialista.
Para eles, a história só terminaria quando alguma forma de socialismo ou de
comunismo fosse atingida. Mostrei em O Fim da História que essa ideia de
progresso não tinha fundamento e que o mundo não trilharia o caminho previsto
pela ortodoxia esquerdista. Ocorria justamente o contrário. O mundo estava
evoluindo rumo à democracia liberal, e ela será o destino final. Ainda acredito
nisso. Só vou considerar que há alternativa viável à democracia liberal se, no prazo
de uma geração, o regime autoritário da China conseguir mesmo levar o país a
igualar o nível de desenvolvimento dos Estados Unidos e da Europa. Acredito,
porém, que esse objetivo não seja alcançável pelo atual modelo chinês.
O que o capitalismo e a democracia liberal precisam fazer para sobreviver
à atual crise?
Precisamos, urgentemente, de maior controle sobre o sistema financeiro, que está
completamente desregulamentado. Acredito, também, que o estado mínimo não
funcionou. A partir de agora veremos uma presença bem maior do estado na
economia. Ou seja: será uma economia mais de estado e menos de mercado.
Isso não representa uma derrota do liberalismo econômico?
Não há nada de errado com o liberalismo. A receita liberal, baseada no livre
mercado e na globalização, ainda é a melhor alternativa para o desenvolvimento
global. Mantenho-me fiel a ela. Milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza nos
últimos anos justamente por causa do crescimento econômico robusto no mundo. A
crise atual não foi causada por um desvio do liberalismo, mas por opções políticas
equivocadas. Por décadas, seguimos um modelo que propunha a máxima
desregulamentação dos mecanismos financeiros e a crença de que os mercados
iriam se ajustar automaticamente a qualquer situação. Até o Alan Greenspan (expresidente do banco central americano) reconhece que foi um erro acreditar nisso.
Qual é o melhor caminho para regular os mercados agora? A criação de
uma "ONU das finanças" é uma boa ideia?
Há quem veja o G-20 (grupo dos vinte países mais ricos do mundo) atuando nessa
área. Não acho que seja uma boa saída dar a uma instituição supranacional o papel
de regular todo o mercado. O G-20 deveria expandir organismos que já existem,
como o Fundo Monetário Internacional (FMI). As reformas para regular mercados
deverão ser desenvolvidas em âmbito nacional ou regional. Os europeus, por
exemplo, precisam criar um sistema de regulação bancária, que eles ainda não
têm.
Quais são os danos até agora para os Estados Unidos?
Se a economia real entrar em uma longa recessão, o que me parece bastante
possível neste momento, os Estados Unidos não terão os recursos econômicos
suficientes para sustentar uma série de atividades que mantêm ao redor do mundo,
como a ajuda a outros governos ou as operações no Oriente Médio. Mas as
implicações não ficarão restritas à política. No campo das ideias, haverá uma série
de danos à imagem do país como promotor de um modelo de democracia e de
capitalismo. As ideias que exportamos desde os tempos do presidente Ronald
Reagan (1981-1989) deverão ser modificadas, pois foram justamente elas que nos
impeliram para a crise atual.
Entre tantos efeitos globais da crise, qual mais o assusta?
O pior dessa história toda é que, na esteira da crise, estamos assistindo a um
aumento do nacionalismo econômico. Não só nos Estados Unidos, mas em todo o
mundo. Seu desdobramento mais nefasto é o protecionismo. Esse movimento é um
grande perigo. Sabemos das consequências do protecionismo. Não funcionou nos
anos 1930 e não funcionará novamente.
Como a China está se movimentando nesse cenário?
Os chineses estão usando a crise econômica global de maneira estratégica,
promovendo investimentos em várias partes do mundo. Eles estão aumentando seu
peso político. Também pressionam por mudanças nas instituições multilaterais para
que o papel deles seja mais relevante. Acho que os chineses sairão da crise com
mais poder de barganha do que tinham antes.
A União Europeia também pode ganhar?
Creio que o bloco sairá enfraquecido da crise. A União Europeia está enfrentando
uma situação nova e delicada. A crise atual expôs a falta de unidade entre os
europeus. Não vejo, neste momento, disposição dos países mais ricos, como a
Alemanha, em ajudar seus vizinhos do Leste que entraram no bloco recentemente,
como Hungria e Lituânia. Para um bloco econômico, unidade é fundamental.
E a América Latina?
Além da crise atual, há inúmeros obstáculos para a América Latina. Talvez o
principal deles seja a atuação de um grupo de dirigentes populistas, que se opõem
a qualquer iniciativa americana.
Esse grupo populista está promovendo reformas constitucionais em países
como Equador, Bolívia e Venezuela. Como o senhor vê esses movimentos?
Eles vivem a ilusão de que essas mudanças produzirão justiça social, mas elas são
propostas por líderes populistas cujo único objetivo é aumentar o poder do
Executivo. Justificam isso com programas sociais de redistribuição de renda que
retiram direitos da elite e os repassam aos excluídos. É uma tendência perigosa. Se
for para fazer redistribuição, que se faça com o consenso de toda a sociedade. Se
não houver um consenso na sociedade para que essas mudanças ocorram, haverá
uma polarização cada vez maior entre direita e esquerda.
Por que o Brasil, onde as desigualdades sociais também são profundas,
consegue evitar o populismo?
Porque o Brasil é mais estável. É um estado federativo, com experiência na
descentralização do poder. Além disso, o consenso a respeito da importância da
participação política é muito maior na sociedade brasileira do que na maioria dos
outros países da região.
Mas brasileiros vivem às turras com seus políticos...
O problema no Brasil é o Legislativo. As regras eleitorais dificultam a formação de
maiorias no Congresso, o que força os presidentes a criar coalizões com diferentes
partidos. Um presidente brasileiro jamais tem uma maioria no Congresso, como o
presidente Obama tem nos Estados Unidos. Além disso, os partidos brasileiros não
têm disciplina. Isso é terrível. Os partidos não podem forçar seus membros a seguir
a orientação do líder, o que obriga o presidente a fazer acordos paralelos. Esse
modelo favorece a corrupção e dificulta a aprovação de leis.
Em seu último livro, o senhor atribuiu a disparidade de desenvolvimento
entre os Estados Unidos e a América Latina a suas diferenças de
colonização. Por quê?
Países colonizados herdam tradições de quem os colonizou. Alguns erros de política
econômica cometidos na América Latina, como a política fiscal frouxa e a inflação
alta, são uma herança do período imperial da Espanha, que enfrentou problemas
semelhantes. Os altos índices de desigualdade na região também podem ser
explicados pela herança histórica. No meu livro, tento mostrar que a herança
histórica não pode ser confundida com a cultura, que é frequentemente usada para
explicar a disparidade de desenvolvimento entre as duas regiões. Quando se fala
em cultura, está-se referindo a religiões e valores enraizados em uma sociedade.
Por exemplo, é comum vincular o atraso da América Latina ao catolicismo. Mas isso
é uma desculpa, não a realidade. França, Polônia, Hungria e Espanha são católicos
e se modernizaram.
O que fez, então, os Estados Unidos serem tão mais bem-sucedidos?
Na América Latina, o crescimento foi frequentemente interrompido pela
instabilidade política. Esse é o motivo central do distanciamento entre os Estados
Unidos e os demais países. Os Estados Unidos tiveram uma revolução, a da
Independência, e um único momento de descontinuidade, que foi a Guerra Civil
(1861-1865); a América Latina teve inúmeros períodos de instabilidade. Além
disso, nos Estados Unidos há na sociedade um consenso muito forte de respeito à
Constituição e ao estado de direito. Isso permitiu ao país viver períodos longos de
crescimento.
O que a América Latina deve fazer para encurtar essa distância?
Há inúmeras áreas com problemas de diferenças institucionais. A segurança pública
é um exemplo. Os índices de criminalidade da América Latina são tão altos que dão
uma sensação de caos. A corrupção é grande, e o respeito ao estado de direito,
ainda pequeno. Isso não quer dizer que a América Latina não tenha registrado
avanços. As reformas macroeconômicas realizadas por muitos países da região
mostram que houve importantes progressos institucionais.
A América Latina deveria seguir o exemplo dos países asiáticos, que
conseguiram se desenvolver rapidamente sem grandes programas sociais?
Não foi bem assim. Os asiáticos promoveram ampla reforma agrária no fim dos
anos 1940 e, em seguida, uma reforma educacional. A distribuição de propriedade
na América Latina foi muito mais desigual do que na Ásia. Iniciativas como o Bolsa
Família, que exige a frequência escolar, são sinais de mudanças. Infelizmente, em
muitos casos, não há acompanhamento adequado da frequência escolar e o
programa corre o risco de se tornar um instrumento político. Outro grande
problema é que os professores são muito mal preparados. Para piorar, os pais dos
alunos não estão dispostos a cobrar a melhoria do ensino nem são preparados para
isso.
Com relação a Cuba, é o momento de acabar com o embargo?
Obama tem uma oportunidade enorme para mudar as relações com a ilha. O
embargo não funcionou. Na verdade, o embargo serve de desculpa para os líderes
cubanos não promoverem reformas e se perpetuarem no poder.
Suas afirmações são surpreendentes para quem já foi colocado entre os
ícones do conservadorismo americano. O senhor mudou?
Rompi com os conservadores no início da Guerra do Iraque. Não concordei, e não
concordo, com a maneira como o governo anterior utilizou o poder americano. O
erro de estratégia ficou claro com os danos ao prestígio do país. Os republicanos
precisam repensar sua política externa e, no campo da economia, devem rever
suas posições ideológicas sobre economia e governo mínimo, porque foram
justamente elas que nos impeliram para a crise econômica atual
--------------------------------VEJA 2108 15 04 2009 Economia
A crise em 4 visões
O país ainda possui armas para acelerar
o crescimento, dizem debatedores
Benedito Sverberi
A crise internacional atingiu a atividade econômica brasileira numa velocidade
inédita. Mas o país segue em uma situação privilegiada para recuperar o
crescimento tão logo a fase mais intensa do choque externo se dissipe. Para
acelerar a retomada, o governo ainda dispõe de armas de alto impacto, entre elas o
estímulo dos investimentos públicos e privados, reduzindo os gastos com o custeio
da máquina e da burocracia. Em essência, foi essa a avaliação dos quatro
participantes de um debate promovido pelo Centro de Liderança Pública com o
intuito de discutir o alcance da crise e como contorná-la. Foram quatro visões
complementares, de observadores vindos de diferentes áreas de atuação. A seguir,
os principais trechos da discussão.
José Roberto Mendonça de Barros
"Este será o ano da política monetária. Vamos entrar, depois de décadas, na
esperada fase de juros de um dígito. Isso implica uma enorme e positiva mudança
estrutural, mas que impõe desafios."
Economista, sócio da consultoria MB Associados, foi secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda
Contágio no Brasil – "Os dados do PIB (produto interno bruto) no quarto trimestre
de 2008 e do emprego, entre outros, mostraram que a reação das famílias e das
empresas brasileiras à crise foi muito rápida. No caso do setor corporativo, a
deterioração do crédito no exterior foi transmitida instantaneamente para dentro do
país. Esta é a primeira crise on-line que o mundo está vivendo. A crise da
integração total."
Ajuste – "No Brasil, o grosso do ajuste às novas condições já foi feito,
especialmente na indústria. O ritmo de retração da economia passará a ser mais
lento. Tivemos um degrau e agora vamos cair devagarzinho pelo que se pode
chamar de efeitos secundários do primeiro ajuste."
Governo – "Infelizmente, a resposta do governo tem sido muito modesta. Não há
nenhuma perspectiva de melhoria do sistema tributário, até mesmo porque, é bom
lembrar, a arrecadação já começou a cair. Vejo com muita preocupação e ceticismo
a capacidade de avançar na melhoria da infraestrutura. Também na área de
tecnologia, existe pouca disposição em avançar."
Limitações fiscais – "A política fiscal poderia desempenhar um importante papel na
indução do crescimento e na coordenação da recuperação. Entretanto, há muito
pouco que possa ser feito no âmbito do governo federal, porque o bônus da
arrecadação elevada dos últimos anos foi quase totalmente dissipado em empregar
pessoas e em gastos de custeio."
Propostas – "As políticas públicas deveriam buscar, de um lado, amenizar os efeitos
sociais da crise e, de outro, desenvolver e pôr em prática um conjunto de medidas
que aumente a competitividade do país. Muitas obras de infraestrutura estão hoje
bloqueadas simplesmente pela incapacidade de algumas empresas em apresentar
garantias. Essa é uma deficiência que acho factível que o governo consiga reduzir.
Na área regulatória, há muito que se pode fazer e, aqui, o foco deve ser resolver
suas próprias dubiedades. O Executivo também poderia desenhar medida de apoio
a novas empresas, especialmente aquelas de base tecnológica."
Pedro Parente
"O governo tem um papel fundamental, que é coordenar expectativas. É preciso
ficar claro que as medidas têm de ser adotadas no prazo certo, com objetividade,
sem um discurso político por trás delas."
Engenheiro, vice-presidente do grupo RBS, foi ministro da Casa Civil e do
Planejamento
Otimismo – "Há razões para certa visão positiva a respeito da nossa situação. Em
primeiro lugar, não temos uma crise bancária, como nos Estados Unidos. A situação
do sistema bancário brasileiro é extraordinária. No lado fiscal, tivemos um efeito
estatístico, em função do recálculo do PIB, que foi positivo para o tamanho da
nossa dívida. Outro fato extremamente importante foi a ‘desdolarização’ da dívida
pública. Assim, a recente desvalorização cambial não nos afetou como em crises
anteriores. As reservas internacionais não tiveram uma queda relevante.
Continuam lá no nível dos 200 bilhões de dólares. Por fim, as empresas no Brasil
estão capitalizadas. A economia do país segue em uma situação propícia e estará
muito receptiva a medidas pontuais que o governo venha a tomar."
Expectativas – "O governo tem um papel fundamental, que é o de coordenação de
expectativas. Se elas melhorarem, o país poderá vivenciar realizações que me
parecem essenciais: os bancos poderão se sentir mais confortáveis para reduzir
seus juros e emprestar mais, e as empresas poderão voltar a fazer investimentos."
Abilio Diniz
"O governo tem de investir em setores que ofereçam mais empregos. Precisamos
garantir, por exemplo, que a construção civil não pare, principalmente a
residencial."
Administrador de empresas, é presidente do conselho de administração do grupo
Pão de Açúcar
Crise de crenças – "Esta é uma crise originada na ganância e em ideias erradas. Na
crença, por exemplo, de que é muito fácil e rápido ganhar dinheiro, de que a
rentabilidade poderia se manter em níveis extraordinários para sempre. Esta é uma
crise originada no setor privado. Depois é que os governos foram envolvidos. O
máximo que se pode dizer é que o poder público talvez tenha sido negligente em
suas atribuições ao deixar acontecer essas coisas."
Seleção natural – "As crises separam os ganhadores dos perdedores e é natural que
ocorram fusões e aquisições. Contudo, à medida que isso ocorre, verifica-se
redução no mercado de trabalho. Outro ponto que não pode ser esquecido é que,
quando se observa um processo de consolidação, deixam de ser criados ativos
novos, o que retarda o processo de retomada da economia."
Emprego – "Não estou preocupado com a indústria. A sensação que tenho é que
nela já ocorreu o grosso do ajuste. Estou preocupado com outros setores que não o
fizeram e que empregam muita gente neste país, como a construção civil."
Luiz Paulo Vellozo Lucas
"O investimento público é fundamental na ampliação da competitividade do país, no
combate ao desemprego e na preparação para o futuro. E para isso precisamos de
reformas."
Deputado federal (PSDB-ES), é presidente do Instituto Teotônio Vilela
Ação insuficiente – "As medidas que foram adotadas pontualmente pelo governo,
como a liberação do compulsório e a redução do IPI dos automóveis, estavam na
direção correta. Mas infelizmente não formam um conjunto coerente,
fundamentado em um diagnóstico verdadeiro da situação do país e em uma
comunicação transparente das dificuldades."
Investimento público – "Neste momento de crise, a ampliação do investimento
público é vista como uma das saídas possíveis. O problema é que o nível do
investimento no Brasil é muito baixo, tanto como porcentual do PIB quanto da
arrecadação. O destino da vultosa expansão de receita do governo nos últimos
anos, principalmente da União, foi o aumento dos gastos com pessoal e custeio."
Estados e municípios – "Os estados e municípios têm de cumprir à risca a Lei de
Responsabilidade Fiscal, e o governo federal não. A atual metodologia de controle
das contas públicas praticamente obriga municípios saudáveis a fazer poupança e
torna muito difícil a contratação de empréstimos."
------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 12 04 2009
''Consenso atenuou crise no Brasil''
John Williamson: criador do Consenso de Washington
Fernando Dantas, RIO
O Consenso de Washington não morreu, e o cumprimento das suas recomendações
fiscais explica a resistência da América Latina, em especial Chile e Brasil, diante da
pior crise global desde os anos 30. A afirmação é do economista britânico John
Williamson, o "pai" do Consenso de Washington, um conjunto de recomendações de
política econômica elaborado em 1989, com foco específico na América Latina.
Segundo o economista, o governo Lula tomou decisões muito boas na área
macroeconômica. Para ele, a postura fiscal rígida dos países latino-americanos os
ajudou a atravessar a atual crise com custos relativamente moderados. Na recente
reunião do G-20, em Londres, o primeiro-ministro Gordon Brown declarou que "o
velho Consenso de Washington acabou". Williamson discorda, mas diz que são
necessários ajustes. Williamson falou por telefone com o Estado na quinta-feira, de
seu escritório no Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington:
A reunião do G-20 em Londres aponta para um novo consenso econômico
global. O Consenso de Washington acabou?
Não, as nossas recomendações ainda valem. Esse novo consenso tem uma parte
em comum com o que eu venho dizendo, mas também vai além. Eles falam no
crescimento ser compartilhado, que haja prosperidade não apenas para os ricos e
poderosos, mas que seja disseminada e chegue aos menos privilegiados. Isso é
muito importante. Eles também falam sobre regular o sistema financeiro, e
certamente isso não é algo que estivesse no Consenso de Washington inicial. Eu
gostaria de ter colocado pelo menos alguma menção, mas nem isso eu fiz. Esse é
um acréscimo merecido.
Que outros pontos do comunicado de Londres não estão no Consenso de
Washington?
Eles mencionam a importância de instituições globais fortes, o que não estava no
consenso original. Mas, nesse caso, eu tenho uma desculpa bem melhor, porque
estava escrevendo para a América Latina, uma região específica, e não para o
mundo todo. Não haveria porque falar de instituições globais naquele contexto. O
ponto final que eles enfatizaram, e que também não consta do Consenso de
Washington, é o meio ambiente, algo que realmente entrou na agenda nos últimos
anos.
A regulação não entrou no Consenso de Washington original?
É até um pouco embaraçoso, porque um dos tópicos (do documento original) era
sobre desregulação. Mas eu estava me referindo à desregulação do tipo que elimina
barreiras à entrada e saída de mercados, e não em desregulação financeira. Eram
temas como os empresários não encontrarem diversos obstáculos para demitir
funcionários, o que os torna menos inclinados a contratar. Ou desregulação em
áreas como transporte por caminhão, ferrovias, aviação, como ocorreu nos Estados
Unidos nos últimos vinte anos.
Mas o que havia sobre o setor financeiro?
Fui bastante específico em falar de liberalização do sistema financeiro, e é
provavelmente verdade que, se mantivéssemos um setor financeiro completamente
regulado, não haveria acontecido uma crise desse tipo. Eu ainda acho que o melhor
sistema envolve liberalização mas, junto com isso, uma boa supervisão do sistema
financeiro, e regras, regulação. Posteriormente (na versão ampliada do Consenso ver box), eu reconheci a importância do tema, e afirmei que, se é para liberalizar o
sistema financeiro, tem de regular também. Eu disse que ter uma sem a outra é
um convite a problemas.
De qualquer forma, parece ser consensual agora que a regulação
insuficiente, que foi endossada pelo establishment econômico-financeiro
global, é uma das grandes causas da crise.
Claro que houve uma falha. Com o benefício do olhar retrospectivo, vemos que foi
um erro dar tanta liberdade. Algumas coisas que aconteceram no sistema financeiro
foram claramente excessos. Acho certo apertar a regulação, mas não é preciso
também usar os princípios corretos. Não se trata apenas de coordenação
internacional, da questão do pagamento a banqueiros, mas também de impedir que
os bancos se tornem grandes demais. É muito pouco saudável ter bancos "grandes
demais para falir". Também é preciso ter uma supervisão prudencial
macroeconômica. Tradicionalmente, a ênfase é inteiramente na supervisão
prudencial microeconômica, e isso não está certo, porque os bancos são atingidos
por choques similares, simultâneos. Havia uma suposição implícita na regulação de
que isso não ia acontecer, mas aconteceu.
Em que pontos o comunicado de Londres coincide com o Consenso de
Washington?
O primeiro é a ideia de que a globalização é uma coisa boa, e de que precisamos
manter o comércio internacional fluindo, e não voltar para uma situação de diversas
economias fechadas. Isso está logo no começo. O comunicado também foi muito
explícito em dizer que a maioria das economias que fazem parte do G-20 é baseada
em princípios de mercado, e eles veem isso como importante. Esse era um dos
pontos que eu mais quis enfatizar no Consenso de Washington.
Por quê?
Porque se trata de uma grande mudança de pensamento. No período inicial do pósGuerra, havia um argumento de que as pessoas em países em desenvolvimento
não respondiam a incentivos econômicos da mesma forma que nos países
desenvolvidos, e que, então, um tipo de pensamento econômico diferente tinha de
ser usado. Eu acho que isso está errado, e não penso que o comunicado de Londres
tenha embarcado neste caminho.
Mas a recomendação de aumentar gastos públicos para sair da recessão
não contradiz a defesa de disciplina fiscal pelo Consenso de Washington?
Não, o comunicado menciona duas vezes a importância de se alcançar
sustentabilidade fiscal no longo prazo, o que eu defendia para a América Latina. É
claro que é apropriado ter políticas fiscais expansionistas neste momento, no meio
de uma recessão, mas também é apropriado torná-las menos expansionistas à
medida que o tempo passa e essas economias se recuperam.
O Consenso de Washington está ligado à agenda liberal de Margaret
Thatcher e Ronald Reagan?
Bem, a intenção era de buscar um consenso, e, portanto, determinar o que tinha
sobrevivido em termos de ideias ao final daquele período. Em relação a Margaret
Thatcher, foi importante que ela tenha introduzido e tornado popular a privatização.
Acho que ela estava certa. Mas o Consenso de Washington nunca foi um apoio
generalizado às ideias de Reagan e Thatcher.
Como o sr. vê a América Latina e o Brasil diante da crise?
Eu realmente acredito que diversos países latino-americanos seguiram
razoavelmente bem a parte macroeconômica do Consenso de Washington,
especialmente o item relativo à disciplina fiscal. O governo Lula, por exemplo,
tomou decisões muito boas na área macroeconômica. E eu acho que essa postura
fiscal dos países latino-americanos os ajudou enormemente a atravessar a atual
crise com custos relativamente moderados. É claro que o Chile é a estrela, mas
aquilo é verdadeiro também em relação ao Brasil - e mesmo, até certo ponto, à
Argentina. Já diversos países da Europa Oriental, cujas políticas fiscais divergiram
fortemente da disciplina recomendada no Consenso de Washington, estão sendo
muito mais duramente atingidos nesta crise.
Quer dizer que, no final das contas, a América Latina implementou o
Consenso de Washington?
Bem, eu não acho que todos os países, e aí incluo o Brasil e, obviamente, a
Argentina, tenham ido tão bem em relação aos temas de aperfeiçoamento da
economia de mercado, mas isso é mais relevante para o crescimento de longo
prazo do que para a capacidade de resistir a uma crise no curto prazo. A
liberalização comercial, por exemplo, foi feita de uma forma infeliz, com a conta de
capital liberalizada (liberalização dos fluxos de capital) simultaneamente. Então,
houve esse fluxo de capital que tendeu a tornar as exportações não competitivas
(pela valorização do câmbio), e isso foi um erro. E há muitas falhas na educação,
das quais tratamos na revisão do Consenso de Washington.
As mudança no FMI decididas em Londres estão em linha com o que o sr.
defende?
Bem, realisticamente, ninguém esperava que eles concordassem um dia sobre
como reformar o FMI. Mas, em linhas gerais, fiquei surpreso com o quanto o
comunicado foi na direção que venho favorecendo. Por exemplo, na questão de
escolher o diretor-gerente, com base no mérito, e não da geografia, não tendo mais
de ser de algum país em particular.
E em relação ao aumento dos recursos para o FMI?
Sou a favor e acho que ajuda muito na situação atual, mas não escrevi
especificamente sobre isso. Uma questão que não foi resolvida, na minha opinião, é
que os novos empréstimos, com poucas condicionalidades, são para países que
sofrem fugas de capital ou paradas súbitas da entrada de capital. Isso deixa de fora
todos os países dependentes de commodities, e que podem ter problemas no
balanço de pagamentos (no caso de os preços das commodities caírem muito), sem
ser por culpa deles. Já houve empréstimos desse tipo, mas, desta vez, uma falha
foi não reativar este instrumento.
O que o sr. acha do plano de Tim Geithner (secretário do Tesouro
americano) para sanear os bancos do país?
Os americanos pagarão um preço alto por serem tão avessos à possibilidade de
nacionalização temporária. Ninguém iria querer um sistema bancário
permanentemente estatal, mas provavelmente a melhor coisa seria permitir que
alguns bancos sejam nacionalizados temporariamente, e serem privatizados de
novo no futuro. Não acho que isso represente uma ameaça tão aterradora, a ponto
de se pagar qualquer preço para evitá-la - e é assim que encaro a abordagem do
Geithner.
BRASIL: "O governo Lula, por exemplo, tomou decisões muito boas na área macroeconômica"
ACRÉSCIMOS: "Nossas recomendações ainda valem, mas o G-20 foi além: eles falam em
regular o sistema financeiro"
PONTO COMUM: "Comunicado diz que a globalização é uma coisa boa, e que é preciso manter
o comércio fluindo"
Quem é:
John Williamson
Economista, nasceu na Inglaterra em 1937
Foi conselheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 1972 e 1974
Atuou como economista-chefe do Banco Mundial para o sul da Ásia entre 1996 e 1999
Foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro de 1978 a 1981
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Documento serviu de base a conferência em 1989
Fernando Dantas
O Consenso de Washington original foi um documento preparatório para uma
conferência na capital americana em 1989. Nele, o economista John Williamson
compilou um conjunto de recomendações de política econômica para os países da
América Latina, que julgou consensuais entre os especialistas e interessados na
região no Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Departamento do
Tesouro americano e no Congresso dos EUA.
Durante a conferência, representantes de várias nações latino-americanas
avaliaram até que ponto a política econômica dos seus respectivos países estava
mudando na direção do "Consenso de Washington".
Na esteira da "revolução liberal" dos governos de Margaret Thatcher, na GrãBretanha, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, o Consenso de Washington
passou a ser visto como uma espécie de cartilha neoliberal, que defende um
máximo de liberalismo econômico e um mínimo de Estado. Um dos críticos mais
ácidos tem sido Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia.
Williamson sempre negou essa visão, e, de fato, o documento original e o tipo de
política econômica dele derivado é mais moderado do que a ideologia de Thatcher e
Reagan. O economista, porém, assume que o Consenso de Washington buscou
peneirar o que, dentro das iniciativas dos dois ex-chefes de governo dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha, provou-se aproveitável.
Alguns dos principais temas do Consenso de Washington, na sua versão de 1989,
eram a defesa da disciplina fiscal, liberalização comercial, privatização e
desregulação (nesse último caso, o fim de barreiras à entrada e saída de agentes
econômicos nos mercados).
Mais de uma década mais tarde, após a experiência de seguidas crises cambiais e
financeiras, que afetaram a Europa, a Ásia e a América Latina, Williamson voltou ao
tema, e coeditou, com Pablo Kuczynski, ex-ministro das Finanças e ex-primeiroministro do Peru, o livro After the Washington Consensus: Restarting Growth and
Reform in Latin America (Depois do Consenso de Washington: Reiniciando o
Crescimento e as Reformas na América Latina).
No livro, de diversos autores, e em trabalhos e conferências, Williamson incluiu no
Consenso temas como a prevenção de crises, programas de distribuição de renda
(do tipo do Bolsa-Família) e a melhora da educação.
----------------------------------------Folha de S.Paulo 12 04 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
A voz sensata do Brasil na crise
MAKHTAR DIOP
O consenso é que o Brasil estará entre os países que devem superar a crise
e retomar o crescimento com maior rapidez
O BRASIL se depara com uma crise importada dos países desenvolvidos, de
enormes proporções e pela qual o país não tem responsabilidade. Pela primeira vez,
uma crise que ameaça reverter progressos sociais e econômicos importantes em
muitos países encontra o Brasil mais forte e preparado.
Hoje, o consenso é que o Brasil estará entre os países que devem superar a crise e
retomar o crescimento com maior rapidez, sendo inclusive fator de estabilidade
para a normalização do comércio e dos fluxos financeiros. No pior da crise, o Brasil
mostrou liderança e deu sinais inequívocos de rejeição da tentação protecionista,
ajudando a dar um exemplo.
Um dos efeitos da crise financeira internacional é que ela revela lideranças
regionais e mundiais. O Brasil está emergindo como uma voz clara e pragmática
sobre a forma de lidar com a crise e como evitar que os profundos problemas que a
geraram -e que condenam muitos países ao retrocesso social e econômico- deixem
de ser equacionados.
Nesse contexto, a voz do Brasil precisa e vem sendo ouvida. Suas propostas para
uma melhor regulação do mercado financeiro global e a reativação dos fluxos para
os países em desenvolvimento traduzem visão compartilhada por muitos outros
países, sobretudo os emergentes. Da mesma forma, as propostas de estratégias
para lidar com os ativos "tóxicos", inclusive repensando o papel do Estado, e
iniciativas para coibir o protecionismo e retomar a Rodada Doha são
representativas, tiveram acolhida positiva e devem informar diversas das reformas
a serem implementadas.
A recente reunião do G20, em que a posição do Brasil foi um dos principais
destaques, demonstrou isso claramente. Da mesma forma, a realização da reunião
regional do Fórum Econômico Mundial no Rio nesta semana é sintomática da
importância e legitimidade da voz do país no contexto internacional. Foi-se o tempo
em que o Brasil era a primeira vítima dos sobressaltos internacionais e estava entre
os últimos a se recuperar.
Isso só foi possível por um longo processo de reformas econômicas e sociais
adequadas ao contexto e possibilidades de cada momento. Embora sempre possam
ser aperfeiçoadas e expandidas, essas reformas e ações lograram enorme redução
na vulnerabilidade do país e tiraram milhões de pessoas da miséria, promovendo a
inclusão e a cidadania e reduzindo a histórica desigualdade de renda.
Em casa, devido à estabilidade macroeconômica obtida pelo Brasil, o país pôde
adotar ações anticíclicas de estímulo econômico. Nas áreas monetária/de crédito,
foi possível baixar o custo do dinheiro e criar novas linhas de crédito. Na área fiscal,
houve o aumento no número de alíquotas no Imposto de Renda, tornando-o mais
eficiente e equitativo, e reduções temporárias no IPI para estimular setores em
dificuldades. Em conjunto, essas ações reativaram o crédito, o consumo e as
exportações.
Também foram tomadas medidas para proteger a população contra a desaceleração
do crescimento. O PAC e o Bolsa Família, embora pensados para um contexto
diferente do atual, são instrumentos fundamentais para abrandar o impacto da
crise em 2009 e possibilitar uma retomada vigorosa do crescimento em 2010,
ocupando espaços no cenário internacional.
A lição é que investimentos bem dirigidos são tão importantes quanto reformas ao
se lidar com a crise. A capacidade que o Brasil tem demonstrado em lidar com a
crise deixa o país em situação privilegiada para mais avanços. A alta capitalização e
a baixa alavancagem do mercado financeiro são prudentes, mas representam tanto
uma regulamentação adequada quanto um setor pouco desenvolvido. O crédito
habitacional no Brasil é muito inferior às médias regionais e mundiais. O programa
habitacional recém-anunciado é um passo importante para impulsionar o setor e o
crescimento.
Da mesma forma, o já grande mercado doméstico do Brasil é um eficiente
amortecedor contra choques externos, e o país vem adotando medidas para
potencializar seu crescimento e sua competitividade com uma crescente integração
e abertura de novos mercados. Nesse sentido, a esperada rápida retomada do
crescimento brasileiro após a crise é uma oportunidade única para o Brasil.
Embora continue a sentir os efeitos da crise internacional, o Brasil tem sido uma
voz sensata sobre a melhor forma de enfrentá-la e utilizá-la como uma
oportunidade para melhorar a arquitetura financeira internacional, possibilitando
que os países em desenvolvimento tenham mais voz nas questões internacionais
que os afetam. O Banco Mundial é parceiro do governo do Brasil e em especial da
equipe econômica nessas agendas.
MAKHTAR DIOP, 48, economista, mestre em finanças pela Escola Superior de
Ciências Comerciais Aplicadas de Paris (França), é diretor do Banco Mundial para o
Brasil. Foi ministro da Economia e Finanças do Senegal.
----------------------OUTRAS NOTÍCIAS
ELIANE CANTANHÊDE
Folha de S.Paulo 12 04 2009
É a crise, estúpido!
BRASÍLIA - Lula tenta fazer do limão uma limonada. O "limão", azedo que só, é a
crise que corrói a confiança e os empregos. E a "limonada" é a lista de medidas que
ele estava doidinho para tomar, mas que seriam fatalmente recriminadas em
tempos normais. Se continuam politicamente incorretas, passaram a ser
economicamente justificáveis. Apesar do risco de desequilíbrio entre arrecadação e
gastos.
Um bom exemplo, ainda carente de anúncio oficial, é afrouxar na prática a meta
para 2010 do superávit primário (a parte da arrecadação tributária usada para
abater a dívida pública). Assim: muda-se a metodologia para excluir a Petrobras do
cálculo e poder torrar, a título de despesa e investimento, o equivalente em 2010
aos R$ 14,9 bi da meta da empresa em 2009. Em bom português, Lula quer poder
gastar mais justamente no ano da eleição, e disse a oito ministros que vai andar
ainda mais pelo país com a Dilma para mostrar o PAC, ou com o PAC para mostrar
a Dilma.
O pretexto é que a crise exige investimentos em infraestrutura e geração de
empregos. A realidade é que a candidatura Dilma também. Inclui-se na mesma
lógica a desoneração da folha de pagamento, em estudo para que as empresas
tenham menos impostos e mais empregos. Antiga reivindicação do empresariado,
ganha fôlego agora. De onde vem o dinheiro para cobrir o buraco na receita é outra
história.
Ainda por essa lógica foi a troca do presidente do Banco do Brasil por alguém ainda
mais petista e mais camarada (em duplo sentido) para a redução de juros e o
aumento de créditos convenientes. Lembra a frase atribuída a Quércia em 1990?
"Eu quebro o Banespa, mas elejo o Fleury." Quebrou. E elegeu. Enfim, Lula foi
pragmático durante seis anos, mas não está resistindo à pressão da crise nem
principalmente à tentação de 2010. Está politizando mais e mais o governo. E tem
discurso, ou um bom disfarce: é a crise, estúpido!
[email protected]
---------------------------------Jornal do Brasil 11 04 2009
Déficit dos EUA já perto do trilhão
Gastos na primeira metade do ano fiscal são mais que três vezes maiores
que no ano passado
Os Estados Unidos apresentaram um déficit orçamentário recorde de US$ 956,8
bilhões na primeira metade do ano fiscal de 2009 (que começou em 1º de outubro
de 2008), mais que o triplo do exibido um ano atrás – US$ 312 bilhões –, enquanto
os gastos públicos com resgates financeiros e planos econômicos aceleraram,
informou ontem o Departamento do Tesouro.
O governo espera que o déficit do ano fique na casa de US$ 1,75 trilhão. Caso esse
valor seja atingido, será quase quatro vezes superior ao recorde anterior,
estabelecido no último ano, de R$ 454 bilhões. Ao longo do período, o orçamento
acumulou seis meses seguidos de déficit, o que não acontecia desde o exercício
2003/2004.
Levando em consideração apenas o mês de março, o governo teve um déficit de
US$ 192,27 bilhões, recorde para o referido mês. O valor é quase quatro vezes
maior que o déficit de um ano atrás, de US$ 48,21 bilhões, e superior à expectativa
dos analistas, que esperavam por um resultado na faixa dos US$ 150 bilhões.
O peso da ajuda
No ano fiscal, o resultado foi impulsionado pela necessidade de gastar quase US$
300 bilhões para ajudar os bancos, envolvidos na pior crise financeira desde a
Grande Depressão de 1929. O déficit para março inclui ainda gastos de US$ 46
bilhões para injetar capital nas financeiras do setor imobiliário Fannie Mae e Freddie
Mac e mais US$ 10,6 bilhões para benefícios do Estado a desempregados.
O rombo também foi alimentado pelos programas tradicionais do governo para
assistir os desempregados. Segundo dados do Departamento do Trabalho, o
número total de trabalhadores de norte-americanos que recebiam o benefício de
auxílio-desemprego saltou 95 mil, para 5,840 milhões – nível mais alto desde que o
dado começou a ser acompanhado em 1967 – na semana encerrada em 28 de
março.
Arrecadação em queda
Para piorar a situação, ao longo dos seis primeiros meses do ano fiscal, a
arrecadação de impostos teve queda de 13,6%, ficando em US$ 989,8 bilhões. Os
recebimentos do governo foram afetados pela recessão, que desacelerou a
atividade econômica e desestimulou o consumo.
Enquanto isso, as despesas do Estado atingiram a quantia de US$ 1,94 trilhão
desde o início do exercício, comparado com US$ 1,46 trilhão registrado no primeiro
semestre do ano fiscal anterior.
O presidente dos EUA, Barack Obama, disse que sua administração tomará medidas
adicionais nas próximas semanas para ajudar a melhorar o ambiente de negócios
no país.
Após reunião com o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, o conselheiro
econômico Larry Summers e a presidente do Conselho de Assessores Econômicos
da Casa Branca, Christina Romer, o presidente norte-americano afirmou que a
economia do país começa a mostrar "lampejos de esperança". Apesar disso,
advertiu que a economia continua sob severo estresse.
O presidente americano e seus conselheiros discutiram a estabilidade do sistema
financeiro, o mercado imobiliário residencial e um programa para ajudar os bancos
a limpar seus balanços dos ativos tóxicos, que têm impedido a retomada do crédito.
-----------------------------O Estado de S.Paulo 12 04 2009
Zona do euro se prepara para tempestade
perfeita
Anatole Kaletsky*, THE TIMES
Se vocês acham que Alistair Darling (secretário das Finanças da Grã-Bretanha)
enfrenta graves problemas com seu orçamento, lembrem de Brian Lenihan, o
ministro das Finanças da República da Irlanda, que anunciou na terça-feira seu
segundo orçamento de emergência em seis meses, com drásticos aumentos dos
impostos, cortes das aposentadorias e dos salários e, mesmo assim, seu país
registra até o momento o maior déficit público da zona do euro.
Ou Yannis Papathanassiou, seu colega grego. O crédito do seu país foi rebaixado a
um ponto acima do "junk status" e justificadamente definido, na quarta-feira, pela
revista alemã Stern como oscilando à beira da bancarrota.
Ou Pedro Solbes, o respeitado ministro da Fazenda da Espanha, demitido na terçafeira diante do derretimento de uma economia e de um sistema bancário
considerados invulneráveis há apenas alguns meses.
Ou até mesmo Peer Steinbrück, ministro da Fazenda da Alemanha, que, apesar de
se exibir com o triunfo do modelo de economia social de mercado da Renânia, em
comparação com o capitalismo anglo-saxônico, dirige a mais fraca entre as
principais economias do mundo, com exceção do Japão.
A Europa, mais ainda do que os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha, foi apanhada
pela tempestade financeira global e, se o mundo sofrer um novo golpe nos
próximos meses, comparável ao colapso do Lehman Brothers, muito provavelmente
envolverá uma crise na zona do euro. Será possível que a Europa, cujas maiores
economias - Alemanha, França e Itália - nunca experimentaram um boom na
habitação e no crédito em estilo anglo-saxônico, possa sofrer danos ainda maiores
do que a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos? Tudo isso parece tão injusto que
muitos políticos, homens de negócios e financistas, supostamente pessoas nada
sentimentais, se recusam a acreditar. Mas esse tipo infantil de moralização nunca
impulsionou os mercados financeiros internacionais.
O desempenho econômico deve ser avaliado de maneira objetiva, sem toda aquela
conversa de erro e de castigo atualmente tão difundida. A zona do euro se depara
com três ameaças mais sérias do que qualquer outra, nos EUA ou na Grã-Bretanha:
a extrema vulnerabilidade da economia alemã à queda acelerada das exportações,
a instabilidade financeira na Europa Oriental e as crescentes tensões entre o centro
e a periferia da zona do euro.
A sinistra possibilidade é que, até as eleições gerais alemãs de 27 de setembro,
esses três perigos separados, mas mutuamente dependentes, possam se combinar
e produzir uma "tempestade perfeita".
A recessão atingiu a Alemanha de uma maneira muito pior do que qualquer outra
grande economia, com exceção do Japão. No quarto trimestre, seu Produto Interno
Bruto (PIB) caiu a uma taxa anualizada de 8,2% em comparação com o declínio de
6% na Grã-Bretanha.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta
para a Alemanha um declínio ainda maior, de 9,6% no primeiro trimestre, em
comparação com 5,4% na Grã-Bretanha. Para todo o ano de 2009, a economia
alemã deverá sofrer uma retração de 5,3%, em relação a 3,7% na Grã-Bretanha.
Até 2010, a Alemanha poderá registrar a maior taxa de desemprego do G-7 (grupo
das sete maiores economias do mundo), enquanto a Grã-Bretanha apresentará a
menor, fora do Japão.
A concentração da economia alemã nas exportações se revelou um ponto fraco.
Seus carros e produtos de investimento foram ainda mais afetados com a recessão
do que os serviços financeiros e outros produtos baseados no conhecimento. O
vigor do euro prejudicou sua competitividade e os mercados de exportação da
Alemanha outrora de maior crescimento, os florescentes países na periferia da
Europa - Espanha, Irlanda, Europa Central e Rússia - agora entraram em colapso.
De repente, a Alemanha estava tão exposta ao processo de expansão-contração
quanto a Grã-Bretanha e os EUA. A diferença fundamental é que ela dependia dos
booms imobiliário e de crédito em países como Espanha, Hungria, Rússia, Irlanda,
Escandinávia - e Grã-Bretanha - sobre os quais não tinha nenhum controle.
O segundo problema da Europa é o derretimento financeiro da Europa Oriental e
Central. Nos últimos dez anos, Hungria, Romênia, Bulgária e os países do Báltico
endividaram-se muito mais, em relação à sua renda nacional, do que a Tailândia,
Indonésia e outros países asiáticos que na década de 90 deixaram de pagar suas
dívidas.
Para piorar a situação, uma proporção muito elevada desses empréstimos era em
divisas estrangeiras - 70% dos empréstimos hipotecários e para a compra de
automóveis, na Hungria, são em euros ou em francos suíços.
Logo, uma acentuada valorização do euro em relação às moedas locais levaria
muitas famílias e empresas à falência. Por esse motivo, os governos da Europa
Central vêm tentando desesperadamente defender suas moedas, procurando a
ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI), e reagiram com satisfação ao
aumento dos recursos do Fundo, anunciado na semana passada pelo G-20.
Mas a experiência sugere que a defesa da moeda baseada em programas do FMI
raramente produz resultados positivos. De fato, o Fundo obriga costumeiramente
os credores a desvalorizarem suas moedas, como fez no caso de todos os principais
países asiáticos e da América Latina. Por que motivo China, Índia e Brasil, com sua
crescente influência no FMI, concordariam com regras radicalmente diferentes para
os devedores europeus?
O terceiro ponto vulnerável da Europa são as tensões da eurozona. Embora as
condições financeiras da Europa Central sejam hoje, em termos gerais, piores do
que as existentes na Ásia na década de 90, os europeus desfrutam de uma imensa
vantagem. Eles podem contar com um tio rico - o contribuinte alemão. Nunca
houve a menor chance de o Japão ou a China ajudarem a Tailândia, a Coreia do Sul
e a Indonésia, mas se dá como ponto pacífico que a UE - em última instância o
contribuinte alemão - será avalista das dívidas da Europa Central.
O problema desse pressuposto reconfortante é que uma crise financeira na Europa
Central e na Áustria agravaria consideravelmente as tensões já evidentes na zona
do euro. As economias da Irlanda, Grécia e Portugal estão em queda livre em
consequência do colapso dos mercados da habitação, agravado pelo dispendioso
efeito do euro para as exportações e o turismo. A Espanha parece cada vez mais
vulnerável. Como observou Alan Brown, da Schroders, em estudo recente, desde
1999 os preços nesses quatro membros periféricos da União Europeia subiram 18%
em relação aos da Alemanha.
Se a Alemanha ajudasse a Áustria e a Europa Central, praticamente não poderia
negar apoio financeiro aos governos da Irlanda, Grécia e Portugal - e mais tarde à
Espanha e ao verdadeiro colosso dos empréstimos soberanos da Europa, o governo
italiano.
Na Alemanha, com o desemprego e os déficits orçamentários crescendo a níveis
nunca imaginados, será difícil conseguir apoio político para uma operação de ajuda
financeira pan-europeia, principalmente em uma eleição difícil.
Apesar disso, é improvável uma crise existencial na zona do euro. Na última hora,
quase certamente a Alemanha oferecerá seu apoio. Mas suponhamos que seja
preciso preparar um pacote de emergência num fim de semana, em resposta a uma
crise europeia. Seria tão óbvio assim que a UE e a Alemanha conseguiriam se sair
melhor do que o governo americano no caso do colapso do Lehman, em setembro
do ano passado? Aparentemente, ninguém ainda fez esta pergunta - o que
provavelmente a torna o maior risco com que se defronta hoje a economia global.
*Anatole Kaletsky é articulista
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