o atendimento à saúde pública no distrito federal no ano de
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o atendimento à saúde pública no distrito federal no ano de
Universidade de Brasília Faculdade de Direito Disciplina: Monografia Profª Orientadora: Ela Wiecko Volkmer de Castilho O ATENDIMENTO À SAÚDE PÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL NO ANO DE 2002 Franklin Rodrigues da Costa Matr. 00/00000 BRASÍLIA 2º/2002 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................1 CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................3 A SAÚDE COMO DIREITO DE TODOS E OBRIGAÇÃO DO ESTADO ...................3 1.1 Conceitos ................................................................................................................3 1.2 Saúde .......................................................................................................................3 1.3 A Busca de Um Conteúdo de Saúde Pública .........................................................4 1.4 Direito .....................................................................................................................5 1.5 Do Direito à Saúde ..................................................................................................5 1.6 Da Forma de Custeio das Ações e Serviços de Saúde ............................................6 1.7 O Sistema Único de Saúde – SUS ........................................................................10 CAPÍTULO 2 ..................................................................................................................13 AS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE NO DF NO ANO DE 2002 ............................13 2.1 Do Descaso com os Pacientes ...............................................................................13 2.2 Das Condições Físicas do Hospital de Base .........................................................30 CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................36 ORÇAMENTO PÚBLICO EM SAÚDE ........................................................................36 3.1 O orçamento do Distrito Federal no ano de 2002 .................................................36 3.1.1 Do não cumprimento das normas constitucionais referente à destinação de recursos para a saúde ..............................................................................................36 3.1.2 Da redução do orçamento em saúde ..............................................................36 3.1.3 Do desvio dos recursos da saúde para outros fins .........................................39 3.1.4 Da compra de medicamentos superfaturados ................................................41 3.2 Da Utilização de Recursos da Saúde para Pusteio da Campanha Eleitoral do Governador .................................................................................................................43 3.3 Da Omissão e Conivência do Conselho Distrital de Saúde ..................................48 CONCLUSÃO ................................................................................................................51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................53 ANEXOS ........................................................................................................................56 INTRODUÇÃO Este trabalho foi elaborado como tema de conclusão do Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, realizado pela Universidade de Brasília, a Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ e Ministério da Saúde. Ponto de partida para a pesquisa foram as notícias veiculadas imprensa a partir de fins de 2001 e durante 2002, sobre a qualidade da prestação serviços de saúde no Distrito Federal. Assim, a elaboração centrou-se na busca informações quanto à veracidade das notícias divulgadas na imprensa e, confirmadas, aferir-se eventual violação da legislação de proteção à saúde. na de de se Para atingir esse objetivo, tem-se um enfoque teórico sobre o conjunto da legislação de proteção do direito à saúde e sua relevância para o alcance de nível mais elevado de dignidade das pessoas que dependem do serviço de saúde pública no País. Para se compreender melhor o sentido da afirmação constitucional de ser a saúde ―direito de todos e obrigação do Estado‖, procurou-se apresentar conceitos para a saúde, saúde pública, direito e direito à saúde. Com base na legislação, ter-se-á uma compreensão do que é o SUS – Sistema Único de Saúde – o seu fundamento legal e a forma de custeio das ações e serviços de saúde em todos os níveis federativos – União, Estados, municípios e Distrito Federal. Situado o leitor em relação ao significado e importância do direito à saúde, passou-se ao estudo de como são efetuados os investimentos e gastos em saúde pública. A compreensão da destinação e aplicação das verbas foi estudada à luz da Constituição Federal, especialmente a Emenda Constitucional 29/2000 e as Leis 8.080/90 e 8.142/90, que disciplinam os valores a serem alocados pela União, Estados, municípios e Distrito Federal. A parte específica do atendimento à saúde pelo Distrito Federal desdobra-se em duas partes. A primeira, a análise da qualidade da prestação nos serviços de saúde à população do Distrito Federal, no ano de 2002. A segunda, um estudo de algumas das causas que o Grupo-Tarefa e os demais órgãos de fiscalização identificaram para o desastre no atendimento à saúde no DF, bem como naqueles aparentes, como a omissão e conivência com o poder executivo para o sucateamento da saúde, por parte da Câmara Distrital e do Conselho de Saúde do Distrito Federal. Para a identificação da qualidade do atendimento e suas causas, a pesquisa nos dados colhidos nas investigações efetuadas no sistema de saúde do Distrito Federal pelo Grupo-Tarefa instituído pelo Ministério da Saúde no ano de 2002, integrado pelo Conselho Regional de Medicina do DF, Conselho Regional de Farmácia do DF, Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA, Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Franklin Rodrigues da Costa 2 Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e fontes da Câmara Distrital e Conselho de Saúde do Distrito Federal. Espera-se que esse trabalho possa servir como auxílio às organizações e aqueles que têm interesse em assistência à saúde. Procurou-se, o mais que possível, uma forma simples e didática de explicar o que é e como funciona o Sistema Único de Saúde, qual a obrigação dos administradores públicos e dos legisladores em relação à política pública de saúde e como a sociedade pode intervir no controle do sistema, conhecendo os órgãos responsáveis pela fiscalização e punção do administrador negligente, e participando dos órgãos de controle - os Conselhos de Saúde. CAPÍTULO 1 A SAÚDE COMO DIREITO DE TODOS E OBRIGAÇÃO DO ESTADO A saúde, no Direito brasileiro, é um dos bens – senão o bem – cujas garantia e proteção estão postas entre as mais altas obrigações a serem cumpridas pelo Estado, referente ao tema, parte do capítulo da Ordem Social, ao impor ser a saúde ―direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação‖ – artigo 196, serviços de saúde‖. Dessa obrigação do Estado decorre estar ele obrigado a ―dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle‖. Atento a que houvesse a efetiva prestação dos serviços de saúde, esclareceu que sua execução deve ―ser feita diretamente‖ e, quando insuficientes os meios disponíveis para o cumprimento dessa obrigação, que o fizesse ―através de terceiros‖ , inclusive ―por pessoa física ou jurídica de direito privado‖. 1.1 Conceitos Para uma melhor compreensão do fenômeno que se propõe a examinar, convém considerarmos conceitos e definições de termos que estão presentes ao longo do trabalho, tais como Saúde, Saúde Pública, Direito e Direito à Saúde. 1.2 Saúde O que se deve entender por saúde, tal qual está posto na Constituição, à qual o Estado se obriga a garantir acesso universal e igualitário? Busca-se o conceito mais próximo de saúde, no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde, assinada em 26 de julho de 1946, nos seguintes termos: ―Saúde é o estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença‖. Sueli Gandolfi Dallari descreve1: O conceito de saúde acordado em 1946 não teve fácil aceitação. Diz-se que corresponde à definição de felicidade, que tal estado de completo bem-estar é impossível de alcançar-se e que, além disso, não é operacional. Vários pesquisadores procuraram, então, enunciar de modo diferente o conceito de saúde. Assim, apenas 1 DALLARI, Sueli Gandolfi et al. Direito Sanitário. In: Manual do Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. UnB/CEAM – FIOCRUZ, s/d. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 4 como exemplo, para Alessandro Seppilli saúde é ―a condição harmoniosa de equilíbrio funcional, físico e psíquico do indivíduo integrado dinamicamente no seu ambiente natural e social‖, Para John Last saúde é um estado de equilíbrio entre o ser humano e o ambiente, permitindo o completo funcionamento da pessoa , e para Claude Dejour, convencido de que não existe o estado completo de bem-estar, a saúde deve ser entendida como a busca constante de tal estado. 1.3 A Busca de Um Conteúdo de Saúde Pública Essas conceituações satisfazem o conceito de saúde do ponto de vista individual. Vamos mais além e vejamos o que se pode entender como saúde pública. A característica do público, como termo a ser adicionado à saúde, cujo conceito vimos acima, pode significar tanto os indivíduos de uma comunidade tomados coletivamente, quanto os órgãos oficiais do Estado, os bens de que esse dispõe para a prestação dos serviços que são de sua responsabilidade, bem como esses próprios serviços e ações. Registra Aurélio Buarque de Holanda: Público. 1. Do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao povo, à coletividade. 2. Relativo ou pertencente ao governo de um país; 3. O que é de uso de todos; comum; hospital publico‖ 2. Partindo do ponto de vista segundo o qual o termo público é algo relativo à coletividade, pertencente ou destinado ao povo, pode-se dizer que saúde pública significa o estado de bem-estar das pessoas de uma determinada comunidade, tomada coletivamente e representado pela soma do bem-estar de cada um dos seus integrantes. Tomado de um outro ponto de vista, público significa o que é relativo ao governo. Daí se conduz que esse termo vem dizer diretamente com a responsabilidade desse no que se refere à prestação dos serviços de saúde e às ações relativas a esse objeto. É por isso que não se pode apartá-lo do conceito de serviço. Trata-se, evidentemente, de um serviço público, cuja conceituação nos dá Moreira Neto3: Conceito "tradicional" de serviço público: "atividade da Administração Pública que tem por fim assegurar de modo permanente, contínuo e geral, a satisfação de necessidades essenciais ou secundárias da sociedade, assim por lei consideradas, e sob as condições impostas unilateralmente pela própria Administração". Conceito "contemporâneo" de serviço público: "as atividades pelas quais o Estado, direta ou indiretamente, promove ou assegura a satisfação de interesses públicos, assim por lei considerados, sob regime jurídico próprio a elas aplicável, ainda que não necessariamente de direito público". Como serviço público, os serviços de saúde pública submetem-se aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa – Século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 3 MOREIRA NETO, D. F. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 5 eficiência e economicidade dos artigos 37, caput, e 70, caput da Constituição Federal e, ainda, ao princípio da continuidade e da permanência. A junção desses elementos – saúde, público e serviço – chega-se à conclusão de que saúde pública configura um conjunto de ações ou uma política de governo voltada para a prevenção de situações e elementos passíveis de afetar o status de bem-estar físico, mental e social dos indivíduos de forma desfavorável, bem como propiciar meios de restituir-lhe esse bem-estar naqueles casos em que tenha sido afetado. Assim, numa segunda acepção, pode-se anunciar um outro conceito de saúde pública como sendo as ações e serviços de responsabilidade do Poder Público [governo ou Estado], legalmente impostos, efetuados de forma impessoal, contínua, permanente e com eficiência, observando a moralidade, publicidade e economicidade, tendo como objeto impedir doenças, eliminá-las, bem como reduzir limitações físicas, mentais e sociais decorrentes de incapacidades crônicas, voltados para a coletividade, com o fim de manter os indivíduos que a integram em estado completo de bem-estar físico, mental e social. 1.4 Direito Convém buscar, dentre as várias acepções da palavra direito, aquela que encontre mais adequação ao propósito deste estudo, a possibilidade concedida pelo ordenamento de agir a fazer valer uma situação – ―direito de alguém‖4. A definição apresentada por aquele autor segundo a qual o direito é ―a possibilidade concedida pelo ordenamento [as leis] de agir e fazer valer uma situação‖, satisfaz para o fim que se quer alcançar com o presente trabalho. 1.5 Do Direito à Saúde Esses referenciais são elementos fundamentais para se definir o que vem a ser o direito à saúde. É regra da Constituição Federal, no artigo 196 ser a saúde ―direito de todos e dever do Estado‖, colocando suas ações e serviços necessários ao atendimento desse direito como sendo ―de relevância pública‖. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Nesse diapasão, a preocupação com a questão saúde, não se circunscreve ao campo individual, mas se estende, enquanto direito humano, como imperativo de atendimento à saúde de forma indiscriminada, isto é, à saúde pública - a 4 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p.33. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 6 saúde de todos os indivíduos que compõem o povo de determinado Estado5, requerendo um dar ou um fazer estatal para seu exercício e impondo a realização de políticas públicas, isto é, de um conjunto sistematizado de programas de ação governamental‖6. Não se pode olvidar, na busca da definição do direito à saúde a natureza especial que lhe confere a Constituição Federal, ao destacar como sendo de ―relevância pública‖ suas ações e serviços. Na aplicação da valoração dos bens que se destinam ao ser humano, e que devem ser motivo de proteção por meio da lei, temos um espectro de direitos postos em camadas uns ao lado ou por sobre outros. Tais direitos estão graduados, cada um segundo o valor que lhe confere a sociedade para o indivíduo ou para a coletividade. Assim é que alguns são essenciais ou mais valiosos em comparação a outros. Alguns são detentores do que se pode chamar de relevância – tem algo grau de importância – outros são importantes, com grau significativo de importância e outros, ainda, de importância relativa. Alguns são tão valiosos que podemos chamá-los de essenciais. Ao designar as ações e serviços de saúde como sendo de relevância pública, quis o constituinte que esse fosse objeto de atenção especial e destacada, em todos os seus aspectos e implicações. Pode-se extrair daí como conceito constitucional de relevância pública, a colocação em nível de destaque pela constituição, de objeto ou direito dotado de caráter essencial e supremo interesse para a coletividade, em posição hierárquica prevalente sobre quaisquer outras, cuja conseqüência para o Estado é a obrigação de lhe proporcionar atenção especial nos aspectos político-administrativo-econômico, visando a sua efetiva implementação e plena realização‖ De tudo isso, poder-se afirmar que o Direito à Saúde consiste na possibilidade concedida pela lei, de se exigir do Estado o cumprimento da obrigação constitucional a ele imposta, de hierarquia prevalente sobre quaisquer outras, em caráter de prioridade, a prática de ações e serviços de saúde, tendo como objeto a promoção, proteção e recuperação do estado de bem-estar físico, mental e social de alguém ou da coletividade. 1.6 Da Forma de Custeio das Ações e Serviços de Saúde Dentre os papéis a serem desempenhados pelo Estado está a prestação de serviços necessários à promoção do bem comum. A execução de serviços por parte do Estado exige que esse disponha de recursos financeiros para o seu custeio. A arrecadação desses recursos financeiros é efetuada no seio da própria sociedade, quase 5 DALLARI, Sueli Gandolfi et al. Direito Sanitário. In: Manual do Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. UnB/CEAM – FIOCRUZ, s/d. 6 ALEXY, 1985; CANOTILHO, 1988 (apud MAUÉS, Antonio G. Moreira, p. 479. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 7 sempre pela imposição de tributos – impostos, taxas e contribuições - que são recolhidos pelas pessoas – físicas e jurídicas - aos cofres oficiais. Colocados, na Constituição Federal, como sendo de relevância pública, as ações e serviços de saúde têm ainda como diretriz o atendimento integral (CF, art. 198, II). A esse atendimento integral às ações e serviços de saúde estão obrigados todos os entes federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - de forma conjunta. É o que se vê de, pelo menos duas outras passagens do texto constitucional: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I – (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. Para essa finalidade de cuidar da saúde, os entes federados devem reservar, anualmente, recursos destinados a esse fim, o que é feito por meio da inclusão e fixação, nos seus orçamentos, dos valores que serão aplicados no setor. Orçamento, nos Estados Democráticos, para o professor e tributarista Aliomar Baleeiro , ―é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza o Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do País, assim com a arrecadação das receitas já criadas em lei‖. 7 Antonio L. de Souza Franco8 o conceitua como ―uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada ano‖. A interpretação do enunciado ―é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública‖, inserta no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, não significa apenas que esses entes detêm poder igual para esse cuidado. Em verdade, extrai-se do artigo um poderdever de cuidar da saúde. Esse sentido de poder-dever torna-se mais evidente ao se conjugar o dispositivo do artigo 23, II, com o artigo 196, também da Constituição, que dispõe serem as ações e serviços de saúde dever do Estado. As ações e serviços públicos de saúde são parte de uma das obrigações que o Estado está obrigado a incorporar e prover, visando atender aos objetivos 7 BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 397 (apud HARADA, Kioshi, Direito Financeiro e Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas, p. 65). 8 FRANCO, Antonio L. de Souza. Finanças Públicas e Direito Financeiro. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1988, p. 308 (apud BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995). Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 8 fundamentais descritos no artigo 3º, da Constituição Federal – erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais e a realização do bemcomum – qual seja, a seguridade social. O conjunto das ações relativas à seguridade social é integrado, além da saúde, por outros dois objetos, a previdência social e a assistência social (Constituição Federal, art. 194). Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Quanto às fontes das quais são arrecadados os recursos para o custeio desses programas que compõem a Seguridade Social – da qual a saúde é parte – a Constituição indica expressamente as contribuições sociais dos empregadores e das empresas, as contribuições sociais dos trabalhadores e segurados da previdência social, parte da receitas de concursos de prognósticos – loterias (artigo 195 e seus incisos) de todos os entes federativos. Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;" III - sobre a receita de concursos de prognósticos. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. Além desses recursos destinados à seguridade social, dos quais parte deles financia as ações e serviços públicos de saúde, a Carta Magna previa que esses programas deveriam ser financiados ainda por meio de outras fontes de recursos (parte final do § 1º, do artigo 198): § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 9 Apesar dessa estrutura de financiamento para as ações e serviços públicos de saúde, percebeu-se, ao longo da década de noventa, que os recursos destinados às ações e serviços de saúde, não supriam o atendimento à população, deixando o Estado de prestar o atendimento integral preconizado pelo artigo 198, II da Constituição. Dentre outros fatores, os recursos acabavam sendo dirigidos para o pagamento de benefícios previdenciários. Decorrente dessa deficiência foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29, em 13 de setembro de 2000, a qual, veio aprimorar a sistemática orçamentária para o custeio da seguridade social, nela incluídos os serviços de saúde, criando a imposição de valores mínimos que o Poder Público está obrigado a aplicar, anualmente, em ações e serviços de saúde. Por meio do acréscimo do § 2º, no artigo 198 da Carta, fixou esses percentuais mínimos da seguinte forma: § 2º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (AC). I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; (AC) II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 [transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; propriedade de veículos automotores] e dos recursos de que tratam os arts. 157 [imposto de renda retido na fonte pelos Estados, suas autarquias e fundações; impostos especiais criados pela União] e 159, inciso I, alínea a, [Fundo de Participação dos Estados e do DF] e inciso II [imposto sobre produtos industrializados], deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (AC) III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 [IPTU, transmissão inter vivos de bens imóveis e serviços de qualquer natureza] e dos recursos de que tratam os arts. 158 [imposto de renda retido na fonte pelos municípios suas autarquias e fundações; imposto sobre propriedade territorial rural transferido pela União relativo aos dos imóveis situados no município; IPVA transferido pelos Estados; ICMS e Imposto sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação], e 159, inciso I, alínea b [Fundo de Participação dos Municípios] e § 3º [ parte do IPI recebido pelos Estados e transferido aos municípios]. Assim, a Constituição Federal fixou que as ações e os serviços de saúde devem ser financiadas com parte que cada um dos entes federados destina à seguridade social, nos seus orçamentos, bem com verbas oriundas de tributos arrecadados e recursos do Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação dos Municípios. Preocupou-se ainda, o Constituinte, em dar efetividade às alterações introduzidas pela EC 29, acautelando-se para que as inovações trazidas pelo § 2º não ficassem na dependência de futura e demorada regulação. Para isso introduziu novo dispositivo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – o artigo 77 – Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 10 impondo a aplicação imediata de recursos mínimos nos programas de saúde pública, da seguinte forma: Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: I – no caso da União: a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB; II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento. § 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei. § 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal. § 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo. 1.7 O Sistema Único de Saúde – SUS A Constituição de 1998 também ―fixou os princípios norteadores da organização do sistema de saúde brasileiro: serviço público universal, integral e gratuito; a descentralização com participação popular; o comando único em cada esfera de governo; o financiamento público solidário dos três níveis de governo; a participação comunitária e a presença da iniciativa privada de modo complementar‖9. 9 MALIK, Ana Maria et al. Direito Sanitário. In: Manual do Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. UnB/CEAM – FIOCRUZ, s/d, p. 513. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 11 Além dessas diretrizes, é determinação constitucional que as ações e serviços públicos de saúde constituem um sistema único. Tal determinação encontra-se no artigo 198 da Carta, verbis: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Essa é a gênese legislativa do que se denomina Sistema Único de Saúde – o SUS – o qual veio, posteriormente, ser regulamentado com a edição das Leis nos 8.080/90 e 8.142/90. A primeira – 8.080/90 – organiza os serviços de saúde, sua direção, gestão e competência dos diferentes níveis de governo – União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Dentre as regulações, tem-se as seguintes: Lei 8.080/90: Do Sistema Único de Saúde ―Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). Da Organização, da Direção e da Gestão Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente. Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. A mesma Lei regulou também a forma de calcular o montante de recursos do orçamento da seguridade social que devem ser destinados ao Sistema Único de Saúde. A fixação desses recursos submete-se, em princípio, ao valor da receita estimada para seguridade social, bem como às metas e prioridades estabelecidas para o setor pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. É o que se depreende do art. 31: Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 12 Art. 31. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. É também a Lei 8.080/90 que institui o chamado Fundo da Saúde, no seu artigo 33. Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde. Desde então, as verbas da saúde trafegam por meio de um Fundo, cujos recursos e contabilidade são devidamente separados das demais movimentações orçamentárias e financeiras da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal. Um sistema cujo objetivo é dar visibilidade à movimentação do dinheiro que lhe é destinado, aos gastos efetuados e buscar tornar efetiva as ações de assistência à saúde. A segunda Lei referida – 8.142/90 – veio acrescentar dois outros mecanismos destinados a reforçar o controle da gestão dos recursos da saúde – a participação comunitária na gestão e condicionantes a serem satisfeitas por Estados, municípios e o Distrito Federal para se habilitarem às transferências de recursos financeiros. O mecanismo de controle por meio da participação comunitária, tem seu implemento a partir da criação, em cada esfera de governo, das Conferências de Saúde e dos Conselhos de Saúde. O Conselho de Saúde é um órgão colegiado, de caráter permanente e deliberativo, composto por representes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atuando na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (art. 1º, § 2º). O outro mecanismo de controle é centrado nas transferências de recursos financeiros. Neste caso, a lei condiciona o recebimento de recursos da União, por parte dos Estados, municípios e Distrito Federal e de recursos dos Estados por parte dos municípios, à implementação de várias exigências – existência de Fundo de Saúde, Conselho de Saúde com composição paritária, plano de saúde, relatórios de gestão e contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento (art. 4º). Diz ainda que o não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados pelos Estados ou pela União (art. 4º, parágrafo único). CAPÍTULO 2 AS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE NO DF NO ANO DE 2002 2.1 Do Descaso com os Pacientes A partir do início do ano de 2002, a imprensa passou a divulgar notícias sobre a situação da saúde pública no Distrito Federal. As notícias publicadas apontavam um quadro desolador. Mês a mês, durante o ano de 2002 viram-se várias notícias sobre os serviços de saúde no DF, mostrando sempre um quadro dramático e de sofrimento da população, como são exemplo as matérias a seguir, publicadas de março a dezembro de 2002, no jornal ―Correio Braziliense‖ Descaso – Doentes e sem remédio10 A Farmácia de Alto Custo no Hospital de Base não tem 19 medicamentos usados por pacientes com esclerose múltipla, hepatite C e câncer. As drogas são distribuídas pela Secretaria de Saúde, que recebe verba federal para a compra Rede Pública – Transplantes suspensos11 Ministério da Saúde suspende licença do Hospital de Base para realizar cirurgias em pacientes renais e hepáticos. Hospital Universitário de Brasília, por sua vez, foi impedido de operar em casos de córnea. O motivo do descredenciamento é um só: condições precárias de atendimento Saúde Pública – Equipamentos radiológicos fora de uso12 Máquinas quebradas e falta de material dificultam o trabalho de diagnóstico dos médicos e o tratamento de pacientes no Hospital de Base do DF. Só nos últimos quatro meses, cinco mil tomografias deixaram de ser feitas 10 VITÓRIA, Maria; ACCIOLY, Dante. Descaso – Doentes sem remédio. Jornal Correio Braziliense, 4 maio 2002. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_ 20020404/pri_sau_040402_173.htm>. Acesso em 4/4/2002. 11 XAVIER, Marcello; LIMA, Paola. Rede Pública – Transplantes suspensos. Jornal Correio Braziliense, 1° maio 2002. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_ 20020501/pri_sau_010502_255.htm>. Acesso em 01/05/2002. 12 MESSERSCHMIDT, Sheila. Saúde Pública – Eqwuipamentos radiológicos fora de uso. Jornal Correio Braziliense, 12 jul. 2002. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/ cw/EDICAO_20020712/pri_cid_120702_210.htm Acesso em 12/07/2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 14 Saúde – Oito horas na fila por um exame13 Mil pessoas madrugam no Hospital de Base para marcar ecocardiograma, mas apenas 250 conseguem. Dos quatro aparelhos que avaliam coração, dois estão quebrados. Crise na Saúde – Meses de espera14 Falta de próteses está entre as causas de adiamento de 60 cirurgias diárias no Hospital de Base do Distrito Federal. Médicos aconselham os pacientes a comprar o material para voltar a andar. Mais de um ano sem andar. ‗‗Já não consigo ficar de pé para trabalhar‘‘, lamenta Manoel Almeida, 66 anos, com os olhos voltados para o chão, cheio de vergonha por depender dos filhos para comprar comida e remédios. Em junho do ano passado, enquanto reformava o telhado de um cliente, Manoel pisou em falso e caiu de uma altura de três metros. Logo após o acidente, foi levado ao Hospital de Base (HBDF). Depois de 48 dias recebeu alta. Mas nunca parou de sentir dor. Há 30 anos no DF, o semi-analfabeto que trabalhou durante 12 anos por um pedaço de terra espera, deprimido, uma decisão judicial que garanta seu direito à saúde. Preocupada com o pai, Maria Edileusa levou as radiografias para um médico particular, que foi incisivo: ‗‗Ele tinha de receber uma prótese 15 dias depois do acidente. Agora, já perdeu 50% da chance de voltar a caminhar‘‘. Com a informação, a família voltou ao HBDF. Os médicos explicaram que não fizeram a cirurgia porque o hospital não tinha dinheiro para comprar a prótese que liga o fêmur com a bacia. A falta de material está entre os principais motivos para o adiamento das cirurgias no hospital — uma média de 60 por dia.‗‗Recebemos dos médicos uma proposta para pagar R$ 8 mil pelo material‘‘, afirma Edileuza. ‗‗Topamos, mas, no dia da cirurgia, eles deram pra trás.‘‘ Hemodiálise – Tratamento reprovado15 O setor de atendimento a doentes renais nos hospitais públicos do Distrito Federal foi condenado por órgãos de vigilância sanitária dos governos local e nacional. Em Taguatinga, a Anvisa determinou o fechamento imediato da unidade. As máquinas viraram sucatas. O ambiente é sujo, há sangue e esparadrapo usado espalhados pelo chão. O método utilizado é arcaico, os pacientes gemem de dor. O tratamento de hemodiálise oferecido pelos hospitais regionais de Taguatinga (HRT) 13 CAMPOS, Ana Maria. Oito horas na fila por um exame. Jornal Correio Braziliense, 14 ago. 2002. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030814/pri_cid_ 140803_105.htm. Acesso em 14/08/2002. 14 NUNES, Juliana Cézar. Crise na Saúde – Meses de espera. Jornal Correio Braziliense. 1° out. 2002. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20021001/pri_cid_ 011002_123.htm>. Acesso em 01/10/2002. 15 CAMPBELL, Ullisses Campbell. Hemodiálise – Tratamento reprovado. Jornal Correio Braziliense, 23 out. 2002. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_ 20021023/pri_sau_231002_133.htm. Acesso em 23/10/2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 15 e de Sobradinho (HRS) e pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB) foi investigado, julgado e condenado pela Vigilância Sanitária do governo local. Saúde Infantil – Falta reagente para exame do pezinho16 Laboratório do Hospital de Base de Brasília acumula cerca de nove mil amostras de sangue de bebês do Distrito Federal. Não há material para o teste que detecta doença que pode provocar retardamento mental. Os fatos tratados no noticiário, relativos à saúde pública, decorreram de denúncias formuladas por usuários e pessoal prestador dos serviços – médicos, enfermeiros e atendentes. Os órgãos ligados à saúde e incumbidos de fiscalização da prestação dos serviços e da aplicação dos recursos na saúde passaram a investigar o real alcance das ocorrências noticiadas pela imprensa e denunciadas por usuários e profissionais prestadores dos serviços de saúde. O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal e o Conselho Regional de Farmácia do DF, conjuntamente com o Ministério Público do Distrito Federal, levaram a efeito, no dia 15 de maio de 2002, fiscalização visando apurar se efetivamente havia desabastecimento de medicamentos na rede hospitalar pública local. As ações foram desenvolvidas nos órgãos da Secretaria de Saúde do DF, Diretoria de Apoio Logístico e Material - DALM, Gerência de Abastecimento Farmacêutico - GEAF, e Comissão de Licitações e Diretoria de Contabilidade Financeira – DICOF. Relatórios firmados pelos médicos GERALDO LUIZ DE OLIVEIRA, JOELSON DONIZETTI DEVOTI e FRANCISCO ROSENÉLIO DE CARVALHO, os dois primeiros pelo CRM e o último como analista pericial da 17 Promotoria de Defesa da Saúde do MPDFT, registram : Inicialmente, foi feita visita à Farmácia Central no daí 05.06.02 onde foram levantadas as seguintes informações: 1 – Das quatro áreas administrativas responsáveis pela geração de pedidos internos e distribuição material, foi constatado naquela data a seguinte deficiência nos estoques: a) Material de enfermagem Encontrava-se com estoque considerado crítico do ponto de vista operacional 37 itens cadastrados e padronizados como essenciais (estoque inferi or ao consumo de 30 dias), dos quais 18 encontravam-se zerados, ou seja, não existiam disponíveis no estoque físico daquela unidade. b) Material de laboratório e odontologia 16 MONTENEGRO, Érica. Saúde Infantil – Falta reagente para exame do pezinho. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20021106/pri_cid_061102_231.htm>. Acesso em 6 nov. 2002. 17 Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Departamento de Fiscalização – DeFis. Relatório DEFIS s/n. Brasília, 3 de julho de 2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 16 48 itens cadastrados e padronizados como essenciais se encontravam com estoque inferior ao consumo de 30 dias sendo que destes, 29 se encontravam com estoque zerado. c) Material cirúrgico 103 produtos cadastrados e listados como essenciais se encontravam com estoque físico inferior ao recomendado (consumo interior a 30 dias) sendo que 82 destes apresentavam-se com estoque zerado. d) Medicamentos 231 itens cadastrados e listados como essenciais se encontravam com estoque inferior ao mínimo recomendado (consumo inferior a 30 dias), sendo que 135 destes itens encontravam-se zerados. A crise não se limitou à falta generalizada de medicamentos. A qualidade do atendimento dispensado aos pacientes foi desastrosa. Premidos pelo desespero, os médicos do Hospital de Base do Distrito Federal passaram a solicitar, insistentemente, por meio de ofícios e memorandos, insumos, conserto e aquisição de equipamentos para a realização do trabalho médico. A medida do descaso das autoridades responsáveis pela saúde no Distrito Federal, de um lado, e da angústia do corpo médico, do outro, motivada, inclusive pelo aumento do número de mortes decorrentes da falta de condições de atendimento – equipamentos precários ou sua falta, ausência de medicamentos essenciais – pode ser facilmente medida pelo teor dos expedientes que saíram do HBDF a partir de dezembro de 2001. Vejamos: Memo. 186/01, de 07 de dezembro de 2001, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca do HBDF para o Coordenador Médico do Hospital ―(...) temos pacientes com mais de 60 (sessenta) dias aguardando o procedimento cirúrgico. Cabe salientar que a grande maioria deles foram chamados para internar e operar (...). Maioria dos nossos pacientes não são pacientes que vão ficar seqüelados por retardo no tratamento. São crianças que podem perder a chance cirúrgica, jovens que evoluirão para miocardiopatia dilatada, cuja única opção terapêutica poderá ser o transplante. Ou mesmo pacientes adultos que evoluirão para miocardiopatia isquêmica grave. Desejamos deixar registrado a nossa angústia em ‗todos‘ os dias sermos obrigados a dizer ‗a sua cirurgia teve que ser suspensa por faltou (...)‘. Por mais uma vez, solicito a V.Sa. o empenho em viabilizar o atendimento adequado 18 aos pacientes cardiopatas.‖ Memo 063/02, de 06 de março de 2002, do Chefe da Unidade de Cardiologia do HBDF para o Diretor do Hospital 18 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 186/01, de 7 de dezembro de 2001. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 17 ―Solicitamos o empenho de V.Sa. junto à Secretaria de Saúde, para que seja agilizada a compra de 02 (dois) cardioversores com pás internas e externas, conforme pedido feito pelo Chefe do Centro Cirúrgico, em 21 de agosto de 2000. Informamos que este equipamento e indispensável para a realização de cirurgia cardíaca e o aparelho utilizado atualmente, já com mais de 10 anos de uso tem quebrado freqüentemente, o que nos obriga, com certa freqüência, a suspender cirurgias cardíacas.‖19 Memo. 100/02, de 14 de março de 2002, firmado por seis médicos da Equipe da Unidade de Cardiologia do HBDF, e dirigido ao Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca. ―Como é de amplo conhecimento de V.Sa. a mortalidade cirúrgica cardíaca vem aumentando de forma crescente e preocupante. Igualmente a variabilidade de complicações tem crescido, envolvendo desde insuficiência cardíaca pós-operatória, complicações cirúrgicas, hemodinâmicas, infecciosas e neurológicas, todas, num incide por certo muito acima da média esperada.‖20 Memo 65/2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca do HBDF, colocando o seu cargo à disposição do Secretário de Saúde do DF ―A cirurgia cardíaca do Hospital de Base do Distrito Federal iniciou suas atividades nos meados dos anos de 1964, portanto há aproximadamente 38 anos, tendo realizado ao redor de 15.000 (quinze mil) procedimentos cirúrgicos, com inúmeros trabalhos científicos publicados no Brasil e exterior e várias premiações, inclusive com trabalhos inéditos (Cirurgia no aneurisma chagásico, válvula cardíaca de EPOXI, extra-corpórea em cães, transplante cardíaco em animais, etc), sente-se atualmente como verdadeiro estorvo para a política de Saúde do Distrito Federal. (...) Nos últimos anos temos sentido que todo o nosso esforço, dedicação e trabalho não conseguem mais vencer a burocracia dominante, ,e a nossa especialidade na rede pública, não está incluído na prioridade da política de saúde da Capital da República. (...) Nossa ansiedade, angústia e preocupação são decorrentes do que a seguir consideramos: (...) 2 – São freqüentes a falta de medicamentos, como antibióticos profiláticos, drogas vasoativas, albumina, nxertos, etc, indispensáveis no trans e pós-operatório; (..) 19 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 063/02, de 6 de março de 2002. 20 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Chefia de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 100/02, de 14 de março de 2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 18 5 – Nossos equipamentos de monitorização trans-operatórios estão sucateados por falta de manutenção adequada. 6 – No momento de transporte do centro cirúrgico para a UTI não temos monitores de transporte adequado e muitas vezes falta oxigênio. Os pacientes ‗param‘ durante a remoção; (...) 8 – Na UTI, muitos profissionais de enfermagem não tem treinamento e experiências para manusear os pós-operatórios de cirurgia cardíaca; (...) 11 – Empresas fornecedoras de órteses e próteses para cirurgia cardíaca alertam para a possibilidade de ser inviabilizado o fornecimento de material para SES/DF, por falta de quitação de faturas pendentes há vários meses (documentos anexos); 12 – Há falta de incentivo e de um programa de capacitação para reciclagem do pessoal médico, enfermagem e paramédicos; 13 – A taxa de mortalidade encontra-se próxima de níveis proibitivos, fato que já foi comunicado à Direção do Hospital; 14 – O documento expedido pela cardiologia, onde são assinalados elevadas taxas de complicações pós-operatórias (em anexo). Resolvemos, propor a V.Sa. a suspensão das cirurgias cardíaca para que sejam deliberadas ações que possam viabilizar um atendimento de qualidade à população de Brasília. Diante do exposto e com o objetivo de possibilitar a V.Sa. uma extensa avaliação e estruturação da situação, coloco meu cargo de Coordenador de Cirurgia Cardíaca da SES/HBDF e de Chefe de Unidade à disposição.‖21 Memo nº 72/2002, de 2 de março de 2002, do Chefe da Cirurgia Cardíaca para o Diretor do Hospital ―Solicitamos o empenho de V.Sa. na aquisição do afastadores de externos relacionados no anexo II. Os retratores que o Hospital de Base possui já estão com mais de 10 (dez) anos de uso, com dentes das cremalheras desgastados, o que impossibilidade sua adequada utilização.‖22 OI nº 013/02, de 25 de abril de 2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca para o Secretário de Saúde ―(...) a cardiologia pediátrica e cirurgia cardíaca pediátrica da Rede Pública estão impossibilitadas de atender a criança cardiopata há quase 06 (seis) meses. No HBDF, único hospital da rede pública onde são realizadas cirurgias cardíacas, em decorrência de gravíssimo problemas de infecção, inclusive com 03 (três) óbitos 21 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 65/02, de 18 de março de 2002. 22 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 72/02, de 22 de março de 2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 19 nos últimos vinte dias, foram suspensas todas as cirurgias cardíacas há duas semanas, agravando ainda mais o problema.‖23 Memo 125/02, de 29 de maio de 2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca para o Diretor do Hospital (...) lamentavelmente, sinto-me no dever de comunicar a esta Direção, que a Cirurgia Cardíaca do hospital está na iminência de não ter mais condição de manter o atendimento à população. A Cirurgia Cardíaca eletiva ficou parada por 50 (cinqüenta) dias, em decorrência das reformas necessárias no Centro Cirúrgico e UTI, pois as condições cirúrgicas acarretaram um índice de infecções pós-operatórios nunca presenciado, nestes quase 40 anos de especialidade na Rede Pública. Inclusive com 04 (quatro) óbitos por infecção hospitalar.‖24 Memo 138/02, de 12 de junho de 2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca para o Diretor do Hospital ―Comunicamos a V.Sa. que as cirurgias cardíacas (eletivas e urgência) terão que ser suspensas por falta de medicamentos e equipamentos indispensáveis aos procedimentos. Fato já relatado no memorando nº 125/02. Freqüentemente temos recorrido a recursos próprios, adquirindo medicamento (Nitroglicerina, papaverina, etc) para que possamos operar, ou mesmo pedindo a familiares para conseguirem as drogas vasoativas que necssitamos no ato operatório. O estado do nosso instrumental cirúrgico inviabiliza certos procedimentos, como revascularização do miocárdio com artéria mamaria. A revascuarizaão do miocárdio sem a artéria mamaria já não faz mais parte da técnica de cirurgia coronária. A cirurgia cardíaca e a cardiologia na podem continuar indiferente a esta situação, colocando os pacientes emrisco marior, quando submetidos ao tratamento, do que a própria cardiopatia. (...) A ansiedade do paciente, em pré-operatório de uma cirurgia cardíaca é muito grande. Nos parece desumano suspender 6 a 8 vezes a cirurgia de um paciente. Fato que tem ocorrido rotineiramente. Estas solicitações apresentadas são apenas para retirar a cardiologia e cirurgia cardíaca da sitação caótica que se encontram.‖25 Memo conjunto 147/02, de 04 de julho de 2002, firmado pela Coordenação Médica Assistencial, Unidade da Cirurgia Cardíaca, Unidade de Cardiologia, Gerência de Medicina Interna e Gerência de Enfermagem, dirigida ao Diretor do Hospital e com cópias para o Conselho Regional de Medicina e Promotoria de Defesa da Saúde do Ministério Público do Distrito Federal 23 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. OI 15/02, de 19 de março de 2002. 24 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 125/02, de 29 de maio de 2002. 25 Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 138/02, de 12 de junho de 2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 20 (...) nos sentimos ética e moralmente obrigados a suspender todas as cirurgias cardíacas do HBDF, até que a Secretaria de Saúde tome as providências necessárias para que estas atividades assistenciais possam ser retomadas com as condições adequadas ao bom atendimento da população.‖26 O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, por meio da Procuradora CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRA,27 formulou as Representações nº 04/2002-CF e 06/2002-CF perante aquela Corte de Contas. A representação 04/20022 quer que o Tribunal verifique: ―As razões da situação de carência de medicamentos e material de uso hospitalar, com possíveis reflexos no atendimento a pacientes cardíacos pelo Hospital de Base do Distrito Federal‖. A de nº 06/2002 visou à ―realização de Auditoria Especial no que tange à gestão de medicamentos, inclusive quanto à aplicação dos recursos do Fundo de Saúde do Distrito Federal, com especial foco na Farmácia Central‖. 28 Acolhidas as representações, a auditoria do TCDF procedeu a inspeção para levantamento de dados e avaliação. Os auditores do TCDF MARTA CRISTINA MAGALHÃES DE SOUZA e MÁRCIA DE FÁTIMA B. B. COSTA firmaram o relatório do que foi apurado decorrente da representação 004 – processo TCDF 1033/02. As apurações referente à representação 006 – processo TCDF 1126/02 foram conduzidas pelos auditores AMADOR EUSTÁQUIO GONÇALVESMAGELA, MÁRCIA DE FÁTIMA BASTOS BRANDÃO COSTA, ANTONIO CARLOS DANTAS,MARCUSABREU DE MAGALHÃES e SAULO DOS SANTOS PEREIRA. Duas vertentes nortearam os trabalhos. Uma, aferir a veracidade das informações jornalísticas sobre a deficiência na prestação de serviços de saúde pública por parte do Distrito Federal. A outra, investigar se a destinação das verbas para a saúde se enquadrava nos limites mínimos determinados pelo artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo inserido pela Emenda Constitucional 29/2000. Relativamente à prestação dos serviços de saúde por parte do GDF, o relatório lançado no Processo 1126/02 (fls. 143/157), datado de 11 de dezembro de 2002 apontou situação caótica, como se vê: ―DA PRESENTE AUDITORIA a) Das Unidades Auditadas 23. Para cumprimento da Decisão desta Casa, de n° 3556/2002 (fls. 44), quanto ao escopo definido no parágrafo 18, após as apresentações de praxe, dirigiu-se às seguintes unidades da Secretaria de Saúde: 1) Diretoria de Apoio Logístico e Material- DALM; 2) Gerência Abastecimento Farmacêutico -GeAF (Farmácia Central); 26 Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca. Memo 147/02, de 4 de julho de 2002. 27 Parecer n° 1820/02-CF. Ministério Público junto ao TCDF, 17 de dezembro de 2002. 28 Idem nota anterior. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 21 3) Farmácia Hospitalar do Hospital de Base; ': 4) Gerência de Assistência Farmacêutica -GASF (Alto Custo); 5) Núcleo de Insumos para Atenção Básica -NIAB; e 6) Laboratório Central de Saúde Pública do DF- LACEN; b) Dos Achados de Auditoria 1) Com relação à Diretoria de Apoio Logístico e Material- DALM 24. Compete à DALM proceder à consolidação da aquisições de medicamentos, de materiais cirúrgicos e de laboratório da rede hospitalar do Distrito Federal. 25. Verificou-se que essa Diretoria, a partir do segundo quadrimestre do corrente ano, não tomou providências para as compras solicitadas pela Gerência de Abastecimento Farmacêutico -GeAF, mediante Pedido Interno de Aquisição de Material -PIAM, o que provocou o desabastecimento daquela Gerência e, por conseqüência, dos Hospitais e Centros de Saúde do Distrito Federal. ....................................................................................................................................... 2) Com relação à Gerência Abastecimento Farmacêutico -GeAF (Farmácia Central) 27. É de responsabilidade da GeAF coordenar e planejar as atividades do abastecimento farmacêutico, relativas aos hospitais, ao Laboratório Central de Saúde Pública do DF -LACEN e ao Núcleo de Insumos para Atenção Básica - NIAB. Os Centros de Saúde são supridos pelo Núcleo de Insumos para Atenção Básica -NIAB. ....................................................................................................................................... 33. O estoque, a partir do último quadrimestre de 2001, começou a ser reduzido abaixo do mínimo estabelecido como de segurança. O momento crítico ocorreu no segundo quadrimestre deste exercício, quando a maioria dos medicamentos simplesmente se esgotou (fls. 47/114**). Hoje, a situação ainda perdura, embora com gravidade atenuada. (grifo nosso) 34. Cabe ressaltar que o desabastecimento da GeAF decorre da ausência de procedimentos licitatórios e da escassez de recursos orçamentários e financeiros, consoante dados adiante ofertados e comentários externados na Inspeção n° 2.0023.02, Processo no 1033/02, cujas providências inerentes ao TCOF estão sendo ultimadas naqueles autos. (grifo nosso) 3) Com relação à Farmácia Hospitalar do Hospital de Base 35. Constatou-se que a falta de medicamentos é decorrente do não atendimento das previsões mensais pela GeAF. Foi observado que o controle de produtos limita-se ao recebimento decorrente da emissão de NTM e da Solicitação de materiais pelas diversas Clinicas Médicas e pelo Pronto Socorro do HBDF, mediante Requisição à Farmácia (fls. 115/117-). De ressaltar que, após a entrada dos medicamentos e materiais cirúrgicos nos postos do Pronto Socorro e nas "farmacinhas" das Clínicas, não existem controles efetivos sobre a utilização dos produtos. (Ver fotografias, fls. 409/414-). ....................................................................................................................................... Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 22 41 Acostou-se a estatística onde a Seção de Farmácia demonstra que a quantidade dos produtos disponíveis está abaixo do que seria razoável (fls 158/203***). 42. Em seguida, por ser pertinente, inserimos excertos do Relatório de Inspeção n° 2.0023.02, Processo n° 1033/02. "b) Do Suprimento de Medicamentos e de Materiais Cirúrgicos 19. As denúncias veiculadas na imprensa, como também a documentação interna da Cardiologia no Hospital de Base, noticiam a falta de remédios e de materiais indispensáveis para a realização de cirurgias cardíacas desde o final do ano passado (fls. 23/53). 20. Segundo dados coletados na Farmácia do Hospital de Base, a medicação solicitada para suprir, tanto a Unidade Cardiologia, quanto as demais Unidades, a partir de outubro de 2001, foi se rareando. O gráfico a seguir mostra o percentual de medicamentos cujos pedidos da Diretoria da Farmácia do HBDF não foram atendidos, exercícios de 2001 e 2002. % MEDICAMENTOS SEM SUPRIMENTO PARA A FARMÁCIA DO HBDF 2001 N ov /D ez et S Ju l ai M ar 2002 M Ja n 40,00% 35,00% 30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% Fonte: "Avaliação do Abastecimento dos Medicamentos fornecidos à Farmácia Hospitalar/HBDF" - Meses: janeiro/2001 a Agosto/2002 - Coordenação Médica-Assistencial/Gerência de Farmácia. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 23 % Materiais Cirúrgicos sem Estoque na Farmácia Central X Solicitado pela Farmácia do HBDF 60.00% 50.00% 40.00% 30.00% 20.00% 10.00% 0.00% Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov/Dez 2002 2001 Fonte: "Avaliação do Abastecimento dos Correlatos dispensados à Farmácia Hospitalar/HBDF" - Meses: janeiro/2001 a Agosto/2002 - Coordenação Médica-Assistencial/Gerência de Farmácia. 21. Note-se que o quantitativo de medicamentos sem suprimento aumentou a partir de meados de 2001, atingindo índice superior a 35% em maio do corrente exercício. O que significa dizer que mais de 35% dos medicamentos padronizados, solicitados pela Farmácia do HBDF para manutenção do estoque mínimo, não foram fornecidos. 22. Igual desabastecimento verificou-se em relação a materiais cirúrgicos, em falta nas prateleiras da Farmácia do HBDF, a partir de agosto de 2001, com percentual acima de 20%. 23. Mesmo estando a situação caótica desde outubro de 2001, conforme pode ser observado graficamente, os números apontam a ausência de providências para adequar o orçamento da Secretaria à real necessidade. Vale lembrar que a receita corrente líquida prevista do GDF para 2002, mantida a proporcionalidade em relação ao período de janeiro a agosto, será superior à de 2001 em 14,16% (RCL/2000 - R$ 3.203.700.446,00; RCL/2001 - R$ 3.414.129.668,00; RCL - 01 a 08/2002 29 2.598.394,50) . 24. Ressalte-se, em 21 de março de 2002, por meio da Lei nº 2.930, de autoria do Poder Executivo, foram remanejados do orçamento do Fundo de Saúde do Distrito Federal R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) para construção da Terceira Ponte do Lago Sul (fls. 10 e 58/59). 25. Já naquela época estavam paralisadas as cirurgias cardíacas pediátricas e faltavam medicamentos e materiais cirúrgicos no Hospital de Base, em percentuais superiores aos do ano anterior. Os recursos remanejados para a Ponte, embora não destinados à compra de medicamentos e de equipamentos para os Hospitais do DF, encontravam-se destinados à área da Saúde Pública para aplicação em saneamento básico. 26. Além da suspensão de cirurgias, os médicos que labutam na Cardiologia informaram a esta Equipe as dificuldades que têm enfrentado para a manutenção do atendimento, devido às péssimas condições dos instrumentos cirúrgicos e dos próprios equipamentos à disposição daquela Unidade. Mencionaram que o HBDF não adquire instrumentais cirúrgicos há mais de treze anos; que o aparelho de hemodinâmica, além de extremamente antigo, tem que ser dividido com várias outras unidades do HBDF, como a neurocirurgia; e que os demais equipamentos 29 Intranet do TCDF – Lei de Responsabilidade Fiscal. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 24 sobrevivem sem manutenção preventiva. Um aparelho de hemodinâmica, segundo os médicos especialistas daquele Hospital, custaria em torno de mil e duzentos dólares e propiciaria um aumento bem maior da capacidade de realização de intervenções cirúrgicas na Cardiologia. 27. Naquela Unidade, os pacientes internados esperam longos períodos pela cirurgia, o que também enfraquece o sistema imunológico deles, por ficarem expostos ao "stress" ante a visualização de condições e de prazo para o restabelecimento. Além disso, são obrigados a comprar os medicamentos que necessitam no pré e pósoperatório e que deveriam, obrigatoriamente, ser fornecidos pelo Estado." ....................................................................................................................................... 50. Os fatos narrados vêm atestar o conhecido desabastecimento de produtos da rede hospitalar do DF. 4) Com relação à Gerência de Assistência Farmacêutica -GASF (Alto Custo) " ....................................................................................................................................... 54 Cabe ressaltar que a falta de medicamentos de alto custo decorre de problemas de gerenciamento de estoque de tais medicamentos, pois os recursos gastos com aaquisição fazem parte do Sistema Único de Saúde – SUS, e, ao final de cada mês, é feito o faturamento dos produtos entregues à população para ressarcimento pelo Ministério da Saúde. ....................................................................................................................................... 5) Com relação ao Núcleo de Insumos para Atenção Básica - NIAB ....................................................................................................................................... 62. Importante destacar que a inserção de dados no Sistema Informatizado de Controle de Estoque não é efetuada tempestivamente. Na maioria dos casos, o lançamento de entrada ocorre a partir de 2 dias do recebimento do material. (...) Tal fato gera disparidade entre os quantitativos apontados pelo sistema e os estoques reais existentes na GeAF e nas respectivas Unidades abastecidas. (...) ....................................................................................................................................... 6) Com relação ao Laboratório Central de Saúde Pública do DF – LACEN 64. Quando da verificação in loco restou comprovada a falta generalizada de reagentes necessários aos exames procedidos por aquele Laboratório, conforme fichas de controle de estoque acostadas às folhas 308/325***. De ressaltar a ausência dos conjuntos necessários aos exames para diagnóstico da presença do vírus HIV , códigos 4405-8 e 4406-8, de hepatite e outros inerentes a doenças infecto-contagiiosas, sobre as quais se faz necessário rigoroso controle sanitário. ....................................................................................................................................... 66. Os demonstrativos estatísticos efetuados pelo LACEN evidenciam a diminuição de vários testes em função da falta de reagentes, conforme verifica-se nos expedientes de folhas 326/338***, em conseqüência da falta de controle e tempestividade para encomenda da compra dos kits. Alerte-se, ainda, para a Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 25 estocagem de sangue que aguarda exame de HIV fora das condições e prazos especificados pelos fabricantes dos reagentes. 7) Adiantamentos de Materiais mediante ―Vales‖ 68. Constatou-se o fornecimento, por diversas empresas, de medicamentos e materiais médico-hospitalares, bem como de prestação de serviços, por meio de adiantamentos denominados ―Vales‖,‖Recibos‖, ―Adiantamentos‖, conforme já noticiado nos autos do Processo nº 1033/02. O fato decorreu de desabastecimento da GEAF e, por conseguinte, dos hospitais e /Centros de Saúde do DF. ....................................................................................................................................... 75.Outra irregularidade, já apontada no Relatório da Inspeção realizada no Processo nº 1033/02, foi em relação à prática de anulação de empenho para depois proceder ao ―reempenho‖ à conta do orçamento do exercício seguinte. 76. Essa prática encontra respaldo no Decreto nº 23.343, de 6.11.2002, que estabelece, no âmbito do Poder Executivo, normas especiais para a execução orçamentária e financeira referente ao 6º bimestre do corrente exercício. Traz, como motivação, ―a necessidade de se adequar a realização das despesas aos valores das receitas efetivadas, dando-se pleno cumprimento à Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2002, e ao Programa de Ajuste Fiscal celebrado com a União‖. Entende-se que deva ser cientificado da irregularidade o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, bem assim o Ministério Público Federal, para as providências de sua alçada (Sugestão, VI). 8 - Contratos Vencidos 80. No decorrer dos trabalhos, colheu-se relação de contratos vencidos cujos serviços continuam sendo prestados. A constatação caracteriza realização de despesa sem cobertura contratual, em flagrante dissonância com as normas afins, mormente as Leis 4.320/64 e 8.666193 (fls. 394/408). (...) 9 - Consignação 81. Constatou-se o fornecimento de medicamentos e serviços em consignação, conforme relação de folhas 382/393. Visando regularizar a situação foram autuados processos a exemplo do de no 060.007264/2002. Tem-se que tais processos apresentam as mesmas falhas relativas ao adiantamento de materiais, motivo pelo qual as sugestões ali propostas devem estender-se a este item. CONCLUSÃO 82. A fiscalização levada a efeito constatou que as denúncias de desabastecimento de medicamentos e materiais cirúrgicos e laboratoriais na rede hospitalar do Distrito Federal é verídica, exceção feita aos medicamentos do SUS fornecido ao Núcleo de Insumos para Atenção Básica – NIAB, pelo Ministério da Saúde (...).30 O Ministério da Saúde, por meio do Departamento Nacional de Auditoria do SUS também investigou a situação da saúde pública no DF. Os auditores ANA MARIA COCOZZA, FÁTIMA GUIMARÃES JORGE SUGANO e MÁRCIA MACIEL MORAES DE AQUINO apresentaram relatórios referente à prestação de 30 Parecer n° 1820/02-CF. Ministério Público junto ao TCDF, 17 de dezembro de 2002. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 26 serviços aos portadores de doenças renais crônicas, após visita às unidades de diálise cadastradas no SUS: ―Hospitais Reqionais de Sobradinho e de Taquatinqa: - Estrutura Física: inadequada. Não há aréa de recepção, consultório médico, sala de recuperação de pacientes, local adequado para a higienização das fístulas, etc. (...) - Equipamento: sucateado. Estão instaladas e em funcionamento apenas máquinas para hemodiálise tipo tanque, o que contraria ás disposições da PT/GM 82/2000 e PT Cj SE/SAS 55/2002 (...) - Em relação aos insumos nas Unidades de Sobradinho, Taguatinga e Hospital de Base do Distrito Federal, verificamos que ocorre falta crônica de medicamentos, material de consumo (luvas, Hipoclorito de Sódio utilizado na desinfecção das máquinas, etc). (...) - Recursos Humanos: não há médico designado formalmente como responsável técnico pela Unidade, o mesmo ocorre em relação á enfermeira responsável. Em Sobradinho os enfermeiros que atuam na Unidade não possuem título de especialização em nefrologia. Portanto não são atendidos os requisitos especificados: na PTIGM 82/2000 -item 6.1.b. Observações: (...) 3. As APACs - Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade, referentes a estes Serviços estão sem processamento desde o último trimestres de 2002. Segundo informações obtidas in loco, este processamento era realizado por uma Empresa contratada pela SES, com o término do Contrato e não havendo funcionários treinados para esta atividade, o processamento deixou de ser realizado. Hospital de Base do Distrito Federal: -Estrutura Física: inadequada. A unidade está localizada no 11° andar e os elevadores estão em péssimas condições de funcionamento, dificultando o acesso dos pacientes. Não há local para a limpeza e higienização das fístulas, não há consultório médico, etc. Mobiliário sucateado. (...) - Recursos Humanos: inadequado. Não há médico designado formalmente como responsável técnico pela Unidade, o mesmo ocorre em relação á enfermeira responsável, os enfermeiros que atuam na Unidade não possuem título de especialização em nefrologia. Portanto não são atendidos os requisitos especificados na PT IGM 82/2000 -item 6.1. b. São Paulo, 17 de fevereiro de 2003‖.31 Outro relatório foi elaborado pela equipe de auditoria do SUS, sobre a situação do abastecimento farmacêutico. As conclusões foram as seguintes: 31 Ministério da Saúde. Departamento Nacional de Auditoria / SUS. Divisão de Auditoria de São Paulo. Nota Técnica. Ana Maria Cocozza, Fátima Guimarães Jorge Sugano e Márcia Maciel Moraes de Aquino. São Paulo, 17 de fevereiro de 2003. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 27 ―Nos dias 7 e 8/2/2003 estivemos na Farmácia Central – Gerência de Abastecimento Farmacêutico com a finalidade de avaliar a operacionalização dos processos de aquisição de medicamentos e insumos hospitalares, desde a emissão do pedido interno de aquisição de material, PIAN, o recebimento dos produtos e posterior distribuição às unidades. Verificamos que de 528 itens de medicamentos padronizados/cadastrados, 315 (59,665) estavam zerados, conforme tabela 1. (...) No setor de Material Cirúrgico, de 221 itens cadastrados estavam em falta 105 (47,51%). No Setor de Material Odontológico, dos 840 itens cadastrados no dia da visita 113 estavam em falta (13,45%). No setor de Material de Enfermagem, ,de 268 itens cadastrados estão em falta 152 produtos (56,70%)” A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – também inspecionou os serviços de diálise prestados pela Secretaria de Saúde do DF, nos dias 29 de maio de 2002, 12 de junho de 2002 e 5 de fevereiro de 2003. O resultado, após a inspeção, foi a lavratura, nessa última data do auto de infração sanitária nº 001/03/GGTES/ANVISA, por meio do qual o serviço de diálise do Hospital Regional de Taguatinga foi interditado. A Resolução RE Anvisa nº 35, contendo a determinação da interdição cautelar foi publicada no Diário Oficial da União em 19 de fevereiro de 2003. Na Nota Técnica32 assinada pelo Diretor da ANVISA – CLÁUDIO MAIEROVITCH PESSANHA HENRIQUES, com data de 25 de fevereiro de 2003, esse afirma textualmente: ―É importante destacar que, desde a sua criação, a Anvisa nunca lançou mão de seu poder de polícia, uma vez que os Estados sempre assumiram seu papel de gestor estadual do SUS‖. (...) Os riscos aos quais os paciente e funcionários se expunham diariamente encontramse detalhados na Tabela I desta nota técnica e compreendem desde condições menores, potencializadas pela sua ocorrência simultânea, até situações de exposições sistemáticas à contaminação química e biológica, quer por inadequações técnicas, quer pelas condições insalubres do ambiente e pela ausência de equipamentos de proteção individual e coletiva, bem documentadas nas inspeções realizadas em 2002 e 2003.‖33 32 Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica – Situação Sanitária da Unidade Diálise do Hospital Regional de Taguatinga/DF, de 25 de fev. de 2003. Cláudio Maierovitc Pessanha Henriques, Diretor da ANVISA. 33 Idem nota anterior. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 28 Outra inspeção foi procedida pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, conduzida pelos médicos Almir de Sousa Meneses, Cláudio Flamarion Ribeiro dos Santos e Cláudio Leite Gemelli. A auditoria afirma que o número de óbitos ocorridos no período de janeiro a dezembro de 2002 foi elevado e que esse fato deveu-se à inexistência de um sistema adequado de atendimento aos pacientes graves que buscam atendimento. Os auditores tomaram alguns como exemplo da causas que contribuíam para a morte desses pacientes, descrevendo as ocorrências durante a internação (relatório fls. 16/18): ―4. Pacientes que foram a óbito por deficiência de equipamento/falta de medicamentos e com indicação de Unidade de Terapia Intensiva -UTI. Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 02104286/252130167-3 Paciente A. P. S. Data Nasc.: 13/07/1949. Procedimento: 81500106 (Acidente Vascular Cerebral Agudo). Paciente internado em coma, no dia 02/06/02, com diagnóstico de AVCH e Diabetes Mellitus. Instituída ventilação mecânica por insuficiência respiratória aguda. O médico plantonista chamdo para atender parada cardiorrespiratória cerebral constatou que o respirador não estava funcionando. O respirador foi trocado, mas o paciente foi a óbito no dia 03/06/02. Exemplo 02: Prontuário/AIH n.º 02124739/252120465-5. Paciente i. i. O. D ta Nasc.: 18/05/1920. Procedimento: 74500244 (Septicemia). Paciente admitido com diagnóstico de Otite Média Aguda e Meningite, confirmada por exame de líquor e Tomografia Computadorizada de crânio. Há relato de falta de antibiótico de 1ª. Escolha (cefalosporina de 3ª. Geração – ceftriaxona). Evoluiu para óbito no dia 03/07/02. Exemplo 03: Prontuário/A1H nº 02167856/252131621-5. Paciente F. A. C. Data Nasc.: 06/01/1910. Procedimento: 82500053 (Diabetes Sacarino). Paciente admitida em 05/09/02, com diagnóstico de Diabetes Mellitus, seqiiela de A V C e Sepse. Em ventilação mecânica, submetida a duas endoscopias digestivas por hemorragia digestiva alta.Realizada traqueostomia e posteriormente, drenagem torácica por pneumotórax- associada a ventilação mecânica. Há relato de falta de Ceftriaxona e outros antibióticos. 5. Pacientes que foram a óbito por falta de condutas médicas indicadas e com indicação de Unidade de Terapia Intensiva -UTI. Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 02136904/252145519-0. Paciente M. N. R. C. Data Nasc.: 10/11/1961. Procedimento: 77500113 (Insuficiência Cardíaca Congestiva). Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 29 Paciente admitida no dia 19/07/02, encaminhada do Serviço de Hemodiálise para investigação de dispnéia. Creatinina 8,2mg/dl. Evolução desfavorável, indo ao Óbito no dia 23/07/02. Apesar da recomendação do Serviço de onde veio encaminhada, a paciente não foi internada no Serviço de Nefrologia, nem submetida a tratamento dialítico. Exemplo 02: Prontuário/AIH nº 02143077/252145559-6. Paciente V. L S. S.. Data Nasc.: 20/10/1975. Procedimento: 80500170 (Insuficiência Renal Crônica). Paciente admitida no dia 29/07/02 com diagnóstico de Insuficiência Renal Crônica, em programa de Hemodiálise, sem tratamento dialítico há duas semanas. Cifras pressóricas elevadas (220 x 160). Recebeu furosemide e captopril. Resultados de exames solicitados não estão no prontuário. Óbito em 30/07/02 por Edema Agudo de Pulmão. Não foi solicitada avaliação pela Nefrologia, nem efetuado nenhum procedimento dialítico. 6. Pacientes que foram a óbito, com indicação de Unidade de Terapia Intensiva UTI, com exames complementares solicitados e não realizados. Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 02131187/252131507-1. Paciente: A. J. S. Data Nasc.: 21/06/1950. Procedimento: 77500113 (Insuficiência Cardíaca Congestiva). Paciente admitido com diagnóstico de Insuficiência Cardíaca Congestiva e Intoxicação Digitálica no dia 11/07. Evolui com delírios, alucinações, movimentação deficitária em membro superior direito e desvio da comissura labial para a esquerda. Solicitada Tomografia Computadorizada de Crânio em três ocasiões, porém não realizada. Apresentou crise convulsiva. Ausência de prescrição médica em 23/07. Não há relato sobre o óbito. 5.4.2 -Prontuários/ AIHs de Enfermaria Dos 11 pacientes internados em Enfermarias por patologias diversas e que apresentaram deterioração do quadro clínico inicial, tendo indicação formal de transferência para Unidade de Terapia Intensiva, 06 (54,44%) foram a óbito, sem acesso a esse recurso. (Anexo X). Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 009390550/25200524-1 Paciente: J. F. M. Data Nasc.: 30/04/1955. Procedimento: 39004139 (Amputação da Coxa). Diz a auditoria do SUS que, de 71 (setenta e um) paciente sque foram a óbito, em 73,23% havia indicação formal de tratamento em Unidade de Terapia Intensiva – UTI, os quais não tiveram acesso a esse recurso. Concluiu pela urgente necessidade, por parte da direção do Hospital e do Gestor Estadual, da adoção de meios para que os pacientes internados com indicação de hospitalização em Unidade de /Terapia Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 30 Intensiva, tenham garantia de acesso a esses recursos e tratamento médico adequado e condizente com a gravidade do quadro cínico. 2.2 Das Condições Físicas do Hospital de Base Por requisição do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Distrito Federal, vinte técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA - e do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS – coordenados pela médica MARIA ÂNGELA DE AVELAR NOGUEIRA, procederamm, entre 18 de fevereiro e 19 de março de 2003, inspeção no Hospital de Base do Distrito Federal, com o objetivo de avaliar suas condições de funcionamento. Em relatório de 44 páginas, narram a situação deplorável que se encontra o edifício, os equipamentos e os serviços do HBDF. Concluem que aquele Hospital ―não atende às legislações sanitárias vigentes, apresentando irregularidades graves que colocam em risco a qualidade do atendimento aos pacientes e também aos doadores e receptores de sangue‖. Apontam, ao final, uma lista de 65 medidas urgentes a serem adotadas para correção das deficiências. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF, por meio da Procuradora CLÁUDIA FERNANDA OLIVEIRA PEREIRA, sintetizou o relatório da seguinte forma: ―O MPjTCDF recebeu o relatório da ANVISA em anexo, o qual complementa o Relatório do Hospital de Base do Distrito Federal, objeto da Representação n° 14103-CF (Processo n° 1818/02). Tal qual aquele, o presente Relatório é estarrecedor. Por isso, não é .demais repetir o que escrevi na Representação n° 14/02: "Não ouso a afirmar que se o HBDF fosse um Hospital privado, o único caminho seria fechar as suas portas". Registre-se que no corrente mês de julho a ANVISA deu ciência ao Ministério Público a respeito de infrações de natureza sanitária gravíssimas, envolvendo o HBDF . Segundo a Anvisa, primeiramente, foram detectadas irregularidade gerais graves, quanto à infra-estrutura predial, elétrica e hidráulica em precárias condições de funcionamento: fiações elétricas expostas, danificadas e inutilizadas; a caldeira não funciona na maioria das enfermarias; as tomadas não estão identificadas; os banheiros têm ralos entupidos e sanitários funcionado precariamente; não há banheiros para deficientes; não há lavatório exclusivo para a lavagem das mãos no posto de enfermagem; as janelas não têm vedação; há ausência de extintores de incêndio em várias salas; inexiste saída de emergência ou rota de fuga; os elevadores ficam freqüentemente quebrados; não há contrato de manutenção dos equipamentos; as geladeiras das unidades não possuem termômetros; o mobiliário está em precárias condições de conservação, quebrados ou rasgados; os pontos de oxigênio e de ar comprido por enfermaria não estão localizados em lugar racional; as escadas não são apropriadas; verificou-se presença de lixeiras sem tampa, etc. Por outro lado, não existe escala de profissionais, e o quadro é insuficiente, inclusive em relação a profissionais de nível médio em geral. Os funcionários da limpeza são Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 31 despreparados e em número insuficiente. Há presença de baratas e formigas por toda a unidade. A vigilância é ineficaz. Os pacientes e familiares são obrigados a comprar medicamentos em falta para o tratamento. Não há controle do prazo de validade dos medica- mentos, o mesmo ocorrendo com o material esterilizado. A falta de reagentes no laboratório gera coleta de material indevida. Há falta constante de lençol e roupas. Faltam equipamentos de Proteção Individual. Não existe Manual de Rotinas de Biossegurança, além disso as Comissões Internas de Infecção Hospitalar (CCIH), a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), a Comissão de Revisão de Prontuários (CRP) e a Comissão de Ética Médica (CEM) são inoperantes. A Anvisa também se concentrou na questão dos gases medicinais e entendeu que a manutenção da usina, que responde por aproximadamente 20% do consumo do hospital, deixa a desejar. Para se ter uma idéia, a área possui água empoçada, óleo derramado ao chão, as portas não possuem cadeado ou tranca e algumas tampas estão quebradas, deixando exposta a tubulação. Em idêntica situação encontram-se as centrais de ar condicionado. A água das torres não é tratada; a casa de máquinas é muito suja; os equipa- mentos, muito antigos. Outro grave problema se refere às centrais elétricas do hospital, cujos equipamentos estão sem contrato de manutenção. O sistema de emergência encontra-se fora das normas de insegurança. O 'no-break', além de não funcionar, é insuficiente para as necessidades do hospital. Mas o que é mais grave, "Equipamentos e ambientes que deveriam ser abastecidos com energia com tempo de restabelecimento de no máximo 0,5 segundos e outros em no máximo 15 segundos, estão sendo alimentados emergencialmente por geradores que ultra- passam em muito esse tempo, colocando em risco principalmente pacientes da UTI e os que estão sendo submetidos a cirurgias. 11 O prédio do PS, Centro Cirúrgico e UTI também estão em semelhante situação. Além da total obstrução dos equipamentos por outros inutilizados, não há equipamentos contra incêndios; o 'no-break' é inoperante e totalmente impróprio, "colocando em risco o equipamento e as pessoas do laboratório" Do mesmo modo está o prédio principal, que contém internação, ambulatório e SADT. "OS quadros são muito antigos e estão sem os espelhos de proteção, podendo ocasionar acidentes graves. ..Os circuitos estão com identificações erradas... O quadro de força das bombas está em desacordo com as normas...As tubulações da galeria encontram-se danificadas... geradores... muito velhos...Devido ao não funcionamento do sistema de água quente no prédio da internação, pois a tubulação era de ferro fundido e estourou já há algum tempo, vários chuveiros elétricos estão ligados neste prévio, sem qualquer proteção, comprometendo o sistema elétrico e colocando em risco os pacientes." Enquanto isso, a caldeira, por ser muito antiga, tem a sua resolutividade comprometida. As tubulações estão completamente deterioradas. A própria casa das caldeiras é um horror, já que serve a depósito de lixo e entulhos. Tubulações, registros e "boiler" .apresentam inúmeros vazamentos. As galerias que levam a essas, tubulações estão também em precárias condições e a colocação de treliças metálicas para reforço da estrutura do prédio prejudicou ainda mais as atuais condições de manutenção das instalações. o estoque de materiais no setor de manutenção está desfalcado. Falta tudo: tinta, lâmpada, etc. Por outro lado, a equipe de manutenção vem sendo reduzida ano a ano. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 32 Se esses profissionais fossem quantitativamente comparados aos de uma década atrás, chegaríamos a uma redução de 90% do efetivo. Hoje, para todo o complexo, só há um bombeiro e um eletricista de plantão. Não existe engenheiro residente no prédio. A manutenção é precária, sem organização nas ações de operação e controle. Prova disso são os diversos pontos de infiltração e vazamento de água nos corredores e salas do Hospital, inclusive em pontos críticos, como a porta de entrada da UTI. Os prédios não possuem escape para incêndio e boa parte dos hidrantes não funciona. O sistema de pára-raios está quebrado, colocando em risco os equipamentos e os usuários. Até mesmo o cabo de descida do sistema de proteção contra descargas atmosféricas encontra-se partido, não oferecendo proteção ao Hospital para um eventual raio nas proximidades. Nesse contexto, quando se deveria esperar que o Hospital detivesse condições máximas de higiene, vê-se que também mais nesse item deixa a desejar, inclusive no que toca ao item gerenciamento de resíduos, já que o acondicionamento é incorreto. Por exemplo, na área de acesso ao abrigo onde é feito o transbordo para os caminhões, foram encontradas agulhas espalhadas pelo chão. A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, para se ter uma idéia do que se está falando, tem a sua coordenação vaga, por falta de nomeação. A conclusão diante disso não pode ser mesmo outra, isto é "que as ações básicas de prevenção de infecções não são seguidas pelos profissionais de saúde em geral ou são executadas de forma incorreta aumentando o risco de transmissão cruzada de patógenos". Segundo os competentes auditores da Anvisa, "no dia da inspeção, presenciamos um familiar levar os lençóis do paciente grave, altamente infectado, do isolamento até o hamper, no expurgo". O ambulatório, além de possuir infiltrações por toda a parte, padece da inexistência de kits e materiais e equipamentos básicos, o que gera a desmarcação de exames, de cirurgias, dentre outros. Há falta também de material de expediente, lençóis, etc. A UTI em Cardiologia/Cirurgia Cardíaca sofre dos mesmíssimos males: infiltrações; parte elétrica danificada; falta de material; ausência de otoscópio; equipamentos insuficientes como o eletrocardiógrafo; "fowler" quebrados; não há hamper; ausência de fio terra, etc. A Unidade de Internação em Clínica Médica é totalmente desorganizada; o mesmo se dando com a Unidade de Internação em Clínica Cirúrgica. Esse quadro é ainda mais estarrecedor quando se observa como estão sendo tratadas as crianças no HBDF: no Berçário (faltam fraldas também); na Cirurgia pediátrica (foi encontrada medicação sem prazo de validade e seringas montadas; a desorganização e a carência de medicamentos e equipamentos é chocante); na Unidade de Internação Pediátrica (não tem desfibrilador em caso de emergência; aspiradores estão quebrados; não há macas; quando chove as enfermarias ficam alagadas; não há separação por sexos; a drenagem da Diálise Peritonial Automatizada é feita diretamente nos ralos localizados nos banheiros; os pacientes dializados não têm a pressão arterial aferida); e no lactário (as ma- madeiras não são autoclavadas, o que pode favorecer o crescimento de microorganismos e não há controle de qualidade; é utilizado o mesmo liqüidificador para preparo de fórmulas lácteas e outros produtos; a desinfecção é feita com produto diluído no próprio lactário e armazenado, sem controle de qualidade, em galões de plástico reaproveitados, oriundos da hemodiálise). Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 33 A Unidade de Internação Médica apresenta também falhas gravíssimas, como ausência de pontos de oxigênio; inexistência de pias; equipamentos básicos faltantes ou inexistentes, como foto, monitores cardíacos, otoscópio, desfibriladores, etc. O armazenamento das amostras de sangue é incorreto. A Unidade de Internação em Ortopedia, serviço de trauma e patologia do aparelho locomotor também é lastimável. Além da falta generalizada de medicamentos e equipamentos, uns até banais, como termômetros, chama a atenção a sujeira e o descaso: equipamentos para tração quebrados, sucatas, botas de gesso sujas enroladas etc. Há relato de um caso que por falta de correto atendimento, o paciente sofreu seqüelas, e ainda assim não tem data marcada para realizar a cirurgia. A Unidade de Urologia não difere do quadro citado. Faltam materiais necessários, como coletores de urina, sacos plásticos, etc. O Pronto Socorro do HBDF é igualmente desorganizado; precárias condições de higiene e limpeza; falta tudo; não há manutenção preventiva e os recursos humanos são insuficientes. Na data da inspeção, foi verificado que uma paciente, pós-operada de cirurgia neurológica e que se encontrava confusa, estava comendo um pedaço de pão que havia coletada da lixeira. A Sala de gesso no Pronto Socorro é totalmente inadequada, suja e precária. "O odor exalado é péssimo", dizem os auditores da ANVISA; não é feita a assepsia do local da punção; os curativos são feitos exclusivamente com álcool, inclusive em uma criança; os funcionários estão sujeitos a riscos de contaminação, além da sobrecarga desumana. Alguns funcionários compram ou trazem as luvas de outros serviços, sendo que a mesma luva é usada em vários pacientes para a realização de vários procedimentos. A pediatria do Pronto Socorro não tem divisórias e os pacientes crianças ficam expostos, além de presenciarem procedimentos graves realizados em adultos; não há sanitário infantil; não há grades e por isso não há segurança nas camas em forma de berços; pacientes pediátricos aguardam cirurgia em jejum e são avisados de última hora que a cirurgia foi desmarcada. Há relato de uma menina de quatro anos aguardando há mais de 18 horas em jejum e sem previsão de horário. Foi solicitado pela equipe da Anvisa pelo menos a prescrição de hidratação venosa. A cirurgia só foi realizada no outro dia à tarde, portanto, após 24 horas. No Pronto Socorro também há um setor de Psiquiatra que se encontra em péssimas condições. Não há, por exemplo, colchões nas macas da unidade; não há enfermeiros, psicólogos ou assistente social. Por outro lado, no 2° andar, existe a Unidade de Centro Cirúrgico subtilizada, só 11 das 16 salas estão em funcionamento, o que demonstra falta de racionalidade: salas estão sendo, por exemplo, utilizadas para guarda de materiais. Materiais. Falta tudo também. O ato cirúrgico incoerentemente é presenciado por excesso de profissionais, e, para completar, as salas mantém-se abertas para o corredor externo da unidade, aumentando o risco de contaminação. A Clínica de neurocirugia não tem local específico para isolamento, e os que mais sofrem são os pacientes pediátricos; não tem sequer banheiro infantil. Até medicamentos vencidos existem no local, inclusive antibióticos diluídos há mais de 24 horas; a equipe detectou que havia uma pinça caída no chão; os materiais não têm data de esterilização. A Unidade de transplante também possui uma estrutura física deplorável, inexistindo salas para procedimentos, curativos e isolamentos. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 34 A UTI também convive com a desorganização já que salas de isolamento estão sendo utilizadas para guarda de materiais, por exemplo; falta equipamento e medicamentos. A água utilizada para a diálise dos pacientes interna- dos na UTI é da torneira comum e sem tratamento específico! Há outras máquinas de diálise quebradas e uma que não funciona porque está aguardando treinamento para os funcionários. A carência de profissionais é tamanha que há ocasiões em que fica apenas um auxiliar de enfermagem para até cinco leitos de UTI e um enfermeiro para a unidade toda! A sala de preparo da Nutrição Enteral é pequena e inadequada e procedimentos básicos de qualidade não são observados. O mesmo ocorre com o Serviço de Nutrição Parenteral, sendo comum verificar a existência de funcionários não paramentados. Durante a inspeção foi detectado profissional técnico manipulando a nutrição parenteral sem luvas, por exemplo. A área de preparo de quimioterápicos é crítica. Além de furos no teto e ausência de controles, inclusive de validade dos produtos, o farmacêutico responsável não está presente durante todos os dias de preparo dos quimioterápicos e a capela de fluxo laminar tem contrato de manutenção com prazo de validade expirado. A sala de administração de quimioterápicos, hematologia e tumores sólidos segue a mesma sorte. O Bloco do aparelho locomotor, anexo do Banco de Brasília, se- quer tem forro, e as telhas estão em precaríssimas condições. Os armários da Unidade, que guardam medicação, estão molhados e com fungos. Há baldes por toda a parte para armazenar a água das goteiras. Este o motivo pelo qual a sala de gesso está totalmente molhada, inclusive a de eletroneuromiografia. Quando chove, não há condições de ligar aparelhos e nem de realizar exames: Os lençóis também ficam úmidos nos dias de chuva. A unidade de internação psiquiátrica, prédio de apoio, tem até escorpiões na área externa da clínica, e a altura do pára-raios é inferior à permitida. A seguir, a Anvisa passou a se concentrar nos Serviços de Apoio. A Unidade de Alimentação e Nutrição, que é desenvolvida pela Sanoli, deixa a desejar, já que não existe treinamento específico ou separação de lixo. Foi observado descarte de resíduos de alimentos e lixo contaminado no mesmo saco branco leitoso. A Farmácia também está em área inapropriada, e os locais onde são estocadas soluções parenterais são improvisados; em semelhante situação encontram-se materiais que estão sujeitos a controle especial mas que se encontram armazenados em locais inadequados sem qualquer segurança. Além de buracos nos tetos de algumas salas, na sala de manipulação, há vazamento de ESGOTO proveniente do andar de cima (Pronto Socorro). A Lavanderia conta com pequena quantidade de roupa, insuficiente mesmo para atender a demanda, mas o quantitativo real é desconhecido. HÁ ESGOTO a céu aberto, sem grelha de proteção. Não existe manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos. Funcionários trabalhando sem qualquer controle de qualidade, insatisfeitos e estressados, o que aumenta o risco de acidente e contaminação. Há caixas com inúmeros instrumentais que são recolhidos entre as roupas sujas. A Central de Material Estéril (C.M.E) tem piso quebrado, infiltração, vazamento de água suja próximo à banca de preparo de instrumentos, ar condicionado sem manutenção, salas improvisadas, etc. A limpeza e desinfecção é feita sem obediência às normas devidas. O material é todo lavado manualmente a única solução disponível é o desincrostante, pois não há detergente enzimático. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 35 O Laboratório Principal e Laboratório de Emergência padecem de falta de condições mínimas de infra-estrutura, como inexistência de papel toalha, sabão, pia, exaustor, etc. Além de faltar também medicamentos, não há equipa- mentos ou os que existem não possuem manutenção preventiva. Há acondicionamento incorreto até mesmo de meio de culturas estéreis, empilhados sem proteção, sem identificação e sem a data de preparo e de validade. Há materiais com prazo de validade vencidos. Detectou-se até mesmo a presença 'de escorpiões no laboratório! A situação também é grave no Laboratório de Hormônios e de Histo-compatibilidade. O serviço de Diálise Hospitalar chama também atenção pelo quadro de desumanidade a que estão submetidos os pacientes, que são avaliados na Poltrona durante a diálise. Quando da conferência do carrinho de EMERGÊNCIA foram encontrados vários medicamentos com data de validade vencida. Não são realizados exames complementares e periódicos por falta de reagentes. Há mistura de capilares de pacientes e armazenamento desses fora da caixa. Não há controle da qualidade da água como deveria. No serviço de Radiologia os equipamentos estão fora de uso ou sucateados, havendo outros funcionando precariamente. Há laudos realizados em local inapropriado, além de exames também. A mesma roupa é usada por vários pacientes. Do mesmo modo está a radiologia do Pronto Socorro. Por causa das goteiras, equipamentos são constantemente avariados. Devido à grande demanda dos procedimentos, os técnicos da Anvisa presenciaram trocas de exames! No centro cirúrgico, a radiologia não difere em nada do que aqui já se viu. A equipe sequer utiliza vestimenta de proteção individual. Na UTJ (radiologia) só há um único avental de chumbo, danificado e bastante sujo. O Serviço de Medicina Nuclear possui equipamento impróprio e a impressora está quebrada. Não há testes realizados com a periodicidade preconizada. A sala está subdimencionada e serve inadequadamente à guarda de equipamentos. Há risco de troca de produto acarretando erro na administração. Foram vistas seringas já utilizadas e que deveriam ser descartadas em recipiente próprio, mas não foram. O tempo de espera para a realização dos exames é prolongado. O serviço de Radioterapia tem equipamentos quebrados há um ano e outros que nada têm a ver com o setor. A bomba de cobalto foi adquirida em 1995 e não atende com precisão a todos os casos. Como a fonte é antiga, o rendimento é baixo, o que prolonga o tempo de permanência dos pacientes para a terapia. Há um ano, o último relatório de inspeção do CNEN apontou a necessidade do físico renovar sua certificação, o que não foi feito. Há notícia de acidente que irradiou várias pessoas. Foram relatados casos de perfuração de endométrio durante a realização de procedimentos indevidos. Há procedimentos dolorosos feitos sem anestesia. O Núcleo de Hemoterapia também sofre com a depreciação do hospital. Ralos abertos, banheiros em péssimas condições. Inexistem materiais de consumo e para desinfecção de vidrarias dos laboratório. Os equipamentos estão em más condições. Não existem Procedimentos Operacionais Padrão. No setor de terapia transfusional, não são observados sinais vitais antes da transfusão e não há profissional habilitado à beira do leito. Em conclusão, os técnicos da Anvisa afirmam que as irregularidades graves aqui referidas colocam em risco a qualidade do atendimento aos pacientes e também aos doadores e receptores de sangue. CAPÍTULO 3 ORÇAMENTO PÚBLICO EM SAÚDE 3.1 O orçamento do Distrito Federal no ano de 2002 3.1.1 Do não cumprimento das normas constitucionais referente à destinação de recursos para a saúde A desastrosa prestação de serviços de saúde por parte do Distrito Federal, no ano de 2002 teve como causas principais a redução do orçamento para as ações de saúde de 2001 para 2002 – contrariando a EC 29/2000 – e a má gestão dos recursos representada, principalmente, em duas vertentes: retirada de dinheiro do Fundo de Saúde do Distrito Federal para aplicação em finalidades diversa como, por exemplo, na construção da terceira ponte do Lago Sul e superfaturamento nas compras de medicamentos. 3.1.2 Da redução do orçamento em saúde A Lei Orçamentária do Distrito Federal para o no de 2002, Lei Distrital 2.897, de 8 de janeiro de 2002, previu provisão para o Fundo de Saúde no importe de R$ 1.213.874.969,00 (um bilhão, duzentos e treze milhões, oitocentos e setenta e quatro mil, novecentos e sessenta e nove reais). Aqui estão incluídos os repasses federais e a contrapartida a que está obrigado o GDF por força do artigo 198, § 2º, incisos II e III da Constituição Federal e artigo 77, incisos II e III e § 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Os dados foram retirados do ―Quadro Detalhamento Despesa do Fundo de Saúde do Distrito Federal (Unidade Orçamentária 23901). A redução do orçamento do Distrito Federal destinado às ações e serviços de saúde foi identificada a partir do estudo da Lei Orçamentária do DF do ano de 2002 e de auditorias realizadas tendo por parâmetro a execução do orçamento. Grupo-Tarefa composto por especialistas do Ministério da Saúde – SIOPS (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde) e Fundo Nacional de Saúde, DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria de SUS) e Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal procederam à análise do orçamento do GDF no ano de 2002 para verificar o cumprimento da Emenda Constitucional nº 29/2000. A conclusão mostra que no exercício de 2002 o Distrito Federal aplicou em saúde valor menor do que aquele a que seus administradores e legisladores estão obrigados por imperativo constitucional. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 37 De um dos relatórios elaborados, já no ano de 2003, extrai-se: ―Com relação ao exercício de 2002, não estão disponíveis o Balanço e o Quadro Demonstrativo da Despesa. No entanto, de acordo com o demonstrativo publicado pelo GDF em www.sefp.df.gov.br, o percentual de recursos próprios aplicados em saúde seria de 9,86%, o que levaria à conclusão de que, em 2002, o DF não cumpriu os ditames da EC 29/00, na ordem de R$ 38,7 milhões. Os cálculos encontram-se acostados a este Relatório (quadro anexo). Levantamentos iniciais indicam, ainda, que, entre os recursos incluídos no cálculo, constam despesas com saneamento na ordem de R$ 38,0 milhões, o que elevaria o déficit entre o mínimo exigido pela EC 29/00 – de 10,64% das receitas estaduais, e de 11,84% das receitas municipais – para R$ 76,6 milhões, resultando em um percentual de recursos próprios aplicados em saúde de 8,67%.‖ Outro relatório, este elaborado pelos auditores fiscais de controle externo do Tribunal de Contas do DF, Marta Cristina Magalhães de Souza e Márcia de Fátima B. B. Costa, datado de 9 de outubro de 2002, já apontava a irregularidade constatada pelo Grupo-Tarefa, de redução dos recursos para a saúde do ano de 2001 para 2002. ―26. (...) observou-se que o montante alocado à Saúde, à conta de receita própria do Distrito Federal, durante todo o exercício de 2002, já com os remanejamentos efetuados até 31/8/2002, mostrou-se menor que o efetivamente empenhado em 2001, que, por sua vez, apresentou crescimento ínfimo em relação ao de 2000. Só apresentaram crescimento as transferências oriundas da União/Ministério da Saúde. É o que observa-se no primeiro gráfico a seguir: (...) 28. Assim, é notório que o Orçamento aprovado para este exercício não suportaria o volume de despesas necessárias ao regular funcionamento dos hospitais e postos de saúde da rede pública do DF, inclusive da Unidade de Cardiologia do HBDF. (...) 38. Mesmo estando a situação caótica desde outubro de 2001, conforme pode ser observado graficamente, os números apontam a ausência de providências para adequar o orçamento da Secretaria à real necessidade. Vale lembrar que a receita corrente líquida prevista do GDF para 2002, mantida a proporcionalidade em relação Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 38 ao período de janeiro a agosto, será superior: à de 2001 em 14,16% (RCU2000- R$ 3.203.700.446,00; RCU2001 -R$ 3.414.129.66.8,00; RCL - 01 a 08/20022.598.394,50)1. O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por sua vez, apontam valor ainda maior a que o GDF estaria obrigado a destinar para as ações e serviços de saúde. Segundo esses órgãos, a previsão na Lei Orçamentária do DF para aplicação no Fundo de Saúde, deveria ser de R$ 311.000.000,0 (trezentos e onze milhões de reais), que seria o valor da contrapartida dessa unidade federativa para o Fundo. No entanto o GDF teria destacado apenas R$ 173.068.000,00 (cento e setenta e três milhões e sessenta e oito mil reais) para ser gasto em saúde. O cálculo do MP está elaborado no quadro abaixo: Receitas de Impostos do DF (Estados) ICMS (75%) IPVA (50%) ITCD Simples IRRF FPE IPI Exportação (75%) LC n° 87/76 (75%) Rec. Multas e Juros Mora ICMS Rec. Multas e Juros Mora IPVA Rec. Dívida Ativa ICMS (a) Total Estadual Valor Receitas de Impostos do DF (Municípios) ICMS (25%) IPVA (50%) IPTU ISS ITBI FPM IPI Exportação (25%) ITR LC n° 87/76 (25%) Rec. Multas e Juros Mora IPTU Rec. Multas e Juros Mora ISS Rec. Multas e Juros Mora ITBI Rec. Dívida Ativa IPTU Rec. Dívida Ativa ISS (b) Total Municipal Valor Previstos na LOA para aplicação em Saúde* Mínimo exigido pela EC 29/00 Aplicado (9% “a”+10,2%”b”)** Déficit em Relação à EC 29/00 1.494.375 70.000 8.900 24.400 303.840 107.536 29 23.390 3.413 4.967 5.885 1.046.735 498.125 70.000 220.000 347.800 47.400 43.014 10 43 7.797 3.984 1.769 505 9.514 2.383 1.252.343 173.068 311.945 138.877 Fonte: LOA/2002 + Base Dados Milênio. * Valor referente ao total das aplicações diretas na Função Saúde, excetuando as fontes 130, 132, 132, UO 01901, ações consideradas não relativas aos serviços públicos de saúde (abaixo relacionados) e observado o disposto no § 3° do art. 77 do ADCT. Para efeito dos cálculos não foi considerado o § 2° da Terceira Diretriz da Resolução 316, de 04 de abril de 2002, do Conselho Nacional de Saúde. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 39 ** Calculado com base na Resolução n° 316, de 04 de abril de 2002, do Conselho Nacional de Saúde. De qualquer maneira há unanimidade dos setores de fiscalização – Ministérios Públicos Federal, do Distrito Federal e junto ao Tribunal de Contas do DF – quanto a duas conclusões. A primeira a de que efetivamente houve redução, por parte do Distrito Federal, de recursos próprios para as ações e serviços de saúde. A segunda, o GDF não cumpriu a exigência da Emenda Constitucional 29/2000 de aplicar o valor efetivo a que estava obrigado por força dos dispositivos da Constituição Federal. 3.1.3 Do desvio dos recursos da saúde para outros fins O Grupo-Tarefa instituído pelo Ministério da Saúde, no relatório de 9 de outubro de 2002, apontou a retirada de recursos do Fundo de Saúde para a construção da terceira ponte do Lago Sul, como se vê dos itens 39 e seguintes: ―39. Ressalte-se, em 21 de março de 2002, por meio da Lei nº 2.930, de autoria do Poder Executivo, foram remanejados do orçamento do' Fundo de Saúde do Distrito Federal R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) para construção da Terceira Ponte do Lago Sul (fIs. 10 e 58/59). 40. Já naquela época estavam paralisadas as cirurgias cardíacas pediátricas e faltavam medicamentos e materiais cirúrgicos no Hospital de Base, em percentuais superiores aos do ano anterior. Os recursos remanejados para a Ponte, embora não destinados à compra de medicamentos e de equipamentos para os Hospitais do DF, encontravam-se destinados à área da Saúde Pública para aplicação em saneamento básico‖. O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios promoveram, conjuntamente, perante a 6ª Vara Federal de Brasília, a ação cautelar nº 2002.34.00.024861-1, preparatória de ação civil pública combinada com ação de improbidade. O texto assinado pelos Procuradores da República HUMBERTO JAQUES DE MEDEIROS e LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA e o Promotor de Justiça JAIRO BISOL, aponta, com base no Quadro Detalhamento Despesa do Fundo de Saúde do Distrito Federal (Unidade Orçamentária 23901), o seguinte: ―A receita do Distrito Federal, própria, sobre a qual incidem os percentuais da Emenda Constitucional n° 29 é de R$ 3.299.078.000,00 (três bilhões, duzentos e noventa e nove milhões e setenta e oito mil reais.) (documento 21). 1.5.3 Do desvirtuamento das despesas em Saúde no Distrito Federal Todavia, de dentro do Fundo de Saúde do Distrito Federal saem recursos para: 1. Produção de lotes urbanizados (documento 20, pág. 4) A cargo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação 2. Construção de Habitações (documento 20, pág, 4) R$ 1.300.000,00 A cargo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação R$ 2.167.031,00 Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 40 3. Programa de Saneamento Básico (documento 20, pág. 5) A cargo da Secretaria de Estado de lnfraestrutura e Obras R$ 136.400.000,00 4. Implantação de Urbanização em novas ocupações habitacionais (documento 20, pág. 5) A cargo da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras R$ 2.688.000,00 5. Cestas básicas da solidariedade (documento 20, pág. II) A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade R$ 34.800.000,00 6. Leite da solidariedade (documento 20, pág. 11 ) A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade R$ 22.400.000,00 7. Pão da solidariedade (documento 20, pág 11) A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade R$ 9.900.000,00 8. Distribuição de pão e lei para entidades (documento 20, pág. 11) A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade R$ 620.000,00 9. Restaurante da Solidariedade ( documcnto 20, pág. 11) A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade R$ 3.000.000,00 10. Construção de Restaurante da solidariedade (documento 20, pág. 11) A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade R$ 1.000.000,00 11. Ampliação e melhoramento dos sistemas de água potável e de esgotos do Distrito Federal (documento 20, pág 11 ) A cargo da Secretaria de Desenvolvimento urbano e Habitação R$ 3.413.000.00 12. Pagamento de Inativos e pensionistas da Secretaria de Estado da Saúde (documento 20, pág 1) R$ 159.104.719,00― Os argumentos do Ministério Público e os documentos juntados à ação convenceram o MM. Juiz, o qual concedeu medida liminar, em 26 de agosto de 2002, determinando ao Distrito Federal a que procedesse remanejamento orçamentário em favor do Fundo de Saúde do DF, do importe de R$ 117.875.031,00 (cento e dezessete milhões, oitocentos e setenta e cinco mil, e trinta e um reais). A decisão não havia sido cumprida até o mês de outubro de 2003, porque o DF apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Distribuída ao Desembargador Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, esse suspendeu a determinação do Juiz da 6ª Vara. Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 41 3.1.4 Da compra de medicamentos superfaturados No corpo da Ação Cautelar nº 2002.34.00.024861-1, ajuizada em 12 de agosto de 2002, os Membros do Ministério Público apontam a seguinte constatação: ―Avançando suas investigações, o Ministério Público do Distrito Federal constatou que desde agosto do ano de 2001 as compras de medicamentos e insumos – para os quais o Governo do Distrito Federal dispõe de recursos de cerca de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) por mês advindos do SUS – deixaram de ser realizados mediante licitação.‖ A afirmação do MP é feita com base no Relatório do Departamento de Fiscalização realizada conjuntamente pelo próprio MP, Conselho Regional de Medicina do DF e Conselho Regional de Farmácia, no mês de junho de 2002, na Farmácia Central de Brasília. Registra a comissão de fiscalização que: ―(...) se dirigiu à Comissão Permanente de Licitação (CPL), onde foi recebida pelo Sr. Alberto Herzenhut, seu Presidente e por membros componentes daquela comissão, onde foi informado à comissão fiscalizadora que houve um declínio sensível no número de processos licitados a partir de agosto do ano anterior (2001), sem que havia uma média diária de no mínimo setor processos abertos, e que agora esta média estava restrita a três por semana‖. Prossegue o Ministério Público no texto da ação: ―Requisitando cópia de todas as notas de empenho de compra de medicamentos do ano de 2002, o Ministério Público confirmou que, ao mesmos em 2002, mais de 90% das compras foram feitas sem licitação, sob a rubrica de inexigibilidade ou da dispensa de licitação. Questionada, a Secretaria de Saúde afirmou que a inexigibilidade se dava quando o produto era de fabricação exclusiva. (...) o Ministério Público percebeu que a compra não era feita diretamente dos fabricantes, mas de intermediários, o que a princípio tornaria a licitação novamente exigível por força da prática diferenciada da margem de lucro pelos diversos comerciantes-distribuidores. Questionada mais uma vez, a Secretaria respondeu, em primeiro lugar, que não comprava diretamente do fabricante porque havia atrasado os pagamentos devidos, motivo pelo qual os mesmos se negavam a vender diretamente a ela. Já a inexigibilidade de licitação na compra feita junto aos distribuidores se dava porque o fabricante concedia carta de exclusividade de venda a um ou outro distribuidor, conforme o produto. As respostas, por si, deixam entrever indícios de um esquema de superfaturamento e desvio de recursos do Fundo de Saúde, pois além de não comprar diretamente dos fabricantes, a Secretaria de Saúde submete-se aos preços exorbitantes praticados por distribuidores portadores de suspeitas cartas de exclusividade de venda (...) O Ministério Público do Distrito Federal, compulsando as notas de empenho de compra de medicamento requisitadas, confirmou a existência de indícios de superfaturamento nos valores de compras em operações que envolvem grandes quantias (documento 18).‖ Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 42 Com base no que foi apurado conjuntamente pelo MPDF, CRM e CRF, a gravidade da situação levou esse último da tomar a iniciativa de representar ao Tribunal de Contas da União. No TCU, a representação deu origem ao processo TC013.874/2001-3. Após auditoria preliminar levada a efeito pela 4ª. SECEX do TCU, a representação foi acatada, colhendo-se do relatório e do voto do Ministro Relator, Walmir Campelo, as seguintes passagens: ―2. O denunciante afirmou que a Comissão Permanente de Licitação para Saúde da FHDF violou os princípios constitucionais da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. Procurando comprovar tal assertiva, elencou cinco exemplos. 3. O primeiro referiu-se a licitação para aquisição o medicamento ciclosporina para microemulsão ou modificada. Os laboratórios Abbot e Nature‘s apresentaram preços menores que o licitante vitorioso Novartis. Entretanto, foram desclassificados em virtude de parecer do Coordenador de Nefrologia da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES/DF. 4. O segundo trata de aquisição da mesma medicação. Houve dispensa de licitação em caráter emergencial. Foram consultados os laboratórios Nature‘s e Novartis. O menor preço foi ofertado pelo Natures‘s. Porém, em virtude de nova consulta do Coordenador de Nefrologia da SES/DF ao laboratório Novartis, este reduziu o preço ofertado. Esse mesmo Coordenador acrescentou em seu parecer a necessidade de manutenção do uso da marca Sandimmun, ofertada pela Novartis. 5. Relativamente ao terceiro exemplo, o denunciante (..) cita um outro caso de preterição da Natures‘s em favor da Novartis, embora a segunda tenha proposta 95% acima da melhor oferta. 6. O quarto exemplo consiste de aquisições da medicação Eritrospoetina Humana. Enquanto esse medicamento é fornecido pelo laboratório Biosintética Ltda. Ao custo unitário de R$ 19,95, a SES/DF o adquiriu por R$ 24,82 IEritropoetina Humana Recombinante 4.000 UI/ml ou 4.000 UI/2ml) e R$ 85,29 (Eritropoetina Humana Seringa pronta para uso de 4.000?UI). 7. Por fim, o quinto exemplo refere-se a documenos anexados as fls. 38/74, procurando demonstrar outras iregularidades, também na auisição de medicamentos. 8. Adiciona o denunciante que, em algums aquisições, são exigidas características que implicam em direcionamento para o produto de um fornecedor, que, apliás, possui o maior preço entre os similares do mercado. Cita os seguintes medicamentos: Paclitaxel, Filgrastina, Etitropoetina Humana, Cloreto de Sódio, Glicose e Enoxaparina.‖ (...) 10. A 4ª. SECEX, ,em instrução às fls. 158/165, enunciou as seguintes observações: ‗- algumas fichas de uso da SES/DF, denominadas de ‗Controle de Aquisição de Material por Produto‘ (43/58) demonstram que para um mesmo medicamento foram adotados procedimentos licitatórios diferentes, desde a inexigibilidade até uma concorrência; - às fls. 43/44, verifica-se que para a aquisição da ciclosporina de 100mg, a SES/DF adotou a inexigibilidade em vários processos, ,mas contratou com quatro firmas diferentes, apesar de, na maioria dos casos, a NOVARTIS ter sido a fornecedora escolhida, ficando demonstrado que havia outros laboratórios em condições de Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 43 fornecer o medicamento, inclusive um genérico, nos termos da Lei 9.787/98, produzido pela NATURE‘S; - quando havia licitação, as firmas participantes eram desclassificadas e a NOVARTIS contratada; - conforme informações de fls. 84/89, a adoção de determinadas terminologias para os procedimentos de aquisição de medicamentos, por parte da SES/DF, direcionam a aquisição pois eliminam os produtos similares, com mesmo princípio ativo e mesmo efeito terapêutico, recaindo a compra sobre um fornecedor exclusivo.‘ O Ministro Relator acatou proposição do analista Rodolfo Costa Souza, no sentido de conhecer da representação, e determinou a inclusão no Plano de Auditorias do 2º semestre de 2002, de uma auditoria na Secretaria Estadual de Saúde, na área de licitações para aquisição de medicamentos, envolvendo os exercícios de 2000 e 2001. As irregularidades na aquisição de medicamentos e superfaturamento das compras foi apontado também em relatório de 11 de dezembro de 2002 elaborado pelos auditores fiscais do Tribunal de Contas do DF Amador Eustáquio Gonçalves Magela, Márcia de Fátima B. B. Costa, Antônio Carlos Dantas de Oliveira, Marcus Abreu de Magalhães e Saulo dos Santos Pereira. Cabe apontar as conclusões na parte que interessa: ―2) Com relação à Gerência Abastecimento Farmacêutico - GeAF (Farmácia Central) 27. (...) 28. Exceção feita aos produtos do Núcleo de Material Odontológico e Laboratorial, observaram-se controles paralelos quanto aos Núcleos de Medicamentos, de Material de Enfermagem e de Material Cirúrgico, em virtude de adiantamento de mercadorias por determinados fornecedores, mediante "Vales". Tais controles são efetuados em fichas diferenciadas das aquisições sistemáticas, no aguardo de futura regularização ("licitação", dispensa, empenho), oportunidade em que as anotações são transferidas para fichas regulares de controle de estoque (fls. 40/41***). Essa irregularidade já havia sido observada quando da Inspeção nº 2.0023.02, Processo nº 1033/02. 29. (...) 30. O estoque, a partir do último quadrimestre de 2001, começou a ser reduzido abaixo do mínimo estabelecido como de segurança. O momento crítico ocorreu no segundo quadrimestre deste exercício, quando a maioria dos medicamentos simplesmente se esgotou (fls. 47/114***). Hoje, a situação ainda perdura, embora com gravidade atenuada. 31. Cabe ressaltar que o desabastecimento da GeAF decorre da ausência de procedimentos licitatórios e da escassez de recursos orçamentários e financeiros (...).‖ 3.2 Da Utilização de Recursos da Saúde para a Campanha Eleitoral Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 44 O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio da sua auditoria realizou análise dos repasses efetuados pela Secretaria de Saúde do DF ao Instituto Candango de Solidariedade, tendo por base o Programa Sistema de Gestão Governamental – SIGGO, no período de julho a outubro de 2002, época da campanha eleitoral. O ICS é uma Organização Social com o qual o GDF firmou Contrato de Gestão nº 063/99 PJ-FHDF, em 08 de abril de 1999, tendo por objeto ―implantar, implementar, manter e desenvolver as ações do Programa de Saúde da Família no DF‖. Há notícia que os 11 mil empregados do ICS, pagos com o dinheiro do Fundo de Saúde estiveram a serviço da campanha eleitoral da coligação PMDB/PFL. Tem-se ainda que aluguel de automóveis para a campanha, montagem do sistema de informática nos comitês (só no Comitê Central do MPDB havia 60 computadores) e pessoal de suporte foi contratado por meio das empresas ADLER e LINKNET. Esses gastos seriam pagos não pela coligação, mas com dinheiro do Fundo de Saúde e recursos próprios do GDF, repassados a essas empresas pela Secretaria de Saúde e CODEPLAN – empresa pública do GDF. O ICS servia como intermediário e os administradores do GDF utilizavam-se dos contratos de gestão, dentre esses o de nº 063/99, para legitimar os repasses às contas do Instituto o qual, muitas vezes, era sacado na boca do caixa pelos donos das empresas. Esses fatos sustentam Recurso Contra a Expedição do Diploma nº 612, perante o Tribunal Superior Eleitoral, do governador e vice-governadora eleitos, Joaquim Domingos Roriz e Maria de Lourdes Abadia. A perícia realizada pela auditora do MPDF SHIRLENE M. RODOPOULOS registra o seguinte: ―IV) análise dos Depósitos do Fundo de Saúde nas Contas do ICS ........(fl. 5) De posse dos extratos bancários da Conta Corrente 004492-5 Agência 0015 - Banco 070 referente ao período julho- agosto - setembro e outubro/2002 e conta corrente 000858-5 - agência 0023, referentes mês de outubro/2002, foi possível identificar as seguintes impropriedades: Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) N° Número 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 2002OB05709 2002OB06111 2002OB06112 2002OB07270 2002OB07271 2002OB07566 2002OB07820 2002OB07821 2002OB07822 2002OB07839 2002OB08185 2002OB08402 2002OB08403 2002OB09484 2002OB09548 Data 10/07/2002 18/07/2002 18/07/2002 14/08/2002 14/08/2002 22/08/2002 30/08/2002 30/08/2002 30/08/2002 02/09/2002 10/09/2002 17/09/2002 17/09/2002 11/10/2002 11/10/2002 Banco/Agência/CC Depósito 070-00015-004492-5 070-00015-004492-5 070-00015-004492-5 070-00015-004492-5 070-00015-004492-5 070-00015-004492-5 070-00023-000775-9 070-00023-000775-9 070-00023-000775-9 070-00023-000775-9 070-00015-004492-5 070-00059-6003412 070-00059-6003412 070-00059-6003412 070-0015-004492-5 Total analisado no período 45 Valor 1.900.000,00 865.225,75 52.128,04 1.106.371,34 40.780,78 50.000,00 42.799,87 90.000,00 637.200,13 194.347,04 2.253.798,35 1.200,00 1.500,00 300,00 2.454.673,28 10.090.324,58 item 1 acima: no dia 10/07 foi efetuada a transferência no valor de R$ 1.900.000,00 para o ICS, na mesma data forma transferidos recursos também de outras fontes do GDF, nos seguintes valores individuais: R$ 3.300.000,00 - R$ 5.226.442,56 - R$ 1.586.668,03 - totalizando R$ 12.013.110,59. Na mesma data foi efetuada uma transferência para a agência 023 do BRB no montante de R% 11.855.194,30. Onde impera-se a necessidade de se identificar junto ao BRB a agência beneficiária da trasnferência, bem como os saques posteriores. Itens 2 e 3 acima: no dia 18/07 foram efetuadas as transferências nos valores de R$ 865.225,75 e R$ 52.128,04 - para o ICS, na mesma data foram transferidos recursos também de outras fontes do GDF, nos seguintes valores individuais: R$ 414.731,41 - R$ 1.774.423,74 - totalizando R$ 3.106.508,94. Na mesma data foram efetuadas duas transferências, sendo a primeira para a agência 023 do BRB no montante de R$ 1.627.771,91 e a segunda para a agência 0100 no valor de R$ 2.400.000,00. Quando confrontado o valor da segunda transferência para a agência 0100, com os extratos da empresa LINKNET - agência 100 Conta Corrente 100004626-2, foi possível identificar que houve de fato transferência no valor exato de R$ 2.400.000,00, na mesma data, e também que a soma das transferências tiveram origem nos cofres públicos do GDF. Impera-se a necessidade de se identificar junto ao BRB a agência beneficiária da transferência para a agência 023, bem como os saques posteriores e a que se refere o valor transferido para a LINKNET e de quais outros órgãos do GDF houve transferências para o ICS: Itens 4 e 5 acima: no dia 14/08 foram efetuadas as transferências nos valores de R$ 1.106.371,34 e R$ 440.780,78 - para o ICS, na mesma data foram transferidos recursos também de outras fontes do GDF, nos seguintes valores individuais: R$ 448.096,13 - R$ 440.780,78 - R$ 4.564.655,62 e R$ 69.318,41 - totalizando R$ 7.070.003,06. Na mesma data foi efetuada uma transferência para a agência 023 do BRB no montante de R$ 5.350.953,76, e outra para a agência 0100 no valor de R$ 1.427.321,47, onde confrontando-se com os extratos da c/c 4626-2 agência 0100 na LINKNET foi possível verificar uma transferência no mesmo valor de R$ 1.427.321,47. As somas das transferências tiveram origem nos cofres públicos do GDF, sempre tendo como componentes recursos do Fundo de Saúde do DF. Imperase a necessidade de se identificar junto ao BRB a agência beneficiária da Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 46 transferência para a agência 023, bem como os saques posteriores e a que se refere o valor transferido para a LINKNET e quais os outros órgãos do GDF que repassaram recursos na mesma data; Item 06 acima: no dia 22/08 foi efetuada a transferência do Fundo de Saúde do DF, no valor de R$ 50.000,00 para o ICS, sendo que na mesma data foram efetuados 30 depósitos originários do GDF, conforme datalhado abaixo, totalizando R$ 1.196.544,69. No dia seguinte, 23/08/2002, foi efetuada a transferência do montante de R$ 1.426.342,29 para a agência 0100 - Conta 100004626-2 da empresa LINKNET INFORMÁTICA LTDA. Comprova-se então que montante dos recursos do GDF, inclusive do Fundo de Saúde do GDF, repassados em 22/08/2002, foram todos transferidos para a conta LINKNET, ficando a C/C do ICS nesta data com saldo zerado; Data 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 22/08/2002 Origem Fundo de Saúde 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Histórico Rédito Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Créd. Forn. GDF Total Valor 50.000,00 69.051,93 15.326,86 9.976,21 15.785,71 19.229,18 15.710,55 27.300,71 33.600,31 25.200,37 57.836,43 37.191,83 41.349,96 45.700,49 40.497,43 36.321,20 34.916,27 27.006,33 41.409,94 89.597,52 84.200,74 44.557,47 20.001,96 10.461,33 60.689,17 4.264,00 94,00 2.912,00 1.844,20 11.381,06 2.124,12 3.269,06 199.407,28 18.329,07 1.196.544,69 Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 47 Itens 7, 8, 9 e 10 acima: no dia 30/08/2002 e 02/09/2002, foram repassados na conta do Fundo de Saúde do GDF para o ICS as quantias individuais de R$ 42.799,87, R$ 90.000,00, R$ 637.200,13 e R$ 194.347,04 - totalizando R$ 964.347,04. Os valores foram repassados para a conta do ICS n.º 000775-9 - da Agência 023, cujos extratos ainda não obtivemos o acesso, sendo necessário solicitálos junto a Presidência do Banco de Brasília - BRB; item 11 acima: no dia 10/09/2002, foi efetuada a transferência do Fundo de Saúde do DF, no valor de R$ 2.253.789,35 para o ICS na Conta Corrente 4492-5 Ag. 015, sendo que na mesma data foram efetuados 03 outros depósitos originários do GDF nos seguintes valores: R$ 5.469,73 - R4 490.792,42 - R$ 4.033.775,14, totalizando R$ 6.783.835,64. Na mesma data, foi efetuada a transferência do montante de R$ 6.654.217,84 para a agência 023 do BRB, cuja conta recebedora dos recursos não foi possível identificar.: itens 12, 13 e 14 acima: - nos dias 17/09/02 e 11/10/02, foram efetuados depósitos na c/c 6003412 - Ag. 059 do ICS nos valores individuais de R$ 1.200,00, R$ 1.500,00 e R$ 300,00, referentes à devolução dos salários recebidos indevidamente pela ex-empregada do ICS Alcineide Cunha, conforme já especificados adima; item 15 acima: no dia 11/10/2002, foram repassados ao ICS na C/C 4492-5, recursos do Fundo de Saúde do DF, no valor de R$ 2.454.673,28, e também de outra fonte do GDF no valor R$ 2.454.673,28, e também de outra fonte do GDF no valor de R$ 4.038.991,56, totalizando R$ 6.493.664,84. Na mesma data foi repassado o montante de R$ 6.453.229,78 para a agência 023 - Conta 0858-5 do ICS. Nesta mesma conta, em 14/10/2002, consta débito referente a pagamento de pessoal no montante de R$ 6.946.552,53. Estranhamente verificados que mesmo com o saldo zerado, na data de 22/10/2002, foi sacada a importância de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) com o cheque de n.º 006524 - Ag. 0015 (Goiânia) C/C 4492-5, no caixa de outra agência existente em Brasília. Para cobrir o saldo negativo da c/c 4492-5, foram devolvidos da c/c 00858-5, Ag. 023 a importância exata de R$ 3.508.017,63, normalizando-se então os saldos da conta 4492-5, Ag. 015 de Goiânia V) CONCLUSÃO Senhores Promotores de Justiça, como resultado de nossos trabalhos e diante das considerações acima mencionadas, detalhadas no item IV acima e subitens "i" a "Viii", concluímos que dos repasses de recursos do Fundo de Saúde do GDF, no período de junho a setembro, em muitos, restou confirmado que ao chegar nas Contas do Instituto Candango de Solidariedade, os valores do Fundo de Saúde somado aos recursos de outras fontes do GDF, compuseram valores que foram repassados para a empresa LINKNET INFORMÁTICA LTDA - agência: 0100 C/C 100004626-2. Pelo que verificamos, os valores são repassados para uma conta específica e imediatamente são transferidos para outras contas do ICS e dessas contas constam saques milionários, de quantias vultosas, sem explicação aparente, tornando-se necessário uma análise mais profunda de todo período de 2002 e 2003, referentes aos repasses de recursos públicos feitos pelo GDF para o Instituto Candango de Solidariedade - ICS, considerando-se que não são raras as denúncias contidas em Jornais de Circulação local envolvendo recursos públicos usados pelo ICS e repassados para empresas privadas, como ADLER e LINKNET. O mais estranho são os de valores altíssimos efetivados no Caixa das agências bancárias Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 48 3.3 Da Omissão e Conivência da Câmara Distrital É papel do Poder Legislativo, a fiscalização dos atos do executivo. No caso da Câmara Legislativa do Distrito Federal essa obrigação está no artigo 60 da Lei Orgânica do DF, verbis: ―Art. 60. Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal: XV - julgar anualmente as contas prestadas pelo Governador e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos do governo; XVI - fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.‘ No entanto, em lugar de cumprir sua obrigação constitucional, ou orgânica, a Câmara Distrital, por sua maioria, vem atuando de forma omissiva, conivente com o executivo, alheia centrada em atos de agrado ao chefe do executivo, sem se preocupar com o fato de aqueles que os elegeram e seus ente queridos estejam morrendo à míngua no chão de corredores dos hospitais por falta de atendimento digno. Primeiro não observou, na elaboração da Lei Orçamentária para 2002, a determinação da Emenda Constitucional 29/2000, destinando recursos para a saúde em valor menor que aquele constitucionalemente determinado, inclusive inferior ao que foi destinado para essas ações e servios no ano de 2001. Depois quando, em maio de 2002, por sua maioria, aprovou projeto de lei de iniciativa do governador que retirou mais R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões) do Fundo de Saúde do Distrito Federal e transferido-os para pagamento das obras de engenharia, a construção da Terceira Ponte do Lago Sul. Além disso jamais fiscalizou os contratos de gestão entre o GDF, seus Órgãos e o Instituto Candango de Solidariedade e os contratos desse último com as empresas ADLER ENGENHARIA e LINK NET INFORMÁTICA, e os gastos com os programas de saúde, dentre eles o PSF – Programa de Saúde da Família. Também não há notícias de fiscalização nos hospitais, na prestação de serviços de saúde, no atendimento à população, na manutenção e restauração dos equipamentos hospitalares sucateados, nas condições físicas das instalações dos hospitais do Distrito Federal e dos gastos com saúde, notadamente na aquisição de equipamentos e remédios e na apuração das mortes por absoluta meios para o atendimento. 3.4 Da Omissão e Conivência do Conselho Distrital de Saúde As atribuições do Conselho de Saúde do Distrito Federal estão enunciadas na Lei 469, de 25 de junho de 1993, no artigo 3°, dentre essas, definir e controla a execução das diretrizes gerais e da política de saúde do DF, opinar sobre projetos de leis a serem encaminhados à Câmara Legislativa do Distrito Federal e relativos ao setor saúde, fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 49 serviços de saúde, fiscalizar a adequação do fluxo de desembolso dos recursos repassados à Secretaria de Saúde, às políticas e planos de saúde aprovados, estimular a participação comunitária no controle da administração do Sistema de Saúde e propor critérios para a programação e para as execuções financeira e orçamentária dos Fundos de Saúde, acompanhando a movimentação e destinação dos recursos. A sua composição, no total de 11 conselheiros, está disciplinada pela Lei Distrital 2.413, de 29 de unho de 1999. Desses, pelo menos cinco são de escolha direta do chefe do executivo: dois representantes da secretaria de saúde, dois representantes dos conselhos comunitários, associações de moradores ou entidades equivalentes e o secretario de saúde na qualidade de membro nato e presidente, com direito a voto de quantidade e qualidade. Os demais integrantes são um representante do Hospital Universitário de Brasília ou do Hospital das Forças Armadas, dois representantes dos trabalhadores de saúde, um representante de portadores de necessidades especiais, um representante dos portadores de patologia e um representante de entidade de defesa do consumidor. A lei tem disciplina a permitir que os votos de alguns dos membros do Conselho de Saúde possam ficar expostos à orientação política do governador e do Secretário de Saúde, que o preside. Veja-se, por exemplo, que o presidente do Conselho, subordinado ao chefe do executivo, já segue, por força do cargo, as orientações do seu superior. É também de escolha pessoal do governador, quatro outros membros advindos da Secretaria de Saúde e dos Conselhos Comunitários, Associações de Moradores ou entidades equivalentes, ficando ao alvedrio daquele mandatário optar pela entidade da qual possa oferecer o mais fiel aos seus propósitos. A lei sequer prevê a eleição ou lista de indicação dentre membros da comunidade. A escolha é feita diretamente pelo governador. Essa nefasta composição, aliada ao despreparo dos representantes da dos conselhos comunitários, associações ou equivalentes, escolhidos desses e dos representantes da Secretaria de Saúde de forma turva, torna o Conselho de Saúde um mero órgão figurativo, omisso, conivente e chancelador de ações de governo incompatíveis com uma política pública de saúde digna. A indicação de pessoas despreparadas no que toca ao papel a ser exercido no conselho e ao alheamento em relação à gravidade dos problemas de saúde no Distrito Federal está bem representado pelo depoimento de um dos integrantes cujo mandato terminou no daí 26 de setembro de 2003. Veja-se notícia extraída do sítio de Internet da Secretaria de Saúde do DF no dia 05 de novembro de 2003, às 0h17min: Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 50 ―Lauzia Judite de Melo, que participou durante quatro anos do Conselho como representante da comunidade e agora se afasta do cargo, disse tratar-se de uma experiência "maravilhosa" . "De agora em diante, quando ouvir alguém falando mal da saúde vou ter condições de informar que esse povo trabalha, e muito". Lauzia gosta de cantar e cantando um hino de congraçamento encerrou seu mandato.‖34 Não estão descartados os acordos políticos para as indicações dos representantes dos prestadores de serviço - Hospital Universitário de Brasília ou Hospital das Forças Armadas. Apesar do caos na saúde do DF e das atribuições que lhe são reservadas pela Lei que o instituiu, não há notícia de que alguma representação ou denúncia tenha partido do Conselho de Saúde do DF ou mesmo de algum dos seus conselheiros, isoladamente, para os órgãos de fiscalização. É grande a responsabilidade do órgão pela situação grave do péssimo atendimento que se instalou no sistema de saúde no Distrito Federal. A notícia veiculada no sítio da Secretaria de Saúde mostra que enquanto a população pobre morre por falta de atendimento, os conselheiros riem. Não se conhecem as decisões do Conselho de Saúde do DF, quando todas as atas de reuniões e decisões deveriam estar acessíveis no sítio do CSDF, inclusive para fins de controle social do próprio conselho. 34 http://www.saude.df.gov.br/mostraPagina.asp?codServico=216&codPagina=1788 CONCLUSÃO Está patente que o Distrito Federal não respeitou, durante o ano de 2002, os princípios relativos ao Direito à saúde. Não considerou como de relevância pública as ações e serviços de saúde, tal está escrito na Constituição Federal nos artigos 196 e 197. Houve lamentável desprezo ao cidadão, mormente aos humildes, parcela que depende dos serviços públicos de saúde. O resultado da negligência governamental foi constatado por sucessivas fiscalizações de diferentes órgãos – Conselho Regional de Farmácia, Conselho Regional de Medicina, Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS e Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA. Falta de equipamentos hospitalares, equipamentos sucateados e impróprios para a realização de exames, equipamentos inoperantes por falta de manutenção, falta de remédios nos hospitais e na Farmácia Central da Secretaria de Saúde. Mais grave foram as mortes ocorridas nos hospitais e agravamento de quadros clínicos de pacientes com a manifestação de seqüelas cujos danos se tornaram irreversíveis do ponto de vista da saúde física, por carência de meios para atendimento, falta de medicamentos e outros fatores de responsabilidade de implementação por parte do Poder Público. Os estudos levados a efeito demonstram que essa situação caótica vivida pela população do Distrito Federal decorreu não apenas de negligência. Não é possível que diante de uma enxurrada de denúncias na imprensa, de reiteradas reclamações formuladas diretamente aos gestores da saúde por meio de memorandos e ofícios dos coordenadores setoriais dos hospitais aos secretários de saúde, a situação se perdure – como vem acontecendo – já há três anos sob a mesma administração. Assim, saiu-se do campo da negligência, que está no nível culposo, para o que se chama de preterdoloso. Isto é, com suas omissões em relação à saúde, os gestores da saúde no Distrito Federal, com plena consciência, assumiram o risco de produzir os resultados efetivamente ocorridos decorrentes daquelas omissões – mortes e agravamento de seqüelas de pacientes. Ficou evidente que os principais fatores para o desastre da saúde no DF foram, em primeiro lugar o fato de o GDF ter destinado para o Fundo de Saúde, no orçamento de 2002, valor menor que o de 2001, bem como por aquele valor estar também inferior ao que a Emenda Constitucional 29/2000 determina. O outro fator que em muito contribuiu foi a retirada de recursos do Fundo de Saúde do DF para finalidades diversas da saúde. Emblemático foi a retirada Franklin Rodrigues da Costa Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) 52 de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) para aplicação na construção da 3ª. Ponte do Lago Sul por meio da Lei Distrital 2.930, de 21 de março de 2002. O Juiz da 6ª. Vara Federal identificou desvio de R$ 117.875.031,00 (cento e dezessete milhões, oitocentos e setenta e cinco mil e trinta e um reais). O terceiro fator que fez a saúde do DF chegar à situação de caos foi o superfaturamento na compra de medicamentos. As apurações preliminares dos Conselhos Regionais de Farmácia e Medicina, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e do Tribunal de Contas da União apontam compras sem a obrigatória licitação, aquisição de remédios tendo como moeda de pagamento ―vales‖ a serem trocados no futuro quando da elaboração de eventual processo licitatório para aquela compra ou pagamento direto, independente de licitação, no exercício seguinte. As compras superfaturadas tiveram como resultado menos recursos para aquisição de remédios e, assim, menor quantidade de medicamentos eram adquiridos. As licitações, quando ocorriam, resultavam, coincidentemente, na habilitação e adjudicação de uma mesma empresa e por preço maior que a oferta que seria a vencedora. Outras vezes, essa mesma empresa, mesmo tendo apresentado preço mais alto, saía-se vencedora porque lhe era dado a oportunidade de, após a comissão de licitação conhecer o valor das propostas dos concorrentes, chamava-a para oferecer preço menor. Como quarta determinante pode-se apontar a omissão e conivência da Câmara Distrital, não de todos os seus integrantes, mas da maioria. Omissão em exercer o seu papel de fiscal que lhe foi deferido pelo legislador constituinte federal e na Lei Orgânica própria, no que se refere à fiscalização do poder executivo em relação às ações e serviços de saúde. Conivência em, abusando do poder de legislar, autorizar a retirada de dinheiro que, por determinação constitucional deveria ser aplicado em saúde, para obra não urgente de engenharia. A quinta determinante para o caos da saúde no DF no ano de 2002 foi também omissão e conivência do Conselho de Saúde. Deixou esse de exercer sua obrigação legal de ―fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e serviços de saúde, fiscalizar a adequação do fluxo de desembolso dos recursos repassados à Secretaria de Saúde‖. Sem descartar outros fatores que tenham influenciado para o degradante quadro da saúde, esses três aqui apontados foram os mais relevantes para que a situação da saúde pública no Distrito Federal chegasse aos caos que nela se encontra instalado já a três anos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, 1985; CANOTILHO, 1988 (apud MAUÉS, Antonio G. Moreira. BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969 (apud HARADA, Kioshi, Direito Financeiro e Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas). BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. CAMPBELL, Ullisses Campbell. Hemodiálise – Tratamento reprovado. Jornal Correio Braziliense, 23 out. 2002. 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