o atendimento à saúde pública no distrito federal no ano de

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o atendimento à saúde pública no distrito federal no ano de
Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Disciplina: Monografia
Profª Orientadora: Ela Wiecko Volkmer de Castilho
O ATENDIMENTO À SAÚDE PÚBLICA NO DISTRITO
FEDERAL NO ANO DE 2002
Franklin Rodrigues da Costa
Matr. 00/00000
BRASÍLIA
2º/2002
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................1
CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................3
A SAÚDE COMO DIREITO DE TODOS E OBRIGAÇÃO DO ESTADO ...................3
1.1 Conceitos ................................................................................................................3
1.2 Saúde .......................................................................................................................3
1.3 A Busca de Um Conteúdo de Saúde Pública .........................................................4
1.4 Direito .....................................................................................................................5
1.5 Do Direito à Saúde ..................................................................................................5
1.6 Da Forma de Custeio das Ações e Serviços de Saúde ............................................6
1.7 O Sistema Único de Saúde – SUS ........................................................................10
CAPÍTULO 2 ..................................................................................................................13
AS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE NO DF NO ANO DE 2002 ............................13
2.1 Do Descaso com os Pacientes ...............................................................................13
2.2 Das Condições Físicas do Hospital de Base .........................................................30
CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................36
ORÇAMENTO PÚBLICO EM SAÚDE ........................................................................36
3.1 O orçamento do Distrito Federal no ano de 2002 .................................................36
3.1.1 Do não cumprimento das normas constitucionais referente à destinação de
recursos para a saúde ..............................................................................................36
3.1.2 Da redução do orçamento em saúde ..............................................................36
3.1.3 Do desvio dos recursos da saúde para outros fins .........................................39
3.1.4 Da compra de medicamentos superfaturados ................................................41
3.2 Da Utilização de Recursos da Saúde para Pusteio da Campanha Eleitoral do
Governador .................................................................................................................43
3.3 Da Omissão e Conivência do Conselho Distrital de Saúde ..................................48
CONCLUSÃO ................................................................................................................51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................53
ANEXOS ........................................................................................................................56
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado como tema de conclusão do Curso de
Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e
da Magistratura Federal, realizado pela Universidade de Brasília, a Escola Nacional de
Saúde Pública da FIOCRUZ e Ministério da Saúde.
Ponto de partida para a pesquisa foram as notícias veiculadas
imprensa a partir de fins de 2001 e durante 2002, sobre a qualidade da prestação
serviços de saúde no Distrito Federal. Assim, a elaboração centrou-se na busca
informações quanto à veracidade das notícias divulgadas na imprensa e,
confirmadas, aferir-se eventual violação da legislação de proteção à saúde.
na
de
de
se
Para atingir esse objetivo, tem-se um enfoque teórico sobre o conjunto
da legislação de proteção do direito à saúde e sua relevância para o alcance de nível
mais elevado de dignidade das pessoas que dependem do serviço de saúde pública no
País. Para se compreender melhor o sentido da afirmação constitucional de ser a saúde
―direito de todos e obrigação do Estado‖, procurou-se apresentar conceitos para a saúde,
saúde pública, direito e direito à saúde.
Com base na legislação, ter-se-á uma compreensão do que é o SUS –
Sistema Único de Saúde – o seu fundamento legal e a forma de custeio das ações e
serviços de saúde em todos os níveis federativos – União, Estados, municípios e Distrito
Federal.
Situado o leitor em relação ao significado e importância do direito à
saúde, passou-se ao estudo de como são efetuados os investimentos e gastos em saúde
pública. A compreensão da destinação e aplicação das verbas foi estudada à luz da
Constituição Federal, especialmente a Emenda Constitucional 29/2000 e as Leis
8.080/90 e 8.142/90, que disciplinam os valores a serem alocados pela União, Estados,
municípios e Distrito Federal.
A parte específica do atendimento à saúde pelo Distrito Federal
desdobra-se em duas partes. A primeira, a análise da qualidade da prestação nos
serviços de saúde à população do Distrito Federal, no ano de 2002. A segunda, um
estudo de algumas das causas que o Grupo-Tarefa e os demais órgãos de fiscalização
identificaram para o desastre no atendimento à saúde no DF, bem como naqueles
aparentes, como a omissão e conivência com o poder executivo para o sucateamento da
saúde, por parte da Câmara Distrital e do Conselho de Saúde do Distrito Federal.
Para a identificação da qualidade do atendimento e suas causas, a
pesquisa nos dados colhidos nas investigações efetuadas no sistema de saúde do Distrito
Federal pelo Grupo-Tarefa instituído pelo Ministério da Saúde no ano de 2002,
integrado pelo Conselho Regional de Medicina do DF, Conselho Regional de Farmácia
do DF, Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA, Departamento Nacional de
Auditoria do SUS – DENASUS, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e
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Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e fontes da Câmara
Distrital e Conselho de Saúde do Distrito Federal.
Espera-se que esse trabalho possa servir como auxílio às organizações
e aqueles que têm interesse em assistência à saúde. Procurou-se, o mais que possível,
uma forma simples e didática de explicar o que é e como funciona o Sistema Único de
Saúde, qual a obrigação dos administradores públicos e dos legisladores em relação à
política pública de saúde e como a sociedade pode intervir no controle do sistema,
conhecendo os órgãos responsáveis pela fiscalização e punção do administrador
negligente, e participando dos órgãos de controle - os Conselhos de Saúde.
CAPÍTULO 1
A SAÚDE COMO DIREITO DE TODOS E OBRIGAÇÃO DO
ESTADO
A saúde, no Direito brasileiro, é um dos bens – senão o bem – cujas
garantia e proteção estão postas entre as mais altas obrigações a serem cumpridas pelo
Estado, referente ao tema, parte do capítulo da Ordem Social, ao impor ser a saúde
―direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação‖ – artigo 196,
serviços de saúde‖.
Dessa obrigação do Estado decorre estar ele obrigado a ―dispor, nos
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle‖.
Atento a que houvesse a efetiva prestação dos serviços de saúde,
esclareceu que sua execução deve ―ser feita diretamente‖ e, quando insuficientes os
meios disponíveis para o cumprimento dessa obrigação, que o fizesse ―através de
terceiros‖ , inclusive ―por pessoa física ou jurídica de direito privado‖.
1.1 Conceitos
Para uma melhor compreensão do fenômeno que se propõe a
examinar, convém considerarmos conceitos e definições de termos que estão presentes
ao longo do trabalho, tais como Saúde, Saúde Pública, Direito e Direito à Saúde.
1.2 Saúde
O que se deve entender por saúde, tal qual está posto na Constituição,
à qual o Estado se obriga a garantir acesso universal e igualitário?
Busca-se o conceito mais próximo de saúde, no preâmbulo da
Constituição da Organização Mundial de Saúde, assinada em 26 de julho de 1946, nos
seguintes termos: ―Saúde é o estado completo de bem-estar físico, mental e social e não
apenas a ausência de doença‖.
Sueli Gandolfi Dallari descreve1:
O conceito de saúde acordado em 1946 não teve fácil aceitação. Diz-se que
corresponde à definição de felicidade, que tal estado de completo bem-estar é
impossível de alcançar-se e que, além disso, não é operacional. Vários pesquisadores
procuraram, então, enunciar de modo diferente o conceito de saúde. Assim, apenas
1
DALLARI, Sueli Gandolfi et al. Direito Sanitário. In: Manual do Curso de Especialização à distância
em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. UnB/CEAM –
FIOCRUZ, s/d.
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como exemplo, para Alessandro Seppilli saúde é ―a condição harmoniosa de
equilíbrio funcional, físico e psíquico do indivíduo integrado dinamicamente no seu
ambiente natural e social‖, Para John Last saúde é um estado de equilíbrio entre o ser
humano e o ambiente, permitindo o completo funcionamento da pessoa , e para
Claude Dejour, convencido de que não existe o estado completo de bem-estar, a
saúde deve ser entendida como a busca constante de tal estado.
1.3 A Busca de Um Conteúdo de Saúde Pública
Essas conceituações satisfazem o conceito de saúde do ponto de vista
individual. Vamos mais além e vejamos o que se pode entender como saúde pública.
A característica do público, como termo a ser adicionado à saúde, cujo
conceito vimos acima, pode significar tanto os indivíduos de uma comunidade tomados
coletivamente, quanto os órgãos oficiais do Estado, os bens de que esse dispõe para a
prestação dos serviços que são de sua responsabilidade, bem como esses próprios
serviços e ações.
Registra Aurélio Buarque de Holanda: Público. 1. Do, ou relativo, ou
pertencente ou destinado ao povo, à coletividade. 2. Relativo ou pertencente ao governo
de um país; 3. O que é de uso de todos; comum; hospital publico‖ 2.
Partindo do ponto de vista segundo o qual o termo público é algo
relativo à coletividade, pertencente ou destinado ao povo, pode-se dizer que saúde
pública significa o estado de bem-estar das pessoas de uma determinada comunidade,
tomada coletivamente e representado pela soma do bem-estar de cada um dos seus
integrantes.
Tomado de um outro ponto de vista, público significa o que é relativo
ao governo. Daí se conduz que esse termo vem dizer diretamente com a
responsabilidade desse no que se refere à prestação dos serviços de saúde e às ações
relativas a esse objeto.
É por isso que não se pode apartá-lo do conceito de serviço. Trata-se,
evidentemente, de um serviço público, cuja conceituação nos dá Moreira Neto3:
Conceito "tradicional" de serviço público: "atividade da Administração Pública que
tem por fim assegurar de modo permanente, contínuo e geral, a satisfação de
necessidades essenciais ou secundárias da sociedade, assim por lei consideradas, e
sob as condições impostas unilateralmente pela própria Administração". Conceito
"contemporâneo" de serviço público: "as atividades pelas quais o Estado, direta ou
indiretamente, promove ou assegura a satisfação de interesses públicos, assim por lei
considerados, sob regime jurídico próprio a elas aplicável, ainda que não
necessariamente de direito público".
Como serviço público, os serviços de saúde pública submetem-se aos
princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa – Século
XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
3
MOREIRA NETO, D. F. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
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eficiência e economicidade dos artigos 37, caput, e 70, caput da Constituição Federal
e, ainda, ao princípio da continuidade e da permanência.
A junção desses elementos – saúde, público e serviço – chega-se à
conclusão de que saúde pública configura um conjunto de ações ou uma política de
governo voltada para a prevenção de situações e elementos passíveis de afetar o status
de bem-estar físico, mental e social dos indivíduos de forma desfavorável, bem como
propiciar meios de restituir-lhe esse bem-estar naqueles casos em que tenha sido
afetado.
Assim, numa segunda acepção, pode-se anunciar um outro conceito de
saúde pública como sendo as ações e serviços de responsabilidade do Poder Público
[governo ou Estado], legalmente impostos, efetuados de forma impessoal, contínua,
permanente e com eficiência, observando a moralidade, publicidade e economicidade,
tendo como objeto impedir doenças, eliminá-las, bem como reduzir limitações físicas,
mentais e sociais decorrentes de incapacidades crônicas, voltados para a coletividade,
com o fim de manter os indivíduos que a integram em estado completo de bem-estar
físico, mental e social.
1.4 Direito
Convém buscar, dentre as várias acepções da palavra direito, aquela
que encontre mais adequação ao propósito deste estudo, a possibilidade concedida pelo
ordenamento de agir a fazer valer uma situação – ―direito de alguém‖4.
A definição apresentada por aquele autor segundo a qual o direito é ―a
possibilidade concedida pelo ordenamento [as leis] de agir e fazer valer uma situação‖,
satisfaz para o fim que se quer alcançar com o presente trabalho.
1.5 Do Direito à Saúde
Esses referenciais são elementos fundamentais para se definir o que
vem a ser o direito à saúde. É regra da Constituição Federal, no artigo 196 ser a saúde
―direito de todos e dever do Estado‖, colocando suas ações e serviços necessários ao
atendimento desse direito como sendo ―de relevância pública‖.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.
Nesse diapasão, a preocupação com a questão saúde, não se
circunscreve ao campo individual, mas se estende, enquanto direito humano, como
imperativo de atendimento à saúde de forma indiscriminada, isto é, à saúde pública - a
4
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p.33.
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saúde de todos os indivíduos que compõem o povo de determinado Estado5, requerendo
um dar ou um fazer estatal para seu exercício e impondo a realização de políticas
públicas, isto é, de um conjunto sistematizado de programas de ação governamental‖6.
Não se pode olvidar, na busca da definição do direito à saúde a
natureza especial que lhe confere a Constituição Federal, ao destacar como sendo de
―relevância pública‖ suas ações e serviços.
Na aplicação da valoração dos bens que se destinam ao ser humano, e
que devem ser motivo de proteção por meio da lei, temos um espectro de direitos postos
em camadas uns ao lado ou por sobre outros. Tais direitos estão graduados, cada um
segundo o valor que lhe confere a sociedade para o indivíduo ou para a coletividade.
Assim é que alguns são essenciais ou mais valiosos em comparação a outros. Alguns
são detentores do que se pode chamar de relevância – tem algo grau de importância –
outros são importantes, com grau significativo de importância e outros, ainda, de
importância relativa. Alguns são tão valiosos que podemos chamá-los de essenciais.
Ao designar as ações e serviços de saúde como sendo de relevância
pública, quis o constituinte que esse fosse objeto de atenção especial e destacada, em
todos os seus aspectos e implicações.
Pode-se extrair daí como conceito constitucional de relevância
pública, a colocação em nível de destaque pela constituição, de objeto ou direito dotado
de caráter essencial e supremo interesse para a coletividade, em posição hierárquica
prevalente sobre quaisquer outras, cuja conseqüência para o Estado é a obrigação de lhe
proporcionar atenção especial nos aspectos político-administrativo-econômico, visando
a sua efetiva implementação e plena realização‖
De tudo isso, poder-se afirmar que o Direito à Saúde consiste na
possibilidade concedida pela lei, de se exigir do Estado o cumprimento da obrigação
constitucional a ele imposta, de hierarquia prevalente sobre quaisquer outras, em caráter
de prioridade, a prática de ações e serviços de saúde, tendo como objeto a promoção,
proteção e recuperação do estado de bem-estar físico, mental e social de alguém ou da
coletividade.
1.6 Da Forma de Custeio das Ações e Serviços de Saúde
Dentre os papéis a serem desempenhados pelo Estado está a prestação
de serviços necessários à promoção do bem comum. A execução de serviços por parte
do Estado exige que esse disponha de recursos financeiros para o seu custeio. A
arrecadação desses recursos financeiros é efetuada no seio da própria sociedade, quase
5
DALLARI, Sueli Gandolfi et al. Direito Sanitário. In: Manual do Curso de Especialização à distância
em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. UnB/CEAM –
FIOCRUZ, s/d.
6
ALEXY, 1985; CANOTILHO, 1988 (apud MAUÉS, Antonio G. Moreira, p. 479.
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sempre pela imposição de tributos – impostos, taxas e contribuições - que são
recolhidos pelas pessoas – físicas e jurídicas - aos cofres oficiais.
Colocados, na Constituição Federal, como sendo de relevância
pública, as ações e serviços de saúde têm ainda como diretriz o atendimento integral
(CF, art. 198, II).
A esse atendimento integral às ações e serviços de saúde estão
obrigados todos os entes federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - de
forma conjunta. É o que se vê de, pelo menos duas outras passagens do texto
constitucional:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
I – (...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência.
Para essa finalidade de cuidar da saúde, os entes federados devem
reservar, anualmente, recursos destinados a esse fim, o que é feito por meio da inclusão
e fixação, nos seus orçamentos, dos valores que serão aplicados no setor.
Orçamento, nos Estados Democráticos, para o professor e tributarista
Aliomar Baleeiro , ―é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza o
Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao
funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou
geral do País, assim com a arrecadação das receitas já criadas em lei‖.
7
Antonio L. de Souza Franco8 o conceitua como ―uma previsão, em
regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir,
incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e
realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada ano‖.
A interpretação do enunciado ―é competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública‖,
inserta no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, não significa apenas que esses
entes detêm poder igual para esse cuidado. Em verdade, extrai-se do artigo um poderdever de cuidar da saúde. Esse sentido de poder-dever torna-se mais evidente ao se
conjugar o dispositivo do artigo 23, II, com o artigo 196, também da Constituição, que
dispõe serem as ações e serviços de saúde dever do Estado.
As ações e serviços públicos de saúde são parte de uma das obrigações
que o Estado está obrigado a incorporar e prover, visando atender aos objetivos
7
BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p.
397 (apud HARADA, Kioshi, Direito Financeiro e Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas, p. 65).
8
FRANCO, Antonio L. de Souza. Finanças Públicas e Direito Financeiro. 2. ed. Coimbra: Almedina,
1988, p. 308 (apud BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 1995).
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fundamentais descritos no artigo 3º, da Constituição Federal – erradicação da pobreza e
da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais e a realização do bemcomum – qual seja, a seguridade social.
O conjunto das ações relativas à seguridade social é integrado, além
da saúde, por outros dois objetos, a previdência social e a assistência social
(Constituição Federal, art. 194).
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Quanto às fontes das quais são arrecadados os recursos para o custeio
desses programas que compõem a Seguridade Social – da qual a saúde é parte – a
Constituição indica expressamente as contribuições sociais dos empregadores e das
empresas, as contribuições sociais dos trabalhadores e segurados da previdência social,
parte da receitas de concursos de prognósticos – loterias (artigo 195 e seus incisos) de
todos os entes federativos.
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a
qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo
empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 201;"
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à
seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento
da União.
Além desses recursos destinados à seguridade social, dos quais parte
deles financia as ações e serviços públicos de saúde, a Carta Magna previa que esses
programas deveriam ser financiados ainda por meio de outras fontes de recursos (parte
final do § 1º, do artigo 198):
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos
do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes.
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Apesar dessa estrutura de financiamento para as ações e serviços
públicos de saúde, percebeu-se, ao longo da década de noventa, que os recursos
destinados às ações e serviços de saúde, não supriam o atendimento à população,
deixando o Estado de prestar o atendimento integral preconizado pelo artigo 198, II da
Constituição. Dentre outros fatores, os recursos acabavam sendo dirigidos para o
pagamento de benefícios previdenciários.
Decorrente dessa deficiência foi promulgada a Emenda Constitucional
nº 29, em 13 de setembro de 2000, a qual, veio aprimorar a sistemática orçamentária
para o custeio da seguridade social, nela incluídos os serviços de saúde, criando a
imposição de valores mínimos que o Poder Público está obrigado a aplicar, anualmente,
em ações e serviços de saúde. Por meio do acréscimo do § 2º, no artigo 198 da Carta,
fixou esses percentuais mínimos da seguinte forma:
§ 2º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente,
em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de
percentuais calculados sobre: (AC).
I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no
§ 3º; (AC)
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 [transmissão causa mortis e doação, de quaisquer
bens ou direitos; operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;
propriedade de veículos automotores] e dos recursos de que tratam os arts. 157
[imposto de renda retido na fonte pelos Estados, suas autarquias e fundações;
impostos especiais criados pela União] e 159, inciso I, alínea a, [Fundo de
Participação dos Estados e do DF] e inciso II [imposto sobre produtos
industrializados], deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios; (AC)
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 [IPTU, transmissão inter vivos de bens imóveis e
serviços de qualquer natureza] e dos recursos de que tratam os arts. 158 [imposto de
renda retido na fonte pelos municípios suas autarquias e fundações; imposto sobre
propriedade territorial rural transferido pela União relativo aos dos imóveis situados
no município; IPVA transferido pelos Estados; ICMS e Imposto sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação], e 159,
inciso I, alínea b [Fundo de Participação dos Municípios] e § 3º [ parte do IPI
recebido pelos Estados e transferido aos municípios].
Assim, a Constituição Federal fixou que as ações e os serviços de
saúde devem ser financiadas com parte que cada um dos entes federados destina à
seguridade social, nos seus orçamentos, bem com verbas oriundas de tributos
arrecadados e recursos do Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação
dos Municípios.
Preocupou-se ainda, o Constituinte, em dar efetividade às alterações
introduzidas pela EC 29, acautelando-se para que as inovações trazidas pelo § 2º não
ficassem na dependência de futura e demorada regulação. Para isso introduziu novo
dispositivo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – o artigo 77 –
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impondo a aplicação imediata de recursos mínimos nos programas de saúde pública, da
seguinte forma:
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações
e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
I – no caso da União:
a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no
exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;
b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação
nominal do Produto Interno Bruto – PIB;
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os
arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem
transferidas aos respectivos Municípios; e
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os
arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais
inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o
exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto
por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.
§ 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no
mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações
e serviços básicos de saúde, na forma da lei.
§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às
ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma
finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e
fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da
Constituição Federal.
§ 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do
exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios o disposto neste artigo.
1.7 O Sistema Único de Saúde – SUS
A Constituição de 1998 também ―fixou os princípios norteadores da
organização do sistema de saúde brasileiro: serviço público universal, integral e
gratuito; a descentralização com participação popular; o comando único em cada esfera
de governo; o financiamento público solidário dos três níveis de governo; a participação
comunitária e a presença da iniciativa privada de modo complementar‖9.
9
MALIK, Ana Maria et al. Direito Sanitário. In: Manual do Curso de Especialização à distância em
Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. UnB/CEAM –
FIOCRUZ, s/d, p. 513.
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Além dessas diretrizes, é determinação constitucional que as ações e
serviços públicos de saúde constituem um sistema único. Tal determinação encontra-se
no artigo 198 da Carta, verbis:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Essa é a gênese legislativa do que se denomina Sistema Único de
Saúde – o SUS – o qual veio, posteriormente, ser regulamentado com a edição das Leis
nos 8.080/90 e 8.142/90.
A primeira – 8.080/90 – organiza os serviços de saúde, sua direção,
gestão e competência dos diferentes níveis de governo – União, Estados, Distrito
Federal e Municípios. Dentre as regulações, tem-se as seguintes:
Lei 8.080/90:
Do Sistema Único de Saúde
―Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
Da Organização, da Direção e da Gestão
Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa
privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de
complexidade crescente.
Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso
I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo
pelos seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde
ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.
A mesma Lei regulou também a forma de calcular o montante de
recursos do orçamento da seguridade social que devem ser destinados ao Sistema Único
de Saúde. A fixação desses recursos submete-se, em princípio, ao valor da receita
estimada para seguridade social, bem como às metas e prioridades estabelecidas para o
setor pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. É o que se depreende do art. 31:
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12
Art. 31. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde
(SUS) de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas
finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a
participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em
vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
É também a Lei 8.080/90 que institui o chamado Fundo da Saúde, no
seu artigo 33.
Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão
depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob
fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.
Desde então, as verbas da saúde trafegam por meio de um Fundo,
cujos recursos e contabilidade são devidamente separados das demais movimentações
orçamentárias e financeiras da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal.
Um sistema cujo objetivo é dar visibilidade à movimentação do dinheiro que lhe é
destinado, aos gastos efetuados e buscar tornar efetiva as ações de assistência à saúde.
A segunda Lei referida – 8.142/90 – veio acrescentar dois outros
mecanismos destinados a reforçar o controle da gestão dos recursos da saúde – a
participação comunitária na gestão e condicionantes a serem satisfeitas por Estados,
municípios e o Distrito Federal para se habilitarem às transferências de recursos
financeiros.
O mecanismo de controle por meio da participação comunitária, tem
seu implemento a partir da criação, em cada esfera de governo, das Conferências de
Saúde e dos Conselhos de Saúde. O Conselho de Saúde é um órgão colegiado, de
caráter permanente e deliberativo, composto por representes do governo, prestadores de
serviço, profissionais de saúde e usuários, atuando na formulação de estratégias e no
controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos
aspectos econômicos e financeiros (art. 1º, § 2º).
O outro mecanismo de controle é centrado nas transferências de
recursos financeiros. Neste caso, a lei condiciona o recebimento de recursos da União,
por parte dos Estados, municípios e Distrito Federal e de recursos dos Estados por parte
dos municípios, à implementação de várias exigências – existência de Fundo de Saúde,
Conselho de Saúde com composição paritária, plano de saúde, relatórios de gestão e
contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento (art. 4º). Diz ainda que o
não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos
requisitos estabelecidos, implicará em que os recursos concernentes sejam
administrados pelos Estados ou pela União (art. 4º, parágrafo único).
CAPÍTULO 2
AS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE NO DF NO ANO DE 2002
2.1 Do Descaso com os Pacientes
A partir do início do ano de 2002, a imprensa passou a divulgar
notícias sobre a situação da saúde pública no Distrito Federal. As notícias publicadas
apontavam um quadro desolador. Mês a mês, durante o ano de 2002 viram-se várias
notícias sobre os serviços de saúde no DF, mostrando sempre um quadro dramático e de
sofrimento da população, como são exemplo as matérias a seguir, publicadas de março a
dezembro de 2002, no jornal ―Correio Braziliense‖
Descaso – Doentes e sem remédio10
A Farmácia de Alto Custo no Hospital de Base não tem 19 medicamentos usados
por pacientes com esclerose múltipla, hepatite C e câncer. As drogas são distribuídas
pela Secretaria de Saúde, que recebe verba federal para a compra
Rede Pública – Transplantes suspensos11
Ministério da Saúde suspende licença do Hospital de Base para realizar cirurgias em
pacientes renais e hepáticos. Hospital Universitário de Brasília, por sua vez, foi
impedido de operar em casos de córnea. O motivo do descredenciamento é um só:
condições precárias de atendimento
Saúde Pública – Equipamentos radiológicos fora de uso12
Máquinas quebradas e falta de material dificultam o trabalho de diagnóstico dos
médicos e o tratamento de pacientes no Hospital de Base do DF. Só nos últimos
quatro meses, cinco mil tomografias deixaram de ser feitas
10
VITÓRIA, Maria; ACCIOLY, Dante. Descaso – Doentes sem remédio. Jornal Correio Braziliense, 4
maio
2002.
Disponível
em
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_
20020404/pri_sau_040402_173.htm>. Acesso em 4/4/2002.
11
XAVIER, Marcello; LIMA, Paola. Rede Pública – Transplantes suspensos. Jornal Correio Braziliense,
1°
maio
2002.
Disponível
em
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_
20020501/pri_sau_010502_255.htm>. Acesso em 01/05/2002.
12
MESSERSCHMIDT, Sheila. Saúde Pública – Eqwuipamentos radiológicos fora de uso. Jornal Correio
Braziliense,
12
jul.
2002.
Disponível
em
http://www2.correioweb.com.br/
cw/EDICAO_20020712/pri_cid_120702_210.htm Acesso em 12/07/2002.
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14
Saúde – Oito horas na fila por um exame13
Mil pessoas madrugam no Hospital de Base para marcar ecocardiograma, mas
apenas 250 conseguem. Dos quatro aparelhos que avaliam coração, dois estão
quebrados.
Crise na Saúde – Meses de espera14
Falta de próteses está entre as causas de adiamento de 60 cirurgias diárias no
Hospital de Base do Distrito Federal. Médicos aconselham os pacientes a comprar o
material para voltar a andar.
Mais de um ano sem andar. ‗‗Já não consigo ficar de pé para
trabalhar‘‘, lamenta Manoel Almeida, 66 anos, com os olhos voltados
para o chão, cheio de vergonha por depender dos filhos para comprar
comida e remédios. Em junho do ano passado, enquanto reformava o
telhado de um cliente, Manoel pisou em falso e caiu de uma altura de
três metros. Logo após o acidente, foi levado ao Hospital de Base
(HBDF). Depois de 48 dias recebeu alta. Mas nunca parou de sentir
dor. Há 30 anos no DF, o semi-analfabeto que trabalhou durante 12
anos por um pedaço de terra espera, deprimido, uma decisão judicial
que garanta seu direito à saúde.
Preocupada com o pai, Maria Edileusa levou as radiografias para um
médico particular, que foi incisivo: ‗‗Ele tinha de receber uma prótese
15 dias depois do acidente. Agora, já perdeu 50% da chance de voltar a
caminhar‘‘. Com a informação, a família voltou ao HBDF. Os
médicos explicaram que não fizeram a cirurgia porque o hospital não
tinha dinheiro para comprar a prótese que liga o fêmur com a bacia. A
falta de material está entre os principais motivos para o adiamento das
cirurgias no hospital — uma média de 60 por dia.‗‗Recebemos dos
médicos uma proposta para pagar R$ 8 mil pelo material‘‘, afirma
Edileuza. ‗‗Topamos, mas, no dia da cirurgia, eles deram pra trás.‘‘
Hemodiálise – Tratamento reprovado15
O setor de atendimento a doentes renais nos hospitais públicos do Distrito Federal
foi condenado por órgãos de vigilância sanitária dos governos local e nacional. Em
Taguatinga, a Anvisa determinou o fechamento imediato da unidade.
As máquinas viraram sucatas. O ambiente é sujo, há sangue e esparadrapo usado
espalhados pelo chão. O método utilizado é arcaico, os pacientes gemem de dor. O
tratamento de hemodiálise oferecido pelos hospitais regionais de Taguatinga (HRT)
13
CAMPOS, Ana Maria. Oito horas na fila por um exame. Jornal Correio Braziliense, 14 ago. 2002.
Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030814/pri_cid_ 140803_105.htm.
Acesso em 14/08/2002.
14
NUNES, Juliana Cézar. Crise na Saúde – Meses de espera. Jornal Correio Braziliense. 1° out. 2002.
Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20021001/pri_cid_ 011002_123.htm>.
Acesso em 01/10/2002.
15
CAMPBELL, Ullisses Campbell. Hemodiálise – Tratamento reprovado. Jornal Correio Braziliense, 23
out.
2002.
Disponível
em
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_
20021023/pri_sau_231002_133.htm. Acesso em 23/10/2002.
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15
e de Sobradinho (HRS) e pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB) foi
investigado, julgado e condenado pela Vigilância Sanitária do governo local.
Saúde Infantil – Falta reagente para exame do pezinho16
Laboratório do Hospital de Base de Brasília acumula cerca de nove mil amostras de
sangue de bebês do Distrito Federal. Não há material para o teste que detecta doença
que pode provocar retardamento mental.
Os fatos tratados no noticiário, relativos à saúde pública, decorreram
de denúncias formuladas por usuários e pessoal prestador dos serviços – médicos,
enfermeiros e atendentes.
Os órgãos ligados à saúde e incumbidos de fiscalização da prestação
dos serviços e da aplicação dos recursos na saúde passaram a investigar o real alcance
das ocorrências noticiadas pela imprensa e denunciadas por usuários e profissionais
prestadores dos serviços de saúde.
O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal e o Conselho Regional de
Farmácia do DF, conjuntamente com o Ministério Público do Distrito Federal,
levaram a efeito, no dia 15 de maio de 2002, fiscalização visando apurar se
efetivamente havia desabastecimento de medicamentos na rede hospitalar pública
local. As ações foram desenvolvidas nos órgãos da Secretaria de Saúde do DF,
Diretoria de Apoio Logístico e Material - DALM, Gerência de Abastecimento
Farmacêutico - GEAF, e Comissão de Licitações e Diretoria de Contabilidade
Financeira – DICOF. Relatórios firmados pelos médicos GERALDO LUIZ DE
OLIVEIRA, JOELSON DONIZETTI DEVOTI e FRANCISCO ROSENÉLIO DE
CARVALHO, os dois primeiros pelo CRM e o último como analista pericial da
17
Promotoria de Defesa da Saúde do MPDFT, registram :
Inicialmente, foi feita visita à Farmácia Central no daí 05.06.02 onde foram
levantadas as seguintes informações:
1 – Das quatro áreas administrativas responsáveis pela geração de pedidos internos e
distribuição material, foi constatado naquela data a seguinte deficiência nos
estoques:
a) Material de enfermagem
Encontrava-se com estoque considerado crítico do ponto de vista operacional 37
itens cadastrados e padronizados como essenciais (estoque inferi
or ao consumo de 30 dias), dos quais 18 encontravam-se zerados, ou seja, não
existiam disponíveis no estoque físico daquela unidade.
b) Material de laboratório e odontologia
16
MONTENEGRO, Érica. Saúde Infantil – Falta reagente para exame do pezinho. Disponível em
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20021106/pri_cid_061102_231.htm>. Acesso em 6 nov.
2002.
17
Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Departamento de Fiscalização – DeFis. Relatório
DEFIS s/n. Brasília, 3 de julho de 2002.
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16
48 itens cadastrados e padronizados como essenciais se encontravam com estoque
inferior ao consumo de 30 dias sendo que destes, 29 se encontravam com estoque
zerado.
c) Material cirúrgico
103 produtos cadastrados e listados como essenciais se encontravam com estoque
físico inferior ao recomendado (consumo interior a 30 dias) sendo que 82 destes
apresentavam-se com estoque zerado.
d) Medicamentos
231 itens cadastrados e listados como essenciais se encontravam com estoque
inferior ao mínimo recomendado (consumo inferior a 30 dias), sendo que 135 destes
itens encontravam-se zerados.
A crise não se limitou à falta generalizada de medicamentos. A
qualidade do atendimento dispensado aos pacientes foi desastrosa.
Premidos pelo desespero, os médicos do Hospital de Base do Distrito
Federal passaram a solicitar, insistentemente, por meio de ofícios e memorandos,
insumos, conserto e aquisição de equipamentos para a realização do trabalho médico.
A medida do descaso das autoridades responsáveis pela saúde no
Distrito Federal, de um lado, e da angústia do corpo médico, do outro, motivada,
inclusive pelo aumento do número de mortes decorrentes da falta de condições de
atendimento – equipamentos precários ou sua falta, ausência de medicamentos
essenciais – pode ser facilmente medida pelo teor dos expedientes que saíram do HBDF
a partir de dezembro de 2001. Vejamos:
Memo. 186/01, de 07 de dezembro de 2001, do Chefe da Unidade de Cirurgia
Cardíaca do HBDF para o Coordenador Médico do Hospital
―(...) temos pacientes com mais de 60 (sessenta) dias aguardando o procedimento
cirúrgico. Cabe salientar que a grande maioria deles foram chamados para internar e
operar (...).
Maioria dos nossos pacientes não são pacientes que vão ficar seqüelados por retardo
no tratamento. São crianças que podem perder a chance cirúrgica, jovens que
evoluirão para miocardiopatia dilatada, cuja única opção terapêutica poderá ser o
transplante. Ou mesmo pacientes adultos que evoluirão para miocardiopatia
isquêmica grave.
Desejamos deixar registrado a nossa angústia em ‗todos‘ os dias sermos obrigados a
dizer ‗a sua cirurgia teve que ser suspensa por faltou (...)‘.
Por mais uma vez, solicito a V.Sa. o empenho em viabilizar o atendimento adequado
18
aos pacientes cardiopatas.‖
Memo 063/02, de 06 de março de 2002, do Chefe da Unidade de Cardiologia do
HBDF para o Diretor do Hospital
18
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 186/01, de 7 de dezembro de 2001.
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17
―Solicitamos o empenho de V.Sa. junto à Secretaria de Saúde, para que seja
agilizada a compra de 02 (dois) cardioversores com pás internas e externas,
conforme pedido feito pelo Chefe do Centro Cirúrgico, em 21 de agosto de 2000.
Informamos que este equipamento e indispensável para a realização de cirurgia
cardíaca e o aparelho utilizado atualmente, já com mais de 10 anos de uso tem
quebrado freqüentemente, o que nos obriga, com certa freqüência, a suspender
cirurgias cardíacas.‖19
Memo. 100/02, de 14 de março de 2002, firmado por seis médicos da Equipe da
Unidade de Cardiologia do HBDF, e dirigido ao Chefe da Unidade de Cirurgia
Cardíaca.
―Como é de amplo conhecimento de V.Sa. a mortalidade cirúrgica cardíaca vem
aumentando de forma crescente e preocupante.
Igualmente a variabilidade de complicações tem crescido, envolvendo desde
insuficiência cardíaca pós-operatória, complicações cirúrgicas, hemodinâmicas,
infecciosas e neurológicas, todas, num incide por certo muito acima da média
esperada.‖20
Memo 65/2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca do HBDF, colocando o
seu cargo à disposição do Secretário de Saúde do DF
―A cirurgia cardíaca do Hospital de Base do Distrito Federal iniciou suas atividades
nos meados dos anos de 1964, portanto há aproximadamente 38 anos, tendo
realizado ao redor de 15.000 (quinze mil) procedimentos cirúrgicos, com inúmeros
trabalhos científicos publicados no Brasil e exterior e várias premiações, inclusive
com trabalhos inéditos (Cirurgia no aneurisma chagásico, válvula cardíaca de
EPOXI, extra-corpórea em cães, transplante cardíaco em animais, etc), sente-se
atualmente como verdadeiro estorvo para a política de Saúde do Distrito Federal.
(...)
Nos últimos anos temos sentido que todo o nosso esforço, dedicação e trabalho não
conseguem mais vencer a burocracia dominante, ,e a nossa especialidade na rede
pública, não está incluído na prioridade da política de saúde da Capital da
República.
(...)
Nossa ansiedade, angústia e preocupação são decorrentes do que a seguir
consideramos:
(...)
2 – São freqüentes a falta de medicamentos, como antibióticos profiláticos, drogas
vasoativas, albumina, nxertos, etc, indispensáveis no trans e pós-operatório;
(..)
19
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 063/02, de 6 de março de 2002.
20
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Chefia de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 100/02, de 14 de março de 2002.
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18
5 – Nossos equipamentos de monitorização trans-operatórios estão sucateados por
falta de manutenção adequada.
6 – No momento de transporte do centro cirúrgico para a UTI não temos monitores
de transporte adequado e muitas vezes falta oxigênio. Os pacientes ‗param‘ durante
a remoção;
(...)
8 – Na UTI, muitos profissionais de enfermagem não tem treinamento e
experiências para manusear os pós-operatórios de cirurgia cardíaca;
(...)
11 – Empresas fornecedoras de órteses e próteses para cirurgia cardíaca alertam para
a possibilidade de ser inviabilizado o fornecimento de material para SES/DF, por
falta de quitação de faturas pendentes há vários meses (documentos anexos);
12 – Há falta de incentivo e de um programa de capacitação para reciclagem do
pessoal médico, enfermagem e paramédicos;
13 – A taxa de mortalidade encontra-se próxima de níveis proibitivos, fato que já foi
comunicado à Direção do Hospital;
14 – O documento expedido pela cardiologia, onde são assinalados elevadas taxas
de complicações pós-operatórias (em anexo).
Resolvemos, propor a V.Sa. a suspensão das cirurgias cardíaca para que sejam
deliberadas ações que possam viabilizar um atendimento de qualidade à população
de Brasília.
Diante do exposto e com o objetivo de possibilitar a V.Sa. uma extensa avaliação e
estruturação da situação, coloco meu cargo de Coordenador de Cirurgia Cardíaca da
SES/HBDF e de Chefe de Unidade à disposição.‖21
Memo nº 72/2002, de 2 de março de 2002, do Chefe da Cirurgia Cardíaca para o
Diretor do Hospital
―Solicitamos o empenho de V.Sa. na aquisição do afastadores de externos
relacionados no anexo II.
Os retratores que o Hospital de Base possui já estão com mais de 10 (dez) anos de
uso, com dentes das cremalheras desgastados, o que impossibilidade sua adequada
utilização.‖22
OI nº 013/02, de 25 de abril de 2002, do Chefe da Unidade de
Cirurgia Cardíaca para o Secretário de Saúde
―(...) a cardiologia pediátrica e cirurgia cardíaca pediátrica da Rede Pública estão
impossibilitadas de atender a criança cardiopata há quase 06 (seis) meses.
No HBDF, único hospital da rede pública onde são realizadas cirurgias cardíacas,
em decorrência de gravíssimo problemas de infecção, inclusive com 03 (três) óbitos
21
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 65/02, de 18 de março de 2002.
22
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 72/02, de 22 de março de 2002.
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19
nos últimos vinte dias, foram suspensas todas as cirurgias cardíacas há duas
semanas, agravando ainda mais o problema.‖23
Memo 125/02, de 29 de maio de 2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca
para o Diretor do Hospital
(...) lamentavelmente, sinto-me no dever de comunicar a esta Direção, que a Cirurgia
Cardíaca do hospital está na iminência de não ter mais condição de manter o
atendimento à população.
A Cirurgia Cardíaca eletiva ficou parada por 50 (cinqüenta) dias, em decorrência das
reformas necessárias no Centro Cirúrgico e UTI, pois as condições cirúrgicas
acarretaram um índice de infecções pós-operatórios nunca presenciado, nestes quase
40 anos de especialidade na Rede Pública. Inclusive com 04 (quatro) óbitos por
infecção hospitalar.‖24
Memo 138/02, de 12 de junho de 2002, do Chefe da Unidade de Cirurgia Cardíaca
para o Diretor do Hospital
―Comunicamos a V.Sa. que as cirurgias cardíacas (eletivas e urgência) terão que ser
suspensas por falta de medicamentos e equipamentos indispensáveis aos
procedimentos. Fato já relatado no memorando nº 125/02.
Freqüentemente temos recorrido a recursos próprios, adquirindo medicamento
(Nitroglicerina, papaverina, etc) para que possamos operar, ou mesmo pedindo a
familiares para conseguirem as drogas vasoativas que necssitamos no ato operatório.
O estado do nosso instrumental cirúrgico inviabiliza certos procedimentos, como
revascularização do miocárdio com artéria mamaria. A revascuarizaão do miocárdio
sem a artéria mamaria já não faz mais parte da técnica de cirurgia coronária.
A cirurgia cardíaca e a cardiologia na podem continuar indiferente a esta situação,
colocando os pacientes emrisco marior, quando submetidos ao tratamento, do que a
própria cardiopatia.
(...)
A ansiedade do paciente, em pré-operatório de uma cirurgia cardíaca é muito
grande. Nos parece desumano suspender 6 a 8 vezes a cirurgia de um paciente. Fato
que tem ocorrido rotineiramente.
Estas solicitações apresentadas são apenas para retirar a cardiologia e cirurgia
cardíaca da sitação caótica que se encontram.‖25
Memo conjunto 147/02, de 04 de julho de 2002, firmado pela Coordenação Médica
Assistencial, Unidade da Cirurgia Cardíaca, Unidade de Cardiologia, Gerência de
Medicina Interna e Gerência de Enfermagem, dirigida ao Diretor do Hospital e com
cópias para o Conselho Regional de Medicina e Promotoria de Defesa da Saúde do
Ministério Público do Distrito Federal
23
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. OI 15/02, de 19 de março de 2002.
24
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 125/02, de 29 de maio de 2002.
25
Secretaria de Estado de Saúde. Governo do Distrito Federal. Hospital de Base do Distrito Federal.
Unidade de Cirurgia Cardíaca/HBDF. Memo 138/02, de 12 de junho de 2002.
Franklin Rodrigues da Costa
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20
(...) nos sentimos ética e moralmente obrigados a suspender todas as cirurgias
cardíacas do HBDF, até que a Secretaria de Saúde tome as providências necessárias
para que estas atividades assistenciais possam ser retomadas com as condições
adequadas ao bom atendimento da população.‖26
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal,
por meio da Procuradora CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRA,27
formulou as Representações nº 04/2002-CF e 06/2002-CF perante aquela Corte de
Contas.
A representação 04/20022 quer que o Tribunal verifique:
―As razões da situação de carência de medicamentos e material de uso hospitalar,
com possíveis reflexos no atendimento a pacientes cardíacos pelo Hospital de Base
do Distrito Federal‖. A de nº 06/2002 visou à ―realização de Auditoria Especial no
que tange à gestão de medicamentos, inclusive quanto à aplicação dos recursos do
Fundo de Saúde do Distrito Federal, com especial foco na Farmácia Central‖. 28
Acolhidas as representações, a auditoria do TCDF procedeu a
inspeção para levantamento de dados e avaliação. Os auditores do TCDF MARTA
CRISTINA MAGALHÃES DE SOUZA e MÁRCIA DE FÁTIMA B. B. COSTA
firmaram o relatório do que foi apurado decorrente da representação 004 – processo
TCDF 1033/02. As apurações referente à representação 006 – processo TCDF 1126/02
foram conduzidas pelos auditores AMADOR EUSTÁQUIO GONÇALVESMAGELA,
MÁRCIA DE FÁTIMA BASTOS BRANDÃO COSTA, ANTONIO CARLOS
DANTAS,MARCUSABREU DE MAGALHÃES e SAULO DOS SANTOS PEREIRA.
Duas vertentes nortearam os trabalhos. Uma, aferir a veracidade das
informações jornalísticas sobre a deficiência na prestação de serviços de saúde pública
por parte do Distrito Federal. A outra, investigar se a destinação das verbas para a saúde
se enquadrava nos limites mínimos determinados pelo artigo 77 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, artigo inserido pela Emenda Constitucional 29/2000.
Relativamente à prestação dos serviços de saúde por parte do GDF, o
relatório lançado no Processo 1126/02 (fls. 143/157), datado de 11 de dezembro de
2002 apontou situação caótica, como se vê:
―DA PRESENTE AUDITORIA
a) Das Unidades Auditadas
23. Para cumprimento da Decisão desta Casa, de n° 3556/2002 (fls. 44), quanto ao
escopo definido no parágrafo 18, após as apresentações de praxe, dirigiu-se às
seguintes unidades da Secretaria de Saúde:
1) Diretoria de Apoio Logístico e Material- DALM;
2) Gerência Abastecimento Farmacêutico -GeAF (Farmácia Central);
26
Hospital de Base do Distrito Federal. Unidade de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca. Memo 147/02, de 4
de julho de 2002.
27
Parecer n° 1820/02-CF. Ministério Público junto ao TCDF, 17 de dezembro de 2002.
28
Idem nota anterior.
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21
3) Farmácia Hospitalar do Hospital de Base; ':
4) Gerência de Assistência Farmacêutica -GASF (Alto Custo); 5) Núcleo de
Insumos para Atenção Básica -NIAB; e
6) Laboratório Central de Saúde Pública do DF- LACEN;
b) Dos Achados de Auditoria
1) Com relação à Diretoria de Apoio Logístico e Material- DALM
24. Compete à DALM proceder à consolidação da aquisições de medicamentos, de
materiais cirúrgicos e de laboratório da rede hospitalar do Distrito Federal.
25. Verificou-se que essa Diretoria, a partir do segundo quadrimestre do corrente
ano, não tomou providências para as compras solicitadas pela Gerência de
Abastecimento Farmacêutico -GeAF, mediante Pedido Interno de Aquisição de
Material -PIAM, o que provocou o desabastecimento daquela Gerência e, por
conseqüência, dos Hospitais e Centros de Saúde do Distrito Federal.
.......................................................................................................................................
2) Com relação à Gerência Abastecimento Farmacêutico -GeAF (Farmácia Central)
27. É de responsabilidade da GeAF coordenar e planejar as atividades do
abastecimento farmacêutico, relativas aos hospitais, ao Laboratório Central de Saúde
Pública do DF -LACEN e ao Núcleo de Insumos para Atenção Básica - NIAB. Os
Centros de Saúde são supridos pelo Núcleo de Insumos para Atenção Básica -NIAB.
.......................................................................................................................................
33. O estoque, a partir do último quadrimestre de 2001, começou a ser reduzido
abaixo do mínimo estabelecido como de segurança. O momento crítico ocorreu no
segundo quadrimestre deste exercício, quando a maioria dos medicamentos
simplesmente se esgotou (fls. 47/114**). Hoje, a situação ainda perdura, embora
com gravidade atenuada. (grifo nosso)
34. Cabe ressaltar que o desabastecimento da GeAF decorre da ausência de
procedimentos licitatórios e da escassez de recursos orçamentários e financeiros,
consoante dados adiante ofertados e comentários externados na Inspeção n°
2.0023.02, Processo no 1033/02, cujas providências inerentes ao TCOF estão sendo
ultimadas naqueles autos. (grifo nosso)
3) Com relação à Farmácia Hospitalar do Hospital de Base
35. Constatou-se que a falta de medicamentos é decorrente do não atendimento das
previsões mensais pela GeAF. Foi observado que o controle de produtos limita-se ao
recebimento decorrente da emissão de NTM e da Solicitação de materiais pelas
diversas Clinicas Médicas e pelo Pronto Socorro do HBDF, mediante Requisição à
Farmácia (fls. 115/117-). De ressaltar que, após a entrada dos medicamentos e
materiais cirúrgicos nos postos do Pronto Socorro e nas "farmacinhas" das Clínicas,
não existem controles efetivos sobre a utilização dos produtos. (Ver fotografias, fls.
409/414-).
.......................................................................................................................................
Franklin Rodrigues da Costa
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22
41 Acostou-se a estatística onde a Seção de Farmácia demonstra que a quantidade
dos produtos disponíveis está abaixo do que seria razoável (fls 158/203***).
42. Em seguida, por ser pertinente, inserimos excertos do Relatório de Inspeção n°
2.0023.02, Processo n° 1033/02.
"b) Do Suprimento de Medicamentos e de Materiais Cirúrgicos
19. As denúncias veiculadas na imprensa, como também a documentação interna da
Cardiologia no Hospital de Base, noticiam a falta de remédios e de materiais
indispensáveis para a realização de cirurgias cardíacas desde o final do ano passado
(fls. 23/53).
20. Segundo dados coletados na Farmácia do Hospital de Base, a medicação
solicitada para suprir, tanto a Unidade Cardiologia, quanto as demais Unidades, a
partir de outubro de 2001, foi se rareando. O gráfico a seguir mostra o percentual de
medicamentos cujos pedidos da Diretoria da Farmácia do HBDF não foram
atendidos, exercícios de 2001 e 2002.
% MEDICAMENTOS SEM
SUPRIMENTO PARA A FARMÁCIA DO
HBDF
2001
N
ov
/D
ez
et
S
Ju
l
ai
M
ar
2002
M
Ja
n
40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Fonte: "Avaliação do Abastecimento dos Medicamentos fornecidos à Farmácia
Hospitalar/HBDF" - Meses: janeiro/2001 a Agosto/2002 - Coordenação
Médica-Assistencial/Gerência de Farmácia.
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23
% Materiais Cirúrgicos sem Estoque na Farmácia Central X Solicitado pela
Farmácia do HBDF
60.00%
50.00%
40.00%
30.00%
20.00%
10.00%
0.00%
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov/Dez
2002
2001
Fonte: "Avaliação do Abastecimento dos Correlatos dispensados à Farmácia
Hospitalar/HBDF" - Meses: janeiro/2001 a Agosto/2002 - Coordenação
Médica-Assistencial/Gerência de Farmácia.
21. Note-se que o quantitativo de medicamentos sem suprimento aumentou a partir
de meados de 2001, atingindo índice superior a 35% em maio do corrente exercício.
O que significa dizer que mais de 35% dos medicamentos padronizados, solicitados
pela Farmácia do HBDF para manutenção do estoque mínimo, não foram
fornecidos.
22. Igual desabastecimento verificou-se em relação a materiais cirúrgicos, em falta
nas prateleiras da Farmácia do HBDF, a partir de agosto de 2001, com percentual
acima de 20%.
23. Mesmo estando a situação caótica desde outubro de 2001, conforme pode ser
observado graficamente, os números apontam a ausência de providências para
adequar o orçamento da Secretaria à real necessidade. Vale lembrar que a receita
corrente líquida prevista do GDF para 2002, mantida a proporcionalidade em relação
ao período de janeiro a agosto, será superior à de 2001 em 14,16% (RCL/2000 - R$
3.203.700.446,00; RCL/2001 - R$ 3.414.129.668,00; RCL - 01 a 08/2002 29
2.598.394,50) .
24. Ressalte-se, em 21 de março de 2002, por meio da Lei nº 2.930, de autoria do
Poder Executivo, foram remanejados do orçamento do Fundo de Saúde do Distrito
Federal R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) para construção da Terceira
Ponte do Lago Sul (fls. 10 e 58/59).
25. Já naquela época estavam paralisadas as cirurgias cardíacas pediátricas e
faltavam medicamentos e materiais cirúrgicos no Hospital de Base, em percentuais
superiores aos do ano anterior. Os recursos remanejados para a Ponte, embora não
destinados à compra de medicamentos e de equipamentos para os Hospitais do DF,
encontravam-se destinados à área da Saúde Pública para aplicação em saneamento
básico.
26. Além da suspensão de cirurgias, os médicos que labutam na Cardiologia
informaram a esta Equipe as dificuldades que têm enfrentado para a manutenção do
atendimento, devido às péssimas condições dos instrumentos cirúrgicos e dos
próprios equipamentos à disposição daquela Unidade. Mencionaram que o HBDF
não adquire instrumentais cirúrgicos há mais de treze anos; que o aparelho de
hemodinâmica, além de extremamente antigo, tem que ser dividido com várias
outras unidades do HBDF, como a neurocirurgia; e que os demais equipamentos
29
Intranet do TCDF – Lei de Responsabilidade Fiscal.
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24
sobrevivem sem manutenção preventiva. Um aparelho de hemodinâmica, segundo
os médicos especialistas daquele Hospital, custaria em torno de mil e duzentos
dólares e propiciaria um aumento bem maior da capacidade de realização de
intervenções cirúrgicas na Cardiologia.
27. Naquela Unidade, os pacientes internados esperam longos períodos pela cirurgia,
o que também enfraquece o sistema imunológico deles, por ficarem expostos ao
"stress" ante a visualização de condições e de prazo para o restabelecimento. Além
disso, são obrigados a comprar os medicamentos que necessitam no pré e pósoperatório e que deveriam, obrigatoriamente, ser fornecidos pelo Estado."
.......................................................................................................................................
50. Os fatos narrados vêm atestar o conhecido desabastecimento de produtos da rede
hospitalar do DF.
4) Com relação à Gerência de Assistência Farmacêutica -GASF (Alto Custo) "
.......................................................................................................................................
54 Cabe ressaltar que a falta de medicamentos de alto custo decorre de problemas de
gerenciamento de estoque de tais medicamentos, pois os recursos gastos com
aaquisição fazem parte do Sistema Único de Saúde – SUS, e, ao final de cada mês, é
feito o faturamento dos produtos entregues à população para ressarcimento pelo
Ministério da Saúde.
.......................................................................................................................................
5) Com relação ao Núcleo de Insumos para Atenção Básica - NIAB
.......................................................................................................................................
62. Importante destacar que a inserção de dados no Sistema Informatizado de
Controle de Estoque não é efetuada tempestivamente. Na maioria dos casos, o
lançamento de entrada ocorre a partir de 2 dias do recebimento do material. (...) Tal
fato gera disparidade entre os quantitativos apontados pelo sistema e os estoques
reais existentes na GeAF e nas respectivas Unidades abastecidas. (...)
.......................................................................................................................................
6) Com relação ao Laboratório Central de Saúde Pública do DF – LACEN
64. Quando da verificação in loco restou comprovada a falta generalizada de
reagentes necessários aos exames procedidos por aquele Laboratório, conforme
fichas de controle de estoque acostadas às folhas 308/325***. De ressaltar a
ausência dos conjuntos necessários aos exames para diagnóstico da presença do
vírus HIV , códigos 4405-8 e 4406-8, de hepatite e outros inerentes a doenças
infecto-contagiiosas, sobre as quais se faz necessário rigoroso controle sanitário.
.......................................................................................................................................
66. Os demonstrativos estatísticos efetuados pelo LACEN evidenciam a diminuição
de vários testes em função da falta de reagentes, conforme verifica-se nos
expedientes de folhas 326/338***, em conseqüência da falta de controle e
tempestividade para encomenda da compra dos kits. Alerte-se, ainda, para a
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25
estocagem de sangue que aguarda exame de HIV fora das condições e prazos
especificados pelos fabricantes dos reagentes.
7) Adiantamentos de Materiais mediante ―Vales‖
68. Constatou-se o fornecimento, por diversas empresas, de medicamentos e
materiais médico-hospitalares, bem como de prestação de serviços, por meio de
adiantamentos denominados ―Vales‖,‖Recibos‖, ―Adiantamentos‖, conforme já
noticiado nos autos do Processo nº 1033/02. O fato decorreu de desabastecimento da
GEAF e, por conseguinte, dos hospitais e /Centros de Saúde do DF.
.......................................................................................................................................
75.Outra irregularidade, já apontada no Relatório da Inspeção realizada no Processo
nº 1033/02, foi em relação à prática de anulação de empenho para depois proceder
ao ―reempenho‖ à conta do orçamento do exercício seguinte.
76. Essa prática encontra respaldo no Decreto nº 23.343, de 6.11.2002, que
estabelece, no âmbito do Poder Executivo, normas especiais para a execução
orçamentária e financeira referente ao 6º bimestre do corrente exercício. Traz, como
motivação, ―a necessidade de se adequar a realização das despesas aos valores das
receitas efetivadas, dando-se pleno cumprimento à Lei Complementar nº 101, de 04
de maio de 2002, e ao Programa de Ajuste Fiscal celebrado com a União‖.
Entende-se que deva ser cientificado da irregularidade o Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios, bem assim o Ministério Público Federal, para as
providências de sua alçada (Sugestão, VI).
8 - Contratos Vencidos
80. No decorrer dos trabalhos, colheu-se relação de contratos vencidos cujos
serviços continuam sendo prestados. A constatação caracteriza realização de despesa
sem cobertura contratual, em flagrante dissonância com as normas afins, mormente
as Leis 4.320/64 e 8.666193 (fls. 394/408). (...)
9 - Consignação
81. Constatou-se o fornecimento de medicamentos e serviços em consignação,
conforme relação de folhas 382/393. Visando regularizar a situação foram autuados
processos a exemplo do de no 060.007264/2002. Tem-se que tais processos
apresentam as mesmas falhas relativas ao adiantamento de materiais, motivo pelo
qual as sugestões ali propostas devem estender-se a este item.
CONCLUSÃO
82. A fiscalização levada a efeito constatou que as denúncias de desabastecimento
de medicamentos e materiais cirúrgicos e laboratoriais na rede hospitalar do Distrito
Federal é verídica, exceção feita aos medicamentos do SUS fornecido ao Núcleo de
Insumos para Atenção Básica – NIAB, pelo Ministério da Saúde (...).30
O Ministério da Saúde, por meio do Departamento Nacional de
Auditoria do SUS também investigou a situação da saúde pública no DF. Os auditores
ANA MARIA COCOZZA, FÁTIMA GUIMARÃES JORGE SUGANO e MÁRCIA
MACIEL MORAES DE AQUINO apresentaram relatórios referente à prestação de
30
Parecer n° 1820/02-CF. Ministério Público junto ao TCDF, 17 de dezembro de 2002.
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26
serviços aos portadores de doenças renais crônicas, após visita às unidades de diálise
cadastradas no SUS:
―Hospitais Reqionais de Sobradinho e de Taquatinqa:
- Estrutura Física: inadequada. Não há aréa de recepção, consultório médico, sala de
recuperação de pacientes, local adequado para a higienização das fístulas, etc. (...)
- Equipamento: sucateado. Estão instaladas e em funcionamento apenas máquinas
para hemodiálise tipo tanque, o que contraria ás disposições da PT/GM 82/2000 e
PT Cj SE/SAS 55/2002 (...)
- Em relação aos insumos nas Unidades de Sobradinho, Taguatinga e Hospital de
Base do Distrito Federal, verificamos que ocorre falta crônica de medicamentos,
material de consumo (luvas, Hipoclorito de Sódio utilizado na desinfecção das
máquinas, etc). (...)
- Recursos Humanos: não há médico designado formalmente como responsável
técnico pela Unidade, o mesmo ocorre em relação á enfermeira responsável. Em
Sobradinho os enfermeiros que atuam na Unidade não possuem título de
especialização em nefrologia. Portanto não são atendidos os requisitos
especificados: na PTIGM 82/2000 -item 6.1.b. Observações:
(...)
3. As APACs - Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade, referentes a
estes Serviços estão sem processamento desde o último trimestres de 2002. Segundo
informações obtidas in loco, este processamento era realizado por uma Empresa
contratada pela SES, com o término do Contrato e não havendo funcionários
treinados para esta atividade, o processamento deixou de ser realizado.
Hospital de Base do Distrito Federal:
-Estrutura Física: inadequada. A unidade está localizada no 11° andar e os
elevadores estão em péssimas condições de funcionamento, dificultando o acesso
dos pacientes. Não há local para a limpeza e higienização das fístulas, não há
consultório médico, etc.
Mobiliário sucateado.
(...)
- Recursos Humanos: inadequado. Não há médico designado formalmente como
responsável técnico pela Unidade, o mesmo ocorre em relação á enfermeira
responsável, os enfermeiros que atuam na Unidade não possuem título de
especialização em nefrologia. Portanto não são atendidos os requisitos especificados
na PT IGM 82/2000 -item 6.1. b. São Paulo, 17 de fevereiro de 2003‖.31
Outro relatório foi elaborado pela equipe de auditoria do SUS, sobre a
situação do abastecimento farmacêutico. As conclusões foram as seguintes:
31
Ministério da Saúde. Departamento Nacional de Auditoria / SUS. Divisão de Auditoria de São Paulo.
Nota Técnica. Ana Maria Cocozza, Fátima Guimarães Jorge Sugano e Márcia Maciel Moraes de Aquino.
São Paulo, 17 de fevereiro de 2003.
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27
―Nos dias 7 e 8/2/2003 estivemos na Farmácia Central – Gerência de Abastecimento
Farmacêutico com a finalidade de avaliar a operacionalização dos processos de
aquisição de medicamentos e insumos hospitalares, desde a emissão do pedido
interno de aquisição de material, PIAN, o recebimento dos produtos e posterior
distribuição às unidades.
Verificamos que de 528 itens de medicamentos padronizados/cadastrados, 315
(59,665) estavam zerados, conforme tabela 1.
(...)
No setor de Material Cirúrgico, de 221 itens cadastrados estavam em falta 105
(47,51%).
No Setor de Material Odontológico, dos 840 itens cadastrados no dia da visita 113
estavam em falta (13,45%).
No setor de Material de Enfermagem, ,de 268 itens cadastrados estão em falta 152
produtos (56,70%)”
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – também
inspecionou os serviços de diálise prestados pela Secretaria de Saúde do DF, nos dias 29
de maio de 2002, 12 de junho de 2002 e 5 de fevereiro de 2003. O resultado, após a
inspeção, foi a lavratura, nessa última data do auto de infração sanitária nº
001/03/GGTES/ANVISA, por meio do qual o serviço de diálise do Hospital Regional
de Taguatinga foi interditado. A Resolução RE Anvisa nº 35, contendo a determinação
da interdição cautelar foi publicada no Diário Oficial da União em 19 de fevereiro de
2003.
Na Nota Técnica32 assinada pelo Diretor da ANVISA – CLÁUDIO
MAIEROVITCH PESSANHA HENRIQUES, com data de 25 de fevereiro de 2003,
esse afirma textualmente:
―É importante destacar que, desde a sua criação, a Anvisa nunca lançou mão de seu
poder de polícia, uma vez que os Estados sempre assumiram seu papel de gestor
estadual do SUS‖.
(...)
Os riscos aos quais os paciente e funcionários se expunham diariamente encontramse detalhados na Tabela I desta nota técnica e compreendem desde condições
menores, potencializadas pela sua ocorrência simultânea, até situações de exposições
sistemáticas à contaminação química e biológica, quer por inadequações técnicas,
quer pelas condições insalubres do ambiente e pela ausência de equipamentos de
proteção individual e coletiva, bem documentadas nas inspeções realizadas em 2002
e 2003.‖33
32
Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica – Situação Sanitária da
Unidade Diálise do Hospital Regional de Taguatinga/DF, de 25 de fev. de 2003. Cláudio Maierovitc
Pessanha Henriques, Diretor da ANVISA.
33
Idem nota anterior.
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28
Outra inspeção foi procedida pelo Ministério da Saúde, por meio do
Departamento Nacional de Auditoria do SUS, conduzida pelos médicos Almir de Sousa
Meneses, Cláudio Flamarion Ribeiro dos Santos e Cláudio Leite Gemelli.
A auditoria afirma que o número de óbitos ocorridos no período de
janeiro a dezembro de 2002 foi elevado e que esse fato deveu-se à inexistência de um
sistema adequado de atendimento aos pacientes graves que buscam atendimento. Os
auditores tomaram alguns como exemplo da causas que contribuíam para a morte desses
pacientes, descrevendo as ocorrências durante a internação (relatório fls. 16/18):
―4. Pacientes que foram a óbito por deficiência de equipamento/falta de
medicamentos e com indicação de Unidade de Terapia Intensiva -UTI.
Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 02104286/252130167-3
Paciente A. P. S. Data Nasc.: 13/07/1949.
Procedimento: 81500106 (Acidente Vascular Cerebral Agudo).
Paciente internado em coma, no dia 02/06/02, com diagnóstico de AVCH e Diabetes
Mellitus. Instituída ventilação mecânica por insuficiência respiratória aguda. O
médico plantonista chamdo para atender parada cardiorrespiratória cerebral
constatou que o respirador não estava funcionando. O respirador foi trocado, mas o
paciente foi a óbito no dia 03/06/02.
Exemplo 02: Prontuário/AIH n.º 02124739/252120465-5. Paciente i. i. O. D ta
Nasc.: 18/05/1920. Procedimento: 74500244 (Septicemia).
Paciente admitido com diagnóstico de Otite Média Aguda e Meningite, confirmada
por exame de líquor e Tomografia Computadorizada de crânio. Há relato de falta de
antibiótico de 1ª. Escolha (cefalosporina de 3ª. Geração – ceftriaxona). Evoluiu para
óbito no dia 03/07/02.
Exemplo 03: Prontuário/A1H nº 02167856/252131621-5.
Paciente F. A. C. Data Nasc.: 06/01/1910.
Procedimento: 82500053 (Diabetes Sacarino).
Paciente admitida em 05/09/02, com diagnóstico de Diabetes Mellitus, seqiiela
de A V C e Sepse. Em ventilação mecânica, submetida a duas endoscopias
digestivas por hemorragia digestiva alta.Realizada traqueostomia e posteriormente,
drenagem torácica por pneumotórax- associada a ventilação mecânica. Há relato de
falta de Ceftriaxona e outros antibióticos.
5. Pacientes que foram a óbito por falta de condutas médicas indicadas e com
indicação de Unidade de Terapia Intensiva -UTI.
Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 02136904/252145519-0.
Paciente M. N. R. C. Data Nasc.: 10/11/1961.
Procedimento: 77500113 (Insuficiência Cardíaca Congestiva).
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29
Paciente admitida no dia 19/07/02, encaminhada do Serviço de Hemodiálise para
investigação de dispnéia. Creatinina 8,2mg/dl. Evolução desfavorável, indo ao Óbito
no dia 23/07/02. Apesar da recomendação do Serviço de onde veio encaminhada, a
paciente não foi internada no Serviço de Nefrologia, nem submetida a tratamento
dialítico.
Exemplo 02: Prontuário/AIH nº 02143077/252145559-6.
Paciente V. L S. S.. Data Nasc.: 20/10/1975.
Procedimento: 80500170 (Insuficiência Renal Crônica).
Paciente admitida no dia 29/07/02 com diagnóstico de Insuficiência Renal Crônica,
em programa de Hemodiálise, sem tratamento dialítico há duas semanas. Cifras
pressóricas elevadas (220 x 160). Recebeu furosemide e captopril. Resultados de
exames solicitados não estão no prontuário. Óbito em 30/07/02 por Edema Agudo
de Pulmão. Não foi solicitada avaliação pela Nefrologia, nem efetuado nenhum
procedimento dialítico.
6. Pacientes que foram a óbito, com indicação de Unidade de Terapia Intensiva UTI, com exames complementares solicitados e não realizados.
Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 02131187/252131507-1.
Paciente: A. J. S. Data Nasc.: 21/06/1950.
Procedimento: 77500113 (Insuficiência Cardíaca Congestiva).
Paciente admitido com diagnóstico de Insuficiência Cardíaca Congestiva e
Intoxicação Digitálica no dia 11/07. Evolui com delírios, alucinações,
movimentação deficitária em membro superior direito e desvio da comissura labial
para a esquerda. Solicitada Tomografia Computadorizada de Crânio em três
ocasiões, porém não realizada. Apresentou crise convulsiva. Ausência de prescrição
médica em 23/07. Não há relato sobre o óbito.
5.4.2 -Prontuários/ AIHs de Enfermaria
Dos 11 pacientes internados em Enfermarias por patologias diversas e que
apresentaram deterioração do quadro clínico inicial, tendo indicação formal de
transferência para Unidade de Terapia Intensiva, 06 (54,44%) foram a óbito, sem
acesso a esse recurso. (Anexo X).
Exemplo 01: Prontuário/AIH nº 009390550/25200524-1
Paciente: J. F. M. Data Nasc.: 30/04/1955.
Procedimento: 39004139 (Amputação da Coxa).
Diz a auditoria do SUS que, de 71 (setenta e um) paciente sque foram
a óbito, em 73,23% havia indicação formal de tratamento em Unidade
de Terapia Intensiva – UTI, os quais não tiveram acesso a esse
recurso.
Concluiu pela urgente necessidade, por parte da direção do Hospital e
do Gestor Estadual, da adoção de meios para que os pacientes
internados com indicação de hospitalização em Unidade de /Terapia
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30
Intensiva, tenham garantia de acesso a esses recursos e tratamento
médico adequado e condizente com a gravidade do quadro cínico.
2.2 Das Condições Físicas do Hospital de Base
Por requisição do Ministério Público Federal e do Ministério Público
do Distrito Federal, vinte técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
ANVISA - e do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS –
coordenados pela médica MARIA ÂNGELA DE AVELAR NOGUEIRA,
procederamm, entre 18 de fevereiro e 19 de março de 2003, inspeção no Hospital de
Base do Distrito Federal, com o objetivo de avaliar suas condições de funcionamento.
Em relatório de 44 páginas, narram a situação deplorável que se
encontra o edifício, os equipamentos e os serviços do HBDF. Concluem que aquele
Hospital ―não atende às legislações sanitárias vigentes, apresentando irregularidades
graves que colocam em risco a qualidade do atendimento aos pacientes e também aos
doadores e receptores de sangue‖.
Apontam, ao final, uma lista de 65 medidas urgentes a serem adotadas
para correção das deficiências.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF, por meio da
Procuradora CLÁUDIA FERNANDA OLIVEIRA PEREIRA, sintetizou o relatório da
seguinte forma:
―O MPjTCDF recebeu o relatório da ANVISA em anexo, o qual complementa o
Relatório do Hospital de Base do Distrito Federal, objeto da Representação n°
14103-CF (Processo n° 1818/02).
Tal qual aquele, o presente Relatório é estarrecedor. Por isso, não é .demais repetir o
que escrevi na Representação n° 14/02: "Não ouso a afirmar que se o HBDF fosse
um Hospital privado, o único caminho seria fechar as suas portas".
Registre-se que no corrente mês de julho a ANVISA deu ciência ao Ministério
Público a respeito de infrações de natureza sanitária gravíssimas, envolvendo o
HBDF .
Segundo a Anvisa, primeiramente, foram detectadas irregularidade gerais graves,
quanto à infra-estrutura predial, elétrica e hidráulica em precárias condições de
funcionamento: fiações elétricas expostas, danificadas e inutilizadas; a caldeira não
funciona na maioria das enfermarias; as tomadas não estão identificadas; os
banheiros têm ralos entupidos e sanitários funcionado precariamente; não há
banheiros para deficientes; não há lavatório exclusivo para a lavagem das mãos no
posto de enfermagem; as janelas não têm vedação; há ausência de extintores de
incêndio em várias salas; inexiste saída de emergência ou rota de fuga; os elevadores
ficam freqüentemente quebrados; não há contrato de manutenção dos equipamentos;
as geladeiras das unidades não possuem termômetros; o mobiliário está em precárias
condições de conservação, quebrados ou rasgados; os pontos de oxigênio e de ar
comprido por enfermaria não estão localizados em lugar racional; as escadas não são
apropriadas; verificou-se presença de lixeiras sem tampa, etc.
Por outro lado, não existe escala de profissionais, e o quadro é insuficiente, inclusive
em relação a profissionais de nível médio em geral. Os funcionários da limpeza são
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despreparados e em número insuficiente. Há presença de baratas e formigas por toda
a unidade. A vigilância é ineficaz.
Os pacientes e familiares são obrigados a comprar medicamentos em falta para o
tratamento. Não há controle do prazo de validade dos medica- mentos, o mesmo
ocorrendo com o material esterilizado. A falta de reagentes no laboratório gera
coleta de material indevida.
Há falta constante de lençol e roupas. Faltam equipamentos de Proteção Individual.
Não existe Manual de Rotinas de Biossegurança, além disso as Comissões Internas
de Infecção Hospitalar (CCIH), a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(CIPA), a Comissão de Revisão de Prontuários (CRP) e a Comissão de Ética Médica
(CEM) são inoperantes.
A Anvisa também se concentrou na questão dos gases medicinais e entendeu que a
manutenção da usina, que responde por aproximadamente 20% do consumo do
hospital, deixa a desejar. Para se ter uma idéia, a área possui água empoçada, óleo
derramado ao chão, as portas não possuem cadeado ou tranca e algumas tampas
estão quebradas, deixando exposta a tubulação.
Em idêntica situação encontram-se as centrais de ar condicionado. A água das torres
não é tratada; a casa de máquinas é muito suja; os equipa- mentos, muito antigos.
Outro grave problema se refere às centrais elétricas do hospital, cujos equipamentos
estão sem contrato de manutenção. O sistema de emergência encontra-se fora das
normas de insegurança. O 'no-break', além de não funcionar, é insuficiente para as
necessidades do hospital. Mas o que é mais grave, "Equipamentos e ambientes que
deveriam ser abastecidos com energia com tempo de restabelecimento de no
máximo 0,5 segundos e outros em no máximo 15 segundos, estão sendo alimentados
emergencialmente por geradores que ultra- passam em muito esse tempo, colocando
em risco principalmente pacientes da UTI e os que estão sendo submetidos a
cirurgias. 11
O prédio do PS, Centro Cirúrgico e UTI também estão em semelhante situação.
Além da total obstrução dos equipamentos por outros inutilizados, não há
equipamentos contra incêndios; o 'no-break' é inoperante e totalmente impróprio,
"colocando em risco o equipamento e as pessoas do laboratório"
Do mesmo modo está o prédio principal, que contém internação, ambulatório e
SADT. "OS quadros são muito antigos e estão sem os espelhos de proteção,
podendo ocasionar acidentes graves. ..Os circuitos estão com identificações
erradas... O quadro de força das bombas está em desacordo com as normas...As
tubulações da galeria encontram-se danificadas... geradores... muito
velhos...Devido ao não funcionamento do sistema de água quente no prédio da
internação, pois a tubulação era de ferro fundido e estourou já há algum tempo,
vários chuveiros elétricos estão ligados neste prévio, sem qualquer proteção,
comprometendo o sistema elétrico e colocando em risco os pacientes."
Enquanto isso, a caldeira, por ser muito antiga, tem a sua resolutividade
comprometida. As tubulações estão completamente deterioradas. A própria casa das
caldeiras é um horror, já que serve a depósito de lixo e entulhos. Tubulações,
registros e "boiler" .apresentam inúmeros vazamentos. As galerias que levam a
essas, tubulações estão também em precárias condições e a colocação de treliças
metálicas para reforço da estrutura do prédio prejudicou ainda mais as atuais
condições de manutenção das instalações.
o estoque de materiais no setor de manutenção está desfalcado. Falta tudo: tinta,
lâmpada, etc. Por outro lado, a equipe de manutenção vem sendo reduzida ano a ano.
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Se esses profissionais fossem quantitativamente comparados aos de uma década
atrás, chegaríamos a uma redução de 90% do efetivo. Hoje, para todo o complexo,
só há um bombeiro e um eletricista de plantão. Não existe engenheiro residente no
prédio. A manutenção é precária, sem organização nas ações de operação e controle.
Prova disso são os diversos pontos de infiltração e vazamento de água nos
corredores e salas do Hospital, inclusive em pontos críticos, como a porta de entrada
da UTI.
Os prédios não possuem escape para incêndio e boa parte dos hidrantes não
funciona.
O sistema de pára-raios está quebrado, colocando em risco os equipamentos e os
usuários. Até mesmo o cabo de descida do sistema de proteção contra descargas
atmosféricas encontra-se partido, não oferecendo proteção ao Hospital para um
eventual raio nas proximidades.
Nesse contexto, quando se deveria esperar que o Hospital detivesse condições
máximas de higiene, vê-se que também mais nesse item deixa a desejar, inclusive no
que toca ao item gerenciamento de resíduos, já que o acondicionamento é incorreto.
Por exemplo, na área de acesso ao abrigo onde é feito o transbordo para os
caminhões, foram encontradas agulhas espalhadas pelo chão.
A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, para se ter uma idéia do que se está
falando, tem a sua coordenação vaga, por falta de nomeação. A conclusão diante
disso não pode ser mesmo outra, isto é "que as ações básicas de prevenção de
infecções não são seguidas pelos profissionais de saúde em geral ou são executadas
de forma incorreta aumentando o risco de transmissão cruzada de patógenos".
Segundo os competentes auditores da Anvisa, "no dia da inspeção, presenciamos
um familiar levar os lençóis do paciente grave, altamente infectado, do isolamento
até o hamper, no expurgo".
O ambulatório, além de possuir infiltrações por toda a parte, padece da inexistência
de kits e materiais e equipamentos básicos, o que gera a desmarcação de exames, de
cirurgias, dentre outros. Há falta também de material de expediente, lençóis, etc.
A UTI em Cardiologia/Cirurgia Cardíaca sofre dos mesmíssimos males: infiltrações;
parte elétrica danificada; falta de material; ausência de otoscópio; equipamentos
insuficientes como o eletrocardiógrafo; "fowler" quebrados; não há hamper;
ausência de fio terra, etc.
A Unidade de Internação em Clínica Médica é totalmente desorganizada; o mesmo
se dando com a Unidade de Internação em Clínica Cirúrgica.
Esse quadro é ainda mais estarrecedor quando se observa como estão sendo tratadas
as crianças no HBDF: no Berçário (faltam fraldas também); na Cirurgia pediátrica
(foi encontrada medicação sem prazo de validade e seringas montadas; a
desorganização e a carência de medicamentos e equipamentos é chocante); na
Unidade de Internação Pediátrica (não tem desfibrilador em caso de emergência;
aspiradores estão quebrados; não há macas; quando chove as enfermarias ficam
alagadas; não há separação por sexos; a drenagem da Diálise Peritonial
Automatizada é feita diretamente nos ralos localizados nos banheiros; os pacientes
dializados não têm a pressão arterial aferida); e no lactário (as ma- madeiras não são
autoclavadas, o que pode favorecer o crescimento de microorganismos e não há
controle de qualidade; é utilizado o mesmo liqüidificador para preparo de fórmulas
lácteas e outros produtos; a desinfecção é feita com produto diluído no próprio
lactário e armazenado, sem controle de qualidade, em galões de plástico
reaproveitados, oriundos da hemodiálise).
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A Unidade de Internação Médica apresenta também falhas gravíssimas, como
ausência de pontos de oxigênio; inexistência de pias; equipamentos básicos faltantes
ou inexistentes, como foto, monitores cardíacos, otoscópio, desfibriladores, etc. O
armazenamento das amostras de sangue é incorreto.
A Unidade de Internação em Ortopedia, serviço de trauma e patologia do aparelho
locomotor também é lastimável. Além da falta generalizada de medicamentos e
equipamentos, uns até banais, como termômetros, chama a atenção a sujeira e o
descaso: equipamentos para tração quebrados, sucatas, botas de gesso sujas
enroladas etc. Há relato de um caso que por falta de correto atendimento, o paciente
sofreu seqüelas, e ainda assim não tem data marcada para realizar a cirurgia.
A Unidade de Urologia não difere do quadro citado. Faltam materiais necessários,
como coletores de urina, sacos plásticos, etc.
O Pronto Socorro do HBDF é igualmente desorganizado; precárias condições de
higiene e limpeza; falta tudo; não há manutenção preventiva e os recursos humanos
são insuficientes. Na data da inspeção, foi verificado que uma paciente, pós-operada
de cirurgia neurológica e que se encontrava confusa, estava comendo um pedaço de
pão que havia coletada da lixeira.
A Sala de gesso no Pronto Socorro é totalmente inadequada, suja e precária. "O odor
exalado é péssimo", dizem os auditores da ANVISA; não é feita a assepsia do local
da punção; os curativos são feitos exclusivamente com álcool, inclusive em uma
criança; os funcionários estão sujeitos a riscos de contaminação, além da sobrecarga
desumana. Alguns funcionários compram ou trazem as luvas de outros serviços,
sendo que a mesma luva é usada em vários pacientes para a realização de vários
procedimentos.
A pediatria do Pronto Socorro não tem divisórias e os pacientes crianças ficam
expostos, além de presenciarem procedimentos graves realizados em adultos; não há
sanitário infantil; não há grades e por isso não há segurança nas camas em forma de
berços; pacientes pediátricos aguardam cirurgia em jejum e são avisados de última
hora que a cirurgia foi desmarcada. Há relato de uma menina de quatro anos
aguardando há mais de 18 horas em jejum e sem previsão de horário. Foi solicitado
pela equipe da Anvisa pelo menos a prescrição de hidratação venosa. A cirurgia só
foi realizada no outro dia à tarde, portanto, após 24 horas.
No Pronto Socorro também há um setor de Psiquiatra que se encontra em péssimas
condições. Não há, por exemplo, colchões nas macas da unidade; não há
enfermeiros, psicólogos ou assistente social.
Por outro lado, no 2° andar, existe a Unidade de Centro Cirúrgico subtilizada, só 11
das 16 salas estão em funcionamento, o que demonstra falta de racionalidade: salas
estão sendo, por exemplo, utilizadas para guarda de materiais.
Materiais. Falta tudo também. O ato cirúrgico incoerentemente é presenciado por
excesso de profissionais, e, para completar, as salas mantém-se abertas para o
corredor externo da unidade, aumentando o risco de contaminação.
A Clínica de neurocirugia não tem local específico para isolamento, e os que mais
sofrem são os pacientes pediátricos; não tem sequer banheiro infantil. Até
medicamentos vencidos existem no local, inclusive antibióticos diluídos há mais de
24 horas; a equipe detectou que havia uma pinça caída no chão; os materiais não têm
data de esterilização.
A Unidade de transplante também possui uma estrutura física deplorável,
inexistindo salas para procedimentos, curativos e isolamentos.
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A UTI também convive com a desorganização já que salas de isolamento estão
sendo utilizadas para guarda de materiais, por exemplo; falta equipamento e
medicamentos. A água utilizada para a diálise dos pacientes interna- dos na UTI é da
torneira comum e sem tratamento específico! Há outras máquinas de diálise
quebradas e uma que não funciona porque está aguardando treinamento para os
funcionários. A carência de profissionais é tamanha que há ocasiões em que fica
apenas um auxiliar de enfermagem para até cinco leitos de UTI e um enfermeiro
para a unidade toda!
A sala de preparo da Nutrição Enteral é pequena e inadequada e procedimentos
básicos de qualidade não são observados. O mesmo ocorre com o Serviço de
Nutrição Parenteral, sendo comum verificar a existência de funcionários não
paramentados. Durante a inspeção foi detectado profissional técnico manipulando a
nutrição parenteral sem luvas, por exemplo.
A área de preparo de quimioterápicos é crítica. Além de furos no teto e ausência de
controles, inclusive de validade dos produtos, o farmacêutico responsável não está
presente durante todos os dias de preparo dos quimioterápicos e a capela de fluxo
laminar tem contrato de manutenção com prazo de validade expirado. A sala de
administração de quimioterápicos, hematologia e tumores sólidos segue a mesma
sorte.
O Bloco do aparelho locomotor, anexo do Banco de Brasília, se- quer tem forro, e as
telhas estão em precaríssimas condições. Os armários da Unidade, que guardam
medicação, estão molhados e com fungos. Há baldes por toda a parte para armazenar
a água das goteiras. Este o motivo pelo qual a sala de gesso está totalmente molhada,
inclusive a de eletroneuromiografia. Quando chove, não há condições de ligar
aparelhos e nem de realizar exames: Os lençóis também ficam úmidos nos dias de
chuva.
A unidade de internação psiquiátrica, prédio de apoio, tem até escorpiões na área
externa da clínica, e a altura do pára-raios é inferior à permitida.
A seguir, a Anvisa passou a se concentrar nos Serviços de Apoio. A Unidade de
Alimentação e Nutrição, que é desenvolvida pela Sanoli, deixa a desejar, já que não
existe treinamento específico ou separação de lixo. Foi observado descarte de
resíduos de alimentos e lixo contaminado no mesmo saco branco leitoso.
A Farmácia também está em área inapropriada, e os locais onde são estocadas
soluções parenterais são improvisados; em semelhante situação encontram-se
materiais que estão sujeitos a controle especial mas que se encontram armazenados
em locais inadequados sem qualquer segurança. Além de buracos nos tetos de
algumas salas, na sala de manipulação, há vazamento de ESGOTO proveniente do
andar de cima (Pronto Socorro).
A Lavanderia conta com pequena quantidade de roupa, insuficiente mesmo para
atender a demanda, mas o quantitativo real é desconhecido. HÁ ESGOTO a céu
aberto, sem grelha de proteção. Não existe manutenção preventiva e corretiva dos
equipamentos. Funcionários trabalhando sem qualquer controle de qualidade,
insatisfeitos e estressados, o que aumenta o risco de acidente e contaminação. Há
caixas com inúmeros instrumentais que são recolhidos entre as roupas sujas.
A Central de Material Estéril (C.M.E) tem piso quebrado, infiltração, vazamento de
água suja próximo à banca de preparo de instrumentos, ar condicionado sem
manutenção, salas improvisadas, etc. A limpeza e desinfecção é feita sem obediência
às normas devidas. O material é todo lavado manualmente a única solução
disponível é o desincrostante, pois não há detergente enzimático.
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O Laboratório Principal e Laboratório de Emergência padecem de falta de condições
mínimas de infra-estrutura, como inexistência de papel toalha, sabão, pia, exaustor,
etc. Além de faltar também medicamentos, não há equipa- mentos ou os que existem
não possuem manutenção preventiva. Há acondicionamento incorreto até mesmo de
meio de culturas estéreis, empilhados sem proteção, sem identificação e sem a data
de preparo e de validade. Há materiais com prazo de validade vencidos. Detectou-se
até mesmo a presença 'de escorpiões no laboratório! A situação também é grave no
Laboratório de Hormônios e de Histo-compatibilidade.
O serviço de Diálise Hospitalar chama também atenção pelo quadro de
desumanidade a que estão submetidos os pacientes, que são avaliados na
Poltrona durante a diálise. Quando da conferência do carrinho de EMERGÊNCIA
foram encontrados vários medicamentos com data de validade vencida. Não são
realizados exames complementares e periódicos por falta de reagentes. Há mistura
de capilares de pacientes e armazenamento desses fora da caixa. Não há controle da
qualidade da água como deveria.
No serviço de Radiologia os equipamentos estão fora de uso ou sucateados, havendo
outros funcionando precariamente. Há laudos realizados em local inapropriado, além
de exames também. A mesma roupa é usada por vários pacientes. Do mesmo modo
está a radiologia do Pronto Socorro. Por causa das goteiras, equipamentos são
constantemente avariados. Devido à grande demanda dos procedimentos, os técnicos
da Anvisa presenciaram trocas de exames! No centro cirúrgico, a radiologia não
difere em nada do que aqui já se viu. A equipe sequer utiliza vestimenta de proteção
individual. Na UTJ (radiologia) só há um único avental de chumbo, danificado e
bastante sujo.
O Serviço de Medicina Nuclear possui equipamento impróprio e a impressora está
quebrada. Não há testes realizados com a periodicidade preconizada. A sala está
subdimencionada e serve inadequadamente à guarda de equipamentos. Há risco de
troca de produto acarretando erro na administração. Foram vistas seringas já
utilizadas e que deveriam ser descartadas em recipiente próprio, mas não foram. O
tempo de espera para a realização dos exames é prolongado.
O serviço de Radioterapia tem equipamentos quebrados há um ano e outros que
nada têm a ver com o setor. A bomba de cobalto foi adquirida em 1995 e não atende
com precisão a todos os casos. Como a fonte é antiga, o rendimento é baixo, o que
prolonga o tempo de permanência dos pacientes para a terapia. Há um ano, o último
relatório de inspeção do CNEN apontou a necessidade do físico renovar sua
certificação, o que não foi feito. Há notícia de acidente que irradiou várias pessoas.
Foram relatados casos de perfuração de endométrio durante a realização de
procedimentos indevidos. Há procedimentos dolorosos feitos sem anestesia.
O Núcleo de Hemoterapia também sofre com a depreciação do hospital. Ralos
abertos, banheiros em péssimas condições. Inexistem materiais de consumo e para
desinfecção de vidrarias dos laboratório. Os equipamentos estão em más condições.
Não existem Procedimentos Operacionais Padrão. No setor de terapia transfusional,
não são observados sinais vitais antes da transfusão e não há profissional habilitado
à beira do leito. Em conclusão, os técnicos da Anvisa afirmam que as irregularidades
graves aqui referidas colocam em risco a qualidade do atendimento aos pacientes e
também aos doadores e receptores de sangue.
CAPÍTULO 3
ORÇAMENTO PÚBLICO EM SAÚDE
3.1 O orçamento do Distrito Federal no ano de 2002
3.1.1 Do não cumprimento das normas constitucionais referente à destinação de
recursos para a saúde
A desastrosa prestação de serviços de saúde por parte do Distrito
Federal, no ano de 2002 teve como causas principais a redução do orçamento para as
ações de saúde de 2001 para 2002 – contrariando a EC 29/2000 – e a má gestão dos
recursos representada, principalmente, em duas vertentes: retirada de dinheiro do Fundo
de Saúde do Distrito Federal para aplicação em finalidades diversa como, por exemplo,
na construção da terceira ponte do Lago Sul e superfaturamento nas compras de
medicamentos.
3.1.2 Da redução do orçamento em saúde
A Lei Orçamentária do Distrito Federal para o no de 2002, Lei
Distrital 2.897, de 8 de janeiro de 2002, previu provisão para o Fundo de Saúde no
importe de R$ 1.213.874.969,00 (um bilhão, duzentos e treze milhões, oitocentos e
setenta e quatro mil, novecentos e sessenta e nove reais). Aqui estão incluídos os
repasses federais e a contrapartida a que está obrigado o GDF por força do artigo 198, §
2º, incisos II e III da Constituição Federal e artigo 77, incisos II e III e § 1º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. Os dados foram retirados do ―Quadro
Detalhamento Despesa do Fundo de Saúde do Distrito Federal (Unidade Orçamentária
23901).
A redução do orçamento do Distrito Federal destinado às ações e
serviços de saúde foi identificada a partir do estudo da Lei Orçamentária do DF do ano
de 2002 e de auditorias realizadas tendo por parâmetro a execução do orçamento.
Grupo-Tarefa composto por especialistas do Ministério da Saúde –
SIOPS (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde) e Fundo
Nacional de Saúde, DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria de SUS) e
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal procederam à análise
do orçamento do GDF no ano de 2002 para verificar o cumprimento da Emenda
Constitucional nº 29/2000. A conclusão mostra que no exercício de 2002 o Distrito
Federal aplicou em saúde valor menor do que aquele a que seus administradores e
legisladores estão obrigados por imperativo constitucional.
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37
De um dos relatórios elaborados, já no ano de 2003, extrai-se:
―Com relação ao exercício de 2002, não estão disponíveis o Balanço e o Quadro
Demonstrativo da Despesa. No entanto, de acordo com o demonstrativo publicado
pelo GDF em www.sefp.df.gov.br, o percentual de recursos próprios aplicados
em saúde seria de 9,86%, o que levaria à conclusão de que, em 2002, o DF não
cumpriu os ditames da EC 29/00, na ordem de R$ 38,7 milhões. Os cálculos
encontram-se acostados a este Relatório (quadro anexo). Levantamentos iniciais
indicam, ainda, que, entre os recursos incluídos no cálculo, constam despesas com
saneamento na ordem de R$ 38,0 milhões, o que elevaria o déficit entre o mínimo
exigido pela EC 29/00 – de 10,64% das receitas estaduais, e de 11,84% das receitas
municipais – para R$ 76,6 milhões, resultando em um percentual de recursos
próprios aplicados em saúde de 8,67%.‖
Outro relatório, este elaborado pelos auditores fiscais de controle
externo do Tribunal de Contas do DF, Marta Cristina Magalhães de Souza e Márcia de
Fátima B. B. Costa, datado de 9 de outubro de 2002, já apontava a irregularidade
constatada pelo Grupo-Tarefa, de redução dos recursos para a saúde do ano de 2001
para 2002.
―26. (...) observou-se que o montante alocado à Saúde, à conta de receita própria do
Distrito Federal, durante todo o exercício de 2002, já com os remanejamentos
efetuados até 31/8/2002, mostrou-se menor que o efetivamente empenhado em
2001, que, por sua vez, apresentou crescimento ínfimo em relação ao de 2000. Só
apresentaram crescimento as transferências oriundas da União/Ministério da Saúde.
É o que observa-se no primeiro gráfico a seguir:
(...)
28. Assim, é notório que o Orçamento aprovado para este exercício não suportaria o
volume de despesas necessárias ao regular funcionamento dos hospitais e postos de
saúde da rede pública do DF, inclusive da Unidade de Cardiologia do HBDF.
(...)
38. Mesmo estando a situação caótica desde outubro de 2001, conforme pode ser
observado graficamente, os números apontam a ausência de providências para
adequar o orçamento da Secretaria à real necessidade. Vale lembrar que a receita
corrente líquida prevista do GDF para 2002, mantida a proporcionalidade em relação
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ao período de janeiro a agosto, será superior: à de 2001 em 14,16% (RCU2000- R$
3.203.700.446,00; RCU2001 -R$ 3.414.129.66.8,00; RCL - 01 a 08/20022.598.394,50)1.
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, por sua vez, apontam valor ainda maior a que o GDF estaria
obrigado a destinar para as ações e serviços de saúde. Segundo esses órgãos, a previsão
na Lei Orçamentária do DF para aplicação no Fundo de Saúde, deveria ser de R$
311.000.000,0 (trezentos e onze milhões de reais), que seria o valor da contrapartida
dessa unidade federativa para o Fundo. No entanto o GDF teria destacado apenas R$
173.068.000,00 (cento e setenta e três milhões e sessenta e oito mil reais) para ser gasto
em saúde. O cálculo do MP está elaborado no quadro abaixo:
Receitas de Impostos do DF (Estados)
ICMS (75%)
IPVA (50%)
ITCD
Simples
IRRF
FPE
IPI Exportação (75%)
LC n° 87/76 (75%)
Rec. Multas e Juros Mora ICMS
Rec. Multas e Juros Mora IPVA
Rec. Dívida Ativa ICMS
(a) Total Estadual
Valor
Receitas de Impostos do DF (Municípios)
ICMS (25%)
IPVA (50%)
IPTU
ISS
ITBI
FPM
IPI Exportação (25%)
ITR
LC n° 87/76 (25%)
Rec. Multas e Juros Mora IPTU
Rec. Multas e Juros Mora ISS
Rec. Multas e Juros Mora ITBI
Rec. Dívida Ativa IPTU
Rec. Dívida Ativa ISS
(b) Total Municipal
Valor
Previstos na LOA para aplicação em Saúde*
Mínimo exigido pela EC 29/00 Aplicado (9% “a”+10,2%”b”)**
Déficit em Relação à EC 29/00
1.494.375
70.000
8.900
24.400
303.840
107.536
29
23.390
3.413
4.967
5.885
1.046.735
498.125
70.000
220.000
347.800
47.400
43.014
10
43
7.797
3.984
1.769
505
9.514
2.383
1.252.343
173.068
311.945
138.877
Fonte: LOA/2002 + Base Dados Milênio.
* Valor referente ao total das aplicações diretas na Função Saúde, excetuando as fontes 130, 132, 132,
UO 01901, ações consideradas não relativas aos serviços públicos de saúde (abaixo relacionados) e
observado o disposto no § 3° do art. 77 do ADCT. Para efeito dos cálculos não foi considerado o § 2° da
Terceira Diretriz da Resolução 316, de 04 de abril de 2002, do Conselho Nacional de Saúde.
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** Calculado com base na Resolução n° 316, de 04 de abril de 2002, do Conselho Nacional de Saúde.
De qualquer maneira há unanimidade dos setores de fiscalização –
Ministérios Públicos Federal, do Distrito Federal e junto ao Tribunal de Contas do DF –
quanto a duas conclusões. A primeira a de que efetivamente houve redução, por parte do
Distrito Federal, de recursos próprios para as ações e serviços de saúde. A segunda, o
GDF não cumpriu a exigência da Emenda Constitucional 29/2000 de aplicar o valor
efetivo a que estava obrigado por força dos dispositivos da Constituição Federal.
3.1.3 Do desvio dos recursos da saúde para outros fins
O Grupo-Tarefa instituído pelo Ministério da Saúde, no relatório de 9
de outubro de 2002, apontou a retirada de recursos do Fundo de Saúde para a construção
da terceira ponte do Lago Sul, como se vê dos itens 39 e seguintes:
―39. Ressalte-se, em 21 de março de 2002, por meio da Lei nº 2.930, de autoria do
Poder Executivo, foram remanejados do orçamento do' Fundo de Saúde do Distrito
Federal R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) para construção da Terceira
Ponte do Lago Sul (fIs. 10 e 58/59).
40. Já naquela época estavam paralisadas as cirurgias cardíacas pediátricas e
faltavam medicamentos e materiais cirúrgicos no Hospital de Base, em percentuais
superiores aos do ano anterior. Os recursos remanejados para a Ponte, embora não
destinados à compra de medicamentos e de equipamentos para os Hospitais do DF,
encontravam-se destinados à área da Saúde Pública para aplicação em saneamento
básico‖.
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios promoveram, conjuntamente, perante a 6ª Vara Federal de Brasília,
a ação cautelar nº 2002.34.00.024861-1, preparatória de ação civil pública combinada
com ação de improbidade.
O texto assinado pelos Procuradores da República HUMBERTO
JAQUES DE MEDEIROS e LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA e o
Promotor de Justiça JAIRO BISOL, aponta, com base no Quadro Detalhamento
Despesa do Fundo de Saúde do Distrito Federal (Unidade Orçamentária 23901), o
seguinte:
―A receita do Distrito Federal, própria, sobre a qual incidem os percentuais da
Emenda Constitucional n° 29 é de R$ 3.299.078.000,00 (três bilhões, duzentos e
noventa e nove milhões e setenta e oito mil reais.) (documento 21).
1.5.3 Do desvirtuamento das despesas em Saúde no Distrito Federal
Todavia, de dentro do Fundo de Saúde do Distrito Federal saem recursos para:
1. Produção de lotes urbanizados (documento 20, pág. 4)
A cargo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação
2. Construção de Habitações (documento 20, pág, 4)
R$ 1.300.000,00
A cargo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação
R$ 2.167.031,00
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3. Programa de Saneamento Básico (documento 20, pág. 5)
A cargo da Secretaria de Estado de lnfraestrutura e Obras
R$ 136.400.000,00
4. Implantação de Urbanização em novas ocupações habitacionais (documento 20,
pág. 5)
A cargo da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras
R$
2.688.000,00
5. Cestas básicas da solidariedade (documento 20, pág. II)
A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade
R$ 34.800.000,00
6. Leite da solidariedade (documento 20, pág. 11 )
A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade
R$ 22.400.000,00
7. Pão da solidariedade (documento 20, pág 11)
A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade
R$ 9.900.000,00
8. Distribuição de pão e lei para entidades (documento 20, pág. 11)
A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade
R$ 620.000,00
9. Restaurante da Solidariedade ( documcnto 20, pág. 11)
A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade
R$ 3.000.000,00
10. Construção de Restaurante da solidariedade (documento 20, pág. 11)
A cargo da Secretaria de Estado da Solidariedade
R$ 1.000.000,00
11. Ampliação e melhoramento dos sistemas de água potável e de esgotos do
Distrito Federal (documento 20, pág 11 )
A cargo da Secretaria de Desenvolvimento urbano e Habitação
R$ 3.413.000.00
12. Pagamento de Inativos e pensionistas da Secretaria de Estado da Saúde
(documento 20, pág 1)
R$ 159.104.719,00―
Os argumentos do Ministério Público e os documentos juntados à ação
convenceram o MM. Juiz, o qual concedeu medida liminar, em 26 de agosto de 2002,
determinando ao Distrito Federal a que procedesse remanejamento orçamentário em
favor do Fundo de Saúde do DF, do importe de R$ 117.875.031,00 (cento e dezessete
milhões, oitocentos e setenta e cinco mil, e trinta e um reais).
A decisão não havia sido cumprida até o mês de outubro de 2003,
porque o DF apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Distribuída
ao Desembargador Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, esse suspendeu a determinação do
Juiz da 6ª Vara.
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41
3.1.4 Da compra de medicamentos superfaturados
No corpo da Ação Cautelar nº 2002.34.00.024861-1, ajuizada em 12
de agosto de 2002, os Membros do Ministério Público apontam a seguinte constatação:
―Avançando suas investigações, o Ministério Público do Distrito Federal constatou
que desde agosto do ano de 2001 as compras de medicamentos e insumos – para os
quais o Governo do Distrito Federal dispõe de recursos de cerca de R$ 6.000.000,00
(seis milhões de reais) por mês advindos do SUS – deixaram de ser realizados
mediante licitação.‖
A afirmação do MP é feita com base no Relatório do Departamento de
Fiscalização realizada conjuntamente pelo próprio MP, Conselho Regional de Medicina
do DF e Conselho Regional de Farmácia, no mês de junho de 2002, na Farmácia Central
de Brasília. Registra a comissão de fiscalização que:
―(...) se dirigiu à Comissão Permanente de Licitação (CPL), onde foi recebida pelo
Sr. Alberto Herzenhut, seu Presidente e por membros componentes daquela
comissão, onde foi informado à comissão fiscalizadora que houve um declínio
sensível no número de processos licitados a partir de agosto do ano anterior (2001),
sem que havia uma média diária de no mínimo setor processos abertos, e que agora
esta média estava restrita a três por semana‖.
Prossegue o Ministério Público no texto da ação:
―Requisitando cópia de todas as notas de empenho de compra de medicamentos do
ano de 2002, o Ministério Público confirmou que, ao mesmos em 2002, mais de
90% das compras foram feitas sem licitação, sob a rubrica de inexigibilidade ou da
dispensa de licitação.
Questionada, a Secretaria de Saúde afirmou que a inexigibilidade se dava quando o
produto era de fabricação exclusiva.
(...) o Ministério Público percebeu que a compra não era feita diretamente dos
fabricantes, mas de intermediários, o que a princípio tornaria a licitação novamente
exigível por força da prática diferenciada da margem de lucro pelos diversos
comerciantes-distribuidores.
Questionada mais uma vez, a Secretaria respondeu, em primeiro lugar, que não
comprava diretamente do fabricante porque havia atrasado os pagamentos devidos,
motivo pelo qual os mesmos se negavam a vender diretamente a ela. Já a
inexigibilidade de licitação na compra feita junto aos distribuidores se dava porque o
fabricante concedia carta de exclusividade de venda a um ou outro distribuidor,
conforme o produto.
As respostas, por si, deixam entrever indícios de um esquema de superfaturamento e
desvio de recursos do Fundo de Saúde, pois além de não comprar diretamente dos
fabricantes, a Secretaria de Saúde submete-se aos preços exorbitantes praticados por
distribuidores portadores de suspeitas cartas de exclusividade de venda (...)
O Ministério Público do Distrito Federal, compulsando as notas de empenho de
compra de medicamento requisitadas, confirmou a existência de indícios de
superfaturamento nos valores de compras em operações que envolvem grandes
quantias (documento 18).‖
Franklin Rodrigues da Costa
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42
Com base no que foi apurado conjuntamente pelo MPDF, CRM e
CRF, a gravidade da situação levou esse último da tomar a iniciativa de representar ao
Tribunal de Contas da União. No TCU, a representação deu origem ao processo TC013.874/2001-3. Após auditoria preliminar levada a efeito pela 4ª. SECEX do TCU, a
representação foi acatada, colhendo-se do relatório e do voto do Ministro Relator,
Walmir Campelo, as seguintes passagens:
―2. O denunciante afirmou que a Comissão Permanente de Licitação para Saúde da
FHDF violou os princípios constitucionais da isonomia e da seleção da proposta
mais vantajosa para a Administração. Procurando comprovar tal assertiva, elencou
cinco exemplos.
3. O primeiro referiu-se a licitação para aquisição o medicamento ciclosporina para
microemulsão ou modificada. Os laboratórios Abbot e Nature‘s apresentaram preços
menores que o licitante vitorioso Novartis. Entretanto, foram desclassificados em
virtude de parecer do Coordenador de Nefrologia da Secretaria de Estado de Saúde
do Distrito Federal – SES/DF.
4. O segundo trata de aquisição da mesma medicação. Houve dispensa de licitação
em caráter emergencial. Foram consultados os laboratórios Nature‘s e Novartis. O
menor preço foi ofertado pelo Natures‘s. Porém, em virtude de nova consulta do
Coordenador de Nefrologia da SES/DF ao laboratório Novartis, este reduziu o preço
ofertado. Esse mesmo Coordenador acrescentou em seu parecer a necessidade de
manutenção do uso da marca Sandimmun, ofertada pela Novartis.
5. Relativamente ao terceiro exemplo, o denunciante (..) cita um outro caso de
preterição da Natures‘s em favor da Novartis, embora a segunda tenha proposta 95%
acima da melhor oferta.
6. O quarto exemplo consiste de aquisições da medicação Eritrospoetina Humana.
Enquanto esse medicamento é fornecido pelo laboratório Biosintética Ltda. Ao custo
unitário de R$ 19,95, a SES/DF o adquiriu por R$ 24,82 IEritropoetina Humana
Recombinante 4.000 UI/ml ou 4.000 UI/2ml) e R$ 85,29 (Eritropoetina Humana
Seringa pronta para uso de 4.000?UI).
7. Por fim, o quinto exemplo refere-se a documenos anexados as fls. 38/74,
procurando demonstrar outras iregularidades, também na auisição de medicamentos.
8. Adiciona o denunciante que, em algums aquisições, são exigidas características
que implicam em direcionamento para o produto de um fornecedor, que, apliás,
possui o maior preço entre os similares do mercado. Cita os seguintes
medicamentos: Paclitaxel, Filgrastina, Etitropoetina Humana, Cloreto de Sódio,
Glicose e Enoxaparina.‖
(...)
10. A 4ª. SECEX, ,em instrução às fls. 158/165, enunciou as seguintes observações:
‗- algumas fichas de uso da SES/DF, denominadas de ‗Controle de Aquisição de
Material por Produto‘ (43/58) demonstram que para um mesmo medicamento foram
adotados procedimentos licitatórios diferentes, desde a inexigibilidade até uma
concorrência;
- às fls. 43/44, verifica-se que para a aquisição da ciclosporina de 100mg, a SES/DF
adotou a inexigibilidade em vários processos, ,mas contratou com quatro firmas
diferentes, apesar de, na maioria dos casos, a NOVARTIS ter sido a fornecedora
escolhida, ficando demonstrado que havia outros laboratórios em condições de
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43
fornecer o medicamento, inclusive um genérico, nos termos da Lei 9.787/98,
produzido pela NATURE‘S;
- quando havia licitação, as firmas participantes eram desclassificadas e a
NOVARTIS contratada;
- conforme informações de fls. 84/89, a adoção de determinadas terminologias para
os procedimentos de aquisição de medicamentos, por parte da SES/DF, direcionam a
aquisição pois eliminam os produtos similares, com mesmo princípio ativo e mesmo
efeito terapêutico, recaindo a compra sobre um fornecedor exclusivo.‘
O Ministro Relator acatou proposição do analista Rodolfo Costa
Souza, no sentido de conhecer da representação, e determinou a inclusão no Plano de
Auditorias do 2º semestre de 2002, de uma auditoria na Secretaria Estadual de Saúde, na
área de licitações para aquisição de medicamentos, envolvendo os exercícios de 2000 e
2001.
As irregularidades na aquisição de medicamentos e superfaturamento
das compras foi apontado também em relatório de 11 de dezembro de 2002 elaborado
pelos auditores fiscais do Tribunal de Contas do DF Amador Eustáquio Gonçalves
Magela, Márcia de Fátima B. B. Costa, Antônio Carlos Dantas de Oliveira, Marcus
Abreu de Magalhães e Saulo dos Santos Pereira. Cabe apontar as conclusões na parte
que interessa:
―2) Com relação à Gerência Abastecimento Farmacêutico - GeAF (Farmácia
Central)
27. (...)
28. Exceção feita aos produtos do Núcleo de Material Odontológico e Laboratorial,
observaram-se controles paralelos quanto aos Núcleos de Medicamentos, de
Material de Enfermagem e de Material Cirúrgico, em virtude de adiantamento de
mercadorias por determinados fornecedores, mediante "Vales". Tais controles são
efetuados em fichas diferenciadas das aquisições sistemáticas, no aguardo de futura
regularização ("licitação", dispensa, empenho), oportunidade em que as anotações
são transferidas para fichas regulares de controle de estoque (fls. 40/41***). Essa
irregularidade já havia sido observada quando da Inspeção nº 2.0023.02, Processo nº
1033/02.
29. (...)
30. O estoque, a partir do último quadrimestre de 2001, começou a ser reduzido
abaixo do mínimo estabelecido como de segurança. O momento crítico ocorreu no
segundo quadrimestre deste exercício, quando a maioria dos medicamentos
simplesmente se esgotou (fls. 47/114***). Hoje, a situação ainda perdura, embora
com gravidade atenuada.
31. Cabe ressaltar que o desabastecimento da GeAF decorre da ausência de
procedimentos licitatórios e da escassez de recursos orçamentários e financeiros
(...).‖
3.2 Da Utilização de Recursos da Saúde para a Campanha Eleitoral
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44
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio da sua
auditoria realizou análise dos repasses efetuados pela Secretaria de Saúde do DF ao
Instituto Candango de Solidariedade, tendo por base o Programa Sistema de Gestão
Governamental – SIGGO, no período de julho a outubro de 2002, época da campanha
eleitoral.
O ICS é uma Organização Social com o qual o GDF firmou Contrato
de Gestão nº 063/99 PJ-FHDF, em 08 de abril de 1999, tendo por objeto ―implantar,
implementar, manter e desenvolver as ações do Programa de Saúde da Família no DF‖.
Há notícia que os 11 mil empregados do ICS, pagos com o dinheiro do
Fundo de Saúde estiveram a serviço da campanha eleitoral da coligação PMDB/PFL.
Tem-se ainda que aluguel de automóveis para a campanha, montagem do sistema de
informática nos comitês (só no Comitê Central do MPDB havia 60 computadores) e
pessoal de suporte foi contratado por meio das empresas ADLER e LINKNET. Esses
gastos seriam pagos não pela coligação, mas com dinheiro do Fundo de Saúde e
recursos próprios do GDF, repassados a essas empresas pela Secretaria de Saúde e
CODEPLAN – empresa pública do GDF. O ICS servia como intermediário e os
administradores do GDF utilizavam-se dos contratos de gestão, dentre esses o de nº
063/99, para legitimar os repasses às contas do Instituto o qual, muitas vezes, era sacado
na boca do caixa pelos donos das empresas.
Esses fatos sustentam Recurso Contra a Expedição do Diploma nº
612, perante o Tribunal Superior Eleitoral, do governador e vice-governadora eleitos,
Joaquim Domingos Roriz e Maria de Lourdes Abadia.
A perícia realizada pela auditora do MPDF SHIRLENE M.
RODOPOULOS registra o seguinte:
―IV) análise dos Depósitos do Fundo de Saúde nas Contas do ICS ........(fl. 5)
De posse dos extratos bancários da Conta Corrente 004492-5 Agência 0015 - Banco
070 referente ao período julho- agosto - setembro e outubro/2002 e conta corrente
000858-5 - agência 0023, referentes mês de outubro/2002, foi possível identificar as
seguintes impropriedades:
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N°
Número
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
2002OB05709
2002OB06111
2002OB06112
2002OB07270
2002OB07271
2002OB07566
2002OB07820
2002OB07821
2002OB07822
2002OB07839
2002OB08185
2002OB08402
2002OB08403
2002OB09484
2002OB09548
Data
10/07/2002
18/07/2002
18/07/2002
14/08/2002
14/08/2002
22/08/2002
30/08/2002
30/08/2002
30/08/2002
02/09/2002
10/09/2002
17/09/2002
17/09/2002
11/10/2002
11/10/2002
Banco/Agência/CC
Depósito
070-00015-004492-5
070-00015-004492-5
070-00015-004492-5
070-00015-004492-5
070-00015-004492-5
070-00015-004492-5
070-00023-000775-9
070-00023-000775-9
070-00023-000775-9
070-00023-000775-9
070-00015-004492-5
070-00059-6003412
070-00059-6003412
070-00059-6003412
070-0015-004492-5
Total analisado no período
45
Valor
1.900.000,00
865.225,75
52.128,04
1.106.371,34
40.780,78
50.000,00
42.799,87
90.000,00
637.200,13
194.347,04
2.253.798,35
1.200,00
1.500,00
300,00
2.454.673,28
10.090.324,58
item 1 acima: no dia 10/07 foi efetuada a transferência no valor de R$ 1.900.000,00
para o ICS, na mesma data forma transferidos recursos também de outras fontes do
GDF, nos seguintes valores individuais: R$ 3.300.000,00 - R$ 5.226.442,56 - R$
1.586.668,03 - totalizando R$ 12.013.110,59. Na mesma data foi efetuada uma
transferência para a agência 023 do BRB no montante de R% 11.855.194,30. Onde
impera-se a necessidade de se identificar junto ao BRB a agência beneficiária da
trasnferência, bem como os saques posteriores.
Itens 2 e 3 acima: no dia 18/07 foram efetuadas as transferências nos valores de R$
865.225,75 e R$ 52.128,04 - para o ICS, na mesma data foram transferidos recursos
também de outras fontes do GDF, nos seguintes valores individuais: R$ 414.731,41
- R$ 1.774.423,74 - totalizando R$ 3.106.508,94. Na mesma data foram efetuadas
duas transferências, sendo a primeira para a agência 023 do BRB no montante de R$
1.627.771,91 e a segunda para a agência 0100 no valor de R$ 2.400.000,00.
Quando confrontado o valor da segunda transferência para a agência 0100, com os
extratos da empresa LINKNET - agência 100 Conta Corrente 100004626-2, foi
possível identificar que houve de fato transferência no valor exato de R$
2.400.000,00, na mesma data, e também que a soma das transferências tiveram
origem nos cofres públicos do GDF. Impera-se a necessidade de se identificar junto
ao BRB a agência beneficiária da transferência para a agência 023, bem como os
saques posteriores e a que se refere o valor transferido para a LINKNET e de quais
outros órgãos do GDF houve transferências para o ICS:
Itens 4 e 5 acima: no dia 14/08 foram efetuadas as transferências nos valores de R$
1.106.371,34 e R$ 440.780,78 - para o ICS, na mesma data foram transferidos
recursos também de outras fontes do GDF, nos seguintes valores individuais: R$
448.096,13 - R$ 440.780,78 - R$ 4.564.655,62 e R$ 69.318,41 - totalizando R$
7.070.003,06. Na mesma data foi efetuada uma transferência para a agência 023 do
BRB no montante de R$ 5.350.953,76, e outra para a agência 0100 no valor de R$
1.427.321,47, onde confrontando-se com os extratos da c/c 4626-2 agência 0100 na
LINKNET foi possível verificar uma transferência no mesmo valor de R$
1.427.321,47. As somas das transferências tiveram origem nos cofres públicos do
GDF, sempre tendo como componentes recursos do Fundo de Saúde do DF. Imperase a necessidade de se identificar junto ao BRB a agência beneficiária da
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46
transferência para a agência 023, bem como os saques posteriores e a que se refere o
valor transferido para a LINKNET e quais os outros órgãos do GDF que repassaram
recursos na mesma data;
Item 06 acima: no dia 22/08 foi efetuada a transferência do Fundo de Saúde do DF,
no valor de R$ 50.000,00 para o ICS, sendo que na mesma data foram efetuados 30
depósitos originários do GDF, conforme datalhado abaixo, totalizando R$
1.196.544,69. No dia seguinte, 23/08/2002, foi efetuada a transferência do montante
de R$ 1.426.342,29 para a agência 0100 - Conta 100004626-2 da empresa
LINKNET INFORMÁTICA LTDA. Comprova-se então que montante dos recursos
do GDF, inclusive do Fundo de Saúde do GDF, repassados em 22/08/2002, foram
todos transferidos para a conta LINKNET, ficando a C/C do ICS nesta data
com saldo zerado;
Data
22/08/2002
22/08/2002
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22/08/2002
22/08/2002
Origem
Fundo de Saúde
100
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Histórico
Rédito Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
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Créd. Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
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Créd. Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
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Créd. Forn. GDF
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Créd. Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
Créd. Forn. GDF
Total
Valor
50.000,00
69.051,93
15.326,86
9.976,21
15.785,71
19.229,18
15.710,55
27.300,71
33.600,31
25.200,37
57.836,43
37.191,83
41.349,96
45.700,49
40.497,43
36.321,20
34.916,27
27.006,33
41.409,94
89.597,52
84.200,74
44.557,47
20.001,96
10.461,33
60.689,17
4.264,00
94,00
2.912,00
1.844,20
11.381,06
2.124,12
3.269,06
199.407,28
18.329,07
1.196.544,69
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Itens 7, 8, 9 e 10 acima: no dia 30/08/2002 e 02/09/2002, foram repassados na
conta do Fundo de Saúde do GDF para o ICS as quantias individuais de R$
42.799,87, R$ 90.000,00, R$ 637.200,13 e R$ 194.347,04 - totalizando R$
964.347,04. Os valores foram repassados para a conta do ICS n.º 000775-9 - da
Agência 023, cujos extratos ainda não obtivemos o acesso, sendo necessário solicitálos junto a Presidência do Banco de Brasília - BRB;
item 11 acima: no dia 10/09/2002, foi efetuada a transferência do Fundo de Saúde
do DF, no valor de R$ 2.253.789,35 para o ICS na Conta Corrente 4492-5 Ag. 015,
sendo que na mesma data foram efetuados 03 outros depósitos originários do GDF
nos seguintes valores: R$ 5.469,73 - R4 490.792,42 - R$ 4.033.775,14, totalizando
R$ 6.783.835,64. Na mesma data, foi efetuada a transferência do montante de R$
6.654.217,84 para a agência 023 do BRB, cuja conta recebedora dos recursos não foi
possível identificar.:
itens 12, 13 e 14 acima: - nos dias 17/09/02 e 11/10/02, foram efetuados depósitos
na c/c 6003412 - Ag. 059 do ICS nos valores individuais de R$ 1.200,00, R$
1.500,00 e R$ 300,00, referentes à devolução dos salários recebidos indevidamente
pela ex-empregada do ICS Alcineide Cunha, conforme já especificados adima;
item 15 acima: no dia 11/10/2002, foram repassados ao ICS na C/C 4492-5,
recursos do Fundo de Saúde do DF, no valor de R$ 2.454.673,28, e também de outra
fonte do GDF no valor R$ 2.454.673,28, e também de outra fonte do GDF no valor
de R$ 4.038.991,56, totalizando R$ 6.493.664,84. Na mesma data foi repassado o
montante de R$ 6.453.229,78 para a agência 023 - Conta 0858-5 do ICS. Nesta
mesma conta, em 14/10/2002, consta débito referente a pagamento de pessoal no
montante de R$ 6.946.552,53. Estranhamente verificados que mesmo com o saldo
zerado, na data de 22/10/2002, foi sacada a importância de R$ 3.500.000,00 (três
milhões e quinhentos mil reais) com o cheque de n.º 006524 - Ag. 0015 (Goiânia) C/C 4492-5, no caixa de outra agência existente em Brasília. Para cobrir o saldo
negativo da c/c 4492-5, foram devolvidos da c/c 00858-5, Ag. 023 a importância
exata de R$ 3.508.017,63, normalizando-se então os saldos da conta 4492-5, Ag.
015 de Goiânia
V) CONCLUSÃO
Senhores Promotores de Justiça, como resultado de nossos trabalhos e diante das
considerações acima mencionadas, detalhadas no item IV acima e subitens "i" a
"Viii", concluímos que dos repasses de recursos do Fundo de Saúde do GDF, no
período de junho a setembro, em muitos, restou confirmado que ao chegar nas
Contas do Instituto Candango de Solidariedade, os valores do Fundo de Saúde
somado aos recursos de outras fontes do GDF, compuseram valores que foram
repassados para a empresa LINKNET INFORMÁTICA LTDA - agência: 0100 C/C 100004626-2.
Pelo que verificamos, os valores são repassados para uma conta específica e
imediatamente são transferidos para outras contas do ICS e dessas contas constam
saques milionários, de quantias vultosas, sem explicação aparente, tornando-se
necessário uma análise mais profunda de todo período de 2002 e 2003, referentes
aos repasses de recursos públicos feitos pelo GDF para o Instituto Candango de
Solidariedade - ICS, considerando-se que não são raras as denúncias contidas em
Jornais de Circulação local envolvendo recursos públicos usados pelo ICS e
repassados para empresas privadas, como ADLER e LINKNET. O mais estranho
são os de valores altíssimos efetivados no Caixa das agências bancárias
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3.3 Da Omissão e Conivência da Câmara Distrital
É papel do Poder Legislativo, a fiscalização dos atos do executivo. No
caso da Câmara Legislativa do Distrito Federal essa obrigação está no artigo 60 da Lei
Orgânica do DF, verbis:
―Art. 60. Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal:
XV - julgar anualmente as contas prestadas pelo Governador e apreciar os relatórios
sobre a execução dos planos do governo;
XVI - fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração
indireta.‘
No entanto, em lugar de cumprir sua obrigação constitucional, ou
orgânica, a Câmara Distrital, por sua maioria, vem atuando de forma omissiva,
conivente com o executivo, alheia centrada em atos de agrado ao chefe do executivo,
sem se preocupar com o fato de aqueles que os elegeram e seus ente queridos estejam
morrendo à míngua no chão de corredores dos hospitais por falta de atendimento digno.
Primeiro não observou, na elaboração da Lei Orçamentária para 2002,
a determinação da Emenda Constitucional 29/2000, destinando recursos para a saúde
em valor menor que aquele constitucionalemente determinado, inclusive inferior ao que
foi destinado para essas ações e servios no ano de 2001.
Depois quando, em maio de 2002, por sua maioria, aprovou projeto de
lei de iniciativa do governador que retirou mais R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões)
do Fundo de Saúde do Distrito Federal e transferido-os para pagamento das obras de
engenharia, a construção da Terceira Ponte do Lago Sul.
Além disso jamais fiscalizou os contratos de gestão entre o GDF, seus
Órgãos e o Instituto Candango de Solidariedade e os contratos desse último com as
empresas ADLER ENGENHARIA e LINK NET INFORMÁTICA, e os gastos com os
programas de saúde, dentre eles o PSF – Programa de Saúde da Família.
Também não há notícias de fiscalização nos hospitais, na prestação de
serviços de saúde, no atendimento à população, na manutenção e restauração dos
equipamentos hospitalares sucateados, nas condições físicas das instalações dos
hospitais do Distrito Federal e dos gastos com saúde, notadamente na aquisição de
equipamentos e remédios e na apuração das mortes por absoluta meios para o
atendimento.
3.4 Da Omissão e Conivência do Conselho Distrital de Saúde
As atribuições do Conselho de Saúde do Distrito Federal estão
enunciadas na Lei 469, de 25 de junho de 1993, no artigo 3°, dentre essas, definir e
controla a execução das diretrizes gerais e da política de saúde do DF, opinar sobre
projetos de leis a serem encaminhados à Câmara Legislativa do Distrito Federal e
relativos ao setor saúde, fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e
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serviços de saúde, fiscalizar a adequação do fluxo de desembolso dos recursos
repassados à Secretaria de Saúde, às políticas e planos de saúde aprovados, estimular a
participação comunitária no controle da administração do Sistema de Saúde e propor
critérios para a programação e para as execuções financeira e orçamentária dos Fundos
de Saúde, acompanhando a movimentação e destinação dos recursos.
A sua composição, no total de 11 conselheiros, está disciplinada pela
Lei Distrital 2.413, de 29 de unho de 1999. Desses, pelo menos cinco são de escolha
direta do chefe do executivo: dois representantes da secretaria de saúde, dois
representantes dos conselhos comunitários, associações de moradores ou entidades
equivalentes e o secretario de saúde na qualidade de membro nato e presidente, com
direito a voto de quantidade e qualidade.
Os demais integrantes são um representante do Hospital Universitário
de Brasília ou do Hospital das Forças Armadas, dois representantes dos trabalhadores de
saúde, um representante de portadores de necessidades especiais, um representante dos
portadores de patologia e um representante de entidade de defesa do consumidor.
A lei tem disciplina a permitir que os votos de alguns dos membros do
Conselho de Saúde possam ficar expostos à orientação política do governador e do
Secretário de Saúde, que o preside.
Veja-se, por exemplo, que o presidente do Conselho, subordinado ao
chefe do executivo, já segue, por força do cargo, as orientações do seu superior.
É também de escolha pessoal do governador, quatro outros membros
advindos da Secretaria de Saúde e dos Conselhos Comunitários, Associações de
Moradores ou entidades equivalentes, ficando ao alvedrio daquele mandatário optar pela
entidade da qual possa oferecer o mais fiel aos seus propósitos. A lei sequer prevê a
eleição ou lista de indicação dentre membros da comunidade. A escolha é feita
diretamente pelo governador.
Essa nefasta composição, aliada ao despreparo dos representantes da
dos conselhos comunitários, associações ou equivalentes, escolhidos desses e dos
representantes da Secretaria de Saúde de forma turva, torna o Conselho de Saúde um
mero órgão figurativo, omisso, conivente e chancelador de ações de governo
incompatíveis com uma política pública de saúde digna.
A indicação de pessoas despreparadas no que toca ao papel a ser
exercido no conselho e ao alheamento em relação à gravidade dos problemas de saúde
no Distrito Federal está bem representado pelo depoimento de um dos integrantes cujo
mandato terminou no daí 26 de setembro de 2003. Veja-se notícia extraída do sítio de
Internet da Secretaria de Saúde do DF no dia 05 de novembro de 2003, às 0h17min:
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―Lauzia Judite de Melo,
que participou durante quatro anos do Conselho
como representante da comunidade e agora se
afasta do cargo, disse tratar-se de uma
experiência "maravilhosa" . "De agora em
diante, quando ouvir alguém falando mal da
saúde vou ter condições de informar que esse
povo trabalha, e muito". Lauzia gosta de cantar
e cantando um hino de congraçamento encerrou
seu mandato.‖34
Não estão descartados os acordos políticos para as indicações dos
representantes dos prestadores de serviço - Hospital Universitário de Brasília ou
Hospital das Forças Armadas.
Apesar do caos na saúde do DF e das atribuições que lhe são
reservadas pela Lei que o instituiu, não há notícia de que alguma representação ou
denúncia tenha partido do Conselho de Saúde do DF ou mesmo de algum dos seus
conselheiros, isoladamente, para os órgãos de fiscalização.
É grande a responsabilidade do órgão pela situação grave do péssimo
atendimento que se instalou no sistema de saúde no Distrito Federal. A notícia
veiculada no sítio da Secretaria de Saúde mostra que enquanto a população pobre morre
por falta de atendimento, os conselheiros riem.
Não se conhecem as decisões do Conselho de Saúde do DF, quando
todas as atas de reuniões e decisões deveriam estar acessíveis no sítio do CSDF,
inclusive para fins de controle social do próprio conselho.
34
http://www.saude.df.gov.br/mostraPagina.asp?codServico=216&codPagina=1788
CONCLUSÃO
Está patente que o Distrito Federal não respeitou, durante o ano de
2002, os princípios relativos ao Direito à saúde. Não considerou como de relevância
pública as ações e serviços de saúde, tal está escrito na Constituição Federal nos artigos
196 e 197.
Houve lamentável desprezo ao cidadão, mormente aos humildes,
parcela que depende dos serviços públicos de saúde.
O resultado da negligência governamental foi constatado por
sucessivas fiscalizações de diferentes órgãos – Conselho Regional de Farmácia,
Conselho Regional de Medicina, Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do
Distrito Federal, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Departamento
Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS e Agência de Vigilância Sanitária –
ANVISA.
Falta de equipamentos hospitalares, equipamentos sucateados e
impróprios para a realização de exames, equipamentos inoperantes por falta de
manutenção, falta de remédios nos hospitais e na Farmácia Central da Secretaria de
Saúde.
Mais grave foram as mortes ocorridas nos hospitais e agravamento de
quadros clínicos de pacientes com a manifestação de seqüelas cujos danos se tornaram
irreversíveis do ponto de vista da saúde física, por carência de meios para atendimento,
falta de medicamentos e outros fatores de responsabilidade de implementação por parte
do Poder Público.
Os estudos levados a efeito demonstram que essa situação caótica
vivida pela população do Distrito Federal decorreu não apenas de negligência. Não é
possível que diante de uma enxurrada de denúncias na imprensa, de reiteradas
reclamações formuladas diretamente aos gestores da saúde por meio de memorandos e
ofícios dos coordenadores setoriais dos hospitais aos secretários de saúde, a situação se
perdure – como vem acontecendo – já há três anos sob a mesma administração. Assim,
saiu-se do campo da negligência, que está no nível culposo, para o que se chama de
preterdoloso. Isto é, com suas omissões em relação à saúde, os gestores da saúde no
Distrito Federal, com plena consciência, assumiram o risco de produzir os resultados
efetivamente ocorridos decorrentes daquelas omissões – mortes e agravamento de
seqüelas de pacientes.
Ficou evidente que os principais fatores para o desastre da saúde no
DF foram, em primeiro lugar o fato de o GDF ter destinado para o Fundo de Saúde, no
orçamento de 2002, valor menor que o de 2001, bem como por aquele valor estar
também inferior ao que a Emenda Constitucional 29/2000 determina.
O outro fator que em muito contribuiu foi a retirada de recursos do
Fundo de Saúde do DF para finalidades diversas da saúde. Emblemático foi a retirada
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de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) para aplicação na construção da 3ª.
Ponte do Lago Sul por meio da Lei Distrital 2.930, de 21 de março de 2002. O Juiz da
6ª. Vara Federal identificou desvio de R$ 117.875.031,00 (cento e dezessete milhões,
oitocentos e setenta e cinco mil e trinta e um reais).
O terceiro fator que fez a saúde do DF chegar à situação de caos foi o
superfaturamento na compra de medicamentos. As apurações preliminares dos
Conselhos Regionais de Farmácia e Medicina, do Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios e do Tribunal de Contas da União apontam compras sem a obrigatória
licitação, aquisição de remédios tendo como moeda de pagamento ―vales‖ a serem
trocados no futuro quando da elaboração de eventual processo licitatório para aquela
compra ou pagamento direto, independente de licitação, no exercício seguinte.
As compras superfaturadas tiveram como resultado menos recursos
para aquisição de remédios e, assim, menor quantidade de medicamentos eram
adquiridos. As licitações, quando ocorriam, resultavam, coincidentemente, na
habilitação e adjudicação de uma mesma empresa e por preço maior que a oferta que
seria a vencedora. Outras vezes, essa mesma empresa, mesmo tendo apresentado preço
mais alto, saía-se vencedora porque lhe era dado a oportunidade de, após a comissão de
licitação conhecer o valor das propostas dos concorrentes, chamava-a para oferecer
preço menor.
Como quarta determinante pode-se apontar a omissão e conivência da
Câmara Distrital, não de todos os seus integrantes, mas da maioria. Omissão em exercer
o seu papel de fiscal que lhe foi deferido pelo legislador constituinte federal e na Lei
Orgânica própria, no que se refere à fiscalização do poder executivo em relação às ações
e serviços de saúde. Conivência em, abusando do poder de legislar, autorizar a retirada
de dinheiro que, por determinação constitucional deveria ser aplicado em saúde, para
obra não urgente de engenharia.
A quinta determinante para o caos da saúde no DF no ano de 2002 foi
também omissão e conivência do Conselho de Saúde. Deixou esse de exercer sua
obrigação legal de ―fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e serviços de saúde,
fiscalizar a adequação do fluxo de desembolso dos recursos repassados à Secretaria de Saúde‖.
Sem descartar outros fatores que tenham influenciado para o
degradante quadro da saúde, esses três aqui apontados foram os mais relevantes para
que a situação da saúde pública no Distrito Federal chegasse aos caos que nela se
encontra instalado já a três anos.
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