bairros ecológicos na alemanha
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BAIRROS ECOLÓGICOS NA ALEMANHA Márcio R. D’Avila Doutorado em Arquitetura e Urbanismo - Formado pela Universidade de Kassel, Alemanha e-mail: e-mail: [email protected] - homepage: www. mrdavila-architecture.com Resumo Proposta: Na Europa existem, atualmente, cerca de 250 bairros ecológicos. Na Alemanha encontramse 150 desses, perfazendo em torno de 15.000 habitações. As experiências existentes com os bairros e comunidades ecológicas viabilizaram-se a partir das discussões sobre o esgotamento das reservas de petróleo e a dependência desta matriz energética, desencadeadas a partir da década de 1970. O objetivo do presente trabalho é analisar algumas experiências realizadas em projetos habitacionais mais sustentáveis na Alemanha. Método de pesquisa/Abordagens: São apresentados três bairros ecológicos (ökologische Siedlung), de uma série de experiências pesquisadas neste país no período entre 2003 e 2004. Os elementos analisados nos bairros, onde se desenvolveu a pesquisa, foram: concepção, princípios arquitetônicos, urbanísticos e de sustentabilidade de cada projeto. Contribuições/Originalidade: As experiências realizadas contribuem para a disseminação de práticas mais sustentáveis no contexto da habitação social no Brasil. Palavras-chave: bairros ecológicos; sustentabilidade; tecnologias alternativas; inclusão social; habitação de interesse social. Abstract Propose: The objective of the present paper is to analyze some more sustainable experiences accomplished in the engineering building and in the urban space in Germany. Three cases are presented, of an ecological settlement (ökologische Siedlung) series researched at this country in the period between 2003 and 2004. Methods: The elements analyzed in the settlement where the research was developed are: architectural, urban and sustainability principles of each project. Originality/value: The analyzed and presented experiences give a contribution for dissemination from sustainable practice in the context of the social housing policy in Brazil. Keywords: ecological settlement; sustainability; alternative technologies; social integration; public social housing policy. - 886 - 1 INTRODUÇÃO No cotidiano nos deparamos com diferentes sinais da degradação ambiental e com o desperdício dos recursos naturais como, por exemplo: o alto nível de poluição aérea e fluvial; a devastação das florestas; a disposição de resíduos sólidos e líquidos sem o devido tratamento; o desperdício energético entre muitos outros. Os resultados desta acelerada destruição revelam-se, dentre outros, pelo efeito estufa, pelas mudanças climáticas, pela escassez dos recursos naturais, pela baixa biodiversidade, pela extinção da fauna e da flora, pelos conflitos advindos da luta por recursos naturais1. Nas últimas décadas é crescente o interesse e a preocupação de alguns governos e segmentos da sociedade com os riscos ambientais, devido ao uso excessivo dos recursos naturais sem levar em consideração a capacidade de suporte dos ecossistemas (MÜLLER-PLANTENBERG, 2003). A pauta de discussão presente nos meios de comunicação e no âmbito das políticas governamentais intensifica o debate sobre a questão ambiental e a busca de alternativas, estratégias e soluções para minimizar os efeitos climáticos causados pelo homem2. A consciência de que os recursos naturais são limitados remete a uma reavaliação da relação humana com o meio ambiente. Esta reavaliação conduz à busca de um conjunto de soluções e ações concretas correspondentes, que produzam um relacionamento sustentável (BUND; MISEREOR, 1996). O panorama de consumo excessivo nos países ricos e crescimento econômico dos chamados países em desenvolvimento e emergentes (por ex. Brasil, China e Índia) levam à busca por estratégias globais de proteção ambiental que minimizem, por exemplo, a emissão do CO2, o uso irracional dos recursos naturais (água, energia e matéria prima) e os impactos ambientais causados pelo estilo de vida existente3. Estudos sobre os impactos ambientais no Brasil indicam, o setor habitacional, como um dos grandes responsáveis pelo consumo energético no país4. Esses estudos também responsabilizam o setor da construção civil como um dos responsáveis pela extração desordenada de recursos naturais não-renováveis para a produção de materiais de construção5 e pela grande geração de resíduos sólidos existente no país. Segundo o IBGE, o déficit habitacional brasileiro detectado no Censo 2000 era de 6.656.526 unidades (IBGE, 2003). A responsabilidade da construção civil no impacto ambiental e a existência de um déficit habitacional em torno de 6,5 milhões de unidades, tornam a habitação de interesse social um grande potencial, que pode prevenir a intensificação do impacto ambiental gerado pela construção civil no Brasil. A minimização do consumo energético, do desperdício dos recursos naturais e dos impactos ambientais causados pelo modo de produção industrial da construção civil é possível, não somente através da utilização de tecnologias mais sustentáveis, mas também, através de um processo que leve a reflexão da relação do homem com o meio ambiente. Considerando um déficit habitacional desta ordem e o impacto que poderia representar para o meio ambiente, a resolução deste problema através dos sistemas construtivos usuais, fica perceptível a 1 Em 1500 a Mata Atlântica cobria 15% de todo o território brasileiro. Hoje são 7,84% de sua cobertura vegetal original e cerca de 200 de suas espécies são ameaçadas de extinção (MMA 2005). 2 Conferência Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento em Estocolmo, 1972; Comissão NorteSul 1987; Comissão do Parlamento Alemão: precauções para a defesa da atmosfera terrestre, 1987; Conferência Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro 1992. 3 Segundo estudos da International Energy Agency-IEA (2006) a emissão de CO2 no Brasil em 2004 foi de 323,32Mt (1,76t/pessoa), deixando o Brasil como o segundo maior responsável emissor de CO2 na América Latina, seguido do México. A emissão de CO2 nos países industrializados, no mesmo período, foi muito maior como, por exemplo, nos USA com 5.799,97Mt (19,73t/pessoa) e na Alemanha com 848.60Mt (10,29t/pessoa). Esses valores quantificam não somente a responsabilidade dos países industrializados pelos impactos ambientais hoje assistidos. Esses também podem ser entendidos como indicadores da desigualdade do acesso ao consumo existente entre os países ricos e os países pobres. 4 Segundo a Eletrobrás (2007) a habitação é responsável por quase 25% do consumo energético brasileiro. Do consumo total 6% são utilizados para o aquecimento da água. 5 Entre 1950 e 1999, a demanda global de aço cresceu de 190 para 788 milhões de toneladas e a demanda de alumínio cresceu de 1,6 milhões para 23 milhões de toneladas (SCLIAR, 2005). - 887 - necessidade de utilização tecnológicas sustentáveis para as habitações de interesse social. Todavia, paralelamente, seria importante um processo reflexivo sobre a relação homem versus meio ambiente do qual aflorasse a consciência sobre o papel de cada indivíduo para com o todo. Neste sentido, as experiências com bairros ecológicos6 realizadas na Alemanha, denominados ökologische Siedlung, podem ter um papel importante, visto que, não se limitam apenas à aplicação de técnicas mais sustentáveis no espaço urbano e rural, produção alimentícia, integração da utilização de recursos naturais no projeto: energia renováveis e adaptação do projeto às condições climáticas do local; mas incluem processos participativos e pedagógicos, mudanças de hábitos e costumes (Figuras 1-2-3). Como experiência em curso, estes modelos podem se constituir em referenciais viáveis, no Brasil, para comunidades interessadas. Não se trata de uma transferência tecnológica ou de estilo de vida, mas de uma contribuição passível de adaptação para implementar aspectos mais sustentáveis e sócioeconômicos, compatíveis com as dinâmicas de grupos e públicos interessados. Figura 1 - Produção de alimentos através de horta comunitária. Bairro ecológico Liliental em Liliental Ossenhöfe. Associação dos moradores fundada em 1991, início das obras em 1997. 2 Figura 2 – Construção de equipamento para tratamento de esgoto alternativo. Bairro ecológico Gemeinschaftssiedlung Neumühlen. Figura 3 - Captação da água da chuva. Bairro ecológico Alte Windkunst. OBJETIVO Este artigo objetiva analisar algumas experiências mais sustentáveis realizadas em projetos habitacionais na Alemanha. São apresentadas três experiências, de uma série de bairros ecológicos pesquisados neste país no período entre 2003 e 2004. 3 BAIRROS ECOLÓGICOS NA ALEMANHA 3.1 Contexto Na esteira das discussões desencadeadas sobre o esgotamento das reservas de petróleo e a dependência dessa energia (crise do petróleo, 1973; guerra entre Irã e Iraque, 1978/79 e invasão do Afeganistão pela antiga União Soviética), a Europa, na década de 1970, passou a adotar medidas políticas de desenvolvimento metodológicos e de tecnologias mais sustentáveis para o ambiente construído e o incentivo às iniciativas populares (reciclagem, utilização de materiais alternativos, energias renováveis, construções com menos insumo de energia entre outros) (Figura - 4). A Alemanha foi pioneira ao criar a lei que regularizaria o consumo energético na edificação (Wärmeschtzverordnung) em 1982. Não só a crise energética, mas outros fatores contribuíram para a reavaliação da relação do ambiente construído com o meio ambiente, como, por exemplo, a publicação do relatório The Limits of 7 Growth em 1971. 6 O conceito de bairro ecológico segundo o Global Ecovillage Network (2007) é: comunidades rurais ou urbanas que buscam integrar um ambiente social assegurador, com um estilo de vida de baixo impacto ambiental. 7 Uma das principais colaborações para a discussão sobre o meio ambiente foi a publicação do relatório Limites de Crescimento The Limits of Growth pelo Club of Rome, o qual se tratava de um grêmio de pesquisa composto por cientistas e administradores de indústrias europeus no ano de 1971. Esse relatório ilustra as limitações da - 888 - A expansão industrial pós-guerra, o modo de produção e o consumo levaram a uma intensificação desordenada na extração dos recursos naturais e, conseqüentemente, ao distanciamento da relação do 8 9 10 homem com a natureza . O movimento back to nature foi um slogan da ecological architecture que também levou a reflexão sobre o modo de produção das cidades que, influenciadas pela arquitetura funcional e industrializada difundida pelo movimento modernista, mudara radicalmente o cenário 11 urbano . Figura 4 - Lojas especializadas na Alemanha com o comércio de materiais de construção não convencionais. Os movimentos alternativos da década de 1960, a procura de uma outra forma de vida, de moradia e de integração com a natureza, determinaram o desenvolvimento de uma construção civil direcionada ao resgate da tradição, da qualidade de vida e construtiva da habitação de forma participativa. Estes movimentos levaram ao surgimento de várias iniciativas, as quais objetivavam integrar em um ambiente natural uma concepção de vida e moradia que se diferenciava da vigente. O planejamento e construção da habitação de forma participativa e o anseio por um modo de vida mais comunitário foram colocados em prática através de inúmeros projetos, os quais não se restringiam somente na habitação individual, mas englobaram aspectos múltiplos. Na década de 1970 foram criados, na Alemanha, os primeiros projetos individuais mais sustentáveis denominados Ökohäuser (casas ecológicas). Somente a partir da década de 1980, iniciou-se a construção de prédios administrativos com princípios ecológicos e uma intervenção urbana mais sustentável. Essas intervenções objetivavam uma orientação para a construção ecológica denominada ökologisch orientiertes Bauen, a qual aspira em todas as fases do ciclo do uso da edificação, desde a produção, uso, renovação e demolição da construção, a minimização do uso da energia, dos recursos naturais e interferência no ecossistema (UMWELTBUNDESAMT, 1996). natureza em relação ao crescimento econômico quantitativo, coloca em questão o desenvolvimento ilimitado, advertiu o crescimento econômico, prognosticou a escassez dos recursos naturais e a degradação ambiental (KENNEDY, D.; KENNEDY, M., 1997). 8 Na década de 1960 e 1970 as construções tradicionais foram substituídas pelas construções com elementos préfabricados, consequentemente, foram compensados os materiais regionais utilizados até aquele momento pelo ferro, aço, vidro e concreto. O material isolante perdeu sua importância na construção civil devido ao baixo custo da energia fóssil até a primeira crise do petróleo na década de 1970. 9 O movimento back to the nature influenciou gradativamente um desenvolvimento social e político. Isso ocorreu porque esse não se restringiu somente em um movimento alternativo, mas sim se tornou em um movimento de massa, movimento ecológico (por ex.: consolidação do Greenpeace em 1971, no Canadá e em 1980, na Alemanha e a criação do Partido Verde em 1980, na Alemanha). 10 Kennedy (1997) descreve as fases da ecological architecture como pioneering phase (1975–1985), testing phase (1985–1995) e aplication phase (a partir de 1995). 11 Uma resposta à construção industrializada foi o desenvolvimento da arquitetura alternativa, a qual surgiu do movimento social não se restringindo somente aos aspectos inovadores ou técnicos da construção, mas englobavam princípios que orientavam a uma forma de moradia coletiva, a autoconstrução e a construção ecológica orientada. A origem da arquitetura alternativa encontra-se nos Estados Unidos da América (USA) na década de 1960. Exemplos de iniciativas internacionais pioneiras com a construção sustentável foram: a Arche em Prince Edward Island no Canadá (1976), a Naturhuset em Saltsjöbaden na Dinamarca (1977) entre outros. - 889 - Os termos mais utilizados na Alemanha para a conceituação de iniciativas mais sustentáveis, dentro do contexto de uma intervenção no meio urbano e rural, são: ökologische Siedlung e Ökodorf. Os termos Siedlung e Ökodorf traduzidos para o português, significam respectivamente, colônia e povoado ecológico12. O termo Ökodorf é dirigido às iniciativas mais sustentáveis que objetivam não somente a sustentabilidade no ambiente construído, mas envolvem aspectos de ordem autogestionárias e economia coletiva (caixa único). Os Ökodorf são estruturados de uma forma econômica que possibilita o fortalecimento do convívio. O fortalecimento das relações sociais na família e no cotidiano, sejam essas de ordem administrativa ou social, aumentam o grau da ajuda-mútua do grupo. A redução do custo operacional com o compartilhamento de ferramentas, maquinários e matérias minimizam os gastos da comunidade. As atividades sociais, econômicas e administrativas das famílias moradoras do Ökodorf são discutidas e decididas de forma coletiva. Um exemplo é a Comunidade Niederkaufungen (Komune-Niederkaufungen), no município de Niederkaufungen. Desde a sua criação, em 1986, essa comunidade pratica o consenso como forma de decisão, a economia coletiva (todas as receitas do grupo vão para um caixa único) e implementa saneamento e tecnologias construtivas mais sustentáveis como, por exemplo: coletores de energia solar, utilização da água da chuva e produção alimentícia sem agrotóxicos (laticínios, carne, verduras, frutas, embutidos, marmelada, etc.), uso coletivo de veículos movidos a biodiesel e de materiais de construção mais sustentáveis (madeira oriunda do reflorestamento, palha, barro, materiais isolantes a base de matéria prima natural: algodão, celulose etc.). Os bairros ecológicos se diferenciam dos povoados ecológicos por limitarem-se, na maioria das vezes, à produção da habitação e infra-estrutura mais sustentáveis, sendo que, em alguns casos, a produção de alimentos também é praticada em áreas livres comunitárias, privadas ou em estufas. A discussão e decisão coletiva nos bairros ecológicos restringem-se, na maioria dos casos, aos espaços urbanísticos coletivos e a operacionalidade do empreendimento. Na prática, os bairros ecológicos apresentam em regra, limites na implementação dos aspectos sustentáveis como um todo, não sendo possível integrar 13 no projeto todas as possíveis áreas de ações desejadas . Os motivos são diversos, podendo ser de ordem econômica, devido ao limite econômico do empreendedor ou das famílias, de ordem jurídica, dificuldades de aprovação do projeto inicial proposto junto à esfera pública local ou de ordem de concepção do projeto e divergência entre os empreendedores durante a concepção do mesmo. Conseqüentemente o bairro ecológico demanda, na maioria das vezes na prática, um compromisso entre o que se deseja e o que é possível (FUCHS, 2001). 3.2 Experiências com bairros ecológicos na Alemanha A seguir são apresentadas três iniciativas com bairros ecológicos (ökologische Siedlung) realizadas na década de 1980, nas cidades de Düsseldorf-Unterbach, Colônia-Blumenberg e Herzogenrath na Alemanha. Essas experiências partiram de iniciativas de grupos de famílias e de profissionais liberais interessados em uma outra proposta de moradia. Destaca-se que o papel do profissional liberal, como por exemplo, o do arquiteto, do engenheiro, do urbanista entre outros, foi fundamental, não somente no que diz respeito as suas atribuições profissionais de planejamento, apoio e acompanhamento técnico, mas tiveram e têm um papel propulsor na difusão do ambiente construído com menos impacto no seu meio, seja esse de modo social, espacial, ecológico e econômico, harmonizando desta forma, sua profissão e a sustentabilidade ambiental, a qual é imprescindível para a sobrevivência do planeta. Dentre os elementos analisados destas experiências se enfocou neste artigo os seguintes: concepção, princípios arquitetônicos, urbanísticos e de sustentabilidade de cada projeto. Como princípios teóricometodológicos de sustentação, foram realizadas investigações em literaturas especializadas na área, contatos com arquitetos autores e responsáveis pelos projetos, visitas a diversos bairros ecológicos para levantamento de dados e fotos, além da experiência de conviver com os moradores. 12 Öko è a abreviatura de Ökologie que na Língua Portuguesa significa ecologia. As áreas de atuação para a difusão de aspectos sustentáveis nos bairros ecológicos são: a) projeto urbanístico; b) edifício; c) tráfego; d) solo e espaço livre; e) energia; f) água e esgoto e g) lixo. 13 - 890 - Figura 5 - Bairro ecológico Düsseldorf-Unterbach. - 891 - Figura 6 – Bairro ecológico Köln-Blumenberg. - 892 - Figura 7 - Bairro ecológico Alte Windkust-Herzogenrath. - 893 - 4 ANÁLISE DE RESULTADOS O curso das discussões sobre a mudança dos paradigmas estabelecidos na sociedade pós-industrial, como vimos, teve algumas de suas raízes a partir de crises e interesses econômicos, crises sociais, interesses políticos, conflitos e guerras por fontes de energias fósseis. A polêmica gerada a partir destes acontecimentos limitou-se não somente a discussões, mas desencadearam na sociedade civil iniciativas concretas como, por exemplo, o surgimento de movimentos sociais e ecológicos, criação das primeiras legislações ambientais, concepção de medidas que regularizariam o consumo energético na edificação, planos diretores e projetos urbanísticos mais sustentáveis, realizações de conferências internacionais sobre meio ambiente, criação de agendas sustentáveis entre outros. O termo sustentabilidade insere-se cada vez mais como pauta nas discussões políticas, econômicas e sociais. Estas discussões partem do diálogo sobre a ameaça climática que a sociedade contemporânea está exposta, reflexo da sua própria intervenção irracional no ambiente natural. Indicadores sociais e econômicos revelam o ápice da destruição que a própria humanidade está provocando. Não basta discutirmos a redução da emissão do Co2, a inclusão e justiça social, a diminuição do nível de poluição do ar, rios, lagos, lagoas e mares se não mudarmos nossos hábitos, sem equacionar e democratizar o acesso aos bens de consumo, reavaliarmos comportamentos para com o meio ambiente e criarmos mecanismos políticos e econômicos para a difusão de alternativas mais sustentáveis. As experiências apresentadas, neste artigo, sobre bairros ecológicos na Alemanha, podem vir a ser uma alternativa habitacional mais sustentável no contexto da habitação de interesse social. A realidade socioeconômica de um país economicamente forte como o da Alemanha, com políticas públicas que incentivam iniciativas mais sustentáveis no setor da construção civil, comparada com a realidade brasileira, torna indiscutível e indispensável a adaptação dessas iniciativas ao público alvo brasileiro, considerando seus limites econômicos, sociais e as políticas públicas vigentes. No entanto, é oportuno ressaltar, que o processo de implementação de tais experiências na Alemanha sofreu várias formas de resistências e atritos. Por exemplo, os iniciadores do bairro ecológico Alte Windkunst sofreram a recusa de vários municípios para a execução deste projeto, até receberem o alvará do município de Herzogenrath. Resistências no processo de aprendizagem de técnicas alternativas e na utilização do barro na construção como elemento construtivo foram presenciadas em algumas famílias no bairro ecológico Köln-Blumenberg, fazendo com que algumas delas se decidissem por materiais de construção convencionais, o que não ocorreu no mesmo bairro ecológico durante a implementação da tecnologia de fardo de palha com barro (Strohlehmbauweise). Experiências positivas na concepção do projeto urbanístico de forma participativa são encontradas nos bairros ecológicos Alte Windkunst e Düsseldorf Unterbach. O Düsseldorf Unterbach apresenta um êxito na inserção escalonada de áreas particulares e de áreas comunitárias no plano urbano como um todo, possibilitando ao morador interagir em diferentes espaços. Já, a experiência no Alte Windkunst, além de um êxito do plano urbanístico, que proporciona ao morador um convívio mais intenso, essa experiência demonstra também que é possível conjugar moradia com atividades comunitárias como, por exemplo, o jardim de infância e auxílio escolar para as crianças, que ocorrem em áreas comunitárias do próprio complexo de moradia. A participação ativa do morador em todo o processo de planejamento e a busca por um projeto de vida mais sustentável são estratégias encontradas nestas experiências, que podem ser introduzidas em projetos de interesse social no Brasil, embora saibamos que todo processo de mudança, confronta-se com resistências de ordem pessoal, econômica, política, jurídica e social. Visto que o déficit habitacional não pode restringir-se somente à construção da habitação, mas envolve um conjunto de fatores, sejam esses socioeconômicos ou de sustentabilidade: baixo rendimento familiar das famílias sem acesso a habitação, ausência da inclusão de aspectos sustentáveis, qualidade da construção baixa nos projetos de interesse social e etc. (D’ AVILA, 2006). A introdução de bairros ecológicos nas políticas públicas pode ser, não somente uma contribuição sustentável na minimização do problema do déficit habitacional brasileiro em si, mas a partir de estratégias sustentáveis, participativas e socioeconômicas, as quais são encontradas nos exemplos expostos e em muitos outros, - 894 - os princípios utilizados na concepção de bairros ecológicos, também podem levar a uma mudança de hábitos e, conseqüentemente, a uma relação mais sustentável com o meio ambiente. 5 REFERÊNCIAS BUND; MISEREOR. (Org.). Zukunftsfähiges Deutschland, Ein Beitrag zu einer global nachhaltigen Entwicklung. Wuppertal Institut für Klima, Umwelt, Energie GmbH. 3. ed. Basel: Birkhäuser, 1996. 453 p. D’ AVILA, M.R. Zur Einsatzmöglichkeit nichtkonventioneller Bauweisen im genossenschaftlich organisierten sozialen Wohnungsbau für Rio Grande do Sul, Brasilien. Kassel: Kassel University Press, 2006. 206 p. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). ELETROBRAS. Aquecimento termosolar começa a ganhar lugar ao sol. 2007. Disponível em: <http://www.eletrobras.com/elb/procel/main.asp?ViewID=%7BEA5783EB%2D3CC4%2D4255%2D 995E%2D98B9D1391764%7D¶ms=itemID=%7BF3361B9E%2D5F19%2D48E8%2D96E3%2D 8E5411C209D8%7D;&UIPartUID=%7BD90F22DB%2D05D4%2D4644%2DA8F2%2DFAD4803C8 898%7D>. Acesso em: 09.06.2007. FUCHS, O. Handbuch Ökologische Siedlungsentwicklung: Konzepte zur Realisierung zukunftsfähiger Bauweisen. Berlim: Erick Schmidt Verlag, 2001. 300 p. GLOBAL ECOVILLAGE NETWORK. What is an Ecovillage?. 2007. 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