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Barbara
Walters
a arte de
Entrevistar
Sumário
9
Prólogo
13
Passagem para a Índia
21
De treze semanas a treze anos
29
Tornando-me Barbara Walters
35
Garland, Capote, Rose Kennedy e princesa Grace
45
Dean Rusk, Golda Meir, Henry Kissinger
e príncipe Philip
55
Ganhando Nixon e perdendo Sinatra
69
Sai Hugh, entra McGee
77
Jornada histórica: China com Nixon
91
Renúncia em Washington. Vitória em Nova York
99
Diversão e jogos em Washington
101
Egito, Israel e, olá, Castro!
111
A garota de um milhão de dólares
125
“Não deixe os bastardos derrubarem você”
139
Graças a Deus! Os Specials
153
Finalmente, Fidel
163 A entrevista histórica: Anwar Sadat e Menachem Begin
181 Sai Harry, entra Hugh
191
Coração partido e novo começo
203
O capítulo mais difícil de escrever
213
Onze de setembro e nada mais importa
221
Presidentes e primeiras-damas: quarenta anos
dentro da Casa Branca
233
Chefes de Estado: o bom, o mau e o louco
245
Aventuras com um homem misterioso
253 Assassinos
265
Criminosos fora de série
273
De novo, nunca mais
291
Celebridades que afetaram minha vida
309
Monica
329
The View
349
Saída
361
A seguir...
367
Agradecimentos
Prólogo
I
rmã.
Minha única irmã, Jacqueline, sem que eu me desse conta, teve a maior
influência em minha vida. Ela era três anos mais velha que eu, mas sempre
pareceu mais nova. Embora tivesse uma leve deficiência, na época, o nome que
se dava à sua condição era de mentalmente retardada. O bastante para que ela
fosse privada de frequentar a escola regular, ter amigos, conseguir um emprego,
casar. O bastante para impedi-la de ter uma vida real.
Seu estado também alterou a minha vida. Desde muito cedo, percebi que
em algum momento ela se tornaria responsabilidade minha. Essa consciência
foi uma das principais razões que me levou a trabalhar tanto. Mas meus sentimentos iam muito além da responsabilidade financeira. Por muitos anos eu me
sentia envergonhada por causa dela, e também culpada porque eu tinha tanto
e ela tão pouco. Quase nada se sabia a respeito de retardamento, quando Jackie
nasceu, há cerca de 80 anos. Havia poucas escolas capazes de lidar com o que
hoje chamamos pessoas “deficientes mentais”, poucos lugares onde poderiam
aprender alguma profissão e raros empregadores dispostos a descobrir como
poderiam usar seus talentos e sua lealdade.
Se fosse hoje, provavelmente Jackie conseguiria um emprego, algo simples,
porém produtivo e útil. Talvez até pudesse conhecer um bom homem e se casar.
Mas, naquela época, a sua vida estava condenada ao isolamento, exceto pelo
contato comigo, com minha mãe e meu pai.
Eles a protegiam. Nunca falavam a seu respeito fora da família nem explicavam sua condição para ninguém. Achavam que as pessoas não conseguiriam
compreender. Estavam certos de que Jackie seria rejeitada e humilhada.
O isolamento dela também contribuía para meu próprio senso de solidão.
Quando eu era criança, jamais tive festas de aniversário, porque Jackie não
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A arte de entrevistar
tinha. Não frequentava o grupo de escoteiras, porque ela não podia ter essa atividade. Raramente meus amigos vinham em casa, porque não saberiam o que
fazer com minha irmã e eu ouviria os comentários velados, os sussurros – reais
ou imaginários – a respeito dela.
Quando cresci, minha mãe, condoída pela solidão de Jackie, frequentemente me pedia que a levasse comigo quando eu saía para passear com uma
amiga ou um namorado. Eu a amava. Afinal de contas, era minha irmã, tão doce
e afetuosa. Mas havia momentos em que a odiava, também. Por ser diferente.
Por fazer com que eu me sentisse diferente. Pelas restrições que ela gerava em
minha vida. Eu não gostava de ter de admitir aquela raiva intensa, mas também
não podia negar. Talvez você sinta horror, porque eu reconheço tal sentimento.
Ou, quem sabe, também já tenha sentido culpa por uma razão semelhante e sinta algum alívio porque não está só. Imagino, enquanto escrevo estas palavras,
que quase todas as pessoas que têm um parente tão próximo com uma doença
crônica ou que seja debilitado, física ou mentalmente, entenderão o significado
do que estou dizendo.
Recentemente li um livro que me ajudou a compreender muito o impacto
de Jackie em minha vida. Chama-se The Normal One: Life with a Difficult or
Damaged Sibling,1 de Jeanne Safer, psicoterapeuta que tinha um irmão nessas
condições. Eu me reconheço em quase todas as páginas: “a criança que tem de
amadurecer antes do tempo; a vislumbrada responsabilidade pelo cuidado e
preservação do bem-estar desse ente; a compulsão por ser alguém que tem mais
do que merece; o medo de falhar”. Gostaria de ter lido esse livro mais cedo, mas
não tenho certeza de que isso teria feito alguma diferença. Jackie continuaria a
ser a mesma Jackie. Da mesma forma que seria idêntico o conjunto de circunstâncias a conduzir minha vida.
Muito da necessidade que senti de me colocar à prova, de alcançar, de prover,
de proteger pode ser derivado de meus sentimentos a respeito de Jackie. Mas há
ainda algo mais, “aquela coisa” que leva alguém à necessidade de se destacar. Alguns chamarão essa tendência de ambição. Posso viver com isso. Dá para aguentar. Outros dirão que se trata de insegurança, embora seja um rótulo comum e
batido, da mesma forma que ser chamada de estranha ou introspectiva. Significa
muito pouco. Mas quando olho para trás, parece que minha vida tem sido uma
longa entrevista, um teste – uma tentativa de fazer diferença e ser aceita.
1 Literalmente: “O Ser Normal: A Vida com um Irmão Problemático ou Doente”. (N. da T.)
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Prólogo
Minha irmã era uma criança muito bonita. A condição mental não se refletia em sua aparência física. Tinha lindos cabelos e uma pele invejável, um sorriso doce, era menor e mais cheia de curvas que eu. Meus cabelos eram escuros,
minha pele de cor amarelada, assim me disseram, e era quase carne e osso. “Magrinha-como-um-caniço”, meus pais diziam, afetuosamente. (Sim, era realmente com uma conotação amorosa.) Ninguém notaria, apenas olhando para Jackie,
que havia algo diferente, até que ela abrisse a boca para falar. Era a pessoa mais
gaga que eu já vi na vida. Gaguejava tanto que, às vezes, quando tentava dizer
uma palavra, sua língua saltava para fora da boca. Meus pais tentaram todas as
técnicas disponíveis para ajudá-la a resolver esse problema, durante seu crescimento, mas nada parecia adiantar. Eles chegaram a levá-la a uma consulta com
o homem que diziam ter ajudado o rei George VI, da Inglaterra, a superar sua
dificuldade com a fala. Mas ele não pôde fazer nada por minha irmã. Frustrava
ter de ouví-la. Era difícil ser paciente e fácil cair na tentação de fazer troça com
esse problema. Minha primeira lembrança dela é de quando eu tinha uns três
anos de idade e ela, seis; os meninos da vizinhança estavam puxando a sua saia
e fazendo zombarias, porque ouviram seu jeito de falar. Nós duas corremos para
dentro de casa, aos prantos.
Eu me preocupei com ela até a sua morte, de câncer de ovário, em 1985,
oferecendo apoio, tomando decisões que meus pais não tinham condições de
enfrentar, e me senti angustiada porque, embora ela sempre tivesse me amado,
eu nem sempre consegui retribuir. Jackie me ensinou a compaixão e a compreensão. (Anos mais tarde, esses sentimentos seriam importantes para mim, nas
entrevistas que fiz.) Mesmo que frequentemente se sentisse frustrada, irritada e
com uma tendência a fazer birras, ela jamais expressou ressentimento por mim
ou mesmo ciúme.
Quando minha filha nasceu, eu lhe dei o nome de Jacqueline – Jackie. Eu
queria que minha irmã, adulta, sentisse que ela também tinha uma criança,
porque já sabia que na verdade ela jamais teria. Sim, embora eu nutrisse sentimentos contraditórios sobre minha irmã, acredito que o amor era maior que a
irritação. Também sentia imensa compaixão por ela.
Conto tudo isso porque muitos jovens que me veem na televisão, às vezes,
dizem: “eu quero ser você”. Minha resposta imediata sempre é: “então você tem de
levar o pacote inteiro”. Eles riem polidamente, sem saber exatamente a que estou
me referindo, e também não explico. Resguardei a privacidade de minha irmã por
muitos anos. E como sem dúvida ela era a energia primordial em minha vida, fazia
parte do pacote que estou prestes a abrir nestas páginas. Essa digressão ao passado
é a história de como e por que eu cheguei onde estou.
11
A arte de entrevistar
Antes que termine este prólogo, deixe-me contar uma história. Lá pelos
anos de 1960, quando aparecia diariamente no noticiário Today, da rede de televisão NBC, eu morava em Nova York, na confluência da Sétima Avenida com
a rua 57. Meu apartamento ficava em frente ao Carnegie Hall, em uma esquina
muito movimentada. Era também muito perto de grandes hotéis, onde costumavam se hospedar homens de negócios. Talvez por causa disso o lugar era
muito frequentado (e disputado) por algumas das mais atraentes “mulheres da
noite”. Todas as manhãs, às cinco horas em ponto, eu emergia de meu prédio
usando óculos escuros, porque ainda não estava maquiada, e geralmente levava
uma mala com roupas. Parecia óbvio para aquelas “moças” que eu acabara de
deixar algum figurão. Eu já não era exatamente uma jovenzinha. Aparecia e
olhava para elas, algumas inclusive ainda na adolescência. “Bom dia”, eu dizia.
“Bom dia”, respondiam. E então eu entrava em uma longa limusine negra, com
um motorista uniformizado. Deslizávamos para longe, em meio às primeiras
luzes da manhã. E você sabe que efeito isso causava naquelas mulheres?
Eu lhes dava esperança.
Talvez este livro possa fazer isso por você.
Então, aqui está o pacote inteiro, desde o começo.
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Passagem para a Índia
J
ackie Kennedy viajou para a Índia e para o Paquistão em março de 1962.
A Casa Branca considerou a incursão como “semioficial”, mas a administração
credenciou 45 repórteres para fazer a cobertura, acompanhando a primeira-dama.
Eu estava nesse grupo.
Era uma novata, entre muitos veteranos de empresas de informação eletrônica como NBC, CBS e ABC. Obviamente, havia consagrados profissionais de
imprensa de quase todos os jornais e revistas – TheWashington Post, The New York
Times, os de primeira linha, até a Time e o quase em extinção Saturday Evening
Post. A maioria quase absoluta era de homens. Havia apenas sete mulheres designadas para o trabalho, o que significava muito porque na época éramos poucas,
no jornalismo. Seis trabalhavam para a mídia impressa: Fran Lewine, da Associated
Press; Marie Ridder, da cadeia de jornais Ridder; Anne Chamberlin, da Time;
Gwen Morgan, do Chicago Tribune; Molly Thayer, do The Washington Post; e Joan
Braden, do Saturday Evening Post. Eu era a única da televisão.
Como consegui ir? Shad Northshield e John Chancellor perceberam que a
história seria perfeita para a audiência do programa Today. A história de uma
mulher, contada por uma mulher. Por que, então, não me mandar? Eu poderia
escrever e fazer a reportagem. Mas não carregar tudo o que fazia parte da bagagem, com a rapidez suficiente.
Naquela época eu ainda não conhecia Jackie, mas, como milhões de outras
americanas, estava deslumbrada com seu chame, desenvoltura e estilo. John F.
Kennedy, o jovem atraente presidente e Jackie, sua elegante esposa, eram um
extremo contraste com seus predecessores na Casa Branca, Dwight e Mamie
Eisenhower. A América era jovem e vibrante novamente e, em vista disso, cheia
de promessas e potencial. Era um período inebriante.
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A arte de entrevistar
Foi uma viagem exaustiva. Tudo havia sido cuidadosamente planejado
para que o pessoal de imprensa se deslocasse o mais rápido possível de um
ponto para outro. Tínhamos de levar nossa própria bagagem, além de equipamentos, incluindo nossas máquinas de escrever, que pesavam uma tonelada,
naqueles tempos pré-laptops. Eu deveria ter feito um treinamento prévio, para
desenvolver a força – ou ser a Joan Braden.
Ela era uma mulher fascinante. Na época, mãe de sete filhos, e ainda viria
mais outro, era casada com Tom Braden, colunista consagrado, que mais tarde
escreveria um livro sobre sua família, e que se tornou um best-seller, Eight is
Enough (Oito é o Suficiente). Joan, com quem compartilhei um quarto e depois uma tenda, era muito esbelta e bastante enrugada, por tomar sol demais.
Havia rumores de que tivera um caso com Bobby Kennedy, quando ela trabalhou na campanha presidencial de JFK, em 1960. Era amiga de toda a família
Kennedy. Ela também tinha estreitas relações de amizade com os irmãos Joe e
Stewart Alsop, famosos jornalistas. Joe assinava uma coluna muito influente e
era amigo fiel dos presidentes Kennedy e, depois, Johnson. Stewart era editor do
Saturday Evening Post, para o qual Joan foi credenciada nesta viagem de Jackie.
No futuro, ela seria, digamos, uma companheira de viagem do Secretário de
Defesa Robert McNamara, depois que a mulher dele morreu. Eles tiveram um
romance, e ela o acompanhou ao redor do mundo, embora ainda fosse casada.
Seu marido parecia não se importar com isso. Foi assunto de fofocas durante
anos em Washington.
Falo isso porque todos os homens na viagem à Índia estavam loucos por ela.
Os mais empedernidos repórteres, um após outro, ofereciam-se para carregar
suas bagagens, sua máquina de escrever, qualquer coisa. Eu não era exatamente
um cão sarnento naquela época, mas ninguém se dispôs a me ajudar com minha
bagagem. Eu era o meu próprio carregador, perambulando de um lugar a outro.
Lembro que, naquelas andanças, Joan não usava meias e acabou ficando
com bolhas nos calcanhares. O detalhe ficou gravado na memória porque alguns dos rapazes não apenas se apresentavam como voluntários para pegar suas
coisas, mas também para levá-la no colo. A coisa mais incrível é que eu gostava
dela. Joan era divertida, doce, e muito feminina. (Eu já disse, não disse, que
naquele tempo ela era uma mulher casada e mãe de sete filhos?)
Aprendi muitas coisas com ela, mas nunca fui capaz de colocá-las em prática. Antes de tudo, ela gostava de sentar no chão, não em uma cadeira ou no sofá.
Dessa forma, olhava qualquer homem com quem estivesse falando, de baixo
para cima. Assim ela concentrava sua atenção nele, parecendo fascinada – e,
embora ela estivesse em um plano inferior, o rapaz a fitava como um óbvio
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Passagem para a Índia
objeto de devoção. Além disso, ela ria de qualquer piada que alguém contasse e
raramente falava de si mesma. A maioria de suas frases soava como pergunta,
à espera de resposta. E cada conversa, não importa se fosse com um homem ou
uma mulher, incluía elogios.
Como resultado de sua extrema habilidade para o trato social, durante as
administrações Ford e Nixon, Joan se tornou uma das mais importantes anfitriãs de Washington. Ela era a maior amiga de Henry Kissinger, quando ele ainda
era solteiro e morava na capital do país. Ela e seu marido, Tom, davam um jantar quase todos os meses. Todo mundo comparecia. Os Braden não tinham muito
dinheiro – afinal de contas, tinham todas aquelas crianças para sustentar –, mas
ninguém se importava com isso. Joan mantinha a iluminação indireta, servia
espaguete e sentava no chão.
Ela foi a única pessoa de todo o grupo a obter, naquela viagem, uma entrevista exclusiva com Jacqueline Kennedy.
Certamente eu esperava conseguir esse privilégio com a primeira-dama em
algum momento durante aquela jornada de duas semanas. Afinal, a Casa Branca havia dado sua aprovação a cada um de nós. Os diferentes empregadores,
como de hábito, haviam pago ao governo por nossas passagens. Não consegui a
entrevista, porém.
Falhei em Roma, em nossa primeira parada, onde Jackie teve uma audiência com o Papa, falando com ele em francês. Falhei de novo na Índia, onde ela e
sua irmã Lee Radziwill foram acompanhadas por John Kennedy Galbraith. Minhas esperanças permaneciam altas quando Jackie visitou o túmulo de Ghandi
em Raj Ghat, passeou de elefante na cidade de Amber e foi até Agra, para ver o
espetacular Taj Mahal. Mas, nada!
Perdi as esperanças no Paquistão, a última parte da viagem, onde o fascinado presidente Ayub Khan, além de providenciar um show de cavalos para a
primeira-dama, lhe deu o chapéu de astrakhan que ele mesmo estava usando.
Conseguiu permissão para que ela, com toda sua numerosa comitiva de imprensa, eu inclusive, fizesse a travessia da famosa passagem Khyber, nas proximidades da perigosa fronteira com o Afeganistão. Não houve entrevista para
mim nem para ninguém.
Eu trabalhava sem parar. Tinha de filmar um segmento diário sobre a viagem para o noticiário Today, além de fazer entradas ao vivo no rádio. Era difícil
porque não havia muito a dizer, exceto onde Jackie havia estado e o que estava
vestindo. Em dado momento, ela teve de tirar os sapatos para entrar em um
templo sagrado. Todos nós, excitados, informamos nas matérias que ela calçava
tamanho 40. Estou certa de que ela poderia ter vivido sem que circulasse uma
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A arte de entrevistar
informação tão desprovida de charme. Mas, naquelas condições, tratava-se de
uma grande notícia. As coisas eram tão sem graça que membros da comitiva de
imprensa divulgavam rumores, impossíveis de confirmar, de que Jackie havia
levado 26 baús e duas camareiras. Felizmente eu não relatei a informação como
um fato. Depois ficou comprovado que ela levara apenas três baús cheios, inclusive com presentes, e uma camareira que fazia as vezes de cabeleireira.
Eu me senti diminuída por não ser incluída no pequeno grupo de repórteres
rotativos. Sequer sabia que isso existia até ser designada para esta cobertura e
rapidamente aprendi que isso era comum, ou seja, reunir um repórter de jornal,
outro de revista e outro de mídia eletrônica para ter mais acesso ao que Jackie
estava fazendo, e depois fazer o relatório para o restante da comitiva. Obviamente
se você a acompanha em todos os eventos e a observa de perto, com seus próprios
olhos, será muito mais capaz de fazer um trabalho de reportagem de melhor qualidade. Mas eu era ofuscada por minha colega Sander Vanocur, que estava acima
de mim na equipe NBC. Ela nenhuma vez me deixou participar desse grupo restrito, embora eu fizesse entradas diárias na tevê e no rádio, enquanto apenas ela
coletava material para um programa especial que não iria ao ar imediatamente.
Será que morreria se permitisse que eu integrasse o trio, ao menos uma vez?
Na Índia, com tão pouco material para trabalhar, eu resolvi sair a campo
para conseguir outras entrevistas. Atraí grande audiência para o Today quando
Indira Ghandi, a filha do primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, concordou em
me receber na residência oficial de seu pai, em Delhi. Antes de partir para a
Índia, eu havia escrito para ela, pedindo uma entrevista. Quando cheguei lá,
seus assessores contataram a NBC para informar que ela aceitara falar comigo.
Na ocasião, ela atuava como anfitriã oficial de seu pai. Mostrou a mim e
a meu câmera várias dependências daquela residência privativa. Lamentou a
falta de closets suficientes. Outro problema: a cozinha era muito distante das
salas de recepção e, assim, a comida chegava fria aos convidados. Quatro anos
depois, ela se tornaria a primeira-ministra da Índia e uma das maiores líderes
mundiais. No entanto, ela e eu tínhamos queixas parecidas. Eu também não
gostava muito da minha cozinha e no meu apartamento de três quartos certamente não havia muitos armários. Estranhamente esses detalhes são os de que
mais me lembro daquela conversa tão distante no tempo, porque fizeram com
que a senhora Ghandi se tornasse muito humana, para mim. Eu fiquei chocada
e arrasada quando ela foi assassinada em 1984, durante seu quarto mandato.
Deixe-me falar um pouco sobre meu encontro com um dos mais exóticos
líderes do país. Seu nome era Shri Morarji Desai. Ele foi o primeiro-ministro da
Índia de 1977 a 1979. Durante esse período eu estava na rede de televisão ABC,
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Passagem para a Índia
tentando reverter um desastroso período de minha vida profissional. Entre o dia
29 de dezembro de 1977 e 06 de janeiro de 1978, o presidente Jimmy Carter fez
rápidas viagens à Polônia, França, Bélgica, Arábia Saudita, Egito, Irã e Índia. Cobri todas elas para a ABC. Também designado para os mesmos trajetos estavam
Ted Koppel, então chefiando os correspondentes diplomáticos, e Sam Donaldson,
nosso principal setorista da Casa Branca. Para mim, foi amor à primeira vista
com esses rapazes. Nos tornamos grandes camaradas – e ainda somos.
Requisitei previamente uma entrevista com o primeiro-ministro Desai – e
ele aceitou. Fiquei fascinada por ele em razão de um tratamento de saúde, que
ele publicamente admitiu, e que incluía ter de tomar sua própria urina. Ele era
um homem esbelto e ascético. Respondeu às minhas perguntas de maneira simples e franca. Depois que discutimos as relações entre Índia e Estados Unidos,
perguntei sobre o uso da urina como uma panaceia.
– Considero a urinoterapia como uma cura para quase todas as doenças,
mas a pessoa que faz isso tem de ter fé – esclareceu. – A urina é uma grande
aliada no tratamento da catarata – continuou. – , se você começa a fazer o tratamento desde o começo da doença e continua lavando seus olhos com ela.
Eu mal podia esperar para mandar minha reportagem para a ABC News.
Mas embora tenha pensado que havia conseguido informações surpreendentes, a direção do programa considerou a coisa toda muito repugnante e não
divulgou. Deixe-me frisar, com satisfação, que semanas depois Dan Rather, da
CBS, também esteve em Nova Delhi entrevistando o mesmo primeiro-ministro
Desai. Perguntou a ele as mesmas coisas sobre a urina e sua empresa levou a
entrevista ao ar. Então, finalmente, para tentar reverter o prejuízo, a ABC apresentou meu material. Foi a guerra da urina, nas redes. Mas não é bem a respeito
disso que eu quero falar. Desejo compartilhar com você minha anedota Ted
Koppel/Sam Donaldson favorita.
Ambos estavam surpresos e ao mesmo tempo se divertindo com o fato de eu
ter tido a coragem de abordar uma questão assim pessoal do primeiro-ministro
Desai. Aquela noite, nós três fomos a um restaurante, em Nova Delhi, para jantar. Pedimos uma garrafa de vinho branco. Quando ela chegou, Ted derramou
um pouco daquele líquido pálido em sua taça de cristal, balançou-a em suave
movimento rotatório, sorveu um pequeno gole e, com um tom de voz muito
grave, declarou:
– É uma bela urina. Não é lá uma grande urina, mas é boa.
Jamais esquecerei esse jantar.
De volta à Jackie e à sua passagem pela antiga “cidade cor-de-rosa” de Jaipur, onde ela possuía amigos, o marajá e a marani locais, a família real recebeu
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A arte de entrevistar
a senhora Kennedy e sua comitiva em seu enorme palácio-cidade. Foi um evento magnífico, com tesouros milenares e o mais recente e impressionante templo
dedicado a Krishna, uma das mais queridas divindades hindus e que nascera,
segundo a tradição, cinco mil anos antes de Cristo.
A audiência do programa Today ficou fascinada pelas maravilhas do palácio,
entre as quais uma imensa mesa de jantar de cristal, desenhada e feita por Lalique, o famoso artesão francês. Só o fato de jantar em uma mesa daquelas provocava arrepios, imaginávamos. Mas também estávamos emocionados por conhecer a
marani Gayatri Devi, que seus amigos chamavam de Ayesha. Ela era considerada
uma das mulheres mais lindas do mundo. Era uma respeitada integrante eleita
do Parlamento indiano e fundadora de muitas escolas progressistas. Grande anfitriã, tinha maravilhosos saris. Ficava tão elegante em seus drapeados de seda, que
cheguei a pensar em usar a mesma indumentária, trocando-a por todos os meus
vestidos sem manga, feitos com tecidos que não amassam.
Talvez minha obsessão por saris tenha se originado em um delírio, porque
eu fiquei muito doente lá. Isso é tão raro que, certa vez, ao contar para minha
filha por telefone que eu estava com febre alta, ela disse que retornaria à casa
imediatamente, para me ver, antes que eu morresse. Mas naquela ocasião eu
havia pegado um resfriado por dormir em uma tenda, em Jaipur. Fiquei tão
derrubada que perdi um grande baile no palácio.
Uma história de “mundo pequeno”. Quando fizemos aquela viagem, conhecemos o filho mais velho e herdeiro do marajá. Anos depois, em março de 2005, eu
retornei à Índia, dessa vez para entrevistar com Sua Santidade, o Dalai Lama,
para um Special sobre o céu. Depois, conforme havia sido combinado, levei minha reduzida equipe para alguns dias de passeio no país. Um dos pontos altos
dessa nova incursão era uma visita a Jaipur. Lá, nosso guia nos disse que tinha
contatos especiais e podia conseguir para nós um jantar no palácio urbano com
o atual marajá. Um dos outros palácios havia sido transformado em um luxuoso
hotel, onde estávamos passando a noite. Por duzentos dólares cada um, nosso
guia nos prometia um memorável encontro com a glória da velha Índia. Como
poderíamos resistir?
Oitocentos dólares depois, chegamos ao pátio do palácio. Havia alguns elefantes alugados para a ocasião. Havia também uma dupla de dançarinas jovens
e atraentes, com lindos e preciosos vestidos. Entramos no salão principal, onde
nos esperava um cavalheiro velho e evidentemente exausto, de fraque e cartola.
E – quem poderia imaginar – ele era o mesmo príncipe e herdeiro que eu havia
conhecido há tantos anos, na viagem com Jackie! Era ele o marajá. Eu lhe disse
que já nos conhecíamos. Ele certamente se lembrava da visita de Jacqueline
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Passagem para a Índia
Kennedy. Informou que não era necessário nenhum contato especial para jantar
em sua companhia: os duzentos dólares em si proporcionariam isso a qualquer
pessoa. Por essa quantia, você poderia, inclusive, se sentar com ele naquela –
lembra? – maravilhosa mesa de cristal de Lalique. Eu estava tão emocionada
por reencontrá-lo, que lhe disse para não se sentir obrigado a permanecer conosco durante a ceia.
– Pode ir para a cama – sugeri, e ele foi embora, agradecido.
Eu tive outra experiência naquela viagem com Jackie, da qual me lembro por
outras razões. Foi no Taj Mahal: quase perdi o trem privativo para nosso próximo
destino. Ainda recordo o pânico que senti, 45 anos antes, agora mesmo, sentada
aqui, escrevendo essa passagem. Eu me atrasei por causa de um relato por telefone que tive de fazer para o escritório de Nova York. Aquilo me deixou sem
alternativas senão sair correndo para a estação. No trajeto, tropecei e fiz um grave
corte na mão. Tive de mantê-la enfaixada por semanas. Então, quando regressei,
ao acenar para as pessoas, mesmo que não me perguntassem, eu dizia:
– Eu me machuquei, correndo pelo Taj Mahal ao cair do sol.
Minha última entrevista nessa viagem foi com Ayub Khan, presidente do
Paquistão. Foi a minha primeira com o chefe de Estado e eu não me lembro
de nada. A memória deve ter sido obliterada pela minha alergia a cavalos. A
visita de Jackie ao Paquistão, da mesma forma que a nossa, incluía um show
equino que me deixou com os olhos vermelhos e espirrando com frequência. Eu
fiquei alérgica também a camelos, um daqueles que Jackie montou em Karachi. Enquanto os outros repórteres observavam e tiravam fotografias eu ficava
espirrando.
No último dia da viagem, Jackie finalmente teve um encontro com as repórteres e nos presenteou com uma pequena caixa pintada, que eu ainda tenho.
– Eu sei que foi um roteiro difícil. Quero que vocês saibam o quanto estou
agradecida – disse. Isso foi o mais próximo que chegamos de uma coletiva de
imprensa.
Anos depois, nos tornamos amigas e ocasionalmente almoçávamos ou nos
encontrávamos em jantares. Ela era muito engraçada e me contou anedotas
atrevidas sobre suas cunhadas. Ela me disse que não podia suportar aquelas
atividades atléticas e odiava as competições de esqui aquático, jogos de tênis e
coisas do gênero. Se eu queria entrevistá-la? Nem é necessário responder. Por
anos e anos tentei. Ela sempre recusou. Na verdade, contra meus próprios desejos, penso que ela estava absolutamente certa. O silêncio manteve seu mistério
e lhe proporcionou uma aura que de outra forma ela não teria. E haveria uma
série de perguntas que ela, sem dúvida, não responderia.
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A arte de entrevistar
O único trunfo que eu consegui na viagem à Índia não pude usar. A tendência do presidente Kennedy ao flerte é muito conhecida agora, mas naquele tempo suas atividades “extracurriculares” eram tratadas como segredo de Estado.
A imprensa não tocava nesse assunto. Eu conheci o chefe da Agência Central
de Informação dos Estados Unidos na Índia, e ele me contou reservadamente
que tão logo a senhora Kennedy voltasse da Índia, Angie Dickinson, a atriz com
quem o presidente estava tendo um caso rumoroso, ia fazer exatamente o mesmo
roteiro. Mas, embora a agência de informações, os membros do Departamento
de Estado, os oficiais do governo da Índia e do Paquistão e alguns membros da
comitiva de imprensa, inclusive eu, soubessem da cópia fiel da viagem a ser
feita por Angie, isso permaneceu em segredo. Era assim naquele tempo.
Uma vez que eu não tive sorte com Jackie, só me restou convidar Joan Braden para aparecer no programa Today. Ela foi a única a conseguir uma entrevista com a senhora Kennedy, quando Jackie a convidou para sentar a seu lado no
avião na viagem de volta. Isso havia sido combinado previamente por Stewart
Alsop, para que Joan pudesse usar em seu artigo do Saturday Evening Post. Joan
veio para Nova York, onde fizemos uma entrevista agradável e não informativa,
mas, verdade seja dita, ela encantou John Chancellor e Shad Northshield.
– Bom trabalho – ambos disseram. Ah, que disparate!
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