1 Diabo Veste Prada – Transformando e - Comunicon 2015

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1 Diabo Veste Prada – Transformando e - Comunicon 2015
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)
Diabo Veste Prada – Transformando e Incorporando Identidades1.
Regiane M. KONOPKA2
PPGCOM-ESPM
Resumo
Neste artigo, refletimos sobre como os valores midiatizados de glamour e celebrização tornamse atrativos para o trabalho no universo da moda, motivando a busca de visibilidade por
profissionais ligados a este universo. Analisaremos as transformações e construção de
identidades que acontecem sob a influência dos signos de poder do universo fashion. Como
objeto empírico tomamos o perfil representado por alguns dos personagens do filme “O Diabo
veste Prada” (David Frankel, 2006), a saber: Andrea Sachs (Anne Hathaway), Emily Blunt
(Emily Charlton) e Miranda Priestly (Meryl Streep). Os autores de referência são: Stuart Hall
e Tomaz Silva, falando de identidade, Guy Debord e Paula Sibilia tratando da busca por
visibilidade na sociedade moderna e Ervin Goffman para refletir sobre as representações do
indivíduo em suas interações sociais. Descrevemos e analisamos em recortes do filme, imagens
e discursos que demonstram como esta indústria normatiza identidades, pelo percurso da
personagem Andrea Sachs; e como o estereotipado status da indústria da moda seduz, através
da personagem Emily Blunt.
Palavras chave: Comunicação e Consumo; Moda; Identidade; Representação.
A moda consumada vive de paradoxos: sua inconsciência favorece a consciência;
suas loucuras, o espírito de tolerância; seu mimetismo, o individualismo;
sua frivolidade, o respeito pelos direitos do homem.
(LIPOVESTSKY, 1989, p.46).
As formas do Diabo
A obra cinematográfica “O Diabo veste Prada” foi dirigida por David Frankel
(2006) e é uma adaptação do best seller de mesmo nome, escrito por Lauren Weisbeger.
O filme tem renomados atores como Meryl Streep e Anne Hathaway, e a responsável
pelo figurino que teve uma indicação ao Oscar, foi a celebrada figurinista Patricia Field,
1
Artigo apresentado no Grupo de Trabalho 2: Comunicação, Consumo e Identidade: Materialidades,
atribuição de sentidos e representações midiáticas do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos
dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015.
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Mestranda do Curso Comunicação e Práticas de Consumo -PPGCOM-ESPM, email:
[email protected]
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famosa por seu trabalho na série americana “Sex and the City3”, também dedicada ao
universo fashion.
A trama de O Diabo Veste Prada, mesmo sendo declaradamente uma ficção,
foi inspirada na experiência pessoal da autora do livro, que ocupou por três anos o cargo
de assistente da mundialmente reconhecida no universo fashion, Anna Wintour,
editora-chefe da revista Vogue4 em sua edição americana. Reconhece-se desta maneira
intertextualidades entre o enredo ficcional da estória e o cenário fashion.
Os personagens são tomados neste artigo como objetos empíricos com o
objetivo de nos aprofundarmos nas questões relativas a mobilidade das identidades, a
conciliação de mundos distintos e a influência do consumo e de signos de poder e status
na vida dos sujeitos. De acordo com Hall (2006): “a identidade torna-se uma celebração
móvel: formada e transformada continuamente em relação as formas como somos
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”.
Traremos a seguir, uma visão geral do enredo do filme que transcorre em torno
da indústria da moda, mais especificamente nos bastidores da fictícia revista Runway e
em uma edição da Paris Fashion Week5.
Miranda Priestly (Meryl Streep) é editora da revista Runway, lendária e temida,
administra coercitivamente um império. Eficiente e centralizadora, nada pode lhe
escapar, mesmo que isso lhe custe infelicidade em sua vida pessoal. No dia-a-dia
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Sex and the City é uma premiada série de televisão americana baseada num livro com o mesmo
nome de Candace Bushnell, Scott B. Smith e Michael Crichton. Foi originalmente transmitida
nos Estados Unidos pela cadeia HBO, de 6 de junho 1998 a 22 de fevereiro de 2004. Filmada na cidade
de Nova Iorque, a série focava nas relações íntimas de quatro mulheres. Fonte: Wikipédia.
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Vogue é a revista feminina de moda mais importante, conceituada e influente do mundo da moda,
publicada desde 1892 pela Condé Nast Publications, e presente em 21 países. Mensalmente publica
trabalhos de estilistas, escritores, fotógrafos e designers dentro de uma perspectiva sofisticada do
mundo da moda, da beleza e da cultura pop. Fonte: Wikipédia.
5
Paris Fashion Week, é uma semana de desfiles de moda realizada semestralmente, em Paris com
coleções de Primavera/Verão e Outono/Inverno. As datas são determinadas pela Federação Francesa
de Moda. PFW faz parte do "Big 5" entre as semanas de moda internacionais, sendo os outros: Londres
Fashion Week, Milão Fashion Week, New York Fashion Week, e Berlin Fashion Week .Fonte: Wikipedia.
Para saber mais: http://www.modeaparis.com (site Fédération Française de la Couture du Prêt-àPorter des Couturiers and Créateurs de Mode)
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subestima e constrange sua equipe, e impõe sua opinião aos estilistas, que precisam de
seu parecer positivo para obterem espaço na revista.
Figura 1
Emily Blunt (Emily Charlton) é primeira assistente de Miranda que se submete
ao desrespeito da chefe em nome do estereotipado status que acredita que sua posição
lhe confere. Mais do que a primeira assistente, ela é reprodutora ideológica de seus
valores, uma funcionária que não questiona, somente executa. Em um movimento de
projeção, Emily dispensa a Andrea Sachs o mesmo tipo de tratamento que recebe.
Figura 2
A trama é centrada na personagem Andrea Sachs (Anne Hathaway), uma
jornalista recém-formada que persegue o sonho de trabalhar em algum renomado jornal
em Nova York mas e é contratada para uma importante revista de moda, a revista
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“Runway”. A personagem não tem identificação com o universo fashion e sofre com o
desajuste, situação que vai se alterando com o desenrolar da trama quando a
personagem muda seu visual com o objetivo de adequar aos padrões da empresa.
Figura 3
Figura 4
Adaptando a identidade
Para este estudo identidade é um conceito central, entendido para além da
identificação, mas como uma forma de comunicação que se dá por meio do consumo
de moda, esta transformada num código, uma espécie de linguagem, que transmite parte
de quem somos, alguns de nossos valores e nossa eventual posição no contexto social.
Além disso, tomamos moda aqui como algo mais do que tendências de vestuário, em
convergência com os conceitos de Hall entendemos que a expressão destas identidades
reflete a complexidade do mundo moderno. A necessidade de adequar-se a novos
contextos sociais gera muita contradição, mas é a partir destas interações entre o eu e
sociedade que as identidades são finalmente (trans)formadas.
Andrea é contratada por Miranda, que se chega a se referir a funcionária, como
a garota gorda, mas inteligente. A personagem, quando começa a trabalhar na revista
percebe o ambiente extremamente tenso que predomina, mas analisa que este seria um
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período transitório uma vez que como recém-formada em jornalismo sua passagem pela
prestigiosa revista seria importante em seu currículo. (figs. 5,6 ,7)
Figura 5
Figura 6
Figura 7
No início, mesmo sendo assediada por seus colegas de trabalho, ela não se
preocupa em seguir as tendências de moda e tenta permanecer fiel a suas convicções
(figs. 8,9) porém percebe que para fazer parte deste contexto social e ser aceita por seus
pares, terá que assimilar a cultura organizacional da empresa, representada fortemente
por códigos de vestimenta e comportamentos.
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Figura 8
Figura 9
Mesmo sendo a antítese da fashionista 6 , e desprezando esta linguagem
representada pelos códigos de vestir inerentes ao universo fashion, Andy resolve mudar
sua imagem e com a ajuda de um colega modifica seu jeito de vestir, a maquiagem, o
corte de cabelo, e a moça pouco vaidosa, vai assimilando os signos da moda. (figs.
10,11)
Figura 10
Figura 11
Importante perceber aqui que esta mudança acontece inicialmente com o
objetivo de adequar-se ao trabalho, mas rapidamente ela incorpora completamente esta
identidade fashion causando estranheza a seu namorado, (figs. 12,13,14). Para este
jogo, estas adaptações que o indivíduo faz em sua rotina Goffman (2009) usa o termo
“representação” denominado por “toda atividade de um indivíduo que se passa num
período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de
6
Fashionistas são os apaixonados pelo mundo da moda, que se esmeram em vestir-se com criatividade
e vanguarda e são de alguma maneira parte deste universo. Fonte: http://www.portaisdamoda.com.br
acessado em 27/07/2015 as 23:12
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observadores e que tem sobre estes alguma influência. ”. Com o desenrolar da trama
nota-se o quanto as interações com o meio vão alterando as percepções da personagem,
e a imagem de fashionista que era vista com ressalvas agora extrapola a esfera laboral
e já se imbrica com a sua vida pessoal .
Figura 12
Figura 13
Figura 14
Sob as lentes de Hall, e assim como o que acontece com Andrea no filme, vemos
que a identidade não deve ser tratada rigidamente, que os significados não são fixos ou
completos e que sempre existem deslizamentos. Sua posição evidencia a questão da
fluidez da identidade:
Ao ver a identidade como uma questão de tornar-se, aqueles
que reivindicam a identidade não se limitariam a ser posicionados
pela identidade: eles seriam capazes de posicionar a si próprios e de
construir e transformar as identidades históricas, herdadas de um
suposto passado comum (HALL, 2000, p. 29).
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É relevante ainda neste estudo, a discussão acerca da fixação de uma identidade
como norma, e da maneira como isso é uma forma de hierarquização das identidades e
diferenças. Os personagens da trama são fortemente influenciados por Miranda (figs.
15,16), vale lembrar como Emily já declarava que a chefe era uma “lenda”, ou como
Andrea a partir da declaração de Miranda decide mudar sua imagem: (figs 17,18): “Eu
achei que você seria diferente, por isso, contratei essa garota esperta e gorda, mas você
é igual a todas”. Tomaz Silva, defende que esta normalização é um processo sutil, usado
pelo poder, que elege uma identidade específica para ser o modelo que servirá de padrão
para a avaliação e hierarquização de outras identidades, assim como acontece com
Miranda que mesmo tendo uma personalidade hostil é tratada como um modelo a ser
seguido.
Normalizar significa atribuir a esta identidade todas as
características positivas possíveis, em relação às quais as outras
identidades só podem ser avaliadas de forma negativa. A identidade
normal é “natural”, desejável, única. A força de uma identidade
normalizada é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade,
mas simplesmente como a identidade. (SILVA, 2000, p.29)
Figura 15
Figura 16
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Figura 17
Figura 18
A exposição do eu
O vestuário é um elo entre o indivíduo e o sistema simbólico da moda, na
dinâmica deste processo, a indústria da moda, sempre em busca do novo, cria
necessidades e para o que se apropria de elementos imaginários e culturais
ressignificando-os objetivando uma identificação que acontece entre outras razões,
porque ao incorporar atributos da caracterização de personagens em evidência, o
vestuário torna acessível ao grande público o glamour inerente às figuras midiáticas em
um mecanismo de projeção do sucesso daquele que usa o bem (MARINHO, 2005).
Numa tentativa de se apropriar de toda a aura de glamour e poder associada a
moda, muito além da cópia dos figurinos, busca-se no filme acessar esse universo e
seus significados fazendo parte dele através do campo do trabalho. A personagem
Emily Blunt incorpora muitos destes valores de deslumbramento, e é claramente atraída
pelo magnetismo da moda (figs.19,20,21). Mesmo sendo humilhada pela chefe,
considera que a revista lhe confere uma posição privilegiada, porque o fato de transitar
na esfera fashion lhe proporciona distinção, e fazer parte deste mundo por ela
idealizado, produz-lhe grande satisfação.
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Figura 19
Figura 20
Figura 21
Sibilia, em “O Show do Eu", afirma que estamos “[...] vivenciando
um corte na história que altera as formas de ser e estar no mundo” (2008, p.15). A
autora questiona a legitimação da cultura da observação do outro e da exposição de si
próprio. Emily busca se apropriar desta imagem de poder do mundo da moda, seja pela
visibilidade que seus compromissos de trabalho lhe proporcionam, ou através das
roupas que assumem um papel relevante na vida da personagem. (Figs. 22,23)
Figura 22
Figura 23
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As visões de mundo de Emily nos a levam a refletir sobre a mídia como
influenciadora, e como disseminadora de estereótipos, e a forma como somos
impactados pela narrativa midiática ativando desejos e criando identificações com
imagens e personagens. Guy Debord (1997), já chamava atenção para o que ele
denominava como “a sociedade do espetáculo” levada às últimas consequências. Em
sua obra homônima, lançada ainda em 1967, o autor já advertia para o fato de que a
sociedade já via o advento da exposição como uma positividade, constituindo-se assim
como o modelo prevalecente.
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida
social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma
evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida
social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da
economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o
parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio imediato
e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual
tornou-se social, diretamente independente da força social, moldada
por ela. Só lhe é permitido aparecer naquela que ela não é.
(DEBORD, 1997, p.18)
Sob as lentes de Debord, o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas sim
uma relação social entre as pessoas, por elas (as imagens) mediada. Se Marx já
chamava atenção para a mudança do “ser para ter”, Debord antevia o perspassamento
do “ter para o parecer”, conceito mais que atual ainda no século XXI.
Referências Bibliográficas
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª edição. Rio de Janeiro:
DP&A, 2006.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e
diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis (RJ): Vozes, 2000.
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LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MARINHO, Maria Gabriela S.M.C. Ensino Superior de moda: condicionantes sociais e
institucionalização acadêmica em São Paulo. Uma abordagem histórica. In: (WAJNMAN,
Solange; ALMEIDA, Adilson (Orgs.) Moda, Comunicação e Cultura: um olhar acadêmico.
2ª edição. São Paulo: Arte e Ciência, 2005.
SIBILIA, Paula. O Show do EU – a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2008.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis (RJ): Vozes, 2000.
SVENDSEN, Lars. Moda uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar. 2010.
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