Radiodifusão no Brasil: entre o serviço e o - Portal RP

Transcrição

Radiodifusão no Brasil: entre o serviço e o - Portal RP
SERVIÇO PÚBLICO E INTERESSE PÚBLICO NAS
COMUNICAÇÕES
SUZY DOS SANTOS*
[email protected]
ÉRICO DA SILVEIRA**
[email protected]
Esta análise é parte de uma pesquisa mais abrangente sobre “As bases normativas de um novo modelo
institucional para a comunicação social eletrônica brasileira”, realizada no Laboratório de Políticas de
Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília. O propósito deste
texto é contribuir para o esclarecimento de certa confusão estabelecida nas comunicações sobre o significado e o
uso dos conceitos de Serviço Público e Interesse Público. Fato é que o mercado trabalhos acadêmicos, ou mesmo
as legislações do setor não são precisos na delimitação do conceito de Serviço Público e usam, ora um termo, ora
outro, sem respeitar sua distinção. Distinguí-los é uma necessidade para progredir na compreensão da natureza
da comunicação em cada modelo. Para tanto, cumprimos três raciocínios complementares para garantir a
resposta da natureza dos serviços em comunicação.
A primeira trilha de raciocínio busca uma categorização do serviço de comunicação a partir do papel
escolhido pelo Estado para oferecer aquele serviço à sociedade que representa. Deriva-se daí o segundo
raciocínio deste trabalho, em que optamos por investigar dois processos contextualizados desta modalidade de
serviço. A investigação culmina na aplicação das categorias aos modelos de comunicação comparados. A última
interrogação persegue o significado de Serviço Público, originado no direito administrativo e desdobra-se sobre
o campo da comunicação. Completa-se assim a investigação que estabelece como conceitos diferentes o Serviço
Público de Comunicação do Serviço de Interesse Público de Comunicação.
Palavras-chave: Radiodifusão, Serviço Público, Interesse Público.
*
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Facom/UFBA, Pesquisadora Residente no LapcomFAC-UnB com bolsa da Fundação Ford e apoio à pesquisa do CNPq.
**
Mestre em Comunicação pela Fac/UnB, Pesquisador Residente no Lapcom-FAC-UnB com bolsa da Fundação
Ford.
O PAPEL DO ESTADO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES
Ao se olhar para o conjunto de leis e instituições que regulamentam as comunicações,
se tem a impressão de uma estrutura complexa, repleta de normas específicas, causando
confusão pelo volume de regras, leis e funções das instituições envolvidas. Junta-se a essa
estrutura truncada as mudanças tecnológicas, implicando novos regulamentos, redefinindo
necessidades públicas, reinventando serviços, misturando os meios de comunicação no que se
cunhou como ‘convergência’ e confundindo ainda mais uma reflexão já complicada.
Isto se já não bastassem as diferentes interpretações de diversos países, cada qual com
uma visão da função que as comunicações devem desempenhar na sociedade, aumentando
ainda mais a discussão, desdobrando-se em estudos comparados que multiplicam as
alternativas de modelos de gestão para o setor. A saída para se estudar este campo, que se
transforma ao sabor da política, do mercado e das inovações tecnológicas, não poderia ser
outra senão um estudo dos princípios que definem o papel das comunicações na sociedade, a
natureza do serviço prestado pelas instituições de comunicação, e o caminho escolhido parte
da forma de participação do Estado, protagonista natural no processo de estudos de políticas.
A discussão conceitual acerca da natureza dos serviços de comunicações não é de
modo algum uma exclusividade do momento atual. Ela está presente em cada inovação que o
setor sofreu, sofre e sofrerá. Por exemplo, na primeira regulamentação do rádio ou no
surgimento da televisão, discussões levantavam os temas de segurança, soberania nacional,
liberdade de expressão. Em toda inovação do setor, o questionamento da natureza do serviço
se faz presente, instrumentando o embate de forças econômicas e políticas, culminando num
contexto normativo reformulado.
Como propôs Thomas Kuhn (1998), até a consolidação de um paradigma, em qualquer
campo de estudo, há um embate de idéias, mas também de forças sociais, políticas e
econômicas que culminam na prevalência de uma corrente. Se isto se mostra verdadeiro para
uma ciência natural, mais se pode esperar das ciências humanas, principalmente em um
campo intimamente ligado à política e ao poder. É justo, pois, que argumentos levantados
anteriormente à consolidação de modelos e por hora adormecidos, possam ser resgatados a
fim de esclarecer seus fundamentos. Assim se justifica este debate hoje, quando todas as
mudanças sofridas pelas comunicações no seu processo de digitalização trazem de volta as
mesmas discussões da época da Marconi Company e as primeiras regulamentações do rádio,
na década de 20.
2
Tanto o rádio quanto, posteriormente, a televisão, tiveram papel fundamental não
apenas na criação de uma indústria totalmente nova, a Indústria Cultural1, como também na
divulgação da convicção de que era indissolúvel o casamento entre eficiência tecnológica e os
valores morais de justiça, igualdade e bem público (Mosco, 1996 : 34). No entanto, este
casamento, por ser ‘arranjado’, não reflete a felicidade ‘até que a morte os separe’:
Whenever access to the communications and information resources required for full
citizenship depends upon purchasing power (as expressed directly through customer
payments or indirectly through the unequal distribution of advertising subsidies to
production), substantial inequalities are generated that undermine the nominal universality
of citizenship (Golding; Murdock, 1997b : 1042).
Os serviços de comunicações, no que se refere ao provimento de conteúdo
(radiodifusão) e o tráfego de informações (telefonia/transmissão de dados), cresceram e foram
regulados sob lógicas e instâncias normativas distintas (Garnham, 1991; 1996; Richeri, 1995).
As diferentes naturezas dos serviços fizeram com que a telefonia fosse regulada
prioritariamente em relação à distribuição/transporte de informações e a radiodifusão em
relação ao conteúdo.
Os serviços de telefonia e transmissão de dados se consagraram historicamente como
monopólio estatal, exceto nos EUA, e sua estrutura regulatória foi desenvolvida em relação à
estrutura física, com base em três princípios genéricos:
a) acesso universal (common carriage);
b) interconexão; e,
c) controle de preços (tarifas não discriminatórias).
Encarado como questão estratégica nas políticas de desenvolvimento do século XX, o
controle destes serviços era regido especialmente por um enfoque geopolítico e de segurança
do Estado. O conteúdo das transmissões era considerado uma transação privada e jamais foi
controlado, salvo em períodos de guerra ou convulsão social.
1
É importante ressaltar que, antes do rádio e da televisão, também o cinema, a indústria fonográfica e a indústria
editorial gráfica (comics, fotonovelas, revistas femininas etc.) já ensaiavam a formação desta Indústria
Cultural. A relevância do rádio e da televisão neste processo dá-se pelo intenso processo de mercantilização
e estandardização destes meios. Sobre estes processos ver ADORNO; HORKHEIMER (1985); GARNHAM
(1990); MIÈGE (1989); FLICHY (1996).
2
A referência da primeira publicação do texto é: MURDOCK, Graham; GOLDING, Peter. Information poverty
and political inequality: citizenship in the Age of Privatized Communications. Journal of Communication.
n. 39, v. 3, 1989, p. 180-195. Utilizamos aqui a versão apresentada no segundo volume da coletânea The
Political Economy of Media, editada, em 1997, pelos mesmos autores. p. 100-115.
3
Na radiodifusão, tanto a distribuição quanto o conteúdo eram controlados pelos
Estados fosse nos modelos público/estatal ou comercial. Esta regulação incluía critérios
culturais e econômicos, além dos políticos, estando baseada em princípios diversos das
telecomunicações e mais próximos à lógica aplicada anteriormente à imprensa. Como sustenta
Othon Jambeiro:
Histórica e universalmente, os sistemas regulatórios desenvolvidos para governar a
indústria da TV têm derivado diretamente dos instrumentos legais e aparatos burocráticos
que os estados-nações criaram para tratar com a Imprensa. Na medida em que novas
tecnologias deram origem a novos meios de comunicação de massa - o cinema, depois o
rádio, em seguida a TV - aqueles instrumentos e aparatos foram consequentemente
adaptados, muitas vezes para permitir que se pudesse continuar a policiar e controlar a
mídia. Os sistemas regulatórios evoluíram em seguida para evitar danos morais, regular a
relação trabalhista entre empregados e proprietários dos meios, prevenir excessiva
concentração de poder, licenciar freqüências de rádio e TV, e - particularmente nas
democracias liberais da Europa ocidental e nos Estados Unidos - garantir formas de
competição econômica suficiente para frustrar o estabelecimento de monopólios (1997 :
148).
Apesar das distinções no mercado e na natureza da regulação, estes serviços
usualmente estão incluídos dentro de um setor único, genericamente chamado de
comunicações, no qual o Estado assume as funções de proprietário, promotor ou regulador.
Ainda segundo Jambeiro,
Ele é Estado Proprietário, no que se refere, por exemplo, à bibliotecas, centros de
documentação, ao espectro eletromagnético e às emissoras de rádio e TV que explora
diretamente. É também Estado Promotor, porque traça as estratégias públicas para o
desenvolvimento do setor, faz inversões de infra-estrutura, e concede incentivos e
subvenções. E, finalmente, é Estado Regulador, na sua função de fixar regras claras de
instalação e operação, que eliminem as incertezas e desequilíbrios" (Jambeiro, 2000 : 23).
Alguns autores, como Alejandro Piscitelli (1995), consideram que o interesse central
do Estado na radiodifusão está embutido na natureza educacional/cultural dos serviços. O
período que este autor classifica como paleotelevisão, tomando emprestada aquela elaborada
por Umberto Eco, está baseado num contexto de comunicação pedagógica no qual os ouvintes
de rádio e telespectadores de televisão cumprem o papel de alunos. O objetivo destes meios
seria a transmissão de conhecimentos dirigidos.
Esta capacidade ‘doutrinária’ da radiodifusão seria responsável pelo interesse em
torná-la disponível às massas e também pelo forte controle do setor. Próximo desta linha de
raciocínio está o livro Elogio do Grande Público, de Dominique Wolton (1996). O autor traça
um paralelo entre o uso massivo do rádio nos governos nazistas e fascistas para explicar as
características nacionalistas, o modelo de Serviço Público com controle/propriedade estatal e
o domínio de uma função de democratização cultural na radiodifusão.
4
Dessa forma, a radiodifusão, na primeira metade deste século, servia como uma
espécie de curinga no baralho da acumulação fordista. No campo político, favorecia a difusão
da ideologia capitalista, a mobilização e a formação de opinião pública buscando manter um
consenso social. Já no campo econômico, estes serviços alavancavam a acumulação
capitalista ajudando a criar um mercado para os equipamentos de recepção e funcionando
como poderosos instrumentos de marketing para os bens de consumo de massas (Garnham,
1991, p.68). A regulamentação, portanto, está condicionada a promover uma infra-estrutura
unificada que venha a atingir três objetivos básicos:
a) assegurar a demanda de aparelhos de rádio e televisão;
b) ajudar a criar audiências massivas essenciais ao marketing fordista; e,
c) proporcionar um meio para a mobilização política das massas e para a formação da
opinião pública.
O acesso direto ao ambiente doméstico permitia, assim, a solução do que Garnham
considera uma das potenciais contradições do fordismo: o estabelecimento das relações
fordistas de produção e o boom do consumo doméstico e familiar, constituíam uma tendência
de esvaziamento das formas tradicionais de organização e mobilização social e política.
Para o autor, esse modelo estava fundamentado num equilíbrio entre três processos
associativos:
a) uma aliança entre o Estado e o consumidor nacional da indústria eletroeletrônica, suposta através do desenvolvimento das infra-estruturas da
radiodifusão e da recepção;
b) uma aliança entre o Estado e o setor coletivo de assinantes (indústrias
fordistas), suposta através da mobilização de fontes de financiamento da
programação; e,
c) a articulação e mobilização da legitimidade política da indústria de televisão
que dependia do Estado para obter acesso ao espectro eletromagnético (p. 69).
Visando estes interesses, o chamado Estado Fordista, adotou as posições de
proprietário, promotor ou regulador para garantir a existência de um mercado e um
desenvolvimento estável no setor. Sob outro ponto de vista, a própria natureza da radiodifusão
aponta para quatro razões centrais para o estreito controle estatal (François, 1990: 551-553):
a) a propriedade pública das ondas radioelétricas;
b) a reduzida quantidade de freqüências;
5
c) o argumento das “diferenças midiáticas”, baseado na idéia de que o conteúdo do
rádio e da televisão são intrusivos na esfera doméstica;
d) o conceito fiduciário, no qual se pressupõe que a licença é uma espécie de
“empréstimo em confiança” do espaço público.
Newman, McKnight e Solomon (1998:26-28)3 definiram um quadro (figura 1) que
pretende a discussão dos princípios norteadores de qualquer modelo de regulação de
telecomunicações (e que obviamente pode ser aproveitado para classificar a radiodifusão)
quanto ao papel do Estado e do setor privado, classificando-os em quatro modelos
tradicionais. (O quinto modelo do quadro é mais uma proposta que um modelo que exista em
algum país ou outro contexto).
Figura 1: Five regulatory traditions
Paradigm
Public ownership
Common carriage
Open
infrastructure
Public trustee
Laissez-faire
communication
Public role
Ownership and management of
monopoly system
Heavy regulation of entry, exit,
tariff and management procedures
Regulation
focused
on
maintenance of competition and
espectrum alocation
Light regulation of procedure,
initial regulation of entry
Minimal regulation of business
practice
Private role
Manufacturing only
Ownership and management of
monopoly system
Ownership and management of
competitive system
Ownership and management of
quase-competitive system
Ownership and management; level
of competition not determined
Public ownership seria o modelo Estatal, onde o papel do Estado abrange a
propriedade e a gestão de um monopólio do setor. Este modelo representa a grande maioria
dos sistemas de telecomunicações ou comunicações do mundo, pelo menos até meados da
década de 90. O papel do setor privado, neste modelo está apenas na manufatura, de
aparelhos televisores ou telefônicos, por exemplo.
Outro modelo, definido pelos autores, é conhecido como Common Carriage e tem a
característica de uma regulamentação completa das atividades de comunicação pelo Estado
em regime de monopólio. Difere do modelo anterior, porque cabe, neste, ao setor privado a
propriedade do sistema de comunicação. Este sistema é um monopólio que o Estado arbitra a
natureza do serviço, suas tarifas, garante o acesso universal e define e fiscaliza as empresas
3
A classificação desenvolvida no livro é uma gradação que pretende compreender todas as possibilidades de
participação do estado e do mercado em qualquer modelo de comunicação.
6
que participarão do monopólio na garantia do cumprimento do Serviço Público designado
pelo Estado. Estes modelos monopolistas são sustentados pela noção de monopólio natural,
que defende que a natureza do serviço de comunicação, pelo alto custo de construção e
manutenção da infra-estrutura da rede e a necessidade de interoperabilidade não justificam a
construção de um sistema concorrente, por ser mais oneroso para a sociedade. Central a este
modelo é a questão da garantia de acesso universal. Este sistema predominou os países
europeus, que hoje avançam sua transição a um modelo concorrencial.
Public Trustee é o modelo derivado da radiodifusão americana. O papel do Estado
está na definição do fiducitário, concedendo licenças em confiança e definindo alguns
aspectos do serviço. O setor privado é o proprietário e o gestor das comunicações em um
sistema de competição limitada. O conceito que sustenta essa limitação reside na escassez de
espectro para radiodifusão, exigindo a presença do Estado na organização, concedendo
licenças, selecionando os Trustees dentro do número limitado de concessões que o Estado
pode oferecer. O Public Trustee é a entidade física e/ou jurídica, dependendo do país, que
recebe sua porção do espectro em confiança do Estado com o compromisso de cumprir
algumas determinações em defesa do Interesse Público. Esta definição é essencial para este
estudo.
Laissez-Faire é a denominação dada pelos autores ao regime de competição livre
onde o Estado pouco interfere, com regulamentação mínima sobre o negócio, deixando que a
livre competição garanta a qualidade do serviço. Os defensores deste ponto de vista
argumentam que liberdade de expressão é garantida pela exclusão quase completa do Estado
do processo.
O
modelo
apresentado
pelos
autores
denominado
Open
Communication
Infrastructure, definido pela ação do Estado na manutenção da competição e na alocação de
espectro e o papel do setor privado estaria na propriedade e na gestão em regime
competitivo, não é um modelo tradicional de comunicação, mas sim uma proposta dentro do
modelo competitivo de caráter liberal, bem de acordo com a visão dos autores. Como este
modelo é apenas uma idealização dos autores, uma proposta, não nos serve para o estudo dos
princípios dos modelos de comunicação existentes.
Embora sejam de extrema valia em termos didáticos, estes esquemas carecem de um
olhar mais amplo acerca da organização das sociedades capitalistas avançadas. Tomando
conceitos disponíveis na teoria política e sociológica, Vincent Mosco (1988 : 108-113)
7
desenha um quadro explicativo, fortemente baseado em Niklas Luhmann e Daniel Bell4,
acerca dos mecanismos de forças sociais em conflito e das operações que transformam estes
mecanismos em formas de governança (figura 2).
Inicialmente, apresenta quatro modos de processamento das necessidades sociais:
a) representação ou poder político;
b) mercado ou poder monetário/cambial;
c) controle social ou poder derivado da sociabilidade, valores culturais, normas etc; e,
d) especialização ou poder baseado no conhecimento científico ou na detenção da
informação.
Estes modos de processamento desenvolvem outras quatro formas fundamentais de
governança que, em certa medida, contextualizam o quadro de Newman, McKnight e
Solomon, anteriormente abordado. São elas: Regulation, Competition, Expert Boards e
Corporatism.
Figura 2: Forms of governance for processing social claims in developed capitalist
societies
REPRESENTATION
(Wide incorporation)
Regulation
Corporatism
MARKET
(Indirect)
SOCIAL CONTROL
(Direct)
Competition
Expert boards
EXPERTISE
(Narrow incorporation)
4
LUHMANN, Niklas. The Differentiation of Society. New York: Columbia University Press, 1982; e BELL,
Daniel. The Cultural Contraditions of Capitalism. New York: Basic Books, 1976, apud Mosco, 1988:
108-113.
8
A forma de governança Regulation está vinculada a uma estrutura de mercado
privado. Mosco exemplifica esta forma a partir da Federal Communications Commission
estado-unidense que é responsável por representar o Interesse Público, levando em conta as
necessidades daqueles que seriam naturalmente excluídos, ou teriam pouca voz, numa
estrutura puramente mercadológica. Contudo, o FCC existe para garantir o bom
funcionamento do mercado privado nas comunicações.
Já a Private Competition é a forma mais amplamente discutida no ambiente que se
refere ao tópico “comunicações”. Ela se refere ao ambiente no qual as opções tecnológicas,
administrativas e de investimento são as mais apropriadas para se decidir o que produzir e
como estruturar a distribuição de recursos. Mosco chama atenção para o fato de que,
diferente do que se pode depreender numa leitura generalista, mercado não é um mecanismo
auto-criador e auto-sustentável. Ao contrário, a questão chave da sua estrutura é justamente:
quem cria e sustenta os mercados e para benefício de quem.
Os Expert Boards configuram uma forma de governança baseada em princípios
técnicos. Grupos de especialistas ou consultores de competência socialmente reconhecida
que representariam uma ferramenta de ampliação do controle social. A forma Corporatism
se refere a formas de governança que dão status de autoridade a indivíduos que representam
componentes específicos na jogo de forças em questão. Por exemplo, representações
sindicais, dos consumidores, dos diferentes negócios que compõem o setor.
Naturalmente, por esta contextualização, Mosco está preocupado em retomar o papel
central do Estado (e do ambiente político) num cenário no qual os discursos teóricos, em
certos momentos, parecem rebaixar à categoria de coadjuvante. Nas palavras do autor:
A fundamental premise of the discussion is that developed capitalim has no form for
settling social claims that precludes state intervention. One can aknowledge degrees of state
intervention within each mode, from low in a facilitative role to high in a directing capacity.
But the state is involved in each form, including the market (1988 : 111-112).
Na conclusão do artigo o autor resgata esta idéia em detrimento do papel central do
ambiente econômico nas análises do setor:
This article has been a modest effort, by no means Copernican, to suggest ways of
accentuating the political in the political economy of telecommunications(...) Concretely, I
have offered ways of expanding the discussion of policy issues beyond dichotomous
thinking – to regulate or not to regulate – and ways of seeing the politics of policy that do
justice to the central role of telecommunications in contemporary social life (1988 : 122).
9
A utilização destas classificações esclarece as possibilidades das ações do Estado
praticadas pelos modelos de comunicação existentes e a contrapartida privada. Chamam
atenção que a definição do papel que o Estado desempenha na gestão do modelo estabelece a
natureza dos serviços de comunicações que uma sociedade se propõe, ou que a ela se impõe.
A partir da classificação do papel do Estado, opta-se por simplificar os modelos em
duas linhas básicas. Assim reduzidos, os modelos se classificam entre os que têm um serviço
prestado pelo Estado, direta ou indiretamente, e os que têm o serviço prestado pela iniciativa
privada. Procurando exemplos, chegamos à dualidade entre os modelos americano e
europeu. No caso do europeu, devido a sua grande variedade, que vai do empreendimento
estatal ao Serviço Público prestado indiretamente por entidade privada, escolhemos aquele
que se destaca entre eles, pelo menos por tradição: o modelo britânico.
O MODELO AMERICANO E O INTERESSE PÚBLICO
O modelo americano tem suas raízes no livre mercado. Mesmo que os primeiros
regulamentos e suas consequentes regulações colocassem que o espectro radiofônico era
uma espécie de bem público, e mesmo sendo necessárias licenças dadas pelo governo federal
para as radiodifusoras funcionarem, a radiodifusão americana era um empreendimento
privado. Este é o grande ponto de contraste entre os Estados Unidos e a Europa, onde a
radiodifusão foi tratada como bem público escasso e que deve ter a garantia de
universalidade de acesso garantida pelo Estado (Hoynes, 1994).
A idéia principal que sustenta o modelo americano para a radiodifusão nasce na
Primeira Emenda (First Amendment), na liberdade de expressão. Nenhuma lei seria feita
impedindo a liberdade de expressão. Porém, no caso da radiodifusão, a aplicação do
princípio não poderia ser feita da mesma maneira que foi aplicada à imprensa escrita. Havia
o entrave tecnológico: a escassez do espectro radiofônico somente permitia a existência
conjunta e harmônica de um limitado número de emissoras.
No início, a explosão do número de rádios gerou um caos no ar. Até meados de 1923,
existiam 500 estações nos Estados Unidos, atingindo dois milhões de pessoas. Em 1924, o
número cresceu para 1105 rádios, dividindo as mesmas 89 freqüências disponíveis. O
cenário americano assustava os ingleses. Opiniões rechaçando o modelo americano eram
10
comuns, como a do pioneiro do rádio inglês, R. N. Vyvyan5, horrorizado com a falta de
regulação, a interferência entre os sinais de rádio e a utilização massiva para fins
publicitários. Se na Inglaterra o horror ao caos do modelo americano, a interferência de
amadores nos serviços (que eram desenvolvidos pelo serviço postal britânico) e o caráter da
utilização do espectro para fins de segurança, nortearam a escolha do modelo, nos Estados
Unidos, a preocupação com a liberdade de expressão, juntamente com a explosão do negócio
publicitário levaram o modelo para a direção oposta.
Debates acerca da censura do novo meio eram comuns e a preocupação com o
controle do Estado sobre a comunicação era central. Claro que também se falava na censura
privada, aquela operada pelos próprios radiodifusores, mas esta era minimizada por seus
defensores com dois argumentos: a multiplicidade de fontes e a opinião pública, ambas
contribuiam como controle democrático. David Sarnoff, em nome da RCA, produtora de
aparelhos de rádio, representava esse ponto de vista que minimizava o efeito do controle da
comunicação pelos radiodifusores em relação à censura do governo e da regulação6.
Porém, o ponto de vista da liberdade de expressão ainda encontrava o obstáculo da
escassez do espectro. Como distinguir aqueles que seriam livres para utilizar o ar e aqueles
que não seriam contemplados com as licenças? O dilema da liberdade de expressão e da
escassez do espectro convencia até mesmo os mais liberais da urgência de alguma forma de
regulação como uma necessidade tecnológica (Pool, 1983 : 122). Algum mecanismo
precisava ser instaurado para que a concessão de licenças não ficasse livremente nas mãos do
Estado, com decisão subjetivada de cada governante.
A determinação do Radio Act of 1927 proibindo a censura por parte da Federal Radio
Commission (a instituição que concedia as licenças, transformada em FCC em 1934)
5
Como narra Pool: “A characteristic attitude was expressed by one of Britain’s radio pioneers, R. N. Vyvyan:
‘[In the United States] newspapers and big retail stores soon saw that broadcasting offered a wonderful
opportunity for addvertising their wares... ther was no regulations which fobade this... It did not matter
whether one station were interfering with another...as ther was a boom in broadcasting, and everyone was
going to get in on the aether By the middle of 1923 ther were over 500 broadcasteong stations in America
and na audience of about 2 million. By 1924 the number was 1105, and the 89 wavelenghts available had to
be shared by them; chaos in the aether was of course the result’ ” (1983 : 110).
6
“David Sarnoff countered that radio was becoming a major medium of opinion to which ‘the same principles
that apply to freedom of the press should be made to apply.’He emphasized the danger of government
censorship and minimized that of broadcaster controls. With over five hundred stations broadcasting to na
estimated daily audience of tem million, there was no danger of anyone monopolizing what went out on ‘the
vast reaches of the air.’The ‘real danger, he argued, was ín censorship, in over-regulation., Public opinion
must be the test of what is broadcast” (Pool, 1983 : 120).
11
apareceu apenas com a observação de que o próprio poder de conceder licenças era, por si,
um mecanismo de censura. É neste ponto do debate que surge o controvertido conceito do
Interesse Público (Public Interest). O conceito surge como forma de reduzir a possibilidade
de censura da comissão (e do governo, por conseqüência) e traduzir, em uma norma, o
mecanismo de seleção de licenciados (Trustees)7. Restava (e ainda resta) a dificuldade de se
interpretar o Interesse Público com propriedade. Apesar do conceito nunca ter sido
claramente definido, alguns parâmetros foram se consolidando, tanto no discurso como na
prática dos atores no modelo americano.
Em 1928, a FRC publicava um documento de sete páginas no qual se definia o
conceito de Interesse Público.
Este documento, segundo a FRC, surgiu a partir da indicação do Radio Act, de 1927,
de que a agência deveria organizar o mercado com a finalidade de garantir a igualdade no
serviço de radiodifusão, tanto na transmissão quanto na recepção, partindo dos conceitos de
interesse, conveniência ou necessidade pública. Após listar alguns critérios prioritários
(qualidade técnica, distribuição justa dos diferentes tipos de serviço prestado, evitar
duplicidade de programas e tipos de programação, evitar excesso de publicidade, dentre
outros), a FRC concluía:
Since the number of channels is limited and the number of persons desiring to
broadcast is far greater than can be accommodated, the commission must determine
from among the applicants before it which of them will, if licensed, best serve the
public. In a measure, perhaps, all of them give more or less service. Those who give
the least, however, must be sacrificed for those who give the most. The emphasis
must be first and foremost on the interest, the convenience, and the necessity of the
listening public, and not on the interest, convenience , or necessity of the individual
broadcaster or the advertiser (Golding; Murdock, 1997b, p.2938).
Outro documento, publicado em 1929, aponta que o Interesse Público requer a ampla
exposição e competição de idéias opostas na radiodifusão:
7
“The Columbia Law Review made (...) the point: ‘The standard of ‘Public convenience and necessity’seems to
afford a sufficiently effective device to guarantee the freedom of the air” (Pool, 1983 : 123).
8
A referência original deste texto é FEDERAL Radio Commission. Interpretation of the Public Interest:
‘statement made by the commission on august 23, 1928, relative to Public Interest, Convenience, or
Necessity. [s.l.]: 2 FRC Ann. Rep. 166, 1928. In: KAHN, Frank J. (ed.). Documents of American
Broadcasting. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, cap. 10, 3. ed.. p. 49-55. Utilizamos aqui a versão
apresentada no segundo volume da coletânea The Political Economy of Media, editada por Peter Golding e
Graham Murdock, p. 287-293.
12
[...] section 18 of the radio act of 1927, a broadcasting station is required to afford
equal opportunities for use of the station to all candidates for a public office if it
permits any of the candidates to use the station. It will be noticed, however, that in
the same section it is provided that “no obligation is hereby imposed upon any
licensee to allow the use of its station by any such candidate”. This is not only not
inconsistent with, but on the contrary supports, the commission’s viewpoint. Again
the emphasis is on the listening public, not on the sender of the message. It would
not be fair, indeed it would not be good service to the public to allow a one-sided
presentation of the political issues of a campaign […] the commission believes that
the principle applies not only to addresses by political candidates but to all
discussions of issues of importance to the public (Golding; Murdock, 1997b : 2962979).
O ponto primeiro e importante é a preservação da liberdade de expressão, mantendo
o governo fora do controle do conteúdo, como já foi colocado aqui. A liberdade de expressão
é uma preocupação que busca evitar o monopólio da comunicação como mecanismo de
poder. Seja monopólio do Estado ou seja ele um monopólio do mercado10. A Multiplicidade
de vozes e consequentemente de conteúdo é a chave encontrada para se fugir ao monopólio e
garantir o fundamento expresso na primeira emenda. A saída encontrada foi a pulverização
do poder, com a dissolução de possíveis monopólios partindo de uma característica marcante
da sociedade americana, seu espírito comunitário. O modelo seria orientado a conceder o
acesso ao espectro de forma descentralizada, o que se convencionou chamar de localismo. A
concessão de licenças locais pulverizou o poder e garantiu, até certo ponto, a multitude de
vozes desejada (embora a concentração de propriedade tenha gradualmente pervertido o
modelo original).
O modelo americano do Interesse Público tem seus críticos. Patrícia Aufderheide
(1998) pergunta: qual é o público que a regulação americana representa e a que interesses se
refere? Se assume, a partir dos primórdios da comunicação e as regulações antimonopolistas, que o Interesse Público é a saúde econômica da sociedade capitalista
9
A referência original deste texto é Federal Radio Commission. The Great Lakes Statement: in the matter of the
application of Great Lakes Broadcasting Co. FRC Docket n. 4900, 3 FRC Ann. Rep., 1929. In: KAHN,
Frank J. (ed.). Documents of American Broadcasting. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, cap. 10, 3. ed..
p. 56-62. Utilizamos aqui a versão apresentada no segundo volume da coletânea The Political Economy of
Media, editada por Peter Golding e Graham Murdock, p. 294-300.
10
“This is what Secretary Hoover was referring to in 1924, when he boasted that under American policies, ‘radio
activities are largely free. We will maintain them free – free of monopoly, free in program, and free in
speech.’In 1926, Congressman Ervin Davis, citing Hoover, added: ‘we cannot allow any single person or
group to place themselves in a position where they can censor the material which shall be broadcast to the
public’ ” (Pool, 1983:136).
13
associada com a paz social e prosperidade11. Porém, o público vem cada vez mais sendo
considerado uma aglomeração de consumidores ou de pontenciais consumidores12. O
conceito de público deve abranger preocupações sociais e culturais, questões de acesso
universal13, visões negligenciadas pelo modelo de financiamento publicitário.
Um modelo baseado no financiamento da publicidade, com canais licenciados pelo
governo em número limitado - o Interesse Público nem se coloca como Common carriage,
nem como Laissez-faire, inventando uma categoria própria que chamamos de Public
Trustee, anteriormente. Um modelo que valoriza a liberdade em relação ao Estado e está a
ele atado pela concessão de licenças. Um modelo que valoriza a liberdade de expressão em
relação ao setor privado, mas está a ele ligado pelo sistema de financiamento.
Em um dos primeiros textos críticos sobre o modelo de comunicação de massa norteamericano, em 1973, Herbert I. Schiller mostrou que alguns destes conceitos da regulação
aplicada nos EUA até então, poderiam ser percebidos como dispositivos de manipulação
social. O autor discute cinco mitos centrais:
a) o mito da individualidade e escolha pessoal, que tem a função de barrar a
organização social coletiva através da visão de que os interesses individuais
superam os interesses coletivos;
b) o mito da neutralidade do estado como intermediário entre sociedade e mercado,
que pressupõe a crença de que os governos em geral e as suas partes constituintes
(os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) são exclusivamente íntegros e
apartidários;
c) o mito da imutável natureza humana, que neutraliza questões políticas e
econômicas a partir de imagens totalitárias sobre a natureza humana. Por exemplo,
quando a programação televisiva mostra excessos de sensacionalismo, o faz
porque é isso que o público quer ver. Desta forma, a empresa se exime de qualquer
responsabilidade sobre toda influência social que possa ter;
d) o mito da ausência de conflito social, que difunde uma imagem unificada e
pacífica do ‘american way of life’; e,
11
“Who is the public that U.S,. policy represents, and what is its interests? It might be taken, as early
communications and antitrust regulators took it, to be conterminous with the economic health of a capitalist
society, associated with social peace and prosperity” (Aufderheide,1998 : 5).
12
“Another way to see the public is as na agglomeration of consumers, or potencial consumers”
(Aufderheide,1998 : 5).
13
“There is also much in communication policy that reaches past traditional economic concerns, whether at the
macro- or microlevel, and that reaches into social welfare considerations. Government regulators act as allies
of and sometimes protectors of the weak and vulnerable in society (...) these policies ensure equality of
access to a communication technology for everyone, no matter what is in their wallet or their pockets”
(Aufderheide,1998 : 5).
14
e) o mito da pluralidade da mídia, baseado nos números de radiodifusores ou
programas sem destinar importância às características de similaridade entre eles
(Golding; Murdock, 1997a : 412-42614).
A suposta perversão do conceito de Interesse Público tem sido apontada por diversos
autores quando se referem à estreita vinculação dos interesses privados industriais ao
processo de governança das comunicações nos EUA. Conforme aponta Horwitz:
The most frequently cited general reason for the perversion of the public interest is
the overidentification of the regulatory agency with the industry it regulates. Indeed,
this is the most commom analysis of the regulation of broadcasting by the FCC.
There are various explanations for this phenomenon, but most are “influence”
models. They postulate that the regulated industries come to exercise (undue)
influence on regulatory agencies (1989 : 27).
Horwitz parece concordar com Schiller em relação ao fato de que se há um “desvio
de conduta” na defesa do Interesse Público ele não está personalizado na FCC ou nos modos
de processamento das disputas sociais, retomando Mosco (1988), mas é parte da contradição
que o conceito carrega desde o berço liberal no qual foi produzido.
O MODELO BRITÂNICO E O SERVIÇO PÚBLICO
A lógica do modelo Britânico atribui maior responsabilidade ao Estado na prestação
do serviço, aproximando seu sistema de comunicação ao Serviço Público. O conceito de
Serviço Público é importante na observação do modelo britânico, que optou por um modelo
misto, mais próximo à categoria de Common Carriage, ao criar uma autoridade
independente para a radiodifusão: a British Broadcasting Corporation.
A BBC, que representa originalmente o modelo inglês, obedece à lógica do serviço
de utilidade pública15. O serviço de comunicação é um serviço a que todos os ingleses têm
14
A referência original deste texto é SCHILLER, Herbert I. Manipulation and the Packaged Consciouness. In:
The mind managers. Boston : Beacon Press, cap. 1, 1973. p. 8-31, 192-193. Utilizamos aqui a versão
apresentada no primeiro volume da coletânea The Political Economy of Media, editada por Peter Golding e
Graham Murdock (412-437).
15
Segundo Cretella Junior (1989) acerca da natureza do Serviço Público, cabe compreender que quando o
Estado permite que pessoas jurídicas de direito privado realizem serviços públicos, estes são tecnicamente
chamados de Serviços de Utilidade Pública. “Os estabelecimentos de utilidade pública exercem também
serviços públicos, mas serviços públicos impróprios; são determinados estabelecimentos, isto é, associações
que são pessoas jurídicas de direito privado e que, no entanto, exercem serviços que interessam a uma
grande quantidade de pessoas : os denominados serviços de utilidade pública.” Assim, Serviços de Utilidade
Pública são os serviços públicos ou coletivos exercidos por pessoas jurídicas de direito privado, gozando
estas corporações de benefícios legais.
15
direito de acesso e o modo que este serviço é garantido à sociedade se dá pelo Estado, que o
define, tanto na forma de organização da rede, como na forma de financiamento, ficando, ao
setor privado a prestação do serviço, sob encomenda e orçamento originados no mesmo
Estado. O modelo inglês buscou uma instituição independente para garantir a isenção em
relação ao Estado, para garantir o princípio da liberdade de expressão.
A radiodifusão foi considerada pela Inglaterra como uma extensão dos serviços
postais, tanto que Gluglielmo Marconi foi introduzido aos ingleses através do presidente do
British Post Office da época, Sir William Preece (Pool, 1983 : 109). Amadores e empresas
experimentavam o novo meio de comunicação, trocando informações, músicas e
desenvolvendo o que viria a ser o rádio como hoje o conhecemos, dentre essas experiências,
empresas como a Marconi Company.
O serviço postal, juntamente com as forças armadas britânicas, acompanhavam o
processo com a preocupação do controle e organização do Estado. Em 1920, quando uma
transmissão de um programa de entretenimento interferiu nas comunicações de rádio de um
avião que se perdeu no canal da Mancha, regulamentações restritivas foram impostas.
Questões de segurança nacional, impunham uma organização do setor. As transmissões
amadoras foram reduzidas a duas horas por dia, depois apenas a licenciados com
comprovado interesse científico. Vários radiodifusores foram impedidos de transmitir. No
começo, música não era permitido. Mas a pressão por uma utilização do serviço que a
população inglesa pudesse usufruir foi o que levou a criação da BBC. Reivindicava-se o
direito do povo britânico de saber o que acontece em seu ar, fazendo referência clara às
ondas de rádio16.
O cenário caótico e comercialista dos Estados Unidos, como já vimos, também
contribuiu para que a Inglaterra rejeitasse o modelo privado e financiado por anúncios, seja
pela desordem, seja pela desqualificação do conteúdo veiculado. Aqui chegamos no segundo
argumento acerca da natureza do serviço pretendido pela Inglaterra. O primeiro, questão de
segurança e ordem, vinculados ao papel de soberania, segurança e autoridade do Estado. O
segundo, que a recente experiência americana no sistema de financiamento por publicidade
não cumpria os interesses do serviço na divulgação cultural e no papel educativo. Nas
16
“The regulation were widely violated by amateurs, who repeatedly petitioned that every englishman is entitled
to hear what is going on his aether” (Pool, 1983 : 110).
16
origens desse modelo está o vínculo direto da televisão e do rádio com a cultura,
praticamente consagrados como um direito de todo inglês.
Em toda a Europa, as comunicações foram colocadas como fomentadoras, ou pelo
menos como extensões das atividades culturais e educativas. Assim foi criada a British
Broadcasting Company, um monopólio, financiado por imposto recolhido no comércio dos
aparelhos de rádio e mais tarde de televisão, controlado pelo estado e com a execução do
serviço designada à iniciativa privada, num grupo de empresas que foram denominadas, à
época, de Big Six.
A BBC executaria o serviço, com relativa independência do governo, sem se
preocupar com o financiamento, que seria garantido pelo Estado, através do fundo reservado
da taxação da venda de aparelhos radiofônicos. As obrigações da BBC eram de promover a
pluralidade cultural, com programas educativos, prestando um serviço entendido como de
direito a todo o povo inglês. Mais tarde, a BBC foi transformada em corporação pública, em
1927, com a carta real que oficializa o contrato de prestação do serviço.
O sistema inglês de televisão é dos mais complexos que se tem conhecimento,
operando com uma estrutura mista de canais públicos e privados. Inicialmente, o modelo
adotado foi o público; a BBC iniciou suas transmissões regulares no ano de 1936. Quatro anos
depois, o serviço interrompia suas operações com o começo da Segunda Guerra Mundial. Na
década de trinta, a programação da BBC era composta de eventos públicos, peças de teatro,
ópera e cartoons infantis. Em 1939, o desenho Mickey Mouse estava sendo exibido no exato
momento em que as transmissões televisivas foram interrompidas, por questões de segurança.
Após quase sete anos fora do ar, em 8 de junho de 1946, este mesmo desenho marcou a volta
das transmissões regulares da BBC reaberta para cobrir a Parada da Vitória (BBC History,
2000).
Seis anos após o final da Guerra, o Partido Conservador assumiu o poder e optou por
estabelecer um canal comercial para concorrer com a BBC. A decisão pelo estabelecimento
de um segundo canal de televisão não significava que o Estado estava retirando poderes da
BBC. Pelo contrário, o Partido Conservador via com bons olhos projetos como o de
alfabetização de adultos, e estes estavam em total conformidade com a lógica do Estado de
Bem-Estar Social que, neste período pós-guerra, estava se tornando hegemônico
mundialmente.
17
Assim, também não é por acaso que o fim do período de exclusividade na operação de
televisão da BBC coincide com o início da audiência massificada do veículo. Se em 1939 o
público televisivo não passava de alguns milhares, em menos de uma década, após o retorno
das operações, este público estava multiplicado e os costumes culturais começaram a mudar
no Reino Unido. Um evento que marcou o início destas mudanças foi a coroação da rainha
Elizabeth II, em 1953. Pela primeira vez na história, as portas da abadia de Westminster
foram abertas para a transmissão ao vivo assistida por 20 milhões de súditos (BBC history :
2000).
Paralelamente, o relatório de análise da imprensa entre os anos de 1947 e 1949,
apresentado ao Parlamento pela autoridade Real, através da Royal Commission on the Press,
trazia as indicações das funções sociais que deveriam ser aplicadas aos veículos de
comunicação. Segundo o resumo elaborado por Peter Golding e Graham Murdock, a
Comissão Real define que:
362. The democratic form of society demands of its members an active and
intelligent participation in the affairs of their community, whether local or national.
It assumes that they are sufficiently well informed about the issues of the day to be
able to form the broad judgments required by an election, and to maintain between
elections the vigilance necessary in those whose governors are servants and not their
masters. More and more it demands also an alert and informed participation not only
in purely political processes but also in the efforts of the community to adjust its
social and economic life to increasingly complex circumstances (Golding; Murdock,
1997a : 15417).
O artigo seguinte, n. 363, indica a responsabilidade da imprensa em atender estas
necessidades e inclui o rádio, ainda que secundariamente, no mesmo estatuto. Na década
seguinte, a televisão passou a integrar este processo regulatório. A partir do Television Act,
em 1954, o sistema dual foi implantado para garantir a competição entre canais de naturezas
distintas, pública e privada. Em 1954, com a aprovação do Independent Broadcasting Act e a
inserção de um canal de televisão comercial, inicia-se o período de duopólio, que duraria
trinta e cinco anos. O Reino Unido adaptava-se aos novos tempos, aos poucos e à sua
maneira. Em 22 de setembro de 1955 nascia a ITV (Independent Television), o primeiro canal
concorrente da BBC; em 1957, a Rainha transmitia pela primeira vez sua mensagem de Natal
e, neste mesmo ano, o chamado Toddlers' Truce, que impunha uma hora de interrupção nas
17
A referência original deste texto é HMSO for exerpts. Royal Commission on the Press 1947-1949. Cmnd.
7700. Utilizamos aqui a versão apresentada no primeiro volume da coletânea The Political Economy of
Media, editada por Peter Golding e Graham Murdock (p. 154-164).
18
transmissões entre as 18 e 19 horas para que os pais levassem as crianças para a cama, foi
extinto.
Aliado aos preceitos de forte controle da mídia no capitalismo fordista, o precoce
aparecimento da televisão comercial na Inglaterra, se comparado com os demais países da
Europa Ocidental, fez com que o controle sobre o sistema televisivo fosse muito rígido. As
empresas produtoras de programas eram escolhidas pela autoridade de controle, e seus
contratos não seriam renovados se fosse verificado um resultado negativo dos programas
contratados. Outra disposição adicional requeria que uma 'proporção adequada' dos programas
fossem de origem britânica, o que impedia o predomínio da programação americana. Não se
podia incluir nos programas nada que fosse lesivo ao bom gosto e à decência ou suscetível de
fomentar ou incitar ao delito ou conduzir à desordem ou ofender a sensibilidade do público.
Alguns anos depois, a BBC manifestou a aceitação voluntária de tais princípios de boa
conduta.
A regulamentação inglesa, com o passar do tempo, organizou-se de acordo com as
tecnologias de distribuição de conteúdo. Segundo Forgan e Tambini (2000), as regras foram,
aos poucos, sendo elaboradas para atender às expectativas dos consumidores de acordo com
suas diferentes finalidades. Até pouco tempo coexistiam diferentes regras de conteúdo para as
televisões, o rádio e a indústria cinematográfica compostas por instrumentos legais diversos
que incluem exigências estatutárias diretas, poderes compulsórios dados a um regulador,
exigências das franquias ou licenças e códigos de conduta regulamentares ou arbitrários.
De acordo com os autores, o neoliberalismo e a larga ampliação do volume das
produções televisivas foram responsáveis por um deslocamento no sistema de regulamentação
britânico. Com as normas tradicionalmente estabelecidas para a radiodifusão - especialmente
a televisão aberta - o governo exercia um controle prévio do conteúdo a ser exibido. Com a
expansão tecnológica do setor, cada vez mais, firmou-se um sistema de controle
governamental
pós-transmissão,
baseado
nas
reclamações
dos
telespectadores,
e,
paralelamente, foram surgindo instâncias de auto-regulamentação do setor, baseadas na
competitividade do mercado (Forgan e Tambini, 2000 : 03).
Podemos dividir os serviços de televisão, em funcionamento na Inglaterra, em três
categorias genéricas: 1) a televisão aberta, subdivida em cinco canais públicos, privados e
mistos; 2) a televisão por assinatura (cabo e satélite); e, 3) as televisões por Internet. A partir
deste cenário intenso, formou-se um complexo sistema de regulamentação composto por
19
órgãos reguladores e códigos de conduta cujas funções se perderam na fragmentação ou na
sobreposição como pode ser observado no quadro a seguir.
Figura 3: Órgãos Reguladores em relação ao conteúdo televisivo até 2003
Órgão
BBC Board of Governors
British Board of Film Classification (BBFC)
Broadcasting Standards Commission (BSC)
Independent Television Commission (ITC)
Office of Fair Trading (OFT)
Office of Telecommunications (OFTEL)
Radiocommunications Agency
Principais funções em relação ao conteúdo TV
• Conselho de gestão da BBC, responsável pelo
cumprimento das exigências para o Serviço Público, pela
garantia da independência em relação ao governo, pelas
políticas e estratégias de ação, por monitorar a performance
dos canais e das reclamações de telespectadores, e, por
garantir a transparências destes processos.
• Auto-regulamentadora.
• Elabora relatórios periódicos das reclamações.
• Elabora códigos de conduta editorial para produtores
independentes e para a BBC Internacional.
• Agência independente, não governamental, criada pela
indústria cinematográfica, em 1912.
• Classifica filmes, vídeos, jogos interativos e todo o
material de divulgação referente a estes produtos.
• Agência independente, financiada pelo governo e pelas
empresas de comunicação, cujo objetivo é fiscalizar o
cumprimento dos Broadcasting Acts.
• Monitora e tem poder de negociação com os canais para
as reclamações dos consumidores de televisão pública e
privada, aberta e por assinatura tanto em relação à
programação quanto à publicidade.
• Elabora relatórios anuais para os outros órgãos
reguladores.
• Elabora códigos de conduta.
• Responsável pelas pesquisas oficiais sobre recepção
televisiva.
• Não tem poder de sanção.
• Agência governamental que regula e controla as licenças
de todos os serviços de televisão privados, abertos ou por
assinatura, nacionais ou internacionais recebidos no Reino
Unido.
• Elabora códigos de conduta (ITC Programme Codes)
sobre a programação, publicidade e patrocínios veiculados na
televisão comercial.
• Tem poder de sanção, desde advertências até a cassação
das licenças.
• Agência independente para a regulação e proteção ao
bom funcionamento do mercado.
• Atua como uma entidade de proteção ao consumidor para
compras feitas por telefone, Internet, televisão digital etc.
• Agência independente da indústria das telecomunicações.
• Monitora todas as licenças de telecomunicações e a
qualidade técnica de distribuição de serviços como video-ondemand, cabodifusão, satélites, etc.
• Agência executiva do Departamento de Comércio e
Indústria.
• Formula as políticas públicas para o espectro
eletromagnético.
20
Welsh Fourth Channel Authority
• Conselho de gestão dos canais públicos do País de Gales,
responsável pelo cumprimento das exigências para o Serviço
Público, pela garantia da independência em relação ao
governo, pelas políticas e estratégias de ação, por monitorar a
performance dos canais e das reclamações de telespectadores,
e, por garantir a transparências destes processos.
• Auto-regulamentadora.
• Elabora relatórios periódicos das reclamações, guias de
conduta editorial para produtores independentes.
Em dezembro de 2000, o governo inglês publicou um documento com as propostas
para a unificação da regulação do setor de comunicações em uma única agência intitulado The
Communications White Paper - A new future for communications. Este documento propunha
a criação de uma agência independente, a Office of Communications, que agruparia as
funções da BSC, do OFTEL, da ITC, da Radio Authority e da Radiocommunications Agency.
Depois de quatro anos de preparação, a Office of Communications começou a operar
em 2003 agregando cinco organismos anteriormente consolidados. São eles: 1) a BSC,
Broadcasting Standards Commission; 2) a ITC, Independent Television Commission; 3) o
OFTEL, Office of Telecomunications; 4) a Radiocommunications Agency; e, por fim, 5) a
Radio Authority.
Também o conceito de Serviço Público foi se degradando no ambiente britânico.
Segundo Graham Murdock, nas sociedades capitalistas modernas, o papel das comunicações
está em conectar o sistema produtivo, baseado na propriedade privada, ao sistema político que
pressupõe uma cidadania cuja participação social efetiva depende, em partes, do acesso à
maior gama possível de informação (Golding; Murdock, 1997a : 31118). O problema estaria
em equacionar como um sistema de comunicações dominado pela propriedade privada
poderia garantir a diversidade de informação requerida para uma cidadania efetiva.
Contudo, a interconexão definida por Murdock permite apenas um retrato panorâmico
do conceito de Interesse Público que justificou hegemonicamente o controle prévio dos
18
A referência da primeira publicação do texto é: MURDOCK, Graham. Redrawing the Map of the
Communication Industries : concentration and ownership in the Era of Privatization. In: FERGUSON,
Marjorie (Ed.). Public Communication. The new imperatives: future directions for media research.
Londres: Sage, 1990, cap. 1. p. 1-15. Utilizamos aqui a versão apresentada no primeiro volume da coletânea
The Political Economy of Media, editada, em 1997, por Peter Golding e pelo próprio Graham Murdock (p.
308-323).
21
conteúdos pelo Estado na regulação tradicional das comunicações19. Naturalmente, sabe-se
que as diversas formas de aplicação de conceitos no capitalismo são passíveis de
questionamentos, como apontam John Keane (Golding; Murdock, 1997b : 621-66720) e James
Curran (Golding; Murdock, 1997b : 64-9921). Pode-se dizer que o sistema britânico foi o
modelo que melhor garantiu o status de Serviço Público com múltiplos instrumentos de
proteção aos interesses dos consumidores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe agora voltarmos à essência do conceito de Serviço Público, presente na noção
de universalidade do modelo britânico. O que significa dizer que um serviço é público? O
primeiro ponto que surge é o conceito de relevância à coletividade, mas que ainda é pouco
para diferenciá-lo da definição de Interesse Público. Não há um Serviço Público por
natureza. Segundo Grotti:
A qualificação de uma dada atividade como Serviço Público remete ao plano da escolha
política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos
costumes vigentes em um dado momento. Deflui-se, portanto, que não há um Serviço
Público por natureza (GROTTI, 2002 : 45).
Existem, porém, razões que levam o Estado a conduzir determinado serviço para a
área pública. Dentre elas: “retirar da especulação privada setores delicados; realizar a justiça
social; suprir carência da iniciativa privada; favorecer o progresso técnico, ordenar o
aproveitamento de recursos finitos (como os hidroelétricos); controlar a utilização de
materiais perigosos (como potenciais nucleares); favorecer o rápido desenvolvimento
nacional; manter a unidade do país e assim por diante” (GROTTI, 2002 : 45).
É verdade que nem todas estas razões se aproximam dos serviços de comunicações,
mas alguns pontos são bastante afins, como é o caso do aproveitamento de recursos finitos
19
Othon Jambeiro enumera sete funções que historicamente justificaram a intervenção estatal no processo
regulatório: a) assegurar a liberdade de informação; b) proteger a propriedade intelectual; c) regular o
intercâmbio de serviços; d) regular as comunicações de massa; e) regular as telecomunicações; f) regular a
indústria e os serviços de informação; e, g) garantir o acesso público às informações que sejam essenciais ao
exercício da cidadania (2000 : 22-23).
20
A referência original deste texto é KEANE, John. Public Service Media? In: The media and democracy.
Cambridge: Polity Press, 1991, p. 116-162. Utilizamos aqui a versão apresentada no segundo volume da
coletânea The Political Economy of Media, editada por Peter Golding e Graham Murdock.
21
A referência original deste texto é CURRAN, James. Capitalism and Control of the Press, 1800-1975. In:
CURRAN, James; GUREVITCH, Michael; WOLLACOTT, Janet (eds.). Mass communication and
society. [s.l.]: Edward Arnold/Open University Press, 1977, cap. 8, p. 195-230. Utilizamos aqui a versão
apresentada no segundo volume da coletânea The Political Economy of Media, editada por Peter Golding e
Graham Murdock.
22
(que pode se aplicar à questão do espectro) e do favorecimento do progresso técnico, muito
importante para um setor que tem como seu suporte a tecnologia. Manter a unidade nacional
também passa pelos serviços de comunicações e ainda a questão da justiça social que está
diretamente ligada ao conceito de universalização. As comunicações, portanto, contêm em
suas características princípios que podem levar um Estado a colocá-laa no rol dos serviços
públicos.
Mas ser conceituado como Serviço Público, não exclui a possibilidade da existência
privada na prestação de um serviço. Existindo assim a classificação de Serviço Público
privativo e não-privativo do Estado (GROTTI, 2002 : 47). Se um serviço não é, por natureza,
público, ainda assim ele tem, em sua natureza alguns princípios, como os elencados por
Grotti.
Dependência governamental (…), igualdade dos particulares perante todos os serviços
públicos, a continuidade de seu funcionamento e a adaptação ou modificação em todo
momento de sua organização; além da regularidade, generalidade, obrigatoriedade,
generalidade, obrigatoriedade de prestação, neutralidade, cortesia, gratuidade, legalidade,
isonomia, eficiência, transferência, segurança, qualidade,modicidade nas tarifas,
pontualidade, responsabilidade, conforto (2002 : 48).
Conceitos que diferem um pouco de abordagem a abordagem, mas que mantém um
conjunto de propriedades semelhantes às listadas acima. O Serviço Público não privativo do
Estado seria aquele que poderia ser cumprido pela iniciativa privada, sob autorização,
permissão ou concessão, conceituação jurídica que não é necessário aqui delimitar. Basta, ao
nosso estudo, a compreensão que o Serviço Público compreende uma série de características,
como as elencadas acima e pode ser explorado de maneiras flexíveis, entre o Estado e a
iniciativa privada, conforme vimos.
A natureza dos serviços de comunicações, verificada nos modelos consagrados
(americano e europeu), está assim classificada e dividida em duas categorias, tanto em seus
princípios, como no breve relato da maneira como foram estabelecidos os modelos
historicamente. A compreensão do que significa dizer Interesse Público ou Serviço Público,
então, implica toda a discussão de modelos destacada neste estudo.
A partir desta comparação, que metodologicamente centraliza o ponto de vista no
papel do Estado, espera-se que ao se utilizar os termos Serviço Público ou Interesse Público
para as Comunicações, não haja sinonímia possível. Se a escolha terminológica é por
Interesse Público, fica claro que são as condições, omissas ou expressas, para a cessão do
espectro à exploração de negócio privado. Ao se usar o termo Serviço Público, claramente se
23
refere à obrigatoriedade do Estado em garantir um direito aos cidadãos que representa, seja
direta ou indiretamente.
A melhor compreensão desses conceitos adventícios e de seus limites, podem balizar
uma futura análise das políticas de comunicação no Brasil com relação ao que seja o modo de
prestação dos serviços de radiodifusão aberta. É mister examinar a configuração legal no
nosso ambiente para esclarecer a natureza conceitual do sistema brasileiro. Nossa hipótese
inicial, para um próximo trabalho, é a de que o que existe no Brasil é uma espécie de “meio
do caminho” entre o conceito clássico de Serviço Público – tal como originário na
regulamentação britânica – e o conceito mais elástico de interesse, necessidade e conveniência
pública originário da regulamentação dos Estados Unidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACTS
OF
PARLIAMENT.
The
Broadcasting
Act
legislation.hmso.gov.uk/acts/acts1990/Ukpga_19900042_en_1.htm
_____________.
The
Broadcasting
legislation.hmso.gov.uk/acts/acts1996/1996055.htm
Act
1990.
1996.
http://www.ukhttp://www.uk-
AUFDERHEIDE, Patricia. Cable Television and the Public Interest. Journal of Communication.
Vol. 42, número 1, winter 1992. Oxford: Oxford University Press.
_____________. Communication Policy and the Public Interest: The Telecommunication Act of
1996. Guilford Press, 1999.
BBC. History. (2000) <http://www.bbc.co.uk/thenandnow/history>.
BBFC (British Board of Film Classification). Classification Guidelines. Sep. (2000).
http://www.bbfc.org.uk
BLUMLER, Jay G.: Television e Interes Publico. Barcelona: Bosch Casa Editorial, (1993).
BSC (Broadcasting Standards Council). (2000) http://www.bsc.org.uk
DCMS (Department of Culture, Media and Sports). http://www.dcms.gov.uk
DTI (Department of Trade and Industry). http://www.dti.gov.uk
EARLY British Television History. http://www.dfm.dircon.co.uk/tvhist1.htm
FORGAM, Liz; TAMBINI, Damian. Content Regulation. Debate on Communications Reform.
Londres: Department of Culture, Media and Sports; Department of Trade and Industry, jun. 2000.
Obtido em: http://www.culture.gov.uk/creative/dti-dcms_comms-reform_experts.html
FRANCOIS, William E. Mass Media Law and Regulation. Iowa (EUA): Iowa State University
Press, 1990.
GARNHAM, Nicholas. La economía política de la comunicación: el caso de la televisión. Telos.
Fundesco: n. 28, dez.-fev. 1991. Cuaderno Central: Economía de la información y la
comunicación. p. 68-75.
_____________. Capitalism and communication, global culture and the economics information.
Londres: Sage, 1990.
24
GOLDING, Peter; MURDOCK, Graham (eds.). The Political Economy of the Media. Cheltenham,
UK; Brookfield, US: The International Library of Studies in Media and Culture, v. I, 1997a.
_________. The Political Economy of the Media. Cheltenham, UK; Brookfield, US: The
International Library of Studies in Media and Culture, v. II, 1997b.
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Regulating Media: The Licensing and Supervision of Broadcasting
in Six Countries. Nova York, The Guilford Press, 1996.
HORWITZ, Robert Britt. Theories of Regulation. The Irony of Regulatory Reform: The
Deregulation of American Telecommunications. New York (EUA): Oxford University Press,
1989. p. 3-45.
HOYNES, William. Public television for sale: Media, the market, and the public sphere. Boulder:
Westview Press, 1994.
ITC (Independent Television Council) http://www.itc.org.uk
JAMBEIRO, Othon. A Regulamentação da TV em tempos de convergência tecnológica, política e
econômica. Tendências XXI. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa/Associação Portuguesa para
o Desenvolvimento das Comunicações, n. 2, set. 1997. P. 146-157.
_________. Regulando a TV: uma visão comparativa no Mercosul. Salvador: Edufba, 2000.
KUHN, Thomas S. A Estruturas das Revoluções Científicas. 5a edição. São Paulo: editora
Perspectiva, 1998.
LEAL FILHO, Laurindo. A Melhor TV do Mundo: O Modelo Britânico de Televisão. São Paulo,
Summus, 1997.
MARTÍN, José; NANCLARES, Peréz. La Directiva de la Televisón: Fundamento Jurídico, Análisis
e Trasposición al Derecho de los Estados Miembros de la Unión Europea. Madri: Colex, 1995.
MOSCO, Vincent. The political economy of communication: rethinking and renewal. Londres:
Sage, 1996.
_________.
Toward a Theory of the State and Telecommunications Policy. Journal of
Communication. Filadelphia(USA): winter, v. 38, n. 1, 1988. p. 107-124.
NEWMAN, W. Russell. MCKNIGHT, Lee. SOLOMON, Richard Jay. The Gordian Knot: Political
Gridlock on the intormation highway. Cambridge, MA : MIT Press, 1998.
OFCOM (Office of Communications). http://www.ofcom.gov.uk
OFTEL (Office of Telecommunications). http://www.oftel.gov.uk/
PISCITELLI, Alejandro. De la centralizacion a los multimedios interactivos.
Comunicación, n. 41. mar, 1995. p. 82-97.
Dia-Logos de la
POOL, Ithiel de Sola. Technologies of Freedom: on free speech in na electronic age. Cambridge,
MA: the Belknap Press of Harvard University Press, 1983.
RA (The Radiocommunications Agency) . http://www.radio.gov.uk/
RICHERI, Giuseppe. La transición de la televisión. Barcelona: Paidós, 1995.
SMITH, Anthony. Television: An International History. New York: Oxford University Press, 1995.
SUNDFELD, Carlos Ari (coord). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros
Editores/SBDF, 2002.
WOLTON, Dominique. Elogio do Grande Público: uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática,
1996.
25

Documentos relacionados

Reestruturação do sistema e controle público – Murilo Ramos

Reestruturação do sistema e controle público – Murilo Ramos E esta é outra característica fundamental do modelo: a forte regulação estatal, hoje a cargo do Office of Communications (Ofcom), mas que, ao longo do tempo, comprendeu diferentes e complementares...

Leia mais