concorrência e inovação no mercado de produtos e
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concorrência e inovação no mercado de produtos e
CONCORRÊNCIA E INOVAÇÃO NO MERCADO DE PRODUTOS E SERVIÇOS DIGITAIS: O DEBATE SOBRE A NEUTRALIDADE DE REDES EM TELECOMUNICAÇÕES Marcio Wohlers, Jaqueline Thomazine, Priscila Suassuna IPEA e Prof. UNICAMP licenciado para o IPEA; Auxilar de pesquisa do IPEA e pósgraduanda UnB; Auxiliar de pesquisa do IPEA e graduanda UnB 1. INTRODUÇÃO Diante do alto poder de mercado dos chamados “gigantes da Internet” e igualmente em face do alto tamanho dos arquivos transacionados pela rede, o consenso praticamente absoluto referente à neutralidade de redes (NN) passou a ser a questionado em vários países do mundo. A idéia de que todos os pacotes de bytes (datagramas) não sofreriam qualquer espécie de descriminação – de natureza pessoal, política, ideológica e econômica – tornou-se objeto de amplo debate. O comércio eletrônico de serviços cujos arquivos são de grande volume, como os de cinema 3D, é um bom exemplo. Nesse mesmo terreno também estão incluídos os usuários que praticam jogos on-line e permanecem várias horas nessa e em outras atividades semelhantes e também as aplicações peer-to-peer (P2P), como o sistema de compartilhamento BitTorrent, as quais exigem grande quantidade de banda passante. Os antigos defensores da Internet livre e aberta, amplamente desregulamentada, ironicamente, passam agora a exigir que o governo ou órgão reguladores, imponham normas e regulamentem o funcionamento da rede mundial, garantindo particularmente a neutralidade de redes. É simples entender essa mudança de postura. Ora, diante da necessidade de viabilizar o tráfego para qualquer tipo de usuário, incluindo todos os envolvidos (compradores e vendedores) em transações eletrônicas e face à relativa escassez de largura de banda, os operadores de rede e fornecedores de conectividade à Internet, efetuam o gerenciamento do tráfego, e acabam reduzindo a qualidade do serviço QoS (Quality of Service – sigla em inglês). Este fato acontece geralmente na última milha, ou seja, na conexão entre o usuário final e o servidor de tráfego que distribui os dados para esse usuário. De fato, em várias situações, as operadoras das plataformas de rede e de conectividade efetuam um “gerenciamento de tráfego” e priorizam a transferência de determinados arquivos em 2 detrimento de uma conexão mais rápida em determinados pontos da rede e da qualidade de algumas transmissões de dados on-line mais complexas, como a VoIP (voz sobre IP), que chegam ser encerradas abruptamente, ou por decisão da operadora da plataforma, ou por alguma instabilidade da própria Internet. Definitivamente, falta transparência nos procedimentos adotados pelas operadoras e nas responsabilidades sobre o desempenho da rede. Usuários e consumidores interconectados à Internet estão às escuras. A questão da neutralidade de redes também conduz a um debate sobre a evolução da concorrência e da inovação no âmbito Internet, que podem ser vistos como os dois lados da mesma moeda. De um, a garantia (ou não) da neutralidade de rede é uma interferência nas formas de concorrência e inovação na rede. De outro, maiores níveis e incentivos à inovação e o reforço do ambiente competitivo também influenciam a neutralidade de redes. Este trabalho está estruturado em quatro seções, incluindo esta primeira dedicada à introdução. A segunda esclarece a metodologia empregada no trabalho. Por sua vez, a terceira seção, a mais importante, é dedicada à análise e discussão dos resultados. Por fim, na quarta parte são apresentadas algumas conclusões sobre o tema. 2. METODOLOGIA A metodologia utilizada contempla dois aspectos básicos. Por um lado é dedutiva (de cima para baixo), identificando o fenômeno da neutralidade de redes em sua forma mais geral e abstrata, bem como sua inter-relação com o nível de concorrência e o modelo de inovação. Por sua vez, as evidências empíricas da questão são coletadas de forma a validar (ou não) a hipótese ou modelo inicial do problema. Neste trabalho, a hipótese inicial é que a NN seria um problema essencialmente regulatório e os reguladores deveriam ter maior poder no âmbito da Internet. Estes deveriam impor tão somente algumas regras essenciais :garantir a NN e também impedir a transmissão de conteúdo ilegal. O trabalho confronta essa hipótese e aquela emanada a partir das evidências empíricas. Os fatos serão generalizados de forma a propiciar a respectiva comparação entre o modelo inicial e aquele gerado com o aprofundamento da análise. Caso sejam identificadas diferenças será proposta - de forma teórica - uma solução para a questão. Vale ressaltar que a análise é essencialmente qualitativa e também faz uma breve referência à literatura sobre o tema. Por outro lado, a metodologia também se ancora na fortemente na literatura teórica sobre temas essenciais, como a concorrência e o modelo de inovação na Internet, além da bibliografia referente ao tema central deste trabalho: a questão da neutralidade de redes. Uma 3 das idéias centrais para o entendimento do funcionamento da economia “digital” ou “virtual” é o conceito da economia da informação, exposto por Carl Shapiro e Hal R. Varian (1999). Entre outros aspectos, os autores enfatizam de que forma produtores e usuários de bens digitais fazem parte de um mercado cuja estrutura concorrencial e inovativa está em constante mudança. A partir da caracterização do mercado de bens e serviços de natureza digital, utiliza-se o modelo de camadas funcionais exposto por Martin Fransman (2002; 2007). Esse modelo ressalta a natureza dos processos competitivos e de inovação e explica a conformação de um eco-sistema TICs composto pela distribuição dos atores e respectivas tecnologias em diversas camadas. A camada superior sempre depende da inferior para o correto desempenho e funcionamento. Por fim, deve ser ainda mencionado que o texto está amplamente apoiado na produção acadêmica de Jean-Charles Rochet e Jean Tirole (2004; 2006). Os autores discutem a neutralidade de rede, em particular em sua dimensão econômica, à luz da teoria do mercado de dois lados (two-sided markets), ou mais amplamente, o mercado multilateral (multi-sided markets). O mercado de dois lados utiliza uma plataforma para viabilizar as transações entre os dois lados do mercado: de um lado, provedores de bens digitais; de outro, usuários de bens digitais, cobrando-se taxas variáveis por cada transação econômica de ambas as partes. 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 3.1. A evolução da Internet Desde meados da década de 90, no século XX, vem ocorrendo a massificação do uso da Internet e da World Wide Web (WWW), propiciando a utilização de novos serviços virtuais e o surgimento de novas formas de comunicação entre pessoas, empresas, governos e outras organizações. Alinhado com os rearranjos da economia mundial, iniciados na década anterior, quando passaram a predominar as medidas de desregulamentação financeira e comercial e a transnacionalização da produção, o sociólogo Manuel Castells efetuou um novo aporte teórico ao constatar que o uso das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) havia penetrado em todas as esferas da economia: na produção, na circulação e no consumo, viabilizando ainda novos espaços democráticos para a evolução cultural, política e da participação social . De acordo com a obra do sociólogo, composta pela trilogia “Sociedade em Redes”, divulgada ao final dos anos 90, a sociedade capitalista havia adentrado no chamado capitalismo informacional, no qual a sociedade seria informacional, global e conectada. De fato, a 4 massificação do uso da Internet, interpretada latu sensu, implicou um crescimento extraordinário do processo inovativo representado pelos serviços sustentados tecnologicamente pela rede. A explosão da utilização do correio eletrônico, da criação de páginas web usando ferramentas multimídia com hiperlinks, do compartilhamento de arquivos e de variadas formas de comunicação propiciou uma nova forma de interação e comunicação entre pessoas, empresas, governos e outras organizações. Com a difusão da Internet em banda larga, a partir do início deste século, surgiu a chamada Web 2.0, sendo estabelecido um amplo processo de maior colaboração, compartilhamento e interatividade entre os usuários da rede. Nesse sentido, tornaram-se mais efetivas as chamadas e-aplicações, a exemplo do e-commerce, e-gov, e-education e e-health, Igualmente, começou a emergir um processo em que o consumidor de informação também se tornou um produtor de informação. Surgiram os blogs, vídeo blogs, redes sociais, como o Orkut, Facebook e tantas outras, games on-line e ainda o pleno estabelecimento de grandes e pequenos provedores de aplicações e conteúdo. Este processo aumentou de forma extraordinária o fluxo de informação veiculado na rede, fazendo emergir vários tipos de conflitos entre os principais agentes que fazem uso deste meio, em particular do questionamento do princípio da neutralidade de redes. No entanto, antes de discutirmos essa questão central do trabalho, vamos sintetizar qual é o regime tecnológico da Internet. O novo regime tecnológico e de aprendizagem vem sendo praticado a partir do final da década de 80. De fato, a fusão das telecomunicações com Internet produziu mudanças radicais entre o mundo das “velhas telecomunicações” o das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação). Conforme pode ser visto no Quadro 1, abaixo, verifica-se que o sistema inovação na era das telecomunicações tradicionais era bastante fechado (laboratórios centrais vinculados à operadora monopolista pública) e no mundo das TICs passou a ser identificado por um sistema bastante aberto. Além disso, as barreiras à entrada aos inovadores eram muito altas e foram reduzidas. As demais mudanças podem ser vistas diretamente no próprio Quadro 1. Quadro 1: Regime tecnológico e de aprendizagem A velha indústria de telecomunicações Sistema de inovação fechado Altas barreiras à entrada Indústria de TICs (tecnologias de informação e comunicação) Sistema de inovação aberto Barreiras à entrada baixas Poucos inovadores Muitos inovadores Base de conhecimento fragmentada Base de conhecimento comum 5 Incentivos à inovação médios ou baixos Inovações lentas e seqüenciais (Pesquisa Protótipo Ensaio Lançamento) Fortes incentivos à inovação Inovações rápidas e concorrentes (cooperação entre inovadores à distancia Fonte: Fransman, 2004. Devido à ampliação da convergência tecnológica e econômica no âmbito das TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação) e da tendência da oferta generalizada de conexões de banda larga está ocorrendo uma forte mudança das fronteiras das empresas, dos mercados e de setores das próprias TICs. Diante desse fenômeno, uma das maneiras mais apropriadas para representar essas alterações é por intermédio de um modelo de camadas, em especial aquele proposto por Martim Fransman (2004 e 2007). O modelo de Fransman pode ser observado em sua forma reduzida onde existem apenas quatro camadas, sendo que a camada de cima está sempre apoiada funcionalmente na de baixo (Quadro 2). Na camada I, inferior, estão representados os chamados elementos de rede, ou seja, a produção de hardware e software que são utilizados para implementar as redes de telecomunicações. Nesta camada situa-se a produção de roteadores, computadores, chips, software básicos e aplicados etc. A camada dois, por sua vez, apresenta as diferentes redes de telecomunicações, sejam elas formadas por fios, cabos e fibras óticas ou por sistemas sem fio, como, por exemplo, a segunda, terceira e quarta gerações de transmissão de dados para telefonia celular e outras aplicações. Nessa camada, constituída pelos elementos de rede apresentados na camada inferior, também estão incluídas as redes de televisão aberta ou fechada. Em seguida, há um elemento de conectividade onde operam os protocolos TCP-IP (internet ou outras redes usando outros protocolos) que dão suporte à operação da camada III. Nessa camada situam-se os denominados ICAP – Internet Content Applications Providers, os quais providenciam middleware, navegadores, aplicativo e dezenas ou mesmo centenas de oferta dos mais variados tipos de conteúdo de ordem pessoal, comercial e governamental. Finalmente, na camada IV está representado o consumo das informações, sendo que, na era da web 2.0, o consumidor é, também, um produtor de informações tais como as redes sociais, os blogs, os vídeos blogs e outros meios de operação do consumidor/produtor de informações. 6 Quadro 2: Modelo de quatro camadas (reduzido) de Martin Fransman CAMADAS EXEMPLO EMPRESAS IV. Consumo Wikipedia, YouTube, Second Life, My Space, (co-envolvimento do consumidor) Facebook, Orkut, e autores de blogs e videoblogs III. ICAP – Internet Content Aplication Google, Yahoo, Microsoft, Android, Firefox Providers browsers, Governos Eletrônicos, operadoras de (conteúdo, aplicações, serviços, navegação e middleware) comércio eletrônico. Red IP (conectividade) II. Operação de redes Telecom: Telefonica, Telmex, Oi, AT&T, BT, FT. TV: Televisa, Rede Globo, VTR. I. Produção dos elementos de rede, Intel, IBM, Microsoft, Apple, Nokia, Samsung, equipamentos Alcatel. de telecomunicações, computadores e software, e eletrônica menor. Fonte: Fransman (2002-2007) O modelo de inovação visto pela modelo de camadas de Fransman requer que, na prática, cada uma dessas camadas seja lida de forma diferente. A idéia é que cada camada seja produtora e usuária de inovações. Ou seja, além das interações próprias de modelo de camadas, ou seja, a camada 1 com a camada 2, a camada 2 com 3, e ainda 3 com a 4, há que se levar em consideração os demais pares de interação produtor-usuário de inovação: (1-3), (1-4), (2-4) e, finalmente, (3-1). A neutralidade de rede no modelo de Fransman pode ser visto por meio da conectividade à rede IP, situada entre as camadas II e III. O provedor dessa conectividade necessariamente deve estar apoiado em uma rede de telecomunicações, a qual, como vimos acima, deveria ser, em princípio, absolutamente neutra nos aspectos tecnológicos, econômicos e também políticoideológicos de transmissão de informações. Ou seja, neutralidade equivale à inexistência de qualquer filtro em relação à fluidez da informação. 7 Aspectos da concorrência na Internet O comércio na internet apresenta fatores que tornam a concorrência muito acirrada, sobretudo no setor de eletrônicos1. Destacam-se dois fatores: (i) a desintermediação e (ii) a diminuição dos custos de transação. A desintermediação decorre da eliminação dos agentes intermediários, que aumentam a margem global de custos entre produtores e consumidores finais. À medida que a rede torna possível a transação direta entre produtores e consumidores, o grau de concorrência entre os produtores aumenta. Esse fenômeno atinge fortemente o segmento de varejo, mas seu impacto depende do tipo de setor e de produtos e serviços envolvidos. Produtos mais padronizados, como aparelhos eletroeletrônicos, livros, CD, computadores e periféricos, o potencial de desintermediação é relativamente alto. Outros produtos não tão padronizados, portanto, mais personalizados, como vestuário fino, relógios, jóias etc., usualmente requerem um contato mais direto e pessoal entre o vendedor e o consumidor. Nesses casos, o potencial de desintermediação é menor. Os custos de transação, por sua vez, englobam os custos de toda a efetivação do negócio. Englobam os custos de adequada seleção das partes que farão parte da transação (vendedor e comprador), os custos de elaboração do contrato entre eles e ainda os riscos de não cumprimento dos termos acordados, usualmente denominado de comportamento oportunístico. Na Internet, entre outros motivos, os custos de transação tendem a cair devido à maior transparência e acesso à informações sobre as partes. Além desses fatores positivos ainda existem outras características da Internet que se referem; ao aumento da escala e escopo na produção e distribuição das informações e o forte papel das externalidades de redes. Essas características fazem ampliar intensamente o mercado virtual, abrindo espaço para novos usuários e agentes provedores de informação. Ou seja, contribuem para a ampliação da concorrência na Internet. No entanto, é também necessário ressaltar os fatores que podem dificultar a concorrência: o efeito lock-in, ou seja, o aprisionamento e custos de mudança impostos ao consumidor diante de uma possível troca de padrão (como o referente ao nevegador da Microsoft, por exemplo) e 1 Shapiro e Variam (1999), examinam o funcionamento da economia digital incluindo vários tópicos, entre eles os seguintes: (i) economias de escala e escopo; (ii) externalidades de rede, em geral positivas; (iii) custos de transação; (iv) desintermediação e re-intermediação; (v) aprisionamento e custos de mudança; e (vi) aprendizado cumulativo. 8 ainda a falta de aprendizagem seja das empresas seja dos consumidores para o aproveitamento das crescentes oportunidades do mundo digital. 3.2 Identificação do tratamento da neutralidade de rede fora e dentro do Brasil A maior parte das discussões sobre neutralidade de rede (NN) remete diretamente ao papel central dos organismos reguladores das telecomunicações, os quais deveriam ter capacidade técnica, normativa e legislativa, judiciária (punição) e ainda exercer um papel pró-ativo de negociação, de modo a garantir o principio da NN. De fato, a discussão sobre esta nova função dos reguladores está acontecendo em várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, a discussão sobre a neutralidade é relativamente muito ampla tanto entre especialistas no ramo, imprensa geral e especializada, e particularmente pelo órgão regulador central norte americano, o FCC (Federal Communications Commission). Um dos primeiros e mais importante fatos regulatórios referentes à NN refere-se à empresa Concast, que majoritariamente utiliza cabos coaxiais para distribuir TV por assinatura e também para prover o acesso a serviços por meio de banda larga. È a segunda maior operadora norte americana na oferta deste último serviço. Em meados da presente década, essa operadora passou a filtrar (impedir) aplicações que exigem grande quantidade a veiculação de dados, particularmente o aplicativo P2P BitTorrent e o caso foi parar nas mãos do órgão regulador norte americano FCC. Este órgão decidiu que era ilegal o comportamento da Concast e ordenou o imediato cancelamento desse procedimento. No entanto, a Concast recorreu à Justiça que deu ganho de causa à operadora. Criou-se então um vácuo forte vácuo regulatório que praticamente permanece até hoje. Recentemente, a grande empresa de telecomunicações Verizon, particularmente por meio de sua unidade de telefonia celular, celebrou um acordo com o Google, no qual todo o conteúdo desse gigante da Internet teria privilégios em termos de quantidade de banda passante. Teriam acesso privilegiado ao conteúdo veiculado pelo Google, em particular quanto à velocidade de download de filmes, vídeo blogs, como o You Tubee outros aplicativos. Na prática, é também uma quebra da NN uma vez que não há mais isonomia para todos os usuários.. Somente os assinantes da Verizon móvel teriam essa regalia. A FCC, por sua vez, lançou, em 2009, o NPRM (Notice of Proposed Rulemaking in the Matter of Preserving the Open Internet) de modo a coletar opiniões de todos interessados, mas até agora não há noticia de um novo marco legal. Da mesma forma, a União Européia recentemente também lançou uma consulta pública contendo várias perguntas sobre o tema. Elaborada pela Comissão Européia (Information 9 Society and Media Directorate-General) com o propósito de ampliar o debate sobre a Internet livre e a neutralidade de rede, a lista de quatorze macro perguntas, abrangeu vários, temas, saber: (i) a Internet aberta e o principio end-to-end (ou seja, a inteligência da rede deve ficar nas pontas e não no coração da rede); (ii) o gerenciamento e a discriminação do tráfego; (iii) estrutura de mercado; (iv) qualidade de serviço (QoS) e os consumidores e (v) dimensões políticas, culturais e sociais. As questões a serem respondidas foram distribuídas ao longo dos temas, e as perguntas referiam-se à extensão e a gravidades dos problemas, como afetava os cidadãos, de que maneira poderiam ser medidas e controladas e quais seriam as possíveis soluções diante da evolução tecnológica. No Chile, por meio da Lei 20.453, promulgada em 18 de agosto de 2010, foi institucionalizado o princípio da neutralidade na rede para os consumidores e usuários da internet. Um dos artigos da lei é claro e contundente: os operadores de internet são obrigados a “não bloquearem, interferirem, discriminarem, impedirem nem restringirem arbitrariamente o direito de qualquer usuário da internet a utilizar, enviar, receber ou oferecer qualquer conteúdo, aplicação ou serviço legal”. No entanto, as empresas operadoras de redes de telecomunicações podem gerenciar seu tráfego e suas redes sempre que não afetem a livre concorrência e haja transparência nessa medida. No Brasil, existem discussões esparsas sobre o tema em fóruns empresarias e em artigos na imprensa especializada. A ANATEL, em especial no seu Plano de Melhoria Regulatória PGR, colocou a questão da NN como uma medida a ser discutida no médio prazo. 3.3 Discussão dos resultados O debate entre intelectuais especializados no tema, em particular os norte americanos, é muito grande. WU (2005), por exemplo, é um dos intelectuais que lideram a defesa da NN e aborda o tema de maneira bastante transversal. Quem faz um contra ponto direto a esse autor é FRIEDEN (2007). No Brasil, os defensores da NN, em geral se referem à questões de ordem política e ideológica, a exemplo de AFONSO (2007), GINDRE (2007), PINHEIRO (2008) e RAMOS (2006), sendo que este último faz também uma análise econômica da questão. No entanto, diferentemente da hipótese corrente na maioria das discussões de natureza institucional, pode-se afirmar que o cerne da questão é de natureza econômica e não regulatória,. Robert Frieden respondendo a WU (2005) disse que a Internet nasceu livre, o que é correto, mas havia um pressuposto equivocado: a Internet não tinha custo. Voltando à questão técnica e econômica, de fato, a quantidade abissal de trafego na rede implica na necessidade de em uma ampla modernização (instalação de fibras ópticas em 10 várias partes da rede) para atender igualmente os usuários, ou seja, para manter o principio da neutralidade de rede (NN). Dessa forma surge um o forte impasse na quanto à responsabilidade sobre a quem caberia financiar esse financiamento: os usuários? os fornecedores de informação, os provedores de rede e conectividade? Cada um deles tem seu próprio modelo de negócio voltado a ampliar os beneficios e as respectivas taxas de lucro. Mas quem financiaria a melhoria da rede, que traz beneficio a todos? A solução teórica para o problema é proposta por TIROLE e ROCHET (2004), os quais utilizam o enfoque denominado two sided markets (mercado de dois lados). Alguns exemplos de mercados deste tipo são as plataformas para o uso de cartões de crédito, sistemas de vídeo game, e mesmo plataformas “fisicas” de jornais, que interligam os dois lados do mercado (anunciante e comprador). O mercado de dois lados, também chamado de mercado multilateral (multi-sided makets) pode ser definido como: markets in which one or several platforms enable interactions between end-users, and try to get the two (or multiple) sides “on board” by appropriately charging each side. That is, platforms court each side while attempting to make, or at least not lose, money overall (ROCHET; TIROLE, 2004, p.2). No modelo de mercado de dois lados, uma determinada plataforma tecnológica viabiliza ao fornecedor a possibilidades de efetuar transações com muitas partes. Na Internet teríamos o comprador ou usuário final (B) e o vendedor ou provedor de conteúdo (S). Ambos pagam um custo fixo para aderirem a rede. Podem ser entendidos como pertencentes a um “clube” que cobra uma taxa fixa de adesão. Como é proposto pelos autores, é suficiente mudar os preços variáveis em cada transação (mantendo o mesmo preço total), por meio de barganhas, por exemplo, para que a plataforma obtenha uma razoável taxa de lucro. Vale ressaltar que esses preços são de natureza diferente daqueles cobrados atualmente pelos provedores de Internet. 4. CONCLUSÕES Existem duas interpretações sobre o problema da neutralidade de rede. Uma delas, define o problema como uma questão essencialmente regulatória. Outra, defendida neste trabalho, interpreta que o fenômeno apresenta uma natureza essencialmente econômica, referente à indefinição de quem vai financiar a melhoria das redes para suportar o alto e crescente tráfego na Internet. 11 Nesse sentido podem ser visualizados dois cenários: um cenário seria o tendencial (CT) onde é proposto o empowerment dos reguladores para garantir efetivamente a manutenção da NN; Este cenário conduziria a uma lenta, mas crescente fragmentação da NN. Outro cenário seria o de renovação (CR), mais otimista, onde haveria uma nova repactuação do comportamento entre os principais atores,, Essa repactuação envolve a aplicação de uma nova forma de operar o comércio eletrônico, adequando-se a um modelo de mercado de dois lados, como o apresentado ROCHET, e TIROLE, (2004), Uma vez encaminhado de forma adequada um novo sistemas de preços na rede, o passo seguinte é o de apresentar e introduzir as novas formas de precificação para a respectiva vigilância dos órgão regulatórios. De fato, adaptar ao mundo real a conceituação teórica proposta por Tirole e Rochet (2004) envolve uma nova concepção de funcionamento comercial da rede e, portanto, de mudança de comportamento dos agentes envolvidos. Uma questão básica é isolar o lucro para modernização das redes (advindo da mudança de preços relativos, conforme a solução matemática dos autores) da rentabilidade da própria operadora. A solução inglesa de separação estrutural dos detentores de redes dos provedores de serviço pode ser um caminho. Entretanto é necessário identificar todas as mudanças necessárias para a efetivação do modelo teórico apresentado neste trabalho. 5. REFERÊNCIAS AFONSO, Carlos A. “Todos os datagramas são iguais perante a Rede!”. 2007. Disponível em <http://www.idrc.ca/uploads/user-S/12150289361Paper_Gindre_e_ca.pdf>. Acesso em: 13 de julho de 2010. CASTELLS, Manuel. “Materials for an exploratory theory of the network society”. The British Journal of Sociology , Vol. 51, n. 1, janeiro/março de 2000. FRIEDEN, Rob. “Keeping the Internet Neutral?: A Response to the Wu-Yoo Debate”. Federal Comunication Law Journal, Vol. 59, n. 3, p. 621-624, 2007. Disponível em: <http://www.law.indiana.edu/fclj/pubs/forum/Frieden_v59i3_forum.pdf>. 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AUTORES Marcio Wohlers, Diretor de Políticas Setoriais do Ipea e Professor da UNICAMP licenciado para o Ipea Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea Diretoria de Políticas Setoriais – Diset SBS quadra 1 bloco J sala 1102 marcio.wohlers.ipea.gov.br Jaqueline Thomazine, Mestranda UnB Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea Diretoria de Políticas Setoriais – Diset SBS quadra 1 bloco J sala 1117 [email protected] 13 Priscila Suassuna, Graduanda UnB Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea Diretoria de Políticas Setoriais – Diset SBS quadra 1 bloco J sala 1117 [email protected]