concorrência e inovação no mercado de produtos e

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concorrência e inovação no mercado de produtos e
CONCORRÊNCIA E INOVAÇÃO NO MERCADO DE PRODUTOS E
SERVIÇOS DIGITAIS: O DEBATE SOBRE A NEUTRALIDADE DE
REDES EM TELECOMUNICAÇÕES
Marcio Wohlers, Jaqueline Thomazine, Priscila Suassuna
IPEA e Prof. UNICAMP licenciado para o IPEA; Auxilar de pesquisa do IPEA e pósgraduanda UnB; Auxiliar de pesquisa do IPEA e graduanda UnB
1. INTRODUÇÃO
Diante do alto poder de mercado dos chamados “gigantes da Internet” e igualmente em face
do alto tamanho dos arquivos transacionados pela rede, o consenso praticamente absoluto
referente à neutralidade de redes (NN) passou a ser a questionado em vários países do mundo.
A idéia de que todos os pacotes de bytes (datagramas) não sofreriam qualquer espécie de
descriminação – de natureza pessoal, política, ideológica e econômica – tornou-se objeto de
amplo debate. O comércio eletrônico de serviços cujos arquivos são de grande volume, como
os de cinema 3D, é um bom exemplo. Nesse mesmo terreno também estão incluídos os
usuários que praticam jogos on-line e permanecem várias horas nessa e em outras atividades
semelhantes e também as aplicações peer-to-peer (P2P), como o sistema de compartilhamento
BitTorrent, as quais exigem grande quantidade de banda passante.
Os antigos defensores da Internet livre e aberta, amplamente desregulamentada, ironicamente,
passam agora a exigir que o governo ou órgão reguladores, imponham normas e
regulamentem o funcionamento da rede mundial, garantindo particularmente a neutralidade de
redes. É simples entender essa mudança de postura. Ora, diante da necessidade de viabilizar o
tráfego para qualquer tipo de usuário, incluindo todos os envolvidos (compradores e
vendedores) em transações eletrônicas e face à relativa escassez de largura de banda, os
operadores de rede e fornecedores de conectividade à Internet, efetuam o gerenciamento do
tráfego, e acabam reduzindo a qualidade do serviço QoS (Quality of Service – sigla em
inglês). Este fato acontece geralmente na última milha, ou seja, na conexão entre o usuário
final e o servidor de tráfego que distribui os dados para esse usuário. De fato, em várias
situações, as operadoras das plataformas de rede e de conectividade efetuam um
“gerenciamento de tráfego” e priorizam a transferência de determinados arquivos em
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detrimento de uma conexão mais rápida em determinados pontos da rede e da qualidade de
algumas transmissões de dados on-line mais complexas, como a VoIP (voz sobre IP), que
chegam ser encerradas abruptamente, ou por decisão da operadora da plataforma, ou por
alguma instabilidade da própria Internet. Definitivamente, falta transparência nos
procedimentos adotados pelas operadoras e nas responsabilidades sobre o desempenho da
rede. Usuários e consumidores interconectados à Internet estão às escuras.
A questão da neutralidade de redes também conduz a um debate sobre a evolução da
concorrência e da inovação no âmbito Internet, que podem ser vistos como os dois lados da
mesma moeda. De um, a garantia (ou não) da neutralidade de rede é uma interferência nas
formas de concorrência e inovação na rede. De outro, maiores níveis e incentivos à inovação e
o reforço do ambiente competitivo também influenciam a neutralidade de redes.
Este trabalho está estruturado em quatro seções, incluindo esta primeira dedicada à
introdução. A segunda esclarece a metodologia empregada no trabalho. Por sua vez, a terceira
seção, a mais importante, é dedicada à análise e discussão dos resultados. Por fim, na quarta
parte são apresentadas algumas conclusões sobre o tema.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada contempla dois aspectos básicos. Por um lado é dedutiva (de cima
para baixo), identificando o fenômeno da neutralidade de redes em sua forma mais geral e
abstrata, bem como sua inter-relação com o nível de concorrência e o modelo de inovação.
Por sua vez, as evidências empíricas da questão são coletadas de forma a validar (ou não) a
hipótese ou modelo inicial do problema. Neste trabalho, a hipótese inicial é que a NN seria
um problema essencialmente regulatório e os reguladores deveriam ter maior poder no
âmbito da Internet. Estes deveriam impor tão somente algumas regras essenciais :garantir a
NN e também impedir a transmissão de conteúdo ilegal. O trabalho confronta essa hipótese e
aquela emanada a partir das evidências empíricas. Os fatos serão generalizados de forma a
propiciar a respectiva comparação entre o modelo inicial e aquele gerado com o
aprofundamento da análise. Caso sejam identificadas diferenças será proposta - de forma
teórica - uma solução para a questão. Vale ressaltar que a análise é essencialmente qualitativa
e também faz uma breve referência à literatura sobre o tema.
Por outro lado, a metodologia também se ancora na fortemente na literatura teórica sobre
temas essenciais, como a concorrência e o modelo de inovação na Internet, além
da
bibliografia referente ao tema central deste trabalho: a questão da neutralidade de redes. Uma
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das idéias centrais para o entendimento do funcionamento da economia “digital” ou “virtual”
é o conceito da economia da informação, exposto por Carl Shapiro e Hal R. Varian (1999).
Entre outros aspectos, os autores enfatizam de que forma produtores e usuários de bens
digitais fazem parte de um mercado cuja estrutura concorrencial e inovativa está em constante
mudança. A partir da caracterização do mercado de bens e serviços de natureza digital,
utiliza-se o modelo de camadas funcionais exposto por Martin Fransman (2002; 2007). Esse
modelo ressalta a natureza dos processos competitivos e de inovação e explica a conformação
de um eco-sistema TICs composto pela distribuição dos atores e respectivas tecnologias em
diversas camadas. A camada superior sempre depende da inferior para o correto desempenho
e funcionamento. Por fim, deve ser ainda mencionado que o texto está amplamente apoiado
na produção acadêmica de Jean-Charles Rochet e Jean Tirole (2004; 2006). Os autores
discutem a neutralidade de rede, em particular em sua dimensão econômica, à luz da teoria do
mercado de dois lados (two-sided markets), ou mais amplamente, o mercado multilateral
(multi-sided markets). O mercado de dois lados utiliza uma plataforma para viabilizar as
transações entre os dois lados do mercado: de um lado, provedores de bens digitais; de outro,
usuários de bens digitais, cobrando-se taxas variáveis por cada transação econômica de ambas
as partes.
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1. A evolução da Internet
Desde meados da década de 90, no século XX, vem ocorrendo a massificação do uso da
Internet e da World Wide Web (WWW), propiciando a utilização de novos serviços virtuais e
o surgimento de novas formas de comunicação entre pessoas, empresas, governos e outras
organizações. Alinhado com os rearranjos da economia mundial, iniciados na década anterior,
quando passaram a predominar as medidas de desregulamentação financeira e comercial e a
transnacionalização da produção, o sociólogo Manuel Castells efetuou um novo aporte teórico
ao constatar que o uso das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) havia penetrado
em todas as esferas da economia: na produção, na circulação e no consumo, viabilizando
ainda novos espaços democráticos para a evolução cultural, política e da participação social .
De acordo com a obra do sociólogo, composta pela trilogia “Sociedade em Redes”, divulgada
ao final dos anos 90, a sociedade capitalista havia adentrado no chamado capitalismo
informacional, no qual a sociedade seria informacional, global e conectada. De fato, a
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massificação do uso da Internet, interpretada latu sensu, implicou um crescimento
extraordinário
do
processo
inovativo
representado
pelos
serviços
sustentados
tecnologicamente pela rede. A explosão da utilização do correio eletrônico, da criação de
páginas web usando ferramentas multimídia com hiperlinks, do compartilhamento de arquivos
e de variadas formas de comunicação propiciou uma nova forma de interação e comunicação
entre pessoas, empresas, governos e outras organizações.
Com a difusão da Internet em banda larga, a partir do início deste século, surgiu a chamada
Web 2.0, sendo estabelecido um amplo processo de maior colaboração, compartilhamento e
interatividade entre os usuários da rede. Nesse sentido, tornaram-se mais efetivas as chamadas
e-aplicações, a exemplo do e-commerce, e-gov, e-education e e-health, Igualmente, começou
a emergir um processo em que o consumidor de informação também se tornou um produtor de
informação. Surgiram os blogs, vídeo blogs, redes sociais, como o Orkut, Facebook e tantas
outras, games on-line e ainda o pleno estabelecimento de grandes e pequenos provedores de
aplicações e conteúdo. Este processo aumentou de forma extraordinária o fluxo de informação
veiculado na rede, fazendo emergir vários tipos de conflitos entre os principais agentes que
fazem uso deste meio, em particular do questionamento do princípio da neutralidade de redes.
No entanto, antes de discutirmos essa questão central do trabalho, vamos sintetizar qual é o
regime tecnológico da Internet.
O novo regime tecnológico e de aprendizagem vem sendo praticado a partir do final da
década de 80. De fato, a fusão das telecomunicações com Internet produziu mudanças radicais
entre o mundo das “velhas telecomunicações” o das TICs (Tecnologias de Informação e
Comunicação). Conforme pode ser visto no Quadro 1, abaixo, verifica-se que o sistema
inovação na era das telecomunicações tradicionais era bastante fechado (laboratórios centrais
vinculados à operadora monopolista pública) e no mundo das TICs passou a ser identificado
por um sistema bastante aberto. Além disso, as barreiras à entrada aos inovadores eram muito
altas e foram reduzidas. As demais mudanças podem ser vistas diretamente no próprio Quadro
1.
Quadro 1: Regime tecnológico e de aprendizagem
A velha indústria de telecomunicações
Sistema de inovação fechado
Altas barreiras à entrada
Indústria de TICs (tecnologias de informação e
comunicação)
Sistema de inovação aberto
Barreiras à entrada baixas
Poucos inovadores
Muitos inovadores
Base de conhecimento fragmentada
Base de conhecimento comum
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Incentivos à inovação médios ou baixos
Inovações lentas e seqüenciais (Pesquisa 
Protótipo  Ensaio  Lançamento)
Fortes incentivos à inovação
Inovações rápidas e concorrentes (cooperação entre inovadores
à distancia
Fonte: Fransman, 2004.
Devido à ampliação da convergência tecnológica e econômica no âmbito das TICs (Tecnologia de
Informação e Comunicação) e da tendência da oferta generalizada de conexões de banda larga está
ocorrendo uma forte mudança das fronteiras das empresas, dos mercados e de setores das próprias
TICs. Diante desse fenômeno, uma das maneiras mais apropriadas para representar essas alterações
é por intermédio de um modelo de camadas, em especial aquele proposto por Martim Fransman
(2004 e 2007).
O modelo de Fransman pode ser observado em sua forma reduzida onde existem apenas quatro
camadas, sendo que a camada de cima está sempre apoiada funcionalmente na de baixo (Quadro 2).
Na camada I, inferior, estão representados os chamados elementos de rede, ou seja, a produção de
hardware e software que são utilizados para implementar as redes de telecomunicações. Nesta
camada situa-se a produção de roteadores, computadores, chips, software básicos e aplicados etc. A
camada dois, por sua vez, apresenta as diferentes redes de telecomunicações, sejam elas formadas
por fios, cabos e fibras óticas ou por sistemas sem fio, como, por exemplo, a segunda, terceira e
quarta gerações de transmissão de dados para telefonia celular e outras aplicações. Nessa camada,
constituída pelos elementos de rede apresentados na camada inferior, também estão incluídas as
redes de televisão aberta ou fechada.
Em seguida, há um elemento de conectividade onde operam os protocolos TCP-IP (internet ou
outras redes usando outros protocolos) que dão suporte à operação da camada III. Nessa camada
situam-se os denominados ICAP – Internet Content Applications Providers, os quais providenciam
middleware, navegadores, aplicativo e dezenas ou mesmo centenas de oferta dos mais variados
tipos de conteúdo de ordem pessoal, comercial e governamental.
Finalmente, na camada IV está representado o consumo das informações, sendo que, na era da web
2.0, o consumidor é, também, um produtor de informações tais como as redes sociais, os blogs, os
vídeos blogs e outros meios de operação do consumidor/produtor de informações.
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Quadro 2: Modelo de quatro camadas (reduzido) de Martin Fransman
CAMADAS
EXEMPLO EMPRESAS
IV. Consumo
Wikipedia, YouTube, Second Life, My Space,
(co-envolvimento do consumidor)
Facebook, Orkut, e autores de blogs e videoblogs
III. ICAP – Internet Content Aplication
Google, Yahoo, Microsoft, Android, Firefox
Providers
browsers, Governos Eletrônicos, operadoras de
(conteúdo,
aplicações,
serviços, navegação e middleware)
comércio eletrônico.
Red IP (conectividade)
II. Operação de redes
Telecom: Telefonica, Telmex, Oi, AT&T, BT,
FT.
TV: Televisa, Rede Globo, VTR.
I. Produção dos elementos de rede,
Intel, IBM, Microsoft, Apple, Nokia, Samsung,
equipamentos
Alcatel.
de
telecomunicações,
computadores e software, e eletrônica
menor.
Fonte: Fransman (2002-2007)
O modelo de inovação visto pela modelo de camadas de Fransman requer que, na prática,
cada uma dessas camadas seja lida de forma diferente. A idéia é que cada camada seja
produtora e usuária de inovações. Ou seja, além das interações próprias de modelo de
camadas, ou seja, a camada 1 com a camada 2, a camada 2 com 3, e ainda 3 com a 4, há que
se levar em consideração os demais pares de interação produtor-usuário de inovação: (1-3),
(1-4), (2-4) e, finalmente, (3-1).
A neutralidade de rede no modelo de Fransman pode ser visto por meio da conectividade à
rede IP, situada entre as camadas II e III. O provedor dessa conectividade necessariamente
deve estar apoiado em uma rede de telecomunicações, a qual, como vimos acima, deveria ser,
em princípio, absolutamente neutra nos aspectos tecnológicos, econômicos e também políticoideológicos de transmissão de informações. Ou seja, neutralidade equivale à inexistência de
qualquer filtro em relação à fluidez da informação.
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Aspectos da concorrência na Internet
O comércio na internet apresenta fatores que tornam a concorrência muito acirrada, sobretudo
no setor de eletrônicos1. Destacam-se dois fatores: (i) a desintermediação e (ii) a diminuição
dos custos de transação.
A desintermediação decorre da eliminação dos agentes intermediários, que aumentam a
margem global de custos entre produtores e consumidores finais. À medida que a rede torna
possível a transação direta entre produtores e consumidores, o grau de concorrência entre os
produtores aumenta. Esse fenômeno atinge fortemente o segmento de varejo, mas seu impacto
depende do tipo de setor e de produtos e serviços envolvidos. Produtos mais padronizados,
como aparelhos eletroeletrônicos, livros, CD, computadores e periféricos, o potencial de
desintermediação é relativamente alto. Outros produtos não tão padronizados, portanto, mais
personalizados, como vestuário fino, relógios, jóias etc., usualmente requerem um contato
mais direto e pessoal entre o vendedor e o consumidor. Nesses casos, o potencial de
desintermediação é menor.
Os custos de transação, por sua vez, englobam os custos de toda a efetivação do negócio.
Englobam os custos de adequada seleção das partes que farão parte da transação (vendedor e
comprador), os custos de elaboração do contrato entre eles e ainda os riscos de não
cumprimento
dos
termos
acordados,
usualmente
denominado
de
comportamento
oportunístico. Na Internet, entre outros motivos, os custos de transação tendem a cair devido à
maior transparência e acesso à informações sobre as partes.
Além desses fatores positivos ainda existem outras características da Internet que se referem;
ao aumento da escala e escopo na produção e distribuição das informações e o forte papel das
externalidades de redes. Essas características fazem ampliar intensamente o mercado virtual,
abrindo espaço para novos usuários e agentes provedores de informação. Ou seja, contribuem
para a ampliação da concorrência na Internet.
No entanto, é também necessário ressaltar os fatores que podem dificultar a concorrência: o
efeito lock-in, ou seja, o aprisionamento e custos de mudança impostos ao consumidor diante
de uma possível troca de padrão (como o referente ao nevegador da Microsoft, por exemplo) e
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Shapiro e Variam (1999), examinam o funcionamento da economia digital incluindo vários tópicos, entre eles
os seguintes: (i) economias de escala e escopo; (ii) externalidades de rede, em geral positivas; (iii) custos de
transação; (iv) desintermediação e re-intermediação; (v) aprisionamento e custos de mudança; e (vi) aprendizado
cumulativo.
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ainda a falta de aprendizagem seja das empresas seja dos consumidores para o aproveitamento
das crescentes oportunidades do mundo digital.
3.2 Identificação do tratamento da neutralidade de rede fora e dentro do Brasil
A maior parte das discussões sobre neutralidade de rede (NN) remete diretamente ao papel
central dos organismos reguladores das telecomunicações, os quais deveriam ter capacidade
técnica, normativa e legislativa, judiciária (punição) e ainda exercer um papel pró-ativo de
negociação, de modo a garantir o principio da NN. De fato, a discussão sobre esta nova
função dos reguladores está acontecendo em várias partes do mundo.
Nos Estados Unidos, a discussão sobre a neutralidade é relativamente muito ampla tanto entre
especialistas no ramo, imprensa geral e especializada, e particularmente pelo órgão regulador
central norte americano, o FCC (Federal Communications Commission). Um dos primeiros e
mais importante fatos regulatórios referentes à NN refere-se à empresa Concast, que
majoritariamente utiliza cabos coaxiais para distribuir TV por assinatura e também para
prover o acesso a serviços por meio de banda larga. È a segunda maior operadora norte
americana na oferta deste último serviço. Em meados da presente década, essa operadora
passou a filtrar (impedir) aplicações que exigem grande quantidade a veiculação de dados,
particularmente o aplicativo P2P BitTorrent e o caso foi parar nas mãos do órgão regulador
norte americano FCC. Este órgão decidiu que era ilegal o comportamento da Concast e
ordenou o imediato cancelamento desse procedimento. No entanto, a Concast recorreu à
Justiça que deu ganho de causa à operadora. Criou-se então um vácuo forte vácuo regulatório
que praticamente permanece até hoje. Recentemente, a grande empresa de telecomunicações
Verizon, particularmente por meio de sua unidade de telefonia celular, celebrou um acordo
com o Google, no qual todo o conteúdo desse gigante da Internet teria privilégios em termos
de quantidade de banda passante. Teriam acesso privilegiado ao conteúdo veiculado pelo
Google, em particular quanto à velocidade de download de filmes, vídeo blogs, como o You
Tubee outros aplicativos. Na prática, é também uma quebra da NN uma vez que não há mais
isonomia para todos os usuários.. Somente os assinantes da Verizon móvel teriam essa
regalia. A FCC, por sua vez, lançou, em 2009, o NPRM (Notice of Proposed Rulemaking in
the Matter of Preserving the Open Internet) de modo a coletar opiniões de todos interessados,
mas até agora não há noticia de um novo marco legal.
Da mesma forma, a União Européia recentemente também lançou uma consulta pública
contendo várias perguntas sobre o tema. Elaborada pela Comissão Européia (Information
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Society and Media Directorate-General) com o propósito de ampliar o debate sobre a Internet
livre e a neutralidade de rede, a lista de quatorze macro perguntas, abrangeu vários, temas,
saber: (i) a Internet aberta e o principio end-to-end (ou seja, a inteligência da rede deve ficar
nas pontas e não no coração da rede); (ii) o gerenciamento e a discriminação do tráfego; (iii)
estrutura de mercado; (iv) qualidade de serviço (QoS) e os consumidores e (v) dimensões
políticas, culturais e sociais. As questões a serem respondidas foram distribuídas ao longo dos
temas, e as perguntas referiam-se à extensão e a gravidades dos problemas, como afetava os
cidadãos, de que maneira poderiam ser medidas e controladas e quais seriam as possíveis
soluções diante da evolução tecnológica. No Chile, por meio da Lei 20.453, promulgada em
18 de agosto de 2010, foi institucionalizado o princípio da neutralidade na rede para os
consumidores e usuários da internet.
Um dos artigos da lei é claro e contundente: os
operadores de internet são obrigados a “não bloquearem, interferirem, discriminarem,
impedirem nem restringirem arbitrariamente o direito de qualquer usuário da internet a
utilizar, enviar, receber ou oferecer qualquer conteúdo, aplicação ou serviço legal”. No
entanto, as empresas operadoras de redes de telecomunicações podem gerenciar seu tráfego e
suas redes sempre que não afetem a livre concorrência e haja transparência nessa medida.
No Brasil, existem discussões esparsas sobre o tema em fóruns empresarias e em artigos na
imprensa especializada. A ANATEL, em especial no seu Plano de Melhoria Regulatória PGR,
colocou a questão da NN como uma medida a ser discutida no médio prazo.
3.3 Discussão dos resultados
O debate entre intelectuais especializados no tema, em particular os norte americanos, é muito
grande. WU (2005), por exemplo, é um dos intelectuais que lideram a defesa da NN e aborda
o tema de maneira bastante transversal. Quem faz um contra ponto direto a esse autor é
FRIEDEN (2007). No Brasil, os defensores da NN, em geral se referem à questões de ordem
política e ideológica, a exemplo de AFONSO (2007), GINDRE (2007), PINHEIRO (2008) e
RAMOS (2006), sendo que este último faz também uma análise econômica da questão.
No entanto, diferentemente da hipótese corrente na maioria das discussões de natureza
institucional, pode-se afirmar que o cerne da questão é de natureza econômica e não
regulatória,. Robert Frieden respondendo a WU (2005) disse que a Internet nasceu livre, o
que é correto, mas havia um pressuposto equivocado: a Internet não tinha custo.
Voltando à questão técnica e econômica, de fato, a quantidade abissal de trafego na rede
implica na necessidade de em uma ampla modernização (instalação de fibras ópticas em
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várias partes da rede) para atender igualmente os usuários, ou seja, para manter o principio da
neutralidade de rede (NN). Dessa forma surge um o forte impasse na quanto à
responsabilidade sobre a quem caberia financiar esse financiamento: os usuários? os
fornecedores de informação, os provedores de rede e conectividade? Cada um deles tem seu
próprio modelo de negócio voltado a ampliar os beneficios e as respectivas taxas de lucro.
Mas quem financiaria a melhoria da rede, que traz beneficio a todos?
A solução teórica para o problema é proposta por TIROLE e ROCHET (2004), os quais
utilizam o enfoque denominado two sided markets (mercado de dois lados). Alguns exemplos
de mercados deste tipo são as plataformas para o uso de cartões de crédito, sistemas de vídeo
game, e mesmo plataformas “fisicas” de jornais, que interligam os dois lados do mercado
(anunciante e comprador).
O mercado de dois lados, também chamado de mercado multilateral (multi-sided makets)
pode ser definido como:
markets in which one or several platforms enable interactions between end-users,
and try to get the two (or multiple) sides “on board” by appropriately
charging each side. That is, platforms court each side while attempting to make, or
at least not lose, money overall (ROCHET; TIROLE, 2004, p.2).
No modelo de mercado de dois lados, uma determinada plataforma tecnológica viabiliza ao
fornecedor a possibilidades de efetuar transações com muitas partes. Na Internet teríamos o
comprador ou usuário final (B) e o vendedor ou provedor de conteúdo (S). Ambos pagam um
custo fixo para aderirem a rede. Podem ser entendidos como pertencentes a um “clube” que
cobra uma taxa fixa de adesão. Como é proposto pelos autores, é suficiente mudar os preços
variáveis em cada transação (mantendo o mesmo preço total), por meio de barganhas, por
exemplo, para que a plataforma obtenha uma razoável taxa de lucro. Vale ressaltar que esses
preços são de natureza diferente daqueles cobrados atualmente pelos provedores de Internet.
4. CONCLUSÕES
Existem duas interpretações sobre o problema da neutralidade de rede. Uma delas, define o
problema como uma questão essencialmente regulatória. Outra, defendida neste trabalho,
interpreta que o fenômeno apresenta uma natureza essencialmente econômica, referente à
indefinição de quem vai financiar a melhoria das redes para suportar o alto e crescente tráfego
na Internet.
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Nesse sentido podem ser visualizados dois cenários: um cenário seria o tendencial (CT) onde
é proposto o empowerment dos reguladores para garantir efetivamente a manutenção da NN;
Este cenário conduziria a uma lenta, mas crescente fragmentação da NN. Outro cenário seria
o de renovação (CR), mais otimista, onde haveria uma nova repactuação do comportamento
entre os principais atores,, Essa repactuação envolve a aplicação de uma nova forma de operar
o comércio eletrônico, adequando-se a um modelo de mercado de dois lados, como o
apresentado ROCHET, e TIROLE, (2004), Uma vez encaminhado de forma adequada um
novo sistemas de preços na rede, o passo seguinte é o de apresentar e introduzir as novas
formas de precificação para a respectiva vigilância dos órgão regulatórios.
De fato, adaptar ao mundo real a conceituação teórica proposta por Tirole e Rochet (2004)
envolve uma nova concepção de funcionamento comercial da rede e, portanto, de mudança de
comportamento dos agentes envolvidos. Uma questão básica é isolar o lucro para
modernização das redes (advindo da mudança de preços relativos, conforme a solução
matemática dos autores) da rentabilidade da própria operadora. A solução inglesa de
separação estrutural dos detentores de redes dos provedores de serviço pode ser um caminho.
Entretanto é necessário identificar todas as mudanças necessárias para a efetivação do modelo
teórico apresentado neste trabalho.
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<http://ec.europa.eu/information_society/policy/ecomm/library/public_consult/net_neutrality/
index_en.htm>. Acesso em: 23 de setembro de 2010.
AUTORES
Marcio Wohlers, Diretor de Políticas Setoriais do Ipea e Professor da UNICAMP licenciado
para o Ipea
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea
Diretoria de Políticas Setoriais – Diset
SBS quadra 1 bloco J sala 1102
marcio.wohlers.ipea.gov.br
Jaqueline Thomazine, Mestranda UnB
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea
Diretoria de Políticas Setoriais – Diset
SBS quadra 1 bloco J sala 1117
[email protected]
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Priscila Suassuna, Graduanda UnB
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea
Diretoria de Políticas Setoriais – Diset
SBS quadra 1 bloco J sala 1117
[email protected]