Saúde ou doença: em qual lado você está - Polícia Civil

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Saúde ou doença: em qual lado você está - Polícia Civil
Racismo e Discriminação: é preciso combatê-los!
 INTRODUÇÃO
O Racismo, que está vinculado à idéia da existência de raças
puras ou “superiores” e raças “inferiores”, bem como as ações discriminatórias,
fruto da intolerância que causam constrangimentos desumanos e segregam
cidadãos social e economicamente desfavorecidos, estão presentes de forma
incontestável e incômoda no Brasil.
É indiscutível que participamos de uma sociedade em
desenvolvimento, com suas dificuldades relacionadas à educação, à saúde,
justiça social, segurança pública, entre outras. E, nesse estágio, nítido se
constata o desequilíbrio social, fomentado por condutas contrárias aos ditames
constitucionais que pregam a igualdade entre os homens.
Os comportamentos motivados por condutas discriminatórias
que
afastam, segregam e em nada contribuem
para que avancemos no
processo de desenvolvimento sócio-político-cultural, estão presentes e em
determinadas camadas sociais são impostas aos desfavorecidos que,
desinformados de seus direitos, passam a suportar o pesado fardo de integrar o
grupo da minoria segregada.
Distante desse quadro, constatamos o avanço de um “apartheid
social”, criando barreiras não apenas sociais, mas também morais e éticas. É
necessário preservar o objetivo republicano, consagrado em nossa constituição
federal: a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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1. Preconceito, Discriminação e Racismo (Definições)
1.1 - Preconceito
Para Ferreira (2000. p. 578) “é o conceito ou opinião formados
antecipadamente, sem se levar em conta o fato que os conteste, se de
intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões etc. “
Vincula-se a uma opinião pessoal, decorrente de critérios
assimilados ao longo do tempo, seja através de um conhecimento prático ou
teórico. Pode ser bom ou mau e as pessoas estão passíveis de mantê-los
consigo. Essa é também a opinião de Silva (1994), que empresta de Marie
Jahoda o significado de preconceito, esclarecendo que este “é (...) um
sentimento, e mesmo uma atitude em relação a uma raça ou a um povo,
decorrente da internalização de crenças racistas”.
1.2 - Discriminação
É a exteriorização do preconceito ou, como quer Silva, Genofre
e Lavoreti (2004, p.286), “Discriminação é o preconceito em ação”.
No seu artigo 1º, a Convenção Internacional Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1966,
trás o conceito de discriminação:
...qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em raça, cor descendência ou origem nacional ou
étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou
prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de
igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro domínio da vida pública.
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As ações discriminatórias ocorrem a todo momento e, entre
algumas causas, podemos citar a falta de respeito às diferenças entre pessoas.
Segundo Ianni (1978) os índios e os negros foram as grandes vítimas (dessa
falta de respeito) na fase de formação do povo brasileiro. Guimarães (1975, p.
3) ressalta que esses “eram considerados coisas e podiam ser vendidos, como
parte da terra, e os judeus, segregados, por leis que tinham até o respaldo
divino”. Perdurando em pleno século XXI em nosso país, qual a justificativa?
O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de
ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência
essencial, para livrar-se na ninguendade de não-índios, nãoeuropeus e não-negros, que eles se vêm forçados a criar a
sua própria identidade étnica: a brasileira (RIBEIRO, 2004,
p. 131).
1.3 – Racismo
Em entrevista concedida ao “Portal do Voluntariado”, o
jornalista e advogado, criador da ONG ABC SEM RACISMO e a AFROPRESS,
ao ser questionado sobre o significado do termo, assim o definiu:
O racismo do mesmo modo que o anti-semitismo, a
xenofobia e o chauvinismo, é um fenômeno histórico que
hierarquiza os grupos humanos. As diferenças culturais e/
ou de cor da pele são usadas para justificar e atribuir
desníveis intelectuais e morais aos seres humanos (VIERA,
2006)
Num país em que o povo é o resultado de uma miscigenação,
predominando a cor negra e parda, chega
a ser uma contradição que os
brasileiros de pele branca ocupem os melhores patamares na escala social. As
manifestações racistas são dissimuladas e há uma freqüente negação a elas
quando, ao contrário, deveriam ser aceitas como realidade para que se
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chegasse a melhor forma de combatê-las e dissipá-las. Um exemplo dessa
dominação
pode ser observada no fato de que o Brasil jamais teve um
diplomata negro e no atual Governo (Inácio Lula) o seu ministério conta com
apenas um representante da nossa afro descendência, de pele negra.
O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de
opiniões pré concebidas onde a principal função é valorizar
as diferenças biológicas entre os seres humanos, em que
alguns acreditam ser superiores aos outros de acordo com
sua matriz racial. (Wikipedia. 2006).
Já para Soares (1990, p.125), “Racismo é uma teoria que
estabelece que certos povos ou nações sejam dotados de qualidades psíquicas e
biológicas que os tornam superiores a outros seres humanos”.
Concluímos que as concepções racistas são utilizadas para
justificar a exploração de determinados grupos, muitas vezes minorias, sobre
outros, impondo-lhes um julgo desigual e a subserviência é parte de um
equívoco que dificulta a conquista de atingirmos o nível de uma sociedade
evoluída e igualitária, considerando a
inexistência de raças puras ou
superiores no mundo.
2.
GARANTIA CONSTITUCIONAL E A DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS IREITOS HUMANOS
A Constituição Federal de 1988, denominada “Cidadã”,
consagrou os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. No artigo 5.º,
encontramos:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...
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O artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos
preconiza:
Todos nascem livres e iguais em direitos e dignidade e que
sendo dotados de consciência e razão devem agir de forma
fraterna em relação aos outros.
Quando o assunto converge para Racismo e Discriminação,
imediatamente relacionamos à questão de cor. No entanto, o campo é mais
amplo, incluindo etnia, raça, religião e procedência nacional. Somos
uma nação de inegável mistura de raças. A população brasileira formou-se a
partir de três grupos étnicos básicos: o índio, o branco e o negro e esses
grupos trouxeram para o Brasil suas histórias, culturas, costumes e religiões.
Segundo os historiadores, a miscigenação ocorreu inicialmente
entre índios e portugueses. Ampliando-se com a chegada dos africanos,
italianos, espanhóis, alemães, holandeses poloneses e japoneses. No censo de
2000, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD/IBGE,
mais de 45,3% da população nacional era
constituída por negros e pardos, ou por afro-brasileiros, em uma população de
179 milhões de habitantes, no entanto, o caminho rumo a uma sociedade
livre, justa, igualitária e cidadã, ainda é tortuoso e indefinido, fazendo-se
necessário um processo de correção de valores.
3. A EDIÇÃO DA LEI DE PROTEÇÃO ÀS MINORIAS
DISCRIMINADAS
3.1. A Lei 7.716/89 – “Lei Anti-Racismo”
Considerando que a Constituição Federal vigente,
chamada de “redentora”, definiu em seu artigo 5º, XLII que
também
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“A prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei”,
em 5 de janeiro de 1989, foi editada a Lei 7.716 definindo os
crimes
resultantes de preconceito (entendemos que o termo mais apropriado seria
“discriminação”) de raça ou de cor. Ficou conhecida como “Lei Anti-Racismo”.
Mal redigida, deixou margem para que seus artigos tivessem as mais diversas
interpretações e fez referência apenas àquelas condutas praticadas em razão da
raça ou da cor do cidadão. Assim foi redigido seu artigo 1º:
Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
preconceitos de raça ou de cor.
3.2 – Alterações na lei 7.716/89
De 1989 até 1997, por força de reivindicações e necessidade de melhor
adequação do diploma legal à realidade social, foram editadas as leis:
•
Lei nº 8.081, em 21 de setembro de 1990
A alteração consistiu no acréscimo do artigo 20 na lei 7.716/87, cuja
redação tornou criminosa ação de quem:
“Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação
social
ou
por
publicação
de
qualquer
natureza,
a
discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia
ou procedência nacional”.
• Lei nº 8.882, em 3 de junho de 1994
Com o objetivo de reprimir as manifestações anti-semitas, esta lei
acrescentou o parágrafo 1º ao mesmo artigo 20, penalizando condutas assim
definidas:
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“Incorre na mesma pena quem fabricar, comercializar,
distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos,
distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
•
Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997.
Nesta lei foram realizadas alterações nos artigos 1º e 20 da lei
7.716/89 e acréscimo de parágrafo no art. 140 do Código Penal Brasileiro,
revogando-se o artigo 1º da lei
8.081/90 e
totalmente a lei 8.882/94,
passando a vigorar com a seguinte redação:
Artigo 1º:
Serão punidos, na forma desta Lei os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
Artigo 20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional.
§ 1º: Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,
emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que
utilizem a cruz suástica ou gamada, para fim de divulgação
do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 2º: Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido
por intermédio dos meios de comunicação social ou
publicação de qualquer natureza:Pena reclusão de dois a cinco
anos e multa.
Quanto ao artigo 140 d0 Código Penal Brasileiro, que descreve o
crime de Injúria, nessa nova edição de lei o parágrafo incluído passou a definir
um novo tipo penal : a Injuria Qualificada:
§ 3º:
Se a injúria consiste na utilização de elementos
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referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem.Pena:
reclusão de um a três anos e multa."
3.3 - Indivíduos ou grupos previstos na lei específica
Após o descobrimento do Brasil uma diversidade lingüística,
cultural e religiosa, compôs um novo tipo de habitante na vasta terra e hoje
fazemos parte de uma sociedade com contrastes de todo gênero e natureza.
Movido por essa consciência,(do amplo leque de discriminações que se
instalou e perdura século após século) o legislador procurou revestir de
proteção uma cidadania discriminada, que recebe tratamento diferenciado
independente de sua capacidade produtiva.
em todo lugar e a todo momento, atitudes de preconceito e
de discriminação acontecem. Mas as pessoas fingem não
ver e preferem não discutir esse fato. As conversas sobre o
assunto são evitadas. No Brasil é comum ouvir-se: Aqui não
temos esse tipo de problema! Brancos, índios e negros
vivem na mais perfeita harmonia! (Valente. 1994, p.07).
Assim, é importante ressaltar que a lei anti-racismo, com suas
alterações, trata de grupos específicos, discriminados em razão de sua:
• Raça,
•
Cor,
• Etnia,
•
Procedência nacional e
•
Opção religiosa.
Quanto aos homossexuais, os portadores de
deformidade física e doenças contagiosas ou os desfavorecidos
na escala social, são alguns grupos que, quando discriminados, não
terão ao seu alcance esta lei para ampará-los.
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Já as discriminações contra idosos, deficientes físicos e a
mulher, são tratadas em leis específicas, não se aplicando a lei “antiracismo”
4. Comentários sobre os grupos discriminados
É importante observar que cada grupo definido na lei em análise
apresenta suas peculiaridades, que devem ser observadas para melhor
compreensão dos objetivos da lei. São eles:
4.1 - Discriminados em razão da Cor
Apesar da nossa mistura de raças, são perceptíveis as
desigualdades social e econômica existentes entre o cidadão brasileiro de
cor negra e aquele de cor branca, segundo dados inseridos no último Censo
de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE).
No Censo de 1980, os brasileiros não-brancos, recusando a
aceitar a cor de sua pele, atribuíram-se 136 definições de cor, como por
exemplo: azul marinho, branca queimada, morena bem chegada,
tostada, morena trigueira etc,
constatando-se a existência do
sentimento de exclusão social e o racismo anti-negros.
Na década de 80, uma fotografia estampada na capa do "Jornal
do Brasil", em sua edição de 29/09/82,
mostrou a presença forte dessa
discriminação. Em uma “batida” em um dos Morros da cidade do Rio de
Janeiro, sete negros detidos pela policia, foram amarrados com cordas atadas
ao pescoço, como nos velhos tempos da escravidão, quando homens eram
tratados como coisas ou animais. Na fotografia de Luis Morier, é inegável a
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forte rejeição à nossa afro-descendência. A fotografia impressiona também
pela condição do policial que subjuga os negros: trata-se de um mestiço!
Disponível em: www.facom.ufba.br/etnomidia/acor.html
Duas décadas mais tarde, já em vigor a lei Anti-Racismo, causou
polêmica e protestos de ONG’s e das outras entidades de proteção aos direitos
do negro, campanhas publicitárias de uma empresa de confecções, produzidas
pelo fotógrafo Olivero Toscani, que se justificou dizendo que suas mensagens
teriam apenas
o propósito de abordar temas controvertidos, como o
preconceito de cor.
Na foto 1 duas crianças de cor branca e negra aparecem juntas. O
detalhe que chamou atenção é o penteado da menina negra, que se assemelha
a um par de “chifres”, induzindo a um simbolismo do mal.
Na foto 2 uma mulher de pele negra, com os seios a mostra,
alimenta uma bebê
de pele branca. Para aqueles que protestaram, o
significado era relembrar o papel que a mulher negra desempenhou por muito
tempo na sociedade escravagista: a de “mucama”.
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Foto
1
Foto 2
Disponíveis em: http: www.google.com.br/imagens racismo
É importante ressaltar que a discriminação em razão da cor
ocorre com maior freqüência contra àquelas pessoas de cor negra, no
entanto, não é exclusividade, considerando que qualquer cidadão de pele
branca ou amarela, também
pode vir a ser vítima de condutas
discriminatórias, que tenham o propósito de impedir que estes sejam tratados
com igualdade no meio social.
4.2 - Discriminados em razão da raça
O conceito de raças humanas foi usado pelos regimes
coloniais e pelo apartheid (na África do Sul), para perpetuar
a submissão dos colonizados (ou da maioria negra, mas sem
recursos); actualmente, só nos Estados Unidos se usa uma
classificação da sua população em raças, alegadamente para
proteger os direitos das minorias (wikipedia)
Autores que afirmam que não há um significado exato para a
palavra “Raça” e nem está relacionada diretamente ao significado de
“Racismo”.
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Mitchell e Jord (2006) chamam atenção para o fato de que
“Raça não pode ser confundida com
nacionalidade (lugar de
nascimento), herança lingüística e religião”.
Para outro autor, a definição mais adequada para o assunto
consistiria no seguinte:
Preconceito
racial
é
uma
disposição
(ou
atitude)
desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos
membros de uma população, aos quais se têm como
estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda
ou parte da ascendência que se lhes atribui ou reconhece
(NOGUEIRA, 1955, p. 78-79).
A lei tem como objetivo tornar passível de censura penal
todas
as manifestações discriminatórias que atentem contra o tratamento distinto a
determinados grupos de pessoas, entendido como grupo racial.
Em 1989, o brasileiro, escritor e editor de livros Siegfried
Ellweanger, sócio diretor da Revisão Editora Ltda., localizada em Porto Alegre,
editou, distribuiu e vendeu diversas obras de autores estrangeiros e nacionais,
com conteúdo nitidamente anti-semita. Seguindo a mesma linha, também
escreveu um livro com o título “Holocausto Judeu ou Alemão- Nos bastidores
da mentira do Século”.
O Movimento Popular Anti-Racismo (Mopar), integrado pelo
“Movimento Negro”, “Movimento Judeu Independente” e “Movimento de
Justiça e Direitos Humanos”, encaminhou ao Ministério Público peça
processual para que Ellweanger fosse processado por crime previsto na Lei
Anti-Racismo. Condenado, o acusado recorreu judicialmente e em uma das
últimas decisões contrárias ao pedido de inocência, assim se manifestou o
Ministro Jorge Scartezzini:
Em uma linguagem técnica - científico - jurídica, o
legislador constituinte teve a intenção de não só punir o
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preconceito decorrente das diferenças de raça, mas
também aqueles oriundos das desigualdades relacionadas
à etnia ou a grupos nacionais. (STJ: 2000/0131351-7-HC
15155).
4.3 Discriminados em razão da Etnia
Etnia na definição de Ferreira, “é um grupo biológico e
culturalmente homogêneo”, ou seja, características e valores culturais e sociais
tornam um grupo de pessoas distinto de outros, como por exemplo, os índios.
Seria,
em
vão,
identificar
um
grupo
étnico,
se
recorrêssemos aos traços culturais que ele exibe: língua,
religião,
instituições,
técnicas
e
etc.
Nem
sequer
poderíamos afirmar que um povo qualquer é o mesmo
grupo que seus antepassados. Vivemos num processo de
constantes
mudanças,
causadas
pelas
circunstâncias
naturais e pela interação social com outros grupos. A
cultura, nestas condições passa a ser o produto de
determinado grupo e não o contrário (CUNHA, 1986, p.
15)
As minorias mais atingidas pela discriminação em razão de sua
formação étnica são os índios. Irônico, considerando que estes foram os
primeiros habitante de uma
terra posteriormente chamada Brasil.
Os
silvícolas viviam em sociedade organizada segundo suas tradições e costumes.
Com a invasão portuguesa, inicialmente os historiadores descrevem o violento
processo de desestruturação de sua identidade étnica.
Além de verem suas terras ocupadas por povos desconhecidos,
passaram a ser usados como instrumento de trabalho, tratados como “coisas” e
marcados a ferro e fogo com as siglas SJ, que significavam “sem direito”. As
mulheres eram tomadas para servir à lascívia dos “novos donos da terra” e
contaminadas por doenças sexualmente transmissíveis, além das outras
doenças para as quais se encontravam vulneráveis como: gripe, tuberculose, e
sarampo.
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Na segunda metade do séc. XX, foi nascendo um
movimento indigenista, reposta à revolta indígena contra
toda
sorte
de
invasões...
Tal
movimento
prega
o
reconhecimento das terras, tradição, educação de resgate,
saúde sem discriminação... uma resposta aos índios que
desejam demarcação e desintrusão das terras, proteção
contra as invasões, e indenizações pelas arbitrariedades já
cometidas. (TEIXEIRA, 2006).
Em 1973 foi editado o Estatuto do Índio – Lei 6.001 – como
meio de proteção e preservação da cultura indígena. Em 1988 a Constituição
Federal dedicou um capitulo específico sobre o direito dos índios, reconheceu
seus direitos e o pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos consagrou
em seu artigo 27 que:
Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou
lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não
poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com
outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de
professar e praticar sua própria religião e usar sua própria
língua.
No entanto, essas medidas não têm impedido a segregação desses
irmãos, considerando as constantes formas de discriminação, entre as quais
citamos a questão de sua cidadania: para ter capacidade plena e exercer seus
direitos políticos, ao índio é exigido passar por um processo de civilização,
caso contrario, não poderá, por exemplo, assumir um cargo no serviço público.
4.4 - Discriminados em Razão de opção Religiosa
Como parte do processo de civilização e colonização, os jesuítas
trouxeram para o Brasil os dogmas do catolicismo, instituindo-o como
religião oficial. Com a chegada dos africanos e de outros povos, credos e
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cultos passaram a ser professados, mantendo-se até os dias atuais como o
protestantismo, o candomblé, o budismo, entre outras.
Em 1824, publicada a primeira Constituição brasileira, a religião
católica apostólica romana veio instituída como a religião oficial do Estado.
As demais religiões poderiam ser professadas, desde que suas reuniões
ocorressem em forma de cultos domésticos ou particular, não se permitindo a
realização em templos especialmente destinados para esse fim.
Com o advento da República, a Constituição de 1891, em respeito
a preservação de crenças e cultos, assegurou que as religiões passariam a ser
livremente cultuadas, considerando o valor que cada cidadão confere a sua fé.
Em 1988, A Constituição Federal, em seu artigo 5º, VI manteve
a liberdade de culto, dando nova redação a essa garantia:
é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;
É claro que por motivos de crença religiosa, ninguém poderá
eximir-se do cumprimento de uma obrigação prevista em lei, mas poderá optar
por uma prestação alternativa. É o caso do cidadão que professa a religião
adventista que preserva os sábados. Ocorrendo, por exemplo, eleições nesse
dia, ele não estará obrigado a votar, no entanto, deverá justificar essa situação
ou pagar a multa devida nesses casos.
Em 2005, a imprensa divulgou a condenação da TV Record e
Rede Mulher por discriminação contra religiões afro-brasileiras. A decisão
da juíza Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, da 5ª Vara Federal Cível de São
Paulo, alcançou a União Federal - como concedente dos canais televisivos.
Para a magistrada, em seu parecer, “houve ataque às religiões
de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas são adeptas...
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Foram identificados ataques à religião com o intuito de menosprezar quem
as pratica (referidos como bruxos, feiticeiros, pais de encosto)”
4.5 - Discriminados em Razão Procedência Nacional
Segundo Accioli (1980, p. 70-71) “Nacionais são as
pessoas submetidas à direta autoridade de um Estado que lhes reconhece os
direitos civis e políticos, ofertando-lhes proteção, inclusiva para além de suas
fronteiras”.
O texto da lei maior, em seu artigo 5º assim define:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
O texto constitucional não deixa margens para qualquer dúvida
de que o Brasil aderiu ao Sistema Internacional de Proteção dos Direitos
Humanos, incluindo a proteção de Refugiados, que é referida logo nos
Princípios das Relações Internacionais brasileiras, no Art. 4º, onde se insere o
Asilo (X) e a prevalência dos Direitos Humanos (II).
Em cada região do extenso território brasileiro, são ostensivas as
posições preconceituosas entre cidadãos brasileiros, assim como contra o
estrangeiro ou seus descendentes. Recentemente um comercial de um tipo de
sandália de borracha fabricada no Brasil, foi ao ar. A situação ocorre da
seguinte forma: em um aeroporto internacional um casal tenta obter
informações sobre locação de veículos e têm como ponto de referência pessoas
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que usavam esse tipo de sandália. O casal tem dificuldades de se comunicar na
língua portuguesa. Finalmente uma moça responde na mesma língua ao
cumprimento, no entanto, ao ser-lhe solicitada a informação, com forte
sotaque nordestino responde: “Sei não!”. Eis uma imagem que revela toda
uma carga de preconceito.
Outro exemplo (publicado em edição de “pedra da gazeta” ) foi o
caso do escritor brasileiro Ulisses Iarochinski, residente no Sul do Brasil, que
recebeu severas críticas e foi vítima de agressão física na sua noite de
autógrafos no lançamento do seu livro “Saga dos Polacos – A História
da Polônia e seus emigrantes no Brasil” . O termo “Polaco” nessa
região, na qual há uma grande concentração de brasileiros descendentes de
imigrantes da Polônia, sofre há pelo menos 85 anos, campanha sistemática
pela sua eliminação da língua falada no país.
E ainda contamos com a reportagem de Gusmão (2006)
publicada na edição de 29.01.2006, do jornal paraense “O Diário do Pará” que
reproduziu matéria publicada pelos periódicos “A Crítica” e “Diário do
Amazonas”, sobre um homicídio motivado por questões preconceituosas: uma
brincadeira de mau gosto há anos se instalou em Manaus: chamar, de forma
pejorativa, um amazonense de “paraense” é um insulto. Por esse motivo, o
pedreiro Aldemir Picanço matou com quatro tiros Gilson Marques Sales, de 25
anos (ambos amazonenses), como reação a “agressão verbal” proferida de seu
colega.
5. A injúria Qualificada
Diferente da lei anti-racismo, o crime de “Injúria qualificada”
acrescentada em um parágrafo do artigo 140 do Código Penal, é identificado
quando a pessoa vê sua honra e dignidade ultrajadas pela discriminação.
Atinge a honra subjetiva do indivíduo que, em julgado de alçada criminal de
S.P., assim foi definida: “a honra subjetiva, objeto da injúria, é o sentimento
próprio sobre os atributos físicos, morais e intelectuais de cada pessoa”
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Prevê pena de reclusão de um a três anos e multa "se a injúria
consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou
origem".
6. Racismo e Injúria
Qual a diferença entre o crime previsto na lei anti-racismo e o
crime de Injuria Qualificada prevista no Código Penal Brasileiro?
É simples! Ambos têm em comum ofensas relacionadas à raça,
cor, etnia, religião, origem ou procedência nacional, mas no 1º caso
(crime previsto na lei 7.716/89) a conduta discriminatória é realizada com a
intenção de segregar, apartar um grupo social (previsto nessa lei), sem
individualizar A ou B.
Ex:
Tramita na Justiça de Brasília um
processo contra o
estudante MVSM, denunciado pelo Ministério Público por ter
postado mensagens ofensivas e agressivas aos negros no site de
relacionamentos Orkut, em uma comunidade que debatia as
cotas para negros nas universidades federais. Na comunidade,
em três mensagens, o estudante chama os negros de "macacos
burros", "subdesenvolvidos", "urubus" e "ladrões” (matéria sob
o título “Racismo na internet chega à Justiça”, publicada no jornal “O
Estadão”. Fev. 2006)
No 2º caso, ocorrerá o crime de Injúria qualificada
quando a ofensa chega com o propósito de atacar a honra de pessoa
determinada, causando-lhe desrespeito aos seus atributos físicos, morais ou
intelectuais. São utilizando termos pejorativos, insultos ou qualquer outra
forma de expressar o desprezo a uma pessoa em razão de sua raça, cor,
etnia, religião, origem.
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Um dos casos mais marcantes e que serve para exemplificar
esse tipo penal, foi protagonizado na noite de 13 de abril de 2005. Durante
uma partida de futebol o jogador argentino Desábato, dirigiu-se a um jogador
brasileiro negro, de codinome “Grafite”, chamando-o de “negro” e, conforme
amplamente divulgado nas manchetes de jornais, completou a ofensa com um
termo chulo. Houve a prisão em flagrante delito e só após o recolhimento da
fiança arbitrada pelo juiz, o ofensor pode deixar a Delegacia para a qual foi
conduzido.
Fotos:http://multimidia.terra.com.br/esportes/esportestv/interna/0,,OI53026EI1038,00.html
Para melhor visualização das distinções entre essas condutas
delituosas, demonstramos no quadro abaixo:
Lei Anti-Racismo
Injuria Qualificada
Pena: Reclusão de 2 a 5 anos
Pena: Reclusão de 1 a 3anos
Inafiançável e Imprescritível
Afiançável e Prescritível
Importa numa segregação
de direitos.
Importa numa qualificação
negativa, um adjetivo
negativo.
Ex impedir uma pessoa de
freqüentar clube, igreja ou outros lugares
públicos ou abertos ao público por ser
negra, branca, judia, árabe etc
Ex: com dolo de injuriar,
chamar a pessoa negra
de "macaco".
20
“Assim, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’,
‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc., desde que com vontade de lhe
ofender a honra subjetiva relacionada com cor, religião, raça, etnia ou
origem, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de
multa" (Código Penal anotado, p. 437)
7. Algumas condutas previstas como criminosas
Os crimes previstos na lei anti-racismo ocorrem quando um
cidadão, brasileiro ou estrangeiro, é impedido de fazer, de estar ou realizar
algo devido à cor de sua pele, sua raça, etnia, opção religiosa ou procedência
nacional.
Nos vinte
artigos da lei 7.716/87 (com suas alterações),
encontramos na maioria os verbos IMPEDIR, OBSTAR E NEGAR, exceto
naqueles artigos específicos como o contido no Art 20. § 1º (ver Cap. II, item
1.2 ). Alguns exemplos:

em razão da procedência nacional, impedir o acesso de
nordestinos pelas entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e
elevadores.
 Impedir o casamento ou convivência familiar e social de pessoas que
professem religiões diferentes.

Impedir ou recusar a hospedagem a uma pessoa, por essa pertencer a uma
tribo indígena.
 Negar emprego em empresa privada, dispondo de vaga, a um cidadão de
cor negra.
 Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de um aluno, filho de
judeus, pelo entendimento de que se trata de uma raça impura, em
estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.
21
•
CONCLUSÃO
Faz-se necessário despertar a consciência ética e moral do
cidadão, principalmente aquele que optou em participar diretamente do
Sistema de Segurança Pública e Defesa Social, corrigido valores e criando
condições para que esse servidor possa agir com eficiência, através do
conhecimento, em defesa dos direitos humanos e acatamento às leis de
repressão
às
manifestações
racistas
e
discriminatórias,
para
que
transformações profundas ocorram no seio de uma sociedade democrática.
22
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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23
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jul. 2006
* Rubenita Monteiro Pimentel tem Formação pela U.F.Pa. em Ciências Jurídicas, Delegada
de Polícia Civil, especialização em “Defesa Social e Cidadania”, Chefe da Divisão de
Pesquisa do Instituto de Ensino de Segurança do Pará – IESP, instrutor no IESP e nos
cursos de pós graduação promovidos pela UFPa. e UEPa.