IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA – UM VERDADEIRO

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IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA – UM VERDADEIRO
IGREJA GRECO-CATÓLICA
UCRANIANA – UM VERDADEIRO
SINAL DE VITALIDADE
Ukrainian Greek-Catholic Church - A true sign of vitality
Mario Marinhuk *
RESUMO: A Igreja Greco-católica ucraína tem uma longa história, marcada pela “martiria”, que
envolveu tantos interesses sombrios bem além dos evangelhos. As tentativas de desvirtuamento
e supressão dessa Igreja; revelam, todavia, uma vitalidade permanente. Interessas nacionalistas,
étnicos e culturais mantiveram o povo ucraniano sob históricas tensões. A Igreja Greco-latina foi
levada ao limite da decadência, mas ressuscitou, podendo assim, ostentar uma nova história de
vitalidade e de reflorescimento nas terras ucranianas, e em vários territórios de missão, inclusive o
Brasil.
No Brasil, a Igreja buscou sua identificação no respeito ao rito como respeito à memória de pais,
na preferência pela língua ucraniana, no resgate e conservação da etnicidade do povo. A liderança
exercida pelos padres, religiosas e catequistas tem sido fundamental para a manutenção da cultura
e da fé nas comunidades ucranianas.
PALAVRAS CHAVE: cultura, tradição, conflito, identidade, rito.
ABSTRACT: The Ukrainian Greek-Catholic Church has a long history, marked by “martiria” that
involved so many evangelical interests, but also others, not always so evangelical. The attempts to
distortion and suppression of this Church show, however, a permanent vitality. Nationalist, ethnic
and cultural interests kept the Ukrainian people under historical tensions. The Greek-Latin Church
was pushed to the limit of the decay, but has risen and can thus bear a new history of vitality and
revival in the Ukrainian lands, and in several mission territories, including Brazil.
Here, the Church sought its identification both in regard to the rite as well as in regard to the
memory of parents, in the preference for the Ukrainian language, in the rescue and preservation
of the ethnicity of the people. The leadership exercised by priests, religious and catechists has been
fundamental to the maintenance of the culture and faith in the Ukrainian communities.
KEY WORDS: culture, tradition, conflict, identity, rite.
* Doutor em Ciências Eclesiásticas Orientais - Pontifício Instituto Oriental de Roma. Professor do Studium
Theologicum, em Curitiba
INTRODUÇÃO
A Igreja Grego-Católica1 Ucraniana 2 é a maior Igreja Católica Oriental
(Ecclesia sui juris). Desde 1596 mantém plena comunhão com o Sumo Pontífice, o
qual reconhece a sua autoridade espiritual e jurisdicional.
Sendo uma Igreja de tradição oriental, mantém o rito bizantino-ucraniano
(patrimônio litúrgico, teológico/espiritual, histórico, cultural e jurídico) assim
como era antes da União de Brest-Litovsk3.
É difícil falar ao mesmo tempo de comunhão e vitalidade da Igreja GregoCatólica Ucraniana, pois se trata de entrar no espírito que a animou, e que a
manteve unida à Roma desde a União, mesmo tendo de passar por momentos
bastante dramáticos.
Com as investidas do Império russo e das intenções do Patriarcado
de Moscou a Igreja Grego-Católica Ucraniana passou a ser um instrumento de
resistência e busca de identificação da nação ucraniana. Torna-se um refúgio
contra movimentos tirânicos tanto dos poderes imperiais quanto posteriormente
das políticas aniquiladoras impostas pelo sistema comunista que assolava o país
durante quase todo o século XX.
Para muitos, a Igreja Greco-Católica Ucraniana tornou-se um elemento de
distúrbio, a ser desprestigiada, aniquilada, mesmo em seu território – na Ucrânia.
O objetivo desta abordagem é: fazer uma demonstração convincente das
tentativas de desvirtuamento e supressão dessa Igreja, coisas que infelizmente
ocorreram ao longo de sua história, mas que ela conseguiu se sobressair e mostrar
a sua grande vitalidade graças a alguns personagens que entregaram suas vidas
à morte ou aqueles que ainda continuam vivos para testemunhar a tamanha
tragédia ocorrida no século passado.
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3
Terminologia que entrou em vigor no antigo Reino da Hungria e no domínio austríaco a partir
de 1773, quando no Sínodo da Igreja católica rutena, croata e romena de rito bizantino, realizado em Viena, os representantes das respectivas Igrejas exigiram que a terminologia “Igreja
Greco-Católica” substituísse o título pejorativo de “uniatas” ou “gregos unidos” usado até então.
Essa terminologia entrou mais facilmente com a interferência da imperatriz Maria Teresa da Áustria, que a aplicou nos documentos de uso civil (cf. VASIL’ Cyril, “I Gesuiti e i Grecocattolici – Problematiche e Prospettive”, in Acta Jesuits in Diologue – the interreligious dimension [2002] 71).
Trata-se de uma das Igrejas católicas orientais, a mais numerosa de todas, com 5,5 milhões de fiéis no território ucraniano e mais 1,5 milhão em outros países europeus, América do Norte, América do Sul e na Austrália (cf. УКРАЇНСЬКА ГРЕКО-К АТОЛИЦЬКА Ц ЕРКВА , Блаженніший Любомир (Гузар)
залишає уряд Глави УГКЦ. Disponível em: www.ugcc.org.ua, acesso em: 07/03/2013.
Acordo eclesiástico feito em sínodo na cidade de Brest, na Lituânia, no ano 1596, restabelecendo
a comunhão de uma parte da Igreja ortodoxa ucraniana com a Igreja de Roma. O acordo permitia à Igreja Greco-Católica Ucraniana permanecer fiel a todos os ritos e às normas da Igreja
anterior, porém, reconhecendo a supremacia do papa sobre a sua Igreja (cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di storia della Chiesa in Ucraina, Lviv: Edizioni dei Padri Basiliani 2008, 143-148).
Falar da Igreja Greco-Católica Ucraniana ou da Igreja bizantino-ucraniana,
logo nos vem em mente a compreensão de um imaginário ancestral, de uma
instituição estacada no tempo, que não se renova - tradicional. Acabamos criando
ou assumindo alguns conceitos nada condizentes à sua verdadeira identidade.
Na verdade, as Igrejas orientais e entre elas a Igreja Greco-Católica
Ucraniana são detentoras de antigas tradições arquitetônicas, com os seus
templos ricamente decorados, a iconografia artisticamente organizada, os cantos
litúrgicos apropriados e bem executados. Tudo isso facilmente identifica essa
Igreja com o passado histórico, mas isso não quer dizer que ela parou no tempo,
ao contrário, ela se renova e se adapta às diretrizes e exigências atuais sem o
menor impedimento ou restrição.
Uma Igreja jovem, constituída também por um clero jovem. A idade
média do seu clero é de 35 anos. Isso se explica, porque após muitos anos de
destruição e perseguição – ressuscitadada das cinsas pode provar ao mundo que
é indestrutível. Como afirma o atual Arcebispo Maior da Igreja Greco-Catolica
Ucraniana, Sviatorslav Schevchuk, numa de suas entrevistas: “Você pode destruir
a sua hierarquia, você pode destruir a sua parte humana, mas o elemento divino
da Igreja jamais pode ser destruído, pois ele constantemente se renova”4.
ENTRE A BUSCA DA VITALIDADE E O DRAMA DA PERSEGUIÇÃO
AIgrejaGreco-CatólicaUcranianarepresentahistoricamenteumverdadeiro
símbolo de vitalidade eclesial, acompanhada pelo drama das incompreensões,
oposições, perseguições e ódios fraternos, que lhe geraram muitas vítimas desde
a União de Brest-Litovsk. Tudo começou quando uma parte da Igreja ortodoxa
ucraniana resolveu unir-se à Sé Apostólica. Em tal panorama, ela sempre buscou
ser a “ponte”5 entre o Oriente e Ocidente, segundo a sua própria natureza.
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Блог Це Цікаво, Патріарх Святоллав про вічну молоду Церкву, Disponível em: http://lifeislove.
blox.ua, acesso em: 15/03/2013.
A “ponte” da qual falamos, não diz respeito à ideia historicamente criada em torno da União de
Brest-Litovsk, quando os seus reacionários afirmavam que os ucranianos greco-católicos a partir
da União passariam a latinizar o rito bizantino (constantinopolitano), ignorando as riquezas da
tradição bizantina-ucraniana. Ao tomarem conhecimento dessa equivocada ideia, os Pontífices
romanos se mostraram enérgicos defensores das Igrejas sui iuris, da conservação da tradição
bizantina na Igreja ucraniana. Entretanto os latinos, principalmente os poloneses, não entendiam da mesma forma e começaram a criar certa confusão: segundo a sua concepção, para ser
católico e chegar à salvação, era necessário ser do rito latino. Essa ideia de identificação entre ser
“católico” e ser de “rito latino”, prejudicou enormemente as relações eclesiais entre os orientais
e ocidentais, tornando cada vez mais delicado e polêmico o diálogo ecumênico (cf. G LINKA Luis,
Introducción a la Liturgia Bizantina Ucrania, Buenos Aires: Editorial Lumen 1997,17).
A defesa e a solidificação da catolicidade custaram a esta Igreja uma grande
instabilidade, provocada por diversos fatores. De um lado estavam os bizantinos
que confabulavam no sentido de que a metropolia de Kiev dependesse do
patriarcado bizantino. Também os russos moscovitas, por sua parte, acreditavam
ser os guias e mãe da ortodoxia, queriam que todos os ucranianos por causa do
rito bizantino, pertencessem «ipso facto» à jurisdição do Patriarcado de Moscou.
Os poloneses da sua parte, erguendo a bandeira do catolicismo-latinismo,
buscavam estender seus domínios políticos territoriais sobre toda a Ucrânia.
Muitos poloneses começaram então a impor o rito latino para em seguida
polonizar, permanecendo fiéis ao catolicismo6.
Tudo isso nos permite perceber que nas entrelinhas de toda a busca pela
conquista ou reconquista da Igreja ucraniana, se encontrava uma persistente
política russa e também polonesa de “invadir” o espaço territorial ucraniano.
Do lado da Rússia, desde a União de Brest-Litovsk, vinha sendo rigorosamente
acentuada a questão da “purificação” do rito oriental, interferindo desse modo
na vida religiosa e nacional do povo ucraniano. Os poloneses, durante a união
polaco-lituana e posteriormente, sob o Império Austro-húngaro, insistiam em
colocar o acento maior na questão da “latinização” ou “polonização” do povo
ucraniano. Ambas as potências ambicionarias tratavam, à sua maneira, avançar na
busca do domínio territorial, estando cientes de que seria muito mais fácil tornar
concretos seus planos por meio da Igreja.
Todas estas pretensões levaram ao surgimento de alguns personagens
inapagáveis da história da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Foram pessoas que
não mediram consequências na aplicação de brutais formas de perseguição,
opressão e assassinatos, levando ao máximo declínio dessa entidade. Do
império russo, é importante lembrar a imperatriz Catarina II (1729-1796) e,
posteriormente, o czar Nicolau I (1796-1855). E do Império Austro-húngaro, temos
a imperatriz Maria Tereza (1717-1780) e, posteriormente, seu filho, o imperador
José II (1741-1790). Esses compõem o grupo dos governos ditatoriais e déspotas
esclarecidos que buscavam, através de duras leis e decretos, oprimir, sufocar e
aniquilar qualquer instituição que impedisse a conquista dos seus ideais, ou seja,
atingir, sem nenhuma tolerância, o poder absoluto sobre o território da Ucrânia.
Para atingir seus objetivos, buscaram a todo custo, a absorção da Igreja ao seu
governo, obstruindo a proliferação de qualquer instituição que se opusesse ao
seu controle7.
6
Cf. GLINKA Luis, Breve Historia de la Iglesia Ucrania en el Milenio de su Evangelización, Roma-Buenos
Aires: Libris S.R.L. 1986, 44.
7
Cf. Р ОМАНИК Йосафат,“Стан Чину Святого Василія Великого у другій половині ХІХ століття і його реформа”,
в Романик Йосафат та інші, Добромильська Реформа і Відродження Української Церкви (2003), 63-68.
De tal modo que, num período de 25 anos (1771 e 1796, durante o
reinado de Catarina II) de 12 milhões de fiéis, 8 milhões foram forçados a entrar
na Igreja ortodoxa russa. O mesmo aconteceu aos cerca de 2 milhões de católicos
ucranianos sob os reinados de Nicolau I e Alexandre II, entre os anos 1839 e 18758.
Uma das primeiras vítimas ucranianas, consequente da truculenta política
russa, foi o arcebispo de Polotsk, Josafat Kuncewicz, o qual numa visita pastoral
feita à Vitebsk, aos 12 de novembro de 1623, foi surpreendido por um grupo de
ortodoxos que brutalmente o assassinaram com um golpe de machado. Essa e
tantas perseguições e mortes de bispos, sacerdotes e fiéis greco-católicos, foram
causadas pelo terrível antagonismo do governo moscovita, que gradualmente
tratou de sufocar todo e qualquer movimento favorável à união com a Sé
Apostólica. Além da morte de Josafat, a Igreja Greco-Católica Ucraniana sofreu
outro ato de crueldade, meritório de ser lembrado. Dessa vez foi provocado
pelo czar russo Pedro I (1672-1725), contrário a qualquer tipo de latinização,
inovação ou ocidentalização da Igreja ucraniana, por isso não suportava o poder
dos bispos e a presença de monges da Ordem de São Basílio Magno no território
por ele governado. Além de muitas perseguições e deportações, conquistou
pessoalmente o título de «açougueiro» da Igreja católica, quando ao visitar uma
Igreja Greco-católica Ucraniana, no dia 11 de julho de 1705, matou pessoalmente
dois padres basilianos9. Dentre as perseguições, prisões e mortes, o czar também
ameaçou fortemente o metropolita de Kiev, Lev Zelenskyi, quando declarou a ele
que não seria mais czar, se não o enforcasse10.
A ideia de Pedro I era a completa submissão da Ucrânia, de corpo e alma,
ao poder da Rússia. Pedro I via dois obstáculos na realização dos seus planos:
o catolicismo ucraniano independente (a chamada União) e a independência
ucraniana. Por isso, ele iniciou uma implacável e completa perseguição do
catolicismo ucraniano, considerando que com a eliminação física dos seus
dirigentes e com o terror em meio a grande massa do povo poderia retornar à
história, que havia caminhado na direção oposta11.
Personagens de estrema intransigência, como o czar Pedro I, foram
permitindo a odiosidade do povo russo em relação ao clero greco-católico
ucraniano, tornando cada vez mais dramática a situação dos seus fiéis,
proporcionando à nação rutena (ucraniana), o testemunho sanguinoso de muitos
martírios, afirmando desse modo ao mundo o quanto amavam defender a sua
catolicidade12.
8
Cf. FLORIDI Olisse A., Mosca e il Vaticano. I dissidenti sovietici di fronte al dialogo, Milano: La Casa di
Matrona 1976, 272.
Cf. FLORIDI Olisse A., Mosca e il Vaticano…, 272.
9
10 Cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di storia…, 238.
11 Cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di storia..., 238.
12 Cf. ESPOSITO Rosario F., Leone XIII e l’Oriente Cristiano, Roma: Pauline 1961, 158.
Para se defender dos ataques ou investidas vindas do lado russo, a Igreja
Greco-Católica Ucraniana necessitava tornar vigentes algumas normas comuns,
que garantissem um funcionamento harmônico das suas eparquias que até então
se uniram 13 com a Sé Apostólica, igualmente dar fim a alguns abusos que se
difundiram com o tempo nas práticas litúrgicas, remover ou adaptar os ritos para
as exigências dos novos tempos14, e definir normas mais consistentes em relação
à educação do clero e dos monges, por isso, foi imprescindível a convocação do
Sínodo de Zamost em 172015.
O Sínodo foi acuradamente preparado16 e com bastante prudência
realizado, por isso que as suas resoluções e decretos são até hoje de grande
importância para a Igreja Greco-Católica Ucraniana, as suas definições se tornaram
referência aos sínodos ulteriores17.
Com a realização do Sínodo de Samost, a vida eclesiástica e espiritual
da vasta metropolia de Kiev recebeu um novo impulso e foi posta a base da sua
“época de ouro”. Para o metropolita Lev Kishka havia ainda oito anos de vida para
aplicar e reforçar as decisões do Sínodo. Com zelo, até a sua morte, que sucede
repentinamente no ano 1728, o metropolita aplicou as decisões. Ele tomou
importantes iniciativas para a educação do clero e do povo, se esforçou em
unificar o monacato e preparou a impressão dos livros litúrgicos corrigidos18.
Acontecimentos como este possibilitaram ao catolicismo a criação de uma
barreira defensiva para aliviar as posteriores opressões e manobras dos governos
russo e austríaco contra a Igreja ucraniana. Os idealizadores e executores do
Sínodo tinham plena certeza de que a realização desse evento não iria cessar
as investidas contra a Igreja Greco-Católica Ucraniana, porém o acontecimento
13 As eparquias que sucessivamente aderiram à união com a Igreja de Roma foram: de Mucatchevo (1646), de Prszemysl (1691), de Lviv (1700) e de Lutsk (1702) (cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di
storia..., 233).
14 Entre as eparquias que se uniram à Sé Apostólica (1596-1720), existia certa diversidade na aplicação ritual e na prática dos costumes. Tais diferenças deveriam ser colocadas em ordem naquele evento (cf. DE VRIES Guglielmo, Oriente Cristiano Ieri e Oggi, Roma: Società Grafica Romana
1949, 146).
15 Cf. ВЕЛИКИЙ Атанасій, З Літопису Християнської України, том VI, Рим: Видавництво Отців
Василіян 1973, 129).
16 O metropolita Lev Kishka e o Núncio Apostólico de Varsóvia, Jerônimo Grimaldi, no mês de
agosto de 1715, escrevem ao Papa Clemente XI pedindo autorização para convocar o Sínodo.
No mesmo ano, o pontífice concede a permissão, nomeando para a presidência do evento, o
próprio Núncio de Varsóvia. Diante das guerras e das circunstâncias políticas da época, somente
foi possível realizá-lo a partir do dia 26 de agosto de 1720 na cidade de Lviv, porém, devido a
uma epidemia, teve de ser transferido para a cidade de Zamost (Polônia). Tal retardamento na
realização trouxe grandes vantagens, pois, somente assim, ele pôde ser bem preparado, trazendo por isso, grandes frutos para a posteridade (cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di storia..., 252-253).
17 Cf. ВЕЛИКИЙ Атанасій, З Літопису..., том VI, 134).
18 Cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di storia…, 259.
contribuiu para a sua organização interna. Foi mais uma dentre tantas tentativas
para diminuir os prejuízos materiais e humanos e a lenta, porém inevitável ruína
dessa Igreja certa de que iria acontecer devido aos duros ataques vindos dos
governos ditatoriais.
Além de colocar ordem no andamento da Igreja Greco-Católica Ucraniana,
a reunião sinodal de Zamost, serviu para tornar compreensível ou desfazer
algumas ideias equivocadas, criadas no meio do povo ucraniano em relação à
União de Brest-Litovsk, a qual, segundo a sua natureza histórica, deveria permitir
um intercâmbio direto com o mundo latino19. Os protagonistas da União de
Brest-Litovsk não estavam plenamente cientes de que essa união, como qualquer
outra união com a Sé Apostólica, passaria a ser considerada como uma faca de
dois gumes. A nova Igreja vem sendo recebida, sobretudo pelo povo, como uma
ameaça para a conservação da própria identidade cultural, da memória dos
Padres, e isto não poderia deixar de alimentar na comunidade ucraniana novas
hostilidades, impactando negativamente20.
O que mais contribuiu para fragilizar a situação foi o fato de que a União
de Brest-Litovsk, realmente não teve sua adequada preparação. O povo que
ainda buscava manter uma estreita afinidade com a sua tradição, seus costumes
religiosos, sendo muito ligado à fé dos seus antepassados, foi levado a acreditar
que os bispos tivessem traído a própria Igreja21.
Sendo assim, era necessária para todos os católicos latinos e orientais uma
pastoral ecumênica, o que permitiria ao clero, aos monges e, sobretudo aos fiéis, a
compreensão das diferenças que existem entre rito latino e catolicidade da Igreja,
fazendo-os entender que podiam ser católicos, embora conservando suas próprias
tradições. Faltou da parte dos latinos, tanto civis quanto eclesiais, explicar que a
união eclesial não se realizava aqui por motivos políticos, isso é, para assegurar o
território ucraniano mediante a catolicidade bem latinizada. A união católica de
Brest-Litovsk não tinha que parecer aos olhos dos irmãos ortodoxos ucranianos
como uma ponte para latinizar e «polonizar» os ucranianos22.
Tudo isso leva a crer que a razão principal do temor dos Orientais ao
tratar da união com Roma, foi o receio de uma possível perda das suas legítimas
características, para ser sincero, devemos reconhecer que a atividade uniatística
conduzida pelos ocidentais favoreceu tal apreensão. Hoje Roma insiste seriamente
em manter intactos os ritos e os costumes orientais, mas na sua concreta ação para
19 Cf. PACHLOVSKA Oxana, Civiltà letteraria ucraina, Roma: Carrocci 1998, 328.
20 Cf. PACHLOVSKA Oxana, Civiltà letteraria…, 328.
21 Cf. MARANI Germano, Trasfigurare la Terra. Identità e missione del monachesimo orientale, Roma:
Associazione Deus Caritas Est 2006, 130.
22 Cf. G LINKA Luis, Breve Historia…, 45.
restabelecer a união, no decurso do tempo, procurava impor-se furtivamente nos
grupos unidos. A culpa desta situação está numa parte na falta de conhecimento
e compreensão de alguns missionários, somando-se a certo complexo de
inferioridade dos católicos orientais, que não se sentiam no mesmo nível da Igreja
latina e, por isso, imitavam o modelo ocidental na sua aspiração, na manifestação
de fidelidade a Roma, coisa bastante louvável, porém, pouco sábia da parte
oriental. Essa tendência latinizante se manifestou na execução material dos ritos,
na disciplina e, mais ainda, na assimilação de toda a espiritualidade conforme o
ideal ocidental23.
Infelizmente e lamentavelmente, toda essa realidade veio ao conhecimento
dos ortodoxos, aumentando a ira e a odiosidade deles em relação a essa união.
Se evidenciava naturalmente o fato que o clero unido do oriente passava a
ser formado exatamente como o latino, permanecendo identificado somente
com o rito oriental e algumas instruções necessárias do direito eclesiástico do
Oriente24. Quase sempre foi imposta aos «Unidos» a espiritualidade latina como
a única legítima, sem preocupar-se muito com as riquezas teológico-espirituais
pertencentes aos orientais25.
Tudo isso demonstra que historicamente houve uma realidade impositiva
do Ocidente em relação ao Oriente, despertando com isso certa aversão e
hostilidade da ortodoxia contra qualquer forma de ocidentalização. É lamentável
o fato de que os missionários latinos, ao serem enviados aos países orientais,
encontrando aí um cristianismo interiormente arruinado, tentam reorganizá-lo
não procurando resgatá-lo a partir dos tesouros escondidos da espiritualidade
oriental, mas simplesmente impondo o espírito da sua Igreja26.
Esses acontecimentos com o passar do tempo, foram fragmentando
a Igreja Greco-Católica Ucraniana, dificultando a manutenção da sua própria
identidade, tornando-a incapaz de ser o sustentáculo da fé católica, da cultura e
da língua nacional, como era anteriormente27.
O que também marcou a trágica história dessa Igreja foi o movimento
iluminista, corrente filosófica que nos séculos XVII e XVIII defendeu o domínio da
razão sobre a visão teocêntrica que então dominava a Europa. A imperatriz Maria
Tereza, buscando a defesa dos interesses políticos e territoriais do seu império,
tratou de aplicar a seu modo os ideais iluministas. O governo de Maria Tereza e de
23 Cf. DE V RIES Guglielmo, Oriente Cristiano Ieri e Oggi, Roma: Società Grafica Romana 1949, 368369.
24 Cf. DE V RIES Guglielmo, Oriente Cristiano…, 369.
25 Cf. DE V RIES Guglielmo, Oriente Cristiano…, 369.
26 Cf. DE V RIES Guglielmo, Oriente Cristiano…, 369.
27 Cf. PACHLOVSKA Oxana, Civiltà letteraria…, 328.
seu filho, o imperador José II, se inserem no chamado período do “josefismo”, no
qual também a Igreja Greco-Católica Ucraniana foi exposta a maquinações que
lhe causaram irreversíveis prejuízos. A política do governo austríaco teve como
objetivo a subordinação da Igreja e, posteriormente, a anexação da mesma ao
seu governo. Para atingir o devido fim, controlar inteiramente a vida monástica e
obstaculizar a influência dos monges sobre os fiéis, conseguindo assim manipulálos e sujeitá-los aos seus planos28.
Utilizando-se das suas artimanhas, o imperador conseguiu afastar
os monges dos seus principais ideais, forçando as comunidades a perderem
o verdadeiro sentido de existência. Tudo isso resultou num afastamento de
muitos membros e na diminuição da procura dos jovens pela vida monástica,
contribuindo a dar prosseguimento ao declínio dessa Igreja29.
O objetivo do imperador era justamente a dispersão da formação
espiritual-monástica da juventude ucraniana. Além de suprimir a vitalidade
monástica, o imperador José II tomou ainda a decisão de entregar o controle dos
mosteiros basilianos aos bispos diocesanos30, os quais dominavam em nome e
sob o olhar imperial.
Outro momento da história, também bastante delicado para a Igreja GrecoCatólica Ucraniana, foram os governos dos czares russos Nicolau I e, em seguida,
do seu filho Alexandre II da Russia. Tratou-se de um período de intensa fragilização
da Igreja, com a absorção da mesma pelos soberanos. Todavia, o período mais
difícil foi o correspondente ao poder ditatorial do czar Nicolau I que, unido à Igreja
ortodoxa russa, e apoiado por parte do clero ucraniano, simpatizante dos seus
planos, e notórios adversários da unificação com a Sé Apostólica, passaram a
conduzir duras perseguições contra a Igreja Greco-Católica Ucraniana.
Não podemos ignorar a presença constante e ativa dos metropolitas e
dos bispos que em meio à agravada situação, buscavam instruir e conduzir o seu
povo, se mostrando bons pastores do seu rebanho e com muito zelo conservavam
os devidos direitos31. Também não podemos desconsiderar a compreensão
e a mútua colaboração dos fiéis que eram tocados pelo rito e pela influência
latinizante, mesmo indevida: amavam os altares laterais e o som de sinos durante
a Divina Liturgia; se habituavam ao desaparecimento dos ikonostases das igrejas
e com a maneira de usar o Evangeliário, que passou a ser manejado como um livro
de missa, que como missal latino, era transportado de um lado para outro32.
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30
31
32
Cf. РОМАНИК Йофафат, “Стан Чину...”, 68-70).
Cf. РОМАНИК Йофафат, “Стан Чину…”, 70.
Cf. МАРИСЮК Маркіян, “Ювілей реформи…”, 82.
Cf. AMMANN Albert M., Storia della Chiesa…, 441.
Cf. AMMANN Albert M., Storia della Chiesa…, 441.
Percebe-se que em meio às agitações provocadas em torno da união
com a Sé Apostólica, os fiéis greco-católicos mantiveram invariável o respeito
às decisões do seu clero, não se incomodando com as consequências vindas de
certas adaptações ao mundo ocidental.
No período governativo de Alexandre II, além da Igreja Greco-Católica
Ucraniana ter perdido praticamente todas as forças, foi exposta a diversas
mudanças de rito, calendário e vestes litúrgicas, segundo imposições vindas da
Rússia. A Ortodoxia russa através das maquinações causadas pelo imperador
buscava o retorno forçado aos costumes do passado no intuito de purificar o rito.
Em relação ao clero católico, o governo procedeu com as mais severas penas,
chegando à deportação de muitos membros para a Rússia central. Contra o povo,
por exemplo, na aldeia de Pratulin e de outros lugares, foram enviados soldados.
Mais e mais o governo agia com punições e muito derramamento de sangue.
Eram colonos que ao invés de entregar as igrejas aos cismáticos, se submetiam às
mortes nas proximidades de suas igrejas33.
O que também marcou a trágica história dessa Igreja foi o movimento
iluminista, corrente filosófica que nos séculos XVII e XVIII defendeu o domínio da
razão sobre a visão teocêntrica que então dominava a Europa. Condenavam os
abusos nas mudanças forçadas de rito oriental e animavam os fiéis a manterem
resistência diante dos ataques dos governos ditatoriais34. Enquanto os pontífices
prestavam o apoio necessário aos fiéis, unindo-os na fé católica, o clero ucraniano
atemorizado pelas pressões, os abandonava, justificando não ter mais condições
de prestar ajuda espiritual aos irmãos na fé35.
Quando já não existia nenhuma perspectiva para a Igreja Greco-Católica
Ucraniana, surge então um grande personagem, o metropolita Espiridião
Litvinovytch, que em meio a muitas dificuldades e pressões, buscou meios para
salvar o que restava da Igreja, organizando-a novamente como uma força na luta
contra os ataques que continuavam vindo do lado russo.
A preocupação do metropolita era resolver as tensões rituais entre as
Igrejas: a oriental católica pressionada pela ortodoxia russa e pelos movimentos
latinizantes poloneses, e a de tradição latina da região da Galícia. Estavam em
jogo alguns desentendimentos rituais concernentes à sua aplicabilidade,
causando sérios problemas para ambos os grupos, que precisavam ser, com
urgência, solucionados. Depois de muitas contendas36, a Sé romana teve que
33
34
35
36
Cf. Ammann Albert M., Storia della Chiesa…, 462-463.
Cf. AMMANN Albert M., Storia della Chiesa…, 463.
Cf. AMMANN Albert M., Storia della Chiesa…, 463.
Para resolver os embates rituais que existiam na região da Galícia, as hierarquias dos dois ritos planejaram ainda em 1853 estabelecer um “acordo” ou “concórdia”, a qual mais tarde foi entregue para ser deliberada pela Sé Apostólica (cf. МУДРИЙ Софрон, Нарис Історії Церкви в
Україні, Рим: Івано-Франківський теологічний катехитичний духовний інститут 1990, 412).
interferir entre as duas Igrejas, definindo um acordo de convivência chamado
Concórdia no qual foi estabelecida certa harmonia entre os dois ritos. Dentre as
várias importantes disposições determinadas pela Sé romana, nesse tratado foi
claramente definido sobre a permanência ou mudança de um rito para o outro,
sobre os matrimônios mistos e a educação da prole vinda de tais uniões. A partir
daquele acontecimento, ninguém poderia mudar de rito sem a permissão da Sé
romana. As pessoas que antes haviam mudado de rito poderiam em seis meses
livremente retornar ao seu rito de origem. Os matrimônios mistos, isto é, aqueles
realizados entre membros da Igreja Greco-Católica e membros da Igreja latina,
deveriam ser administrados pelo pároco da parte da noiva. Crianças provenientes
desses matrimônios deveriam ser educadas da seguinte forma: as meninas no rito
da mãe; os meninos no rito do pai37. Tais decisões foram promulgadas pela Sé
Apostólica em 06 de outubro de 1863 e entraram em vigor na região da Galícia a
partir de 25 de janeiro de 1864, valendo como norma estabelecida nas relações
de ambos os ritos38.
Pelo menos, teoricamente, se tratava do entendimento e da convivência
mútua entre as tradições Oriental e Ocidental católicas. Além das disposições
citadas acima, no documento foram esclarecidas, para ambas as Igrejas, as
questões dos ofícios sacerdotais e religiosos, administração dos sacramentos,
educação das crianças e a recíproca colaboração entre as Igrejas39. Dentre todas
as definições estabelecidas, a mais importante foi a asseguração da permanência
dos fiéis no próprio rito, impedindo a circulação de pessoas de uma Igreja para
outra sem motivos sérios e sem a autorização da Sé Apostólica. O documento
proibia ainda a interferência territorial e assegurava a identidade sacramental
para ambos os grupos40.
Passados alguns anos, uma parcela do clero polonês, mesmo sabendo
que a Sé romana procurava resguardar a tradição de respeitar todos os ritos de
igual forma e assegurar a paridade ritual, não se contentaram com o acordo,
resolveram pedir aos bispos que interferissem junto ao Vaticano em vista de
algumas mudanças, o que, porém, não lhes foi concedido41. A asseguração da fé
cristã, a manutenção dos fiéis junto ao próprio rito e o fortalecimento das Igrejas
sui iuris era objetivado pela Sé Apostólica naquele momento42.
37 Cf. ФЕДОРІВ, Юрій, Історія Церкви в Україні, Лондон: (н.в.) 1966, 286-287.
38 Cf. MUDRYJ Sofron, Lineamenti di storia…, 344.
39 Cf. МУДРИЙ Софрон, Нарис історії церкви в Україні, Рим: Івано-Франківський теологічний
катехитичний духовний інститут 1990, 415.
40 Cf. МУДРИЙ Софрон, Нарис Історії…, 416.
41 Cf. SACCONI Carlo, “Sullo stato della Chiesa Rutena nella Galizia”, in Sacra Congregazione de Propaganda Fide per gli Affari del Rito Orientale: Ponenze della S.C.P.F 1876, 912.
42 Cf. ВЕЛИКИЙ, Атанасій, З Літопису…, том VIII, 154.
Estando a Igreja Greco-Católica Ucraniana, geograficamente localizada
entre as duas tradições - a Oriental e a Ocidental – evidenciou-se certo apoio
ao moscofilismo, causado pela não aceitação de certas tendências inovadoras
vindas do Ocidente. Entretanto isso não passou de mera evidência, porque a
Igreja Greco-Católica buscou sempre, assim como todo o povo ucraniano, a
sua identificação nacional, não aceitando nem o movimento polonês e nem o
moscovita. Como reação aos dois movimentos acima citados, o povo ucraniano,
ajudado pela Sé Apostólica e pelo seu metropolita, foi incentivado a conservar a
própria identidade43.
Na verdade, o que estava em jogo não foi a questão da purificação do rito
ou qualquer disciplina eclesiástica, e sim, os problemas nacionais e pretensões
territoriais entre a Rússia e a Polônia 44.
Os poderes ditatoriais e opressores tinham como objetivo a eliminação
ou absorção dessa Igreja, mas foram surpreendidos por uma forte resistência, a
qual deu base ao fortalecimento da religiosidade do povo ucraniano, cimentando
e solidificando a divina causa da união com a Sé Apostólica. As tribulações e
as perseguições tinham servido apenas para tornar mais solida e vitoriosa a
fidelidade católica.
A história nos apresenta claramente a razão maior da existência da Igreja
Greco-Católica Ucraniana, a qual enfrentou e superou momentos bastante
delicados, renascendo para anunciar as palavras de Cristo: “Eu tenho outras
ovelhas que não são deste redil, e também a estas é preciso que eu conduza;
elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).
Seguindo os preceitos de Cristo perseguido, abandonado e morto, mas também
ressuscitado e vitorioso, a Igreja Greco-Católica Ucraniana partilhou das chagas
da perseguição, opressão e grandes martírios, mas sempre contando com a
certeza asseguradora de sua fidelidade. Ela foi levada ao limite da decadência,
mas ressuscitou, podendo assim, ostentar uma nova história de vitalidade e de
reflorescimento, tendo dado novos frutos não só nas terras ucranianas, como
também nos vários territórios de missão, inclusive o Brasil, onde ela, a partir de
então, marcou a sua ativa e permanente presença.
43 Cf. ЯРОЦЬКИЙ Петро, Історія релігії в Україні – Католицизм, Том 4, Київ: Світ Знань 2001, 346.
44 Cf. GLINKA Luis, Diocese Ucraino-Catolica de Cholm. Liquidazione ed incorporazione alla Chiesa
russso-ortodoxa, Roma: AOSBM 1975, 96.
A IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA NO BRASIL E A BUSCA DA
IDENTIFICAÇÃO
Até o presente momento, tratamos de um espaço de tempo marcado por
glórias, mas também por desilusões, graças às terríveis repressões provocadas
pelos interesses político-territoriais do poder imperial russo, austro-húngaro e de
outros povos e nações.
Mesmo se submetendo a pressões violentas, perseguições e inúmeros
martírios, essa Igreja resistiu aos ataques por aproximadamente trezentos anos,
mantendo-se sempre firme na defesa da catolicidade.
Após delinear o percurso da Igreja Greco-Católica Ucraniana em sua
própria terra, nos propomos, a partir de agora observar a vida do povo ucraniano
que procura um lugar tranquilo para viver em paz e cultivar a sua religiosidade em
terras brasileiras. Contudo, frente às adversidades que se apresentam numa terra
estranha, procura ele assegurar-se de qualquer forma de sua identidade própria
diante do risco da desestruturação religioso-cultural provocada pelos conflitos
étnico-culturais. Na missão, onde a Igreja é convidada para marcar presença
na tentativa de evitar a degradação espiritual, cultural e moral provocada por
movimentos contrários aos princípios cristãos, a luta tem que ser dura e contínua.
Para tornar claro o complexo fenomenológico do qual o povo ucraniano
toma parte, pretende-se propor um quadro histórico da realidade que envolve a
vida desta gente em terras brasileiras. Nele, como não podia deixar de ser, a Igreja
Greco-Católica Ucraniana se faz bem presente e atuante.
A complexidade manifestada pela presença de um rito diferente em
terras brasileiras faz compreender porque o povo ucraniano tenha demonstrado
desde o início um destacado zelo pelo próprio rito, sentimento esse que passou
a diferenciá-lo dos povos que o acolheram Ela foi levada ao limite da decadência,
mas ressuscitou, podendo assim, ostentar uma nova história de vitalidade e de
reflorescimento, tendo dado novos frutos não só nas terras ucranianas, como
também nos vários territórios de missão, inclusive o Brasil, onde ela, a partir de
então, marcou a sua ativa e permanente presença.
A IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA NO BRASIL E A BUSCA DA
IDENTIFICAÇÃO
Percebe-se o quanto os ucranianos demonstravam preocupação em
manter o seu patrimônio cultural e espiritual. Temiam perder a ligação com as
suas raízes, com seus antepassados e com suas milenares riquezas. Após a penosa
experiência inicialmente vivenciada, procuraram unir as forças no resgate de tudo
o que era seu e, auxiliando-se mutuamente, buscaram amenizar as angústias e
diminuir as frustrações. O povo lutou unido na conquista do mesmo ideal, sem
perder de vista a ligação com a própria religiosidade. Pertencendo à mesma Igreja
e provindo da mesma nação, esse povo nada de mais útil tinha a fazer que manter
intacta a relação étnico-religiosa e conservar firmemente a unidade ucraniana
nas novas terras. O sofrimento experimentado na “pátria estranha” foi ligando-os
cada vez mais, criando uma relação de dependência e de força recíproca. Antes
de construir suas próprias casas, planejaram a construção de centros religiosos
e criaram escolas para a educação dos filhos. Para abrandar a sede espiritual em
relação ao seu rito, se reuniam em lugares especiais45, cumprindo dessa maneira
seus deveres espirituais, como semanalmente faziam nas terras de origem.
O medo de trair o próprio rito ou causar uma possível desestruturação
religiosa dentro das próprias famílias impediu os imigrantes de solicitar ajuda
espiritual ou frequentar a Igreja latina. A causa principal foi sem dúvida a
diversidade ritual vivenciada pelo povo ucraniano, o qual procurava manter
fielmente o respeito à sua religiosidade e à própria Igreja. Alegavam possuir Igreja,
rito e sacerdotes próprios e consideravam a frequência de uma“outra Igreja”como
ofensa contra seus princípios religiosos46.
A atividade dos sacerdotes ucranianos se desenvolveu primeiramente na
pregação missionária e no resgate dos seus fiéis dispersos pelo território brasileiro.
A partir disso começaram a pensar na construção de uma estrutura eclesial capaz
de servir de ponto de referência na asseguração do rito e como reagente diante
do processo de latinização que ocorria no local47.
Podemos perceber claramente que as formas rituais da religião se
mantiveram como grandes parâmetros de identidade religiosa entre os ucranianos
e etnias em terras brasileiras. Os imigrantes de outras etnias levaram pequena
vantagem, pois no Brasil se adotava uma religiosidade semelhante à deles. Nos
maiores centros de concentração de imigrantes, o governo construía igrejas em
que os padres latinos auxiliassem espiritualmente a todos, sem distinção 48 .
45 Num lugar bem visível, geralmente próximo às estradas, enterravam uma grande cruz e, aos
domingos, se reuniam e celebravam cultos religiosos. Mais tarde construíam uma pequena
capela de taquara e aos domingos e dias santos alguém dentre os imigrantes coordenava a celebração dos cultos religiosos (cf. Ш ЕВЧУК Мехайло, “40-ліття Української еміграції в Бразилії”,
в Праця 34 [1936] 3).
46 Cf. H ANICZ Teodoro, “Religiosidade, identidade e fronteiras fluídas. Algumas considerações sobre
os descendentes de ucranianos no Brasil e os seus desafios”. Disponível em: www.dhi.br/gtreligiao/pub.htlm, acesso em: 12/03/2013.
47 Cf. G LINKA Luis, Breve Historia de la Iglesia…, 102.
48 Cf. ANDREAZZA Maria L., PARAÍSO DAS DELÍCIAS: UM ESTUDO DA IMIGRAÇÃO UCRANIANA (1895-1995), CURITIBA: A OS
Q UATRO V ENTOS 1999, 88.
A prioridade no atendimento era reservada principalmente aos padres
poloneses de rito latino por causa do conhecimento da língua ucraniana.
Os imigrantes ucranianos ao chegarem ao Brasil preferiram manter-se
isolados em sua vida religiosa e social, não se liberando dos antigos esquemas
de pensamentos. Cada núcleo colonial tratava de fundar suas instituições e
se mantinha fiel ao uso da língua, do rito, dos costumes, buscando criar suas
bibliotecas, sociedades escolares e centros de recreação, conservando intacta a
própria mentalidade49.
Na nova terra passou a haver uma relação muito íntima entre crença
religiosa e identificação étnico-cultural50. Os ucranianos continuaram carregando
no seu subconsciente certa reserva ou desconfiança com os vizinhos poloneses,
dando sequência, como na antiga pátria, a uma convivência cheia de restrições e
de oposição a uma possível latinização.
Deste modo, a pertença a uma determinada Igreja passou a limitar os
territórios culturais: os imigrantes de tradição oriental e os de rito latino faziam
a distinção entre ser ucraniano (oriental) e ser brasileiro ou polonês (latino).
Por isso tornou-se impossível aos ucranianos aceitarem a reunião comunitária
para a oração com os poloneses nas capelas construídas pelo governo. De tal
modo, os limites étnicos se estabeleceram tendo por base a tradição religiosa.
Se a demarcação dos ucranianos fosse fundamentada em outros princípios, os
imigrantes, por serem em número maior, poderiam manter a posse da igreja local.
Mesmo sendo em maior número nas colônias, preferiram abandonar a igreja
construída pelo governo e trataram logo em trazer seus próprios sacerdotes e
construir suas igrejas. A razão de tudo isso é sem dúvida a especificidade do rito
bizantino: a tradição oriental possui sua liturgia51 e a própria simbologia, usos,
costumes e ano litúrgico diverso, já que na época52 seguia ao calendário juliano53,
49 Cf. H ORBATIUK Paulo, Imigração Ucraniana no Paraná, Porto União: Uniporto 1989, 246.
50 Cf. ANDREAZZA Maria L., Paraíso das delícias..., 87-88.
51 A liturgia bizantina, da qual a Ucrânia é um ramo, tem origem naquela de Jerusalém, de S. Tiago,
reformada por S. Basílio e abreviada por S. João Crisóstomo, no século IV. Foi desde logo aprovada e conservada pela Igreja, sendo seguida até hoje por grande número de cristãos do Oriente
e pelos fiéis do rito bizantino-ucraniano (cf. B URKO Valdomiro, Imigração ucraniana..., 60.)
52 A mudança do calendário litúrgico juliano para o gregoriano em terras brasileiras ocorreu a
partir do início de 1937. Deixa-se claro que a mudança aconteceu somente na Igreja Greco-Católica Ucraniana e não para os ortodoxos ucranianos, os quais seguem até hoje o juliano (cf.
МАРТИНЕЦЬ Йосиф, “Церковний Календар”, в Календар Праці [1937] 2).
53 Desde o século XVI o calendário gregoriano passou a normatizar o conjunto do catolicismo
ocidental, mas não conseguiu a adesão do catolicismo oriental, muito arraigado à herança bizantina. No caso específico dos católicos de rito bizantino no Brasil, apenas em finais da década
de 1930 o calendário gregoriano foi adotado para a datação dos eventos litúrgicos (cf. ANDREAZZA
Maria L., Paraíso das delícias..., 92).
enquanto o povo local (latinos) seguia o gregoriano54. Outra especificidade que
não correspondia à preferência dos imigrantes era a disposição física das igrejas.
Naturalmente que a iniciativa da construção de igrejas pelo governo para uso
comum, seguindo a tradição ocidental, ocasionou a repulsão55 dos imigrantes
ucranianos e sua não participação56. Tudo isso levou-o a ser considerado um
povo distinto dos outros povos que se estabeleceram no Brasil. Tal diferenciação
acabou prolongando os conflitos existentes entre os poloneses e ucranianos no
Brasil.
É certo que os ucranianos pertenciam a um rito diverso das demais etnias
vindas para o Brasil, e isso os diferenciava de forma prática. Além do mais, era
necessário o conhecimento da língua ucraniana para frequentar a Igreja, porque
tudo era celebrado em sua língua materna. Assim, o conhecimento da língua
tornou-se a marca fundamental do fiel ucraniano no Brasil57.
A preferência pela língua ucraniana pode ser justificada pelo
desconhecimento inicial da língua local, e não como forma de preconceito ou
discriminação da parte dos imigrantes. Porém não se pode negar que esta foi uma
das maneiras encontradas pela Igreja Greco-Católica no resgate e conservação da
etnicidade do povo ucraniano, pois não existiam muitas opções para obstaculizar
a influência vinda da cultura local. Desse modo, a liderança exercida pelos padres,
religiosas e catequistas foi fundamental para a manutenção da cultura e da fé
nas comunidades ucranianas. Ninguém era obrigado a manter-se preso aos seus
valores, seu próprio mundo. Houve sim, uma convivência, uma troca de dados
culturais. Na medida em que os filhos e netos foram estudando, fazendo cursos
superiores, alcançando posições sociais mais elevadas, foram se entrosando na
civilização brasileira, cultivando a tradição e os costumes, porém honrando e
cultivando perfeitamente as próprias tradições58.
Diante das dificuldades e desentendimentos rituais, os missionários
ucranianos sempre puderam contar com a ajuda de seus fiéis. Por isso, foram
abrindo maior espaço para o trabalho laical de estruturação, evangelização e
54 Cf. H ANICZ Teodoro, “O espaço sagrado na reconstrução da lembrança mítica das origens”, in Ultimo Andar (caderno de pesquisa em ciências da religião) Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo 1 (1998) 79-94”, 83-84.
55 “No princípio faziam as suas orações tanto os ukrainos como os polacos simultaneamente na
capella que o governo mandou levantar pelo construtor Temko Saj. As intermináveis questões e
brigas porém chegaram a tal ponto que os ukrainos abandonaram a capella até então comum,
transferindo-se para o prédio adquirido para este fim, adaptando a casa ali existente para uma
capela provisória” (Livro Tombo do Curato de Antonio Olyntho, Arquivo do Santuário Nossa Senhora dos Corais, Registros Paroquiais, Folha 2, Antonio Olinto – Paraná (s./d.).
56 Cf. ANDREAZZA Maria L., Paraíso das delícias..., 92-93.
57 Cf. HORBATIUK Paulo, Imigração Ucraniana..., 254.
58 Cf. HORBATIUK Paulo, Imigração Ucraniana..., 251.
conscientização, que valorizava a boa vontade e a persistência dos imigrantes.
Foi assim que construíram tão rapidamente igrejas, casas paroquiais, mosteiros,
conventos, seminários, escolas, espaços de recreação e tantas outras benfeitorias
para o bem comum do povo e de seus descendentes estabelecidos em terras
brasileiras59.
CONCLUSÃO
A abordagem de alguns elementos históricos concernentes à Igreja GrecoCatólica Ucraniana no território originário tanto quanto no Brasil necessariamente
nos conduz Ela foi levada ao limite da decadência, mas ressuscitou, podendo
assim, ostentar uma nova história de vitalidade e de reflorescimento, tendo dado
novos frutos não só nas terras ucranianas, como também nos vários territórios
de missão, inclusive o Brasil, onde ela, a partir de então, marcou a sua ativa e
permanente presença.
A IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA NO BRASIL E A BUSCA DA
IDENTIFICAÇÃO
A ação da Igreja Greco-Católica Ucraniana foi decisiva para muitas
pessoas, se levarmos em conta o considerável número de ucranianos existentes
no Brasil. Ao falarmos de ação eclesial, devemos deixar claro que os missionários
ucranianos não foram solicitados ou enviados ao Brasil na intenção de fundar
mosteiros, conventos ou algo parecido. Seu trabalho era sobretudo prático.
Durante semanas ou até meses seguidos, andaram a pé, viajaram à cavalo ou em
carroças, debaixo da chuva ou de sol escaldante, por dezenas de quilômetros nas
densas e perigosas florestas, sempre na intenção de proteger o seu povo, levando
o conforto dos sacramentos aos necessitados, celebrando os santos ofícios e
prestando todo o tipo de serviços pastorais60.
Levando-se em conta a criação de todo o aparato fenomenológico em
meio ao povo ucraniano, podemos determinar as razões do apego dessa gente
à sua Igreja. A história evidencia o quanto a ação da Igreja marcou a vida dos
primeiros colonizadores ucranianos, criando vínculos inapagáveis desse povo
com a sua religiosidade.
A Igreja procura manter intrínseca a união entre cultura e religiosidade.
Essa estratégia, sem dúvida, serviu para assegurar o desenvolvimento da Igreja
59 Cf. G LINKA Luis, Breve Historia de la Iglesia…, 102.
60 Cf. К ІЗИМА Сильвестер, “Зь Бразилії – Лист місіонаря Ієромонаха Сильвестра”, в Український
Місіонар 11 (1898), 175.
Greco-Católica Ucraniana no país, o que surtiu efeitos bastante positivos.
Levando em conta toda a conjuntura envolvendo a vida deste povo, buscamos
deixar claro que os embates rituais, inicialmente existentes, acabaram influindo
significativamente nas decisões relativas ao direcionamento dessa Igreja e no
desenvolvimento sócio-cultural da etnia ucraniana em terras brasileiras. A religião,
pois, se tornou determinante na preservação da identidade individual e social,
compondo-se como um fator indispensável na resistência contra a absorção
intentada pela sociedade e pela Igreja local.
Além de demarcar seu “espaço sagrado”, ela também olhava atentamente
para o convívio simultâneo do povo ucraniano com outras etnias, o que acabava
ocasionandocertaformade sincretismo religioso.Tal fenômeno acabou refletindose drasticamente na Igreja, a qual precisou se adaptar aos novos tempos, novos
espaços, novas práticas pastorais, buscar novas metodologias, novas soluções na
tentativa de continuar mantendo os seus fiéis ligados à Igreja, e, além de tudo,
assegurar a ritualidade própria. Um trabalho duro e incerto para proteger-se
da ação intencional de assimilação dos orientais. Mesmo diante da prevalência
latina, muito se tem caminhado no sentido de permitir um bom relacionamento
e trabalho conjunto com o clero e bispos latinos.
Sem perder de vista todo o patrimônio teológico-ritual específico, as
lideranças eclesiásticas ucranianas do Brasil procuravam evitar e continuam
tratando de conter a latinização e a absorção cultural, porém estão bem cientes
de que a preservação da religiosidade e das devoções próprias não garante
a asseguração permanente da religiosidade ucraniana, pois é natural que uma
Igreja que se estabelece num mundo prevalentemente latino, acabe sujeitandose às infiltrações de elementos da Igreja majoritária, o que cria uma série de
problemáticas litúrgico-pastorais. Esse fenômeno não somente atingiu a Igreja
Greco-Católica Ucraniana, pois foi bem evidenciado também nas demais Igrejas
católicas orientais presentes no Brasil. Tudo isso, sem dúvida, faz parte de um
processo situacional, que foi acontecendo lentamente, mas naturalmente, na
coexistência inter-étnica, e inter-ritual, no desenvolvimento ou na troca de
riquezas no interno da Igreja Católica.
Apesar da preponderância e da homogeneidade da Igreja latina, a
religiosidade ucraniana ainda continua constituindo-se num fator de preservação
sócio-cultural. Não se trata, porém, de um caminho sem interrogações, sem
contrariedades ou obstáculos, sem necessidade de novas adaptações ou
resoluções eclesiásticas vindas de fora do país. A história da Igreja Greco-Católica
Ucraniana presente em terras brasileiras foi e continuará permeada de busca
de respostas, de novas leituras e de novas interpretações, o que gradualmente
vai permitindo o desaparecimento de alguns valores e a aquisição de outros
novos, em função dos constantes reajustamentos. A procura pela unidade dentro
da diversidade manifestada com as diferenças rituais, certamente tornou-se
enriquecedora na rica e diversa universalidade católica. Todavia, não devemos
negar que as demais Igrejas orientais católicas que constituem todo o complexo
enriquecedor da Igreja universal, também criaram historicamente não poucos
momentos de inquietação na procura do seu legítimo espaço no interior da Igreja
Católica Apostólica Romana.
O nosso artigo buscou evidenciar o quanto foi difícil manter a vitalidade
na concretização da tão desejada unidade das Igrejas, claramente manifestada e
energicamente defendida pelos pontífices romanos. Sabemos que a Igreja GrecoCatólica Ucraniana, honrando as palavras dos grandes pontífices, visa sempre
a integração que deveria existir entre as Igrejas particulares do Oriente e do
Ocidente.
Já se passaram mais de 120 anos da presença da Igreja Greco-Católica
Ucraniana em terras brasileiras. Uma história repleta de dissabores, mas também
de conquistas positivas para essa Igreja. Certamente, foram muitos os problemas
já superados, outros que ainda devem ser superados, mas para que isso possa
acontecer, deve haver uma persistente promoção do respeito mútuo e uma
demarcação mais evidente dos limites rituais entre ambas as Igrejas.
Nas várias gerações que passaram, os ucranianos ainda contam com um
considerável número de jovens que ainda lêem, falam e escrevem em língua
ucraniana, mas levando em conta uma grande maioria de descendentes que
não entende mais a língua de seus avós, torna-se cada vez mais difícil continuar
insistindo em celebrar a liturgia na língua ucraniana. Portanto, passa a ser
imprescindível a continuidade da instrução e esclarecimento aos fiéis e ao clero
de ambos os ritos sobre as riquezas peculiares dos greco-católicos ucranianos, e
ao mesmo tempo procurar apresentar de um modo claro e objetivo as diferenças
que devem ser respeitadas, sem deixar de demarcar e assegurar o próprio espaço.
Para isso é preciso investir tempo e energias na preservação do rito, das tradições
e principalmente em uma boa tradução dos textos e cantos litúrgicos para o
idioma local, levando sempre em conta a realidade das novas gerações que estão
se desligando da Igreja ucraniana por não entender a língua. Hoje não devemos
temer a introdução de algumas mudanças na liturgia tradicional, principalmente
nos centros urbanos, onde os descendentes não praticam mais a língua de seus
antepassados.
Na elaboração deste artigo pudemos ainda observar que no período da
imigração, procurava-se manter assegurada a diferença ritual, colocando forte
acento no transplante e manutenção da cultura ucraniana no Brasil, garantindo a
diferenciação e proteção contra a assimilação. Hoje, sem abandonar a preservação
da cultura, está sendo urgente e necessário acentuar o resgate e preservação do
rito, visando a adaptação do mesmo às atuais exigências culturais e religiosas.
Talvez seja este o caminho que deve ser seguido para assegurar o patrimônio
religioso-cultural, deixado pelos antepassados. Caso contrário, podemos “correr o
risco de perdê-lo definitivamente diante da efemeridade das coisas, da celeridade
e fugacidade do tempo”61. De toda essa conjuntura, a hierarquia greco-católica
ucraniana está bem ciente, bem como dos prejuízos já causados pela insistência
contínua em incutir uma “Ucrânia” ou “cultura ucraniana” a uma geração que
não se preocupa em resgatar e manter a cultura dos antepassados, mas procura
apenas cumprir o mandamento da Igreja de assistência à Divina Liturgia aos
domingos e dias santos. A história, ainda recente, nos lembra que o movimento
inicial pelo resgate do povo ucraniano através de construções de suas igrejas,
esvaziaram muitas igrejas latinas (polonesas), provocando rivalidades e sérios
desagrados entre ambos os cleros, visto que na falta de sacerdotes ucranianos, o
clero latino local, até mesmo celebrava e administrava os sacramentos, na língua
ucraniana. Hoje os fiéis, descendentes de ucranianos se misturam com outros
povos, abandonam a própria Igreja e passam a participar ativamente da Igreja
latina, alegando maior aproveitamento da liturgia lá oficiada.
Apesar das agitações causadas com os intensos desencontros rituais
ocorridos no passado, os agentes eclesiais, quer eles tenham sido bispos,
sacerdotes, religiosas, catequistas ou fiéis leigos, todos, seguindo a sua
especificidade, trataram de firmar raízes e assegurar a religiosidade e cultura
no território habitado pelos imigrantes ucranianos. Todavia, não sabemos qual
será o futuro de todo esse empreendimento. Até quando a Igreja Greco-Católica
Ucraniana no Brasil resistirá e manterá a tradição do rito bizantino ucraniano?
Quem serão os seus fiéis no futuro? Como iremos lidar daqui em diante com os
temíveis termos: assimilação, hibridismo, latinização, sincretismo, justaposição e
principalmente com os matrimônios mistos, que aumentam consideravelmente,
levando uma grande parte dos fiéis a optarem pela Igreja latina ou igrejas
evangélicas devido à complexidade ritual dos orientais? Enfim, urge uma resposta
ao quesito: - O que estamos fazendo hoje para assegurar o patrimônio ritual do
oriente cristão nas terras brasileiras?
A resposta nos é fornecida pelos dados e acontecimentos que acabamos
de levantar. Tudo faz parte de um contínuo processo que vai se transformando
aos poucos e se adaptando às novas realidades, mas sem jamais perder a sua
essência própria, manifestada na cultura, nas tradições e principalmente num
61 H ANICZ Teodoro, “Religiosidade, identidade e fronteiras fluídas. Algumas considerações sobre os
descendentes de ucranianos no Brasil e os seus desafios”. Disponível em: www.dhi.br/gtreligiao/
pub.htlm, acesso em: 12/03/2013.
rito compreensível a todos os católicos orientais e também aos latinos, entre os
quais esperamos poder despertar maior simpatia e diminuir alguns preconceitos
contra os ritos e a Igreja Oriental. Desse modo, poderemos lentamente assegurar a
conservação da eclesialidade católica oriental e diminuir o risco de desintegração
em consequência da absorção ocasionada pelo rito latino, ao qual pertence
a maioria dos cidadãos brasileiros e também pelas tentadoras propostas dos
sempre novos grupos evangélicos que mantém bastante vigorosa a sua trajetória
de crescimento nesse país.
No término desse nosso artigo, não podemos deixar de registrar as
importantes palavras do atual Eparca dos greco-católicos ucranianos do Brasil,
Dom Volodemer Koubetch, o qual, sentindo-se preocupado com o porvir desta
Igreja, afirma: “Respeitar o rito é respeitar a memória de nossos pais. É necessário,
porém, um novo dinamismo em nossa ação pastoral para podermos melhor
atingir os nossos objetivos: com maior ardor e zelo, com mais alegria, com novos
meios, com mais visão de futuro”62.
Portanto, a ação persistente dos fiéis membros da Igreja Greco-Católica
Ucraniana no Brasil, pela sustentação e continuidade ritual, necessariamente
deve continuar, mesmo se expondo à refundações ou pequenas adaptações ou
até mesmo a algumas mudanças, mas sem perder de vista as diretrizes propostas
pela hierarquia da Igreja Greco-Católica Ucraniana, sempre em conformidade
com a Sé Apostólica romana63.
62 KOUBETCH Volodemer, Ação Evangelizadora na Eparquia São João Batista, Curitiba: Eparquia São
João Batista 2010, 24.
63 Cf. KOUBETCH Volodemer, Ação Evangelizadora..., 24.

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