IDEIAS PARA UM OUTRO BRASIL (popular e

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IDEIAS PARA UM OUTRO BRASIL (popular e
Aldemario Araujo Castro
IDEIAS PARA UM
OUTRO BRASIL
(popular e democrático)
Maio de 2014
Brasília-DF
“O Brasil figura como a sétima economia do
mundo e um dos líderes
globais no quesito da exploração da maioria
de sua população (estudantes,
trabalhadores, juventude e classes médias).
Essa triste contradição somente
começará a ser superada quando realmente
desmontar os vários e sofisticados
mecanismos institucionais de reprodução
das desigualdades”.
SUMÁRIO
I. REFORMA POLÍTICA............................................................................... 7
Por que aceitei ser pré-candidato ao Senado Federal........................................8
Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática................................13
II. COMBATE À CORRUPÇÃO.................................................................... 21
O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas..............................22
III. REFORMA TRIBUTÁRIA...................................................................... 33
Quanto custa o Brasil pra você? (Parte I – Os números)..................................34
Quanto custa o Brasil pra você? (Parte II – Reforma Tributária)........................36
IV. DIREITOS HUMANOS.......................................................................... 41
“Rolezinhos”: quem não pode entrar em um shopping center no Brasil?...........42
Gás de constituição....................................................................................46
PEC da (busca da) felicidade.......................................................................50
V. ADVOCACIA PÚBLICA.......................................................................... 53
Advocacia de Estado versus Advocacia de Governo........................................54
VI. CAPITALISMO FINANCEIRO: MODELO SOCIOECONÔMICO A SER
SUPERADO............................................................................................. 57
Capitalismo financeiro: modelo socioeconômico a ser superado.......................58
Currículo resumido.................................................................................... 83
Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
I. REFORMA POLÍTICA
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Porque aceitei submeter o meu nome à
convenção do Psol/Df que escolherá o
candidato do partido ao Senado Federal1
ui convidado, neste mês de abril, a submeter o meu nome à convenção do
FFederal.
PSOL/DF (1) que escolherá, em junho, o candidato do partido ao Senado
O convite partiu da corajosa pré-candidata a Vice-Presidente da
República Luciana Genro, da atuante Presidente do PSOL/DF Juliana
Selbach, do combativo pré-candidato a Deputado Distrital Rodolfo Mohr
e da incansável pré-candidata a Deputada Federal Maria Lucia Fattorelli.
Consultei vários colegas, amigos e familiares acerca do convite.
Apesar de inúmeras ponderações acerca das dificuldades e desgastes
de um processo eleitoral, invariavelmente foram realizados registros de
incentivo e concordância. A maior parte das manifestações apontaram para
a ampla expectativa da sociedade no sentido do surgimento de pessoas
dispostas a mostrar que é possível fazer política com seriedade e em bases
significativamente diferentes daquelas observadas cotidianamente na grande
maioria dos meios políticos tradicionais.
Esse foi um pontos mais importantes para a tomada de decisão
no sentido da aceitação. Afinal, vivemos uma triste quadra de enorme
deterioração dos costumes políticos e sucessão de todos os tipos possíveis
e imagináveis de escândalos de corrupção. Uma das vertentes mais
lamentáveis desse cenário consiste no protagonismo desses episódios
por conhecidos personagens que num passado recente assumiram
compromissos de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.
Nessa seara, não é exagero afirmar que a honestidade, retidão de
caráter e vivência efetiva de um padrão moral elevado no trato da coisa
pública assumem uma perspectiva revolucionária (profunda e paradigmática
transformação de modelos político-sociais de atuação). Assim, a sociedade
reclama, com justa razão, a apresentação de candidaturas e projetos
políticos fortemente comprometidos com esses valores.
Importa afirmar e reafirmar que honestidade no campo da política não
basta. Em outras palavras, a honestidade é necessária mas não é suficiente. É
preciso mais, muito mais. As abissais desigualdades observadas na sociedade
brasileira, definidoras de um quadro de gravíssima injustiça social, são
resultados de mecanismos socioeconômicos bem definidos e cuidadosamente
construídos no plano institucional.
As principais características do modelo implementado, algumas delas
profundamente articuladas, são as seguintes: câmbio flutuante; metas de
superávit primário e de inflação; intenso endividamento do Estado; juros
1 Texto concluído no dia 21 de abril de 2014.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; enorme concentração
da propriedade rural; financiamento externo baseado na exportação de
minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos
da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto;
concentração e elitização da grande mídia; elevada distorção e deterioração
da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de
uma profunda e abrangente revolução educacional; degradação crescente
do espaço urbano; baixíssima atenção para com os mecanismos de
planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente
em setores estratégicos como energia, comunicação, tecnologia, agricultura
familiar, transporte, saúde e saneamento; significativo desprezo pelo meio
ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente
deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais
mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um considerável
incentivo à violência física e simbólica. O Brasil figura como a sétima economia do mundo e um dos líderes
globais no quesito da exploração da maioria de sua população (estudantes,
trabalhadores, juventude e classes médias). Essa triste contradição somente
começará a ser superar quando realmente desmontar os vários e sofisticados
mecanismos institucionais de reprodução das desigualdades. Não deve ser
esquecida a necessidade estratégica de superação do capitalismo financeiro
como modelo de sociedade fundado na mercantilização da vida social com
todas as nefastas consequências daí decorrentes.
Esse é o segundo e nobre motivo para a aceitação do desafio
relacionado com a candidatura ao Senado Federal. Afinal, a tribuna da
Câmara alta do Parlamento brasileiro pode ser convertida num importante
e privilegiado espaço de denúncia e tentativa de modificação, com os seus
naturais limites, desses mecanismos e instrumentos de criação e reprodução
de desigualdades, discriminações e explorações.
Existe ainda um terceiro motivo básico para a aceitação do convite.
É justamente aquele que articula as duas razões anteriores. É possível
construir um conjunto de propostas que materializem as preocupações
anteriores já na campanha e no curso do exercício de um eventual
mandato parlamentar. Destaco, nessa linha, um conjunto preliminar
de ideias a serem devidamente trabalhadas, ampliadas e consolidadas
em três perspectivas distintas:
I. CAMPANHA
a) total ausência de financiamento por parte de pessoas jurídicas
(empresas, incluídos bancos) (2);
b) contribuições financeiras somente de pessoas físicas no limite da
legislação eleitoral em vigor;
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c) divulgação eletrônica (na internet) em tempo real das finanças da
campanha (contribuições e gastos);
d) campanha eleitoral baseada na cidadania ativa (onde cada
eleitor-apoiador busca influenciar, num debate político de qualidade, o
maior número possível de pessoas acerca da justeza da candidatura);
e) atenção direta, física e eletrônica, para cada eleitor ou conjunto
de eleitores (com resposta efetiva a questionamentos e promoção de um
debate político profundo e de qualidade, inclusive na forma de reuniões
com qualquer número de interessados);
f) completo repúdio a todas as formas tradicionais e deletérias de fazer
campanha eleitoral, notadamente aquelas fundadas no uso indiscriminado
de recursos financeiros suspeitos para “compra” de cabos eleitorais, votos
e espaços de influência dos eleitores.
II. ATUAÇÃO PARLAMENTAR
a) não-utilização de nenhuma “mordomia” relacionada com o exercício
do mandato, especialmente carro oficial (substituído pela utilização de
meu veículo particular e pelos meios públicos de transporte) e viagens em
aviões da Força Aérea Brasileira (substituídos pela utilização de aviões
comerciais comuns);
b) permanente prestação de contas do exercício do mandato,
inclusive com a manutenção de uma estrutura de apoio que possa
efetivamente responder aos questionamentos e sugestões dos cidadãos,
viabilizando um constante debate político com o conjunto da sociedade;
c) utilização da tribuna do Senado para dar voz diretamente ao
cidadão com a leitura de pronunciamentos elaborados pelos eleitores (que
poderão registrar para o mundo político, imprensa e sociedade suas ideias,
inquietações e protestos);
d) constituição de um comitê de apoio e fiscalização do exercício da
atuação político-parlamentar composto por representantes de eleitores e
segmentos organizados da sociedade civil buscando a construção de um
mandato popular e coletivo, inclusive com a realização de assembleias
periódicas;
e) utilização do mandato para dar visibilidade e consequência institucional
às reivindicações dos vários segmentos sociais organizados, notadamente por
intermédio de audiências públicas e instrumentos congêneres.
III. PROPOSTAS PROGRAMÁTICAS
a) atuação em defesa da implementação de uma reforma política de
cunho democrático e popular (2);
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
b) implementação de medidas específicas de combate à corrupção
nas suas várias formas e vertentes (3);
c) combate aos vários e sofisticados mecanismos institucionalizados
de subtração de recursos financeiros das políticas públicas e áreas sociais
(educação, saúde, transporte, lazer, cultura, esportes, entre outros) com
transferência desses valores para segmentos socioeconômicos privilegiados
da sociedade brasileira, notadamente o sistema de geração e pagamento
da dívida pública (4);
d) luta pela realização da auditoria da dívida pública brasileira,
prevista no art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
cujo serviço tem consumido mais de 40% (quarenta por cento) dos
recursos do orçamento federal a cada ano, a fim de que se constate qual
é a contrapartida dessa dívida para a sociedade que arca com o seu
pagamento (4);
e) defesa de uma reforma tributária pautada na realização da justiça
fiscal (eliminando privilégios e equalizando a carga tributária em função
da capacidade contributiva de cada segmento social) e no fortalecimento
da Administração Tributária (5);
f) participação ativa na luta contra às várias e inaceitáveis modalidades
de discriminações, preconceitos e opressões que tristemente são verificadas
na sociedade brasileira (em razão da cor, classe, origem social, gênero,
orientação sexual, opção religiosa, etc);
g) defesa de uma real transformação da segurança pública no Brasil
para seu necessário alinhamento com a noção constitucional de Estado
Democrático de Direito, que rejeita a militarização da polícia e da política,
a criminalização da pobreza e busca um debate sério, consequente e
construtivo acerca do uso e comercialização de todos os tipos de “drogas”
(tabaco, álcool, maconha, etc);
h) inserção ativa no debate acerca da redução da maioridade penal,
esclarecendo que tal medida não produz resultados efetivos no recuo
dos níveis de criminalidade e mascara o verdadeiro problema de fundo
representado por um modelo socioeconômico perverso e excludente;
i) questionamento da política econômica atual, que adota os
dogmas ditados pelo sistema financeiro internacional, propondo medidas
que direcionem a outro modelo no sentido da promoção do efetivo
desenvolvimento socioeconômico do país e a garantia dos direitos humanos
fundamentais.
O desafio foi aceito. Sou pré-candidato a Senador da República pelo
PSOL/DF. Se a convenção do partido chancelar a postulação, o cenário
político-eleitoral de outubro contará com uma candidatura radical.
Resgata-se, assim, o nobre, utópico e libertário sentido da palavra
radical, cuidadosamente distorcido ao longo do tempo para dificultar a
denúncia e a crítica que vai a raiz e a essência de uma realidade social
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radicalmente desigual, injusta e discriminatória. Em suma, será uma candidatura radicalmente orientada pela
honestidade e por forte conteúdo popular e democrático comprometido
com profundas transformações no sentido da construção de uma sociedade
livre, justa e igualitária.
NOTAS:
(1) PSOL – Partido Socialismo e Liberdade (http://www.psol50.org.br).
(2) Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática (http://www.aldemario.adv.br/refpolpopdem.pdf).
(3) O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas (http://www.aldemario.adv.br/
corrupcaopropostas.pdf).
(4) Auditoria Cidadã da Dívida (http://www.auditoriacidada.org.br).
(5) Quanto custa o Brasil pra você? Parte I – Os números (http://www.aldemario.adv.br/quantoparte1numeros.
pdf). Parte II – Reforma Tributária (http://www.aldemario.adv.br/quantoparte2reforma.pdf).
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Por uma reforma político-eleitoral
popular e democrática1
I. DA INTRODUÇÃO
Brasil foi literalmente sacudido por milhões de pessoas nas ruas no
O
mês de junho do corrente ano. Em atos, passeatas e manifestações
foram reclamados os usufrutos minimamente eficientes de diversos direitos
sociais, notadamente aqueles relacionados com a educação, a saúde e o
transporte urbano (1).
Chamou a atenção de todos as inúmeras e recorrentes referências
negativas ao mundo da política. A distância entre os cidadãos e seus
representantes eleitos foi destacada fortemente. Em alguns casos, esse
divórcio foi retratado com cores de forte dramaticidade.
Assim, a necessidade de uma reforma do modelo político-eleitoral
vigente adquiriu contornos de urgência e importância não experimentados
até então. Nessa linha, multiplicam-se os debates, discussões e iniciativas
da sociedade civil em torno dessa temática relevantíssima (2). Diante de
inúmeras propostas e modelos de reforma em discussão, a pergunta se
impõe: qual a reforma político-eleitoral necessária?
II. DA REFORMA POLÍTICO-ELEITORAL NECESSÁRIA
Alguns importantes personagens da cena política brasileira sustentam
que a reforma política é “a reforma das reformas” ou “a mãe de todas as
reformas”. As afirmações são substancialmente procedentes numa certa
perspectiva de análise.
Com efeito, a Constituição de 1988 ao desenhar o Estado Democrático de
Direito definiu, como em praticamente todas as partes do mundo, um governo
(nas chefias dos Executivos e nos Legislativos) composto por representantes
eleitos pelo povo (corpo eleitoral detentor da soberania política, nos termos do
art. 1o, parágrafo único, da Carta Magna).
O representante eleito exerce, por prazo certo de tempo, um mandato.
Esse instituto (o mandato) significa, na essência, tanto no plano do direito
civil como dos negócios públicos, um encargo por meio do qual uma pessoa
recebe poderes de outra para, em nome dessa última, praticar atos ou
decidir em torno de interesses.
Nesse sentido, é preciso muito cuidado com representantes
políticos (notadamente parlamentares) numa sociedade profundamente
1 Texto concluído no dia 18 de novembro de 2013.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
heterogênea como a brasileira. Esse ambiente ou cenário denominado
“sociedade brasileira” é o palco, desde as origens históricas no ano de
1500, de profundos e excludentes conflitos de interesses econômicos
e sociais entre grupos, setores, segmentos e classes sociais. Esses
conflitos, manifestados de várias formas, envolvem, entre outros
aspectos, disputas pela apropriação da riqueza produzida (o conflito
básico em toda sociedade razoavelmente organizada), pela ocupação
institucional e simbólica do espaço social, pela produção e acesso aos
bens culturais e pela construção e vivência de valores.
Portanto, não passa de ilusão, equívoco ou má-fé a defesa e a
representação dos “interesses da sociedade”. Essa categoria (a sociedade)
é o palco ou cenário da luta ou disputa de interesses. Rigorosamente, não
existem “interesses da sociedade” profundamente desigual e conflituosa.
Existem interesses de setores dentro dessa sociedade. Na ação política é
preciso, por conseguinte, explicitar e adotar posições ou lados na disputa
objetivamente posta. A defesa da “sociedade”, do “bem comum”, do “povo”
não é a defesa de nada ou de ninguém. Pode ser, sob certo ótica, a própria
defesa ou a (cômoda) defesa de interesses circunstanciais.
Infelizmente, ouve-se, com frequência, um discurso evasivo e
(equivocado) no sentido da construção da representação da “sociedade”,
do “conjunto da sociedade” ou do “bem comum”. Não parece viável,
por exemplo, a representação concomitante (dos interesses) das elites
econômicas e das classes trabalhadoras (exploradas pelas primeiras das
mais variadas formas).
É sempre importante destacar que a representação política (“os
políticos”) são intermediários ou veículos de interesses e posições enraizadas
no tecido social. Cada político (ou conjunto de políticos) é descartável,
na medida que podem ser substituído por outra pessoa ou ator social
(ou conjunto deles). Assim, é preciso identificar a estrutura ou modelo
econômico-social subjacente, para além do mundo mais visível da política
(3). Não é de se estranhar que a grande imprensa, vinculada e partícipe da
lógica dominante das estruturas de poder, incentive a colocação da classe
política como responsável pelas mazelas sociais e alvo do descontentamento
generalizado de largos setores da sociedade brasileira.
Acredito, por conseguinte, que a vertente fundamental da reforma
político-eleitoral consiste em criar as condições ou mecanismos para
facilitar e dar visibilidade a representação dos interesses sociais das classes
trabalhadores, dos setores médios, dos explorados e dos marginalizados
de todos os tipos. Até mesmo a explicitação e clara identificação da
representação das elites econômicas e sociais é bastante salutar para as
lutas travadas no cenário político institucionalizado.
Por outro lado, parece que mudanças ou transformações sociais
relevantes, rumo a uma sociedade pautada pela justiça social, reclamam
níveis crescentes de consciência e mobilização políticas. As estruturas
institucionais político-eleitorais serão instrumentos mais ou menos
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adequados (no sentido de facilitar ou não) aos avanços perseguidos pelos
setores populares, médios e marginalizados existentes na quadra atual da
sociedade brasileira.
III. DAS PROPOSTAS
São dezenas as medidas propostas no âmbito da reforma políticoeleitoral. Podemos arrolar, sem esgotar o rol, as seguintes proposições:
a) financiamento de campanhas; b) sistemas eleitorais para composição
dos parlamentos; c) voto obrigatório; d) reeleição; e) suplentes de
senadores; f) candidaturas avulsas; g) cláusula de barreira; h) liberdade
de manifestação político-eleitoral, notadamente na internet; i) prestação
de contas; j) propaganda eleitoral; k) pesquisas eleitorais; l) fidelidade
partidária; m) organização de “clubes” de eleitores; n) partidos de
aluguel; o) distribuição de tempo nos programas de rádio e televisão;
p) distorção, em relação à população das unidades da Federação, nas
representações na Câmara dos Deputados; q) coincidência de mandatos;
r) racionalização dos casos de desincompatibilização; s) bicameralismo
no âmbito da União; t) utilização de “cabos eleitorais” e u) utilização
da urna eletrônica (4).
Importa, no entanto, resgatar as ponderações acerca da essência da
reforma político-eleitoral necessária (item II imediatamente anterior) e separar
o acessório do principal. É preciso, nesse sentido, apontar quais as medidas
que implicariam em efetiva e profunda mudança no ambiente político-eleitoral
na perspectiva de alinhar representantes eleitos e defesa dos interesses dos
representados, notadamente em relação aos setores, segmentos, camadas ou
classes sociais populares, médios e marginalizados que integram a sociedade.
Não custa registrar que as elites econômico-sociais possuem séculos de
expertise na escolha de seus legítimos representantes e, nessa medida, podem
ficar fora do campo de preocupações e reflexões.
Nesse rumo, os seguintes aspectos da reforma política são os cruciais
ou decisivos: a) financiamento das campanhas eleitorais; b) sistema eleitoral
para escolhas dos parlamentares; c) distribuição e forma de utilização do
tempo de propaganda de televisão e rádio; d) revogação de mandatos; e)
organização de “clubes” de eleitores e f) radical redução do número de
cargos comissionados na Administração Pública.
Financiamento das campanhas eleitorais. Trata-se de um dos
aspectos capitais das mudanças a serem implementadas no processo
político-eleitoral. O atual modelo de financiamento privado das campanhas
eleitorais, notadamente por (grandes) empresas, induz corrupção em
larga escala e “escolhe” claramente representantes dos interesses mais
mesquinhos e elitistas presentes na sociedade brasileira. Nesse sentido,
os dados dos financiamentos de campanhas eleitorais nos últimos anos
são estarrecedores (5).
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A rigor, independentemente de alteração legislativa, já é viável a
interdição dessa nefasta prática de financiamento eleitoral por empresas.
Com efeito, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) n. 4.650, proposta pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que “questiona dispositivos da Lei
dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) e
busca ver banidos da legislação eleitoral dispositivos que permitem doações
por pessoas jurídicas às campanhas políticas”.
É preciso, portanto, caminhar para uma radical definição normativa de
proibição do financiamento político-eleitoral por empresas e sua aceitação
somente por pessoas físicas ou naturais com limites ou tetos baixíssimos
de contribuição.
Sistema eleitoral para escolhas dos parlamentares. O sistema
proporcional para escolha de representantes no parlamento é aquele que se
apresenta como mais democrático e com melhores condições de conduzir
à arena parlamentar, com mais clareza, os interesses dos vários segmentos
sociais, notadamente os populares, médios e marginalizados, por força do
chamado “voto de opinião” (mais consciente, politizado e disperso).
A alternativa do sistema distrital (puro ou misto) tende a reduzir a
força dos votos mais “ideológicos” e reduzir a qualidade do debate político
rumo a questões predominantemente locais e voltadas para satisfação
de necessidades mais imediatas, dificultando a compreensão e relações
dessas mesmas questões com o modelo econômico-social implantado e
mais abrangente (6).
Distribuição e forma de utilização do tempo de propaganda de
televisão e rádio. O tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão
não pode privilegiar e reproduzir as maiorias parlamentares já formadas.
Impõe-se uma distribuição igualitária dos espaços de propaganda eleitoral
sem o concurso de produções visualmente mirabolantes e com privilégio
de discussão de propostas e programas de ação político-governamental.
Revogação de mandatos. A adoção de um sistema de revogação
de mandatos tende a aproximar a representação política dos eleitores e
viabilizar, em novos termos, a identidade entre as duas partes do processo
eleitoral.
Clubes de eleitores. Impõe-se construir e influenciar candidaturas,
notadamente para postos legislativos, em bases completamente novas.
Nesse sentido, podem ser constituídos grupos de eleitores que indiquem ou
recomendem o voto em certos candidatos comprometidos formalmente com
determinadas plataformas de atuação e com um padrão de comportamento
ético claramente definido e publicizado. Ademais, por essa via, resta
facilitado o acompanhamento e o controle sobre o exercício do mandato
eleitoral.
Radical redução do número de cargos comissionados na Administração
Pública. É preciso articular a aprovação de projetos de leis definidores de
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
uma radical profissionalização da Administração Pública com a redução
extrema dos espaços ocupados por agentes não-detentores de cargos
efetivos. É importante incorporar, nessas iniciativas, instrumentos voltados
para: a) reduzir influências corporativas indevidas; b) definição de critérios
objetivos para ocupação dos postos de direção por servidores de carreira; c)
limitação de tempo para o exercício dessas funções de direção por ocupantes
de cargos efetivos e d) definição de “quarentenas”, sem o exercício de
cargos comissionados, depois da ocupação desses espaços por servidores
concursados (7).
Essa não é uma medida diretamente político-eleitoral. Todos os
indicadores apontam, entretanto, para o triste fato de que a forma mais
comum de cooptação (escusa) dos representantes eleitos consiste no
“loteamento” dos cargos de livre nomeação na Administração Pública.
Por essa tortuosa via, literalmente são “vendidos” apoios parlamentares a
projetos, programas e propostas de governo, independentemente de seus
conteúdos.
Deve ser destaca a existência de um forte e crescente movimento
da sociedade civil para a concretização de uma reforma políticoeleitoral consequente. Merece destaque a proposta apresentada pelo
movimento “eleições limpas”, sucessor político do movimento “ficha
limpa”, congregando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento
de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), entre outros relevantes atores sociais (8).
IV. DAS CONCLUSÕES
Uma reforma político-eleitoral popular e democrática é uma
necessidade de enorme importância para o aperfeiçoamento do Estado
Democrático de Direito no Brasil, notadamente para viabilizar o saneamento
dos costumes políticos e para a legitimação das representações eleitas.
Destaque-se que os mecanismos político-eleitorais em discussão serão
apenas os instrumentos ou veículos, mais ou menos democráticos, para o
trânsito dos interesses populares, médios e marginalizados presentes na
sociedade brasileira. O fundamental está além das estruturas normativas e
institucionais. Esse essencial consiste na consciência política em patamares
superiores e a mobilização efetiva decorrente.
NOTAS:
(1) O Editorial do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, de julho de 2013, subscrito por Silvio Caccia
Bava, registra: “As históricas mobilizações do mês de junho mudaram o cenário da política brasileira. Elas
introduziram na cena pública, depois de décadas de ausência, o cidadão indignado. Até agora mais de
2 milhões de pessoas foram às ruas em 438 municípios protestar contra a condição insuportável da vida
nas cidades”.
VAINER, Carlos. MEGA-EVENTOS, MEGA-NEGÓCIOS, MEGA-PROTESTOS. Uma Contribuição ao
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Debate sobre as Grandes Manifestações e as Perspectivas Políticas. Disponível em: <http://laurocampos.
org.br/2013/06/mega-eventos-mega-negocios-mega-protestos>. Acesso em: 8 jul. 2013.
(2) Fui convidado, uma vez verbalmente e duas vezes por mensagens de correio eletrônico (24 de
setembro e 18 de outubro), para debater sobre o atualíssimo e importantíssimo tema da reforma política
na I Semana Acadêmica de Direito, evento promovido pelo Centro Acadêmico de Direito da Universidade
Católica de Brasília.
Em todos os convites formulados foi registrado que o tema seria desenvolvido em conjunto com o Deputado
Federal José Reguffe. A programação do evento, divulgada no facebook do CADir/UCB, consignava:
Segunda-feira (28/10) – Noturno:
REFORMA POLÍTICA
* José Antônio Machado Reguffe (Deputado Federal/DF)
* Aldemario Araújo Castro (Professor Mestre do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília/
Procurador da Fazenda Nacional)
Assim, preparei minha participação para um debate sobre a reforma política. Compareci, no dia 28 de
outubro do corrente, ao auditório do bloco K do campus principal da Universidade Católica de Brasília. Fui
chamado, juntamente com o Deputado Reguffe, a compor a mesa por volta das 20 horas e 10 minutos.
No início de sua fala, o Deputado Reguffe registrou que tinha um compromisso às 21 horas e faria uma
palestra com abertura para toda e qualquer pergunta na sequência. A exposição do ilustre parlamentar
terminou por volta das 21 horas. Diante do compromisso anunciado no início dos trabalhos, seguiram-se
algumas perguntas e respostas do parlamentar. Essa segunda parte do evento foi concluída por volta das
21 horas e 40 minutos.
Registrei publicamente que julgava prejudicada a minha participação. Afinal, não teria muito sentido fazer
uma exposição de trinta a quarenta minutos a partir das 21 horas e 40 minutos. Qualquer debate estaria
inviabilizado pelo avanço do horário e pela ausência do Deputado Reguffe ante a necessidade de honrar
o outro compromisso registrado pelo próprio. Anunciei, também, que as minhas ponderações sobre o tema
seriam divulgadas por escrito.
Impõe-se consignar que o Deputado Reguffe pediu publicamente desculpas pelo desconforto verificado
(desculpas aceitas publicamente) e afirmou que foi convidado para fazer uma palestra, sem nenhum tipo
de referência a ocorrência de um debate sobre o assunto.
O Deputado Reguffe, na condição de palestrante, discorreu diretamente e em respostas a perguntas por cerca
de 1 hora e 30 minutos sobre o quadro político nacional e sobre a sua proposta de reforma política (apresentada
durante a campanha eleitoral e protocolada perante a Câmara dos Deputados ainda no ano de 2011).
As medidas indicadas pelo parlamentar federal são as seguintes: a) vedação de reeleição para cargos
no Poder Executivo e possibilidade de somente uma reeleição para mandatos legislativos; b) adoção do
voto facultativo; c) implantação do voto distrital (puro, pelo que entendi); d) implementação de sistemas de
revogação de mandatos por iniciativa dos eleitores; e) financiamento exclusivamente público das campanhas
eleitorais; f) admissão de candidaturas avulsas (sem filiação partidária) com apoio prévio mínimo de um
certo número de eleitores e g) necessidade de renúncia ao mandato para o parlamentar ocupar postos
no Poder Executivo.
(3) Eis as principais características do modelo implementado (algumas delas profundamente articuladas):
câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros
altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de
minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional;
sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada
distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma
profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento
e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo
pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como
o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e
um certo incentivo à violência física e simbólica.
(4) Trata-se de um tema extremamente sensível para a democracia representativa. “O Fórum do Voto-E
declara-se uma entidade suprapartidária, abrigando pessoas dos mais diversos partidos e correntes
ideológicas. Propugna por um sistema eleitoral transparente e confiável do cadastramento à apuração, sem
a identificação dos votos dos eleitores e com a possibilidade de plena auditoria dos resultados. Afirma ser
essa uma das bases da democracia”. Disponível em: <http://www.brunazo.eng.br/voto-e/indice.htm#indice>.
Acesso em: 10 nov. 2013.
(5) “Quatro gigantes da construção civil que também administram rodovias foram as empresas que mais
doaram dinheiro nas seis últimas eleições realizadas no país, entre 2002 e 2012. São elas, em ordem
decrescente: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão. Segundo levantamento da Folha
de S. Paulo, as quatro empreiteiras doaram, nesse período, R$ 615,5 milhões, em valores já corrigidos pela
inflação. Pela legislação eleitoral, empresas que exploram concessão pública não podem contribuir com
candidatos ou partidos políticos. Não há nenhum impedimento legal, no entanto, para que elas financiem
as eleições por meio de outros braços de seus grupos”. Revista Congresso em Foco. Ano 2. Número 6.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Junho/Julho de 2013. Pág. 34.
“Empresas que devem quase R$ 1,5 bilhão ao governo doaram a campanhas. As principais campanhas
políticas de 2010 no Brasil foram bancadas por empresas que devem dinheiro ao governo federal. De
cada R$ 100 injetados naquela campanha presidencial, quase R$ 30 vieram de empresas inscritas na
Dívida Ativa da União, lista de devedores que, segundo o governo, não pagaram impostos ou deixaram
de recolher a contribuição para a Previdência Social. No total, as doadoras devem quase R$ 1,5 bilhão”.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/08/1321657-empresas-que-devem-quase-r-15bilhao-ao-governo-doaram-a-campanhas.shtml>. Acesso em: 3 out. 2013.
(6) “Esse sistema, em linha de comparação, é melhor, pois permite o preenchimento das vagas segundo a
votação em propostas partidárias e não na simples votação candidato a candidato. Ela, em tese, leva ao
fortalecimento das legendas, algo fundamental para a democracia. Se hoje muitos partidos não representam
efetivamente um projeto para o país, o sistema proporcional pelo menos ajuda a que isso ocorra. (...)
Os principais argumentos apresentados a favor do voto distrital são dois. Primeiro: como as eleições se
dão num universo menor (em vez do estado ou do município como um todo, elas aconteceriam em cada
distrito), diminuiria o custo das campanhas.
Depois, o sistema permitiria maior proximidade do eleitor com os eleitos, que seriam de seu bairro ou de
sua região, permitindo um acompanhamento maior do trabalho desenvolvido.
Penso, no entanto, que as desvantagens do voto distrital em relação ao voto proporcional superam, em
muito, as vantagens.
Uma dessas desvantagens é o esmagamento dos partidos minoritários. Uma legenda que tenha, por
exemplo, o apoio de 20% do eleitorado pode ficar sem representação parlamentar se não for majoritária
em algum distrito.
Mas há algo pior. Os eleitos seriam transformados inevitavelmente em despachantes de interesses locais,
deixando em segundo plano as políticas globais. Se estas já são muito ausentes do debate no legislativo,
onde prevalecem interesses paroquiais, com a adoção do voto distrital isso se elevaria à máxima potência.
A eleição e a manutenção dos mandatos dependeriam quase exclusivamente dos favores que o eleito
conseguisse atrair para a sua circunscrição.
A grande política e os chamados candidatos de opinião desapareceriam, amesquinhando ainda mais o
debate no parlamento.
Seria o pior dos mundos.” (Voto proporcional ou voto distrital. Wadih Damous. Disponível em: <http://www.
diariodopoder.com.br/artigos/voto-proporcional-ou-voto-distrital>. Acesso em 10 nov. 2013).
(7) Percebe-se claramente na Administração Pública, em todos os níveis, a utilização de cargos
comissionados, ocupados tanto por estranhos ao serviço público como por servidores de carreira, como
instrumentos ou ferramentas de realização de inúmeros interesses privados e escusos. Cria-se, em larga
escala, uma “cadeia de comando” disposta, em troca da remuneração do cargo comissionado, a viabilizar
todo tipo de capricho ou interesse divorciado do interesse público.
“Prefeituras do País criam 64 mil cargos para nomeação política em quatro anos. Prefeitos incharam a
máquina com aumento de 14% das vagas sem concurso nas 5.566 cidades brasileiras; uso dos postos
como moeda de troca é recorrente. Nos quatro anos de mandato entre 2008 e 2012, os 5.566 prefeitos do
País criaram, em conjunto, 64 mil cargos comissionados – aqueles para os quais não é necessário fazer
concurso público, e que costumam ser loteados por indicação política. Com a massiva abertura de vagas, o
total de funcionários públicos municipais em postos de livre nomeação subiu de 444 mil para 508 mil. Juntos,
eles lotariam os oito maiores estádios da Copa de 2014. (…) Uso político. Cargos de livre nomeação, em
tese, servem para que administradores públicos possam se cercar de pessoas com quem têm afinidades
políticas e projetos em comum. Na prática, no entanto, é corrente o uso dessas vagas como moeda de
troca. Além de abrigar seus próprios eleitores ou correligionários, os chefes do Executivo distribuem as
vagas sem concurso para partidos aliados em troca de apoio no Legislativo ou em campanhas eleitorais”.
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prefeituras-do-pais-criam-64-mil-cargos-paranomeacao-politica-em-quatro-anos,1053212,0.htm>. Acesso em: 10 ago. 2013.
(8) O projeto de lei apresentado pelo movimento “eleições limpas” merece elogios quando sustenta: a) a
necessidade de financiamento público das campanhas eleitorais, afastando as doações por empresas;
b) profunda reformulação do sistema de eleições proporcionais (para os parlamentos, com exceção do
Senado Federal) com votação em dois turnos (“… o eleitor vota, primeiro, no partido e, depois, candidato”
- conforme documento de divulgação da campanha) e c) radical ampliação do debate político-eleitoral,
notadamente nos ambientes eletrônicos (como a internet e suas redes sociais).
Subsiste, entretanto, um grave equívoco na proposta do movimento “eleições limpas”. Com efeito, mantémse, nas eleições proporcionais, a possibilidade de coligações partidárias. Consta na proposta apresentada
pelo movimento a seguinte redação para o art. 5o-A da Lei n. 9.504, de 1997: “Nas eleições proporcionais, será obedecido o sistema de votação em dois turnos, os quais se realizarão
nas oportunidades definidas no art. 1o desta Lei.
§1o No primeiro turno de votação, os eleitores votarão em favor de siglas representativas dos partidos ou
coligações partidárias” (destaques inexistente no original).
É possível afirmar, sem medo de errar, que as coligações partidárias nas eleições para os parlamentos
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
representam um dos principais fatores de deterioração do ambiente político-eleitoral no Brasil. Com efeito,
a formação de amplas coligações partidárias nos pleitos proporcionais, entre outras consequências: a)
enfraquece e descaracteriza as siglas partidárias; b) permite negociações escusas relacionadas com o
tempo disponível para a propaganda no rádio e televisão; c) viabiliza a eleição de candidato de partido
distinto daquele sufragado pelo eleitor e d) cria condições favoráveis para a manutenção e proliferação
de “partidos de aluguel”.
Ademais, a proibição das coligações em eleições proporcionais é solução muito superior a fixação da
chamada “cláusula de barreira” para afastar a praga dos “partidos de aluguel”. Essa via permite cortar o
“oxigênio” das legendas criadas para viabilizar “negócios político-eleitorais” sem o efeito colateral de dificultar
ou inviabilizar os chamados “partidos de opinião” ou “partidos ideológicos”. Esses partidos, representativos
de minorias políticas (em certo momento ou até certo momento, porque podem ser a maioria de amanhã),
efetivam ou concretizam o pluralismo político definido como fundamento do Estado Democrático de Direito
no Brasil (art. 1o, inciso V, da Constituição). O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido:
“ADI 1351/DF. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 07/12/2006. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Ementa: PARTIDO POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR - PROPAGANDA
PARTIDÁRIA GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que,
em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz,
substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário.
NORMATIZAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE - VÁCUO. Ante a declaração de inconstitucionalidade de
leis, incumbe atentar para a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo, a vigência de
preceito transitório, isso visando a aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional”.
Portanto, a proposta conhecida como “eleições limpas”, digna de elogios e apoios, pela consistência e
capacidade de galvanizar a sociedade brasileira, precisa ser depurada, interna ou externamente, desse ponto
(a manutenção da possibilidade de coligações nas eleições proporcionais – para os parlamentos). Assim,
poderá alcançar o desejável fim que persegue representado na racionalização e efetiva democratização
dos processos eleitorais no Brasil.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
II. COMBATE À CORRUPÇÃO
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
O combate efetivo à corrupção
exige propostas específicas1
o dia 4 de dezembro de 2011, concluí a elaboração do texto intitulado
N
COMBATENDO A CORRUPÇÃO. Esse escrito, motivado por uma
“corrente” de mensagens eletrônicas contra a corrupção veiculando uma
“Lei de Reforma do Congresso”, pode ser acessado no seguinte endereço
eletrônico: <http://www.aldemario.adv.br/combatendo.pdf>.
Reescrevo, agora, o texto referido com ajustes e acréscimos
decorrentes do singularíssimo momento vivido pela sociedade brasileira,
literalmente sacudida pelo terremoto político representado pelas dezenas
de manifestações populares do mês de junho do corrente (e prometem
continuar ...)(2).
Parece que a busca pela justiça social foi (e é) o denominador comum
das manifestações já realizadas e em curso. A defesa desse estádio superior
de desenvolvimento econômico-social pode ser lida nos milhares de
cartazes que pugnavam (e pugnam) por transporte público de qualidade,
atendimento de saúde adequado, educação no “padrão FIFA”, e os demais
direitos sociais inscritos no artigo sexto da Constituição. A sociedade livre,
justa e solidária, preconizada no artigo terceiro da Carta Magna, pressupõe
a fruição ampla e geral desses direitos.
Cumpre observar que um dos pleitos mais recorrentes nas manifestações
populares foi (e é) o combate à corrupção. Identificam os manifestantes,
com acerto, a existência de níveis alarmantes das mais diversas formas de
malversação da “coisa pública” por certos agentes políticos, determinados
servidores públicos e específicos integrantes do empresariado.
Percebe-se, também, que o clamor pela extinção desse deletério e
repulsivo fenômeno permanece num indesejável plano de generalidade.
Não se identifica um conjunto consistente de propostas específicas contra a
corrupção, notadamente proposições que ataquem as causas do problema.
As reduzidas propostas concretas nessa seara estão voltadas,
infelizmente, para o tratamento das consequências das várias práticas
de corrupção. É possível exemplificar com a caracterização da corrupção
como crime hediondo e mesmo a rejeição da PEC n. 37, que trata da
investigação das infrações penais já efetivadas. A proposta, sustentada pela
1 Texto concluído no dia 13 de agosto de 2013.
2 O Editorial do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, de julho de 2013, subscrito por Silvio Caccia Bava,
registra: “As históricas mobilizações do mês de junho mudaram o cenário da política brasileira. Elas
introduziram na cena pública, depois de décadas de ausência, o cidadão indignado. Até agora mais de
2 milhões de pessoas foram às ruas em 438 municípios protestar contra a condição insuportável da vida
nas cidades”.
VAINER, Carlos. MEGA-EVENTOS, MEGA-NEGÓCIOS, MEGA-PROTESTOS. Uma Contribuição ao
Debate sobre as Grandes Manifestações e as Perspectivas Políticas. Disponível em: <http://laurocampos.
org.br/2013/06/mega-eventos-mega-negocios-mega-protestos>. Acesso em: 8 jul. 2013.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
OAB e dezenas de entidades da sociedade civil, de financiamento público
do processo eleitoral é uma importantíssima exceção (como medida para
combater as raízes da corrupção).
Diante desse quadro, sugeri ao Conselho Federal da OAB a articulação
de um amplo movimento da sociedade civil, a exemplo daqueles realizados
em torno da proposta da “ficha limpa” (3) e das “eleições limpas” (4),
objetivando a construção e apresentação de um conjunto consistente de
proposições contra os preocupantes e nefastos atos de corrupção.
Registro que o vocábulo “corrupção” é tomado neste escrito em sentido
amplíssimo, tal como referido coloquialmente nos mais variados espaços
sociais. Envolve todo tipo de malversação do dinheiro público, dilapidação
do patrimônio público, atos de improbidade administrativa e outras figuras
com nomenclaturas jurídicas diversas e tratamentos legais específicos (5).
Esse (a corrupção ampla e generalizada) é um dos principais problemas
na atual quadra histórica da nação brasileira. Nesse sentido, apontam
passeatas, correntes na internet, blogs, sites e uma intensa movimentação
nas redes sociais mais concorridas. Segundo dados da Revista Veja, a
corrupção abocanha cerca de R$ 82 bilhões por ano, algo em torno de
2,3% do PIB (6).
Abro um parêntesis para registrar a opinião pessoal de que temos
problemas aparentemente mais graves. Cito, entre eles, o estratosférico
pagamento anual de juros e encargos da dívida pública, assunto
praticamente esquecido na (grande) imprensa e nos debates políticos e
sociais. Dados oficiais apontam para despesas, nesse item, na casa dos R$
124 bilhões anuais, representando cerca de 3,9% do PIB (7). Uma visão
3 "A Lei Ficha Limpa foi aprovada graças à mobilização de milhões de brasileiros e se tornou um marco
fundamental para a democracia e a luta contra a corrupção e a impunidade no país. Trata-se de uma
conquista de todos os brasileiros e brasileiras. Para garantir que essa vontade popular se reflita nestas e
nas próximas eleições, a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (ABRACCI), mantém
o sítio Ficha Limpa – um instrumento de controle social da Lei Ficha Limpa e uma ação de valorização do
seu voto!" (http://www.fichalimpa.org.br).
4 Veja a nota 21.
5 Confira os sentidos mais estritos. Corrupção passiva. Art. 317 do Código Penal - “Solicitar ou receber,
para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Corrupção ativa. Art. 333 do Código
Penal - “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir
ou retardar ato de ofício”.
6 Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/materia-de-capa-o-custo-da-corrupcao-nobrasil-r-82-bilhoes-por-ano>. Acesso em: 23 nov. 2011.
7 Dados para o ano de 2009 colhidos no site do Ministério do Planejamento (http://www.planejamento.gov.br).
O Jurômetro Fiesp-Ciesp (http://www.jurometro.com.br), um placar com acompanhamento em tempo real
dos valores gastos com juros (nominais) pelo Governo, indica o desembolso de mais de R$ 217 bilhões no
ano de 2011 (até o final de novembro). Registre-se, ainda, que o Estado brasileiro paga os juros reais mais
altos do mundo. Conforme notícia da imprensa (O Globo): “Mesmo com a queda de 0,5 ponto percentual
na taxa de juros Selic, anunciada nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) - de 11,5%
para 11% ao ano - o Brasil ainda está na incômoda posição de país que paga os juros reais mais altos do
mundo. Um ranking elaborado pela Cruzeiro do Sul Corretora mostra que o país paga juro real de 5,1%,
a maior taxa entre 40 países pesquisados. (...) A Hungria, segunda colocada, paga a metade do juro
brasileiro. (...) Em terceiro lugar no levantamento feito pela corretora ficaram a Indonésia e o Chile, com
juro real de 1,5%”. (Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-queda-da-selic-brasilpaga-juro-real-mais-alto-do-mundo-3357495. Acesso em: 2 dez. 2011).
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
alternativa, e mais preocupante, aos números oficiais pode ser verificada no
site da Auditoria Cidadã da Dívida (8). De todos, creio que o mais relevante
dos problemas do Brasil consiste na apropriação profundamente desigual
da riqueza produzida, viabilizada por um conjunto de mecanismos políticos,
sociais e econômicos cuidadosamente construídos e mantidos pelas elites
dirigentes (9) (10).
Cumpre observar que as mobilizações físicas (como as passeatas) e
as mobilizações eletrônicas (nas redes sociais presentes na internet) são
providências necessárias, mas insuficientes, no longo e penoso processo de
combate à corrupção. São necessárias porque mantêm o assunto na “ordem
do dia” e definem o campo social (quero crer amplamente majoritário)
contra a corrupção. São insuficientes porque não atacam as condições
objetivas viabilizadoras dos atos concretos de corrupção que chegam, e
que não chegam, ao noticiário da (grande) imprensa.
Ademais, não é possível alimentar a ilusão de que o combate à
corrupção se constitui numa cruzada ética contra os degenerados morais.
Em vários casos é possível até cogitar de influências genéticas. Tratase, é preciso afirmar e reafirmar, de desenvolver uma ação planejada,
organizada, enérgica e permanente dos cidadãos e das organizações
sociais comprometidas com práticas sociais sadias e de respeito à coisa
pública. Somente essa ação firme dos não-corruptos poderá reduzir e
(praticamente) eliminar, numa perspectiva de longo prazo, o campo de
atuação dos corruptos.
Não se pode perder de vista, também, que o combate à corrupção
8 Endereço eletrônico: http://www.divida-auditoriacidada.org.br.
9 Dados do Censo 2010 (http://www.ibge.gov.br) indicam que os 10% mais pobres ganhavam apenas 1,1%
do total de rendimentos. Já os 10% mais ricos ficaram com 44,5% do total. O rendimento médio no grupo
do 1% mais rico: R$ 16.560,92. A renda média mensal per capita foi calculada em R$ 668. Entretanto,
metade da população recebia até R$ 375 por mês, valor inferior ao salário mínimo oficial em 2010 (R$ 510).
Observa-se um emblemático exemplo das profundas desigualdades sociais no Brasil a partir de vários
dados de uma entrevista publicada na Revista Piauí n. 62, de novembro de 2011, com um conhecido
advogado brasiliense, identificado na aludida publicação como “o protetor dos poderosos”. Lê-se no
texto: a) “um amigo arrisca que seu patrimônio ultrapasse 100 milhões de reais”; b) “ficam no subsolo [da
residência do advogado] uma adega de dois andares, com 4 mil garrafas de vinho, ...”; c) “A Polícia Federal
fez uma batida no escritório do banqueiro e descobriu uma nota fiscal de 8 milhões de reais, relativos aos
honorários do advogado. (…) 'Aliás, acho bom que isso tenha vazado porque ficam sabendo o meu preço
e não tentam pechinchar” e d) “Uma vez, jantamos em três e a conta foi de 120 mil reais, acredita?”. A
matéria ainda registra frase atribuída ao advogado e que teria sido proferida em público: “Deus me deu a
sorte de só ter cliente inocente”.
10 Eis as principais características do modelo implementado (algumas delas profundamente articuladas):
câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros
altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de
minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional;
sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada
distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma
profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento
e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo
pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como
o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e
um certo incentivo à violência física e simbólica.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
envolve um sério (seriíssimo, melhor dizendo) enfrentamento à tolerância
histórica com essa prática e outros procedimentos similares. Está enraizada
na formação da sociedade brasileira e na própria construção do Estado a
ideia de que o “esperto”, aquele que leva todo tipo de vantagem (lícita e
ilícita, em espaços públicos e privados), é merecedor de todos os elogios
e é sinônimo de sucesso (11). Vigora, de forma ampla, a hipocrisia de
que “os outros” são corruptos, “os meus” são “espertos”, “competentes”,
“desenrolados”, “jeitosos”, “maleáveis”, “flexíveis”, “compreensivos”,
“habilidosos” ou coisa que o valha. Até o conhecido “jeitinho brasileiro”
em inúmeros casos e situações descamba para justificar as mazelas mais
condenáveis no cotidiano da sociedade (12). Exemplifico, nessa linha,
um conjunto de condutas, “socialmente aceitas”, que merecem profunda
reflexão justamente em função dessa “aceitação”: “colar” em provas;
copiar obras alheias sem declinar a autoria, “encomendar” a elaboração
de trabalhos acadêmicos, responder chamadas escolares por colegas (13),
11 Outro exemplo emblemático: a “Lei de Gerson”. “Na cultura brasileira, a Lei de Gérson é um princípio
em que determinada pessoa age de forma a obter vantagem em tudo que faz, no sentido negativo de se
aproveitar de todas as situações em benefício próprio, sem se importar com questões éticas ou morais. A
"Lei de Gérson" acabou sendo usada para exprimir traços bastante característicos e pouco lisonjeiros do
caráter midiático nacional, associados à disseminação da corrupção e ao desrespeito a regras de convívio
para a obtenção de vantagens pessoais.
A expressão originou-se em uma propaganda de 1976 criada pela Caio Domingues & Associados, que
havia sido contratada pela fabricante de cigarros J. Reynolds, proprietária da marca de cigarros Vila Rica,
para a divulgação do produto. O vídeo apresentava o meia armador Gérson da Seleção Brasileira de
Futebol como protagonista.[1][2]
O vídeo inicia-se associando a imagem de Gerson como "Cérebro do time campeão do mundo da Copa do
mundo de 70" sendo narrado pelo entrevistador de terno e microfone em mão, que se passa em um sofá
de uma sala de visitas, este entrevistador pergunta o porque de Vila Rica, que durante a resposta recebe
um cigarro de Gerson e acende enquanto ouve a resposta, que é finalizada com a frase: "Por que pagar
mais caro se o Vila me dá tudo aquilo de um bom cigarro, gosto de levar vantagem em tudo, certo? leve
vantagem você também, leve Vila Rica!".
Mais tarde, o jogador anunciou o arrependimento de ter associado sua imagem ao anúncio, visto que qualquer
comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu nome nas expressões Síndrome de Gérson ou Lei de
Gérson. O diretor do comercial, José Monserrat Filho, tentando se eximir de responsabilidade passa a dizer
que o público que fez interpretação errônea do seu video declarando que: "Houve um erro de interpretação, o
pessoal começou a entender como ser malandro. No segundo anúncio dizíamos: “levar vantagem não é passar
ninguém para trás, é chegar na frente”, mas essa frase não ficou, a sabedoria popular usa o que lhe interessa".
Nos anos 80 começaram a surgir sujeiras, escândalos e a população começou a utilizar o termo "Lei de Gérson".
[3]” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Gérson>. Acesso em: 26 nov. 2011.
12 Mais um exemplo emblemático. O professor Audemaro Araujo Silva, quando trabalhou na Prefeitura Municipal
de Maceió, participou de grupo de trabalho voltado para identificar irregularidades na folha de pagamento da
municipalidade. Uma pérola foi constatada, segundo seu relato. Em certo órgão público municipal, vários
funcionários recebiam 1/3 de férias por meses a fio. Ademais, o cálculo do terço de uma remuneração de
oitocentos reais passava de quatrocentos reais. Houve uma considerável reação contra o fim da “vantagem”.
Afirmava-se, nos corredores do órgão público envolvido, com ênfase e convicção: "Se o presidente, governador,
prefeito, roubam (e muito!), então roubemos todos. Para quem vai ficar a nossa parte?".
13 Os exemplos escolares ou acadêmicos são propositais. Afinal, esses espaços de convivência
são justamente onde se formam ou moldam, em grande medida, consciências e pautas de valores
importantíssimas para o resto da vida. Veja a constatação de Yvonee Maggie: "Ao longo da pesquisa
descobrimos que, na hierarquia produzida na escola, os nerds ou bons alunos são os mal vistos, ao
contrário dos malandros que parecem gozar de privilégios entre os colegas. Por meio de um survey no
qual o estudante era perguntado se já havia sofrido algum, ou visto alguém sofrer, preconceito, foi possível
construir uma hierarquia de xingamentos. O bom aluno aparece em um dos primeiros lugares como objeto
de preconceito ou discriminação entre os alunos enquanto os malandros, admirados pelos colegas". Nerds
e marrentos, caxias e malandros. Disponível em <http://g1.globo.com/platb/yvonnemaggie/page/2/>. Acesso
em: 29 nov. 2011.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
subornar autoridades de trânsito, viajar em transportes urbanos sem pagar,
estacionar em fila dupla, dirigir sob a influência de bebidas alcoólicas,
fabricar atestados médicos, modificar dados em documentos, “capturar”
o sinal da tv a cabo, criar e alimentar várias modalidades de “gatos”, jogar
(ou mais propriamente, arremessar) toda espécie de lixo nas vias públicas
(14), etc, etc, etc.
Alinho algumas ideias e propostas, a serem implementadas pelos
não-corruptos, para subtrair o oxigênio da corrupção. Em outras palavras,
são algumas importantes providências com um considerável potencial de
evitar ou reduzir os atos concretos de corrupção. Segue, sem pretensão de
exaustão, um rol de medidas a serem consideradas:
a) criar grupos de acompanhamento da atuação de cada parlamentar,
notadamente seus votos, pronunciamentos, projetos aprovados e formas de
inserção e relacionamentos com sociedade civil (15). Esse monitoramento
deve utilizar meios eletrônicos para divulgação e, preferencialmente,
envolver pessoas integrantes e não-integrantes da base eleitoral do
político (16);
b) criar grupos de acompanhamento da atuação de entidades que
recebem recursos públicos, independentemente do formato jurídico adotado.
Esse monitoramento deve utilizar, assim como mencionado no item anterior,
meios eletrônicos para divulgação;
c) organização de comitês ou conselhos de controle social voltados
para acompanhar a realização das despesas de órgãos públicos específicos.
Esses grupos, compostos por pessoas com formações técnicas distintas,
podem funcionar com intenso uso de meios eletrônicos e lançar mão de
instrumentos e expedientes jurídicos já existentes, assim como o Portal da
Transparência do Governo Federal (17), os portais semelhantes em outros
níveis estatais, o pedido de informações e esclarecimentos (art. 5o., incisos
XXXIII e XXXIV, da Constituição) e a Lei de Acesso à Informação (Lei n.
12.527, de 2011);
d) desenvolver um controle social, nos moldes do item anterior, sobre
14 Observe-se nesse tipo de atitude um profundo desprezo pela coisa pública, pelo espaço público.
Laurentino Gomes, no seu festejado livro “1808”, registrou que no Rio de Janeiro do início do século XIX
o lixo era regularmente jogado às ruas pelas janelas e, com alguma frequência, um pedestre recebia o
“batismo” de dejetos humanos.
15 Um aspecto de fundamental importância: o parlamentar responde, mesmo que seja por sua assessoria,
as comunicações escritas e eletrônicas (com críticas, observações, propostas, denúncias, etc) a ele
dirigidas?
16 Confira o site “Adote um Distrital” (http://adoteumdistrital.com.br).
17 Mantido pela Controladoria-Geral da União no seguinte endereço eletrônico: http://www.
portaltransparencia.gov.br. Esse importante instrumento permite consultar até mesmo às ordens de
pagamento realizadas pela unidade fiscalizada. Exemplifico. Em http://www.portaltransparencia.gov.
br/despesasdiarias/pagamento?documento=110161000012011OB802873, é possível constatar que a
Advocacia-Geral da União pagou R$ 1.235.998,44 à empresa MULTI CONSTRUTORA E INCORPORADORA
LTDA, no dia 10 de outubro de 2011, referente à locação do prédio de uma das suas sedes. Aliás, sob
a ótica da eficiência dos gastos públicos, não seria mais adequado construir um edifício para abrigar o
referido órgão público?
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
a atuação dos órgãos de controle interno e externo. Nesse caso, uma
preocupação adicional seria verificar se existem condições mínimas em
termos de recursos humanos e materiais para o desempenho adequado
das atividades dessas unidades de fiscalização;
e) articular a aprovação de projetos de leis definidores de uma radical
profissionalização da Administração Pública com a redução extrema
dos espaços ocupados por agentes não-detentores de cargos efetivos.
É importante incorporar, nessas iniciativas, instrumentos voltados para:
e.1) reduzir influências corporativas indevidas; e.2) definição de critérios
objetivos para ocupação dos postos de direção por servidores de carreira;
e.3) limitação de tempo para o exercício dessas funções de direção por
ocupantes de cargos efetivos e e.4) definição de “quarentenas”, sem o
exercício de cargos comissionados, depois da ocupação desses espaços
por servidores concursados (18);
f) promover uma profunda reforma na Constituição eliminando as
escolhas com fortes conotações políticas (por intermédio de listas tríplices
e sêxtuplas) para composição dos Tribunais (do Poder Judiciário) e dos
Tribunais de Contas (19);
g) adoção de legislação específica e rígida para os chamados “anfíbios”
(aqueles que transitam entre os espaços profissionais públicos e privados,
em regra como veículos de informações privilegiadas e contatos das mais
variadas naturezas);
h) articular a aprovação de emenda constitucional definidora de
profundas restrições na discricionariedade da execução orçamentária por
parte do Poder Executivo (“orçamento impositivo”) (20). É público e notório
18 Percebe-se claramente na Administração Pública, em todos os níveis, a utilização de cargos
comissionados, ocupados tanto por estranhos ao serviço público como por servidores de carreira, como
instrumentos ou ferramentas de realização de inúmeros interesses privados e escusos. Cria-se, em larga
escala, uma “cadeia de comando” disposta, em troca da remuneração do cargo comissionado, a viabilizar
todo tipo de capricho ou interesse divorciado do interesse público.
“Prefeituras do País criam 64 mil cargos para nomeação política em quatro anos.
Prefeitos incharam a máquina com aumento de 14% das vagas sem concurso nas 5.566 cidades brasileiras;
uso dos postos como moeda de troca é recorrente.
Nos quatro anos de mandato entre 2008 e 2012, os 5.566 prefeitos do País criaram, em conjunto, 64 mil
cargos comissionados – aqueles para os quais não é necessário fazer concurso público, e que costumam
ser loteados por indicação política.
Com a massiva abertura de vagas, o total de funcionários públicos municipais em postos de livre nomeação
subiu de 444 mil para 508 mil. Juntos, eles lotariam os oito maiores estádios da Copa de 2014.
(...)
Uso político. Cargos de livre nomeação, em tese, servem para que administradores públicos possam se cercar
de pessoas com quem têm afinidades políticas e projetos em comum. Na prática, no entanto, é corrente o uso
dessas vagas como moeda de troca. Além de abrigar seus próprios eleitores ou correligionários, os chefes do
Executivo distribuem as vagas sem concurso para partidos aliados em troca de apoio no Legislativo ou em
campanhas eleitorais” Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prefeituras-do-pais-criam64-mil-cargos-para-nomeacao-politica-em-quatro-anos,1053212,0.htm>. Acesso em: 10 ago. 2013.
19 Observam-se, nessa seara, indevidas influências políticas (no pior sentido da palavra) e familiares,
trocas de favores, pressões não-republicanas e outras práticas nefastas e condenáveis.
20 Piscitelli, Roberto Bocaccio. ORÇAMENTO AUTORIZATIVO X ORÇAMENTO IMPOSITIVO. Disponível
em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1636/orcamento_autorizativo_piscitelli.
pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 jul. 2013.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
que a “liberação de emendas parlamentares” funciona como um escuso
balcão de negócios majoritariamente avesso aos interesses públicos;
i) articular a aprovação de uma profunda reforma político-eleitoral,
envolvendo: i.1) rígidos mecanismos de fidelidade partidária; i.2) modelos
eleitorais que facilitem e aprofundem os vínculos dos eleitos com os eleitores,
como a perda de mandato por desempenho insatisfatório ou desviado dos
compromissos assumidos; i.3) divulgação ampla, notadamente em meios
eletrônicos, de plataformas de atuação e gastos de campanha; i.4) apresentação
de candidaturas avulsas (sem vínculo com partidos políticos); i.5) modernização
e democratização das eleições para os parlamentos (com a superação do
atual sistema proporcional) e i.6) o financiamento público das campanhas
(21)(22)(23) ;
j) envolver os cursos de direito, por suas entidades de representação
estudantil e por suas direções institucionais, nos movimentos anteriores
(identificados como itens “a”, “b”, “c” e “d”). Conforme matéria do
prestigiado site CONJUR – Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br),
veiculada no dia 3 de junho de 2011, “o Brasil tem mais faculdades de
Direito do que todos os países no mundo juntos. São 1.240 cursos ...” e
“Atualmente, o curso de Direito é um dos que mais atrai alunos. Conforme
o Censo da Educação Superior de 2009, divulgado em janeiro último pelo
Ministério da Educação, está em segundo lugar, com 651 mil matrículas,
atrás apenas de Administração, com 1,1 milhão de matrículas, seguido
de Pedagogia (573 mil) e Engenharia (420 mil)”. Existe aí um enorme
potencial de aprimoramento da formação técnica e política dos estudantes
por intermédio de ações com profundas e positivas repercussões sociais;
k) fortalecer a Advocacia Pública (instituição e carreiras), notadamente
nas áreas de assessoria e consultoria jurídicas, como um importantíssimo
(o mais efetivo) instrumento de controle preventivo de desvios e ilícitos
das mais variadas naturezas no âmbito da Administração Pública (24).
Atualmente, nessa linha de ação, é preciso combater o PLP n. 205, de
2012, proposta de alteração da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União
(AGU), que pretende afirmar uma odiosa Advocacia de Governo no seio
da instituição com o enfraquecimento da atuação isenta dos advogados
públicos federais (25);
21 Veja a “Plataforma pela Reforma do Sistema Político” (http://www.reformapolitica.org.br).
22 Veja a campanha por eleições limpas (http://eleicoeslimpas.org.br).
23 “Quatro gigantes da construção civil que também administram rodovias foram as empresas que mais
doaram dinheiro nas seis últimas eleições realizadas no país, entre 2002 e 2012. São elas, em ordem
decrescente: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.
Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, as quatro empreiteiras doaram, nesse período, R$ 615,5
milhões, em valores já corrigidos pela inflação. Pela legislação eleitoral, empresas que exploram concessão
pública não podem contribuir com candidatos ou partidos políticos. Não há nenhum impedimento legal, no
entanto, para que elas financiem as eleições por meio de outros braços de seus grupos”. Revista Congresso
em Foco. Ano 2. Número 6. Junho/Julho de 2013. Pág. 34.
24 Pouquíssimas instituições podem realizar um controle prévio efetivo sobre as mais variadas atuações do
Poder Público. Nessa seara, assume especial destaque e relevo os órgãos consultivos da Advocacia Pública.
25 Ver as fortes e republicanas reações ao projeto em questão em: <http://www.aldemario.adv.br/sosagu.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
l) promover um amplo e profundo conjunto de iniciativas voltadas
para a formação e a afirmação social de uma pauta de valores e práticas
contrárias à corrupção e procedimentos correlatos. Tal movimento precisa
combater frontalmente a perversa e disseminada visão de que é positivo
levar vantagem em tudo, contra tudo e contra todos, de forma lícita ou
ilícita e em todos os espaços e manifestações da vida social;
m) articular a aprovação de diplomas legais específicos relacionados
com as denúncias anônimas. É fundamental que as denúncias anônimas
não sejam pura e simplesmente descartadas (arquivadas), em função do
anonimato da origem. Importa definir procedimentos para instauração,
de ofício, de investigações preliminares a partir de notícias minimamente
consistentes acerca da prática de ilícitos importantes. Observe-se que os
atos de corrupção e assemelhados normalmente integram um conjunto
encadeado de providências e passam por inúmeros agentes públicos que
não estão comprometidos com os desvios e estão dispostos, resguarda a
sua segurança, em sentido amplo, a apontar as ocorrências verificadas;
n) organizar a efetiva aplicação da Lei n. 12.846, de 2013, voltada
para a responsabilização objetiva, administrativa e civil, de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a administração pública (26);
o) definir um tratamento jurídico mais específico e adequado,
notadamente para impedir/combater fraudes e viabilizar responsabilidades
civis e penais, para as pessoas jurídicas integrantes de grupos econômicos
e para as pessoas físicas (ou naturais) que integram os quadros societários
dessas empresas;
p) definir um tratamento jurídico mais específico e adequado para a
formação de forças-tarefas de servidores e órgãos públicos voltados, por
intermédio de esforço conjunto e complementar, para o combate às várias
práticas de corrupção;
q) extinção das punições que funcionam como verdadeiros prêmios,
tais como as aposentadorias compulsórias;
r) reformar profundamente os sistemas recursais, nos processos civil,
penal e disciplinar, mantendo o devido processo legal mas racionalizando
os procedimentos, para abreviar a conclusão e a execução/efetividade das
decisões/punições;
s) reformar profundamente as definições constitucionais relacionadas
com a fixação de foros privilegiados, afastando o instituto nos casos de
prática de infrações penais comuns (não vinculadas ao exercício dos
mandatos ou cargos que exigem ampla independência funcional, como os
de magistrados);
htm#5a>.
26 Os arts. 16 e 17 da Lei n. 12.846, de 2013, tratam do “acordo de leniência”, celebrado “com as pessoas jurídicas
responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaboram efetivamente com as investigações e o
processo administrativo”. O art. 22 da lei cria o “Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP”
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
t) constituir um amplo comitê da sociedade civil organizada para
acompanhar e garantir em relação à internet: t.1) a neutralidade da rede
(ausência de privilégios de tráfego por critérios mercantis ou de outra
natureza); t.2) a ampla acessibilidade, notadamente para evitar a exclusão
digital; t.3) a ampla liberdade de comunicação e t.4) a ampla liberdade
de divulgação/veiculação de ideias, pensamentos e propostas nos mais
variados espaços eletrônicos possíveis;
u) constituir um amplo comitê da sociedade civil organizada para,
em relação à imprensa tradicional (televisão, rádio e jornal): u.1)
buscar a implementação de modelos de democratização (evitando a
concentração em grandes grupos) e u.2) implementar mecanismos de
crítica e controle social, sem censuras ou expedientes que atentem
contra liberdade de expressão jornalística, com especial atenção para
os enfoques das notícias de atos de corrupção tanto pela perspectiva
passiva quanto ativa; v) construir e influenciar candidaturas, notadamente para postos
legislativos, em bases completamente novas. Nesse sentido, podem ser
constituídos grupos de eleitores que indiquem ou recomendem o voto
em certos candidatos comprometidos formalmente com determinadas
plataformas de atuação e com um padrão de comportamento ético
claramente definido e publicizado;
w) alterar a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a partir
de uma ampla discussão multidisciplinar, com o objetivo de construir
mecanismos de prevenção e combate aos atos de corrupção nessa seara;
x) organizar e disseminar, em todos os setores da Administração
Pública, órgãos colegiados para democratização, especialização,
aprimoramento e prevenção de desvios em relação a prática de importantes
atos decisórios (27);
y) intensificar a utilização das sindicâncias patrimoniais (28),
notadamente para os agentes públicos em posições sensíveis no processo
de realização da despesa pública e na direção de órgãos e entidades da
Administração Pública;
z) organizar numa rede, dentro e fora da internet, os vários blogs,
sites, organizações, movimentos e iniciativas voltadas para o combate da
corrupção e procedimentos correlatos (29). Assim, as ações individuais
27 A gestão de importantes áreas e interesses públicos com base em órgãos colegiados dificulta os desvios de
várias ordens, potencializa a eficiência administrativa a partir de várias visões sobre os meus atos e problemas
e instala ambientes democráticos e participativos, onde impera o debate e a discussão de propostas e ideias.
28 Instituída pelo Decreto n. 5.483, de 2005, consiste atualmente em procedimento administrativo de
investigação diante de notícia fundada ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial
incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público. Pode e deve ter seu raio de ação
ampliado como importante ferramenta preventiva.
29 Eis algumas experiências importantes presentes na internet: Contas Abertas (http://contasabertas.
uol.com.br); Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br); Observatório da Corrupção (http://
observatorio.oab.org.br); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (http://www.mcce.org.br) e Instituto
de Cultura de Cidadania (http://www.avozdocidadao.com.br).
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
e pontuais podem ser visualizadas com mais facilidade, ampliadas e
potencializadas (30).
Concluo essas singelas linhas reafirmando a complexidade do processo
de combate à corrupção no Brasil. Trata-se de um esforço de longo prazo
que precisa mobilizar uma parcela considerável da sociedade brasileira
comprometida com ações moralmente aceitáveis. Os resultados dessa dura
empreitada dependem de ações planejadas, coordenadas, organizadas
e enérgicas voltadas para atacar as condições objetivas e subjetivas de
realização e reprodução dos atos concretos de corrupção e assemelhados.
30 Ver a Rede AMARRIBO Brasil de ONGs em http://www.amarribo.org.br.
"A Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade - ABRACCI - é uma rede de organizações
engajadas com a missão de “contribuir para a construção de uma cultura de não corrupção e impunidade
no Brasil por meio do estímulo e da articulação de ações de instituições e iniciativas com vistas a uma
sociedade justa, democrática e solidária.
A ABRACCI foi criada em janeiro de 2009 durante as atividades do Fórum Social Mundial com o apoio da
Transparência Internacional. Hoje são dezenas de entidades integradas na luta contra a corrupção e a
impunidade no Brasil, e na promoção de uma cultura de transparência e integridade" (http://www.abracci.
org.br).
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
III. REFORMA TRIBUTÁRIA
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Quanto custa o Brasil pra você?
(Parte I – Os números)1
indagação que dá título ao presente texto consiste na principal “chamada”
A
da campanha desenvolvida pelo SINPROFAZ (Sindicato Nacional dos
Procuradores da Fazenda Nacional) no âmbito da Semana Nacional da
Justiça Fiscal no corrente ano. A referida campanha, bem articulada pelo
Presidente da entidade sindical, o PFN Anderson Bitencourt, alcançou um
considerável destaque em vários setores da imprensa brasileira.
Merece ser ressaltada a existência de um site específico para a
campanha no seguinte endereço eletrônico: http://www.quantocustaobrasil.
com.br. Nesse espaço, o internauta pode conferir, entre outras informações,
a carga tributária aproximada embutida em inúmeras mercadorias e
produtos. Constatam-se, ali, os seguintes dados: a) transporte urbano:
22,98%; b) conta de água: 29,83%; c) conta de luz: 45,81%; d) conta
de telefone: 47,87%; e) carne bovina: 18,63%; f) frango: 17,91%; g)
peixe: 18,02%; h) arroz: 18%; i) feijão: 18%; j) açúcar: 40,40%; k) leite:
33,63%; l) café: 36,52%; m) frutas: 22,98%; n) papel higiênico: 40,50%;
o) livros: 13,18%; p) mensalidade escolar: 37,68% (com ISS de 5%); q)
água: 45,11%; r) refrigerante: 47%; s) computador: 38,00%; t) televisor:
44,94%; u) roupas: 34,67%; v) sapatos: 34,67%; w) gasolina: 57,03%;
x) cigarro: 81,68% e y) medicamentos: 36%.
A campanha, notadamente por intermédio do site indicado, chama
especial atenção para a importância dos Procuradores da Fazenda Nacional
no cenário da tributação brasileira. Fica bastante claro que os PFNs são
figuras indispensáveis para a realização da Justiça Fiscal. Afinal, somente
com a ação desses servidores públicos, ao recuperar os créditos não-pagos,
os devedores do Fisco são igualados aos contribuintes que honraram com
suas responsabilidades tributárias. Nessa medida, o SINPROFAZ afirma,
com a necessária energia, que as adequadas condições de trabalho dos
PFNs, assim como da Administração Tributária como um todo, são fatores
fundamentais para realização da Justiça Fiscal. Um dos motes da campanha
acertou em cheio: quando todo mundo paga, todo mundo paga menos !!!
Registro, nestas breves linhas, que existem outras formas de responder
a pergunta muito bem posta pelos PFNs, por intermédio de sua entidade
representativa de classe.
Uma das formas de responder a indagação do SINPROFAZ é buscar
a relação entre a arrecadação tributária bruta e o Produto Interno Bruto
(PIB). Assim, a chamada carga tributária bruta permite identificar, em
linhas gerais, quanto da riqueza produzida na sociedade brasileira financia
a existência do Estado (nos três níveis da Federação) e de suas múltiplas e
1 Texto concluído no dia 22 de março de 2011.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
variadas despesas públicas. Nessa perspectiva, segundo dados da Receita
Federal do Brasil para o ano de 2009 (http://www.receita.fazenda.gov.
br), a carga tributária bruta alcançou 33,58% do PIB. Portanto, é possível
afirmar que o Brasil (suas instituições políticas e seus gastos), numa ótica
tributária, custa cerca de 1/3 (um terço) da riqueza produzida anualmente
por sua sociedade.
Outra forma de responder ao questionamento do SINPROFAZ consiste
em encontrar o valor, em reais, que cada brasileiro, em média, transfere
para os cofres públicos pela via da tributação. Mais uma vez lançando
mão de dados da Receita Federal do Brasil para o ano de 2009 (http://
www.receita.fazenda.gov.br), verifica-se que foram arrecadados cerca de
R$ 1,055 trilhão de reais em tributos federais, estaduais e municipais.
Considerando que a população brasileira em 2009 envolvia quase 191
milhões de pessoas, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (http://www.ibge.gov.br), conclui-se que o Brasil, no mesmo viés
anterior, custou (ou custa) cerca de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos
reais) por ano ou R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais) por mês para
cada um dos seus habitantes.
Subsiste uma questão de extrema relevância nas conclusões
apresentadas nos parágrafos anteriores. As respostas apontadas são médias
e, como tal, escondem a profunda injustiça fiscal presente no sistema
tributário brasileiro atual. Com efeito, os vários agentes econômicos e
setores atuantes na economia brasileira experimentam efetivamente cargas
tributárias extremamente díspares. Observam-se, inclusive, a presença de
importantes benefícios (ou privilégios) tributários socialmente inaceitáveis.
Nessa linha de abordagem impõe-se tratar da Reforma Tributária, outra
das bandeiras da campanha realizada pelo SINPROFAZ. A temática será
discutida em outro texto (Parte II – Reforma Tributária), seqüência do atual.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Quanto custa o Brasil pra você?
(Parte II – Reforma Tributária)1
a primeira parte deste escrito foram apresentadas as seguintes
N
constatações: a) é possível afirmar que o Brasil (suas instituições
políticas e seus gastos), numa ótica tributária, custa cerca de 1/3 (um
terço) da riqueza produzida anualmente por sua sociedade e b) o Brasil,
no mesmo viés anterior, custou (ou custa) cerca de R$ 5.500,00 (cinco
mil e quinhentos reais) por ano ou R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta
reais) por mês para cada um dos seus habitantes.
Destacou-se, também, que as médias referidas escondem a profunda
injustiça fiscal presente no sistema tributário brasileiro atual. Com efeito,
os vários agentes e setores atuantes na economia brasileira experimentam
efetivamente cargas tributárias extremamente díspares. Observa-se,
inclusive, a presença de importantes benefícios (ou privilégios) tributários
socialmente inaceitáveis.
Impõe-se, nesta sede, apontar, ainda que sumariamente: a) os
principais traços caracterizadores da tributação no Brasil e b) as principais
diretrizes a serem observadas num processo de superação das mazelas
identificadas (movimento amplamente conhecido como Reforma Tributária).
São dois os principais defeitos da tributação no Brasil na atual quadra
histórica: a) complexidade excessiva do Sistema Tributário e b) injustiça
da estrutura tributária existente, notadamente em função de definições
presentes na legislação infraconstitucional.
A complexidade excessiva decorre dos seguintes fatores principais: a)
quantidade de diplomas jurídico-tributários em vigor (alguns milhões!!!);
b) freqüentes mudanças nessa extensa legislação, notadamente com
uma perversa alternância de critérios adotados; c) instituição irracional
de obrigações acessórias; d) proliferação de exigências tributárias com
regramentos diferenciados e e) opções normativas que brigam com a
realidade social e com a capacidade da Administração Tributária de lidar
razoavelmente com tais definições.
Importa destacar, e esse registro é crucial, que a crítica formulada
atinge a complexidade excessiva. Afinal, numa sociedade complexa, onde a
atividade econômica experimenta as mais variadas formas de manifestação
em acelerada mutação, não é viável um sistema tributário simples. Esse,
a rigor, no contexto apontado, seria simplista ou simplório (a corrupção ou
deturpação da simplicidade). Ademais, a simplificação exagerada, além do
ponto ou limite adequado, descamba para a injustiça do sistema que não
consegue flagrar as manifestações de riquezas a serem adequadamente
tributadas.
1 Texto concluído no dia 24 de março de 2011.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
O outro (e mais importante) defeito da tributação no Brasil, na atual
quadra histórica, consiste na profunda injustiça observada na estruturação
do sistema. Nessa perspectiva, afaste-se, de logo, porque não possui a
extrema relevância pretendida por muitos, a motivação básica das mais
recentes propostas de Reforma Tributária voltadas para redesenhar a
repartição das receitas tributárias entre os entes da Federação (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios). Por conta dessa visão particular e
equivocada, a Reforma Tributária tem sido sinônimo de reforma no texto
constitucional, justamente a sede normativa do desenho federativo das
imposições tributárias e suas destinações estatais. Afirme-se, e reafirme-se,
contra incompreensões e interesses inconfessáveis: o “teatro de operações”
de uma reforma tributária voltada para o combate à injustiça do sistema
reside, fundamentalmente, na legislação infraconstitucional.
Com efeito, a extensa e multifacetada legislação tributária
infraconstitucional em vigor no Brasil viabiliza ou promove: a) uma
fortíssima pressão sobre o consumo (e o trabalho, por extensão), aliviando
outras bases econômicas (como a propriedade e a renda) e b) inúmeros e
perversos benefícios (ou privilégios) fiscais socialmente inaceitáveis.
Segundo dados da Receita Federal do Brasil (http://www.receita.
fazenda.gov.br) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OCDE (http://www.ocde.org), a tributação da base de
incidência consumo no Brasil alcança a casa dos 50% da arrecadação
total contra: a) 16,2% nos EUA; b) 18,8% no Japão; c) 27,4% na
Alemanha; d) 32,6% no Reino Unido; e) 26,6% na França; f) 27,4% na
Itália e g) 29,4% na Espanha. Constata-se, ademais, que os segmentos
mais onerados pela tributação no Brasil são o consumidor e o trabalhador.
Em outras palavras, da sociedade como um todo, as classes médias e
populares e os trabalhadores arcam com a maior parte do ônus fiscal.
Ademais, a excessiva tributação sobre o consumo implica em significativa
oneração do produto, redução da demanda, restrição à produção, redução
da oferta de empregos e prejuízo ao crescimento econômico. Segundo
vários estudos, a tributação incidente sobre os salários (renda decorrente
do trabalho) também atinge patamares alarmantes. Incluindo consumo e
renda (impostos e contribuições previdenciárias), a pressão fiscal chega
a quase 49% da remuneração justamente daqueles localizados nas mais
baixas faixas de renda familiar, conforme dados do Sindicato Nacional dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil - SINDIFISCO NACIONAL
(http://www.unafisco.org.br).
Se não bastasse a tributação mais generosa da renda decorrente do
capital e do patrimônio, em relação ao consumo e a renda decorrente do
trabalho, identificam-se uma série de benefícios ou favores fiscais dirigidos
justamente para aqueles agentes ou segmentos econômicos com maior
capacidade de contribuir para o financiamento dos gastos públicos. Eis, sem
pretensão de esgotar o tema, alguns desses expedientes escusos: a) os juros
sobre o capital próprio. Por essa via, a remuneração do capital do proprietário,
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
nas suas várias formas jurídicas, tradicionalmente realizada como lucros e
dividendos, pode ser feita como juros, reduzindo o imposto de renda. Ademais,
o rendimento percebido a esse título pelo sócio ou acionista será tributado
exclusivamente na fonte com a alíquota de 15%, revelando-se, assim, um
tratamento profundamente injusto quando comparado aos rendimentos
provenientes do trabalho. Alerte-se que esse mecanismo fiscal, introduzido
pelo governo Fernando Henrique Cardoso, não possui similar em nenhum
outro país; b) a isenção da distribuição de lucros e dividendos e da remessa
de lucros para o exterior. Não há tributação dessas rendas na fonte ou na
declaração anual de ajuste. Em torno desse assunto existe uma flagrante
demonstração de tratamento tributário diferenciado para segmentos sociais
distintos. Com efeito, a distribuição de lucros e resultados da empresa para
os trabalhadores é considerada antecipação do imposto de renda devido na
declaração da pessoa física, portanto, sujeita à tabela progressiva do imposto
de renda; c) a tributação exclusiva na fonte sobre os ganhos e rendimentos
de capital. Nessa modalidade de operacionalização da tributação, o tributo é
retido, em caráter definitivo, pela fonte pagadora. Essa, por sua vez, entrega ao
beneficiário o valor já líquido do tributo. Nessa modalidade de tributação não
se aplica a tabela progressiva do imposto e não ocorre ajuste na declaração
anual do imposto. Assim, tão-somente em função do segmento econômicosocial beneficiado pelo rendimento foi construído um injusto mecanismo
de favorecimento fiscal e d) isenção do imposto de renda para investidores
estrangeiros no âmbito do mercado financeiro.
Com base nas considerações realizadas e outras que não foram
exploradas, podem ser apontadas as seguintes diretrizes para uma adequada
Reforma Tributária voltada para o combate à complexidade excessiva e à
injustiça do sistema:
a) superação da “lógica” de que a “sede” da Reforma Tributária é o
texto constitucional;
b) superação da pretensão básica, no bojo da Reforma Tributária, de
redesenhar a repartição de receitas tributárias entre os entes da Federação;
c) foco da Reforma Tributária na legislação tributária infraconstitucional
(as mudanças constitucionais necessárias são pontuais e de importância
secundária);
d) desenvolvimento de um processo razoável de simplificação da
tributação, até o ponto que não promova injustiça fiscal, com aplicação
intensa da praticidade ou praticabilidade, mecanismos de substituição
tributária e tributação monofásica em níveis adequados, entre outros
expedientes nessa linha;
e) criação de conselhos de política tributária com participação da
sociedade civil organizada para discutir e opinar, necessariamente, acerca
das principais decisões e definições da política tributária, notadamente
as iniciativas voltadas para a fixação e aumento da tributação da renda
decorrente do trabalho e do consumo;
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
f) definição de fórmulas permanentes para tratamento específico de
contribuintes em dificuldades financeiras e eliminação de parcelamentos
especiais periódicos;
g) profunda revisão da legislação tributária infraconstitucional para
eliminação de privilégios indevidos e equalização da carga tributária sobre
o consumo, a propriedade e a renda;
h) adequado aparelhamento da Administração Tributária em termos de
pessoal (inclusive com carreiras de apoio específicas) e recursos materiais
(incluindo modernos sistemas de informática);
i) acesso pelo Fisco aos dados de movimentações bancárias e
financeiras sem entraves irrazoáveis, como a necessidade de autorização
judicial prévia;
j) adequado tratamento normativo para combate às várias formas de
planejamento tributário (que afetam a concorrência econômica e forçam o
aumento da tributação sobre agentes econômicos mais vulneráveis);
k) desenvolvimento de programas permanentes de educação e
transparência fiscais;
l) implementação do papel do Senado Federal como instância
privilegiada de acompanhamento e aprimoramento do Sistema Tributário
Nacional (art. 52, inciso XV da Constituição);
m) tratamento e acompanhamento adequado, por intermédio de
programas especiais da Administração Tributária, dos grandes contribuintes
e dos grandes devedores;
n) implementação de unidades de inteligência fiscal nos vários níveis
da Administração Tributária;
o) adoção de um verdadeiro Código de Defesa do Contribuinte que
explicite e defina garantias para os contribuintes e trata com o devido rigor
os devedores e sonegadores ou as tentativas de burla dos deveres tributários;
p) implementação ampla e racional da técnica da não-cumulatividade
nas exações tributárias, notadamente àquelas vinculadas ao consumo de
bens e serviços.
Concluem-se essas rápidas considerações sobre tema tão amplo e
espinhoso acentuando que a questão tributária é uma das mais relevantes
no longo e difícil processo de realização dos objetivos fundamentais da
sociedade brasileira (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir
o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem
preconceitos – art. 3o. da Constituição). Com efeito, o sistema tributário
deve ser um dos instrumentos utilizados para a aproximação contínua
daqueles fins magnos, justamente retirando parte da riqueza daqueles que
podem mais e reduzindo o peso tributário dos que podem menos.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
IV. DIREITOS HUMANOS
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
“Rolezinhos”: quem não pode entrar
em um shopping center no Brasil?1
noticiário do final do ano de 2013 e início do ano de 2014 registrou,
O
e registra, com intensidade crescente, a realização de vários
“rolezinhos”, as decisões judiciais favoráveis e contrárias aos mesmos,
as opiniões jurídicas e não-jurídicas favoráveis e contrárias aos eventos
e toda sorte de aspectos relacionados, direta ou indiretamente, com o
complexo fenômeno.
“Rolezinho” é a denominação dada a um movimento, normalmente
iniciado nas redes sociais da internet, em que dezenas ou centenas de
jovens, em regra moradores das periferias das maiores cidades brasileiras,
marcam uma “visita” coletiva a um determinado shopping center. A princípio,
a “atividade” consiste num passeio pelo estabelecimento comercial como
forma de entretenimento.
O “rolezinho”, dada sua considerável complexidade, sob os ângulos
social, político e econômico, é algo de análise particularmente difícil. Essas
ocorrências condensam uma série de fatores importantíssimos na atual
quadra da sociedade brasileira. Entre outros, os seguintes aspectos são
considerados: a) a crescente facilidade de comunicação e interação pela
internet (e suas redes sociais); b) a profunda desigualdade econômicosocial que marca a sociedade brasileira; c) os “encantos”, normalmente
artificiais, da onipresente sociedade de consumo (que produz uma intensa
mercantilização dos espaços públicos); d) as novas classes médias
emergentes; e) os preconceitos de classe (das elites dirigentes e das classes
médias tradicionais já “incomodadas” com as “invasões” dos aeroportos
e das ruas (por um número cada vez maior de automóveis “populares”) e
f) as “preocupações” das classes médias tradicionais que podem “perder”
com a ascensão social de setores antes marginalizados.
Pretendo, neste singelo escrito, fazer um recorte da realidade
multifacetada subjacente aos “rolezinhos” e tentar, sob a ótica jurídica,
responder a uma pergunta (a pergunta crucial): quem não pode entrar em
um shopping center no Brasil?
Não custa lembrar que o sistema jurídico (a ordem jurídica ou
o ordenamento jurídico) busca regular condutas ou comportamentos
humanos, mesmo quando considerados numa perspectiva coletiva ou
social. Nesse sentido, o direito se apresenta como o mais importante
processo de adaptação social. Afinal, as sociedade humanas, simples
ou complexas, reclamam a existência de ferramentas ou instrumentos
voltados para garantir um mínimo de convívio ou coexistência entre seus
membros ou integrantes. A vida em sociedade não pode, e não deve,
1 Texto concluído no dia 31 de janeiro de 2014.
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ser uma espécie de guerra de todos contra todos. O convívio humano
não pode descambar num vale-tudo para a satisfação de necessidades
e interesses sem considerar e respeitar a profunda e essencial dignidade
presente em cada figura humana.
Nesse sentido, da regulação jurídica de condutas ou comportamentos,
consideram-se três possibilidades (ou modais deônticos). Define-se o que é
permitido, o que é proibido e o que é obrigatório. Nessa seara, as normas
jurídicas constitucionais e infraconstitucionais são os veículos de fixação das
condutas esperadas. Ocorre que normalmente será preciso um significativo
esforço de construção jurídica para obter a norma específica a ser aplicada
a cada situação concreta. Quanto mais multifacetadas as circunstâncias
fáticas mais difícil será a atividade jurídica de definir o que é permitido,
proibido ou obrigatório.
Assim, a primeira questão jurídica relevante consiste em precisar a
natureza do espaço conhecido como shopping center. Trata-se, na quase
totalidade dos casos, de um prédio ou edifício privado, aberto ao público,
onde são desenvolvidas atividades comerciais de venda de mercadorias e
serviços, tudo isso em um ambiente profundamente agradável aos olhos e
aos ouvidos despertando desejos e emoções.
A condição de prédio ou edifício privado, manifestação concreta
do direito de propriedade, não significa que seus donos podem (no
sentido de conduta juridicamente válida) criar todo e qualquer tipo de
restrição ou limitação à circulação de pessoas naquele espaço físico
(direito de ir, vir e ficar). Com efeito, a propriedade privada não pode
ser utilizada como instrumento de discriminação, segregação e mesmo
de exercício arbitrário de caprichos ou vontades. Essa afirmação decorre
diretamente do Estado Democrático de Direito inscrito na Constituição,
a ser construído por todos (autoridades públicas, cidadãos, proprietários
de bens, etc). Eis, sem esgotá-los, alguns expressos fundamentos
normativo-constitucionais para a afirmação: a) art. 1o, caput (Estado
Democrático de Direito); b) art. 1o, inciso III (dignidade da pessoa
humana); c) art. 3o, inciso I (construção de uma sociedade livre, justa e
solidária); d) art. 3o, inciso III (erradicação da marginalização e redução
das desigualdades sociais); e) art. 3o, inciso IV (ausência de preconceitos
e discriminações); f) art. 4o, inciso II (prevalência dos direitos humanos);
g) art. 5o, caput (igualdade); h) art. 5o, inciso XV (direito de locomoção);
i) art. 5o, inciso XXIII (função social da propriedade); j) art. 6o, caput
(direito social ao lazer) e k) art. 193 (bem-estar e justiça social como
objetivos da ordem social).
Luís Roberto Barroso, acatadíssimo Ministro do Supremo Tribunal
Federal, destaca, com inúmeros exemplos instigantes, o fecundo
desenvolvimento teórico do constitucionalismo atual no sentido da aplicação
dos direitos fundamentais às relações privadas. Eis algumas das situações
registradas pelo festado jurista em que o exercício do direito de propriedade
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ou da autonomia (liberal) de vontade colide com valores, princípios e normas
expressos e implícitos no texto da Constituição: a) escola que não admite
filhos de pais divorciados; b) demissão de empregada em caso de gravidez;
c) demissão de jornalista por ter emitido opinião diversa à do dono do jornal
e d) clube de futebol que impede o ingresso de jornalista em seu estádio
por conta de críticas veiculas pelo profissional (1). Anote-se que o Supremo
Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 158.215, reconheceu a necessidade de
aplicação do devido processo legal às associações privadas que pretendem
expulsar ou excluir seus membros em função da imputação da prática de
infração às normas internas (2).
Diante dessas considerações, sustenta-se que somente as restrições
ou limitações de acesso ao shopping center razoáveis e consonantes
com a ordem jurídica são aceitas juridicamente como válidas. É possível
identificar algumas hipóteses: a) não-pagamento de ingresso ou entrada
quando essa for devidamente instituída (abstraídas as “dificuldades”
comerciais); b) não-identificação pessoal quando essa for devidamente
instituída (abstraídas mais uma vez as “dificuldades” comerciais); c)
utilização de trajes inequivocamente inadequados (como roupas de
banho); d) porte de armas ou objetos inequivocamente inadequados
(bastões, latas de tinta, etc); e) quantidade excessiva de pessoas (por
questões de segurança física) e f) comportamento inequivocamente
agressivo para com pessoas e coisas.
Por outro lado, é claramente possível identificar hipóteses em que
a restrição ou limitação não é tolerada como juridicamente válida: a)
pela raça ou cor da pele; b) pela idade; c) pela condição física; d) pelas
preferências em termos de vestimentas (moda); e) pelo local de moradia; f)
pelas preferências sexuais e g) pela forma de chegada ao estabelecimento
(veículo particular ou transporte público).
Evidentemente, a conclusão de que não é possível obstar a entrada
de pessoas em um shopping center invocando as motivações antes
expostas não significa a admissão de comportamentos irregulares ou
criminosos, tais como: a) inequívoca afronta à tranquilidade; b) tumultos;
c) agressões físicas; d) destruição de patrimônio e e) furtos. Essas
condutas, inequivocamente ilícitas, podem e devem ser reprimidas, nos
níveis próprios e civilizados, pela segurança dos estabelecimentos e pelas
forças policiais. Nesse sentido, parece bastante equilibrada determinada
decisão judicial proferida em Manaus em relação aos “rolezinhos” (3).
Cumpre, ainda, obser var que movimentos análogos aos
“rolezinhos”, com feições nitidamente políticas, podem ser identificados.
Nesses casos, será preciso realizar um conjunto específico de raciocínios
jurídicos para adequada identificação do que é permitido, proibido e
obrigatório.
Os “rolezinhos” e movimentos assemelhados são excelentes
demonstrações da complexidade, pluralidade e mobilidade do tecido social
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brasileiro na atualidade. Essas características da sociedade são, obviamente,
transportadas para os domínios do direito e cruciais nas soluções jurídicas
a serem construídas.
NOTAS:
(1) Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2a Edição. Editora Saraiva. Págs. 371 e 372.
(2) “DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
- EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido
processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual
a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de
ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria,
distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto
constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum.
Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de
Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem
a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER
PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta
contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da
defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair
adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa” (RE 158215/
RS. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 30/04/1996. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA.
Publicação: DJ 07-06-1996 PP-19830. EMENT VOL-01831-02 PP-00307. RTJ VOL-00164-02 PP-00757)
(3) “A juíza de Direito Simone Laurent de Figueiredo, da Central de Plantão Cível de Manaus/AM, determinou
na última sexta-feira, 24, que os participantes do 'Movimento Rolezinho Manaus' evitassem tumultos,
correrias, algazarras, atos de vandalismo e uso de equipamentos de som em alto volume durante "rolezinho"
no Manauara Shopping, na capital manauense”.
Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI194309,51045-Rolezinho+em+shopping+de+M
anaus+e+permitido+com+restricoes. Acesso em: 28 jan. 2014).
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Gás de constituição1
á ministrei aulas de direito constitucional nos cursos de formação da
Je ouvido,
Academia da Polícia Militar do Distrito Federal. Pelo que tenho visto, lido
notadamente depois das ações policiais no dia 7 de setembro
de 2013, preciso retomar o esforço docente com novos métodos e novos
“alunos” (1)(2).
Creio que devo utilizar “Gás de Constituição” em relação ao Governador
do Distrito Federal (politicamente surdo, mudo e cego), ao Secretário de
Segurança Pública e ao Comandante da Polícia Militar do Distrito Federal.
Deixo propositadamente de lado os subordinados de todos os níveis por
motivos mais do que óbvios.
Spray 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania;
II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único.
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Spray 1.1. O povo, na rua ou em casa, é a fonte de todo poder político.
Aliás, também é o patrão de todas as autoridades e servidores públicos,
policiais ou não.
Spray 2. É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato.
Spray 2.1. O anonimato não é vedado de forma absoluta. Se fosse
assim, qual seria o destino das denúncias anônimas? Não pode ser
anônima a manifestação de pensamento, que enseja eventual resposta ou
responsabilidade pelo excesso.
Spray 3. Ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para
eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei.
Spray 3.1. A convicção política ou filosófica de alguém, por mais
estranha ou aberrante que seja, por mais que incomode, por mais que não se
concorde com ela, não é um ilícito, nem torna seu veiculador um meliante.
Spray 4. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Spray 4.1. Todo e qualquer ato público, ou de agente público,
notadamente em praça pública, pode ser registrado para posterior
divulgação (comunicação). Ressalvadas, apenas, as estreitas hipóteses
de sigilo.
1 Texto concluído no dia 10 de setembro de 2013.
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Spray 5. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Spray 5.1. Na liberdade profissional inclui-se, obviamente, em
qualquer democracia, a liberdade de ofício dos profissionais de imprensa.
Spray 6. É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado
o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
Spray 6.1. Todo cidadão tem o direito de ser informado acerca das
manifestações populares, suas reivindicações e como as forças policiais,
pagas por esse mesmo cidadão, agiram diante do exercício dos direitos
constitucionais de reunião e manifestação.
Spray 7. Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.
Spray 7.1. A reunião, o protesto, a manifestação e a passeata são
direitos constitucionais. Não pratica nenhum ilícito aquele que participa
de uma reunião, um protesto, uma manifestação ou uma passeata. Aliás,
as forças policiais devem garantir o exercício desse direito.
Spray 7.2. Uma manifestação pacífica não pode ser “dispensada” pelas
forças policiais. Trata-se, a tal dispersão, de violência policial visceralmente
atentatória aos direitos constitucionais. Quem dispersa uma manifestação
pacífica age como meliante.
Spray 7.3. Não existe, na via pública, salvo resguardo de direito
de terceiro (como o de ir e vir), limites ou pontos que não podem ser
ultrapassados. Dizendo de forma direta: é possível chegar na “porta” do
Congresso Nacional. Interditada, claro, está a entrada forçada no prédio.
Spray 7.4. A leitura do acórdão do Supremo Tribunal Federal na
ADIN 1969 é muitíssimo instrutiva (Eis a ementa: “AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 20.098/99, DO DISTRITO
FEDERAL. LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA.
LIMITAÇÕES. OFENSA AO ART. 5º, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. I. A
liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais
importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas
democracias políticas. II. A restrição ao direito de reunião estabelecida
pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda evidência, mostra-se inadequada,
desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade da
Constituição (Wille zur Verfassung). III. Ação direta julgada procedente
para declarar a inconstitucionalidade do Decreto distrital 20.098/99”) (3).
Spray 8. É assegurado aos presos o respeito à integridade física e
moral.
Spray 8.1. Assegura-se a todos, inclusive ao preso, o respeito à integridade
física e moral. As forças policiais não podem investir, com qualquer tipo de
arma ou artefato, contra alguém que não pratica nenhum ilícito.
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Spray 9. Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos
de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Spray 9.1. Assim, a ação policial é essencialmente reativa. As forças
policiais reagem diante da prática de um ilícito (dano ao patrimônio público
ou particular ou violência contra pessoa). Não há presunção de violência.
Existe, isto sim, presunção de inocência.
Spray 10. O preso tem direito à identificação dos responsáveis por
sua prisão ou por seu interrogatório policial.
Spray 10.1. Cada integrante das forças policiais precisa estar
claramente identificado e se identificar diante de qualquer solicitação
adequada, assim como deve fazê-lo qualquer cidadão.
Spray 11. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei
conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social,
observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda
e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Spray 11.1. A liberdade de imprensa compreende o ato de divulgar a
informação (pelas mais variadas formas) e obter ou capturar a informação.
Nenhum desses atos é ilícito e, portanto, não pode ser obstado por ação
policial.
Por fim, é importante registrar que o agente público não age porque
quer. O agente público age porque está investido de uma parcela do poder,
que é do povo, e a utiliza da forma e no momento previsto na Constituição
e na legislação para alcançar o interesse público ali apontado. Fugir desse
sagrado dever caracteriza um grave e perverso ilícito chamado “desvio de
finalidade” (4).
“Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais...
Eu quero aproximar
O meu cantar vagabundo
Daqueles que velam
Pela alegria do mundo
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Indo e mais fundo
Tins e bens e tais...
Será que nunca faremos
Senão confirmar
Na incompetência
Da América católica
Que sempre precisará
De ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que essa
Minha estúpida retórica
Terá que soar
Terá que se ouvir
Por mais zil anos...” (Caetano Veloso)
NOTAS:
(1) Relatório da OAB/DF aponta inúmeros casos de truculência e erros da PMDF. Disponível em: <http://
www.oabdf.org.br/slide/relatorio-da-oabdf-aponta-inumeros-casos-de-truculencia-e-erros-da-pmdf>. Acesso
em: 9 set. 2013.
Conduta de capitão do "Pode denunciar" não será investigada pela PM. Disponível em: <http://www.
correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/09/09/interna_cidadesdf,387143/conduta-de-capitaodo-pode-denunciar-nao-sera-investigada-pela-pm.shtml>. Acesso em: 9 set. 2013.
Após truculência em protesto, ato público vai pedir afastamento de capitão. Disponível em: <http://www.
correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/09/09/interna_cidadesdf,387045/apos-truculencia-emprotesto-ato-publico-vai-pedir-afastamento-de-capitao.shtml>. Acesso em: 9 set. 2013.
‘Porque eu quis’, diz PM questionado por jogar gás em jovens no DF; veja. Disponível em: <http://g1.globo.
com/distrito-federal/noticia/2013/09/porque-eu-quis-diz-pm-questionado-por-jogar-gas-em-jovens-no-df-veja.
html>. Acesso em: 9 set. 2013.
Governo do DF diz que houve 'no mínimo um excesso' na atuação de policial no Sete de Setembro.
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/governo-do-df-diz-que-houve-no-minimo-um-excesso-naatuacao-de-policial-no-sete-de-setembro-9887579>. Acesso em: 9. set. 2013.
(2) Relato de uma colega advogada pública federal que protestava contra a tramitação do PLP n. 205/2012
(proposta que reorganiza a AGU em bases não-republicanas): “A polícia desceu o cacete geral nas pessoas.
Dispersou geral!!!! Com uma violência desnecessária!! Eu e (...) estávamos no fim da tarde, umas 17h depois
da Biblioteca Nacional (mais próximos da Rodoviária) e o helicóptero da polícia pousou em cima da terra
vermelha do gramado central em frente à Catedral e soltou VÁRIAS BOMBAS DE GÁS LACRIMOGÊNIO.
Nós, que estávamos longe, saímos correndo, mas não conseguimos evitar de respirar aquela m..... olhos
lacrimejando, engolimos aquela fumaça, meu ouvido está meio que entupido até agora. Só quero dizer que
estou CHOCADA!! CHOCADA COM TANTA VIOLÊNCIA GRATUITA DA POLÍCIA!!! NÃO TEVE A MENOR
EXPLICAÇÃO!! PQ ESTAVAM TRATANDO AS PESSOAS DAQUELE JEITO??? Vcs não imaginam como
estava O CLIMA ALI à tarde!!!! Estou horrorizada e gostaria de dividir com vcs a minha impressão de que
ESTAMOS, DE FATO, VIVENDO UMA DITADURA DISFARÇADA... se não é ditadura, está se aproximando
a cada dia. O que rolou hoje foi um comportamento deliberado de que IRIAM SIM IMPEDIR A POPULAÇÃO
DE SE MANIFESTAR!! FOI A TÁTICA DO AMEDRONTAMENTO. DEU CERTO... infelizmente, tinham muito
mais policiais, carros de polícia, cavalo, moto e sei lá mais o quê do que pessoas”.
(3) Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=484308>.
(4) Art. 37, caput, da Constituição (princípio da impessoalidade na vertente da finalidade pública).
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
PEC da (busca da) felicidade1
o dia 6 de maio do corrente, em palestra para os integrantes do curso
N
de Direito da Universidade Católica de Brasília, o Senador Cristovam
Buarque defendeu uma de suas propostas legislativas conhecida como
“PEC da Felicidade”.
A proposição em questão pretende que o art. 6o da Constituição
assuma o seguinte formato: “São direitos sociais, essenciais à busca da
felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Segundo o autor da proposta de mudança, a nova redação humaniza
a Constituição e concorre para uma profunda revisão de paradigmas
civilizatórios. O parlamentar, em escrito sobre a proposta, destaca que:
“... a PEC coloca o Brasil em sintonia com visões que estão surgindo
no mundo, contra a idéia de que o consumo substitui a felicidade. Por
exemplo, no Butão, um país da Ásia, há a substituição do PIB pelo FIB
– Felicidade Interna Bruta, que orienta o governo, até mesmo a negar
certos investimentos. (…) Pela PEC, o bem-estar seria considerado mais
pela eficiência do transporte público do que pelo número de automóveis
engarrafados que serve como entulho à felicidade de quem quer chegar
cedo ao trabalho ou em casa, ou na casa da namorada ou do pai e da mãe”.
O projeto rivaliza, digo eu, com a idéia corrente de que a felicidade
pode ser comprada, que consiste basicamente numa atitude voltada
para o consumo, para a futilidade das aparências e do sucesso como
reconhecimento social de ter se galgado posições de poder público e privado
por intermédio do conhecido e dominante jogo de pragmatismos, favores,
conveniências e vassalagens dos tempos modernos.
Não se trata, e o Senador enfatiza, de uma (futura) norma jurídica
que gera um direito subjetivo à felicidade, oponível contra o Estado, a
sociedade, o empregador, o pai, a mãe, o cônjuge, o namorado, a namorado,
o amigo, a amiga, o professor, em suma, o outro, que de qualquer forma
ou em algum momento seja um “obstáculo” a felicidade de alguém (na
ótica desse alguém) !!!
A proposição do ilustre parlamentar é acertada, positiva e construtiva.
Com efeito, cada pessoa humana busca, em seus atos, direta ou
indiretamente, consciente ou inconscientemente, a felicidade. Ela (a
felicidade) pode ser entendida, embora assuma contornos subjetivos,
como um estado de satisfação ou bem-estar físico, psicológico, material e
social. Nesse sentido, a Constituição aponta como objetivo fundamental
do Estado brasileiro “promover o bem de todos” (art. 3o., inciso IV). A
leitura da palavra “bem” pode e deve assumir a conotação de “felicidade”.
1 Texto concluído em 5 de junho de 2011.
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Inúmeros setores da imprensa nacional, e até internacional, tratam a
proposta com um indevido e preocupante ar de deboche. Posta de lado a
incompreensão decorrente da superficialidade da análise, fica clara a força
política, econômica, social e ideológica daqueles valores consumistas e
correlatos antes destacados, ameaçados por uma abordagem fundada em
valores “alternativos”, menos mesquinhos, menos mercantilistas.
Não custa frisar que no berço do constitucionalismo moderno admitiuse expressamente a busca de felicidade como (talvez) o mais importante
fator de motivação das ações e esforços humanos ao longo da vida. Consta
na primeira declaração norte-americana de direitos humanos, editada em
1776: “Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm
direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum
contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar
a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de
procurar obter a felicidade e a segurança”.
Recentemente, mais precisamente no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 4.277, onde se concluiu pela caracterização de
entidade familiar da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo
Tribunal Federal, na voz de inúmeros dos seus membros, destacou a busca
da felicidade como importantíssima (ou essencialíssima) dimensão humana
devidamente juridicizada, ao menos implicitamente na Constituição de
1988.
O Ministro Luiz Fux asseverou: “De volta ao caso em apreço, o silêncio
legislativo sobre as uniões afetivas nada mais é do que um juízo moral
sobre a realização individual pela expressão de sua orientação sexual. É
a falsa insensibilidade aos projetos pessoais de felicidade dos parceiros
homoafetivos que decidem unir suas vidas e perspectivas de futuro, que,
na verdade, esconde uma reprovação”.
O Ministro Ayres Britto registrou: “Ambiente primaz, acresça-se, de
uma convivência empiricamente instaurada por iniciativa de pessoas que
se vêem tomadas da mais qualificada das empatias, porque envolta numa
atmosfera de afetividade, aconchego habitacional, concreta admiração
ético-espiritual e propósito de felicidade tão emparceiradamente
experimentada quanto distendida no tempo e à vista de todos”.
Já o Ministro Marco Aurélio afirmou: “Vale dizer: ao Estado é vedado
obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso
de violação ao direito de outrem, o que não ocorre na espécie”.
Eis as considerações do Ministro Ricardo Lewandowski: “Com efeito,
a ninguém é dado ignorar – ouso dizer - que estão surgindo, entre nós e
em diversos países do mundo, ao lado da tradicional família patriarcal,
de base patrimonial e constituída, predominantemente, para os fins de
procriação, outras formas de convivência familiar, fundadas no afeto, e
nas quais se valoriza, de forma particular, a busca da felicidade, o bem
estar, o respeito e o desenvolvimento pessoal de seus integrantes”.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
O Ministro Celso de Mello fez mais de uma dezena de menções à
busca da felicidade. Entre elas, merecem destaque: “É por tal razão que o
magistério da doutrina - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva
e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa
humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo,
da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) (…) dos
princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da
segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o
direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão
que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição
da República (...) Reconheço que o direito à busca da felicidade – que
se mostra gravemente comprometido, quando o Congresso Nacional,
influenciado por correntes majoritárias, omite-se na formulação de
medidas destinadas a assegurar, a grupos minoritários, a fruição de direitos
fundamentais – representa derivação do princípio da dignidade da pessoa
humana, qualificando-se como um dos mais significativos postulados
constitucionais implícitos cujas raízes mergulham, historicamente, na
própria Declaração de Independência dos Estados Unidos da América,
de 04 de julho de 1776”.
Portanto, o que pretende o Senador Cristovam Buarque, destacado
pensador da realidade brasileira, com uma extensa folha de idéias e
ações voltadas para o avanço da sociedade contra a discriminação e a
desigualdade, é tão-somente explicitar no texto constitucional aquilo que já
o integra implicitamente. Não será a “salvação da lavoura” e nem mudará
radical e imediatamente a vida dos brasileiros. Concorrerá, no entanto,
se aprovada a proposição, para a construção, o processo (demorado e
penoso), de melhoria das condições de vida dos brasileiros, na medida
em que obrigará a reflexão sob a perspectiva da felicidade nas ações do
Poder Público e dos vários atores sociais, assim como reforçará o arsenal
de instrumentos jurídicos mobilizados contra significativas e profundas
mazelas sociais.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
V. ADVOCACIA PÚBLICA
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Advocacia de Estado versus
Advocacia de Governo1
longo e penoso processo de construção de uma Advocacia Pública
O
Federal em novas bases, com valores e paradigmas alinhados à
modernidade e procedimentos adequados aos novos tempos, experimenta
momentos de avanços e de recuos. A exata e mais radical (no sentido de
profunda) compreensão e efetivação da condição de instituição de Estado
da Advocacia-Geral da União não é um movimento dos mais fáceis.
Nessa dura caminhada, um dos aspectos de maior relevo envolve a
identidade do advogado público federal. Aqui, o termo “identidade” aparece
como delimitação e consciência do papel desempenhado, notadamente
nas relações com os gestores ou governantes (a face visível do “cliente”).
Identificar, com precisão, o “cliente” é o primeiro passo na construção
da identidade do advogado público e, de certo modo, condiciona as
definições seguintes mais importantes. São duas as possibilidade básicas:
a) o “cliente” é o Governo ou b) o “cliente” é o Estado. Ademais, como fator
adicional de dificuldade, ouvem-se vozes no sentido de que não existe uma
diferença efetiva entre os dois conceitos.
O festejado jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto formulou com
precisão e maestria, em estrita consonância com o Texto Maior, a concepção
das Procuraturas Constitucionais (Advocacia Pública em sentido amplo).
Identificou:
a) a advocacia da sociedade, viabilizada pelo Ministério Público,
relacionada com a defesa de interesses sociais com várias dimensões
subjetivas, da ordem jurídica e do regime democrático;
b) a advocacia dos necessitados, operacionalizada pela Defensoria
Pública, voltada para a defesa dos interesses daqueles caracterizados pela
insuficiência de recursos;
c) a advocacia do Estado (ou Advocacia Pública em sentido estrito),
instrumentalizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vocacionada para a defesa
dos interesses públicos primários e secundários (com a clara prevalência
dos primeiros em relação aos últimos, em caso de conflito, em homenagem
à construção responsável do Estado Democrático de Direito).
Importa, pois, delinear a essência da advocacia de Estado e apartá-la,
se for possível, e é possível, da advocacia de Governo (ou dos governantes).
Perceba-se que o advogado público pauta sua atividade, quer
contenciosa, quer consultiva, na legalidade em sentido amplo (ou
juridicidade). Na atuação contenciosa são defendidas políticas públicas e
1 Texto concluído no dia 3 de abril de 2010.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
atos administrativos sob os argumentos de serem fundados em leis e estarem
em consonância com a Constituição. É certo, registre-se, a persistência de
uma séria dificuldade, a ser operacionalmente superada, quanto à defesa,
ou não, dos atos administrativos reputados ilegais ou inconstitucionais,
considerados e devidamente tratados os espaços de razoabilidade e as
convicções pessoais acerca das matérias jurídicas envolvidas. Na atuação
consultiva são reconhecidas, ou não, a constitucionalidade e a legalidade
de políticas públicas e atos administrativos. Ainda nessa seara podem e
devem ser apontados os caminhos ou soluções que afastem os ilícitos de
todas as ordens para a consecução da decisão política adotada. Esses são
os traços mais salientes de uma advocacia de Estado.
Alguns aspectos da atuação dos advogados públicos somente
alcançarão um patamar qualitativamente adequado e um padrão de
harmonia com a construção de um Estado Democrático de Direito num
ambiente de exercício, de prática efetiva, de uma advocacia de Estado.
O exercício da independência técnica (relativa) dos advogados públicos
e o viés construtivo das manifestações consultivas e contenciosas reclamam
um certo distanciamento dos “interesses imediatos” (e dos “humores
imediatos”) dos gestores e administradores. Não é concebível, salvo dentro
da triste lógica da advocacia de Governo, uma relação hierárquica, de
subordinação, do advogado público em relação à “cadeia de comando”
funcional de determinado órgão, ministério ou entidade.
A não-obrigatoriedade de recorrer de todas as decisões judiciais
contrárias ao Poder Público também reclama um “olhar” distanciado dos
“humores” imediatistas dos gestores. O cálculo de viabilidade de reversão
de tendências jurisprudenciais ou de esgotamento da argumentação razoável
em torno de determinadas matérias deve ser efetivado substancialmente
pelos advogados públicos com estreita convivência com a problemática. Não
deixa de ser salutar a criação de um espaço institucional para desenvolver
o “diálogo final” entre gestores e advogados públicos em torno do racional
encerramento da litigiosidade em relação a certos temas recorrentes.
A defesa de atos de autoridades públicas não pode ser efetivada de
forma acrítica, em todos os casos e em quaisquer circunstâncias. Afinal,
existem inúmeras situações onde impera a ilegalidade, a imoralidade, a
improbidade, a má-fé e o dolo. Esse olhar criterioso está em harmonia
com a advocacia de Estado. A tal advocacia de Governo não consegue
trabalhar bem a transgressão jurídica (pontual ou “patológica”) do gestor.
Nesse sentido, a Portaria AGU n. 408, de 2009, editada pelo então
Advogado-Geral da União José Antônio Dias Toffoli, bem demonstra o
processo de construção de uma advocacia de Estado. O aludido ato, entre
outras hipóteses, não viabiliza a defesa judicial de autoridades quando:
a) não tenham sido os atos praticados no estrito exercício das atribuições
constitucionais, legais ou regulamentares; b) não tenha havido a prévia
análise do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente,
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
nas situações em que a legislação assim o exige; c) tenha sido o ato
impugnado praticado em dissonância com a orientação, se existente, do
órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, que tenha
apontado expressamente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato,
salvo se possuir outro fundamento jurídico razoável e legítimo; d) ocorra
incompatibilidade com o interesse público no caso concreto; e) identificada
conduta com abuso ou desvio de poder, ilegalidade, improbidade ou
imoralidade administrativa, especialmente se comprovados e reconhecidos
administrativamente por órgão de auditoria ou correição.
Na advocacia de Governo (ou dos governantes), o advogado público
federal é chamado para, diante de uma decisão pronta e acabada (não há
participação na “construção” da solução, frise-se), necessariamente atestar
a constitucionalidade e a legalidade da pretensão. Invariavelmente, não
existe um chamamento direto nesse sentido. Não é dada uma “ordem” para
a elaboração de uma manifestação “interessada”. Os “caminhos” são mais
sutis, incluindo uma “cuidadosa” seleção de advogados, inclusive públicos,
“sensíveis” aos reclamos mais “mesquinhos” do poder.
Observe-se que a advocacia de Governo é tão indesejável e repulsiva
que chega a se caracterizar como ilícita, justamente por afrontar a
independência técnica (relativa) do advogado público, consagrada, pelo
menos, na Constituição, no Estatuto da OAB e em pareceres vinculantes da
AGU. Ademais, o padrão de comportamento ínsito à advocacia de Governo
não se coaduna com a construção de um Estado Democrático de Direito
informado pelo princípio da supremacia do interesse público (primário).
Vislumbra-se, neste momento, a necessidade de ser percorrido um
longo e penoso caminho no sentido de fazer valer a prática da advocacia
de Estado: a) nas hostes da Advocacia Pública e b) no trato institucional
dos diversos órgãos e autoridades com as várias instâncias da Advocacia
Pública.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
VI. CAPITALISMO FINANCEIRO: MODELO
SOCIOECONÔMICO A SER SUPERADO
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Capitalismo financeiro:
modelo socioeconômico a ser superado
1. A GLOBALIZAÇÃO
globalização, quando analisada numa perspectiva científica, apresenta
A
consideráveis dificuldades. Dois aspectos em particular assumem
especial relevo. O primeiro deles consiste no fato de estarmos diante de um
processo historicamente recente. O que se tem chamado de globalização
remonta, no máximo, ao início da década de 1980. Por outro lado, o
processo apresenta-se multifacetado. É possível mencionar a existência
de uma globalização econômica, de uma globalização política, de uma
globalização cultural e assim por diante. Formular, neste contexto, uma
definição, uma noção, uma idéia de globalização é tarefa das mais
espinhosas.
1.1. A globalização no tempo
Existe alguma controvérsia em torno da tentativa de definir o marco
temporal inicial do fenônemo identificado como globalização. Até mesmo
a denominação utilizada não é uniforme1.
Certas considerações apontam o início da globalização na década de
19802. Outros consideram a década de 1990 como o momento inicial do
processo de globalização. Encontramos, ainda, aqueles que sustentam que
a globalização é um processo extremamente antigo3.
Adotamos a década de 1980 como marco inaugural da globalização.
Com efeito, as “reformas” sistemáticas protagonizadas pelos governos
Thatcher (Grã-Bretanha) e Regan (Estados Unidos) parecem fornecer um
delimitador político-econômico adequado para o fenômeno em análise4.
1 Eis algumas formas alternativas de denominar o fenômeno: “aldeia global”, “economia-mundo”, “capitalismo
global”, “fim da história”, “fim da geografia”, “mundo sem fronteiras” e “mundialização”.
2 “Nas três últimas décadas, as interacções transnacionais conheceram uma intensificação dramática,
desde a globalização dos sistemas de produção e das trasferências financeiras, à disseminação, a uma
escala mundial, de informação e imagens através dos meios de comunicação social ou às deslocações
em massa de pessoas, quer como turistas, quer como trabalhadores migrantes ou refugiados”. SANTOS,
Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A
Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 25.
3 “A tradição da globalização é para alguns muito mais longa. Por exemplo, Tilly distingue quatro ondas de
globalização no passado milênio: nos séculos XIII, XVI, XIX e no final do século XX.” SANTOS, Boaventura
de Souza. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização
e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 36.
4 Cf. Perry Anderson, os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de
juros, baixaram drasticamente os impostos sobre rendimentos altos, aboliram controles sobre fluxos
financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, reduziram gastos sociais e lançaram um amplo
plano de privatização.
“Assim, os conservadores, após suas vitórias eleitorais de 1979 na Grã-Bretanha e de 1980 nos EUA,
levantaram dogmas de política econômica totalmente diferentes, como lema de sua política: o chamado
neoliberalismo, dentro da concepção de economistas como o conselheiro de Reagan, Milton Friedman, e do
mentor do governo Thatcher, Friedrich August von Hayek. A variante de política monetária dessa doutrina
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Reinaldo Gonçalves identifica o “fator determinante” da globalização,
iniciada na década de 1980, como a “insuficiência de demanda agregada”
nos países desenvolvidos. Segundo o referido economista, a crise doméstica
de acumulação do capitalismo maduro poderia ser respondida com quatro
iniciativas básicas5:
a) a “saída keynesiana”, viabilizada por intermédio de
investimentos públicos significativos e da administração de déficits
nas contas estatais;
b) a “saída schumpeteriana”, realizada por meio de ondas de inovações
tecnológicas e organizacionais (processos de destruições criadoras);
c) a distribuição de renda e riqueza, de alcance mais limitado em
economias mais desenvolvidas;
d) a transformação das exportações no elemento de dinamização das
economias nacionais.
A solução “escolhida”, a “saída preferencial”, de que somos
testemunhas históricas privilegiadas, foi exatamente a busca, a partir do
início da década de 1980, por maior inserção nos mercados internacionais
de bens, serviços e capitais.
1.2. Definição de globalização
Definir globalização é, como foi dito anteriormente, uma tarefa das
mais difíceis. São múltiplas as visões sobre o fenônemo, assim como
múltiplas são as suas facetas6. Não é exagerado, nem inapropriado, falar
em globalização econômica, globalização política, globalização cultural,
globalização ambiental e assim por diante7.
Ademais, subsiste um razoável consenso entre os mais variados
cientistas sociais quanto à ausência de um marco teórico consiste e uniforme
também foi designada de monetarismo”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da
Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 153.
5 Cf. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 29-35.
6 “O segundo conjunto de determinantes envolve os fatores de ordem política e institucional vinculados
à ascensão das idéias liberais ao longo dos anos 80, tendo como marco de referência os governos
Thatcher na Grã-Bretanha e Reagan nos Estados Unidos. O resultado dessa ascensão foi uma onda de
desregulamentação do sistema econômico em escala global”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e
Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 29.
“Uma revisão dos estudos sobre os processos de globalização mostra-nos que estamos perante um
fenómeno multifacetado com dimensões económicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas
interligadas de modo complexo. Por esta razão, as explicações monocausais e as interpretações
monolíticas deste fenómeno parecem pouco adequadas”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos
da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais.
3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 26.
“A globalização é, na realidade, um tema de múltiplas dimensões, que dificultam significativamente a
elaboração conceitual ou teórica”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São
Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 23.
7 Liszt Vieira em sua obra Cidadania e Globalização identifica cinco dimensões da globalização, a saber:
econômica, política, social, ambiental e cultural.
As “outras” dimensões ou facetas da globalização, para além do “lado” econômico do processo, suscitam
importantes questões. Eis alguns exemplos: a globalização cultural não seria uma ocidentalização ou
americanização? Estaria sendo formada, ou emergindo, uma cultura global?
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
para o trabalho científico em torno da idéia de globalização8.
Esta fragilidade decorre, em grande parte, da ausência de teorização
hábil sobre as novas realidades. Afinal, as categorias teóricas utilizadas
para o entendimento do fenômeno foram construídas num momento
histórico com características substancialmente distintas das atuais. A rigor,
o instrumental teórico para apreender e entender os novos tempos estão
em lento e penoso processo de criação.
Adotando a formulação de Anthony Giddens, reconhecida por inúmeros
teóricos do fenômeno, a exemplo de Boaventura de Sousa Santos9, David
Held e John Gray, identifica-se a globalização “como a intensificação das
relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de
tal maneira que os acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”10. Em suma, o
traço mais fundamental da globalização é justamente a interferência nos
assuntos e definições locais, regionais e nacionais de decisões adotadas
fora destes âmbitos geográficos, mais precisamente no cenário mundial
ou internacional. Em suma, sucumbem as barreiras nacionais e a clássica
divisão entre o espaço interno e o externo.
Discute-se, numa outra ordem de considerações, se a globalização
inicia um novo modelo de organização social, uma novo estágio da sociedade
capitalista11. Neste sentido, cogita-se acerca da possibilidade de ser definida
como uma nova etapa na história da humanidade. Aparentemente, ainda
é muito cedo para conclusões tão decisivas12.
8 “Além disso, em que pese a profícua produção bibliográfica sobre o tema, sobretudo nos últimos quatro
anos, ainda não foi produzido um marco teórico que possibilitasse a leitura da globalização de forma cabal”.
LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2002. p. 12.
9 No ensaio “Os processos da globalização”, Boaventura de Souza Santos busca expressamente a definição
de globalização oferecida por Giddens e registra que “para o Grupo de Lisboa, a globalização é uma fase
posterior à internacionalização e à multinacionalização porque, ao contrário destas, anuncia o fim do
sistema nacional enquanto núcleo central das actividades e estratégias humanas organizadas”. Formula,
logo a seguir, a sua dfinição de “modo de produção de globalização”: “é o conjunto de trocas desiguais pelo
qual um determinado artefacto, condição, entidade ou identidade local estende a sua influência para além
das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outro artefacto,
condição, entidade ou identidade rival”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização.
In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2005. p. 26-63.
10 Cf. Abili Lázaro Castro de Lima em sua obra Globalização Econômica, Política e Direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 124.
11 “Para os arautos da nova ordem global, como Ohmae (1995), Korten (1995), Strange (1996), Forrester
(1997) ou Martin e Schumann (1999), a globalização pode ser definida como uma nova fase de expensão
capitalista, marcada pelo crescente domínio das grandes empresas multinacionais, do sistema financeiro e
do mercado de capitais sobre o poder político”. BAGANHA. Maria Ioannis. A cada Sul o seu Norte: Dinâmicas
migratórias em Portugal. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências
Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 136-137.
12 “A natureza precisa deste período e deste modelo está no centro dos debates actuais sobre o caráter
das transformações em curso nas sociedades capitalistas e no sistema capitalista mundial como um todo.
Defendi atrás que o período actual é um período de transição a que chamei o período do sistema mundial
em transição (...) Trata-se, pois, de um período de grande abertura e indefinição, um período de bifurcação
cujas transformações futuras são imperscrutáveis”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da
globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3.
ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 89.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Uma perspectiva de fundamental importância de abordagem da
globalização diz respeito a identificação, no seu seio, de um processo
conflituoso. Assim, como diz Boaventura de Sousa Santos, os traços mais
visíveis do processo de globalização são, em verdade, características de
uma globalização dominante ou hegemônica (de-cima-para-baixo) em
convívio com uma globalização contra-hegemônica (de-baixo-para-cima)13.
Boaventura identifica dois processos principais de resistência à
globalização hegemônica:
a) o cosmopolitismo e
b) o patrimônio comum da humanidade.
O primeiro apresenta-se como uma luta contínua contra a exclusão,
a inclusão subalterna, a dependência, a desintegração e a despromoção14.
“A teoria social tem vindo a dar conta de que as novas formas de que se reveste o político e o social nas
sociedades contemporâneas dificilmente se enquadram nos padrões da modernidade. As designações
utilizadas para caracterizar esta fase das sociedades podem ser distintas – modernidade tardia, pósmodernidade, segunda modernidade, modernização reflexiva, sociedade gobal, globalização cultural,
glocalização, sociedade do conhecimento e da informação, etc. -, mas na base de todas elas está o
reconhecimento de que a incerteza, o paradoxo e o risco marcam o futuro das nossas sociedades. Esta
passagem de um período de certezas e de crises, que podem ser controladas, para um período de crise
profunda de natureza civilizatória, ao mesmo tempo acompanhada de uma ‘criatividade social e política
radicalmente nova’, constituiria, segundo alguns autores, o cerne de uma verdadeira transição paradigmática
que já está em curso (Santos, 1995: 258)”. HESPANHA, Pedro. Mal-estar e risco social nu mundo globalizado:
Novos problemas e novos desafios para a teoria social. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A
Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 163-164. 13 “... torna-se claro que as características dominantes da globalização são as características da
globalização dominante ou hegemónica. Mais adiante faremos a distinção, para nós crucial, entre
globalização hegemónica e globalização contra-hegemónica (...) Nestes termos, não existe estritamente uma
entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações; em rigor, este termo só deveria
ser usado no plural. Qualuqer conceito mais abrangente deve ser de tipo processuale não substantitivo. Por
outro lado, enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedoes
e vencidos. Frequentemente, o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada pelos
próprios”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 55-56.
“... a globalização predatória (Falk, 1999) ocorre simultaneamente com a emergência de movimentos
sociais transnacionais que são expressões parcelares de uma experimentação contra-hegemónica da
globalização”. PUREZA, José Manuel. Para um internacionalismo pós-vestefaliano. In: Boaventura de Sousa
Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 233.
“O sistema econômico global alimenta-se da dissenção social entre os países e dentro deles. A unidade
de propósitos e a coordenação em âmbito mundial entre diversos grupos e movimentos sociais é crucial. E
necessária uma grande investida, que una os movimentos sociais de todas as principais regiões do mundo
em torno de um objetivo e de um compromisso comuns para a eliminação da pobreza e uma duradoura
paz mundial”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI
e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 23.
14 “Trata da organização transnacional da resistência de Estados-nação, regiões, classes ou grupos
sociais vitimizados pelas trocas desiguais de que se alimentam os localismos globalizados e os globalismos
localizados, usando em seu benefício as possibilidades de interacção transnacional criadas pelo sistema
mundial de transição, incluindo as que decorrem da revolução nas tecnologias de informação e de
comunicação. A resistência consiste em transformar trocas desiguais em trocas de autoridade partilhada,
e traduz-se em lutas contra a exclusão, a inclusão subalterna, a dependência, a desintegração, a
despromoção. As actividades cosmopolitas incluem, entre muitas outras: movimentos e organizações
no interior das periferias do sistema mundial; redes de solidariedade transnacional não desigual entre
o Norte e o Sul; a articulação entre organizações operários dos países integrados nos diferentes blocos
regionais ou entre trabalhadores da mesma empresa multinacional operando em diferentes países (o
novo internacionalismo operário); redes internacionais de assistência jurídica alternativa; organizações
transnacionais de direitos humanos; redes mundiais de movimentos feministas; organizações não
governamentais (ONG’s) transnacionais de militância anticapitalista; redes de movimentos indígenas,
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
O segundo movimento gira em torno da desmercantilização de recursos
considerados essenciais para a sobrevivência digna da humanidade15.
Deve ser destacado, para posterior desenvolvimento, o papel
estratégico de resistência desempenhado por uma série de organizações
não-governamentais (ONGs), em particular a ATTAC - Associação para uma
Taxação de Transações Financeiras para Auxílio aos Cidadãos.
1.3. As principais características da globalização
As principais características ou aspectos da globalização, notadamente
em seu viés econômico, verdadeiro fio condutor das demais facetas,
reclamam uma análise mais cuidadosa. Assim, identificadas suas marcas
mais salientes e dimensionada a força do processo no âmbito da sociedade
ecológicas ou de desenvolvimento alternativo; movimentos literários, artísticos e cinetíficos na periferia
do sistema mundial em busca de valores culturais alternativos, não imperialistas, contra-hegemónicos,
empenhados em estudos sob perspectivas pós-coloniais ou subalternas”. SANTOS, Boaventura de Sousa.
Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as
Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 55-67.
15 “Trata-se de lutas transnacionais pela protecção e desmercadorização de recursos, entidades, artefactos,
ambientes considerados essenciais para a sobrevivência digna da humanidade e cuja sustentabilidade
só pode ser garantida à escala planetária. Pertencem ao património comum da humanidade, em geral, as
lutas ambientais, as lutas pela preservação da Amazônia, da Antártida, da biodiversidade ou dos fundos
marinhos e ainda as lutas pela preservação do espaço exterior, da lua e de outros planetas concebidos
também como património comum da humanidade. Todas essas lutas se referem a recursos que, pela
sua natureza, têm de ser geridos por outra lógica que não a das trocas desiguais, por fideicomissos da
comunidade internacional em nome das gerações presentes e futuras”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os
processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências
Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 70.
Eis alguns registros acerca da batalha, em curso, no sentido da mercantilização, ou não, dos conhecimentos
produzidos pelo homem:
“O software desempenha um papel singular na atual Sociedade do Conhecimento. Entre as manifestações
da informação como bem econômico, político e jurídico mais relevante do mundo moderno seguramente
o programa de computador é a mais estratégica. Afinal, o processamento automático das informações
relacionadas com as mais diversas e cruciais atividades humanas, realizado nos sistemas de informática,
depende necessariamente de softwares cada mais complexos. Não é sem razão que inúmeros atores sociais,
entre eles cientistas, juristas, políticos, sociológicos e jornalistas, apontam a batalha em torno do modelo
de distribuição e de comercialização do software como a mais aguda dos tempos atuais. Esta batalha,
em outras palavras, significa uma disputa em torno da forma de controle ou apropriação daquilo que é o
mecanismo mais significativo de geração e de acumulação de riquezas na sociedade contemporânea: a
informação na forma de software.
Uma importantíssima consideração teórica em torno do papel-chave do software nas relações mantidas
na sociedade atual está representada na "Teoria do Código" formulada por Lawrence Lessing. Segundo o
conhecido professor da Harvard Law School, o software condiciona e controla os comportamentos na medida
em que reconhece identidades e define maneiras de agir. Assim, ao elaborar o programa de computador (o
código) o programador, ou quem o remunera, pode estabelecer e limitar tudo o que pode ser feito e como
pode ser feito”. CASTRO, Aldemario Araujo. Informática Jurídica e Direito da Informática. Disponível
em: < http://www.aldemario.adv.br/infojur/conteudo26texto.htm>. Acesso em: 18 abr. 2006.
"No âmbito dessa sociedade ("sociedade informacional"), como o próprio nome indica, o eixo, a estrutura
e a base dos poderes econômico, político e cultural residem, essencialmente, na geração, no controle,
no processamento, na agregação de valor e na velocidade da disseminação da informação técnica e
especializada". FARIA. José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 2002. Malheiros Editores. p. 75.
"Seja o que for que as corporações pensam quando ganham dinheiro - ou economizam dinheiro - com o
GNU/Linux, uma coisa é para mim certa: esta é a batalha política mais importante que está sendo travada
hoje nos campos tecnológicos, econômicos, sociais, culturais. E pode mesmo significar uma mudança de
subjetividade que vai ter conseqüências decisivas até para o conceito de civilização que vamos usar no
futuro (breve)." (Viana. Hermano. Apresentação do Livro Software Livre e Inclusão Digital. 2003. Conrad
Livros. Pág. 9).
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
internacional, será possível formular uma proposta de entendimento da sua
influência em searas mais restritas ou específicas, como a da tributação.
Vejamos, então, aqueles fenômenos, flagrados pelas análises científicas
mais agudas dos tempos atuais, que conferem identidade ao processo
denominado de globalização.
1.3.1. O enfraquecimento dos Estados nacionais
Existe um razoável consenso científico em torno da idéia de que o
Tratado de Westphalia, firmado em 1648, inaugurou e definiu as linhas
básicas do sistema interestatal moderno16. As premissas mais salientes
foram as seguintes:
a) exclusividade dos Estados como sujeitos do Direito Internacional;
b) inexistência de legislação internacional que interferisse nas
soberanias estatais;
c) ausência de poderes de polícia e de sanção de âmbito internacional e
d) relativa liberdade no uso da força e da guerra.
Uma das premissas básicas do “Consenso de Washington”17, marco
político da globalização, consiste na tentativa de estabelecer Estados
fracos, em nítida reação a Westphalia. Segundo o pensamento dominante,
claramente uma retomada das teses liberais, daí a denominação de
neoliberalismo, a força da sociedade civil e das relações estabelecidas
no seu interior pressupõe uma espaço de “movimentações” deixado pelo
Estado18.
Importa identificar para quem os Estados nacionais, em ambiente
globalizado, perdem poder. Afinal, “alguém” ganha força, influência e
importância com o “recuo” das posições estatais construídas ao longo de
décadas de história.
Os espaços de poder deixados pelo enfraquecimento dos Estados
nacionais são ocupados, numa formulação ampla, pelos mercados,
notadamente o mercado financeiro de âmbito internacional. Neste campo,
os atores privilegiados são as empresas transnacionais e as instituições
financeiras multilaterais.
O processo de enfraquecimento dos Estados passou (e passa) pela
superação do chamado Estado-Providência. Com efeito, no século XX
os Estados mais importantes efetivaram uma série de políticas públicas
voltadas para a proteção social, sobretudo dos trabalhadores. As políticas
16 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 36.
17 Ver, adiante, o tópico 2.3.5.
18 “Como vimos acima, a real dimensão do enfraquecimento das funções regulatórias do Estado-nação é
hoje um dos debates nucleares da sociologia e da economia políticas. Inquestionável é apenas o facto de
que tais funções mudaram (ou estão a mudar) dramaticamente e de um forma que questiona o dualismo
tradicional entre regulação nacional e internacional”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da
globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3.
ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 92.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
referidas importaram em significativos movimentos de transferências de
recursos para os setores mais frágeis da sociedade. O conserto neoliberal
trazido pela globalização investiu com especial interesse e atenção contra
as conquistas sociais, em particular contra os ganhos previdenciários19.
Um dos fenômenos mais significativos dos tempos atuais consiste na
tendência de formação de blocos regionais de Estados, a exemplo da União
Européia, NAFTA e MERCOSUL. No interior destes processos os Estados
buscam restabelecer sua força tradicional, inclusive e curiosamente, pela
via de soberanias conjuntas ou partilhadas.
Em suma, como muito bem acentua Boaventura de Sousa Santos, as
práticas e interações transnacionais solaparam a capacidade do Estadonação de orientar e controlar os fluxos de pessoas, bens, capital e idéias,
como ocorria em passado recente20.
1.3.2. A ampliação e o fortalecimento do papel social desempenhado
pelas empresas transnacionais
As empresas transnacionais21 substituem progressivamente o Estado
como principal ator de ordenação sócio-econômica. A tradicional soberania
do Estado-nação encontra fortíssima limitação na ação (ou na verdadeira
19 “A globalização de modelo de providência estatal liberal implicou a adopção deste, tanto por países que
se submeteram à nova ortodoxia neoliberal, como foi o caso ‘pioneiro’ do Clube de Pinochet, como pelas
agências financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc). Em 1994, o Banco Mundial publicou o seu
célebre relatório sobre ‘A Crise do Envelhecimento’ em que se propunham reformas radicais nos sistemas
de segurança social, no sentido da remercadorização a protecção social e da privatização dos sistemas
de pensões de reforma, substituindo os regimes de repartição pelos de capitalização individual. O conjunto
das propostas ficou conhecido por modelo neoliberal de segurança social e nos anos que seguiram foi
activamnente promovido, quando não imposto, aos países intervencionados pelas políticas de ajustamento
estrutura” (...) Em 1998, o conhecido economista norte-americano e, ao tempo, vice-presidente do Banco
Mundial, Joseph Stiglitz, desfere o primeiro ataque ao Consenso de Washington e propõe um pós-Consenso
de Washington e en finais de 1999 leva mais longe ainda a sua crítica, afirmando que o modelo do Banco
Mundial de segurança social (o modelo neoliberal), para além de ter causado muito sofrimento humano e
contribuído para o agravamento das desigualdades sociais a nível mundial e no interior de cada país, é um
modelo cientificamente errado uma vez que as supostas verdades em que assenta não passam de mitos.
O próprio Stiglitz se encarrega de demonstrar isto mesmo desmontando um a um os 10 mitos em que, em
seu entender, assenta o modelo do Banco Mundial”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da
globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3.
ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 82-83.
“A instauração desta novíssima ordem global implica necessariamente que os Estados ocidentais passem
de Estados-Providência a meros agentes económicos em busca de vantagens competitivas nos mercados
globais”. BAGANHA. Maria Ioannis. A cada Sul o seu Norte: Dinâmicas migratórias em Portugal. In:
Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2005. p. 136-137.
“Face a um sistema económico que destrói o trabalho e produz desemprego, parece estar a quebrar-se,
nesta era de capitalismo global, a aliança histórica entre a sociedade de mercado, o Estado-Providência
e a democracia que fundou o projecto de modernidade do Estado nacional (...) O próprio modelo social
europeu está hoje sob ameaça. Os regimes de bem-estar e as formas de Estado-Providência que têm
servido de suporte ao exercício dos direitos de cidadania são alvo crescente de críticas e começaram a sofrer
reformas cada vez mais profundas”. HESPANHA, Pedro. Mal-estar e risco social nu mundo globalizado:
Novos problemas e novos desafios para a teoria social. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A
Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 162.
20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 36.
21 Organizações ou empresas com gestão centralizada, notadamente dos aspectos financeiros e
tecnológicos, e atuação operacional em escala planetária.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
guerra) das empresas transnacionais por mercados. Elas escolhem seu
palco de atuação em função de fatores como mercado de trabalho, sistema
tributário, marcos regulatórios da atividade econômica e condições de
infraestrutura. Neste ambiente, negociações em torno de investimento
direto e ameaças de “retirada” influenciam diretamente as decisões sobre
as políticas de governo.
Boaventura de Souza Santos, apoiado em escrito de Tony Clarke, datado
de 1996, destaca dados que demonstram a enorme importância das empresas
transnacionais no cenário econômico globalizado22. Revela-se que:
a) 70% (setenta por cento) do comércio mundial é controlado por
500 (qüinhentas) empresas multinacionais;
b) 1% (um por cento) das empresas multinacionais detêm 50%
(cinqüenta por cento) do investimento estrangeiro direto;
c) mais de um terço do produto industrial mundial é produzido pelas
empresas multinacionais.
Na direção das empresas transnacionais surge, segundo várias
analistas, uma nova classe social: a burguesia de executivos23. Além
de dirigir diretamente os conglomerados internacionais, os quadros
pertencentes a nova classe realizam um frenético movimento de ocupação
e desocupação dos postos chaves do Estado. Na Administração Pública
cuidam de estabelecer e formalizar, em políticas públicas e decisões de
governo, os rumos do Estado segundo seus interesses e os interesses de
suas empresas (de onde saem e para onde retornam)24.
John Kenneth Galbraith destaca, na sociedade moderna, a
transferência do poder dos donos das empresas para os administradores.
Segundo o renomado economista, na dinâmica da vida empresarial os
executivos sempre prevalecem25.
22 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 31.
23 “Becker e Sklar, que propõem a teoria do pós-imperialismo, falam de uma emergente burguesia de executivos,
uma nova classe social saída das relações entre o setor administrativo do Estado e as grandes empresas
privadas ou privatizadas. Esta nova classe é composta por um ramo local e por um ramo internacional. O ramo
local, a burguesia nacional, é uma categoria socialmente ampla que envolve a elite empresarial, os directores
de empresas, os altos funcionários do Estado, líderes políticos e profissionais influentes. Apesar de toda a
heterogeneidade, estes diferentes grupos constituem, de acordo com os autores, uma classe, ‘porque os seus
membros, apesar da diversidade dos seus interesses sectoriais, partilham uma situação comum de privilégio
sócio-económico e um interesse comum de classe nas relações do poder político e do controlo social que são
intrínsecas ao modo de produção capitalista,. O ramo internacional, a burguesia internacional, é composta
pelos gestores das empresas multinacionais e pelos dirigentes das instituições financeiras internacionais”.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador).
A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 32.
24 “Examinada de forma séria, a propalada divisão entre os setores público e privado não faz sentido.
Não é realidade, é retórica. Uma parte grande, vital e cada vez maior do que é chamado de setor público
está, para todos os efeitos práticos, no setor privado”. (...) De uns tempos para cá, a ostensiva intrusão do
setor privado no chamado setor público se tornou lugar-comum. Com autoridade total sobre as grandes
empresas modernas, seria natural que os administradores estendessem sua influência para a política e
o governo”. GALBRAITH, John Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso
tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 52-54.
25 “Um ponto menos importante: o que é central na argumentação que apresentarei é o papel dominante
das empresas na sociedade da economia moderna, e a transferência do poder de seus donos, os acionistas
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Uma das mais marcantes conseqüências da força e da presença global
das empresas transnacionais consiste na desnacionalização das economias,
particularmente aquelas que ainda não completaram, de forma consistente,
um ciclo de amadurecimento26.
– atualmente chamados, de forma mais condescendente, de investidores -, para os administradores. Essa
é a dinâmica da vida empresarial. Os executivos sempre prevalecem.” (...) “Nas empresas modernas, quem
detém o poder real não são os donos do capital, mas – como enfatizaremos mais tarde – os administradores”.
(...) “A empresa controlada por administradores é a peça central do sistema econômico moderno, mas não
é todo o sistema. Há também pequenos negócios, em geral no setor de serviços ao consumidor. Existem
empresas, sobretudo nas áreas de tecnologia e finanças, em que um fundador, não um proprietário, mantém
o comando, E ainda há empreendimentos agrícolas e varejistas de pequena escala e serviços pessoais.
Mas o mundo econômico moderno está centrado nas empresas com estrutura de controle; que ninguém
se esqueça da palavra: na burocracia”. (...) “Tendo o capitalismo aberto o caminho para a administração
cum burocracia, é necessário criar uma ilusão de importância para os donos. Eis a fraude./Essa fraude
tem assumido aspectos cerimoniais. Um deles é um Conselho de Administração escolhido pelos próprios
executivos e a les inteiramente submisso, mas ouvido como a voz dos acionistas. Isso inclui homens
e a indispensável presença de uma ou duas mulheres, que necessitam apenas de um conhecimento
passageiro da empresa; de modo geral se pode confiar em sua aquiescência. Por um jetom e uma ou outra
refeição, os membros do Conselho são de tempos em tempos informados pelos administradores sobre o
que já foi decidido ou sobre o que já é sabido. A aprovação é certa, inclusive quanto à remuneração dos
administradores, estabelecida por eles mesmos e que pode ser, é óbvio, generosa”. (...) “Que ninguém
duvide: em qualquer empresa de certo porte, os acionistas – os proprietários – e os Conselhos de
Administração que supostamente os representam são de todo submissos aos administradores. Embora
se dê a impressão de autoridade dos donos, ela não existe de fato. Um farude aceita”. GALBRAITH, John
Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004. p. 10-46.
26 “O crescimento dos fluxos de investimento externo direto (IED) e o avanço das empresas de capital
estrangeiro (ECE) na economia brasileira foram inusitados a partir de 1995. (...) A participação do capital
estrangeiro no valor da produção da economia brasileira pode ter aumentado de 10% em 1995 para um
número da ordem de, pelo menos, 15% em 1998. (...) Qualquer que seja o número (15% - 18%), o fato é
que não há dúvida de que houve um intenso processo de desnacionalização da economia brasileira ao longo
da segunda metade dos anos 90, período esse que tem sido marcado pela globalização econômica. (...) A
desnacionalização da economia brasileira ocorre no contexto do processo de globalização econômica, que
se manifesta, dentre outras formas, pelo crescimento extraordinário dos fluxos internacionais de capitais
e pela crescente integração entre economias nacionais. (...)
Há um intenso processo de desnacionalização, pois se verifica que uma parcela crescente do aparelho
produtivo nacional está sob controle de estrangeiros (ou não-residentes) e, mais particularmente, nas mãos
das empresas transnacionais. Como primeiro indicador do processo de desnacionalização da economia
brsileira, vale mencionar a relação entre o estoque de IED e o PIB. Esta relação aumentou de 6,3% em
1995 para 9,2% em março de 1998. Isso representa, na realidade, um crescimento de 50% do grau de
desnacionalização da economia brasileira. Se consideramos o IED ao longo de 1998, principalmente o
vinculado às privatizações do sistemas Telebrás, o estoque de IED chegaria a 90 bilhões de dólares e o
coeficiente IED/PIB seria da ordem de 11,2%.
De fato, a desnacionalização da economia brasileira vai do controle dos setores de produção de panelas à
extração de titânio, da produção de aço a bancos, da navegação de cabotagem às telecomunicações, de
supermercados à aviação, de chocolates a satélites, do transporte à eletricidade. Praticamente nenhum
setor produtivo tem escapado ao avanço das empresas estrangeiras sobre a economia brasileira. Esse
tema é tratado em mais detalhes nos próximos capítulos.
A contrapartida desse aumento da desnacionalização da economia brasileira tem sido o crescimento
praticamente exponencial das remessas de lucros e dividendos para o exterior. Em 1994 as remessas totais
foram de 2,9 bilhões, passaram para 3,8 bilhões em 1996, e chegaram a 6,5 bilhões de dólares em 1997”.
GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 14-76.
“... há um ambiente bastante propício para uma ampla desnacionalização de nosso sistema produtivo. E
por isso que estou inquieto. Vejamos:
- muitos de nossos grupos empresariais, sem escala e fragilizados na relação com os concorrentes
internacionais quanto a capital, tecnologia e custos, ainda atuam de forma diversificada, um partido da
década passada e que se tornou ineficaz;
- é grande o número de importantes empresas com problemas societários e de sucessão;
- há o inexorável fenômeno do envelhecimento de acionistas e gestores principais, que traz consigo a natural
indisposição para enfrentar novos desafios; para experimentar o desconhecido; para correr os riscos do
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
A desnacionalização da economia instala um indesejável ambiente de
vulnerabilidade externa, aqui entendida como a reduzida capacidade de
resistência do conjunto das atividades econômicas de um país às pressões
e influências, de todas as ordens, vindas do exterior27.
1.3.3. Os movimentos transnacionais de capitais em volumes
extraordinários
Os movimentos transnacionais de capitais, sobretudo financeiros,
assumem proporções gigantescas e gozam de irrestrita liberdade 28.
Estima-se em cerca de 1,5 (um vírgula cinco) trilhão de dólares por dia as
transações cambiais, sendo que 95% (noventa e cinco por cento) delas são
meramente especulativas manuseando mecanismos financeiros complexos
crescimento; para admitir o desconforto de um programa de vida atribulado e estressante; e
- há, finalmente, a valorização dos ativos a atrair investidores a concorrentes internacionais dispostos a
fazer ofertas bastante sedutoras. (...)
Não defendo protecionismos ilégítimos nem me movem nacionalismos arcaicos. Mas não quero ver, no
futuro, nossos filhos e nossos netos só trabalhando em empresas multinacionais ou porque lhes faltarão
opções ou porque não soubemos preservar as empresas nacionais. (...)
O que estou propondo discutir, portanto, não é a construção de trincheiras para defender nossas
organizações, mas a realidade inequívoca de que, no Brasil, já não há isonomia competitiva e, pior, não
consigo perceber qualquer movimento que vise corrigir este curso – com prioridade e com eficácia. (...)
Entendo a desnacionalização dos sistemas produtivos dos países em desenvolvimento mais como uma
questão política do que como uma questão econômica. Sua principal consequenciade curto prazo é a
mudança dos centros decisórios para pontos do planeta onde estão em pauta nossos probelmas específicos.
Entretanto, o maior problema de uma desnacionalização do setor produtivo está no longo prazo. (...)
E os grandes grupos internacionais têm raízes, têm origens e têm suas principais bases político-estratégicas
onde estão seus principais acionistas e onde se concentra sua principal força político-estratégica. Como as
aves migratórias, saberão voltar ao local de abrigo de seus interesses principais, de seus compromissos
históricos – tão logo as condições de permanência lhes apareçam desvantajosas”. ODEBRECHT, Emilio.
Revista Brasileira de Comércio Exterior, n. 57, out.-dez. de 1998, p. 52. Cf. GONÇALVES, Reinaldo.
Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 207 e 208.
“Por falta de cuidados e excesso de pressa, a globalização escancarou as portas de nossa economia e de
nosso mercado, sem que aplicássemos aqui pelo menos algumas das exigências e cautelas que economias
desenvolvidas – e abertas – adotam para defender seus negócios e seus empregos. (...)
A globalização atropoleu forte e já temos alguns setores econômicos – como o de autopeças, por exemplo
– em que o previsível processo de desnacionalização já se tornou inexorável. Urge que a sociedade reaja
e o Governo proteja o que restou do vendaval desnacionalizante, que arrasou esta área”. STEINBRUCH,
Benjamin. O Globo. Dia 25/05/1998, p. 10. Cf. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização.
São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 215.
27 “Houve, a partir de 1995, um aumento extraordinário da vulnerabilidade externa do Brasil, com ritmo,
profundidade e amplitude nunca antes observados na história do país. (...) Assim, a desnacionalização
econômica aumenta a vulnerabilidade externa do país por meio do que poderia se chamar de a economia
política internacional do capital estrangeiro”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização.
São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 13-17.
28 “A partir de uma maior integração financeira ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, com a abertura
financeira das economias, com o advento de novas tecnologias na área da informática e das telecomunicações
e com a constituição dos chamados ‘mercados emergentes’, pode se observar a emergência de um novo
ciclo nas finanças internacionais.
Este novo ciclo é marcado pela liberdade com que grandes fluxos de capitais, muito superiores à produção
de bens e serviços das economias, cruzam as fronteiras dos países de forma instantânea, em busca das
melhores oportunidades de ganhos em taxas de juros e, sobretudo, com variações nas taxas de câmbio.
Do imediato pós-guerra até a primeira metade da década de 1970, praticamente todos os países restringiam
ou proibiam o livre fluxo de capitais estrangeiros, adotando controles de entrada e saída de moeda
estrangeira. Somente a partir de meados da década de 1970, é que as economias desenvolvidas começam
a adotar maior liberdade aos fluxos estrangeiros”. PUDWELL, Celso A. M. Fluxos de Capitais: Liberdade
ou Controle? Disponível em: <http://www.brde.com.br/estudos_e_pub/2003-01FluxosdeCapitais.doc>.
Acesso em: 20 jun. 2003.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
baseados nos mercados futuros e de ações29. As recentes revoluções da
informática e das comunicações forneceram as bases tecnológicas para a
criação e o aperfeiçoamento de um verdadeiro “cassino global”30.
Os números relacionados com os fluxos financeiros internacionais
ganham cores dramáticas quando comparados com dados do avanço da
pobreza em escala mundial. Segundo estimativas da Organização das
Nações Unidas - ONU31:
a) cerca de um bilhão e meio de pessoas (1/4 da população mundial)
vivem na pobreza absoluta com rendimento inferior a um dólar por dia;
b) outros dois bilhões vivem com apenas o dobro do rendimento
referido no item anterior.
29 “O que acontece nos mercados financeiros segue à risca uma lógica largamente comprovável e
é provocado pelos próprios governos dos grandes países industrializados. Em nome da doutrina da
intocabilidade do mercado livre, desde a década de 1970 eles vêm demolindo as cancelas que permitiam
administrar o trânsito de dinheiro e ofluxo de capitais na passagem das fronteiras. Agora se queixam,
como aprendizes de feiticeiro desnorteados por não poderem mais controlar os espíritos que eles e seus
antecessores invocaram”. MARTIN, Hans-Peter e SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O
assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998, p. 70.
Cf. Hans-Peter Martin e Harald Schumann na obra A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia
e ao bem-estar social, John Gray na obra Falso amanhecer: os equívocos do capitalismo global e Jurandi
Borges Pinheiro na obra Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de transferência.
30 “Embora tenham grande poder nos mercados financeiros, esses ‘administradores de dinheiro’ são
cada vez mais afastados de funções empresariais na economia real. Suas atividades (que escapam da
regulamentação do Estado) incluem transações especulativas no mercado de futuros e derivativos e a
manipulação de mercados monetários. Os grandes operadores financeiros estão rotineiramente envolvidos
em ‘depósitos de hot money, nos ‘mercados emergentes’ da América Latina e do Sudoeste Asiático, sem
falar na lavagem de dinheiro e no estabelecimento de ‘bancos privados’ (especializados em ‘dar assessoria
a clientes ricos’) em muitos paraísos bancários do exterior. O movimento diário de transações com divisas
estrangeiras é da ordem de US$ 1 trilhão por dia, do qual apenas 15% correspondem efetivamente ao
comércio de commodities e fluxos de capital. Nessa trama financeira global, o dinheiro transita em alta
velocidade de um paraíso bancário no exterior para outro, na forma de transferências eletrônicas. Atividades
comerciais ‘legais’ e ‘ilegais’ ficaram cada vez mais entrelaçadas e grandes somas de riqueza privada nãodeclaradas têm sido acumuladas”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das
reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 15-16.
“A globalização pode ser definida como a interação de três processos ditintos, que têm ocorrido ao longo dos
últimos vinte anos, e afetam as dimensões financeira, produtivo-real, comercial e tecnológica das relações
econômicas internacionais. Esses processos são: a expansão extraordinária dos fluxos internacionais de
bens,serviços e capitais; o acirramento da concorrência nos mercados internacionais; e a maior integração
entre os sistemas econômicos nacionais.
O primeiro processo refere-se à expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens, serviços e
capitais. No caso dos fluxos de capitais, os dados mostram que os empréstimos internacionais mais o
investimento de portfólio aumentaram de aproximadamente 400 bilhões em 1987 para 1,6 trilhões de dólares
em 1996. Nesse período os empréstimos e os investimentos de portfólio cresceram a uma taxa média anual
de aproximadamente 17%. De fato, houve uma extrordinária expansão dos fluxos de capitais em todo os
mercados que compõem o sistema financeiro internacional (títulos, ações, empréstimos, financiamentos,
moedas e derivativos) (...)
A especificidade da globalização econômica do final do século XX consiste na simultaneidade dos processos
de crescimento extraordinário dos fluxos internacionais, acirramento da concorrência no sistema internacional
e integração crescente entre os sistemas econômicos nacionais. E, ademais, esse processo ocorre sem o
contramovimento protecionista, intervencionista e regulador, que marcou, por exemplo, o final do século XIX.
Essa especificidade é particularmente importante e, portanto, merece um nome específico: globalização”.
GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 24-28.
31 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 33.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Curiosamente, a completa liberdade dos fluxos financeiros
internacionais contrasta com as profundas restrições presentes nas regras
do “sistema de Bretton Woods”.
Segundo os registros da história econômica mais recente, os principais
países vencedores da Segunda Guerra Mundial, reunidos nas montanhas do
Estado americano de Wisconsin, localidade de Bretton Woods, ajustaram
as premissas básicas de uma nova ordem econômica internacional. Duas
definições se destacaram:
a) valia, para as moedas de todos os países, uma paridade fixa em
relação ao dólar (garantido por reservas em ouro);
b) fiscalização estrita sobre as transações significativas com divisas.
O sistema desenhado em Bretton Woods, no ano de 1944, sustentou
cerca de três décadas de estabilidade econômica, em contraponto às crises
vivenciadas nas décadas de 1920 e 1930.
A partir de 1970, sob fortes pressões das elites financeiras, vários
países, entre eles os Estados Unidos, a Alemanha e o Canadá, abandonaram
os controles sobre os fluxos de capitais. As taxas de câmbio passaram a ser
“negociadas” no mercado. Assim, o “sistema de Bretton Woods” literalmente
caiu. Em levas sucessivas, outros tantos países caminharam para a referida
liberdade econômica e financeira32.
Importa destacar uma das características fundamentais do mercado
financeiro internacional na atualidade. Com efeito, apenas 2 (dois) a
3% (três por cento) dos negócios estão voltados para o financiamento
da atividade econômica produtiva (indústria, comércio e serviços)33. A
denominação “cassino global”, antes referida, não é inadequada. Afinal,
dominam amplamente os mercados certos “jogos educados”34.
Nos contratos próprios destes “jogos”, os agentes econômicos
envolvidos pagam uma pequena entrada e limitam o risco, por ocasião
do vencimento, por intermédio de uma série de contratos paralelos.
Forma-se, assim, um monumental mercado de derivativos35 divorciado
32 “Enfim, foi por ação política e legislação direcionada, da parte de goverrnos democraticamente eleitos,
que se desenvolveu o sistema econômico hoje independente chamado ‘mercado financeiro global’, ao qual
cientistas políticos e economistas já atribuem o caráter de ‘um poder superior’. As nações do mundo estão
interligadas não tanto por ideologia, cultuta pop, cooperação internacional ou mesmo ecologia, como pela
máquina de dinheiro dos bancos, seguradoras e fundos de investimento, unidos entre si por via eletrônica”.
MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e
ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 72.
33 Cf. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia
e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 77.
34 “Vamos apostar que o índice Dow Jones em um ano estará 250 pontos acima do nível de hoje. Do
contrário eu pago ...”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto
à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 77.
35 “Um derivativo é um contrato definido entre duas partes no qual se definem pagamentos futuros baseados
no comportamento dos preços de um ativo de mercado (normalmente as chamadas commmodities).
Em resumo, podemos dizer que um derivativo é um contrato cujo o valor deriva de um outro ativo (...)
Na Bíblia, Gênesis, capítulo 29, é possível encontrar o primeiro negócio de opções e o primeiro calote
em derivativos. Quando Labão lançou uma opção de compra do ativo Raquel, sua filha, para Jacó, com
preço de exercício de sete anos de trabalho. No vencimento da opção Jacó optou por exercer seu direito,
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
do mundo da produção de bens e serviços36.
O objetivo básico, ao se operar com derivativos, é conseguir ganhos
financeiros que compensem perdas em outras atividades econômicas.
Assim, situações de prejuízos certos como a desvalorização cambial e as
variações bruscas nas taxas de juros podem significar ganhos para quem
protegeu os investimentos por meio de derivativos.
A força dos derivativos é tão grande que consegue mudar o perfil dos
bancos na economia globalizada. Perdem importância com velocidade
crescente as funções tradicionais de administração de poupanças
e fornecimento de crédito para a atividade econômica produtiva.
Paralelamente, ganham importância crescente os rendimentos obtidos no
“jogo do mercado”37.
Em 1995, no âmbito da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico – OCDE, foram iniciadas as conversações para
a elaboração de um Acordo Multilateral de Investimentos – AMI. O ajuste
em questão pretende estabelecer um marco jurídico para a regulação dos
fluxos financeiros internacionais em tempos de globalização.
Para o Acordo Multilateral de Investimentos – AMI, em gestação38, a
noção de investimentos é bastante elástica. Estariam incluídos, além do
tradicional investimento externo direto, os “investimentos”:
porém Labão não entregou sua filha, primeiro default neste mercado”. WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela
Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.
php?title=Derivativo&oldid=1438070>. Acesso em: 10 abr. 2006.
“Ademais, a instabilidade gerada pela ruptura do sistema de Bretton Woods, num primeiro momento, e
pasl políticas monetária e cambial dos países desenvolvidos a partir de então, provocou um processo de
inovação e adaptação institucional no sistema financeiro internacional. Nesse sentido, pode-se mencionar
o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros de proteção ante riscos e incertezas. O exemplo de
maior destaque é o desenvolvimento do mercado de derivativos de moedas e taxas de juros, principalmente,
a partir dos anos 80”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e
Terra, 1999. p. 30.
36 “Com os negócios de derivativos, ‘o mundo financeiro teria se desligado da esfera real’, julgou Thomas
Fischer, que como chefe desse segmento em diversos bancos alemães, durante anos entrou na maratona do
mercado. Juros básicos e outras relações econômicas objetivas estão perdendo terreno. O que mais conta é a
expectativa, o jogo do sobe-e-desce. A faixa de oscilação de todas as cotações, no jargão financeiro chamada
de ‘volatilidade’, aumentou drasticamente”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da
Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 78.
37 “O Deutsche Bank sozinho lucra anualmente com os derivativos quase 1 bilhão de marcos”. MARTIN,
Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bemestar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 78.
38 “As discussões a respeito do AMI têm sido bastante controversas. As organizações não-governamentais
têm feito pressões crescentes no sentido de dar mais transparência às negociações e divulgação ao
escopo e importância de compromissos políticos associados à adesão ao AMI. Ademais, vários países
desenvolvidos (e.g., os EUA) não têm-se manifestado de forma firme quanto ao seu interesse no AMI. Isso
pode ser explicitado pelo fato de que os EUA já têm acordos bilaterais (e.g., com o Brasil) e plurilaterais
(e.g., com México e Canadá, no âmbito do NAFTA), que lhes asseguram os principais direitos mencionados
no AMI. Outros países , como a França, parecem não estar inclinados a prosseguir com as negociações
sobre o AMI. Neste sentido, consta que as maiores pressões para a aprovação do AMI têm origem na
Holanda e na Grã-Bretanha, países onde as empresas multilaterais têm uma forte presença. Países como
o Brasil, Argentina e Chile têm participado com observadores oficiais das negociações do AMI no âmbito
da OCDE, aparentemente, com o intuito de aderir ao aocordo tão logo ele seja promulgado. Há ainda a
possibilidade de se transferir as negociações do AMI do âmbito da OCDE para a OMC”. GONÇALVES,
Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 211. | 70 |
Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
a) de portfólio, de difícil delimitação, embora normalmente identificados
com aplicações de curto prazo;
b) imobiliários;
c) em qualquer tipo de ativo financeiro;
d) em ativos intangíveis.
Os objetivos principais do Acordo Multilateral de Investimentos – AMI
seriam:
a) a liberalização, em escalas nunca vistas, dos fluxos de investimentos
estrangeiros;
b) a proteção dos investimentos realizados;
c) a fixação de procedimentos para a solução de conflitos entre os
Estados e os investidores estrangeiros.
1.3.4. A nova divisão internacional do trabalho
A globalização configura uma nova divisão internacional do trabalho.
Enquanto as unidades de decisões estratégicas, de ordem política e
econômica, permanecem sediadas fisicamente nos países centrais, os
recursos para a produção são obtidos ao redor do mundo. São criados
sistemas de produção extremamente flexíveis e dispensos em inúmeras
operações em diversos países. As tecnologias de ponta, nos campos da
comunicação e da informática, permitem “organizar” a cadeia produtiva
em escala global.
As principais atividades econômicas relacionadas com a produção, a
distribuição e o consumo estão organizadas em escala mundial de forma
muito peculiar. Segundo Manuel Castells, as estruturas tradicionalmente
hierarquizadas, vivenciadas no interior das organizações públicas
e privadas, são substituídas, com enorme ganho de eficiência, por
estruturas em redes39, desprovidas do traço de verticalidade próprio
dos desenhos anteriores40.
39 “Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a
fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a Internet
passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede. Uma rede é
um conjunto de nós interconectados”. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a
Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 7.
40 “Além disso, a Cisco também organiza sua produção on-line, um ambiente de fabricação em rede
montado na forma de uma extranet, Manutacturing Connection Online (MCO), inaugurado em junho de 1999
e acessado por fornecedores, empregados da empresa e parceiros logísticos. Sendo uma das companhias
industriais mais ricas do mundo, ela fabrica muito pouco por si mesma, tendo terceirizado mais de 90% de
sua produção para uma rede de fornecedores autorizados. Mas a Cisco controla rigorosamente sua rede
de fornecimento, integrando forncedores-chave a seus sistemas de produção, automatizando o roteamento
de transferência de dados através de EDIs, automatizando a coleta de informação sobre dados de produto
a partir dos fornecedores e descentralizando os procedimentos de testagem no ponto da produção, sob
padrões e métodos rigorosamente controlados por engenheiros da Cisco. Assim, a Cisco é realmente um
fabricante, mas baseado numa fábrica virtual, global, pela qual tem a responsabilidade final em termos
de pesquisa e desenvolvimento, engenharia de protótipo, controle de qualidade e marca. (...) O modelo
de empresa em rede, propelido pela Internet, não se restrige à indústria tecnológica. Está se expandindo
rapidamente em todos os setores de atividades”. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões
sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 61-63.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
José Eduardo Faria identifica e qualifica as profundas mudanças
observadas na operacionalização da economia globalizada como uma
verdadeira “desterritorialização da produção” na “economia-mundo”,
marcada pela dispersão geográfica da produção com o objetivo de aproveitar
as vantagens comparativas de cada local41.
Importa destacar que a consolidação de uma economia de mãode-obra barata global, além de importante componente do processo de
pauperização de amplas parcelas da população mundial, representa uma
das fortes contradições e limitações da globalização em curso. Com efeito,
a busca por novos mercados consumidores, em escala planetária, esbarra
justamente na redução paulatina do poder de compra dos trabalhadores.
1.3.5. As políticas de liberalização, de privatização, de
desregulamentação e de superação de conquistas sociais
A implantação de um conjunto de políticas de liberalização, de
privatização, de desregulamentação e de superação de inúmeras conquistas
sociais marcam a chegada da globalização. Estas políticas são conhecidas
em seu conjunto como doutrina ou ideologia neoliberal. Elas estão baseadas
na premissa básica de que o mercado deve regular a sociedade e, por via
de conseqüência, o papel e a presença do Estado devem ser reduzidos42.
O Estado não deve atenuar as desigualdades promovidas pelo mercado,
mas assegurar a ordem fundada no livre comércio ou livre mercado. Admitese, no máximo, que o Estado se ocupe de certas políticas compensatórias
voltadas para setores sociais lançados na mais completa pobreza.
As principais diretrizes a serem observadas para o futuro da economia
mundial, para as políticas de desenvolvimento econômico e particularmente
para o papel do Estado nas relações sociais e econômicas são conhecidas,
conforme referência anterior, como “Consenso de Washington”.
41 Cf. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.
p. 34-87.
42 Cf. Perry Anderson, a Sociedade de Mont Pèlerin, berço do pensamento neoliberal, tinha o “propósito de
combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases para um outro tipo de capitalismo,
duro e livre de regras para o futuro”. Para Hans-Peter Martin e Harald Schumann em sua obra A Armadilha
da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social: “A integração é acompanhada da ascensão
de uma doutrina redentora da economia, que um exército de consultores econômicos constantemente
leva à política: o neoliberalismo. Simplificando, eis a sua tese básica: o mercado é bom e interferências
do Estado são ruins”.
“Este ensaio abordará como grandes sistemas econômicos e políticos – a partir das pressões pecuniárias
e políticas e dos modismos de nossa época – cultivam sua própria versão da verdade, que não tem,
necessariamente, relação alguma com a realidade. Ninguém é particularmente culpado; tendemos a acreditar
no que é conveniente. Deveriam estar atentos a esse fato todos os que estudaram economia, todos os
que hoje são estudantes e todos os que têm algum interesse na vida econômica e política. É a ele servem
– ou a ele não se opõem – os influentes interesses econômicos, políticos e sociais”. GALBRAITH, John
Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004. p. 11.
“A integração global é acmpanhada da ascensão de uma doutrina redentora da economia, que um exército
de consultores econômicos constantemente leva à política: o neoliberalismo. Simplificando, eis sua tese
básica: o mercado é bom e interferênias do Estado são ruins”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald.
A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo,
1998. p. 17.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
A implementação do “Consenso de Washington” contou (e conta) com a
decisiva ação de certas agências multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo
Monetário Internacional - FMI e a Organização Mundial do Comércio - OMC.
As diretrizes do “Consenso de Washington” aparecem nos cenários
internos das sociedades subjugadas com denominações pomposas e
forte apelo saneador: “política de ajustamento estrutural”, “política de
estabilização macroeconômica”, entre outras43. Estas políticas envolvem
medidas como:
a) liberalização de mercados;
b) privatização de empresas estatais e dos serviços prestados por elas;
c) “flexibilização” das relações entre o capital e o trabalho;
d) redução e privatização dos sistemas de previdência social, dentro
de uma quadro mais amplo de enfraquecimento dos direitos sociais;
e) reformas educacionais voltadas para a profissionalização em
detrimento da cidadania e introdução do pagamento direto, parcial ou total,
nas instituiçõs públicas;
f) “independência” do Banco Central em relação às instâncias políticas
legitimadas pelo voto popular, notadamente a parlamentar44.
A implementação das políticas do “Consenso de Washington” inviabiliza
a construção de economias nacionais pelos países em desenvolvimento. A
internacionalização das economias dos países “emergentes” cria “territórios
econômicos abertos” munidos de importantes “reservas” de mão-de-obra
barata e recursos naturais.
Segundo Michel Chossudovsky, temos uma verdadeira guerra
econômica e financeira em curso. Trata-se, no entanto, de uma guerra em
novos moldes ou novas bases. Não é mais preciso o uso da força militar,
a invasão ou a ocupação física. A nova “conquista” envolve o controle, a
distância, sobre os processos produtivos45.
1.3.6. O processo de cobrança de dívidas em escala mundial
As políticas social e econômica dos governos dos países menos
43 “O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização
é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o
controle sobre a política monetária e fiscal; seu Banco Central e Ministério da Fazenda são reorganizados
(frequentemente com a cumplicidade das burocracias locais); suas instituições são anuladas e é instalada
uma ‘tutela econômica’. Um ‘governo paralelo’ que passa por cima da sociedade civil é estabelecido pelas
instituições financeiras internacionais (IFIs). Os países que não aceitam as ‘metas de desempenho’ do FMI
são colocados na lista negra”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das
reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 28.
44 “Outra importante condição imposta pelo FMI é que ‘a independência do Banco Central seja mantida
também em relação ao Parlamento’, ou seja, uma vez nomeados, os altos funcionários do Banco Central
não têm de prestar contas nem ao governo nem ao Parlamento. Eles estão cada vez mais subordinados às
IFIs. Em muitos países em desenvolvimento, são mesmo antigos integrantes dos quadros dessas instituições
e dos bancos de desenvolvimento regionais”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza:
Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 50.
45 CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco
Mundial. São Paulo: Moderna, 1999, p. 289-290.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
desenvolvidos são afetadas em função de um processo bem definido de
cobrança de dívidas em escala mundial.
O processo mencionado envolve as agências financeiras internacionais
(Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional - FMI e Organização
Mundial do Comércio - OMC) que, operando segundo os interesses
econômicos dominantes, supervionam e condicionam as economias
nacionais. A rigor, impõem-se programas de ajustamento econômico
estrutural como condições (as chamadas “condicionalidades”) para a
renegociação das dívidas externas.
Cumpre registrar que os “programas de estabilização macroeconômica”
definidos pelas agências financeiras internacionais para os chamados
“países em desenvolvimento” produzem resultados sociais dramáticos,
notadamente o empobrecimento de milhões de pessoas.
Mesmo os países desenvolvidos são envolvidos e aplicam o receituário
gestado no interior das agências financeiras internacionais. As providências
mais visíveis nestes países são os cortes de gastos sociais e a eliminação
de benefícios conquistados ao longo de décadas e caracterizadores do do
Estado de bem-estar social.
Michel Chossudovsky afirma e demonstra com firmeza esta
triste realidade46. Boaventura de Sousa Santos também reconhece
claramente a existência deste processo47. Hans-Peter Martin e Harald
Schumann também constatam o perverso papel das agências financeiras
internacionais48.
Michel Chossudovsky reconhece que as chamadas “condicionalidades”,
manejadas com eficiência pelo Fundo Monetário Internacional - FMI e pelo
Banco Mundial no âmbito dos processos de renegociação das dívidas
externas, ampliaram seu raio de ação para outras searas das relações
internacionais, notadamente na regulação do comércio internacional49.
46 “O FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são estruturas administrativas,
são órgãos reguladores operando dentro de um sistema capitalista e respondendo a interesses econômicos e
financeiros dominantes. O que está em jogo é a capacidade dessa burocracia internacional para supervisionar
as economias nacionais por meio da deliberada manipulação das forças do mercado”. CHOSSUDOVSKY,
Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo:
Moderna, 1999. p. 12.
47 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. <aqui>.
48 “Para tanto, o FMI era o foro ideal, porque em seu comitê relator os governos do G-7 têm voz decisiva.
Não importa onde o FMI tenha concedido créditos, isso sempre foi vinculado ao compromisso de tornar a
respectiva moeda conversível e abrir o país à circulação internacional de capitais”. MARTIN, Hans-Peter;
SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social.
3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 72.
49 “A imposição das prescrições políticas do FMI-Banco Mundial deixou de depender apenas dos acordos
de empréstimo de nível nacional (que não são documentos ‘geradores de obrigação legal’). Muitas das
cláusulas do PAE (por exemplo, a liberalização do comércio e o regime de investimento estrangeiro) foram
inseridas de forma permanente nos artigos do acordo da OMC. Esses artigos têm servio de base para
‘controlar’ países (e impor ‘condicionalidades’) de acordo com a lei internacional”. CHOSSUDOVSKY,
Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo:
Moderna, 1999. p. 28.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Deve ser destacado o papel das agências financeiras de rating. Estes
organismos, com suas avaliações dirigidas aos investidores ou especuladores
internacionais, conseguem interferir efetivamente na formulação de políticas
internas dos Estados mais vulneráveis. Chossudovsky aponta exemplos
emblemáticos desta realidade50.
1.3.7. Os movimentos (ou processos) globais paralelos
A globalização, ou o processo da globalização, convive com movimentos
ou acontecimentos significativos em escala mundial. São processos
históricos distintos, em suas causas mais remotas, mas profundamente
entrelaçados, com inegáveis influências mútuas. Os mais relevantes destes
processos são:
a) o fim da “guerra fria” entre a União Soviética e os Estados Unidos
da América;
b) as profundas inovações nas tecnologias de comunicação e de
informação;
c) a proclamação da democracia liberal como regime político
universal51;
d) a imposição do mesmo modelo de lei de proteção da propriedade
intelectual52.
Vale destacar o papel estratégico das inovações tecnológicas. Aliás,
a nova economia é informacional porque, segundo inúmeros autores, a
produtividade e a competitividade estão fundadas na capacidade de geração
e de aplicação da informação baseada em conhecimento53.
50 “O rebaixamento de categoria da dívida consolidada da Suécia em 1995 pela Moody’s foi instrumental
para a decisão do governo social-democrata de minoria de cortar programas de bem-estar social essenciais,
entre eles a pensão das crianças e o seguro-desemprego. Da mesma forma, a classificação do crédito
da dívida pública do Canadá pela Moody’s foi um dos principais fatores na adoção do PAE desse país em
1995-1996, que envolveu grandes cortes nos programas sociais e demissões de funcionários públicos”.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco
Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 13.
“Entre as agências anônimas do poder mundial do mercado financeiro, goza de especial influência aquela
estabelecida em um prédio compacto de onze andares, situado em Nova York na Church Street, 99. A
sombra das duas torres do World Trade Center, trabalham os 300 analistas bem remunerados da Moody’s
Investors Service, a maior e mais solicitada consultoria de investimentos do planeta. Na parede do saguão
de entrada, um relevo de mais de 12m2 banhado em ouro resume a filosofia da empresa: ‘Crédito é o
sopro de vida no moderno sistema de livre comércio moderno. Contribuiu cerca de mil vezes a mais para
a riqueza das nações do que as minas de metais preciosos possam ter proporcionado’. MARTIN, HansPeter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar
social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 95.
51 O fenômeno pode ser observado no Afeganistão e no Iraque. Nestes países, apesar do milenar legado
histórico, os modelos de democracia liberal ocidental são postos ou impostos como paradigmas universais
para o trato das relações políticas.
52 Ver a nota 18.
53 “..., o sistema global funciona em rede, ancorado em nódulos centrais que, apoiados nas novas
tecnologias de comunicação e de informação, penetram em áreas cada vez mais recônditas do planeta,
cristalizando no processo o domínio nos nódulos centrais sobre a imensa e crescente periferia (Castells,
1996). A novidade do sistema advém de ele se basear no controlo do conhecimento e da informação,
pelo que a localização física dos agentes que comandam o processo é simultaneamente concentrada,
isto é, tende a afluir nos nódulos centrais, e difusa, isto é, está dispersa, embora ligada permanentemente
em rede a partir dos nódulos centrais a todos as crescentes áreas que vai integrando no sistema global
(Sassen, 1994)”. BAGANHA. Maria Ioannis. A cada Sul o seu Norte: Dinâmicas migratórias em Portugal.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
As modernas tecnologias de comunicação e informação, além
de viabilizarem os frenéticos movimentos internacionais de capitais
especulativos:
a) permitem contatos diretos e instantâneos entre os locais de produção
e as matrizes corporativas;
b) promovem uma extraordinária redução dos custos operacionais e
dos custos das operações em escala mundial;
c) reduzem dramaticamente a necessidade de mão-de-obra em certos
setores produtivos em função das técnicas de automação. A democracia liberal como regime político universal cumpre o relevante
papel de viabilizar um ambiente político que não ameaça os postulados
básicos da globalização hegemônica. Em verdade, os mecanismos
políticos tradicionais são instrumentalizados pelas forças do mercado,
notadamente por intermédio da grande imprensa devidamente alinhada,
para conformarem um quadro de legitimação formal do ambiente políticoeconômico voltado para nutrir os interesses globais dominantes54.
1.4. Os espaços jurídicos tradicionais e a globalização
A globalização desferiu um poderoso golpe na formação dos espaços
jurídicos tradicionais. A crescente participação política no âmbito do
Estado Social, territorialmente definido, conduziu a conquistas de inúmeros
e variados direitos conhecidos como de segunda e terceira gerações.
Ocorre que a globalização reduziu o espaço público de atuação política na
medida em que alargou a importância do mercado55. As decisões políticas
In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2005. p. 137.
“O recurso econômico básico – ‘os meios de produção’, para usar uma expressão dos economistas – não
é mais o capital, nem os recursos naturais (a ‘terra’ dos economistas), nem a ‘mão-de-obra’. Ele é e será o
conhecimento. As atividades centrais de criação de riqueza não serão nem a alocação de capital para usos
produtivos, nem a ‘mão-de-obra’ – os dois pólos da teoria econômica dos séculos dezenove e vinte, quer seja
clássica, marxista, keynesiana ou neoclássica. Hoje o valor é criado pela ‘produtividade’ e pela ‘inovação’,
que são aplicações do conhecimento ao trabalho”. DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. p. XVI.
54 “Prejudicado pelos conflitos de interesses, o sistema de governo no Ocidente está em crise, como
resultado de sua relação ambivalente com preocupações econômicas e financeiras privadas. Nessas
condições, a prática da democracia nos países desenvolvidos tornou-se também um ritual. Nenhuma política
alternativa é oferecida para os eleitores. Como em um Estado monopartidário, os resultados das urnas
não têm virtualmente qualquer impacto sobre a real conduta da política econômica e social do Estado”.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco
Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 21.
55 “Vimos ainda que na medida em que a participação política foi se incrementando no âmbito do Estado
moderno, ou seja, quando o espaço político encontrava-se territorialmente delimitado pelas fronteiras do
Estado, ocorreu, paralelamente, o crescimento das conquistas de direitos e da sua defesa.
Na medida em que a globalização econômica e o neoliberalismo implementaram-se, ocorreu uma
crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos no mundo,
tornando as fronteiras dos Estados obsoletas, resultando no retraimento da esfera pública, ampliando-se,
de forma crescente, o espaço do mercado. Tal processo resultou na transnacionalização da esfera política,
desterritorializando-se a política, consoante vimos no item anterior, ou seja, quando a política perde o seu
referencial espacial delimitado, que constituía uma característica da política moderna e do Estado moderno.
Essa situação desencadeou o declínio da participação política e outras conseqüências negativas no
âmbito da política na contemporaneidade, conforme tivemos oportunidade de constatar no item anterior,
bem como na conquista e na defesa dos direitos que foram obtidos ao longo de vários séculos de lutas”.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
globalizadas, tomadas para além das fronteiras nacionais, enfraqueceram
a participação política e modelaram várias formas de exclusão social.
Assistimos, nesta quadra histórica, a “dissipação”, a “flexibillização” e
a “desregulamentação” de direitos duramente conquistados em décadas
de lutas sociais56. As forças de mercado, notadamente em suas feições
internacionais, reinam hegemônicas e com resistências políticas e sociais
somente em fase inicial de articulação no cenário mundial.
Neste panorama, o direito, o marco jurídico, o marco regulatório,
vem sendo moldado com grande facilidade para fornecer novos e úteis
instrumentos formais para a consolidação e o desenvolvimento dos
interesses do mercado transnacional57.
Fenômeno digno de nota no ambiente de globalização consiste na
enorme visibilidade adquirida pela solução judicial dos mais agudos
problemas políticos e sociais vivenciados pelas sociedades modernas.
Seria, como sugere Boaventura de Sousa Santos, a manifestação de uma
das máximas do “Consenso de Washington”: o primado do direito e da
resolução judicial dos conflitos58.
Não obstante a importância do direito para a solução dos conflitos
surgidos nos espaços sociais globalizados, identifica-se uma crescente
LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2002. p. 306.
56 “A sujeição às diretrizes do setor financeiro torna-se um assalto à democracia. Cada cidadão continua
tendo um voto. Os políticos ainda precisam procurar obter um equilíbrio de interesses entre todas as camadas
sociais para conseguir maioria, seja na Suécia, nos EUA ou na Alemanha. Após a eleição, entretanto,
as decisões são tomadas com base no ‘direito de voto monetário’, como foi apelidado eufemisticamente
pelos economistas.
Não é nenhuma questão moral. Os administradores profissionais do dinheiro apenas cumprem sua tarefa,
exigindo o máximo rendimento pelo capital que lhes foi confiado. Contudo, com sua atual supemacia,
podem colocar a perder mais de cem nos de árduas lutas e conquistas sociais”. MARTIN, Hans-Peter;
SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social.
3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 100.
Jagdish Bhagwati em sua obra Em Defesa da Globalização. Como a globalização está ajudando ricos e
pobres afirma que os resultados benéficos são a “tendência central” da globalização. Atribui o sentimento
antiglobalização a uma trilogia de insatisfações representada pelo anticapitalismo de vários matizes, pela
direita nacionalista e pelo antiamericanismo.
57 “O consenso sobre o primado do direito e do sistema judicial é uma das componentes essenciais da nova
forma política do Estado e é também o que melhor procura vincular a globalização política à globalização
económica. O modelo de desenvolvimento caucionado pelo Consenso de Washington reclama um novo
quadro legal que seja adequado à liberalização dos mercados, dos investimentos e do sistema financeiro.
(...) Nos termos do Consenso de Washington, a responsabilidade central do Estado consiste em criar o
quadro legal e dar condições de efectivo funcionamento às instituições jurídicas e judiciais que tornarão
possível o fluir rotineiro das infinitas interacções entre os cidadãos, os agentes económicos e o próprio
Estado”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos
(Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 43.
58 “Este estado de coisas começou a mudar na década de oitenta e rapidamente os tribunais passaram a
ocupar as primeiras páginas dos jornais, a sua actividade converteu-se numa curiosidade jornalística e os
magistrados tornaram-se figuras públicas (...) Chamamos a este processo de despolitização, judicialização
da política. Em terceiro lugar, esta judicialização da política, que foi, na sua génese, um sintoma da crise da
democracia, alimentou-se desta. A legitimidade democrática que antes assentava quase exclusivamente
nos órgãos políticos eleitos, o parlamento e o executivo, foi-se transferindo de algum modo para os
tribunais”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa
Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 87-88.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
dificuldade das ciências jurídicas, e das ciências sociais em escala mais
ampla, de explicar e resolver adequadamente os problemas postos. Com
efeito, as teorias e categorias jurídicas fundamentais atualmente em uso
foram construídas tendo como referência básica as sociedades nacionais
controladas por Estados relativamente fortes. Atualmente, com a força dos
fenômenos e atores de índole internacional, as teorias existentes mostramse insuficientes para o tratamento das novas realidades59.
2. AS CONSTATAÇÕES
O longo item 1 anterior é a primeira parte da minha dissertação de
mestrado exatamente como escrita no ano de 2006.
O trabalho versou sobre AS REPERCUSSÕES DA GLOBALIZAÇÃO
NA TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA e suas principais conclusões são
apresentadas nos próximos parágrafos.
2.1. Conclusões da dissertação
Na atualidade, o fenômeno da globalização assume importância
fundamental na busca de explicações para os processos sociais
mais significativos. Não obstante a relevância do tema, identificam-se
dificuldades de denominação, de "localização" histórica, de definição e
de construção de um marco teórico para os estudos científicos.
O traço mais marcante da globalização é justamente a interferência
nos assuntos e definições locais, regionais e nacionais de decisões adotadas
fora destes âmbitos geográficos, mais precisamente no cenário mundial
ou internacional.
As principais características da globalização são as seguintes: o
enfraquecimento dos Estados nacionais, a ampliação e o fortalecimento do
papel social desempenhado pelas empresas transnacionais, os movimentos
59 “Neste cenário altamente cambiante, o direito positivo – tal qual em sido entendido convencionalmente,
como o ordenamento jurídico do Estado-nação – passou a enfrentar um dilema cruel: se permanecer
preocupado com sua integridade lógica e com sua racionalidade formal, diante de todas essas mudanças
profundas e intensas, corre o risco de não acompanhar a dinâmica dos fatos, de ser funcionalmente
ineficaz e, por fim, de acabar sendo socialmente desprezado, ignorado, e (numa situação-limite) até
mesmo considerado descartável; caso se deixe seduzir pela tentativa de controlar e disciplinar diretamente
todos os setores de uma vida social econômica e política cada vez mais tensa, instável, imprevisível,
heterogênea e complexa, substituindo a preocupação com sua unidade dogmática pels ênfase a uma
eficiência instrumental, diretiva e regulatória, corre o risco de ver comprometida sua identidade sistêmica
e, como consequência, de terminar sendo desfigurado como referência normativa. De que modo sair deste
impasse? Por quanto tempo mais o direito positivo pode persistir nessa situação dilemática, uma vez que
muitas das condições sociais, poíticas, econômicas e culturais que lhe deram origem já desapareceram
ou estão em fase de desaparecimento? (...)
Que dificuldades teóricas e que problemas analíticos essas mudanças podem trazer para um pensamento
jurídico construído e organizado justamente em torno de conceitos, princípios e categorias como soberania,
legalidade, validez, hierarquia das leis, direitos subjetivos, igualdade formal, cidadania, segurança e certeza?
Até que ponto uma realidade em profunda e continua transformação, como a contemporânea, tem condições
de ser apreendida pelos modelos doutrinários até agora prevalecentes no âmbito desse pensamento?”
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 9.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
transnacionais de capitais em volumes extraordinários, a nova divisão
internacional do trabalho, as políticas de liberalização, de privatização, de
desregulamentação e de superação de conquistas sociais e o processo de
cobrança de dívidas em escala mundial.
Cumpre destacar que a globalização manifesta-se como um fenômeno
essencialmente conflituoso. Seus traços mais salientes revelam um processo
dominante ou hegemônico em convívio com iniciativas de resistência
contra-hegemônica.
Identificam-se movimentos (ou processos) globais paralelos e com
influências recíprocas no fenômeno da globalização. Os mais relevantes
são: o fim da “guerra fria” entre a União Soviética e os Estados Unidos da
América, as profundas inovações nas tecnologias de comunicação e de
informação, a proclamação da democracia liberal como regime político
universal e a imposição do mesmo modelo de lei de proteção da propriedade
intelectual.
A globalização desferiu um poderoso golpe na dinâmica dos institutos
jurídicos tradicionais ao reduzir o espaço público de atuação política na
medida em que alargou a importância do mercado.
A globalização conduziu a inserção internacional ao centro das
preocupações tributárias. Identificam-se inúmeros conseqüências e ações
no campo da tributação em decorrência dos vários fatores determinantes
da globalização. Trata-se de um fenômeno que pode ser denominado de
globalização tributária.
Na seara da globalização tributária podem ser destacados os seguintes
acontecimentos principais: a tendência de redução das cargas tributárias
nacionais com perversas conseqüências sociais, a regulação dos países com
tributação favorecida ou “paraísos fiscais”, o tratamento dos “preços de
transferência”, a preocupação com o planejamento tributário internacional,
a proliferação dos tratados internacionais em matéria tributária, a tributação
da renda em bases universais, a formação de blocos econômicos e a
aproximação tributária realizada no interior deles, a idéia da Taxa Tobin
para tributar as transações financeiras internacionais e o fenômeno do
nomadismo fiscal.
Um dos principais e mais perversos traços da globalização tributária
consiste na crescente injustiça e regressividade dos sistemas tributários.
Com efeito, a diferenciação da carga tributária por segmentos econômicos
considera, agora, o âmbito geográfico de atuação do agente econômico. Os
atores globalizados, pelo uso dos mais variados expedientes, notadamente
com viés internacional, suportam uma tributação relativamente menor que
os atores não globalizados, sujeitos, ademais, ao controle mais estrito dos
Estados nacionais.
O Estado brasileiro adotou, em decisões governamentais conscientes,
notadamente porque consagradas em medidas legislativas, os principais
cânones da globalização tributária.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Por um lado, o legislador incorporou na ordem jurídica brasileira uma
série de instrumentos, já consagrados no plano internacional, para combater
os aspectos mais negativos, sobretudo quanto à erosão dos fluxos fiscais,
da competição tributária internacional. Nesta linha, foram consagrados: a
tributação em bases universais, o tratamento dos “preços de transferência”,
a regulação dos dos “paraísos fiscais”, a adoção de uma norma geral
antielisiva e a participação em inúmeros tratados internacionais versando
sobre matéria tributária. Identifica-se, ainda, a presença do Estado brasileiro
num difícil processo de aproximação tributária no âmbito do MERCOSUL.
Por outro lado, a regressividade do sistema tributário brasileiro em
ambiente globalizado foi definida e acentuada com base em explícitos
mecanismos de favorecimento fiscal para os segmentos econômicos com
maior capacidade contributiva e nitidamente com atuação globalizada.
Destacam-se, para alcançar este objetivo, os seguintes expedientes legais:
os “juros sobre o capital próprio”, a isenção da distribuição de lucros e
dividendos e da remessa de lucros para o exterior, a tributação exclusiva
na fonte sobre as várias formas de rendimentos de capital, a isenção da
Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF nas
mudanças de investimento no sistema financeiro, a isenção do Imposto
de Renda – IR e da da Contribuição Provisória sobre a Movimentação
Financeira – CPMF para investidores estrangeiros e a oneração tributária
do trabalho no âmbito da regulação da não-cumulatividade da COFINS e
do PIS/PASEP.
Constata-se, no tocante ao perfil da carga tributária brasileira, a
preponderância da pressão fiscal sobre o consumo e os rendimentos
decorrentes do trabalho. Já os rendimentos do capital e o patrimônio restam
beneficiados na tributação.
É preciso, ainda, destacar que o enorme esforço fiscal exigido
preponderantemente dos setores mais despossuídos e não globalizados
financia os compromissos financeiros do Poder Público para com credores
do sistema financeiro nacional e internacional. Assim, o modelo financeirotributário construído no Brasil sob os influxos da globalização viabiliza
a transferência de enormes quantidades de riquezas dos setores mais
desvalidos da sociedade para os segmentos econômicos mais privilegiados
por intermédio do pagamento de encargos financeiros (juros e amortizações
da dívida interna e externa).
Portanto, a pesquisa, a sistematização e o estudo empreendidos
confirmam as hipóteses levantadas na introdução deste trabalho.
Para a hipótese 1, no sentido de que “as recentes alterações processadas
na legislação tributária brasileira relacionadas com fatos econômicos de
perfil internacional foram adotadas de forma reflexa, ou seja, como
incorporação na ordem jurídica brasileira de definições desenvolvidas pelos
países desenvolvidos”, restou claro que o legislador brasileiro incorporou
fórmulas desenvolvidas em outros países, cuidadosamente gestadas,
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
sugeridas e impostas por organismos internacionais representativos dos
interesses centrais do capitalismo atual.
Para a hipótese 2, no sentido de que “as modificações operadas
atingiram de forma distinta os vários agentes econômico-sociais, privilegiando
certos segmentos em detrimento de outros”, também restou comprovado
que o legislador introduziu instrumentos tributários na ordem jurídica
brasileira, alguns originais, em claro benefício de segmentos econômicos
com maior capacidade tributária e trânsito no mundo globalizado. Em
contraponto, os segmentos não globalizados da sociedade brasileira,
notadamente os consumidores e os trabalhadores, não favorecidos pelos
benefícios tributários, suportam uma carga tributária fortemente injusta.
2.2. Outra importante conclusão
Existe uma outra fundamental conclusão decorrente do trabalho
intelectual realizado. Trata-se da constatação de que os mais profundos
avanços libertários do ser humano não serão possíveis nos marcos do atual
capitalismo financeiro internacional (cuja faceta mais recente é identificada
como globalização).
Os inúmeros mecanismos descritos no trabalho (e outros não
abordados diretamente) são estruturas básicas do modelo socioeconômico
vigente (ou modo de produção). São os principais e mais poderosos
instrumentos realizadores, em escala planetária, de injustiças sociais,
explorações, degradações e praticamente todos os demais processos nocivos
observados na atualidade.
Assim, um novo estádio de desenvolvimento humano reclama
o desmonte desses instrumentos e, portanto, a superação do modelo
socioeconômico atualmente vigente (o capitalismo financeiro de caráter
internacional fundado predominantemente na acumulação de dinheiro e
obtenção de lucros por intermédio do mercado financeiro e seus produtos,
representados por ações, títulos, derivativos e câmbio).
A nova sociedade surgida da superação do capitalismo financeiro
internacional será uma sociedade socialista e democrática. O mercado
e a perversa mercantilização das relações humanas não serão os valores
dominantes. Essa nova sociedade surgirá quando as condições sociais,
políticas e econômicas estiveram postas. A história humana registrará o
momento da virada.
O novo modelo de sociedade deverá ser construído sob o império
das mais caras liberdade humanas, conquistas universais inafastáveis.
Não é admissível ou aceitável substituir a opressão sufocante do capital
por qualquer outro tipo de dominação espúria. Os erros do passado são
profundas lições a serem permanentemente lembradas na trajetória de
construção de uma sociedade verdadeiramente plural, libertária, justa,
fraterna e emancipadora de todos os potenciais humanos, atualmente
tolhidos pela hegemonia dos valores decorrentes do capital.
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Não existem fórmulas prontas e acabadas. A construção do socialismo
com liberdade é um processo que exigirá o melhor das energias criativas
dos trabalhadores do campo e da cidade, da juventude, da intelectualidade
progressista e das classes médias mais consequentes. Será preciso
conformar inovadoras formas coletivas de organização das forças produtivas
e das relações de produção.
O futuro, na forma de um socialismo efetivamente democrático,
descortinará a mais bela página da utopia humana. Será um tempo sem
senhores, poderosos, bilionários, exploradores e opressores de qualquer
tipo. Vale a pena lutar por ele ...
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
Currículo resumido
I. DADOS PESSOAIS
Nome: Aldemario Araujo Castro
Pai: Audemaro Araujo Silva
Mãe: Janice Araujo Castro
Companheira: Luciana Hoff
Filhos:
Amanda Feitosa Castro
Carolina Araujo Castro Feitosa
Gabriel Araujo Castro Feitosa
Enteadas:
Catarina Hoff Vieira
Victoria Hoff Corrêa
Data de nascimento: 30 de abril de 1966
Local de nascimento: Maceió, Alagoas
II. ATIVIDADES ATUAIS
l Procurador da Fazenda Nacional (desde junho/1993)
l Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB (desde fevereiro/2001)
Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (desde
fevereiro/2013)
l Editor da Revista da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN
(desde 2011)
III. ATIVIDADES ANTERIORES
l Advogado-Geral da União (Interino, de 2 a 7/janeiro/2008)
l Corregedor-Geral da Advocacia da União (de abril/2007 a outubro/2009)
l Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional (de abril a outubro/2003)
l Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União da Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional do Ministério da Fazenda (de abril/1999 a fevereiro/2001)
l Presidente da Comissão Nacional de Advocacia Pública do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (de março/2013 a
fevereiro/2014)
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Ideias para um outro Brasil (popular e democrático)
l Coordenador do Curso de Especialização (a distância) em Direito do Estado
da Universidade Católica de Brasília Virtual - UCB Virtual (2006 a 2008)
Membro do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União (de
abril/2002 a abril/2004 e de abril/2007 a outubro/2009)
l Vice-Presidente do Conselho de Administração da Fundação Assistencial
dos Servidores do Ministério da Fazenda - ASSEFAZ (1998/2003)
l Procurador-Chefe da Fazenda Nacional em Alagoas (de fevereiro/1994
a maio/1998)
l Presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional
- SINPROFAZ (de julho/2004 a junho/2005)
l Diretor do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional SINPROFAZ (2001/2003)
l
IV. TÍTULOS ACADÊMICOS
l
l
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB
V. CONDECORAÇÕES
l
Medalha do Pacificador (Exército Brasileiro)
VI. EXPOSITOR
l Expositor em mais de 100 (cem) palestras, conferências, congressos,
cursos, debates e congêneres
VII. AUTOR
l Autor de mais de 200 trabalhos escritos entre textos, artigos, capítulos
de livros e livros
VIII. PRESENÇA NA INTERNET
l
l
l
Site (ativo desde novembro/1997): http://www.aldemario.adv.br
E-mail: [email protected]
Facebook: http://www.facebook.com/aldemario.araujo
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