VEJA MAIS - André Valentim

Transcrição

VEJA MAIS - André Valentim
Passeio de helicóptero sobre o
campo de gelo de Juneau, com
direito a pousos sobre o Glacial
24 Revista mergulho
Alasca:
Terra, Ar e Mar
Por André Valentim
Fotos: Rodrigo Figueiredo
A aventura de
mergulhar em um
dos destinos mais
desafiadores do planeta
Q
uando se fala em Alasca, o que
vem à mente da imensa maioria das pessoas? Ursos, salmões, montanhas, gelo e
frio, muito frio. E que tal mergulho? O
Alasca é um dos destinos mais fantásticos
para os amantes da natureza e da vida
selvagem. Ao tomar conhecimento de
um liveaboard de mergulho pelas águas
da Inner Passage* estávamos decididos
de que essa era a viagem a ser feita. Um
liveaboard de mergulho no Alasca!
O lugar é conhecido no continente
americano como a última fronteira. Pode
não ser a última fronteira do mundo
submarino, mas sem dúvida é uma das
mais desafiadoras. Mergulhos em águas
com temperaturas entre 5 e 12 graus
Celsius, marés que variam mais de 5
metros em poucas horas, naufrágios
históricos do início do século XX e seres
marinhos completamente diferentes dos
nossos tradicionais peixinhos coloridos
dos mergulhos em águas tropicais. A
bordo do Swell, um rebocador centenário
totalmente reformado para atender mergulhadores, navegamos pelo trecho que
nos levaria de Juneau a Sitka, duas importantes cidades do Sudoeste do Estado.
Os primeiros a cruzar esta fronteira
buscavam as riquezas minerais, a famosa
corrida do ouro que hoje deu lugar à
busca pelo petróleo. Mas foi atrás das
maiores riquezas do Alasca, suas paisagens naturais e fauna absolutamente
fantástica que nos lançamos em mais
esta aventura.
O dorso da
baleia-jubarte
completa a
beleza das
paisagens do
Alasca
*INNER PASSAGE: via marítima situada na costa pacífica dos
Estados Unidos formada por uma rede de ilhas desde o sudoeste
do Alasca até o oeste da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Glacial de South Sawyer:
leões-marinhos observam
atentos a passagem do barco
Urso-negro
visto durante as
caminhadas pelas
trilhas de Juneau
Juneau: nosso
ponto de partida
Juneau, capital do Alasca, possui pouco
mais de 30 mil habitantes e na alta temporada (junho a setembro) chega a receber 1 milhão de visitantes, a grande maioria proveniente dos grandes navios de
cruzeiro que param e invadem as lojinhas
de produtos típicos que vendem salmão
fresco ou defumado, artesanato feito de
jade e de ossos fossilizados de baleias
encontrados nas terras do Alasca.
Quatro dias antes de embarcar no
Swell, partimos de Seattle para Juneau
em um voo de 2 horas que corta toda a
costa oeste do Canadá. Tínhamos um
objetivo claro: fotografar os ursos. Agosto
é o ápice da temporada do salmão, que
sobe os rios da região para a desova, e é
justamente neste momento que os ursosnegros e pardos aproveitam para fazer o
seu banquete. Fomos informados de que
o melhor lugar para encontrarmos nossos
novos amigos seria nas imediações do
Glacial Mendenhall, um dos diversos glaciais formados a partir do grande campo
de gelo de Juneau.
Nossas caminhadas pelas trilhas locais
foram um sucesso: salmões, esquilos,
porcos-espinhos e, é claro, ursos. Tivemos dois encontros com ursos em dois
dias de trilhas, ou seja, 100% de aproveitamento. Foram encontros fantásticos
e seguros, uma vez que respeitamos as
regras de convivência fixadas por todos
os lados das trilhas.
Depois de curtirmos muito nossa estadia em Juneau, estávamos prontos para
nossa aventura maior, navegar e mergulhar nas águas do Alasca!
A água e o céu ganham
cores espetaculares no
pôr do sol
O Swell
Na semana seguinte, nossa casa foi
o Swell, uma embarcação fabricada em
1912 totalmente reformada em 2010
para se tornar um barco de lazer e mergulho. Sua reforma alcançou a cifra de
3,5 milhões de dólares. O Swell tem sete
cabines, transporta até 12 mergulhadores
e sua tripulação é composta pelo capitão,
um imediato, um cozinheiro (que em
nossa viagem era um brasileiro), um dive
master e uma hostess. O barco é aconchegante, todo em madeira, com aquecimento central e individual nas cabines,
possibilitando ajustes pessoais. Todas as
torneiras têm água potável e aquecida.
A comida é de excelente qualidade. As
refeições principais são o café da manhã e
o jantar, no almoço era servida uma refeição mais leve. A estrutura de mergulho
é perfeita e super dimensionada. O Swell
tem recarga nitrox, cilindros de alumínio
e aço e aluguel de roupas secas. O grande
destaque é o seu barco de apoio, o Inde,
que foi exclusivamente desenhado para
as condições do Alasca, totalmente construído em alumínio e com capacidade
para 25 mergulhadores, o que dá muito
espaço para a lotação máxima de 12 mergulhadores que participam das viagens
do Swell. Outro ponto positivo do Inde
são os dois motores de popa tradicionais
e um motor a hidrojato, conjunto que faz
com que seja um barco rápido e versátil,
utilizado nos mergulhos e passeios. Nenhum detalhe escapa: as escadas do Inde
são de enorme acessibilidade, detalhe
importante devido a pouca mobilidade
proveniente do uso de roupas secas.
O silêncio e a elegância do Swell combinam perfeitamente com a magnífica
paisagem do Alasca.
Batalha de equilíbrio:
o objetivo é
permanecer de pé
no menor iceberg
possível
Atrações imperdíveis em Juneau:
• Visitar a cervejaria local ALASKAN, internacionalmente premiada, que produz
vários sabores em média escala, com destaque para a Amber, a IPA e a estranha
cerveja“defumada”,parapaladaresmuitoecléticos!http://www.alaskanbeer.com/
• Comer os famosos caranguejos do Alasca, ainda mais famosos agora pelas
matérias dos canais de aventura que classificam sua pesca como o trabalho mais
perigoso do mundo! O melhor e mais pitoresco da cidade é servido em uma barraca no porto, o Tracy’s Crabs, sob o slogan de “as melhores pernas de Juneau!”
http://www.kingcrabshack.com/
• Fazer um voo de helicóptero sobre o campo de gelo de Juneau, com direito a
pousossobreoGlacial.Aproveiteparamatarasedecomamaispuraáguadedegelo!
http://www.temscoair.com/
27
Revista mergulho
Fundo coberto por
anêmonas Plumoses
Naufrágios e jubartes
Os mergulhos
Fizemos 14 mergulhos, todos em águas
entre 5 e 12 graus Celsius, o que faz com
que a roupa seca seja imprescindível, pois
possibilita mergulhar nestas condições
com bastante conforto por até 1 hora. Em
geral, a visibilidade é muito pequena nos
primeiros 3 e 4 metros devido à quantidade de nutrientes, mas após vencer essa
barreira inicial, fica entre 10 e 15 metros.
Mas, como praticamente não há entrada
de luz natural devido à camada de nutrientes, as lanternas são indispensáveis
na maioria dos mergulhos no Alasca.
A vida marinha é coloridíssima e intensa. O fundo normalmente é coberto
por um sem número de esponjas e anêmonas, com destaque para as imensas
e muito brancas anêmonas Plumoses.
Seres de todos os tamanhos habitam
os fundos de pedra e os naufrágios que
visitamos, incluindo dois ícones do
Alasca, a moreia–lobo (Anarrhichthys
ocellatus) e o polvo-gigante-do-pacífico
(Enteroctopus dofleini).
28 Revista mergulho
Visitamos três naufrágios históricos
dessa movimentada rota, os famosos
State of California, Princess Kathleen e
o Princess Sophia, este último uma das
maiores catástrofes navais da história
dos Estados Unidos, vitimando todos os
seus 343 passageiros.
Dentre as várias viagens e expedições
já realizadas, diria que os intervalos
de superfície no Alasca foram os mais
fantásticos e, certamente, estão entre os
melhores do mundo.
Entre os mergulhos no Princess Sophia
e Princess Kathleen, fizemos o trajeto
denominado “a travessia ao largo de Shelter Island”, com a avistagem de inúmeras
baleias jubartes se alimentando. Os canais
das ilhas do sudoeste do Alasca são muito
profundos e cheios de alimento para as
baleias, o que nos proporciona imagens
dos formosos dorsos e, principalmente,
das poderosas nadadeiras caudais, tendo
como pano de fundo. as montanhas nevadas. Nesse ponto da viagem também
avistamos grupos de leões-marinhos e
orcas; a cadeia alimentar completa!
Paredes e águas termais
Wood Island é um ponto de mergulho
que merece destaque. A parede é indescritível e não há sequer um centímetro quadrado deste mergulho sem uma verdadeira explosão de cores. Entre os mergulhos
em Kelp Patch e Baranof Rock, na Ilha de
Baranof, fizemos uma visita ao lago que
leva o seu nome e às piscinas naturais
de águas termais. O Lago Baranof é uma
daquelas paisagens de sonho, com água
de 5 graus Celsius, cercado por montanhas nevadas e com uma pequena praia
de pedras, onde demos um rápido e gelado mergulho para depois corrermos até
as piscinas termais, com águas de até 42
graus Celsius. As piscinas termais ficam
ao lado da cachoeira que começa no lago
Baranof e que deságua na Baía de Baranof, que no verão é habitada por 15 famílias, mas no inverno, apenas um morador
fica no local, uma espécie de zelador solitário das casas da pequena vila.
Milhares de salmões
sobem os rios com a
missão de perpetuar
a espécie
Na travessia ao
largo de Shelter
Island, baleias
jubarte e leõesmarinhos podem
ser avistados com
facilidade
Mads Odgaard
Mergulho em Kelp
Patch: uma verdadeira
explosão de cores
Mads Odgaard
Vancouver Rock é
um dos melhores
pontos de mergulho
do Alasca. Muitas
moreias e polvos
podem ser vistos
entre as pedras
O Alasca é um dos lugares
mais inóspitos e belos do
planeta. Os campos de gelo
são verdadeiras obras de arte
Agosto é o ápice da temporada
do salmão, que sobe os rios da
região para a desova
Iluminação
artificial é
fundamental
em todos os
mergulhos no
Alasca
Polvos e moreias
Sem dúvida, o melhor ponto de mergulho da viagem toda foi Vancouver Rock,
uma pequena pedra que praticamente
desaparece na maré cheia e que tem
suas paredes descendo até 36 metros de
profundidade. Neste ponto tivemos água
entre 10 e 12 graus Celsius e visibilidade
no fundo de até 15 metros. Mas o melhor
do mergulho foi a quantidade de polvos
e moreias-lobo que encontramos. Um
dos polvos, inclusive, se dispôs a interagir
conosco (confira o vídeo no link www.
xdivers.com.br/alaska).
Para fechar com chave de ouro, logo
que retornamos à superfície, uma jubarte que se alimentava mostrou seu
dorso e sua cauda a poucos metros de
nosso barco. Imagens que fazem parte
da paisagem do Alasca e que absolutamente não têm preço.
Salmões e ursos
Entre os fantásticos mergulhos de
Wood Island e Vancouver Rock, chega
a hora da nossa aventura mais extrema, subir o rio junto com os salmões e,
talvez, avistar algum urso-pardo. Pela
manhã, assim que chegamos à enseada
avistamos de longe um urso-pardo adulto e um filhote, que infelizmente fugiram
com a aproximação do Swell. Segundo
a tripulação, enquanto mergulhávamos
Geleiras brancas flutuam
pelos canais de águas
calmas e límpidas,
cercadas de montanhas
outro adulto esteve caçando na boca
do Rio. Para essa aventura, utilizamos o
pequeno dingue de apoio do Swell, pois
o Inde não consegue ir muito longe no
leito rochoso, repleto de mármore do rio
da Ilha de Chicagof.
Como a maré estava baixa, o pequeno
dingue nos levou poucos metros dentro
do Rio. Daí em diante, a ideia era nadar,
mas a correnteza estava muito forte e
fomos obrigados a fazer uma espécie de
trekking misturado com natação. Colocamos à prova nossas botas de roupa seca e
subimos o rio até uma caverna totalmente
de mármore, onde o rio se torna subterrâneo. Por azar ou sorte, não avistamos
nenhum urso, mas nadamos com milhares de salmões de três espécies diferentes,
em sua missão de perpetuar a espécie.
A beleza do local, somada à adrenalina
do nosso trekking aquático e à expectativa de encontrarmos os ursos tornou
esse último intervalo de superfície o mais
intenso de todos! A volta foi totalmente
relaxante, pois além da corrente agora
estar a favor, a maré tinha subido mais de
dois metros e o dingue já podia navegar
tranquilamente pelo rio. Colocamos nossos equipamentos no dingue, inflamos
nossas roupas secas e relaxamos, aproveitando a paisagem e agradecendo à natureza pela oportunidade única de desfrutar
das belezas do Alasca, a última fronteira!
O dia no gelo
Ao invés do tradicional “dia livre para
as compras” nosso dia livre, ou seja, sem
mergulho scuba, foi repleto de diversão no
gelo. Tivemos um dia inteiro de passeio,
incluindo snorkeling nos icebergs formados pelo degelo do glacial South Sawyer
na estreita passagem de Tracy’s Arm. O
Swell navega pelo fiorde de Tracy’s Arm
até onde consegue e, então, passamos para
o Inde. Apesar de deixar os cilindros, todos estavam devidamente equipados com
roupas secas, câmeras e bebidas para um
pequeno picnic sobre o gelo secular. Nosso
capitão navega com precisão e rapidez pelo
estreito canal repleto de icebergs de todos
os tamanhos, até alcançarmos o glacial
de onde eles se originam, South Sawyer.
Algumas focas observam o movimento
guardando certa distância.
Uma vez no Glacial, é hora de todos
nadarmos no gelo e na água ao redor,
com temperatura em torno de 2 graus,
por isso a necessidade de roupas secas.
Nos icebergs encontramos verdadeiras
piscinas de água gelada e, como tivemos a
sorte de um dia lindo de muito sol, pudemos curtir nossa piscina e tomar uma
cerveja mais do que gelada. Os óculos de
sol também são indispensáveis nesse passeio para proteger os olhos da claridade.
Dois desafios nos aguardavam. O primeiro foi a tradicional batalha de equilí-
brio, onde o objetivo é permanecer de pé
no menor iceberg possível. Vitória mais
do que esperada de nossa dive master, a
única com experiência prévia no esporte
gelado. Na hora de partirmos, os mais
corajosos tiveram a oportunidade de realizar seu batismo de gelo: um mergulho
só de sunga nas águas do Glacial! Posso
garantir que é uma experiência para o
resto da vida. Depois é se secar e recolocar o traje seco, pois apesar do sol forte,
a temperatura do ambiente é de 5 apenas
graus Celsius.
E quando já estávamos absolutamente
realizados com nosso dia no gelo, fomos
agraciados com uma visita surpresa a
uma das diversas cachoeiras formadas
pelo degelo dos glaciais. Não resistimos
e graças a uma hábil manobra do capitão
no comando do Inde, tomamos um banho de cachoeira de lavar a alma. Um dia
inesquecível para todos nós!
Provavelmente esta tenha sido a mais
completa e ampla aventura da nossa equipe. Mergulhos lindos e desafiadores, seres
marinhos fascinantes e únicos, naufrágios
históricos, as mais belas paisagens de superfície, encontros com ursos, o sobrevoo
dos campos de gelo e glaciais, snorkeling
com salmões e icebergs... O Alasca é a
mais selvagem das aventuras!
http://www.nautilusswell.com/
31
Revista mergulho

Documentos relacionados