Desreguladores endócrinos e efeitos reprodutores em adolescentes
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Desreguladores endócrinos e efeitos reprodutores em adolescentes
Revisão Desreguladores endócrinos e efeitos reprodutores em adolescentes Endocrine disruptors and reproductive effects in adolescents Raphael Mendonça Guimarães1, Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus2 Resumo O desenvolvimento puberal é regulado por hormônios sexuais e gonadotrofinas. Desde o século passado, há uma tendência da puberdade de se apresentar cada vez mais cedo. Esse fenômeno em parte tem sido associado à exposição aos chamados desreguladores endócrinos. Embora seja muito plausível que os desreguladores endócrinos possam perturbar o desenvolvimento puberal, há poucas investigações sobre isso e, portanto, essa relação de causalidade ou sua magnitude ainda não estão claramente definidas. Nesta revisão de literatura, investigações epidemiológicas que estudaram o efeito dos desreguladores endócrinos no início da puberdade são apresentadas. Grande parte dos resultados encontrados em estudos populacionais estão em conformidade com os experimentos realizados com animais. No entanto, a mistura de diferentes componentes com efeitos antagônicos (estrogênicos, antiestrogênica, antiandrogênica) e limitado conhecimento sobre a janela crítica para a exposição (pré-natal, perinatal e púberes) podem dificultar a interpretação das avaliações. Propõe-se, portanto, que sejam realizados estudos epidemiológicos prospectivos e estudos de bancada sobre metabolismo hormonal com animais para esclarecer os principais efeitos dos disruptores endócrinos em pré-púberes e adolescentes. Palavras-chave: Disruptores endócrinos, saúde do adolescente, saúde ambiental Abstract Pubertal development is regulated by sex hormones and gonadotropins. Since the last century, the trend of puberty is to be present at an earlier age. This phenomenon has in part been associated with exposure to endocrine disrupters. Although it is very plausible that endocrine disrupters may disturb pubertal development, there is very little research on this and, therefore, this causality or its magnitude are not clearly defined yet. In this literature review, epidemiological investigations that have studied the effect of endocrine disrupters on the beginning of puberty are presented. Most results found in population studies are in accordance with experimental studies with animals. However, the mixing of different components with antagonistic effects (estrogenic, anti-estrogenic, anti-androgen) and limited knowledge about the critical window for exposure (prenatal, perinatal and pubertal) can complicate the interpretation of evaluations. It is proposed therefore that prospective epidemiological and bench studies on hormone metabolism in animals be conducted to clarify the main effects of endocrine disruptors in prepubescent and adolescents. Key words: Endocrine disruptors, adolescent health, environmental health 1 2 Mestre em Saúde Coletiva. Professor Assistente da Escola de Enfermagem Anna Nery. End.: Rua Afonso Cavalcanti, 275 – Cidade Nova – CEP: 20211-110 – E-mail: [email protected] Doutora em Engenharia de Produção. Professora Adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 203-8 203 Raphael Mendonça Guimarães, Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus Introdução Observações em seres humanos e animais nos últimos 40 anos mostram uma tendência preocupante em termos de impactos negativos sobre o desenvolvimento do sistema reprodutivo. Nas últimas décadas, tendências seculares da puberdade precoce têm sido observadas (Parent et al., 2003). Tal fato pode aumentar os impactos na sociedade devido a maiores riscos de gestações precoces, e mudanças na temporalidade do desenvolvimento puberal podem influenciar o risco de uso de drogas, comportamentos antissociais, distúrbios alimentares e estresse emocional. A maturação sexual precoce em adolescentes tem sido associada a uma maior prevalência de uso de álcool e tabaco no final da adolescência (Patton e Viner, 2007). Esse período vulnerável de transição para a idade adulta é ajustado por mecanismos endócrino-reguladores (Terasawa e Fernandez, 2001). Desreguladores endócrinos estão associados a diversos processos fisiológicos que afetam a saúde reprodutiva normal (McLachlan, 2001). Em seres humanos, a diminuição da contagem de espermatozoides, aumento da incidência de doenças como a criptorquidia e hipospadia em crianças, bem como o aumento da incidência de câncer relacionado a hormônios, tais como câncer de mama e câncer de testículo têm sido observados (Toppari et al., 1996; De Rosa et al., 1998). Cientistas especializados especulam que essas tendências podem derivar dos efeitos dos baixos níveis de substâncias químicas no meio ambiente que interferem ou alteram o sistema endócrino do organismo. Esses produtos químicos, conhecidos como desreguladores endócrinos, podem atuar por meio de diferentes mecanismos. Determinados desreguladores endócrinos imitam os efeitos dos hormônios naturais, acionando seus receptores específicos, enquanto outros se unem a receptores hormonais e bloqueiam a atuação dos hormônios naturais. Eles também podem interferir na produção, transporte, metabolismo e excreção de hormônios que ocorrem naturalmente (Goldman et al., 2000; Stoker et al., 2000). A puberdade é um processo neuroendócrino complexo, cujo principal mecanismo ainda não está claro (Parent et al., 2003). O crescimento na adolescência é impulsionado pela influência contínua de hormônios de crescimento a partir do período pré-puberal, com a influência adicional de esteroides sexuais na adolescência. Durante a puberdade, há um rápido crescimento em termos de altura e tamanho muscular, com aumento dos volumes pulmonares. Outras mudanças importantes são o desenvolvimento de características sexuais primárias e secundárias, como o crescimento de pelos pubianos e aumento no tamanho da mama e dos testículos (Karlberg, 2002). 204 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 203-8 Há uma lacuna nas produções nacionais e internacionais sobre a consolidação do conhecimento sobre os efeitos que esses desreguladores endócrinos exercem sobre os adolescentes, considerando-se essa faixa etária como um período crítico do desenvolvimento reprodutor. Neste breve panorama da literatura, analisou-se especificamente o efeito dos desreguladores endócrinos sobre as características sexuais secundárias. Métodos Foi realizada uma revisão da literatura a partir de um levantamento bibliográfico nas bases de dados eletrônicas: Scientific Eletronic Library On-line (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE). Os descritores em português empregados na revisão bibliográfica foram: “organoclorados”, “disruptores endócrinos” e “adolescentes”. Seus correspondentes em inglês foram: “organochlorine”, “endocrine disruptors” e “adolescents”. O período abordado neste artigo refere-se à literatura publicada nas duas últimas décadas (1990-2010), dada a escassez de artigos sobre essa temática específica com adolescentes. A revisão priorizou estudos de seguimento (coorte e caso-controle), dado que ensaios clínicos randomizados não são factíveis para estudos toxicológicos em humanos. Foram selecionados estudos epidemiológicos que avaliaram a idade na menarca em meninas, aumento do volume testicular nos meninos e/ou estágios puberais de Tanner (Marshall e Tanner, 1969; 1970) nos dois sexos. Disruptores endócrinos De acordo com uma definição amplamente aceita, um desregulador endócrino é uma substância exógena que causa efeitos adversos à saúde em organismos intactos, ou sua progenia, de forma secundária a alterações na função endócrina. Um potencial desregulador endócrino é uma substância exógena que possui propriedades que podem levar à desregulação endócrina em um organismo intacto ou sua progenia (Bergman, Brandt e Brouwer, 1996). Constatou-se que uma lista crescente de produtos químicos influenciam o sistema endócrino, seja in vitro ou in vivo; porém, até o momento, somente alguns estão associados com o desenvolvimento puberal alterado (McLachlan, 2001). Desreguladores endócrinos podem exercer tanto efeitos diretos quanto indiretos sobre os neurônios secretores de GnRH hipotalâmico, uma vez que receptores de estrogênio estão presentes em neurônios que se projetam em neurônios Desreguladores endócrinos e efeitos reprodutores em adolescentes GnRH, tendo sido localizados dentro dos próprios neurônios GnRH (Skynner et al. 1999) (Figura 1). Estudos in vivo e in vitro revelaram receptores de estrogênio e receptores de andrógenos no cérebro imaturo. Observações preliminares (Rasier et al., 2006) indicam que o diclorodifeniltricloroetano pode ter efeito estimulante sobre a secreção de GnRH com o envolvimento de receptores de estrogênio e receptor de glutamato, bem como receptores órfãos (Ohtake et al., 2003). Constatou-se que duas misturas de PCB, Aroclor 1221 (A1221) e A1254 influenciam a transcrição de GnRH e os níveis de peptídeo após a exposição das células neuronais hipotalâmicas GT1-7 in vitro (Gore, 2002). Por outro lado, sabe-se que alguns compostos como o DDT interferem na aromatase no cérebro, que converte a testosterona em estrogênio no cérebro imaturo (Kuhl Manning e Brouwer, 2005). A conversão da testosterona em estradiol desempenha um papel importante na diferenciação sexual do cérebro de roedores (Roselli e Resko, 1993). Substâncias desreguladoras endócrinas também podem afetar os níveis de circulação de esteroides, interferindo na produção dos mesmos por gônadas, em seu metabolismo ou em seus transportadores ou receptores. Em ratos imaturos, maiores níveis de atividade de estrogênio podem suprimir o GnRH e gonadotrofinas pituitárias por um mecanismo de controle de feedback negativo (Grumbach e Styne, 2003). Na mulher madura, um feedback positivo (estimulante) pode levar a um aumento do GnRH pré-ovulatório e liberação de gonadotrofinas (FSH e LH) (Levine, 1997; Terasawa e Fernandez, 2001), podendo intensificar o início da puberdade (Figura 1). Dados sobre animais tendem a comprovar os efeitos dos desreguladores endócrinos sobre o eixo hipotalâmicopituitário-gonadal, que influencia a maturação sexual e a reprodução em roedores do sexo feminino. Observam-se os efeitos diretos e indiretos por meio de mecanismos de feedback sobre as funções secretoras hipotalâmicas e pituitárias. Além disso, os efeitos diretos sobre as funções gonadal e adrenal podem contribuir para alterações no desenvolvimento da puberdade (Figura 1). O impacto sobre o início da puberdade pode ser diferente, de acordo com o tempo de exposição. Efeitos para a saúde dos adolescentes Efeitos em meninas A exposição intrauterina a polibromobifenilo (PBB) por bebês nascidos após a exposição acidental ao composto em uma coorte em Michigan, Estados Unidos, foi estimada a partir de medições de PBB no soro materno feitas nos anos seguintes à gestação por meio de um modelo de taxa de decaimento materno. Em 1997, 26 anos após o acidente, as mães Perinatal IGF 1 Leptina Glicose Hipotálamo Desfechos: • CUIR • Peso ao nascer • Duração do parto • Circunferência da cabeça GnRH (xeno)estrógenos Hipófise (xeno)(anti)andrógenos FSH LH Gônadas Adrenais Pré-púbere Desfechos: • Desenvolvimento precoce • Alteração de tempo de menarca, pubarca e telarca Efeitos não reprodutores: • Obesidade • Risco cardiovascular • Síndrome de ovário policístico • Diabetes IGF1: fator de crescimento semelhante à insulina (do inglês insulin-like growth factor 1); CUIR: crescimento intrauterino retardado. Figura 1 - Alvos perinatais e pré-púberes dos disruptores endócrinos em relação a possíveis desfechos para a saúde. cadastradas e seus descendentes do sexo feminino com idade entre 5 e 24 anos foram contatados para fornecer informações sobre a duração da amamentação, sobre o desenvolvimento puberal (autorrelato da idade na menarca e estágio de Tanner) e possíveis fatores de confusão. O nível médio de PBB foi de 17,3 ppb (faixa: 0-1142 ppb); o nível médio de bifenil policlorado (PCB) foi de 5,6 ppb (faixa: 0-78 ppb). Revelouse que filhas amamentadas por mães com estimativa de nível sérico de PBB elevado (ppb ≥ 7) teriam apresentado menarca mais cedo (11,6 anos; n = 16) do que as meninas que foram amamentadas por mães com baixa (< 1 ppb) exposição (12,5 anos; n = 61). A taxa de risco foi 3,4 (95%IC: 1,3-9,0). Além disso, altos níveis de exposição perinatal ao PBB estiveram associados a estágios de nascimento de pelos pubianos anteriores em meninas não amamentadas. A idade na menarca e estágio de Tanner tiveram pouca associação com a exposição ao PCB (Blanck et al., 2000). Em uma análise retrospectiva entre pessoas submetidas à exposição acidental à dioxina após explosão do reator em uma fábrica de produtos químicos em Seveso, Itália (Warner et al., 2004), 282 mulheres que estavam na fase pré-menarca no momento da explosão (idade média: 6,9 anos, faixa: 0-17 anos) foram entrevistadas por uma enfermeira treinada para determinar a idade na menarca de forma retrospectiva. Os níveis de 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD) foram medidos em soros armazenados. O nível médio de TCDD no soro foi de 140,3 ppt (faixa: 3,6-56.000 ppt). A taxa de risco associada a um aumento de 10 vezes nos níveis de TCDD foi de 0,95 (95%IC: 0,83-1,09), o que significa que não houve mudança significativa no início da menarca. As conCad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 203-8 205 Raphael Mendonça Guimarães, Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus clusões foram semelhantes quanto à consideração do TCDD como uma variável categórica ou se a análise se restringiu a mulheres com menos de oito anos na ocasião da explosão. Os autores tomaram como pressuposto que a exposição pósnatal, porém pré-puberal, ao TCDD nessa coorte, embora em dose substancial, provavelmente ignorou a janela crítica para os efeitos da exposição. Scaglioni et al. (1978) observaram desenvolvimento precoce de mamas em crianças italianas. Em estudo com as mesmas crianças, Fara et al. (1979) detectaram discreto aumento nos níveis de 17-b-estradiol, presumindo que o desenvolvimento mamário foi causado por consumo de alimentos contaminados por estrógeno. Comas (1982) avaliou, em Porto Rico, aumento da incidência de telarca, pubarca e puberdade precoce em crianças. Outros autores, como Sáenz-de-Rodríguez e Toro-Solá (1982), realizaram estudos com pacientes com telarca precoce e estudaram a sua associação com cistos ovarianos. Finalmente, um estudo de coorte realizado em Jerusalém com crianças apresentando desenvolvimento sexual precoce entre 1974 e 1983 mostrou que a incidência de telarca precoce foi elevada no primeiro ano de vida. Em 2004, foram relatados resultados de um grupo de 151 meninas nascidas entre 1950 e 1980 de mães pertencentes à coorte de pescadores de Michigan (Vasiliu et al. 2004). As concentrações de PCB e diclorodifenil dicloroetileno (DDE) no soro materno na época da gestação foram retroextrapolados a partir de repetidas medições do soro materno, entre 1973 e 1991. A idade das filhas na menarca e possíveis fatores de confusão foram adquiridos por meio de entrevistas telefônicas. A menarca foi alcançada entre 9 e 17 anos. Na análise multivariada, o DDE (p = 0,04) causou uma menarca mais precoce, ao contrário do PCB (p = 0,08). Um aumento na exposição intrauterina ao DDE, de 15 μg/L, reduziu a idade da menarca em 1 ano. Em oposição aos resultados da coorte de pescadores de Michigan, não foram encontrados efeitos significativos do PCB ou DDE na idade da menarca ou estágio puberal em 316 meninas selecionadas a partir do North Carolina Infant Feeding Study (Gladen et al. 2000). Houve uma tendência de amadurecimento precoce entre as meninas na categoria de maior exposição transplacentária (PCB > 4 ppm ou DDE > 4 ppm), porém essas diferenças não foram significativas. Efeitos em meninos Em um estudo no norte da Índia (Saiyed et al., 2003), habitantes de um vale isolado estiveram expostos ao endosulfan por mais de 20 anos devido a pulverizações aéreas que ocorriam 2 ou 3 vezes por ano como o único pesticida 206 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 203-8 aplicado em plantações de cajueiros situadas no topo das colinas circunvizinhas. Os níveis médios de endosulfan em 117 meninos da região com idade entre 10 e 19 anos eram significativamente mais altos do que em 90 meninos da mesma faixa etária que viviam em um povoado a aproximadamente 20 km (7,47 ± 1,19 ppb versus 1,37 ± 0,40 ppb). O estadiamento puberal, de acordo com Tanner, foi avaliado por um médico e os níveis séricos hormonais foram medidos. Após a realização de controles de idade, níveis séricos de testosterona e maturidade sexual, os escores atribuídos aos pelos pubianos, testículos e ao pênis estiveram significativamente e negativamente relacionados à exposição ao endosulfan. Em uma coorte de 196 meninos nascidos entre 1986 e 1987 nas Ilhas Faroé, a exposição pré-natal aos PCBs foi estimada a partir de níveis de PCB dos congêneres 138, 153 e 180 em cordões umbilicais (Mol et al., 2002). Aos 14 anos, estágios de Tanner, volume testicular e níveis séricos hormonais foram determinados em exames clínicos. Apesar da grande exposição aos PCBs, os resultados não revelaram qualquer associação definitiva com o desenvolvimento da puberdade. Da mesma forma, não foram encontrados efeitos do PCB ou DDE sobre o estágio puberal autorrelatado em 278 meninos selecionados a partir do North Carolina Infant Feeding Study (Gladen et al. 2000). Discussão A partir da publicação de Silent Spring (Carson, 1962), houve uma crescente conscientização de que produtos químicos, quando presentes no meio ambiente, podem exercer efeitos profundos e nocivos sobre plantas e animais, e que a saúde humana está indissoluvelmente ligada à saúde do meio ambiente. Principalmente nas duas últimas décadas, observamos um crescente interesse nos meios científicos e na sociedade e maior atenção da mídia sobre os possíveis efeitos nocivos em seres humanos e na vida selvagem que podem resultar da exposição a produtos químicos que têm o potencial de interferir no sistema endócrino. A intensificação desse interesse e a diminuição da falta de consenso entre os cientistas podem ocorrer fazendo-se uma avaliação objetiva dos dados científicos disponíveis sobre os possíveis efeitos adversos desses produtos químicos a partir de uma perspectiva global. Países que não possuem a infraestrutura necessária para monitorar e avaliar esses produtos químicos manifestaram a necessidade de uma avaliação internacional mais objetiva. Os desreguladores endócrinos englobam uma variedade de classes de produtos químicos que incluem hormônios naturais e sintéticos, componentes vegetais e pesticidas, com- Desreguladores endócrinos e efeitos reprodutores em adolescentes postos utilizados na indústria de plásticos e em produtos de consumo, além de outros derivados e poluentes industriais. Geralmente, esses desreguladores encontram-se amplamente dispersos no meio ambiente. Alguns são persistentes, podendo ser transportados por longas distâncias, cruzando as fronteiras nacionais, e podem ser encontrados em praticamente todas as regiões do mundo. Outros são rapidamente degradados no meio ambiente ou no corpo humano ou podem estar presentes apenas por curtos períodos, porém em períodos críticos de desenvolvimento. A puberdade marca a transição entre a infância e a fase adulta reprodutiva. É uma etapa vulnerável da vida, e a desregulação tem estado associada ao aumento de problemas de saúde e problemas psicossociais. O desenvolvimento da puberdade é um processo multifacetado, que está sob o controle de diferentes mecanismos de regulação hormonal. Os fatores causadores ainda não foram elucidados com precisão. Experimentos em animais mostram evidências do papel das mudanças pré-puberais nos mecanismos de controle hormonal, mas também revelam evidências que corroboram janelas de programação perinatal precoce. Existem diversas evidências quanto ao fato de que desreguladores hormonais exógenos podem antecipar ou retardar a puberdade. Foram constatadas associações entre nascimentos, crescimento pósnatal e desenvolvimento da puberdade, porém as relações causais ainda estão longe de serem compreendidas. Estudos experimentais sugerem que substâncias químicas exógenas que interferem nas metas quanto a crescimento, metabolismo de lipídeos, diferenciação e funcionamento do cérebro, de gônadas e de glândulas suprarrenais também exercem seu papel. Estudos epidemiológicos cuidadosamente desenvolvidos por meio da utilização de marcadores de exposição para substâncias químicas desreguladoras do sistema endócrino ocorrendo próximo e/ou após o nascimento e no estágio pré-puberal, em combinação com marcadores de status endócrino e metabólico, são necessários para se chegar a eventuais caminhos que levem aos cenários ambientais. O DDT, DDE, vários congêneres de PCB, congêneres de PBB e ésteres ftálicos têm sido descritos como agentes estrogênicos ou antiandrogênicos em estudos com animais (Crisp et al., 1998; Hansen, 1998). Alguns dos resultados relatados em estudos de coorte estão de acordo com esta teoria: uma menarca em idade precoce esteve associada com maior nível de exposição pré-natal ao PBB na coorte de Michigan (Vasiliu et al. 2004); com maior exposição pré-natal ao DDE entre a prole de progenitores que consumiam peixe em Michigan (Blanck et al., 2000); com maior exposição ao DDE na fase puberal de imigrantes que se mudaram para a Bélgica (Krs- tevska-Konstantinova et al., 2001) e com maior exposição a ésteres ftálicos na fase puberal em Porto Rico (Colón et al., 2000). No entanto, em nenhum dos estudos a idade na menarca esteve associada com exposição ao DDE na coorte da Carolina do Norte (Gladen et al., 2000) ou com PCBs (Blanck et al., 2000; Gladen et al. 2000; Den Hond et al., 2002). Uma das razões para os resultados negativos nos PCBs é que muitas vezes as concentrações totais de PCB no soro são medidas e diversos congêneres de PCB podem causar efeitos diferentes e, às vezes, antagônicos (Hansen, 1998). Nenhum dos estudos que avaliou o desenvolvimento das mamas no estágio de Tanner encontrou uma associação significativa com PBBs (Blanck et al., 2000), PCBs (Blanck et al., 2000; Gladen et al., 2000; Den Hond et al., 2002) ou DDEs (Gladen et al., 2000). Dioxinas e PCBs com características de dioxinas foram descritos como antiestrogênicos em animais (Brouwer et al., 1995). Os resultados do desenvolvimento tardio das mamas em adolescentes com taxas mais elevadas de compostos de dioxina no soro (Den Hond et al., 2002) corroboram essa teoria. Contudo, na mesma população, não foram observados efeitos na idade na menarca. A exposição pós-natal, porém pré-puberal, à TCDD não demonstrou efeitos significativos na idade na menarca na população de Seveso (Warner et al., 2004). Conclusão Em comparação com as meninas, o número de estudos que avalia o efeito dos desreguladores endócrinos no desenvolvimento puberal em meninos é muito menor. A pesquisa em meninos é mais focada na qualidade do sêmen, que está muito mais relacionada à fertilidade. Os resultados sobre a puberdade tardia em meninos expostos a PCB, policlorodibenzo-furanos (PCDF) e endosulfan estão em consonância com o conceito geral de que esses compostos funcionam como xenoestrogênios. Vale ressaltar que não é a exposição a uma substância química isolada, mas a exposição cumulativa a diversos xeno-hormônios que irá definir o impacto final. O acompanhamento das mudanças no desenvolvimento da puberdade deve ser visto, portanto, como uma forma de vigiar o impacto das mudanças ambientais sobre o desenvolvimento dos indivíduos e sua saúde reprodutora. Recomenda-se, pois, que os programas de investigação em saúde ambiental realizem estudos epidemiológicos prospectivos e estudos de bancada sobre metabolismo hormonal com animais a fim de esclarecer os principais efeitos dos disruptores endócrinos em pré-púberes e adolescentes. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 203-8 207 Raphael Mendonça Guimarães, Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus Referências Bergman, A.; Brandt, I.; Brouwer, B. European Workshop on the Impact of Endocrine Disrupters on Human and Wildlife. Reports of proceedings Series: Environment and Climate Research Programme of DG XII of the European Commision. Weybridge, UK, 1996. Blanck, H.M. et al. Age at menarche and tanner stage in girls exposed in utero and postnatally to polybrominated biphenyl. Epidemiology, v. 11, n. 6, p. 641-647, 2000. Levine, J.E. New concepts of the neuroendocrine regulation of gonadotropin surges in rats. Biology of Reproduction, v. 56, n. 2, p. 293-302, 1997. 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