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EDIÇÃO AGOSTO/2016
NESTA EDIÇÃO...
03 MATÉRIA PRINCIPAL
NEUROCIÊNCIAS E A PSICOLOGIA E ESPORTE
08 ENTREVISTA
PERSPECTIVAS E PERCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
SOBRE O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
11 RELATO DE PESQUISA
NEUROMODULAÇÃO COGNITIVA NA PARALISIA CEREBRAL:
EFEITOS SOBRE A COGNIÇÃO NUMÉRICA
17 RESUMO DE ARTIGO
HÁ INSTRUMENTOS DO TIPO SCREENING COGNITIVO SENSÍVEIS
E ESPECÍFICOS PARA PACIENTES APÓS
AVC?
20 POLÍTICAS PÚBLICAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE
AO
AVC NO BRASIL
MATÉRIA PRINCIPAL
Neurociências e a Psicologia e
Esporte
Os Jogos Olímpicos do Rio de
Janeiro 2016 já trazem uma marca
ficas publicadas no Brasil.
importante e histórica, o recorde de
O que faz um psicólogo espor-
mais de 30 psicólogos esportivos que
tivo com atletas dos jogos olímpicos?
acompanharam diversas comissões
Por definição da APA (1999) o objeti-
técnicas das modalidades do Comitê
vo de nosso trabalho no esporte de
Olímpico Brasileiro (COB). Se num
rendimento é a otimização da perfor-
passado recente o COB contratou
motivadores e escritores de autoaju-
da, em detrimento de psicólogos que
mance, e nele analisar e transformar
os determinantes psíquicos que interferem no rendimento. Diversas técni-
já trabalhavam em clubes ou de for-
cas e modelos teóricos auxiliam o tra-
ma particular com atletas, finalmente
balho de psicólogos com atletas, que
parece que nossa área se afirma a
tem como uma das metas principais,
nível institucional.
o desenvolvimento de habilidades de
Ainda considerada uma área
autorregulação, tanto cognitiva quan-
emergente por leigos, a psicologia do
to emocional, considerando também
esporte também não é muito conheci-
particularidades de suas personalida-
da mesmo no “mundo psi”, com pou-
des, pensamentos, motivação e de-
cos colegas sabendo do que se trata
mandas específicas da modalidade.
a área ou da prática de especialistas.
Tais aplicações têm ajudado os atle-
Isto ocorre, em parte, pelos raros cur-
tas a estarem próximos aos estados
sos de graduação que oferecem a
mentais que favorecem a sua máxima
disciplina e pela escassez de grupos
performance dentro de cada etapa
de pesquisa dentro dos programas de
competitiva.
pós-graduação em psicologia. Não só
Diante da diversidade de mo-
pouco se sabe sobre as práticas dos
delos de atuação, a Neurociência
psicólogos esportivos, como há ca-
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rência na difusão de pesquisas cientí-
também vem se fortalecendo e se
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constituindo como uma área científica
galvânica, frequência respiratória, en-
afim à psicologia do esporte (Takase,
tre outras (Dupee & Werthner, 2011;
2005), oferecendo um corpo sólido de
Hammond, 2007; Linden, & Strack,
conhecimento que embasa práticas,
2011; van Quekelberghe, 1995). E
teorias e avaliações. Nesse sentido,
também, utilizando medidas centrais
medidas psicofisiológicas têm sido
como o EEG, HEG e outros procedi-
cada vez mais utilizadas como impor-
mentos de neuroimagem, os quais
tantes indicadores de estados men-
podem revelar ainda mais sobre os
tais, complementando as avaliações
estados mentais dos atletas, permitin-
tradicionais da psicologia por preen-
do inferências sobre capacidades
cherem uma lacuna existente entre a
cognitivas (como atenção, raciocínio,
esfera
fisiológica
memória, aprendizagem, planejamen-
(Sequeira, Hot, Silvert, & Delplanque,
to e tomada de decisões) e também
2009). Enfatizamos que alterações na
sobre aspectos relacionados ao con-
homeostase entre os sistemas simpá-
trole neural do movimento (Naito, &
tico e parassimpático podem ser con-
Hirose, 2014; Zhu, 2014). Testes neu-
siderados como indicadores da reati-
ropsicológicos também têm sido muito
vidade emocional (como reações de
utilizados
estresse e ansiedade) e permitem um
2010).
mental
acompanhamento
e
a
detalhado
nesta
direção
(Webbe,
sobre
Para além da avaliação, as ino-
níveis de ativação psicofisiológica dos
vações no campo das neurociências
atletas (Dupee & Werthner, 2011; Pa-
também têm ajudado no treinamento
gani, Lombardi, & Malliani, 1993). Ain-
de habilidades mentais, auxiliando
da nesse âmbito da avaliação, tam-
aos atletas a ampliarem o controle
bém seria possível analisar capacida-
emocional, bem como de suas rea-
des de autorregulação (Appelhans, &
ções fisiológicas e comportamentais
Luecken, 2006), verificando como tais
(Dupee, & Werthner, 2011; Ham-
indicadores se modificam a partir de
mond, 2007; Takase, 2005). Sistemas
uma linha de base traçada antes de
de neuromodulação, neuroestimula-
qualquer estratégia autorregulatória.
ção, técnicas de biofeedback e rastre-
Tais parâmetros podem ser observa-
adores oculares tem servido ao referi-
dos através de registros da atividade
do propósito (Takase, 2005). Dentre
periférica, como a variabilidade cardí-
estes, as técnicas de biofeedback tem
aca, a tensão muscular, a resposta
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ganhado um espaço importante no
Finalmente, concluímos que
repertório instrumental de psicólogos
estes métodos citados vêm ganhan-
que trabalham com alto rendimento
do cada vez mais espaço e a aceita-
(Dupee, & Werthner, 2011; Linden, &
ção de atletas, técnicos e dirigentes,
Strack, 2011). O biofeedback trata-se
por oferecer algo que faz parte do
de uma técnica baseada na autorre-
mundo esportivo de alto rendimento:
gulação que se estabelece na retroa-
indicadores palpáveis sobre estados
limentação dos indicadores psicofisi-
e capacidades mentais. A possibili-
ológicos. Durante a sessão, o atleta
dade de se mostrar, nem que seja
aprende a controlar sua própria fisio-
minimamente, às vezes até de forma
logia e estados mentais enquanto
gráfica, os avanços no treinamento
realiza uma tarefa lúdica sensível às
psicológico é muito relevante em um
alterações psicofisiológicas. De acor-
ambiente que está acostumado a se
do com Mendes (2012), a Confedera-
pautar em dados objetivos, para me-
ção Brasileira de Judô foi pioneira
dir sua progressão ou sucesso, se-
em disponibilizar o biofeedback na
jam pontos, tempos, pesos, distân-
preparação psicológica de atletas
cias, etc., Ainda que o grande instru-
olímpicos brasileiros (Confederação
mento de avaliação do psicólogo seja
Brasileira de Judô, 2012; Globoes-
sua capacidade de escuta, observa-
porte.com; 2012; Mendes, 2012).
ção, reflexão e comunicação de fenô-
Atualmente, a técnica tem sido difun-
menos, é inegável que abordagens
dida e utilizada por muitas outras
neurocientíficas oferecem subsídios
Confederações e até mesmo no Co-
e ferramentas que se ajustam à cul-
mitê Olímpico Brasileiro (COB).
tura esportiva no contexto do alto
rendimento.
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REFERÊNCIAS
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Appelhans, B. M., & Luecken, L. J. (2006). Heart rate variability as an index of regulated
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Globoesporte.com (2012). Judocas brasileiros usam jogos como 'Pac-Man' em treino para
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Londres_0_679132243.html
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Naito, E., & Hirose, S. (2014). Efficient foot motor control by Neymar’s brain. Frontiers in
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Sequeira, H., Hot, P., Silvert, L., & Delplanque, S. (2009). Electrical autonomic correlates of
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van Quekelberghe, R. (1995). Strategies for autoregulation of peripheral skin temperature.
Perceptual and Motor Skills, 80(2), 675-686.
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Webbe, F. (Ed.). (2010). The handbook of sport neuropsychology. Springer Publishing
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Zhu, D., Covassin, T., Nogle, S., Doyle, S., Russell, D., Pearson, R., ... & Kaufman, D.
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Alteration of the Default-Mode Network Measured with Sequential Resting-State fMRI (P5.
303). Neurology, 82(10 Supplement), P5-303.
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Autores
Erick Conde
Psicólogo, mestre em Neuroimunologia e doutor em Neurociências pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É professor da referida
disciplina na UFF e pesquisador no Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Maurício Pinto Marques
Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia do
Esporte pela Universitat Autònoma de Barcelona. É professor da referida disciplina na
UniRitter e pesquisador do CEP-Rua Psicologia UFRGS.
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Relato de pesquisa
ENTREVISTA
SBNp entrevista:
Drª. Andrea Garcia de Almeida
Perspectivas e percepções dos profissionais da saúde sobre o acidente
vascular cerebral
1.
Primeiramente, gostaríamos de agradecer a sua disponibilidade em responder essa
entrevista. Sabemos que você é uma profissional da saúde envolvida com a pesquisa
sobre tratamento e prevenção do acidente vascular cerebral (AVC). Na sua percepção
como estão as pesquisas no Brasil, em comparação com os estudos no exterior?
O Brasil tem evoluído nas pesquisas em neurociências nos últimos anos. O interesse
em avaliar as perspectivas brasileiras e o andamento do tratamento médico na população brasileira cresce anualmente. No Brasil, um país considerado em desenvolvimento, temos uma população carente de cuidados médicos especializados, e a realidade brasileira reflete um mundo
real, com necessidades de aprimoramento no atendimento médico e pesquisa clínica. A pesquisa clínica na realidade brasileira é uma oportunidade de atendimento médico diferenciado à
população carente e é também uma oportunidade de conhecimento, no universo científico, dos
resultados dos registros brasileiros de pesquisa científica.
2. Na sua experiência de divulgar seu conhecimento no tratamento do AVC, você percebe
que os profissionais da saúde estão preparados para identificar os sintomas dessa doença e tratá-la? Há diferenças entre a qualidade dos atendimentos no país quanto ao estado, ou se o hospital é público ou privado?
As campanhas de AVC no Brasil, realizadas anualmente no mês de outubro, tem auxiliado na educação da população brasileira, sendo que está sendo identificado um número crescente de indivíduos (pacientes e familiares) que estão cientes dos sinais e sintomas de alerta
do AVC e de que existe um tratamento para o AVC isquêmico com até 4 horas do ictus.
A educação dos serviços de emergência, da população e do atendimento pré-hospitalar
(SAMU) auxilia no atendimento precoce correto, identificação dos sinais e sintomas do AVC e
encaminhamento para o hospital com possibilidade de tratamento de fase aguda.
O atendimento está sendo organizado de forma sistematizada em todo o país, na grande maioria dos estados brasileiros, com suporte dos órgãos públicos federais. O atendimento
mínimo possível para o diagnóstico e tratamento correto do AVC já é presente tanto em hospi-
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Relato de pesquisa
ENTREVISTA
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tais públicos quanto em hospitais privados desde 2002 em Porto Alegre. A diferença maior
entre os hospitais tanto públicos quanto privados é na disponibilidade de exames mais complexos de investigação da etiologia do AVC e na presença de unidades de reabilitação precoce.
3. Você poderia indicar sites, livros e materiais importantes para os profissionais da saúde se atualizarem na prevenção, tratamento e identificação do AVC?
A página da rede Brasil AVC é uma oportunidade de aprimoramento de conhecimento
tanto do público leigo quanto dos profissionais envolvidos com o atendimento dos pacientes.
Há nesta página possibilidades de comunicação com a equipe e esclarecimento de dúvidas
referentes ao AVC.
Há também disponível na web o manual de atendimento do AVC realizado com o apoio
de órgãos federais brasileiros.
Foi realizado pela equipe multidisciplinar da unidade de AVC do HCPA um manual para
pacientes com AVC e familiares, que visa auxiliar nos cuidados após AVC com ênfase na educação. Este manual é disponível na intranet do HCPA.
4. Que tipo de tratamentos e quais profissionais da saúde são importantes para envolverem-se com o processo de reabilitação do paciente após o AVC?
O tratamento do AVC se subdivide em fase aguda e de reabilitação. Na fase aguda, o
tratamento trombolítico e as unidades de AVC são tratamentos de nível IA de evidência científica. O tratamento trombolítico para o AVC isquêmico agudo pode ser realizado em sintomas até
4 horas de início, na ausência de contra-indicações. As unidades de AVC reduzem a mortalidade dos pacientes com AVC, sendo que há unidades de fase aguda e unidades de reabilitação.
Estas unidades proporcionam redução das taxas de complicações após um AVC (pneumonia,
úlceras de pressão, trombose venosa).
A equipe multidisciplinar envolvida com o atendimento do AVC é composta por enfermagem, fisioterapeuta, fonoaudióloga, nutrição, psicologia, terapeuta ocupacional, médico, farmacêutico e administrativo. No processo de reabilitação precoce, o fisioterapeuta e a fonoaudióloga são de extrema importância para mobilização precoce e rastreamento de disfagia, auxiliando na redução das complicações hospitalares e assim, contribuindo para redução das incapacidades após o AVC.
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5. Em relação aos aspectos cognitivos, a percepção do profissional da saúde sobre o paciente pós AVC é suficiente para identificar quais deles apresentam problemas de memó-
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ria, linguagem, atenção, dentre outros deficits neuropsicológicos? A avaliação neuropsicológica no leito hospitalar seria necessária em quais casos?
Na fase hospitalar do atendimento do AVC há necessidade de avaliação cognitiva do
paciente sem suporte familiar no aspecto que envolve o uso de medicamentos anticoagulantes,
devido ao risco maior de complicações nestes pacientes sem entendimento correto do tratamento. Pacientes sem suporte social apresentam maior risco em determinados tratamentos preventivos.
As incapacidades cognitivas geralmente já estão presentes em muitos dos pacientes
com internação por AVC, pois a maioria dos casos são secundários a um estilo de vida não
saudável ao longo dos anos, com fatores de risco cardiovasculares não tratados adequadamente ao longo da vida, ocasionando envelhecimento precoce do cérebro e comsequentemente
déficits cognitivos. Existem estudos, que demonstram a associação de diabetes, fibrilação atrial,
insuficiência cardíaca e aterosclerose com déficits cognitivos previamente ao AVC. Sendo, que
estes são um dos principais fatores de risco para que ocorra um AVC. A avaliação neuropsicológica após AVC auxilia a equipe médica na conduta terapêutica, reduzindo riscos de complica-
ções com o uso incorreto de medicamentos. A testagem cognitiva também auxilia no entendimento dos distúrbios comportamentais após AVC e propicia um melhor manejo medicamentoso
e não medicamentoso, auxiliando o cuidador e a equipe assistente na abordagem dos pacientes.
A abordagem ideal seria de todos os pacientes, pois a avaliação cognitiva auxilia no
manejo terapêutico dos pacientes com AVC. Há necessidade de mais estudos que avaliem os
principais grupos de risco para deterioro cognitivo após AVC. A avaliação cognitiva realizada
por outros profissionais da área da saúde não apresenta a complexidade da avaliação neuropsicológica especializada, sendo então necessária a interação da neuropsicologia com a equipe
multidisciplinar que atende o AVC. O melhor momento de realizar a testagem cognitiva ainda
precisa ser estudado. A reabilitação cognitiva após AVC também deverá ser um método de terapêutica a ser instituído para serviços públicos.
Muito obrigada pela sua participação!
Andrea Garcia de Almeida
Realizou Mestrado em Neurociências pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2005) e Doutorado em Ciências Médicas pela UFRGS (2014). Atua como
Neurologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre
(HCPA) e Hospital Moinhos de Vento, com ênfase em
Neurovascular e Doppler transcraniano. É médica Gestora da Unidade de Cuidados Especiais do HCPA.
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RELATO DE PESQUISA
Neuromodulação cognitiva na
paralisia cerebral: efeitos sobre a
cognição numérica
A
Estimulação
Transcraniana
anódico e outro catódico) colocados
por Corrente Contínua (ETCC) é uma
sob o escalpe (couro cabeludo). A
nova proposta terapêutica em rápido
ETCC possui duas modalidades de
desenvolvimento nos últimos anos
montagem conhecidas como anódica
parecendo ser uma técnica promisso-
(excitatória) e catódica (inibitória). No
ra para o tratamento de vários distúr-
caso da ETCC anódica, o ânodo está
bios do neurodesenvolvimento, como
ligado à área do couro cabeludo que
a Paralisia Cerebral (PC).
deve ser estimulada e o cátodo fica
A ETCC tem sido objeto de mui-
ligado à área supraorbital contralate-
tos estudos sobre os seus possíveis
ral na testa, a montagem é invertida
efeitos cognitivos (Jacobson et al.,
para a ETCC catódica (Fregni, Bog-
2012). Um dos mecanismos de ação
gio & Brunoni, 2012). Está bem esta-
propostos para as técnicas de neuro-
belecido que a ETCC anódica au-
modulação,
Estimulação
menta a excitabilidade cortical, atra-
Magnética Transcraniana Repetida
vés da diminuição do limiar de excita-
(EMTr) e a ETCC, é a indução de po-
bilidade da membrana neuronal, en-
tenciais de longa duração (PLD) e a
quanto que a ETCC catódica aumen-
depressão de longa duração (DLD),
ta esse mesmo limiar, diminuindo ou
como
deprimindo
como
fenômenos
a
neurofisiológicos
atividade
cortical
(Lomo, 2003; Esser et al., 2006). A
(Jacobson et al., 2012). Em outras
PLD e DLD também estão entre os
palavras, a ETCC anódica está envol-
mais importantes processos neurobi-
vida na despolarização das membra-
ológicos envolvidos na memória e
aprendizagem (Marshall et al., 2005;
nas neuronais, enquanto que a ETCC
catódica induz hiperpolarização.
Galea & Celnik, 2009).
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a
A PC é uma síndrome não pro-
Durante os protocolos de ETCC,
gressiva, mas geralmente mutável, de
uma corrente fraca (1 ou 2 mA), é
alterações motoras secundárias à le-
emitido por uma bateria, através de
são ou anomalias do cérebro em de-
um par de eletrodos (um eletrodo
senvolvimento, que acontecem antes
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RELATO DE PESQUISA
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dos três anos (Camacho-Salas et al.,
hemiplegia esquerda, o comprometi-
2007; Lin, 2003). O diagnóstico clíni-
mento de ambas as funções é mais
co da PC é baseado nas manifesta-
expressivo.
ções motoras que são classificadas a
Alguns autores estimam que até
partir de uma avaliação física e neu-
75% das pessoas com PC tem algum
rológica (Pharoah et al., 1998). Com
importante distúrbio no funcionamen-
o desenvolvimento da criança, as al-
to cortical (Liptak & Accardo, 2004).
terações motoras podem ser modifi-
Consequentemente, as crianças e
cadas como, por exemplo, a adapta-
adolescentes com PC estão em risco
ção à falta de controle muscular, que
de
pode provocar o encurtamento das
aprendizagem. Uma investigação dos
fibras musculares e consequente-
registros educacionais de crianças
mente deformações ósseas (Hartley
com PC que frequentaram escolas
& Thomas, 2003).
regulares revelou que 46% tiveram
dificuldades
de
As alterações cognitivas têm si-
pelo menos uma dificuldade específi-
do apontadas como resultantes das
ca de aprendizagem (Schenker, Cos-
lesões cerebrais, sendo um dos focos
ter, e Parush, 2005). No entanto, sur-
de investigação na PC a relação en-
preendentemente,
tre as áreas cerebrais comprometidas
têm investigado a questão das dificul-
e as consequências das mesmas
dades de aprendizagem em crianças
(Freitas, Cardoso & Siquara, 2009).
com PC e ainda menos têm tentado
Clinicamente, as alterações cogniti-
desvendar a origem dessas dificulda-
vas mais frequentes são os distúrbios
des e formas de intervenção precoce.
de linguagem, das praxias e do com-
Uma análise dos poucos estudos dis-
portamento social (Freitas, Cardoso &
poníveis sobre as dificuldades de
Siquara, 2009; Freitas, 2009). Freitas
aprendizagem na PC indica que es-
(2009), por exemplo, estudou as fun-
tas crianças são mais propensas a ter
ções
dificuldades
psicolinguísticas
e
viso-
de
poucos
estudos
aprendizagem
na
espaciais, demonstrando diversas es-
área da matemática (Frampton, Yude
pecificidades para os aspectos cogni-
& Goodman, 1998; Jenks et al., 2007;
tivos da PC como, por exemplo, que
Jenks et al., 2012).
nas crianças com hemiplegia direita
em comparação com as crianças com
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apresentarem
Especificamente,
na
paralisia
cerebral, os estudos demonstram que
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a ETCC é uma técnica segura e de
ção, os participantes realizavam tare-
fácil aplicação, com adequada tole-
fas de comparação e subtração nu-
rância pela criança e com mínimos
méricas simbólicas. Na tarefa de
efeitos adversos descritos (sensação
comparação numérica, por exemplo,
de formigamento e vermelhidão local)
os participantes tinham de dizer o
(Grecco et al., 2014a; Grecco et al.,
mais rápido possível se o número
2014b). Por se tratar de uma técnica
arábico apresentado era maior ou
inovadora e relativa nova, os ensaios
menor do que 65 (eram apresentados
clínicos publicados até o momento
números entre 31-99, exceto o 65).
apresentam exclusivamente, o uso
Diferentes protocolos de estimulação
combinado da ETCC com o treino de
foram utilizados em cada sessão: es-
marcha em esteira ou o uso isolado
timulação anódica esquerda (AE), es-
para o tratamento da espasticidade.
timulação anódica bilateral (AB), esti-
Não há estudos que tenham analisa-
mulação catódica bilateral (CB) e esti-
do a neuromodulação cognitiva, atra-
mulação sham (S). No segundo expe-
vés da ETCC, aplicada a crianças e
rimento, os autores mantiveram as
adolescentes com paralisia cerebral.
mesmas tarefas, porém realizaram
Apenas um estudo avaliou os
apenas duas sessões de estimula-
efeitos benéficos da ETCC sobre o
ção, com diferentes protocolos: esti-
processamento de magnitudes numé-
mulação anódica direita (AD) e esti-
ricas e aritmética mental (Hauser et
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mulação sham.
al., 2013). Devido a clara lateraliza-
Os resultados do estudo foram
ção dessa função em adultos, os au-
que para a estimulação anódica es-
tores estimularam regiões cerebrais à
querda houve um aumento significati-
direita, à esquerda e bilateralmente
vo do desempenho dos participantes
em dois experimentos. No primeiro
em tarefas de comparação e subtra-
experimento, 21 participantes destros
ção numéricas, enquanto que a esti-
com idade média de 22,8 anos (±3.1)
mulação bilateral e anódica direita
e sem histórico de doenças neuropsi-
não induziu nenhuma melhora quan-
quiátricas, discalculia ou DAM passa-
do comparado à estimulação sham
ram por quatro sessões de ETCC,
(Hauser et al., 2013). Os autores tam-
com intervalo mínimo de 24h entre as
bém demonstraram que o Córtex Pa-
sessões. Antes e depois da estimula-
rietal Posterior (CPP) está causal-
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RELATO DE PESQUISA
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mente envolvido no processamento
ciado a realização de tarefas com nú-
de magnitudes numéricas e aritmética
meros e cálculos em crianças e ado-
metal. Eles também demonstraram
lescentes com PC. A ETCC é uma
que essas funções cognitivas podem
ferramenta atraente para esse objeti-
melhorar a partir da utilização da
vo, pois é um método não-invasivo,
ETCC (Hauser et al., 2013).
seguro para modificar o limiar de ex-
Esses achados encorajam futu-
citabilidade da membrana neuronal e
ras investigações sobre os potenciais
a atividade cortical espontânea, e
efeitos benéficos da ETCC sobre o
consequentemente
domínio da cognição numérica em
processamento de informações de
indivíduos saudáveis e com prejuízos
forma eficaz. Até o momento, foi con-
nas habilidades numéricas como cri-
o
duzido um estudo-piloto com 7 partici-
anças com PC e discalculia do de-
pantes - crianças e adolescentes com
senvolvimento. Entretanto, até o mo-
idade média de 11,29 anos (dp =
mento não encontramos estudos que
3,25). Foram utilizadas como medi-
tenham utilizado a EMTr ou a ETCC
das cognitivas o Teste dos Cinco Dí-
para o tratamento da discalculia do
gitos (FDT) e a bateria de testes neu-
desenvolvimento em adultos ou em
ropsicológicos para a avaliação do
crianças e adolescentes. Além disso,
tratamento de números e cálculos
os recentes estudos sobre o uso da
(ZAREKI-R), e como medida de de-
ETCC na PC têm se limitado ao do-
sempenho acadêmico, o Teste de
mínio motor (redução da espasticida-
Desempenho Escolar (TDE). O proje-
de), não investigando ainda a sua
to está na etapa final de coleta de da-
aplicação ao domínio cognitivo.
dos e preparação da análise de da-
Diante do exposto, no estudo de
doutoramento que está sendo conduzido pelo autor, há interesse em investigar os potenciais efeitos benéficos da ETCC sobre a cognição numérica quando a estimulação é aplicada continuamente por 20 min durante 5 dias na região do CPP, asso-
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modificando
dos preliminares. Em breve os dados
serão disponibilizados para a comunidade acadêmica. O estudo é orientado
pelo
Dr.
Mauro
Muszkat
(UNIFESP). Os pesquisadores envolvidos agradecem o apoio da CAPES
e da Associação do Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP).
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RELATO DE PESQUISA
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REFERÊNCIAS
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Camacho-Salas, A., Pallás-Alonso C. R., De La Cruz-Bértolo, J., De Las Heras, R. S. &
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RELATO DE PESQUISA
CONTINUANDO...
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Thiago da Silva Gusmão Cardoso
Psicólogo no Centro Paulista de Neuropsicologia (CPN),
Mestre em Educação e Saúde na Infância e Adolescência
(UNIFESP), Doutorando em Ciências (UNIFESP). Docente no
Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP) e
Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
AGO/16
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RESUMO DE ARTIGO
Há instrumentos do tipo screening
cognitivo sensíveis e específicos
para pacientes após AVC?
Stolwyk, R. J., O´Neill, M. H., McKay, A. J. D., & Wong, D. K. (2014). Are
cognitive screening tools sensitive and specific enough for use after stroke? A
sistematic literature review. Stroke, 45(10), 3129-34. doi: 10.1161/
STROKEAHA.114.004232
Estima-se que três quartos dos
pacientes apresentam comprometimento cognitivo após ter sofrido um
acidente vascular cerebral (AVC), o
que prejudica a recuperação funcional
e a qualidade de vida dessa população (Nys et al., 2005). Contudo, as
disfunções cognitivas não são percebidas pelos profissionais da saúde no
leito hospitalar, sendo importante uma
avaliação neuropsicológica de múltiplos domínios cognitivos, utilizando
ferramentas válidas e fidedignas. No
entanto, uma avaliação neuropsicológica completa mostra-se extensa e
tem um alto custo para ser administrada na rotina do hospital. Por isso, recomenda-se o uso de medidas de
screening (instrumentos de triagem)
para avaliar déficits cognitivos e encaminhar os pacientes com indicadores
de prejuízos para uma avaliação neuropsicológica mais ampla (Jaillard, Naegele, Trabucco-Miguel, LeBas, & Hommel, 2009).
O artigo “Are cognitive screening tools sensitive and specific enough
for use after stroke? A sistematic literature review” publicado em 2014 por
Stolwyk, O´Neill, McKay e Wong na
revista Stroke teve como objetivo re-
AGO/16
visar sistematicamente especificidade
(SP), sensibilidade (SE), valor preditivo positivo (PPV) e valor preditivo
negativo (NPV) dos screenings cognitivos usados para avaliar pacientes
que sofreram AVC. É importante que
os
instrumentos
de
screening
apresentem SE (capacidade do teste
detectar os indivíduos verdadeiramente positivos, ou seja, diagnosticar corretamente os casos clínicos), SP
(capacidade que o teste tem de detectar os verdadeiros negativos, isto é,
de identificar corretamente os casos
saudáveis), PPV (qualidade que um
teste tem de corretamente identificar
dentre o total de positivos ao teste,
quais os verdadeiros positivos) e NPV
(probabilidade de, perante um resultado negativo, não haver doença)
para a população a qual se destina.
Stolwyk et al. (2014) buscaram
nas bases de dados MedLine,
PsychInfo, Scopus, PubMed e CINAHL, artigos com as seguintes palavras-chave: stroke, cerebrovasc*, cognit*, screen*, sensitivity, specificity. Encontraram-se 16 artigos com amostra
de adultos, com AVC isquêmico ou
hemorrágico, que realizaram análise
de SE, SP, PPV e NPV de um scree-
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RESUMO DE ARTIGO
CONTINUANDO...
ning cognitivo comparado com uma
avaliação neuropsicológica padrãoouro. Todos calcularam a SE e a SP
por meio de curvas ROC (Receiver
Operative Characterisitics). Somente
nove dos 16 estudos calcularam PPV
e NPV. A avaliação padrão-ouro usada para classificar o perfil cognitivo
dos participantes diferiu entre os estudos e frequentemente avaliavam
linguagem, percepção, atenção, memória e funções executivas. Calculias, praxias e velocidade do processamento foram incluídas apenas em
quatro estudos.
O Mini Exame do Estado Mental (MMSE) e o Montreal Cognitive
Assessment (MoCA) foram os instrumentos mais estudados. Onze estudos investigaram a SE e a SP do
MMSE, e muitos verificaram sua falta
de SE e SP, com três referindo níveis
aceitáveis (SE > 80% e SP > 60%).
Os três estudos utilizaram pontos de
corte de 26/30 ou 27/30. Os dados de
PPV dos três estudos foram geralmente maiores que 80%, contudo, o
NPV foi menos significativo, variando
de 65% a 73%. O MoCA foi analisado
em cinco estudos que investigaram
sua SE e SP e apenas três encontraram resultados aceitáveis. Estes justificaram que esse teste contém itens
que avaliam as funções executivas,
que são frequentemente afetadas no
AVC e escores ajustados ao nível
educacional. A SE e SP do MoCA
foram mostradas para pontos de corte ajustados de 21 a 26 pontos. So-
AGO/16
mente dois estudos apresentaram
PPV e NPV >80%.
Quatro estudos compararam o
MMSE e o MoCA: dois não encontraram diferenças significativas entre
esses instrumentos, um estudo identificou que o MoCA era superior ao
MMSE em pacientes com um ano
pós AVC, um estudo mostrou que o
MoCA tinha maior SE em relação ao
MMSE, quatro estudos verificaram
que o MoCA tinha maior SE, mas pior
SP em relação ao MMSE. Repeatable Battery for the Assessment of
Neuropsychological Status (RBANS)
e Cognistat demonstraram adequada
SE e SP, mas o NPV foi de 53% para
o RBANS, e não foram mostrados
esses dados do Cognistat. Barrow
Neurological Institute (BNI) apresentou dados aceitáveis em pessoas
com mais de 55 anos de idade e não
abaixo disso. Middlesex Elderly Assessment of Mental State (MEAMS),
Addenbrooke Cognitive Examination,
Revised (ACE-R), Screening Instrument for Neuropsychological Impairments in Stroke (SINS), e Clock
Drawing Test não mostraram resultados aceitáveis de SE e SP.
Stolwyk et al. (2014) destacaram que muitos pesquisadores indicaram que 80% de SE e 60% de SP
é considerado o ideal. Contudo, 20%
de pacientes não detectados com déficit cognitivo mostra-se inaceitável
na prática clínica. Ainda, os screenings em sua maioria não continham
tarefas que avaliam calculias, praxia
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RESUMO DE ARTIGO
CONTINUANDO...
e velocidade do processamento, que são frequentemente prejudicadas no AVC,
sugerindo que os screenings deveriam incluir essas medidas. O MMSE e o MoCA são dois screenings recomendados na prática clínica, embora não tenham
sido construídos especificamente para AVC. No entanto, não se pode assumir
que a validade e a fidedignidade dos screenings em outras populações clínicas
são comparáveis à população com AVC. O perfil cognitivo dos pacientes pós
AVC é heterogêneo, em que eles manifestam afasia, apraxia, heminegligência,
agnosia, dentre outros déficits. O desenvolvimento de medidas de screening
específicas para AVC são recomendadas se as já existentes não mostrarem
resultados positivos em estudos futuros.
Referências
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Jaillard, A., Naegele, B., Trabucco-Miguel, S., LeBas, J. F., & Hommel, M. (2009). Hidden
dysfunctioning in subacute stroke. Stroke, 40, 2473–2479. doi: 10.1161/
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Nys, G. M., van Zandvoort, M. J., de Kort, P. L., van der Worp, H. B., Jansen, B. P., Algra,
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Stolwyk, R. J., O´Neill, M. H., McKay, A. J. D., & Wong, D. K. (2014). Are cognitive
screening tools sensitive and specific enough for use after stroke? A sistematic literature
review. Stroke, 45(10), 3129-34. doi: 10.1161/STROKEAHA.114.004232
Jaqueline de Carvalho Rodrigues
Psicóloga (CRP 07/19832). Especialista em Neuropsicologia
(CFP), Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Integrante do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (NEUROCOG) e da Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia Jovem (SBNp Jovem). Atua como profissional clínica e pesquisadora nas áreas de avaliação neuropsicológica e reabilitação cognitiva.
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POLÍTICAS PÚBLICAS
AGO/16
Políticas Públicas de
Combate ao AVC no Brasil
O acidente vascular cerebral
um ou ambos os olhos, para cami-
(AVC), também conhecido entre a po-
nhar, tontura, perda de equilíbrio e/ou
pulação como infarto cerebral, isque-
coordenação motora, dor de cabeça
mia ou derrame é mundialmente uma
intensa, diminuição ou perda de cons-
das principais causas de morte e de
ciência (Ministério da Saúde, 2013).
prejuízos cognitivos, motores e funcio-
Quanto mais cedo o paciente chegar a
nais, atingindo em torno de 16 milhões
um hospital especializado, a partir da
de pessoas a cada ano. No Brasil, são
ocorrência dos sintomas, menor a
registradas anualmente aproximada-
chance de ficar com algum déficit
mente 100 mil mortes, ocasionando
após o evento, sendo importante a
um impacto econômico e social na po-
identificação e o tratamento precoces.
pulação. De acordo com o Ministério
O Ministério da Saúde e a Aca-
da Saúde a doença, que era a princi-
demia Brasileira de Neurologia têm
pal causa de morte no país, está em
realizado um Plano de Ações Estraté-
segundo lugar, atrás apenas do infar-
gicas para o Enfrentamento das Doen-
to, desde 2011. Apesar disso, o AVC é
ças Crônicas Não Transmissíveis, tais
uma doença negligenciada, na qual os
como o AVC, infarto agudo do miocár-
brasileiros não sabem reconhecer sin-
dio, dentre outras. Uma das estraté-
tomas, atitudes frente ao quadro agu-
gias é diminuir o número de casos de
do, fatores de risco e prevenção.
AVC auxiliando indivíduos a controlar
Os sinais mais comuns de que
os fatores de risco como diabetes, hi-
uma pessoa está sofrendo um AVC
pertensão, obesidade, tabagismo e
são fraqueza repentina ou dormência
alcoolismo. Há alguns anos existe um
da face, braço e/ou perna, geralmente
acordo entre o Ministério da Saúde e
em um lado do corpo. Além disso, o
a Associação das Indústrias da Ali-
indivíduo pode manifestar confusão
mentação que viabilizou a retirada de
mental, alteração cognitiva (em me-
grandes quantidades de sódio dos ali-
mória, atenção e velocidade de pro-
mentos
cessamento da informação, por exem-
que a diminuição do consumo excessi-
plo), dificuldade para falar ou compre-
vo de sal poderá reduzir até 15% os
ender o que está sendo dito, proble-
óbitos por AVC e 10% os óbitos por
mas para engolir, para enxergar com
infarto, de acordo com a Sociedade
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industrializados.
Estima-se
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POLÍTICAS PÚBLICAS
CONTINUANDO...
AGO/16
Brasileira de Cardiologia. Ainda, será
sas, debates e outras atividades que
feita uma economia nos medicamen-
auxiliem na identificação de fatores de
tos para hipertensão e aumentar a ex-
risco, práticas preventivas, diagnósti-
pectativa de vida dos indivíduos. Os
cas, terapêuticas e de reabilitação
próximos projetos pretendem reduzir o
destinadas ao AVC. Acredita-se que
açúcar nos alimentos processados.
alertando a população sobre os bene-
Outra ação do Ministério da Sa-
fícios de práticas saudáveis de saúde
úde e da Academia Brasileira de Neu-
seja possível evitar em torno de 90%
rologia para minimizar as mortes por
dos casos de doenças cerebrovascula-
AVC é adequar os hospitais para que
res.
sejam especializados, com equipe mé-
No Brasil, também há uma or-
dica treinada e neurologistas disponí-
ganização não governamental, reunida
veis em situações de intervenção. O
a partir da iniciativa do Ministério da
tratamento trombolítico, utilizado em
Saúde, destinada a estimular políticas
casos de AVC isquêmico (quando há
públicas de prevenção ao AVC, intitu-
falta de fluxo sanguíneo cerebral) atu-
lada “Rede Brasil AVC”, tendo como
almente é acessível pelo Sistema Úni-
presidente atual o Dr. Octávio Mar-
co de Saúde (SUS) e está disponível
ques Pontes Neto. Essa organização é
em diversos hospitais espalhados pelo
formada por profissionais da saúde
Brasil, desde 2012. Portanto, o contro-
(médicos, enfermeiros, fisioterapeutas,
le dos fatores de risco para o AVC e a
dentre outros) que buscam diminuir o
criação de centros especializados são
número de casos, adequar o atendi-
políticas públicas importantes para di-
mento pré-hospitalar e hospitalar, pro-
minuir a mortalidade e as sequelas
piciar a reabilitação precoce e reinte-
provocadas por essa doença.
gração social dos pacientes. Ainda, a
O dia 29 de outubro é o Dia
Rede Brasil AVC tem como objetivo
Mundial de Combate ao AVC e tam-
atuar no ensino, pesquisa e assistên-
bém é considerado o Dia Nacional de
cia de pacientes e seus familiares em
Prevenção ao Acidente Vascular Cere-
todo o país. A partir das políticas públi-
bral no Brasil. Essa data tem por finali-
cas destinadas à prevenção do AVC,
dade estimular ações de conscientiza-
estudos epidemiológicos devem ser
ção populacional sobre os sinais, sin-
conduzidos, a fim de identificar o im-
tomas e controle dos fatores de risco
pacto dessas práticas na saúde dos
do AVC. Ainda, estimulam-se pesqui-
brasileiros.
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POLÍTICAS PÚBLICAS
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Esse texto foi produzido a partir dos seguintes sites informativos e cartilha, que
também podem ser acessados pelos leitores para maiores informações sobre políticas
públicas e AVC:
1.
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/sas/sasnoticias/24351-acordo-ja-retirou-14-mil-toneladas-de-sodio-dos-alimentos-processados
2.
http://www.brasil.gov.br/saude/2012/10/em-10-anos-pais-reduz-em-32-mortes-por-avc
3.
http://www.revistahospitaisbrasil.com.br/noticias/novas-politicas-publicas-reforcando-ocombate-ao-avc
4.
http://www.redebrasilavc.org.br/institucional/quem-somos
5.
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (2013). Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com Acidente Vascular
Cerebral.
Disponível
em
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
diretrizes_atencao_reabilitacao_acidente_vascular_cerebral.pdf
Jaqueline de Carvalho Rodrigues
Psicóloga (CRP 07/19832). Especialista em Neuropsicologia
(CFP), Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Integrante do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (NEUROCOG) e da Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia Jovem (SBNp Jovem). Atua como profissional clínica e pesquisadora nas áreas de avaliação neuropsicológica e reabilitação cognitiva.
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GESTÃO 2015-2017
Presidente: Neander Abreu
Vice-presidente: Gabriel Coutinho
Conselho deliberativo
Leandro Fernandes Malloy-Diniz
Paulo Mattos
Jerusa Salles
Lucia Iracema
Conselho fiscal
Rodrigo Grassi-Oliveira
Annelise Júlio
Laiss Bertola
Secretária Executiva
Carina Chaubet D’Alcante Valim
Secretário Geral
Andressa M. Antunes
Tesouraria Executiva
Beatriz Bitttencourt
Tesouraria Geral
Deborah Azambuja
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Presidente: Alina Teldeschi
Vice-presidente: Gustavo Siquara
Comissão SBNp Jovem:
Adriele Wyzykowski
Camila Bernardes
Cássio Lima
Fuuka Sunano
Jaqueline Rodrigues
Natália Becker
Natália Canário
Samara Reis
Thais Quaranta
Thales Coutinho
Comissão SBNp Kids:
Nayara Argollo
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Editoração:
Fuuka Sunano
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