Alguns casos de pirataria

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Alguns casos de pirataria
Alguns casos de pirataria
Eduardo De Freitas.
Consultor jurídico uruguaio
A realidade de nossos dias, e certamente dos que se avizinham, mostram-nos um cenário com uma
íntima relação: desenvolvimento de Internet e aumento da pirataria de criações intelectuais.
Porém, esta não é única questão que preocupa aos titulares dos direitos de autor. Portanto, tampouco
devem descuidar-se outras problemáticas para os criadores intelectuais. Nos últimos tempos, tem se
acentuado os reclamos dos setores ligados ao acesso de informação, pugnando por flexibilizar o âmbito
de proteção dos direitos intelectuais. O fundamento para ditos setores radica na necessidade de favorecer o conhecimento. É por isso, que um dos capítulos que começa a mexer-se pela procura de reformas
legislativas, refere-se precisamente ao tema das limitações e exceções aos direitos exclusivos dos autores sobre suas obras.
O direito de autor, e com ele os autores, compositores, artistas visuais, desenvolventes de software, artistas e intérpretes e produtores (fonográficos, audiovisuais e do software) encontram-se em uma dura e
difícil encruzilhada. Pois, não somente devem perseguir as reformas legislativas com o objeto de adequar
as normas jurídicas em busca de uma maior proteção aos seus direitos, senão que devem brigar com
a efetiva aplicação do direito através das autoridades policiais e judiciais e com as circunstâncias especiais que se apresentam em cada país, no que se refere à importância que dão ao tema. Sem prejuízo
do mesmo, isto ou seja, junto às dificuldades vistas, começa a criar-se movimentos tendentes a excetuar
do regime de proteção determinados atos sobre a utilização de obras ou produções protegidas, com a
intenção de defender ou possibilitar um maior e melhor acesso à informação.
Desta forma, o direito à informação e os direitos de autor entram em conflito, tendo ambos a categoria
de proteção constitucional.
Agora bem, as infrações aos direitos de autor, visualizadas na Internet não são se não outro capítulo que
se soma aos tradicionais em matéria de pirataria, que passam a se constituir em um grave espetáculo
para o mercado lícito de produtos ou conteúdos em linha.
Conforme se assinalou, o aumento da pirataria e suas dificuldades de controle, entram a atingir, também,
a venda legal na Internet. Fala-se, por exemplo, que as informações de música na Internet podem tornarse um obstáculo importante para o sucesso dos mercados legais de conteúdos em linha1.
É notório que uma importante maioria de usuários de Internet baixaram (descarregaram) e o contínua
fazendo, de obras protegidas através das plataformas de intercâmbio gratuito de fichários entre particulares (peer-to-peer).
A organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, indicou também, que em outubro
de 2004, quase dez milhões de usuários de Internet se conectaram às redes de intercâmbio gratuito de
fichários de forma simultânea. Para a organização, os programas utilizados no intercâmbio gratuito são
1 Informe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE). A organização indicou que “é
difícil” demonstrar a caída de 20% no volume de negócios registrado na indústria musical entre 1999 e 2003 deva-se
à pirataria, porém indica que um terço dos usuários da Internet nos países membros da OCDE baixaram música da
rede através das plataformas de intercâmbio gratuito entre particulares (peer-to-peer).
“uma tecnologia inovadora e prometedora”, porém reconhece que “numerosos internautas efetuam cópias
não autorizadas” dos arquivos.
A verdade é que a pirataria de obras e, em especial, a de software continua em aumento, já seja no
cenário clássico de reproduções ou fixações não autorizadas, já seja no tecnológico, no que se refere à
carga e descarga de arquivos e intercâmbio entre os usuários ou interessados.
O ambiente da Internet, como todo espaço tecnológico ligado às facilidades de exploração de bens
intelectuais, está se constituindo em um campo fértil do copiado e distribuição ilegal de software. Assim,
observamos ofertas e transações comerciais, a partir de uma distribuição de software ilegal. A operativa
habitual de distribuição importa o oferecimento e a entrega física de software “pacote na mão” de suportes ilícitos de software ou bem a descarga virtual de software em linha, já seja desde um Web site ou em
operações entre usuários.
Assim, não acaba sendo difícil se encontrar com empresas, com aparência de legalidade, que abrem um
Web site para logo distribuir o software ilícito. O termo pirataria de software passa, assim, a incluir não só
as cópias autorizadas de programas, sua falsificação, distribuição física, posta à disposição desde Web
sites, senão também todo ato de carga e descarga em linha dos mesmos.
A pirataria envolve atividades ilícitas não só em relação a ensambladores de hardware – onde precarregam suportes ilegais de software -, senão também àqueles que copiam ou falsificam software, distribuem-no e o comercializam por intermédio de Web sites ou intercambiam arquivos contendo obras
protegidas.
Estas atividades, claramente, atentam contra os autores e produtores e toda a operativa comercial lícita;
os intercâmbios de obras musicais, audiovisuais, programas de computação em Internet se tornam,
assim, em uma barreira para o desenvolvimento de mercados com conteúdos legais em linha.
Pelo visto, acaba sendo claro que as ilicitudes que proliferam no campo da Internet, conspiram gravemente com a instalação e expansão de mercados legítimos de conteúdos em linha.
Que estímulo e segurança podem ter, as pessoas que desejem desenvolver de forma legal uma atividade
de colocada à disposição e distribuição de obras em linha, se a realidade demonstra um estado quase
absoluto de pirataria?
Não obstante, as normais legais que se atualizam e os esforços que podem ser realizados em muitos
países para frear este fenômeno – organizado em muitos casos e anárquico em outros -, requere-se
pelas especiais características do fenômeno de Internet, uma ação em conjunto que não só passa por
maiores e melhores esforços de prevenção e repressão, senão também pela procura de soluções tecnológicas acordes com os desafios que se apresentam.
A pirataria de Internet, sem dúvida, vem a incrementar geometricamente as violações aos direitos de
autor. Desde que tal cenário facilita o intercâmbio e colocada à disposição em linha de software, obras
musicais, audiovisuais, literárias, visuais; não é difícil concluir que os autores e todos aqueles que fazem
parte da rede lícita de negócios aumentaram seus prejuízos. As plataformas de intercâmbio de arquivos
conspiram diariamente com o setor de produção de bens intelectuais.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que em outubro de
2004, quase dez milhões de usuários de Internet se conectaram às redes de intercâmbio gratuito de
fichários de forma simultânea. De acordo a esta organização, os internautas acostumam a realizar cópias
não autorizadas dos arquivos de música, software e vídeo.
Se bem que no momento atual, os negócios legítimos através de Internet não representam um volume
importante em comparação com os tradicionais, não deixa de ser verdade que nos próximos anos o
setor se incrementará sensivelmente, pese à notória competição desleal proveniente das atividades ilícitas; ou seja, da carga e descarga e intercâmbios de software e de outras obras protegidas na rede para
que qualquer interessado aceda aos mesmos, já seja de forma gratuita ou de forma onerosa. O tema
preço não tem relevância, devido a que o transcendente é o dano causado pela reprodução das obras
e sua colocada à disposição do público, removendo do mercado as produções intelectuais legais. Em
poucas palavras: a atividade parasitária da pirataria determina a não percepção de direitos para os autores, artistas, produtores, evasão fiscal, perda de vagas de trabalho direto e indireto que brindam diversos
setores e a conseguinte afetação de valores éticos e culturais, que se traduzem em uma falta de respeito
àqueles que dedicam a sua vida à produção de bens intelectuais.
Na esfera judicial existem casos que lideram a atenção, já que apesar de poderem referir-se a um caso
concreto de obras protegidas, por sua própria natureza se estendem, logicamente, aos demais tipos de
criações, amparados pelo regime dos direitos de autor.
Conforme indicávamos, é notório que diariamente se produzem uma infinidade de infrações através dos
serviços peer-to-peer (p2p), com o qual se apresenta a problemática para os autores de perseguir as
mesmas diante desses usuários ou pessoas, considerações em forma individual. O que acontece no
relacionado aos serviços p2p que permitem enlaces entre usuários, coadjuvando ao aumento das violações? Devem ser considerados responsáveis? E em tal caso, em que condições?
Desde o nosso ponto de vista não existem dúvidas de que as pessoas que facilitam ou provocam este
tipo de infrações, permitindo a descarga de arquivos contendo obras protegidas, devem ser considerados responsáveis pela violação aos direitos de autor. Nos famosos casos, Napster e Aimster, declarou-se
responsáveis aos serviços peer to peer.
No relacionado, corresponde assinalar que os Tribunais dos Estados Unidos reconhecem dois tipos de
responsabilidade subsidiária. Por um lado, a que poderíamos denominar direta, onde o demandado tem
conhecimento e coopera com a infração. Por outro lado, a indireta, através da qual o demandado tem o
controle ou a supervisão e se beneficia economicamente da infração2.
A diferença entre ambas, radica pois, no conhecimento da atividade ilícita, facilitando o comportamento
violável da lei, no caso da direta; e em controle e benefício econômico na situação, da indireta.
No caso Napster, através da linha se permitirá aos interessados descarregar fixações musicais em formato mp3 em forma direta desde os computadores (discos duros) dos usuários, utilizando o comando
centralizado de Napster de todos os arquivos disponíveis no sistema. No momento de maior explosão do
sistema, o mesmo permitia o intercâmbio de cem milhões de descargas por dia3.
As demandas promovidas contra a Napster provocaram como resultado, os veredictos do dia 10 de
agosto de 2000 do Tribunal do Distrito Norte-Americano do Norte da Califórnia e do Nono Circuito de
2001.
Na primeira, a Napster foi declarada como responsável do subsidiário. Na segunda, confirmou-se o
veredicto, ainda que com algumas diferenças. Efetivamente, o Nono Circuito entendeu que existia uma
2 Gershwin Pub. Corp c/ Columbia Artist Management (2º Circuito 1971); Shapiro,Bernstein &Co. Inc. C/H.L. Green
Co, Inc ( 2º Circuito 1963).
3 Adam Sherwin, “¿Ha pasado el fundador de Napster de la marginación al bombazo comercial? Times Online.
responsabilidade contributiva, apesar de não estar de acordo que a Napster não havia demonstrado que
seu sistema era capaz de ser utilizado para usos legítimos.
De igual maneira, entendeu que um Tribunal não pode atribuir um conhecimento positivo da Napster,
simplesmente porque fosse consciente que seu sistema poderia ser utilizado para violar os direitos de
autor. Não obstante disto, concluiu que a Napster tinha conhecimento verdadeiro das atividades infratoras, pelo que ficou estabelecida uma infração contributiva.
“Se o operador de um sistema informático encontrar um material ilícito específico no seu sistema e não
elimina dito material, o operador tem o conhecimento e contribui à infração direta. O sumário apóia a
conclusão do Tribunal do Distrito de que a Napster tinha conhecimento verdadeiro de que materiais
ilegítimos estavam disponíveis no seu sistema, que podia bloquear o acesso aos mesmos por parte dos
provedores de ditos materiais e não os retirou do seu sistema”4.
O Nono Circuito também confirmou o veredicto com relação à responsabilidade indireta. Susteve-se
assim, que existe um benefício econômico quando a disponibilidade de material ilícito “atua como gancho
para os clientes”5.
A circunstância de que a Napster se reserva o direito de bloquear o acesso ao sistema a um usuário
por qualquer razão relacionada com o mesmo era uma prova do direito e a capacidade de supervisar a
companhia.
A expansão dos serviços p2p também deu lugar a outros procedimentos judiciais. Dependendo da qualificada e valiosa opinião do reconhecido especialista na matéria, Dr. Fred Koenigsberg (advogado ASCAP),
pudemos resumir alguns dos aspectos mais sobressalentes do caso MGM com Grokster Ltd. Como
sabemos Grokster oferece seus serviços através de agrupações de usuários individuais, denominadas
nodos, em torno a supernodos que acumulam e apresentam índices da informação contida nos seus
nodos conectados. O usuário acede à rede, conectando-se a um supernodo, até que localize um arquivo
para ser descarregado.
O Tribunal do Distrito declarou que os usuários do serviço infringiam diretamente os direitos de autor dos
demandantes, ao utilizar o software dos demandados para descarregar e pôr à disposição de outras
obras protegidas. Não obstante disto, entendeu que a descentralização do serviço não podia assimilarse ao caso Napster. Para o Tribunal, o conhecimento genérico que os demandados possam ter, de que
os usuários utilizam sua tecnologia e produtos para atuações ilícitas, não alcança para que possam ser
considerados responsáveis pela violação dos direitos de autor. O tema passava por saber se possuíam
um claro e fundamentado conhecimento de tais atividades e em conseqüência, que dispusessem as
medidas para impedir às mesmas.
O Veredicto do Tribunal de Apelação do Nono Circuito confirmou a do Tribunal de Distrito. Neste
segundo pronunciamento se sustentou que os distribuidores das versões atuais do software descentralizado de intercâmbio de fichários (peer-to-peer) par a par (Streamcast Networks) e o denominado
supernodo (Grokster), não eram responsáveis, desde o ponto de vista da doutrina de responsabilidade
subsidiária, pela violação de obras protegidas pelos direitos de autor, efetuadas pelos usuários do seu
software. A maneira de contexto, no caso Napster, o Nono Circuito sentenciou que o operador da base
4 A&M Records, Inc. C/ Napster, Inc, Nono Circuito 2001.
5 A&M Records, Inc. C/ Napster, Inc, Nono Circuito 2001
de dados centralizada, que listava obras disponíveis para descarregar e que encaminhava as solicitações
de copias, era o responsável da infração dos direitos de autor. Em contraste, estes serviços descentralizados permitem que cada usuário navegue pelos computadores dos demais usuários, bem diretamente
ou mediante supernodos que canalizam o tráfico.
O Tribunal do Nono Circuito sustentou no seu Veredicto, que tanto a Streamcast como a Grokster não
eram responsáveis, em base à sua anterior decisão sobre Napster e no ditame do Supremo Tribunal
de 1964, no relacionado com a máquina de vídeo Sony Betamax (Assunto Sony Corporation of America
contra Universal City Studios, Inc, 464 EE.UU. 417 (1984). No assunto, o Supremo deu seu veredicto que
a máquina de vídeo era um artigo básico de comércio e que permitia realizar muitos usos lícitos. Assim,
entendeu que a cópia não comercial dos programas de televisão com o objeto de vê-los posteriormente
constituía um uso legítimo, autorizado por muitos proprietários de programas, e não tinha impacto negativo nos ingressos publicitários dos difusores.
Em base a dito veredicto, o Tribunal do Nono Circuito estabeleceu que os distribuidores de software
haviam demonstrado que seu produto também permitia efetuar múltiplos usos lícitos comercialmente
relevantes. Fundamentalmente, baseou-se nas situações que envolvem uma colocada à disposição ou
distribuição ao público de obras de domínio público e obras cedidas por seus titulares a redes p2p (par
a par). Não obstante disto, os fatos demonstram que quase a totalidade destas redes albergam no seu
trânsito obras protegidas e as mesmas constituem violações claras aos direitos de autor.
Desta forma, o Tribunal desfaz o conhecimento suposto ou lógico dos distribuidores, exigindo a prova do
conhecimento direto das utilizações ilícitas; neste caso sim, corresponde-lhes tomar todas as medidas
para impedir as violações. Da mesma forma, o Tribunal entendeu que os distribuidores se software não
ofereciam o site e suas instalações para configurar as infrações, nem tinham a possibilidade de suspender as contas dos usuários.
Na atualidade, os demandantes recorreram ao Veredicto perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Os argumentos, entre outros, e sem prejuízo do assinalado, radicam os quantiosos danos que se
provocam aos autores e demais titulares pelas infrações generalizadas que se levam a cabo nos serviços
peer-to-peer; pelas dificuldades materiais e os custos de promoção de centenas de milhares de processos contra os infratores diretos fariam praticamente impossível a obtenção de veredictos ajustados ao
direito em si, para combater as infrações das quais são vítimas os autores; a consideração de que os
tribunais deveriam ter em conta os usos ilícitos que se dão em tal escala, que levam pela frente ou arrasam aos usos legítimos: a razão de ser a responsabilidade subsidiária: as legislações reconhecem muitas
situações, onde a responsabilidade por si só não é efetiva e pelo contrário a indireta sim.
O pronunciamento do Supremo Tribunal certamente se dê na segunda parte deste ano.

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