a bandeira da pirataria

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a bandeira da pirataria
A BANDEIRA DA PIRATARIA
Partindo dos anos 90, com a popularização da Internet, o desenvolvimento da tecnologia
de compartilhamento (que passou do sistema “servidor/cliente”, de menor velocidade,
para o “cliente/cliente”, ou p2p, e as maiores taxas de compressão dos próprios
arquivos), a transferência de obras intelectuais entre usuários da Internet alcançou
gigantesca popularidade.
O Napster, para alguns o precursor do sistema “cliente/cliente”, chegou a ter 26,4
milhões de usuários em fevereiro de 2001, aproximadamente 85% dos computadores
conectados à Internet na época; o Kazaa, um de seus sucessores, em maio do ano
seguinte, contabilizava 75 milhões de usuários; atualmente, conforme estudo divulgado
pela Ipoque, empresa de monitoramento de tráfego na Internet, o p2p corresponde a
entre 49 e 84%, conforme o local, do tráfego na Internet, quase todo ele dedicado ao
compartilhamento de obras intelectuais protegidas.
Essa explosão de “compartilhamento” não passou desapercebida pela indústria do
entretenimento. Esta, acenando com perdas bilionárias e em meio a um histrionismo
ainda maior do que aquele que marcou o surgimento das fitas K-7 e o videocassete, viu
no enrijecimento do Direito do Autor a título de salvação da lavoura.
Desde então, temos observado uma seqüência de rounds judiciais, que ora buscam
nocautear os usuários que compartem arquivos protegidos, ora àqueles que
desenvolvem a tecnologia por eles utilizada.
Legislativa (dando prosseguimento a tendência inaugurada pela Organização Mundial
da Propriedade Intelectual em 1996) e jurisprudencialmente, os primeiros estão
apanhando mais que atacante carioca jogando a segunda divisão do gauchão: o usuário
que comparte obras intelectuais protegidas esta sendo punido com cada vez mais rigor.
Chan Nai Ming, honconguês de lamentável gosto cinematográfico, foi condenado em
2005 (decisão confirmada em 2007) a três meses de prisão por compartilhar os filmes
“Demolidor”, “Miss Simpatia” e “Planeta Vermelho”.
A ele já se somou Grant Stanley (americano condenado em 2006 por compartir
ativamente o filme “Star Wars – Episódio III”, antes mesmo de sua estréia, a cinco
meses de prisão, outros cinco de prisão domiciliar, além de três anos de condicional e
multa de US$ 200) e Daniel Dove (seu colega de site, condenado em 2008 a dezoito
meses de prisão e outros dois anos de condicional, além de multa de US$ 20 mil).
A tendência promete chegar a um novo ápice com a implementação em um número
cada vez maior de países da “regra dos três passos”, que prevê o banimento da Internet,
por um período determinado, do usuário que comparte arquivos ao arrepio da lei – o que
certamente seja mais nocivo para a vida social de muitos usuários que a própria prisão.
O segundo grupo, por sua vez, vai se adaptando as decisões judiciais que empurram os
seus pares para a ilegalidade. Assim, a progressiva descentralização da arquitetura dos
programas p2p parece, mais do que buscar o aumento da velocidade de transmissão,
querer imunizar os seus desenvolvedores de conseqüências legais.
Se, em 2005, a Suprema Corte Americana julgou os responsáveis pelo desenvolvimento
do software Grokster responsáveis pelas infrações praticadas pelos seus usuários, ainda
que aqueles não tivessem conhecimento específico sobre estas (naquele que é, até hoje,
o mais paradigmático dos julgamentos envolvendo um programa p2p), tirar o Emule,
programa que possibilita o compartilhamento numa escala até mesmo maior (e no qual
qualquer usuário pode assumir o papel de servidor), da jogada parece judicialmente
impossível.
Dentre aqueles que até agora eram considerado como “improcessáveis” estão os sites
nos quais se encontram arquivos .torrent, que possibilitam o compartilhamento de obras
protegidas (ou não) pela tecnologia do mesmo nome. Este é precisamente o caso do The
Pirate Bay.
O resultado (ao qual em breve se juntará o do caso do site americano ISOHunt) tem
tudo para se tornar um novo marco desta batalha. E não apenas porque o The Pirate Bay
é o primeiro grande caso (US$ 15 milhões) voltado contra aqueles que fornecem os
meios para que se dê o compartilhamento e não contra quem ativamente compartilha,
utilizando-se da tecnologia torrent, que será judicialmente decidido (em situações
anteriores, como no falecido Supernova, a solução se deu extrajudicialmente): para o
TPB, a pirataria é mais que um negócio, é uma bandeira ideológica.
Se as legislações estão se tornando mais duras e as ações judiciais, mais freqüentes, o
movimento no sentido contrário, propagandeando a “cultura livre” (e encabeçados pela
iniciativa Creative Commons e pelo jurista americano Lawrence Lessig), organizou-se
(no próprio Pirate Bay está a origem do Partido Pirata sueco) e passou a desenvolver as
suas próprias teorias – ainda que a maioria delas ainda invoque um certo messianismo
hippie e outras tenham sido abraçadas pela mais festeira das esquerdas.
E é neste cruzamento que se encontra o julgamento do The Pirate Bay, no país mais
simpático à sua causa possível. Estaremos vendo nascer um anti-Grokster ou as
esperanças dos auto-intitulados movimentos pela “cultura livre” receberão mais uma
contundente pá de cal teórica?
Vicente Flach Renner
http://lattes.cnpq.br/2890740337561155
[email protected]
Originalmente publicado em 24/03/2009
http://www.baguete.com.br/colunasDetalhes.php?id=3002

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