Capitães da Areia

Transcrição

Capitães da Areia
CAPITÃES
DA
AREIA
Jorge Amado
(1912 - 2001)
Resenhado por Douglas Machert e
Marco Antônio Xavier
Publicado em
1937
•
•
•
Estado Novo
Lutas sociais
Perseguição aos
comunistas
obra datada
Jorge Amado
O escritor engajado
 Militância e filiação no PCB.
 Preso, torturado e exilado pela
ditadura de Vargas.
 Seus primeiros romances têm
forte caráter social.
FUVEST 2010 - Q.08
Considere a seguinte relação de obras: Auto da barca do
inferno, Memórias de um sargento de milícias, Dom
Casmurro e Capitães da areia. Entre elas, indique as
duas que, de modo mais visível, apresentam intenção de
doutrinar, ou seja, o propósito de transmitir princípios e
diretivas que integram doutrinas determinadas.
Divida sua resposta em duas partes: a), para a primeira obra
escolhida e b), para a segunda obra escolhida, conforme já
vem indicado na respectiva página de respostas. Justifique
sucintamente cada uma de suas escolhas.
Queima dos livros
em praça pública
“Em São Paulo, na Bahia, estava sendo queimado em praça
pública. Em Salvador, tem até ata de queima... 1.694 exemplares de
meus romances queimados em praça pública por ordem do
comando da 6ª Região Militar.”
Obra programática
doutrinária
Maniqueísmo – Bem X Mal
Redenção final – uma revolução acontecerá no
fim dos tempos.
Salvacionismo
Caráter social
• denuncia
as condições de vida dos
despossuídos;
• revela o cotidiano das crianças
abandonadas nas ruas de Salvador;
• problema visto como produto do descaso
das elites econômicas e das autoridades
governamentais;
• simpatia pelas teses (da época) do PCB;
• transformação radical da sociedade como
solução para o abandono e a miséria das
crianças de rua.
Questão do regionalismo
No Primeiro Congresso Brasileiro de
Regionalismo, realizado em Recife, em 1926,
Gilberto Freyre lança o Manifesto
regionalista, que teria desdobramentos
culturais importantes, sobretudo com a
formação da corrente ou movimento literário
conhecido como Neorrealismo Regionalista.
Gilberto Freyre
Convencido de que a divisão política em estados era artificial e de que
o país real era composto por regiões, Freyre propõe o critério regional
como orientação para os estudos sociais e culturais interessados no
conhecimento da realidade brasileira.
Estas, segundo Gilberto Freyre, deveriam ser estudadas em suas
mais variadas manifestações tradicionais, como a culinária, o folclore,
as práticas sociais, os usos e os costumes regionais, para que fossem
conhecidas e reafirmadas, de modo a servir de antídoto à ameaça de
descaracterização. Além disso, considerava que o Brasil corria o grave
perigo de dissolução de sua identidade cultural, por esta se ver
ameaçada pelo avanço da modernização capitalista em curso,
sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, que impunha padrões
culturais estrangeiros em desfavor das genuínas tradições brasileiras.
Essa linha de pensamento leva o sociólogo pernambucano, no campo
artístico, a opor-se ao movimento modernista, que se expandia
nacionalmente desde seu ruidoso lançamento na Semana de Arte
Moderna (1922). Para Freyre, o Modernismo se afigurava como um
movimento paulista e carioca que transpusera artificialmente as
formas estéticas da vanguarda europeia para o Brasil.
José de Paula
Ramos
Problematização
 Neorrealismo Regionalista - Este
rótulo NÃO se encaixa perfeitamente
em CAPITÃES DA AREIA.
 A problemática central ultrapassa
os limites do regionalismo.
Capitães da Areia
O livro
Foco narrativo
• Terceira
pessoa
Espaço
Cidade alta:
sociedade dos ricos
As ruas e as areias das praias da Cidade da
Bahia (Salvador)
Espaço dos pobres (excluídos)
•
Prólogo
Cartas à Redação do Jornal da Tarde (todas ficcionais)
1. Reportagem do assalto das crianças à casa de um rico comerciante;
2. Carta do secretário do chefe de polícia falando sobre a
responsabilidade do juiz de menores;
3. Carta do Juiz de Menores defendendo-se da acusação de negligência;
4. Carta da mãe de uma das crianças denunciando as condições
miseráveis do reformatório;
5. Carta do Padre José Pedro reafirmando as acusações feitas pela mãe
ao reformatório;
6. Carta do diretor do Reformatório defendendo-se das acusações;
7. Reportagem elogiosa do mesmo jornal ao Reformatório.
Introdução – Cartas à redação
Fato a que se referem:
assalto do grupo “Capitães da areia”
à residência do comendador José
Ferreira.
Jornal da Tarde
Caráter tendencioso da
imprensa
Já por várias vezes o nosso
jornal, que é sem dúvida o
órgão das mais legítimas
aspirações da população
baiana, tem trazido notícias
sobre a atividade criminosa
dos Capitães da Areia, nome
pelo qual é conhecido o grupo
de meninos assaltantes e
ladrões que infestam a nossa
urbe. Essas crianças que tão
cedo se dedicaram à
tenebrosa carreira do crime
não têm moradia certa ou
Crianças LadronasLinguagem empolada e
cheia de pré-conceitos
As aventuras sinistras dos Capitães da Areia • A cidade
infestada por crianças que vivem do furto • Urge uma
das autoridades
providência do Juiz de Menores e do Chefe de Polícia •
Ontem houve mais um assalto
Linguagem simples e
coloquial dos mais
humildes
Já por várias vezes o nosso jornal, que é sem dúvida o
órgão das mais legítimas aspirações da população
baiana, tem trazido notícias sobre a atividade criminosa
dos Capitães da Areia, nome pelo qual é conhecido o
grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a
nossa urbe. Essas crianças que tão cedo se dedicaram
à tenebrosa carreira do crime não têm moradia certa ou
pelo menos a sua moradia ainda não é localizada. Como
também ainda não foi localizado o local onde escondem
pelo menos a sua moradia
ainda não é localizada. Como
também ainda não foi
o produto dos seus assaltos, que se tornam diários,
localizado o local onde
escondem o produto dos seus
assaltos, que se tornam diários,fazendo jus a uma imediata providência do juiz de
fazendo jus a uma imediata
providência do juiz de menoresmenores e do dr. chefe de polícia.
e do dr. chefe de polícia.
Linguagem revela julgamento moral e
preconceito:
“bando de demônios”;
“ladrões que infestam a nossa urbe”;
“molecote”;
“crianças ladronas” (o próprio título
da notícia).
Introdução – Cartas à redação
Duas visões distintas sobre os “capitães”:
1. Autoridades competentes (chefe de polícia, juiz
de menores, diretor do Reformatório):
consideram-nos criminosos que merecem
punição; eximem-se de sua responsabilidade
em relação aos meninos.
2. Padre e Ricardina, a costureira: consideramnos crianças, vítimas de injustiça.
1ª Parte: “Sob a Lua, num velho
trapiche abandonado”
“O trapiche”
Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as
crianças dormem.
Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e
negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas
ora se rebentavam fragorosas, ora vinham se bater
mansamente. A água passava por baixo da ponte
sob a qual muitas crianças repousavam agora,
iluminadas por uma réstia amarela de lua.
“No velho armazem
abandonado”
Durante anos foi povoado exclusivamente pelos ratos
que o atravessavam em corridas brincalhonas, que
roíam a madeira das portas monumentais, que o
habitavam como senhores exclusivos. Em certa época
um cachorro vagabundo o procurou como refúgio
contra o vento e contra a chuva. [...]
“O trapiche”
Degradação Humana
Durante anos foi povoado exclusivamente pelos ratos
que o atravessavam em corridas brincalhonas, que
roíam a madeira das portas monumentais, que o
habitavam como senhores exclusivos. Em certa época
um cachorro vagabundo o procurou como refúgio
contra o vento e contra a chuva. [...]
Retrato da vida de crianças sem
família que viviam em um velho
armazém abandonado no cais do porto.
Aproximadamente cem crianças de
todas as cores, entre nove e dezesseis
anos que ali dormiam. Os motivos que
as uniram eram os mais variados:
ficaram órfãs, foram abandonadas, ou
fugiram dos abusos e maus tratos
recebidos em casa.
Durante o dia, maltrapilhos, sujos
e esfomeados, mostravam-se para a
sociedade, perambulando pelas ruas,
fumando pontas de cigarro, mendigando
comida ou praticando pequenos furtos
para poder comer.
Além desses pequenos
expedientes, os Capitães da Areia
praticavam roubos maiores, o que os
tornou conhecidos, temidos e
procurados pela polícia.
Apresentação
dos
personagens
Noite dos “capitães da areia”
Personagens
Pedro Bala
"É aqui também que mora o chefe
dos Capitães da Areia Pedro Bala.
Desde cedo foi chamado assim, desde
seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há
dez que vagabundeia nas ruas da
Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu
pai morrera de um balaço."
Era loiro, 15 anos, tinha um talho no
rosto, provocado por uma briga com o
antigo chefe do bando, Raimundo, na
disputa pela liderança.
Pirulito
Pirulito, magro e muito alto.
Tinha vocação e fervor religioso.
Executa, com os demais, os
roubos necessários à
sobrevivência, sem jamais
deixar de praticar sua oração e
sua fé em Deus.
João Grande
Mais alto e mais forte do
bando. Ele não era chamado
para as reuniões dos lideres por
ser inteligente, mas porque era
temido. Se fosse para pensar,
até lhe doía a cabeça. Ajuda e
protege os novatos do bando
contra atos tirânicos praticados
pelos mais velhos.
Robin Hood é um herói mítico, um
fora-da-lei que roubava dos ricos
para dar aos pobres. Era hábil no
arco e flecha e vivia na floresta de
Sherwood. Era ajudado por seus
amigos "João Pequeno" e "Frei
Tuck", entre outros moradores de
Sherwood. Teria vivido no século
XIII, gostava de vaguear pela floresta
e prezava a liberdade.
Casa-se com Maid Marian. No fim da história,
Ricardo Coração de Leão reaparece após sua
derrota em terras estrangeiras e nomeia Robin
Hood cavaleiro, tornando o nobre novamente.
Professor
"João José, o Professor,
desde o dia em que furtara
um livro de histórias numa
estante de uma casa da
Barra, se tomara perito
nestes furtos. Nunca,
porém, vendia os livros, que
ia empilhando num canto do
trapiche, sob tijolos, para
que os ratos não os
roessem. Lia-os todos numa
ânsia que era quase febre".
Era intelectual do grupo.
Além de entreter os garotos,
narrando as aventuras que lê, o
Professor ajuda decisivamente
Pedro Bala, aconselhando-o no
planejamento dos assaltos.
Boa Vida
Era o mais malandro de
todos. Muito preguiçoso, era o
único que não participava das
atividades de roubo do grupo.
Era um boa-vida, gostava de
violão e de ficar contemplando
o mar e os barcos.
Gato
Gato, rapaz conquistador, vive
entre as prostitutas. Com seu jeito
malandro atrai uma delas: Dalva.
Só aparecia ao amanhecer.
Bem-vestido, domina a arte da
jogatina, trapaceando, com seu
baralho marcado, todos os que se
aventuram numa partida contra ele.
Volta Seca
Volta Seca, tinha ódio das
autoridades e o desejo de se
tornar cangaceiro. Admirador
de Lampião, a quem chama de
padrinho, sonha um dia
participar de seu bando.
Sem-Pernas
Sem-Pernas, garoto
deficiente de uma perna, que
serve de espião para o grupo.
Fazia-se de órfão
desamparado para ser
acolhido pelas famílias e,
assim, conhecia cada ponto
estratégico de suas
residências, retransmitindo
tais informações ao grupo.
Sem-Pernas
Preso e humilhado por
policiais bêbados, que o
obrigaram a correr em volta de
uma mesa até cair exausto,
Sem-Pernas conserva as
marcas psicológicas desse
episódio, que provocou nele
um ódio irrefreável contra
tudo e todos, incluindo os
próprios integrantes do
bando.
A obra talvez não
possua um personagem
principal. O mais
apropriado seria
apontar o conjunto, ou
seja, os Capitães da
Areia como grupo como
personagem coletivo.
Os apelidos Pedro Bala, Professor, SemPernas e Boa-Vida constituem exemplos
de aplicação de metonímia.
Personagem coletivo
Querido de Deus
Era pescador e
tinha um saveiro. Dá
algumas aulas de
capoeira para Pedro
Bala, João Grande e
Gato. Todos no
trapiche o admiram.
As luzes do carrossel
Os meninos se envolvem com um
carrossel que chegou na cidade.
Unicamp 2010 - Leia o trecho abaixo, do capítulo “As luzes do
carrossel”, de Capitães da Areia:
O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a
música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria
num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em
alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do
carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os
ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam
silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a aglomeração de
meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado,
escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos,
as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso
(talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade
era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos
os Capitães da Areia. Nesse momento de música eles sentiram-se
donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos
porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o
carinho e conforto da música.
Volta Seca não pensava com certeza
em Lampião nesse momento. Pedro
Bala não pensava em ser um dia o
chefe de todos os malandros da
cidade. O Sem-Pernas em se jogar no
mar, onde os sonhos são todos
belos. Porque a música saía do bojo
do velho carrossel só para eles e
para o operário que parara. E era uma
valsa velha e triste, já esquecida por
todos os homens da cidade. (Jorge
Amado, Capitães da Areia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, p. 68.)
a) De que modo esse capítulo
estabelece um contraste com os
demais do romance? Quais são os
elementos desse contraste?
b) Qual a relação de tal contraste com
o tema do livro?
Cangaceiro, Aldemir Martins
“Solidão e Abandono”
"Todos procuravam um carinho, qualquer coisa fora daquela vida: o
Professor naqueles livros que lia a noite toda, o Gato na cama de uma
mulher da vida que lhe dava dinheiro, Pirulito na oração que o
transfigurava, Barandão e Almiro no amor na areia do cais. O Sem-Pernas
sentia que uma angústia o tomava e que era impossível dormir. [...]"
“Padre José Pedro”
[...] Mas Padre José Pedro tinha sido operário e sabia como tratar os
meninos. Tratava-os como a homens, como a amigos. E assim
conquistou a confiança deles, se fez amigo de todos, mesmo daqueles
que, como Pedro Bala e o Professor, não gostavam de rezar.
Padre de origem humilde. Discriminado por não
possuir a cultura nem a erudição dos colegas, demonstra
uma crença religiosa sincera. Por isso, assume para si a
missão de salvar espiritualmente as crianças abandonadas
da cidade, incluindo os Capitães da Areia.
“Docas”
Pedro Bala e Boa-Vida vão passear nas docas e encontram
o estivador João de Adão. Luíza, uma vendedora de laranjas
e cocadas, participa também da conversa. Pedro Bala fica
sabendo de sua origem.
João-de-Adão
Estivador, negro fortíssimo
e antigo grevista, era igualmente
temido e amado em toda a estiva.
Através dele, Pedro Bala soube do
pai. João-de-Adão tinha conhecido
o loiro Raimundo, estivador que
tinha morrido, baleado na greve,
lutando em prol dos
trabalhadores. A mãe de Pedro
falecera quando ele tinha seis
meses; era uma mulher e tanto.
Estupro
De volta das docas para o
trapiche, na praia deserta,
Pedro Bala sodomiza à força
uma jovem negra, apesar de
ela implorar para que ele a
poupasse.
Tal episódio caracteriza a
bestialidade dos instintos
sexuais do protagonista e
tem a função de servir de
contraponto ao futuro
comportamento dele em
relação a outra jovem, Dora.
“Aventura de Ogum”
“Don'aninha”
Mãe de santo,
sempre socorria
os meninos em
caso de doença
ou necessidade.
“Aventura de Ogum”
A imagem desse orixá é retirada de
seu altar no candomblé de
Don'Aninha e levada pela polícia
para uma delegacia. A mãe de
santo recorre a Pedro Bala, que se
faz prender para resgatar e restituir
a imagem ao seu lugar sagrado.
Denuncia a intolerância
e a perseguição religiosa
que afligiam os
praticantes dos cultos
religiosos de origem
africana no Brasil
“Deus sorri como um negrinho”
Pirulito rouba uma imagem de Menino Jesus
exposta em uma loja. São mostradas as hesitações do
menino nos momentos que antecedem o roubo.
Sentimentos e pensamentos contraditórios aparecem: o
temor e o amor de Deus. Pirulito medita sobre os
exemplos e as ideias de padre José Pedro e do
estivador João de Adão sobre justiça e culpa:
Sua vida era uma vida desgraçada de menino abandonado e por
isso tinha que ser uma vida de pecado, de furtos quase diários, de
mentiras nas portas das casas ricas. Por isso na beleza do dia Pirulito
mira o céu com os olhos crescidos de medo e pede perdão a Deus tão
bom (mas não tão justo também...) pelos seus pecados e os dos
Capitães da Areia. Mesmo porque eles não tinham culpa. A culpa era da
vida...
O padre José Pedro dizia que a culpa era da vida e tudo fazia
para remediar a vida deles, pois sabia que era a única maneira de fazer
com que eles tivessem uma existência limpa. Porém uma tarde em que
estava o padre José Pedro e estava o João de Adão, o doqueiro disse
que a culpa era da sociedade mal organizada, era dos ricos.... Que
enquanto tudo não mudasse, os meninos não poderiam ser homens de
bem.
“Família”
Sem-Pernas se infiltra na casa de um casal
rico de Salvador: Dona Ester e seu marido,
Dr. Raul, um advogado de grande
reputação. Fingindo-se bom menino, SemPernas é acolhido com muito afeto. Tratado
como filho, ele também se apega ao casal e
sofre pelo desgosto que daria quando
cumprisse sua missão de espionagem e
informação para o roubo.
Hesita e, continuando a fingir, prolonga
sua pernanência na casa até não poder
mais. Enfim, decide-se pela lealdade
devida ao bando, foge do lar acolhedor e
volta a viver no trapiche, ainda mais
amargurado do que já era.
“Manhã como um quadro”
Professor, acompanhado de Pedro
Bala, ganha alguns trocados a desenhar
a giz, nas calçadas da Cidade Alta,
retratos dos transeuntes. Um destes, um
poeta, fica impressionado com o talento
do menino, puxa conversa com ele e se
oferece para ajudá-lo.
“Alastrim”
Omolu mandou a bexiga negra para a cidade. Mas lá em cima os
homens ricos se vacinaram, e Omolu era um deus das florestas da
África, não sabia destas coisas de vacina. E a varíola desceu para a
cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga
em cima da cama.
Então vinham os homens da Saúde Pública, metiam os doentes num
saco, leva para o lazareto distante. As mulheres ficavam chorando,
porque sabiam que eles nunca mais voltariam. Mas como Omolu
tinha pena dos seus filhinhos pobres, tirou a força da bexiga negra,
virou em alastrim, que é uma bexiga branca e tola, quase um
sarampo.
Os candomblés batiam noite e dia, em honra a
Omolu, para aplacar a fúria de Omolu.
Alastrim
Um dia, Salvador foi
assolada pela epidemia de
varíola. Como os pobres
não tinham acesso à
vacina, muitos morriam,
isolados no lazareto.
Almiro, o primeiro capitão
a ser infectado, ali morreu.
A posição da Igreja
Diálogo entre um cônego, porta-voz das
posições oficiais da instituição, e o padre
José Pedro, que é recriminado por seu
comportamento solidário aos pobres.
— Cale-se — a voz do cônego era cheia de autoridade. — Quem o visse
falar diria que é um comunista que está falando. E não é difícil. No meio
dessa gentalha o senhor deve ter aprendido as teorias deles... Que Deus
seja suficientemente bom para perdoar seus atos e suas palavras. O
senhor tem ofendido a Deus e à Igreja. Tem desonrado as vestes
sacerdotais que leva. Lembre-se que a sua inteligência é muito pequena,
o senhor não pode penetrar nos desígnios de Deus...
―Destino‖
“Destino”
―Destino‖
Numa mesa pediram cachaça. Houve um movimento de copos no
balcão. Um velho então disse:
— Ninguém pode mudar o destino. É coisa feita lá em cima [...].
Mas João de Adão falou de outra mesa:
— Um dia a gente muda o destino dos pobres...
Pedro Bala levantou a cabeça. Professor ouviu sorridente. Mas
João Grande e Boa-Vida pareciam apoiar as palavras do velho, que
repetiu:
— Ninguém pode mudar, não. Está escrito lá em cima.
— Um dia a gente muda... – disse Pedro Bala, e todos olharam
para o menino.
2ª Parte: “Noite na grande paz, da
grande paz dos teus olhos”
―Filha de bexiguentos‖
Dora, com menos de quatorze anos de idade, e o irmão, Zé
Fuinha, de seis anos, perderam os pais durante a epidemia de
varíola. São despejados pelo dono do barracão, que já o alugara
a um novo inquilino. Sem ter o que comer nem onde morar, as
duas crianças caminham descalças até a casa de uma antiga
patroa da mãe delas, onde esta trabalhara como lavadeira de
roupa. Dora se oferece para servir como copeira, mas a dona da
casa, que outrora a convidara exatamente para isso, muda de
ideia ao saber da causa da morte dos pais da menina.
―Filha de bexiguentos‖
Esta ainda tenta empregar-se em muitas outras casas,
sempre com o mesmo resultado, devido ao medo que os
possíveis patrões sentiam da varíola. Com uma esmola recebida,
Dora compra pães amanhecidos. Ao comê-los com o irmão, dois
meninos se aproximam com olhar de fome e ela oferece-lhes os
pães que restavam. Dora conta a sua história aos novos
conhecidos. Estes, que eram Zé Grande e Professor,
compadecidos, convidam a menina e seu irmão a acompanhá-los
ao trapiche, onde poderiam dormir
―Filha de bexiguentos‖
[...] As luzes se acenderam e ela [Dora] achou a
princípio muito bonito. Mas logo depois sentiu que a
cidade era sua inimiga, que apenas queimara os seus
pés e a cansara. Aquelas casas bonitas não a quiseram.
―Filha de bexiguentos‖
Metonímia da exclusão:
pessoas/casas
[...] As luzes se acenderam e ela [Dora] achou a
princípio muito bonito. Mas logo depois sentiu que a
cidade era sua inimiga, que apenas queimara os seus
pés e a cansara. Aquelas casas bonitas não a quiseram.
Meninas não eram admitidas no bando dos Capitães
da Areia, que se alvoroçam com a presença de Dora e
tentam estuprá-la. O bando ataca Zé Grande e
Professor, que a defendiam, quando chega Pedro Bala
e, após um primeiro momento em que dera razão ao
bando, muda de opinião perante os apelos dos
defensores e o comovente pavor evidenciado nos
olhos da menina. O líder do bando impõe sua
autoridade e decreta que ninguém molestaria Dora.
Esta decide permanecer no trapiche com o irmão e
tornar-se membro do bando.
Dora, mãe / Dora, irmã
Dora, a única mulher do
grupo, tinha quatorze anos, era
muito simples, dócil e bonita.
Dará carinho e atenção aos
garotos, mesmo que eles
inicialmente a quisessem tomá-la
a força. Também, assumirá a
figura da irmã, que para eles até
então não existia.
Professor se apaixona por
ela. Mas...
Dora será a
"noiva" e a
"esposa“ de
Pedro Bala.
Fuvest2011
Entre as variedades de preconceito enumeradas a
seguir, aponte aquelas que o grupo dos “capitães da
areia” (do romance homônimo) rejeita e aquelas que
acata e reforça: preconceito de raça e cor; de religião;
de gênero (homem e mulher); de orientação sexual.
Justifique suas respostas.
a) Raça e cor:
b) Religião:
c) Gênero:
d) Orientação sexual:
Reformatório e orfanato
Dora passa a fazer parte
do bando. Quando
roubavam um palacete de
um ricaço foram presos.
Parte do grupo conseguiu
fugir, graças à
intervenção de Bala. Este
acabou sendo levado
para um Reformatório.
No reformatório, Pedro
Bala experimenta o
inferno: apanha e posto
em uma solitária.
Mas, depois muito
sofrer, consegue fugir.
Reformatório e orfanato
Em liberdade, Pedro Bala se preparou para libertar
Dora. Um mês no orfanato feminino foi o suficiente para
acabar com a alegria e saúde da menina que, ardendo em
febre, se encontrava na enfermaria. Pedro, Professor e
Volta-Seca conseguiram resgatá-la.
Dora, esposa
Voltam para o trapiche.
Naquela noite, Dora revela a
seu amado que se tornara
moça no orfanato. O casal se
enlaça. Na manhã seguinte,
Dora morreu.
Dora, esposa
Don'aninha embrulhou-a
em uma toalha de renda
branca e o Querido-de-Deus
levou-a em seu saveiro,
jogando-a em alto mar.
“Dora feita estrela”
Pedro Bala se joga n'água. Não pode ficar no trapiche, entre os
soluços e as lamentações. Quer acompanhar Dora, quer ir com ela, se
reunir a ela nas Terras do Sem Fim de Yemanjá. Nada para diante
sempre. Segue a rota do saveiro do Querido-de-Deus. Nada, nada
sempre. Vê Dora em sua frente, Dora, sua esposa, os braços estendidos
para ele. Nada até já não ter forças. Bóia então, os olhos voltados para
as estrelas e a grande lua amarela do céu. Que importa morrer quando se
vai em busca da amada, quando o amor nos espera?
Que importa tampouco que os astrônomos afirmem que foi um
cometa que passou sobre a Bahia naquela noite? O que Pedro Bala viu
foi Dora feita estrela, indo para o céu. Fora mais valente que todas
mulheres... Tão valente que antes de morrer, mesmo sendo uma menina,
se dera ao seu amor. Por isso virou uma estrela no céu. Uma estrela de
longa cabeleira loira, uma estrela como nunca tivera nenhuma na noite
de paz da Bahia.
3ª Parte: “Canção da Bahia, canção
da liberdade”
Desenlaces
Alguns anos se passaram e cada um do grupo foi
tomando seu caminho.
•Professor, entristecido com
a morte de Dora e com o
apoio de um poeta, foi para o
Rio, e já estava expondo seus
quadros.
•Pirulito entra para a ordem
religiosa dos capuchinhos.
•João Grande ingressou num
navio como marinheiro.
• Gato, perfeito gigolô e
vigarista, com sua amante
Dalva, estava em Ilhéus,
trapaceando coronéis.
• Boa-Vida, um malandro
completo. Inimigo da riqueza
e do trabalho, amigo das
festas e das cabrochas. Um
dos “valentões” da cidade.
No sertão
• Padre José Pedro
finalmente consegue
uma paróquia no
Sertão para onde
ninguém queria ir.
• Volta-Seca pega
um trem e vai para o
sertão e se engaja
no bando de
Lampião.
Salto para a liberdade –
“Como um trapezista
num circo”.
O Sem-Pernas perseguido
pela polícia e na eminência
de ser novamente preso,
acaba encurralado. Diante de
seus traumas do passado e
da possibilidade de perder
sua liberdade, acaba com
sua própria vida saltando de
um penhasco..
Unicamp 2011. Leia a passagem seguinte, de Capitães da areia:
Pedro Bala olhou mais uma vez os homens que nas docas
carregavam fardos para o navio holandês. Nas largas costas negras
e mestiças brilhavam gotas de suor. Os pescoços musculosos iam
curvados sob os fardos. E os guindastes rodavam ruidosamente.
Um dia iria fazer uma greve como seu pai... Lutar pelo direito... Um
dia um homem assim como João de Adão poderia contar a outros
meninos na porta das docas a sua história, como contavam a de seu
pai. Seus olhos tinham um intenso brilho na noite recém-chegada.
(Jorge Amado, Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras,
2008, p. 88.)
a) Que consequências a descoberta de sua verdadeira origem tem
para a personagem de Pedro Bala?
b) Em que medida o trecho acima pode definir o contexto literário
em que foi escrito o romance de Jorge Amado?
Companheiros
Após o auxílio na greve dos
condutores de bonde, e
contando com a ajuda de
Alberto, um estudante, Pedro
Bala, tornou-se uma "brigada
de choque", intervindo em
comícios e greves.
Passando a chefia do bando
para Barandão, seguiu para
Aracaju, onde iria organizar
outra brigada.
―Líder Popular‖
Anos depois os jornais de classe, pequenos jornais, dos
quais vários tinham existência ilegal e se imprimiam em
tipografias clandestinas, jornais que circulavam nas fábricas,
passados de mão em mão, e que eram lidos à luz de fifós,
publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o
camarada Pedro Bala, que estava perseguido pela polícia de
cinco estados como organizador de greves, como dirigente
de partidos ilegais, como perigoso inimigo da ordem
estabelecida.
―Discurso Libertário‖
No ano em que todas as bocas foram impedidas de falar, no ano
que foi todo ele uma noite de terror, esses jornais (únicas bocas
que ainda falavam) clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder
de uma classe, que se encontrava preso em uma colônia.
E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do
jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que
lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se
abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia.
Porque a revolução
é uma pátria e uma
família.
FIM

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