do PDF
Transcrição
do PDF
gastronomia Folhas de jambu, barras de guaraná, pimentas murupi, bolinhas de açaí, peixes e mandioca nas mais diversas formas. Embarque com os catalães da Alícia, fundação de pesquisa gastronômica criada pelo revolucionário Ferran Adrià, numa viagem pelo incrível mundo de aromas, cores e sabores da gastronomia amazônica // Jambu leaves, Guaraná bars, Murupi peppers, Açaí fruit balls, fish and manioc in various forms. Take a ride with the Catalans of Alicia, a gastronomic foundation created by the revolutionary Ferran Adrià, in an incredible trip of aromas, colours and flavours of Amazonian gastronomy E tacacá caravan caravana do tacacá 84 GA ST RONOMY fotos: vinicius capovilla / daniel nunes gonçalves Grupo de gourmets que acompanhou os pesquisadores da Alícia passeia pelo rio Negro (no alto), presencia o encontro do Negro com o rio Solimões (à esq.) e registra as castanhas-do-pará: foco na alimentação da Amazônia // A group of gourmets that accompanied the Alícia´s researchers on a trip along the Negro River (above), watch its encounter with the Solimões River (below l) and observe Brazil nuts: focus on Amazonian cooking fotos: vinicius capovilla / daniel nunes gonçalves Por / by Daniel Nunes Gonçalves, de / from Manaus (AM) les observaram as bolinhas roxas do açaí, apertaram a carne grossa do pirarucu, tascaram as mãos nos variados potes de farinha de mandioca para comparar a textura. Cheiraram uma barra condensada de guaraná, morderam a pimenta murupi para sentir sua ardência e tiveram as línguas adormecidas com as folhas de jambu que boiavam na calda quente do tacacá. Durante os cinco dias em que passearam pela Amazônia, em março, Toni Massanés e Elena Roura experienciaram todos os sabores que seus sentidos lhe permitiram. É provável que você nunca tenha ouvido falar deles. Mas essa dupla de espanhóis — ou, como preferem, catalães — exibe uma patente invejada por gourmets do mundo todo. Eles representam a Alícia (ALImentácion e CiênCIA), respeitada fundação de pesquisa gastronômica A chef Maria do Céu prepara um risoto de tacacá para Toni Massanés e Elena Roura // The chef Maria do Céu prepares a tacacá risotto for Toni Massanés and Elena Roura T hey observed the Açaí purple fruit balls, pressed the thick Pirarucu fish meat and put their hands into various pots of manioc flour to compare texture. They smelled a condensed bar of Guaraná, bit the Murupi pepper to feel its tang and had their tongues numbed with the Jambu leaves that buoyed in the hot Tacacá broth. During the five days in which they spent in the Amazon, in March, Toni Massanés and Elena Roura tasted all the local flavours. The Spanish couple acquired this unique experience and now are envied by gourmets throughout Na casa de farinha à beira do rio Negro, dona Celina apresenta ervas e frutas para Ana Tomé (ao centro), diretora do Centro de Cultura Espanhola, e Margot Botti, consultora de gastronomia // At the flour house on the banks of the Negro River, dona Celina presents herbs and fruits to Ana Tomé (centre), director of the Spanish Cultural Centre, and Margot Botti, gastronomy consultant 85 No alto, o urucum, usado pelos índios para pintura dos corpos; e detalhe do pirarucu servido durante o passeio de barco // Top, urucum used by the native Indians to paint their bodies; detail of the pirarucu served during the boat trip criada pelo chef Ferran Adrià, responsável pela maior revolução culinária mundial dos últimos tempos. Conhecer o Brasil, especialmente Manaus, era um sonho de Toni Massanés, de 42 anos, diretor da Alícia desde sua criação, em 2003, e diplomado professor, crítico e escritor de cultura e história da gastronomia (é dele a coluna semanal de restaurantes de Barcelona na prestigiada revista Time Out). A nutricionista e tecnóloga de alimentos Elena, de 31 anos, chefe do departamento de saúde e hábitos alimentares da Alícia, já viajara pelo Nordeste como turista e agora estreava na maior floresta do mundo. E foi comendo, naturalmente, que a dupla recebeu as boas-vindas na abafada capital do Amazonas. A pri- the world. They represent Alícia (Alimentácion y Ciência) a respected foundation of gastronomic research founded by the chef Ferran Adrià, responsible for the biggest culinary revolution of the world over the last years. Getting to know Brazil was a longstanding dream of Toni Massanés, 42, director of Alícia since its foundation in 2003, a graduate professor, critic and writer about gastronomic culture and history and Elena, 31, nutritionist and food technologist, head of the health and food customs department of Alícia. And it was through eating, naturally, that the couple was welcomed in the muggy capital of Amazonas State. The first stop was the Açai & Companhia restaurant (Rua Acre 98 – +55923635-3637), a non-pretentious house, but with a varied menu, where they undertook their first taste of some of the regions typical appetisers: Pirarucu fish balls, tapioca curdled cheese, crab fingers, crabmeat shell. The couple exchanged impressions with a committee of 12 lovers of good food that accompanied them, among gourmets, students and documentarists. It is Ferran Adrià himself that points to the Amazon as the cradle of the best food novelties that the world will witness in the near future. His opinion is shared by other renowned foreign chefs invited by Margot Botti, a gastronomy consultant. She has already taken to the Amazon the French chef Pascal Barbot, from the Parisian L´Astrance restaurant, and the Spaniard Andoni Luiz Aduriz, of the Mugaritz, San Sebastian, among others. The young Brazilian chef Felipe Ribenboin, 25, who, for two seasons, was a pupil at el Bulli, Adrià´s restaurant – and develops a research about the gastronomy of different Brazilian biomass, also contributed for Alícia´s professionals acceptance of the invitation. And this in only four months after the inauguration of his house in a XII Century monastery complex at San Benet de Bages, Spain. In the midst of visiting restaurants and classical excursions, such as the visit to the magnificent Amazon Theatre, built in 1896, and the encounter of the Negro and Solimões Rivers, the foreigners, during their “gastronomic expedition” were impressed by a small flour house on the banks of the Negro River. “From a simple wild manioc root we obtained three products: the flour, tucupi (mani- Pimentas da floresta // Forest pepper Dá para entender por que só os índios que freqüentam o restaurante de comida indígena Koonoly (R. Bernardo Ramos, 60, 92/ 8167-1972) conseguem comer pratos como a quinhapira, uma caldeirada superpicante. É que eles estão acostumados com a farta variedade de pimenta da terra. A forte muripi (no desenho), típica do estado do Amazonas, fica amarela quando madura. No dia-a-dia são usadas a pimenta cheirosa, que não arde, mas dá gosto e aroma, a famosa malagueta e a pimenta-de-cheiro, com ardência suave, mais comum no Pará. // One can understand why only the native Indians that frequent the restaurant of indigenous food, Koonoly (R. Bernardo Ramos 60, +5592-8167-1972) manages to eat such dishes as Quinhapira, a supper peppery fish stew. They are accustomed to a big variety of local peppers. The strong Muripi (in the picture), typical of the Amazon State, becomes yellow when ripe. In the day-today one uses the famous aromatic Malagueta and the aromatic pepper herb that is not so hot but provides flavour and aroma, more common in Pará. 86 GA ST RONOMY fotos: daniel nunes gonçalves / ilustrações: alexandre camanho gastronomia meira parada foi no restaurante Açaí e Companhia (R. Acre, 98, 92/ 3635-3637), despojado, mas com cardápio variado, onde deram suas primeiras beliscadas em alguns dos petiscos típicos: bolinho de pirarucu — o peixe conhecido como bacalhau da Amazônia —, tapioca de queijo coalho, patinha de caranguejo, casquinha de açaí. Entre “huuums…” e olhares surpresos, a dupla trocava impressões com a comitiva de 12 amantes da boa mesa que a acompanhava, entre gourmets, estudantes e documentaristas. E dava início a uma seqüência de visitas que tinha por objetivo perceber, afinal, por que a cozinha amazônica virou a bola da vez dos grandes chefs. É o próprio Ferran Adrià quem aponta a Amazônia como berço das melhores novidades alimentares que o mundo presenciará no futuro próximo. Sua opinião é compartilhada por outros estrelados chefs estrangeiros trazidos pela anfitriã paulista Margot Botti, consultora de gastronomia. Ela já levou à Amazônia o francês Pascal Barbot, do restaurante parisiense L’Astrance, e o espanhol Andoni Luiz Aduriz, do Mugaritz, de San Sebastian, entre outros. O jovem chef brasileiro Felipe Ribenboim, de 25 anos, que estagiou por duas temporadas no elBulli — restaurante de Adrià — e desenvolve uma pesquisa sobre a gastronomia nos diferentes biomas brasileiros, também contribuiu para que os profissionais da Alícia aceitassem o convite. E isso apenas quatro meses depois da inauguração de sua sede, no complexo de um monastério do século 12, em Sant Benet de Bages, na Espanha. Em meio a visitas a restaurantes e a passeios clássicos distantes das panelas, como a visita ao suntuoso Teatro Amazonas, de 1896, e ao encontro dos rios Negro e Solimões, a “expedição gastronômica” impressionou os estrangeiros com uma pequena casa de farinha à beira do rio Negro. “De uma simples raiz de mandioca brava tiramos três produtos: a farinha, o tucupi e a tapioca”, explica Francisco Neves Gomes, de 58 anos, um caboclo da terra. Com a ajuda da esposa Celina da Silva, de 51 anos, e de alguns dos 14 netos, seu Francisco apresenta a mandioca local, venenosa, diferente daquela a qual os moradores do sudeste do Brasil estão acostumados e do inhame que os europeus conhecem desde antes da chegada dos primeiros exploradores ao Brasil. E, na seqüência, mostra todas as etapas pelas quais passa a mandioca: a extração da raiz, a ralação, a secagem da farinha em um cilindro de fibras naturais para que o ácido cianídrico seja extraído, a fer- oc juice) and tapioca”, explained Francisco Neves Gomes, 58. With the help of his wife, Celina da Silva, 51, and some of his 14 grandchildren, Francisco presents the local manioc, a poisonous root. And, in sequence, shows all the steps that manioc passes through: extraction of the root, grating, drying of the flour in a cylinder of natural fibre which allows the hydrocyanic acid to be extracted, boiling of this yellow broth for hours until it reaches the tucupi´s (manioc juice) right point and the preparation of beiju (rolled manioc flour pancake) and of tapioca. “It is interesting how a poisonous plant can be turned into good use”, observes Massanés. Toni and Elena were happy when they went shopping in Manaus´ central market. Manaus Moderna, lines up hundreds of stalls of fresh fruits and fishes in the heart of the city’s popular food centre. In the flours section, Dona Celina prepara uma tapioca para os visitantes // Dona Celina prepares a tapioca for the visitors Peixes amazônicos // Amazonian fishes O pirarucu (ao lado, no alto), que atinge mais de 2 metros e 80 quilos, é a estrela entre as 5 mil espécies de peixes dos rios da Amazônia, como o pacu e o filhote. Vendido em peças salgadas como o bacalhau, o pirarucu compartilha a preferência dos chefs com o Tucunaré, que chega a pesar 12 quilos e fica saboroso em caldeiradas, e o nobre Tambaqui (ao lado, no canto inferior), com carne branca e felpuda. Podem também ser cozidos, fritos, assados ou defumados, como fazem os índios. // The Pirarucu, which reaches two metres in length and weighs 80 kilos, is the star among the five thousand species of fishes of the Amazon River, such as the Pacu and its offspring. Sold in salted pieces as a cod fish, the Pirarucu shares chefs´ preference with the Tucunaré, which reaches 12 kilos and is very tasty as a fish stew, and the noble Tambaqui, with a white and fluffy meat. They can be boiled, fried, roasted or smoked, as the native Indians do. 87 gastronomia A rota do alimento em Manaus (em sentido horário): banca de peixes de rio na feira Manaus Moderna; venda de bananas num mercado exclusivo para a fruta; e a lanchonete de X-Caboclinho (experimentado por Elena Roura) // The gastronomy route in Manaus (clockwise): a stall of river fish at Manaus Moderna market; sale of bananas at an exclusive market for the fruit; a Cheese-Caboclinho snack-bar (tasted by Elena Roura) the bran meal of some of them: the water flour, hydrated in the rivers; Surui, dry and fine; Uarini, a sophisticated yellow crunching spawn; tapioca, with small white toasted and light grains. In the fruits section, a wealth of varieties, names and peculiarities: Cupuaçu, Graviola, Bacuri... Ana Tomé, a Spaniard, director of the Spanish Cultural Centre, one of the sponsors, together with Senac, of the visit of representatives from Alícia, takes note of everything in her note pad: The delicious Taperebá that I had at breakfast and as an ice-cream in Feito à base de tucupi, caldo amarelo extraído da mandioca brava, o tacacá está para a Amazônia como o acarajé está para a Bahia. Espécie de sopa quente com goma de mandioca e folhas de jambu, que amortecem os lábios, nasceu com os índios e ganhou ingredientes como o camarão seco vindo do Maranhão (originalmente levava peixe piramutaba). É servido sempre em cuias, cascas do fruto da cabaceira secas ao sol. // Made from Tucupi, the yellow broth extracted from wild manioc, the Tacacá is to the Amazon as Acarajé is to Bahia. It is a kind of hot soup with manioc gum and Jambu leaves that numb the lips, introduced by the Indians and obtained ingredients such as dry prawns from Maranhão (originally cooked with the Piramutaba fish). It is always served in a bowl, made from the stem of the fruit and dried in the sun). 88 GA ST RONOMY fotos: vinicius capovilla Tacacá com tucupi // Tacacá with Tucupi fotos: vinicius capovilla / daniel nunes gonçalves / ilustrações: alexandre camanho vura desse caldo amarelo por horas até chegar ao ponto do tucupi e a feitura do beiju e da tapioca. “É interessante como um alimento venenoso é reaproveitado”, observa Massanés. Quando tiveram a chance, já no mercadão do centro de Manaus, de comparar os diferentes preços, texturas, cores da farinha de mandioca, Massanés e Elena vibraram. A Manaus Moderna, também chamada de “feira coberta”, alinha centenas de barracas de frutas e peixes frescos no coração do centro de alimentação popular da cidade. Na seção de farinhas, o farelo de algumas delas: a farinha d’água, hidratada nos rios; a surui, seca e fininha; a do uarini, uma sofisticada ovinha crocante amarela; a de tapioca, com pequenos grãos branquinhos torrados e leves. Na seção das frutas, mais fartura de variedades, nomes e peculiaridades: cupuaçu, graviola, bacuri... A espanhola Ana Tomé, diretora do Centro de Cultura Espanhola, um dos patrocinadores da vinda dos representantes da Alícia juntamente com o Senac, anota tudo no bloquinho: “O delicioso taperebá que provei em forma de suco no café-da-manhã e em forma de sorvete à tarde é o que se chama de cajá no sudeste do Brasil”. Num galpão ali próximo, Elena se surpreende com um gigantesco espaço exclusivo para a venda de milhares de cachos de banana. “Não temos essa variedade na Europa e nem com preços tão baixos”, diz. E na ala dos lanches da Manaus Moderna testa o X-Caboclinho, nome popular do sanduíche de tucumã. Trata-se de uma deliciosa combinação de pão francês com queijo coalho derretido e lascas dessa fruta amazônica amarela. Popular nos fartos cafésda-manhã servidos nas lanchonetes de Manaus, uma recente moda local, o X-Caboclinho é pouco difundido em Belém, capital do estado vizinho, Pará. “Belém e Manaus possuem cozinhas distintas, apesar de se abastecerem dos mesmos ingredientes da floresta”, explica Sofia Bendelak, chef do Bistrô Ananã (Trav. Pe. Ghisland, 132, 92/ 3234-0056), pioneiro em cozinha contemporânea amazônica em Manaus. Enquanto Belém se orgulha de combinações como o pato no tucupi e a maniçoba (espécie de feijoada local feita com folhas de mandioca), Manaus capricha no preparo dos grandes peixes de rio, como as caldeiradas de tucunaré. Ao encontrar a chef Maria do Céu Athayde, de 56 anos, a excursão da Alícia pôde acompanhar melhor o preparo dos pratos tradicionais feitos à base dos alimentos conhecidos no mercado e no tour pela floresta. “Nós, caboclos da Amazônia, comemos tudo com pouco sal, mas com muita farinha Castanha para exportação // Chestnut for export Famosa no exterior, a castanha-do-pará (ou castanha-do-brasil) é uma amêndoa oleaginosa com alto valor alimentar. De um único fruto escuro de casca dura retirado de uma árvore de até 60 metros podem sair 24 castanhas. Rica em proteína, é consumida também em forma de farinha. // Famous abroad, the Pará Chestnut (or Brazilian Chestnut) is an oily almond with a high nutrition value. From one dark fruit, a hard shell, extracted from a tree of 60 metres, one obtains 24 chestnuts. Rich in proteins, it is also consumed as a flour. the afternoon is what we call Cajá (hog plum) in the Southeast of Brazil”, comments Tomé. In a shed near by, Elena was surprised with the enormous space devoted to the sale of thousands of banana bunches. “We don’t have this variety in Europe and much less so cheap”, says Elena. And in the sandwich section of Manaus Moderna, she tests the Cheese-Caboclinho, the popular name of the Tucumã sandwich. It is a delicious combination of French bread with melted curd cheese and a slice of this yellow Amazonian fruit. Popular in the abundant morning coffee served in Manaus´s snack-bars, the Cheese-Caboclinho is little known in neighbouring Belém, capital of Pará State. “Belém and Manaus have a distinct cuisine, notwithstanding they serve themselves with the same ingredients of the forest”, explains Sofia Bendelak, chef of Bistrô Ananã (Tv. Pe. Ghisland 132, +5592-3234-0056), pioneer in contemporary Amazonian cuisine in Manaus. Whilst Belém is proud of the combinations such as duck in Tucupi and Maniçoba, Manaus prides itself in the preparation of big river fishes, such as Tucunaré bouillabaisse. In meeting the chef Maria do Céu Athayde, 56, the Alícia excursion could better accompany the preparation of traditional dishes made from known food products Banca com diferentes tipos de farinha de mandioca, na feira Manaus Moderna, e mesa com frutas amazônicas do Hotel Tropical, localizado na capital // A stall with different types of manioc flour at the Manaus Moderna market, and a sideboard with Amazonian fruits at the Tropical Hotel, Manaus Açaí salgado // Salted Açaí No sul do país o conhecem como uma pasta doce misturada ao xarope de guaraná e servida com banana e granola. Mas no Norte, o creme puro e original dessas frutinhas roxas tiradas das palmeiras dos açaizeiros é consumido como um prato salgado, com farinha, peixe frito, carne ou camarão secos. // In the country’s South it is known as a sweet paste mixed with Guaraná syrup and served with banana and granola. But in the North the pure and original cream of this purple fruit taken from the Açaí palm is consumed as a salt dish, with flour, fried fish, meat or dry prawns. 89 gastronomia found in the market and in the forest tour. “We, Amazon caboclos, eat everything with little salt, but with a lot of flour and pepper”, explains this true ambassador of genuine Amazon cuisine, who has directed for the last six years courses at the Amazonian Gastronomy Centre, of the Fundação Rede Amazônica. Maria do Céu speaks about the history and the effects of the ingredients. “The local parsley is made from shallot, basil, coriander and wild chicory, different from the popular chicory from the country’s South”, mentions Maria do Céu. The main dish, Aruanã fish, à la Solimões, gained colour due to the red guinea pepper. “I don’t mix with paprika because it is not a local fare and not even with Urucum, because the native Indians use it to paint their bodies”, reveals Maria do Céu. Another passion of the natives from Manaus, the Tacacá, was presented on a late afternoon in the city’s centre. It was in the traditional Tacacá da Gisela, in São Sebastião Square, that Toni Massanés tasted this delicacy in the way that everybody likes: hot, with a lot of pepper. “Tucupi reminds me of Tom Yum, a soup from Thailand, with a slightly sweet flavour, nearly acid”, Guaraná power // Guaraná powder Nativa da remota região de Maoés, na Amazônia, a fruta vermelhinha, semelhante a um olho, tem sua massa moldada em forma de bastões que, lixados na língua seca do pirarucu, viram um pó energético caseiro. Mas, nas barracas do centro de Manaus, o guaraná não é apenas sinônimo de refrigerante ou de um pozinho amargo misturado em água. Potente para “levantar até defunto”, o guaraná servido nas ruas leva, além do pó, leite, abacate, aveia, amendoim, farinha de caju, catuaba, miratã (energético parente da catuaba) e granola. // Native of the remote Maoés region of the Amazon, the reddish fruit similar to an eye has its mass moulded in the form of a club which, sandpapered by the dry tongue of the Piracuru, becomes a homespun energised power. But in the stalls in the centre of Manaus, the Guaraná is not only synonymous of a soft drink, but also of a bitter powder mixed with water. Potent, capable of resuscitating the dead, the Guaraná, sold in the streets, apart from the powder itself, is served with milk, avocado, oatmeal, peanut, cashew flour, catuaba, miratã (an energiser parent of catuaba) and granola. 90 GA ST RONOMY o cipó de miraruíra e a farinha de casca de maracujá, vendidos com alegadas propriedades de controle de diabetes. Ela pensa em estudá-los como alternativa às pessoas com distúrbios e restrições alimentares, como os enfermos com câncer. Afinal, é para isso que nasceu a Alícia: investigar patrimônios agroalimentar e gastronômico para permitir que as pessoas comam cada vez melhor. E a culinária amazônica, como mostra o interesse crescente dos grandes chefs, é um prato cheio para os amantes da boa mesa. states Toni. After the tasting session, the Alícia caravan left Manaus carrying with it many impressions, but few products. Rapadura, powdered Guaraná, Jiló – Toni wants to explore their bitter flavour. Elena bought medicinal herbs such as Miraruíra vine and the Maracujá peel flour, sold with alleged properties for controlling diabetes. She thinks about studying it as an alternative for people with food disturbance or restriction, such as cancer victims. After all, it is for this that Alícia was launched: to investigate food and gastronomy properties that permits people to eat better. And the Amazonian cuisine, which underlines the increased interest of grand chefs, is the best choice for food lovers. Agradecimento ao escritório de representação do governo do Amazonas, em São Paulo. Acknowledgment: the Representative Office of the Government of Amazonas in São Paulo. Grupo reunido em torno de Toni Massanés num dos barcos do passeio pela floresta Amazônica: objetivo era conhecer a cozinha regional // The group gathered around Toni Massanés on one of the boats on a trip through the Amazonian forest: the objective was to acquaint themselves with the regional cooking fotos: daniel nunes gonçalves / Luiz Claudio Marigo/Opção Brasil Imagens yum, com um sabor um pouco doce, quase ácido”, afirma ele. Ao final das degustações, a caranava da Alícia deixou Manaus carregando muitas impressões, mas poucos produtos. Rapadura, guaraná em pó, jiló — Massanés quer explorar seu sabor amargo. Elena comprou ervas medicinais, como À esquerda, gourmets da expedição conferem o cardápio regional do restaurante Açaí e Companhia. Acima, Toni Massanés e o chef Felipe Ribenboim degustam o tacacá da Gisela, o mais famoso de Manaus // Left, gourmets of the expedition check the regional menu of the Açaí & Companhia restaurant. Above, Toni Massanés and the chef Felipe Ribenboim taste Gisela´s Tacacá, the most famous in Manaus fotos: daniel nunes gonçalves / vinicius capovilla / ilustrações: alexandre camanho e pimenta”, explica essa verdadeira embaixadora da culinária amazônica de raiz, que rege há seis anos os cursos do Centro de Gastronomia da Amazônia, da Fundação Rede Amazônica. Enquanto comanda seus 20 alunos no preparo de pratos, como a farinha d’água à moda indígena, a salada de feijão de praia (um parente do feijão-de-corda nordestino) e o risoto de tacacá, Maria do Céu discorre sobre a história e os efeitos dos ingredientes. “O cheiro-verde daqui é feito de cebolinha, alfavaca [espécie de manjericão], coentro e xicória silvestre, diferente da xicória, popular no sul do país”, conta. O prato principal, o peixe Aruanã à Solimões ganhou cor graças ao pimentão vermelho. “Não misturo com páprica por ela não ser da terra e nem com urucum, pois os índios só o usavam para pintar o corpo, não para cozinhar”, revela. Outra paixão dos manauaras, o tacacá, foi apresentado num fim de tarde, no centro da cidade, quando as tacacazeiras montam suas barracas à espera dos clientes que saem do trabalho. Foi no tradicional Tacacá da Gisela, no largo São Sebastião, que Toni Massanés experimentou a iguaria do jeito que todo mundo adora: bem quente, tascando pimenta. “O tucupi me faz lembrar uma sopa tailandesa, a tom Farinha de mandioca // Manioc flour Base da cozinha de raiz amazonense, a mandioca está presente em todas as refeições. Na tapioca e no beiju do café-da-manhã, na farinha de vários tipos que acompanham os peixes no almoço e no jantar, e no caldo de tucupi e na goma presentes do tacacá, iguaria preferida dos fins de tarde. Diferente da mandioca — ou macaxeira — do restante do Brasil, a da Amazônia é chamada de brava e precisa ter extraído o seu caldo venenoso. // Basic root ingredient of Amazonian cooking, manioc is present in all meals. In tapioca and beiju at breakfast, various types of flours that accompany fish dishes at lunch and dinner, tucupi broth and the gum found in tacacá, the preferred delicacy for the late afternoon. Different from manioc, or macaxeira (a variety of cassava) – from the rest of Brazil, the Amazonian variety is wild and its poisonous juice must be extracted. 91