Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos Anos 20
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Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos Anos 20
MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA MUNDANISMO, TRANSGRESSÃO E BOÉMIA EM LISBOA DOS ANOS 20 – O CLUBE NOTURNO COMO PARADIGMA Orientador: Professor Doutor Teotónio R. de Souza Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Departamento de História Lisboa 2012 MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Agradecimentos Esta monografia foi realizada no âmbito da finalização do curso de História da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia de Lisboa. Desta forma, ao culminar a minha licenciatura com este estudo, tenho que agradecer particularmente a todos os professores, colegas, familiares e amigos que me ajudaram a alcançar este momento. Em primeiro lugar, gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos ao Professor Doutor Teotónio de Souza na dupla qualidade de orientador desta monografia e coordenador do curso de História. A sua inestimável orientação ao longo dos anos de curso prolongou-se com esta investigação e a sua disponibilidade, rigor e amizade em muito contribuíram no meu encontro com a História. Institucionalmente, gostaria de estender os meus agradecimentos aos técnicos da Biblioteca Nacional, Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Arquivo Municipal de Lisboa, Gabinete de Estudos Olisiponenses e Torre do Tombo por me terem auxiliado sempre na pesquisa para esta monografia, compreendendo sempre as restrições temporais e contribuindo de forma muito positiva. A todos os professores, amigos e colegas do curso de História que me permitiram desenvolver as minhas capacidades, que me incentivaram a prosseguir e que caminharam comigo nesta viagem. Em particular, um grande bem-haja para o Gonçalo, a Catarina, o João e a Daniela. Para a minha família, a minha esposa e os meus filhos, a quem dedico este trabalho, pelo carinho e apoio no percurso que agora culmina. Sem a sua compreensão e firmeza não seria possível. 1 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Resumo Leitura sintética sobre os clubes noturnos nos anos 20 em Lisboa como ilustrativos de uma sociabilidade informal e mundana em aparente rutura com os códigos sociais da época. Procuram-se relações e/ou dissociações entre os clubes noturnos e outras formas de sociabilidade mundana que possam ter influenciado o sucesso do clube noturno na cidade de Lisboa. Confrontam-se os conceitos de «diversão noturna» com várias formas de «transgressão» e «boémia» à luz do pós-guerra e dos novos códigos sociais e modas emergentes. Desta forma assume-se o clube noturno lisboeta como ícone de modernismo e sofisticação cosmopolita logo, paradigmático, único no seu contexto específico e cujos traços de personalidade são analisados e sintetizados – de modo a compreender igualmente quais os motivos da sua extinção e qual o seu legado para as décadas seguintes. Palavras-chave: “Diversão Noturna”, “Clubes Noturnos”, “Sociabilidade Mundana” 2 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Abstract This monograph is a synthesized analysis of the nightclubs in the twenties in Lisbon as illustrations of a casual and mundane sociability, in an apparent rupture with the social codes of that time. There was the need to look for relationships or dissociations between the nightclubs and other forms of mundane sociability that may have contributed to the success of these establishments in Lisbon. The concept of «night-time entertainment» was confronted with other ideas such as several forms of «transgression» and «bohemia» in the aftermath of the I World War. Therefore, Lisbon’s nightclubs are understood as icons of modernism and cosmopolitan sophistication hence paradigmatic, unique in there very specific context. Its characteristics are analyzed and synthesized so to comprehend the reasons for its extinction and its legacy for the upcoming decades. Keywords: “Night-time Entertainment”, “Nightclubs”, “Mundane Sociability” 3 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Lista de abreviaturas e símbolos Procurou-se evitar o uso de abreviaturas e siglas ainda assim, subsistem algumas nas notas, clarificando-se do seguinte modo: ADL – Arquivo Distrital de Lisboa AML – Arquivo Municipal de Lisboa IN-CM – Imprensa Nacional Casa da Moeda ISCTE – Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa GCL – Governo Civil de Lisboa GEO – Gabinete de Estudos Olisiponenses UL – FL – Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras UNL – FCSH – Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas 4 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Índice Geral Pág. Agradecimentos 1 Resumo 2 Abstract 3 Lista de Abreviaturas 4 Introdução 7 1. O país e a cidade na década de 20 12 2. Definindo os Clubes Noturnos lisboetas 19 3. Os Jogos de Fortuna e Azar 29 4. A Presença Feminina 37 5. Consumos no espaço dos Clubes 47 Conclusões 54 Bibliografia 57 Cronograma 62 Apêndices 63 Anexos 65 5 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Índice de Figuras e Quadros Pág. Quadro 1 – localização dos clubes noturnos 16 Quadro 2 – datas de funcionamento dos clubes 20 Figura 1 – Grande Salão do Regaleira e salas de jogo do Magestic/ Monumental 17 Figura 2 – aspetos das corridas de cavalos no Jockey Club 21 Figura 3 – ilustrações de Stuart de Carvalhais sobre os cafés 22 Figura 4 – fotografia e artigo alusivo à ida de Lolita Baldó ao Alhambra 26 Figura 5 – caricaturas de Jorge Barradas e Stuart Carvalhais sobre o jogo 31 Figura 6 – foto-reportagem sobre o Carnaval no Maxim’s 35 Figura 7 – caricaturas de Jorge Barradas e Stuart de Carvalhais sobre moda feminina 39 Figura 8 – capas da revista ABC 40 Figura 9 – caricaturas sobre mulheres nos clubes 45 Figura 10 – menu de jantar de homenagem no Monumental 49 6 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Introdução A breve investigação que agora se apresenta iniciou-se por questões de meu interesse pessoal, particularmente o conceito de diversão noturna que conduziu a investigação no sentido de aprofundar o estudo sobre os clubes noturnos nos anos 20 em Lisboa. Desde logo o conceito de diversão noturna remetia para esse mesmo período do dia, permanecendo em aberto o arco cronológico e o fio-condutor do estudo. Após uma breve revisão da bibliografia existente, o conceito de diversão noturna mostrava-se apelativo pela carga de transgressão e boémia que se lhes associava. Por outro lado, a diversão noturna inscreve-se num roteiro de mundanismo sociável e convívio saudável. O apelo à abordagem historiográfica da diversão noturna como temática de investigação implicava, conforme inicialmente referido, a sua compreensão à luz de três conceitos transversais: mundanismo, transgressão e boémia. O primeiro conceito compreende a abordagem histórica à vivência e sociabilidade quotidiana, característica de cada período. A transgressão surge intimamente ligada com o conceito de diversão noturna, sendo que o período do dia propriamente dito apela a essa associação. A boémia, conceito que à semelhança do mundanismo, assiste a mutações do seu significado de acordo com a época que se vive, sendo inicialmente utilizado para descrever uma sociedade e um comportamento cosmopolita muito característico das décadas de 30 e 40 do século XIX. Ao entrosar estes conceitos - mundanismo, transgressão e boémia - com o de diversão noturna, particularmente no território de Lisboa, tornou-se possível circunscrever o arco cronológico à década de 20, aos ditos «anos loucos» do jazz e do foxtrot. Naturalmente emergiria o clube noturno cosmopolita como paradigmático e mesmo icónico, permitindo no seu espaço e na sua definição, abranger estas conceções. A definição de clube noturno nesta década é procurada com o desenvolvimento deste estudo, não apenas através dos serviços e conceitos a si inerentes, mas também em rutura e oposição com outros equipamentos a funcionarem num mesmo horário e ainda, com os seus congéneres europeus. É deste estudo e a partir desta compreensão do modelo de clube noturno lisboeta que nos é permitido defini-lo como um paradigma – ou seja, um modelo que foi seguido, repetido e interpretado por outros espaços e equipamentos mas tendo o original, ou seja, o clube noturno, presente como referência. Alcançar esta conclusão implicou claramente abordar análogos equipamentos lúdicos e mundanos com horário noturno na mesma época e no mesmo território. O cinema tem nos anos 20 uma importância crescente mas claramente consolidada nas décadas seguintes; o teatro apresenta-se em aparente decadência e rutura com a tradição 7 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma oitocentista mas sem ainda ser totalmente capaz de se precipitar no futuro; o teatro de revista e o Parque Mayer apresentavam-se como a alternativa que permitia igualmente conjugar uma sociabilidade mundana com um carácter transgressor e boémio, sendo simultaneamente um ícone na diversão noturna lisboeta. Contudo, uma leitura mais aprofundada e já em fase de levantamento bibliográfico, permitiu compreender que os «ingredientes» que se encontravam à disposição para tornar o Parque Mayer um caso de sucesso na década de 20, eram muito semelhantes ou iguais aos dos clubes noturnos. Por outro lado, os clubes noturnos apresentavam-se com características próprias, personalidades muito distintas em relação ao teatro de revista e ao Parque Mayer em particular – os clubes noturnos surgem na sua maioria no início ou pouco antes da década de 20 e são quase todos extintos em 1927; o Parque Mayer teve uma longevidade muito superior. Estabelecido o objeto de estudo – o clube noturno -, o arco cronológico – a década de 20 do século XX – e o território – cidade de Lisboa – iniciou-se o levantamento e leitura sintética e crítica das fontes disponíveis. Neste ponto, e ultrapassada a dificuldade em circunscrever o campo de trabalho, os constrangimentos temporais apresentaram-se como entraves que acabariam por ser transversais a todo o trabalho. A escassez de tempo disponível não permitiu continuar o levantamento e análise de mais fontes e bibliografia relevante de modo a complementar os estudos já realizados sobre os clubes noturnos bem como a investigação em mãos. Nesta fase do trabalho os trabalhos de Júlia Leitão de Barros, Os nightclubs de Lisboa nos anos 20, e de Cecília Santos Vaz, Clubes noturnos modernos em Lisboa: sociabilidade, diversão e transgressão (1917-1927) ofereceram as bases de compreensão e aprofundamento da temática. Na primeira obra opera-se uma síntese sobre a vida dos clubes noturnos lisboetas incidindo no seu horário de funcionamento, serviços prestados, frequentadores, localizações, entre outros. No segundo trabalho, abordam-se temáticas semelhantes mas centradas no jogo como principal atividade do clube noturno e referenciando a importância da sociabilidade, transgressão e diversão no seu ambiente. Estas obras, que à partida pareciam já abordar extensamente a temática a desenvolver, tornaram-se fontes essenciais no desenvolvimento do conhecimento sobre os clubes noturnos. Contudo, uma consulta em paralelo à imprensa da época parecia fornecer mais pistas sobre o assunto que se continuou portanto a trabalhar. De facto, a imprensa mundana periódica apresentou-se como uma fonte inestimável de informação e conteúdos cujos constrangimentos temporais novamente condicionaram. Como fonte são objetos de estudo amplamente utilizados pelo historiador mas ao longo desta modesta investigação, subsistiu a ideia de que deveriam ser objeto primordial de 8 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma estudo e investigação ao permitirem construir um quadro realista sobre a sociedade mundana lisboeta – pelo menos antes do Estado Novo e da censura. Outras obras bibliográficas tornaram-se referência conforme se trabalhava o tema dos clubes noturnos em algumas das suas vertentes, especificamente, em relação ao jogo, à prostituição e ao consumo de álcool e substâncias psicoativas. A obra de Irene Vaquinhas, Nome de código «33856». Os «jogos de fortuna ou azar» em Portugal entre a repressão e a tolerância (de finais do século XIX a 1927), apesar de diminuta extensão oferece uma contextualização sobre a situação do jogo em Portugal, ainda que centrada no Norte do país, aborda por vezes o panorama lisboeta. Esta leitura é complementada pelo aprofundamento ligeiro que faz na obra coordenada por José Mattoso, História da Vida Privada – a Época Contemporânea. Coordenada também por Irene Vaquinhas, Entre Garçonnes e Fadas do Lar. Estudos sobre as mulheres na sociedade portuguesa do século XX, o primeiro capítulo da autoria de Gabriela Marques, «Cabelos à Joãozinho». A Garçonne em Portugal nos anos 20, oferece-nos uma contextualização sobre a mulher e o seu papel na sociedade na época, complementando o extenso estudo de Paulo Guinote na sua dissertação Quotidianos Femininos (1900-1933). Reunidas algumas fontes bibliográficas iniciais e realizando um breve estado da questão já revisitado sobre as temáticas escolhidas, traçaram-se os objetivos da investigação. Desta forma, são objetivos deste trabalho abordar a questão da diversão mundana na cidade de Lisboa num quadro histórico e cultural, através da seleção de um número de casos de estudo relevantes como exemplificativos da paisagem cultural e lúdica de Lisboa: sobretudo ao nível dos clubes noturnos, podendo ainda enquadrar outros equipamentos lúdicos como significativos – cafés, teatros, cinemas. Foi igualmente objetivo desta investigação analisar o arco temporal em termos sociais e urbanos para além de histórica e politicamente, de modo a enquadrar social e mundanamente o clube noturno na paisagem lisboeta. Por outro lado, impunha-se uma compreensão e aferição da importância relativa dos clubes noturnos no mundanismo lúdico da cidade de Lisboa, particularmente ao nível dos elementos que os tornaram casos de sucesso, associando boémia, transgressão e mundanismo no caso dos clubes. Por fim, a análise dos elementos e motivos que tornaram os clubes noturnos casos de estudo paradigmáticos e característicos dos anos 20 e os motivos do seu desaparecimento: contraponto entre as políticas da Ditadura Militar e do Estado Novo e a imagem construída pelos clubes noturnos 9 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Tendo em consideração os objetivos do estudo em questão, a presente monografia foi estruturada em cinco capítulos, todos trabalhados de forma sintética dado as condicionantes inerentes a uma monografia de fim de curso. 1. O país e a cidade na década de 20 Neste capítulo aborda-se a década de 20 em Lisboa numa perspetiva social, política e urbana, de forma a enquadrar os clubes noturnos na paisagem cultural lisboeta. Este capítulo serve como preambulo para o seguinte, no qual se definem os clubes noturnos em termos de horário, frequentadores, serviços prestados, cronologia e motivos de sucesso em relação a estabelecimentos similares que tenham existido concorrencialmente. 2. Definindo os clubes noturnos lisboetas Três dos vectores que são definidos neste segundo capítulo são explorados individualmente nos capítulos seguintes. Desta forma, o jogo, a presença feminina e os consumos são, do ponto de vista do estudo encetado, os motivos primordiais para o sucesso dos clubes noturnos lisboetas, e simultaneamente, a causa da sua extinção à luz das políticas do Estado Novo. 3. Os jogos de fortuna e azar O terceiro capítulo aborda os jogos de fortuna e azar, fornecendo uma breve introdução ao seu papel em Portugal e o seu enquadramento legal. Desenvolve-se o capítulo tendo em atenção a sua importância no espaço do clube noturno e complementando as leituras realizadas com as imagens construídas na imprensa – tanto sobre o jogo por si só, como sobre a legislação, repressão e a figura do jogador ou da jogadora. 4. A presença feminina O quarto capítulo aborda a figura da mulher dos anos 20 no sentido de enquadrar as novas modas e figurinos da época, convívios e atividades mundanas que caracterizavam a vivência lisboeta. Neste roteiro inscrevem-se os clubes noturnos. O papel da figura feminina através das várias personagens existentes no espaço do clube noturno e a sua importância na construção da imagem do clube em si, são aspetos focados neste capítulo. Por fim, o papel da prostituição na consolidação da imagem do clube de modo geral e especificamente, através da imprensa, foram aspetos igualmente abordados. 5. Consumos no espaço dos clubes O último capítulo antes das conclusões finais aborda os consumos nos clubes noturnos. Orientado para explorar o consumo de substâncias psicoativas, inicia-se por focar alguns dos serviços prestados pelos clubes noturnos e por conseguinte, alguns dos consumos mais inocentes. Desenvolve-se de modo a ir ao encontro do consumo de morfina, 10 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma cocaína e ópio na década de 20, em particular nos clubes – temática sobre a qual encontrámos pouca informação. Transversalmente, os conceitos de boémia, diversão e sobretudo transgressão, estão sempre presentes no âmbito de cada capítulo. Sendo as temáticas condutoras do desenvolvimento do trabalho, enquadram todos os vectores de desenvolvimento, atual e futuro, do trabalho. Se consideramos que os objetivos iniciais desta monografia foram ao encontro do seu conteúdo, subsiste um sentimento de trabalho por completar. Por escassez de tempo e outros constrangimentos, não foi possível desenvolver satisfatoriamente as relações que se estabelecem entre as vivências e sociabilidades mundanas dos «loucos anos 20» com a rigidez moral do Estado Novo. Por outro lado, a transição do final do século XIX para o início do século XX, em termos de códigos sociais e conduta social, a alteração de significância atribuída ao termo boémia, eram matérias que gostaríamos de ter explorado de forma a melhor enquadrar a década de 20. Foi o trabalho possível, mas que permitiu uma aprendizagem no campo de investigação histórica ao nível do 1º ciclo e com desejo de avançar para mais. 11 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma 1. O país e a cidade na década de 20 Introdução A década de 20 do século XX é comummente classificada como os «loucos anos 20» em relação estreita com as grandes alterações dos códigos sociais e mentalidades que se viveram nesse período. Fortemente ancorado na tradição francesa e com enorme influência da cultura parisiense, em Portugal vivem-se experiências similares às que percorrem a Europa em igual período. Em Março 1911 dá-se a primeira manifestação de “arte livre” em que participaram alguns jovens que viriam a assinalar o modernismo português ainda que nesta data se optase por uma posição mais demarcadamente contestatária que estética (França 2009: p. 13). Apesar dos esforços de nivelação com os contextos europeus, em particular com as vanguardas modernistas como o futurismo e o cubismo – com Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Santa-Rita – Almada Negreiros ao regressar a Lisboa em Abril de 1920 evidenciou “o enfraquecimento da vida intelectual e artística portuguesa após a ardência dos anos 1915-17. Pessoa queixar-se-á do mesmo, três anos mais tarde (…)” (França 2009: p. 71) De certa forma, os «loucos anos 20» também chegaram ao contexto português mas sofrendo adaptações significativas de modo a irem ao encontro da pacatez nacional e dos códigos morais e sociais vigentes. O peso da tradição e sobretudo o atraso cultural do país em relação ao contexto internacional provocaram uma sistemática adaptação das «modas» e referenciais culturais externos à realidade nacional, sobre a qual não poderemos ignorar as condicionantes políticas e económicas. Contexto Político do País Em termos governativos, de 1919 a 1923 por toda a Europa, se sentia a instabilidade social resultante da incapacidade política de lidar com a nova realidade pós-guerra. Multiplicavam-se os atentados, aumentava a inquietação social e a instabilidade política. Em Portugal a situação não era diferente: até 1920 o país havia conhecido dois regimes, quatro revoluções, duas ditaduras e dois regicídios e só nesse ano houve sete ministérios que se precipitaram uns após os outros, resultado direto da incapacidade dos Democráticos em obter maiorias absolutas para governar. “Os anos de 1920 e 1921, em Portugal como noutros países da Europa, caracterizaram-se por situações instáveis e conturbadas. Corrupção, atentados políticos, instabilidade social, crise de autoridade, inflação, tornaramse moeda corrente” (Marques 2006: p.574) 12 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Os anos de 1922 e 1923, de acordo com o mesmo autor, foram de cansaço político apesar de o país tender para uma recuperação dos efeitos da guerra ainda que a moeda nacional continuasse a desvalorizar significativamente, gerando contestação social contra as forças governativas. Em 1919 a libra valia 7$50 e em 1924, 127$00. A partir de 1924 e com a queda do governo de Álvaro de Castro – no poder por seis meses – inicia-se uma profunda crise política que só teria fim conjuntamente com a 1ª República (1) e a instituição da Ditadura Militar em 1926. Apesar das melhorias aparentes, para a classe média lisboeta e mesmo o proletariado, existia um cansaço sustentado nas constantes rebeliões e revoluções que faziam cair ministérios e conduziam a uma instabilidade política constante. O Governo, no ano de 1924 inicia a venda da prata, parte importante da moeda em circulação mas sem sucesso no equilíbrio das contas públicas, o que conduziu a um empobrecimento das remunerações. Temendo o bolchevismo e o anarquismo, contestando a queda do poder de compra e os altos impostos pagos pela banca, comércio e indústria, algumas fações políticas e sociais, em particular as camadas mais jovens burguesas, não depositavam esperança nos ideais republicanos e simpatizavam com o crescente fascismo na Europa. De igual modo, a Igreja desejava uma solução política capaz de fazer frente ao ateísmo comunista e às ameaças laicas. Apesar de no ano de 1925 se dar uma ligeira viragem à esquerda, a ação das forças associadas ao comunismo como a anárquica Legião Vermelha, cujos métodos violentos e ideais inspiram o medo da burguesia e no próprio proletariado, empurram os votos novamente para a direita. As eleições legislativas de Novembro de 1925 conferiram a maioria ao Partido Democrático na Câmara dos Deputados e maioria absoluta no Senado – seria este o último ministério da 1ª República. Em 28 Maio de 1926, o general Gomes da Costa revoltou-se em Braga e iniciou uma marcha para Lisboa que culminaria na demissão do Governo dois dias depois. A 31 Maio o Presidente, que entregara a Mendes Cabeçadas a função de constituir ministérios, demite-se, entregando os seus poderes a este e em Junho o Parlamento era dissolvido. Estava instaurada a Ditadura Militar que antecederia o Estado Novo. (Mattoso 1994: pp. 151-159) Contexto Social e Demográfico em Lisboa Os anos 20 podem assim ser considerados os últimos, antes da intervenção do Estado Novo, livres de grandes constrangimentos políticos no quadro de desenvolvimento de novos códigos sociais e vivências mundanas. 1 Telo, A. J. (1980). A decadência e queda da 1ª República Portuguesa. Lisboa: A Regra do Jogo 13 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Nesta década, 80% do país era rural e o crescimento demográfico em Lisboa aumentava exponencialmente estando registado um aumento de cerca de 20% de população só nesta cidade, contabilizando em 1930, 592 mil habitantes – a maior parte por via de migração ou êxodo rural. A cidade carecia de infraestruturas e habitação para estas almas sendo o nível de vida médio muito baixo e as condições muito pobres. Em clara oposição com o nível de vida do proletariado encontrava-se a aristocracia e alta burguesia ou os novos-ricos da guerra que nesta década, se precipitavam para uma nível de vida desregrado e boémio que a animação urbana proporcionava. (França 2005 pp.83-91) A vida mundana e sociável das classes mais abastadas fazia-se entre o café e o salão de chá, o cinema e a ida ao teatro. O conceito de boémia altera-se significativamente por volta desta década, migrando desde o século XIX até à década de 20 do século XX, agora como símbolo de sofisticação. Se no século XIX, de acordo com Seigel (1992), a boémia associava-se a um fenómeno literário e social iniciado em França e que buscava um ideal artístico provocando um desprendimento material e desprezo pelo racionalismo da burguesia, encabeçado pelos jovens artistas e intelectuais da época; ou por outro lado, personificada no jovem burguês que procura um estilo de vida distinto da mentalidade da época e claramente mais ocioso e mundano. No século XX e em particular nos anos 20, a boémia estaria associada a uma ocupação dos tempos livres de modo lúdico, ocioso e mesmo mundano mas merecido. Por outro lado, o fim da guerra propiciou um sentimento de aparente bem-estar e leve melhoria das condições de vida provocando igualmente uma ânsia em gozar a vida e os seus prazeres. Este desejo de precipitação nos «prazeres da vida» a par com novas músicas como o jazz, novas danças, como o charleston, e novas modas conduz a novas vivências cosmopolitas e a uma decadência de costumes e códigos. Os jovens querem dançar até tarde, comer tarde, viver tanto de dia como de noite. Em Paris a sofisticação é atingida com o cabaret, em Berlim com o kabarett e em Lisboa, com o clube noturno. Se no período diurno existe o Chiado e nada mais – “Fala-se de Lisboa e é, como oitenta anos atrás, o Chiado que vem, permanente montra sua, sítio de ver e de ser visto numa cidade que se mantinha fiel à sua artéria de comércio e de lazer vespertino (…)” (França 1983: p.839) – a sociabilidade mundana das classes lisboetas centra-se no chá das 5h, nos bailes do Clube Naval, nas festas privadas. A pequena burguesia deleita-se com as idas ao cinema que contagiava a sociedade com as novas modas e comportamentos – à garçonne – e ao povo restava o prazer dos jogos de futebol e os combates nos ringues de boxe. 14 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Apesar do crescimento demográfico na cidade de Lisboa, urbanisticamente, pouco ou nada aconteceria entre Ressano Garcia e o seu Plano Geral de Melhoramentos da Capital (1903) e a urbanização do Instituto Superior Técnico (1926) – antecedendo as políticas de obras públicas de Duarte Pacheco e do Estado Novo. Lisboa era uma capital europeia repleta de caminhos de pé posto e hortas, carecendo de habitação de qualidade e crescendo de forma algo desorganizada e a par com a iniciativa privada. (França 1992: p. 238) Neste quadro algo suburbano, os novos equipamentos lúdicos localizar-se-iam segundo dois referenciais: ou nos novos bairros ou nas artérias mais importantes da cidade e que já se encontravam por tradição ou memória coletiva, associadas a uma personalidade de diversão. Desta forma, os cinemas, um dos mais importantes equipamentos a povoar a cidade de Lisboa neste período, localizam-se tanto nos novos bairros «cosmopolitas», como na Avenida da Liberdade como nos bairros mais tradicionais ou de classe média. De certa forma, desde o animatógrafo até ao cinema propriamente dito, assiste-se a uma democratização do cinema como atividade de lazer transversal a todas as classes sociais. De igual modo, os cafés e pastelarias ou salões de chá ganhavam reputação como locais de convívio e sociabilidade mundana, espalhados por várias zonas da cidade e estratificados numa hierarquia social com correspondência direta aos seus frequentadores. É neste contexto mundano que os clubes noturnos surgem como paradigmas da sociabilidade lisboeta, rapidamente se desenvolvendo no contexto urbano e conquistando uma reputação ímpar: “Outros se multiplicavam: o Monumental, o Alhambra, o Maxim’s – onde o gosto dos cocktails, gosto novo, merecia propaganda especial; e o Regaleira gabava, em 1921, «a maneira de viver de hoje», mas sem grande êxito. Barradas ilustrava-lhes a fauna…” (França 1983: pp.839-840) Contudo, o eixo da Avenida da Liberdade e área circundante à Praça dos Restauradores, permaneceria como o mais significativo ainda nesta época. Herdando uma longa tradição de local de lazer – já desde o Passeio Público – ao longo da avenida iriam situar-se tanto cinemas – cinema Condes, inaugurado em 1915; cinema Tivoli, inaugurado em 1924; ou o cinema Capitólio no Parque Mayer - como clubes noturnos, como o novo Parque Mayer, inaugurado a 15 de Junho de 1922, casa do teatro de revista cuja popularidade ultrapassou o teatro tradicional e manteve-se, a par com o cinema português na década seguinte, soberano nas peças de humor satírico e ligeiro. 15 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Por outro lado, a Rua Eugénio dos Santos (2) , hoje Rua das Portas de Santo Antão, sobranceira à Avenida da Liberdade, albergava igualmente alguns dos mais significativos equipamentos da época como o Coliseu dos Recreios, inaugurado a 14 Agosto de 1890, e que também foi casa da Lusitania Film em 1918, vários clubes noturnos, restaurantes, animatógrafos ou cinemas e teatros – como o Teatro Politeama, por exemplo. Os Clubes noturnos e a cidade A implantação urbana dos mais conhecidos clubes noturnos lisboetas respeitaria esta lógica de demarcação territorial – real ou de memória coletiva – sendo os locais de eleição circundantes à Avenida da Liberdade e Rua Eugénio dos Santos, e indo ao encontro das ditas necessidades de uma cidade sofisticada, cosmopolita e europeia, como Lisboa procurava ser. Nome Morada Club dos Restauradores ou Prç. dos Restauradores n.º 30; desde Maxim’s 1916 no n.º43 Clube dos Patos Largo do Picadeiro n.º10 Club Majestic R. Eugénio dos Santos, n.º58 Monumental Club Bristol Club R. Jardim do Regedor, n.º7 Palace Club R. Eugénio dos Santos, n.º89-91 Club Mayer R. Salitre, n.º1 Avenida Parque Olímpia Club R. Condes n.º9, desde 1926, n.º27 1º Petit Foz Prç. Restauradores, n.º27 Ritz Club Alster Pavillion R. do Ferregial, n.º38-40 Regaleira Club Largo S. Domingos 14-15 Club Montanha ou BalR. da Glória, n.º57 Tabarin Montanha Salão Alhambra Parque Mayer Quadro 1 – localização dos clubes noturnos De modo geral, denota-se como os mais importantes clubes noturnos optam por se situar nestes eixos mas o fenómeno de popularidade, estenderia a sua implantação a outros locais da cidade, estratificando a influência social dos mesmos. Existiram clubes noturnos nas ditas Avenidas Novas – eixo da Avenida da República (3) e também na Almirante Reis (4) – ou em locais menos «nobres» da cidade como no Rato (5). A própria designação dos clubes noturnos acusava tentativas de internacionalismo e portanto sofisticação: existia o Moulin Rouge (6) , o Club Montanha, em 1925 também 2 Sobre a Rua das Portas de Santo Antão na cidade de Lisboa é indispensável consultar Cabral, M. V. (1997). A evolução de Lisboa e a Rua das Portas de S. Antão (1879-1926). Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea. Lisboa: FCSH-UNL 3 O Club das Avenidas encontrava-se no eixo da Avenida da Ressano Garcia 4 Situava-se o Club Moderno (1920-1927) nessa avenida 5 Na Praça do Brasil, encontrava-se o Club Rato (1920-) 6 Sobre o qual não nos foi possível recolher informação relevante 16 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma denominado Bal-Tabarin (7) , o Olímpia Club – da mesma empresa que detinha o cineteatro com o mesmo nome – Palais Royal, Magestic Club ou o Ritz. Alguns clubes adotavam nomes de acordo com o lugar onde se encontravam instalados como o Clube Regaleira – situado no Palácio com o mesmo nome – o Club dos Restauradores – situado no Palácio Foz e também conhecido como Maxim’s – ou ainda o Club Mayer, mais tarde intitulado Avenida Parque – ocupando o edifício do Palácio Mayer em cujos jardins se criou o Parque Mayer. Apesar de a maior parte seguir uma tradição de raiz francesa na escolha do seu nome, o Bristol Club e o Alster Pavillon fogem à regra – Bristol remete-nos a uma referência à cultura anglo-saxónica e o Alster Pavillon, em 1910, era um pavilhão de exposições em Hamburgo. Em relação aos edifícios propriamente ditos, houve duas abordagens particulares: arrendavam-se palácios nobres cujos proprietários entretanto se haviam ausentado da cidade – como é o caso de Maxim’s, Regaleira, Magestic ou Monumental e Mayer (8) (Cf. Anexo 2) – conferindo aos espaços uma nota de opulência e requinte, existindo posteriormente obras de adaptação ou não. Ilustrativo destas intervenções, por exemplo, é o caso do Magestic/Monumental, situado no Palácio Alverca, hoje Casa do Alentejo. Alguns clubes noturnos partilhavam o espaço correspondente ao palácio, por exemplo, com outros estabelecimentos: o Maxim’s, no Palácio Foz, partilhou morada com, a título de exemplo, a Pastelaria Foz, o animatógrafo Salão Central que mais tarde passou a denominar-se Cinema Central e a sala de espetáculos Salão Foz que sofreu um devastador incêndio em 1929 (Cf. Anexo 2). Figura 1 - Grande salão do Regaleira; salas de jogos do Magestic/Monumental Por outro lado, ocupavam-se prédios de habitação cuja decoração era trabalhada de modo a ir ao encontro das necessidades dos seus clientes e portanto, da sofisticação que se procurava. Ilustrativo e de forma significativa deste último caso, é por exemplo, o Bristol 7 O Bal-Tabarin foi um conhecido cabaret parisiense inaugurado em 1904 e encerrado em 1953, que acolheu em 1915 o Moulin Rouge após um incêndio que destruiu as suas instalações 8 Apesar do Palácio Mayer ser, dentro dos palácios referidos, a obra mais recente, vencedor do prémio Valmor em 1902 17 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Club: “decorado mais ou menos à Luís XVI em 1918, recebeu […] obras modernas em 1925” (França 1983: p. 839) dos artistas plásticos que redecoraram a Brasileira. As obras de remodelação ficariam a cargo do jovem arquiteto Carlos Ramos. Atingindo um expoente máximo de funcionamento em simultâneo em 1920 e de popularidade a partir de 1925, os clubes noturnos lisboetas procurariam algumas afinidades com os seus congéneres europeus enquanto paralelamente, destes se distanciariam – propiciando a construção de um carácter paradigmático e singular enquanto espaços de sociabilidade mundana e informal. Mais do que uma “rutura com o passado, os clubes modernos representam uma precipitação no futuro” (Vaz 2008: p.87) numa sociedade – cultural, urbanística e socialmente - ainda retrógrada quando comparada com o panorama europeu, conforme teremos oportunidade de constatar ao definir os clubes noturnos lisboetas. 18 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma 2. Definindo os Clubes Noturnos lisboetas Contexto internacional Os anos 20 do século XX iniciam-se, social e politicamente, por um aparente abrandamento das restrições provocadas pela I Guerra. A Europa encontra-se em paz e reconstrução. Aliando a condição política aos desenvolvimentos tecnológicos da época, a velocidade, novos códigos e vivências sociais emergem. O jazz nasce nos EUA e chega rapidamente ao continente europeu juntamente com as novas danças, como o charleston e o foxtrot: “A Dança triunfa como nunca triunfou (…)” (9) . As novas vivências mundanas e cosmopolitas ditam um dia-a-dia mais atarefado e sobretudo, sociabilidades mais mundanas. Frequentam-se os cafés, restaurantes, casas de chá, o teatro e a ópera conforme era já hábito nos oitocentos, mas também novos espaços como o cinema que rapidamente assume protagonismo no quotidiano mundano. O namoro transforma-se em flirt, frequenta-se a praia e incentiva-se a prática de desporto, como o ténis; altera-se o meio de circulação na cidade com o automóvel e o vestuário, tanto masculino como feminino, sendo este último particularmente notório e notado com o desaparecimento do espartilho, o encurtar das saias, aumento dos decotes e o corte dos longos cabelos – ditos mais higiénicos e em sintonia com um estilo de vida agora mais acelerado. A massificação do consumo e a industrialização crescente conduzem a uma democratização dos tempos de ócio que se associam a uma nova boémia: “a boémia é dissociada da ideia de fuga à disciplina do trabalho para ser tolerada como descanso merecido ao fim de um dia de labuta” (Vaz 2008: p. 89). Seria nesta transição do conceito de boémia, de sintomática de marginalidade a ocupação ociosa dos tempos livres, a gerar novas sociabilidades mundanas – nas quais os clubes noturnos se inscrevem. Os clubes noturnos em Lisboa seriam, contudo uma realidade efémera na paisagem lisboeta, existindo desde pouco antes de 1920, data em que atingem o seu pico de existência, descendo em número em 1924 e quase extintos a partir de 1928, de acordo com vários autores consultados (10). Suportando-nos nos estudos (11) mais exaustivos sobre os clubes noturnos, selecionámos alguns estabelecimentos – dentro do universo possível (Cf. Anexo 2) – como 9 António Ferro, A idade do jazz-band, S. Paulo, Monteiro Lobato & Co., 1923, p. 48 Tais como Pinheiro (2011), Vaz (2008) ou Barros (1990) 10 11 Em particular Barros (1990) e Vaz (2008) que interpretam de forma distinta o conceito de clube, apresentando ainda datações diferentes para cada estabelecimento; em ambas as autoras não foram encontradas informações relativamente às datas de abertura e encerramento nem aos serviços prestados pelo Alster Pavillion 19 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma os mais característicos e ilustradores da realidade vivida nesta década. Por outro lado, a seleção recaiu igualmente sobre os clubes sobre os quais nos foi possível, no curto espaço de tempo disponível, recolher mais informação. Assim sendo, organizámos a seguinte seleção – mais detalhada no Apêndice 1 Nome Início Fim Club dos Restauradores ou Maxim’s c. 1908 1 1933 1 Clube dos Patos Anterior 1913 1,2 Club Majestic Monumental Club Bristol Club Palace Club Club Mayer Avenida Parque 1917 1920 1,2 1918 1,2 1915-1916 (1917) 3 1918 1921 1923 1926 1,2 1920 1,2 1920 1921 1,2 1925 3 c. 1920 1 c. 1927-1928 1,2 1920 1928 1,2 1928 1 1920 1,2 1920 1924 1927 1,2 Olimpia Club Depois 1930 1,2 Petit Foz 1921 Ritz Club 1929 1,2 Alster Pavillion Desconhecido Regaleira Club 1923 1 Club Montanha 1928 1,2 ou Bal-Tabarin 1920 1 Montanha Salão Alhambra 1925 3 Desconhecido 1 – fonte: Vaz (2008) 2 – fonte: Barros (1990) 3- em funcionamento nesta data Quadro 2 – datas de abertura e encerramento dos clubes noturnos Os motivos do seu aparecimento, crescimento e declínio, bem como o seu papel na sociabilidade mundana lisboeta são motivos que impulsionaram o presente aprofundamento e estudo. “Associados a um percurso urbano que passa igualmente por cafés, restaurantes, novos armazéns, teatros e cinemas (…)” (Vaz 2008: p. 5), os clubes noturnos destacam-se sobretudo pela sua singular associação entre sociabilidade, mundanidade, transgressão e boémia – que os elevaria ao estatuto de “espaços considerados fundamentais a uma «civilização contemporânea»” (Vaz 2008: p. 10) ou ainda “(…) realidades singulares pela forma única como aliam os diversos elementos que integram a sociabilidade” (Vaz 2008: p. 21). Mundanismo e cosmopolitismo em Lisboa 20 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Barros (1990) sintetiza as coordenadas desse mundanismo cosmopolita (12) : no Chiado frequentavam-se as lojas da última moda e era o local mais chique para fazer compras; o chá tomava-se às 5h na Trianon ou na Garrett no Chiado ou ainda no Rossio, no Hotel Inglaterra (Cf. Anexo 1). Os bailes tinham lugar nos clubes, como o Clube Naval ou o Turf, frequentavam-se as corridas de cavalos no Jockey Club, no Campo Grande, zona da cidade em cujos jardins era igualmente possível passear. “O teatro mantinha o seu papel fundamental na vida lisboeta” (Barros 1990: p. 26) ainda que de modo geral, se mantivesse em linha com a tradição oitocentista e entrando em crise nos anos 20, tal como a imprensa periódica documenta. Já “o cinema (…) traduzia as novas aspirações da cidade” (Barros 1990: p. 26). Figura 2 – Aspetos das corridas de cavalos no Jockey Club Frequentar os cafés da cidade incluía-se também nestas coordenadas e a sua importância não era ignorada, antes majorada nesta década, conforme um artigo de 1920 na revista Ilustração Portuguesa (13) , no qual se descrevem os principais frequentadores de cada café, os horários e se recolhem relatos dos frequentadores mais assíduos. Apesar da conotação oitocentista dos cafés de “antro de ociosos até caverna de dissolução” conforme o artigo refere, o café é agora local de encontro, conversação e convívio, preenchendo os tempos de ócio e rivalizando com a “chata pacatez dos nossos «clubs»” (14) . Descreve ainda os frequentadores de cada café, de acordo com o café em questão e o horário: assim, na Brasileira do Chiado e no Martinho encontram-se os artistas e escritores, na Chave d’Ouro e na Brasileira do Rossio, os políticos; no Suisso os toureiros, no Royal os estrangeiros e no La Gare, os flirteurs. 12 Temática amplamente aprofundada na obra de França, J. A. (1992). Os anos vinte em Portugal. Lisboa: Editorial Presença 13 Redondo, Belo (1920). Quem Frequenta o Café?. Ilustração Portuguesa, II Série, n.º 770, Lisboa, 22 Novembro 1920, pp. 323-327 14 A referência aos «clubs» não parece estar relacionada com os clubes noturnos mas outro tipo de clubes, mais na linha dos gentleman clubs 21 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Figura 3 - Ilustrações de Stuart Carvalhais sobre os cafés Até as 9h da manhã, frequentam os cafés “gente da boémia que desce, ainda estremunhada, dos alconces e das batotas, tendo no «facies» pálido historias de orgias e estigmas de desiquilibrio físico e psicológico” (15) – esta descrição dos clientes matutinos acusa um tom de desaprovação em relação aos frequentadores dos clubes noturnos, que se torna singular tendo em consideração que o estudo referido procura desmistificar a frequência e importância dos cafés na presente década, como locais de sociabilidade mundana e inocente, contrariando a imagem construída no século anterior. O artigo prossegue definindo as 11h como hora de chegada dos empregados do comércio, burocratas e homens de “negócios fracos”; das 11h às 14h, os comodistas, pessoas sem grande personalidade e que vão tomar café de modo a cumprir as convenções sociais; depois dessa hora, vêm os “diletantes”, descritos no artigo como os que fazem a verdadeira vida de café, comentando os aspetos sociais e políticos com maior humor ou sarcasmo. Nesta paisagem social e mundana lisboeta, onde poderia existir espaço para o clube noturno? Tal como a sua designação acusa, num horário até à data pouco explorado – noturno. Mundanismo e boémia Podemos associar o clube noturno a vários contextos que o tornam singular: em primeiro lugar, o seu carácter de sofisticação, novidade e modernidade, intimamente associado ao cosmopolitismo que se vivia em igual período noutras capitais europeias. Por outro lado, o regresso de intelectuais e artistas sediados em Paris devido ao eclodir da I Guerra, é apontado como um motivo para a popularidade destes estabelecimentos – mimetismo da sofisticação parisiense onde era possível comer, beber e dançar até tarde: “Apesar da pressão para um recolhimento da população durante o período noturno, da agitação social e política e da crise económica que se fez sentir, os novos-ricos da guerra e os estrangeiros refugiados em Lisboa 15 Redondo, Belo (1920). Quem Frequenta o Café?. Ilustração Portuguesa, II Série (770), Lisboa, 22 Novembro 1920, p. 323 22 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma alimentam estes clubes e gradualmente transformam a sua realidade, levando ainda à abertura de outros locais semelhantes” (Vaz 2008: p. 33) Paralelamente, o final dos constrangimentos impostos à circulação, permite o alargamento do horário de todos os estabelecimentos que se encontravam em funcionamento em horário noturno – como os restaurantes e as casas de pasto – e o desenvolvimento dos táxis na cidade permitem uma apropriação confortável do período noturno, transformando o horário social lisboeta: “… o dia começa à noite” (16). Contudo, os clubes noturnos lisboetas apesar de influenciados pela existência de estabelecimentos similares na Europa, demarcam-se substancialmente destes: a principal diferença do clube em Lisboa para os seus congéneres europeus reside na “falha, em certa medida, [da] componente artística de vanguarda que caracteriza o cabaret artístico parisiense, como falha a componente crítica social e de costumes manifestada pelo kabarett alemão” (Vaz 2008: p.28) para além de que “ao contrário dos clubes parisienses e berlinenses, não é o espetáculo que atrai mais clientela aos clubes lisboetas” (Vaz 2008: p.47) já que nestes, “o maior espetáculo é proporcionado pelos próprios frequentadores” (Vaz 2008: p.21). Em Lisboa, por outro lado, opta-se maioritariamente pela designação de «club» ou «clube» por associação ao termo inglês, já em utilização no país – conforme já referido, Clube Naval, Jockey Club, Turf Club, entre outros – e mais próximo do conceito de coletividade, associativismo/convívio ou mesmo gentlemen’s club; tal opção acusa ainda a intenção inicial de distanciamento em relação ao termo cabaret, entendido como pejorativo, menos requintado e elegante ou mesmo associado ao conceito de “prostíbulo” (Barros 1990: p. 41). De acordo com Reinaldo Ferreira (17) o primeiro cabaret abre em Lisboa em 1915/1916, intitulando-se Palace (Barros 1990: p. 27) e de acordo com Barros (1990) o Alster Pavillion autodeterminava-se de cabaret. Admitindo a definição de cabaret dos anos 20 como: “O cabaret dos anos 20 é o resultado de uma gradual aproximação e crescente atracão de uma cultura de elite, personificada pelos artistas, intelectuais e burguesia abastada, por uma cultura popular e ligada à marginalidade. Este movimento iniciado ainda no século XIX, assume uma nova e mais forte dimensão com a gradual implantação de uma cultura de massas, consequência da industrialização e do alargamento do consumo” (Vaz 2008: p.26) 16 Almada Negreiros, Nome de Guerra, Lisboa, IN-CM, 1992 [1925], p. 14 Ferreira, R. (1956). Memórias de um Ex-Morfinómano. Lisboa: Frenesim, pp. 95-96, in, Barros, J. (1990). Os nightclubs de Lisboa nos anos 20. Lisboa: Lúcifer Edições, p. 27 23 17 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Todos os clubes noturnos lisboetas poderiam ser considerados cabarets sem contudo nenhum o ser na aceção europeia. Considerando a massificação do consumo e o afastamento do termo boémio da conotação marginal, podemos concluir que em Lisboa, os clubes noturnos não seguiam necessariamente a associação ao “club” nem obrigatoriamente ao “cabaret”. Contrariando Vaz (2008) deparámo-nos com inúmeros anúncios na imprensa diária publicitando espetáculos variados tais como, a orquestra tzigana no Maxim’s Tabarin Montanha (18) (19) , espetáculos de variedades às 21h no Salão Alhambra e no Bal- , ou ainda a presença de artistas femininas tanto nos dois últimos mencionado, como também no Alster Pavillon (Cf. Anexo 1). Os clubes noturnos demarcam-se de estabelecimentos similares na nossa geografia por oposição: os «clubes de bairro» (20) , ainda que podendo oferecer serviços semelhantes, promoviam uma sociabilização familiar e uma diversão inocente por contraponto com os clubes cosmopolitas que promoviam uma vida mundana e boémia, associada à transgressão e mesmo marginalidade: “os clubes cosmopolitas serão acusados de desfazer famílias, de fazer perder fortunas, de perder os jovens provincianos chegados a Lisboa” (Pinheiro 2011: p. 314). Noutra perspetiva, os clubes individualizam-se conquistando uma posição na hierarquia social distinta dos restaurantes e casas de pasto, leitarias ou cafés, pelas particularidades que lhe imprimem o cunho de novidade e sofisticação: uma delas, é a jazzband. Apesar de também servirem refeições e estarem abertos depois das 0 h – o Bristol Club publicitava a sua ceia na imprensa bem como o Salão Alhambra (21) ou o Olímpia – os clubes noturnos afastam-se dos restaurantes pela presença do ring no seu espaço, as luzes elétricas, o barulho frenético do jazz e a contorção dos corpos a dançarem o foxtrot e o charleston – “A humanidade já não marcha: dança…” (22). Outra das grandes diferenças entre estes estabelecimentos reside no facto de os clubes eram locais semipúblicos, de entrada paga - exceto para portadores de bilhetes de identificação, semelhantes a cartões de sócios (Cf. Anexo 2) – sendo a clientela selecionada por um porteiro que se torna também ele, uma figura mítica associada a estes equipamentos, como o porteiro do Alster Pavillon (Vaz 2008). Relativamente ao horário de funcionamento, poderá ser sucintamente enquadrado: às 20h o jantar dos empregados; às 23h chegavam os primeiros clientes, existindo um pico por volta das 24h quando chegavam 18 Dias, M. T. (2003). Lisboa Desaparecida. Vol 8. Lisboa: Quimera, p.86, encontra-se uma reprodução de um cartaz publicitário da orquestra tzigana do Maxim’s 19 De acordo com o Cartaz de Teatros do Diário de Lisboa. Ano 4 (1282), 16 Junho 1925, p.2 20 Crónicas de Verão. As noites de Lisboa depois da meia-noite nos «clubs» bairristas e nos «clubs» cosmopolitas. Diário de Lisboa, 13 Julho 1927, p.14 21 A título de exemplo, o Salão Alhambra publicita a sua ceia no Diário de Lisboa. Ano 4 (1221), 1 Abril 1925, p.7 22 António Ferro, A idade do jazz-band, S. Paulo, Monteiro Lobato & Co., 1923, p. 48 24 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma clientes de outros espetáculos; às 02h ceava-se e era a hora mais concorrida do dancing. Depois das 03h, aparentemente, ficavam somente os jogadores até perto das 06h. Apesar das dissemelhanças entre clubs e cabarets em Lisboa prenderem-se com a carga moral associada ao termo e não necessariamente ao ambiente ou serviços prestados. Outras terminologias emergem na década de 20 com vista a tentar circunscrever atividades específicas e realidades distintas das proporcionadas pelos clubes mas acusando a importância que a música e a dança assumiram. Elucidativo desta realidade é o Decreto n.º 10:798 (23) , art.º 2º que procura a definição de teatro público, referindo-se assim a locais de acesso pago, tais como clubes, casinos, music-halls, dancings, cafés-concerto e estabelecimentos congéneres. De facto, denotámos que com o avançar da década de 20, é provável uma maior aceitação do clube noturno como equipamento lúdico relevante, já que o termo cabaret começa a ser mais aceite, bem como a publicitação dos clubes e seus espetáculos concorrenciais com os de outros estabelecimentos. Exemplificativos desta nova realidade são os anúncios do Alster, Bal-Tabarin e Salão Alhambra (Cf. Anexo 1), autodenominandose cabarets (24) – refutando assim a ideia de que somente o Alster assumia essa designação – bem como a presença destas casas nos cartazes dedicados à programação dos teatros – novamente, em rutura com algumas propostas já revistas. A par da divulgação que a imprensa periódica enceta, a popularidade e importância da música e das novas danças modernas imprimem reflexos nas estruturas comerciais mais diversas, sobretudo noturnas – Restaurantes publicitam orquestras, coletividades apresentam espetáculos de dança e organizam bailes, surgem escolas de dança e mesmo os acontecimentos mais mundanos são servidos com o catering da Garrett e a sua jazzband. O alargamento dos horários para o período noturno é notório: teatros e cinemas a par com clubes apresentam espetáculos de variedades e do mesmo modo que o teatro publicita as suas grandes atrizes ou o cinema apresenta novas musas, também os clubes procuram «trunfos» que os isolem da concorrência – o Salão Alhambra recebe Lolita Baldó, “autentica estrela do baile no visinho reino” (25) a quem o Domingo Ilustrado dedica um artigo e a publicação de uma fotografia na sua secção de atualidades gráficas, secção usualmente dedicada a estrelas de cinema e teatro, acusando assim, a importância da artista. 23 Decreto n.º 10:798, de 5 de Junho de 1925, inicialmente publicado no Diário de Governo n.º 116, 1ª série de 27 de Maio de 1925 24 No caso no Bal-Tabarin, o anúncio surge no Diário de Lisboa. Ano 5 (1294), 30 Junho 1925, p. 2; o anúncio do Alster surge no Diário de Lisboa. Ano 5 (1292), 27 Junho 1925, p. 5; o anúncio do Salão Alhambra surge no Diário de Lisboa. Ano 4 (1221), 1 Abril 1925, p. 3 25 Domingo Ilustrado, Ano I (34), 6 Setembro 1925, p. 5 25 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Figura 4 - Fotografia e artigo alusivo à ida de Lolita Baldó ao Alhambra A profusão de anúncios na imprensa periódica, sobretudo a partir de meio da década, clarifica não só a importância que estes espaços haviam adquirido no calendário social como também a sua rápida aceitação, contrariando a opinião que deles se formava no início do século. Se o Maxim’s, considerado o mais antigo, era frequentado por políticos e a alta sociedade, sendo igualmente recomendado aos estrangeiros de visita à cidade, o Bristol, situado num prédio, poderia perder em sumptuosidade em comparação com o Maxim’s, mas era o local eleito por artistas, intelectuais e jovens de famílias abastadas. Almada Negreiros era cliente do Bristol e de acordo com Pinheiro (2011: p. 313) terá sido neste local que declamou pela primeira vez o seu manifesto Anti Dantas. O Regaleira e o Monumental seriam igualmente bem frequentados e de decoração sumptuosa sendo que no Monumental as senhoras da sociedade entravam usando mascarilhas, de acordo com Dias (2003: p.89). Transgressão e Diversão Não obstante as considerações feitas, o que iria associar os clubes noturnos de forma inequívoca à boémia e sobretudo, a uma personalidade «louca» característica dos anos 20, seriam a correlação entre transgressão e diversão noturna, estabelecendo relações intricadas com as características já apresentadas. Sumariamente, os clubes apropriam-se de “alguns ingredientes que se tinham já à disposição, como a casa de jogo e o restaurante, acrescentando-se algumas novidades como o dancing e a jazz-band” (Vaz 2008: p. 6) contudo, “a atividade que define os clubes de forma inequívoca é o jogo” (Vaz 2008: p. 48). Tanto o Maxim’s como o Clube dos Patos iniciam a sua atividade antes da guerra como casas de jogo e progressivamente diversificam os seus serviços com o duplo objetivo de cativar mais clientes – serviço de barbearia, salas de leitura, salas de fumo, bandas de jazz e espetáculos, entre outros – e camuflar a sua principal atividade e fonte de lucro: o jogo. Vários estabelecimentos abririam no início da década aparentemente com o mesmo 26 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma propósito e gerando um elevado volume de lucros: Palace Club, Majestic, Regaleira, Ritz Clube, Royal Bristol Club, entre outros (26). Neste sentido, a transgressão/diversão remetia para um contexto legal para além de moral: apesar de o jogo ser «tolerado» não se encontrava totalmente legalizado e será sempre alvo de duras críticas que antecedem inclusive, os anos 20. Várias seriam as vagas com o intuito de reprimir o jogo ilegal, em especial nos anos 20: em 1920, 1923, 1925 e 1927 mas sem surtirem grande efeito, pelo menos até 1927. Por um lado a imprensa periódica ataca as atividades de casino ou os jogos de batota, como o jornal O Século em 1920 – proprietário igualmente do Ilustração Portuguesa cujo tom acusatório em relação aos clubes tivemos já oportunidade de rever – com uma campanha anti clubes. Contudo, “as elites da época estão mais interessadas no grafismo e na escrita arrojada de publicações acabadas de sair como o ABC” (Dias 2003: p. 89). Alguns periódicos optam por parodiar a questão enquanto outros ainda defendem e promovem os clubes: em 1925, o Diário de Notícias publica vários artigos elogiosos dos clubes e as capas da revista ABC em 1927 publicitaram amplamente o Bristol Club como sendo o mais chique e divertido. Os binómios transgressão/diversão e boémia/diversão desmultiplicam-se nos clubes sob duas outras formas que simultaneamente lhes conferiam uma aura de sofisticação e modernidade: consumos e mulheres. O consumo de bebidas alcoólicas chiques ou na moda como o champanhe e os cocktails e a presença de belas mulheres, algumas contratadas pelos estabelecimentos para entreter os convidados, outras para os espetáculos de variedades ou ainda como bailarinas de foxtrot, charleston ou mesmo tango. Apesar de alguns autores relativizarem a importância desses espetáculos no universo icónico dos clubes, é de comum acordo a importância das papillon ou cocottes nestes espaços – nomes dados às raparigas contratadas. Embora alguns considerem que o seu papel era meramente figurativo e mais próximo ao de entretenimento, é indiscutível a sua associação à prostituição (27). Outro dos aspetos aliado ao consumo nestes estabelecimentos prende-se com substâncias psicoativas ilícitas e que são comummente referidas e associadas a estes estabelecimentos: o ópio, o absinto, morfina; em menor escala a heroína mas a grande novidade era sem dúvida alguma, a cocaína – também conhecida como fada branca ou neve. 26 Informação recolhida em Vaquinhas, I. (2006). Nome de código «33856». Os jogos de fortuna ou azar em Portugal. Entre a repressão e a tolerância (de finais do séc. XIX até 1927). Lisboa: Livros Horizonte, p.32. 27 Nas obras de autores como Barros (1990), Vaz (2008), Vaquinhas (2011), Dias (2003) as associações à prostituição são inúmeras 27 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma A imprensa relata os episódios ligados aos clubes, notáveis, desagradáveis ou meras trivialidades, aliciando curiosidades e disseminando a reputação e fama de cada um (Cf. Anexo 1). São inúmeros os exemplos, em particular entre 1925 e 1927 – ainda que o maior número de estabelecimentos em funcionamento em simultâneo tenha ocorrido em 1920, seria nestes dois anos que a sua reputação e imagem icónica se encontram já ampla e solidamente estabelecidas como “símbolo da decadência e da desagregação civilizacional para uns, o clube surge também como sinónimo do vigor, vitalidade, prosperidade e dinamismo da sociedade ocidental do primeiro pós-guerra” (Barros 1990: p. 35). A construção da imagem dos clubes nos anos 20 não é clara. Os artigos de imprensa e a literatura de época esboçam cenários distintos mas sem dúvida encontram-se associados ao luxo, cosmopolitismo, sofisticação e modernidade. Por outro lado traduzem uma sociabilidade mundana informal que transformou os códigos sociais da época ainda que aos clubes se encontrem associados traços de personalidade boémia e transgressora – legal e moralmente – mas seria somente com o advento do Estado Novo que se precipitariam na marginalidade, com o seu encerramento e extinção. Apesar da imagem generalista que tentámos construir dos clubes noturnos lisboetas e os motivos do seu sucesso, para mais tarde abordarmos as razões da sua falência, existem três vectores predominantes para o seu sucesso: jogo, consumos e mulheres. Podendo reportar-se a uma visão simplista, estes três vectores têm em comum o facto de permitirem explorar uma outra história do quotidiano que se pode considerar transversal a todos os estratos sociais e não apenas a alguns, relacionando transgressão, marginalidade, mundanismo e claro, diversão. 28 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma 3. Os Jogos de Fortuna e Azar Entre a legalização e a repressão De certo modo não seria descabido afirmar que o hábito, o vício ou a prática do jogo em Portugal e mesmo em Lisboa, tem uma longa tradição. Apesar da legislação em vigor em 1920, existiram sempre formas de contornar a questão de forma legal, ou não. A título de exemplo, Dias (2003) oferece-nos uma contextualização histórica da prática do jogo, especificamente da roleta, existente em França desde 1760, que os militares franceses ao abandonarem a capital, cá deixaram. Nobres aristocráticos protagonizaram assim um dos maiores escândalos na década de vinte do século XIX, ao serem surpreendidos pelas autoridades a jogarem nos salões do Teatro S. Carlos: “Nos anos vinte de Oitocentos, seria difícil visitar Lisboa sem acabar por ir ter a uma mesa de jogo. Havia-as nos prostíbulos como nos palácios (…)” (Dias 2003: p. 81). Contudo, jogava-se em todo o lado. Apesar de se associar o jogo à alta sociedade, o problema era sintomático de uma outra realidade: o jogo era transversal a todas as classes sociais, zonas do país e géneros. Ainda na época do Passeio Público existiam casas e tabernas com salas escondidas onde se jogava à batota, podendo os jogos em si diferir de casa para casa. Era igualmente comum, as senhoras da alta sociedade jogarem ao então popular, Jogo da Glória, nos salões e casas de chá. Nas assembleias – reuniões em casas particulares - jogava-se gamão, whist ou boston (Mattoso 2011). “De modo geral, todos os manuais de civilidade ou de etiqueta de finais do século XIX ou das primeiras décadas do século XX dedicam algumas páginas às regras de comportamento a observar em situação de jogo (…)” (Mattoso 2011:338) confirmando a importância da prática em meio mundano e social. Fosse um simples jogo de cartas numa taberna – vistos como locais de vício e excessos, marginalidade e criminalidade - ou jogos mais sofisticados como a banca francesa ou a roleta – associadas às classes mais abastadas -, em Lisboa e no país, de modo geral, jogava-se e muito. Pelo menos até meados do século XX o assunto poderia ser pouco abordado mas a entrada no novo século, a eclosão da I Guerra Mundial e o seu fim, propiciaram condições inigualáveis para a questão assumir proporções epidémicas: “A realidade é mais complexa do que esta bipolarização dá a subentender, estando o gosto pelos jogos de fortuna ou azar bastante divulgado em todos os grupos sociais, sem distinção de sexo, tendo-se generalizado a todo o país nos finais do século XVIII” (Mattoso 2011: p. 339) 29 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma A dificuldade em erradicar o gosto pelo jogo da sociedade portuguesa permitiu o domínio do binómio repressão/legalização ao longo de todo o século XIX e com maior visibilidade nas primeiras décadas do século XX. Em 1783 a Santa Casa da Misericórdia recebe a concessão das lotarias em monopólio – que mantém até hoje - de modo a financiar as atividades por si patrocinadas, nomeadamente a subsistência dos órfãos acolhidos pela associação. Durante largas décadas, o único divertimento legalizado propiciado pelo jogo em Lisboa seria o «ver andar à roda» no Largo da Misericórdia. Mas seriam as classes sociais mais abastadas, uma das facetas mais visíveis da problemática. Em 1870 os casinos instalam-se nas zonas termais e de veraneio, transformando-se rapidamente num fenómeno de popularidade que suplantava a estância em si. Deixavam de existir termas ou praia sem casino e a publicitação da atividade pelos próprios hotéis era garantia de lotação completa. Apesar da legislação, vigorava um compromisso legal: os municípios financiavam-se com as receitas das licenças de jogo pagas pelos hotéis e termas, proporcionais ao volume de jogo gerado, e a autorização para funcionamento era passada. Chegava-se ao limite de quando se tentava encerrar os casinos nestes locais, os municípios queixavam-se de falta de verbas municipais para as atividades de manutenção do próprio município já que em muitos casos, estas advinham exclusivamente das licenças pagas pelos casinos (Vaquinhas 2006). Por outro lado, sem os casinos, os hotéis e estâncias queixavam-se da perda abrupta de clientes que rumavam para o estrangeiro. De Lisboa à Cúria, da Figueira da Foz a Portimão, da Costa do Sol à Madeira, em Portugal jogava-se – a melhoria nos transportes, o ligeiro aumento da qualidade de vida e sobretudo o desenvolvimento das formas de sociabilidade mundana burguesa estariam na base do desenvolvimento das estâncias balneares e termais como locais de eleição para o jogo. Com a Guerra, propiciou-se uma situação económica e social singular e capaz de enquadrar mais gravosamente o problema do jogo. A inflação e a depressão económica durante e após a I Guerra em paralelo com uma visível expansão do jogo à pequena e média burguesia e mesmo ao proletariado – com a introdução das máquinas de alavanca desde 1912 (28) (Cf. Anexo 3) – conduzem a uma realidade gravosa mas não necessariamente camuflada. Jogar em Lisboa nos anos 20 28 De acordo com Vaquinhas (2006). Nome de Código «33856». Os «Jogos de Fortuna ou Azar» em Portugal. Entre a repressão e a tolerância (de finais do século XIX a 1927). Lisboa: Livros Horizonte, p. 33 30 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma De facto, toda a imprensa periódica e mundana aludia à questão do jogo, com maior ou menor gravidade – denote-se por exemplo, a passagem retirada da Ilustração Portuguesa no capítulo anterior. Jogava-se desde o século anterior mas seria na década de 20 do século XX que a situação iria atingir um pico hiperbólico: “Acompanhando o frenesim dos «anos loucos» e da era da «jazz band», a capital enche-se de «casas de batota»” (Mattoso 2011: p.342) Figura 5 - Caricaturas de Stuart de Carvalhais e Jorge Barradas Nesta época não existiu um casino propriamente dito em Lisboa apesar do Parque Mayer inaugurado em 1922, ter uma proposta para o primeiro grande casino da capital, que acabou por não se concretizar. Mas já antes da década de 20, abrem inúmeros estabelecimentos cuja principal atividade era de casino ou jogo, ainda que licenciados como restaurantes (Cf. Anexo 2) – exemplificativos dessa realidade seriam, a título de exemplo, o Maxim’s ou o Clube dos Patos, conforme temos vindo a referir. Em 1920 atinge-se o pico de estabelecimentos similares abertos e em funcionamento em simultâneo e seria igualmente nesta data que se iniciam as primeiras campanhas repressivas contra o jogo. A diversificação de serviços prestados – restaurante, banda, pista de dança, espetáculos, entre outros – a par com as novas modas e a introdução do jazz e das danças modernas ajudaram a diluir a atividade de casino. Esta ocultação não seria propriamente necessária. Os clubes noturnos em Lisboa pagavam as licenças de jogo ao Governo Civil e a imprensa parodiava as tentativas de repressão e o enraizamento da atividade na sociabilidade mundana lisboeta. Clube Noturno passaria a estar intrinsecamente associado também a Casino. Os clubes noturnos com as licenças de jogo mais altas em 1920 (29) , seriam o Maxim’s (quatro mil escudos), o Palace Club e o Magestic (três mil escudos), o Regaleira e 29 De acordo com Vaqinhas, I. (2006). Nome de Código «33856». Os «Jogos de Fortuna ou Azar» em Portugal. Entre a repressão e a tolerância (de finais do século XIX a 1927). Lisboa: Livros Horizonte, Quadro IV, p. 32 31 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma o Ritz (mil e quinhentos escudos) e por fim o Bristol e o Club dos Patos (mil escudos). Em 1925 (30) , o Maxim’s pagava, anualmente, o valor de dez mil escudos, o Bristol sete mil escudos, o Monumental pagou no primeiro semestre desse ano, nove mil escudos assim como o Clube Montanha que pagou quatro mil, trezentos e vinte escudos. Em 1929, o Maxim’s pagou ao Governo Civil um total de vinte e quatro mil escudos, apesar da lei antijogo ter já sido publicada. De acordo com Vaquinhas (2006), os jogos mais populares eram a roleta ou bilhar chinês, o quino ou trinta e um, o jogo de parar, a vermelhinha e o monte – estes últimos bastante comuns nas casas de tavolagem, usualmente conhecidas como pataqueiras e destinadas a um público de baixa classe económica. O decreto n.º 14643 de 1927 esclarece no art.º 2º quais os jogos de fortuna e azar permitidos em casino – a serem regulamentados - e que deveriam ser os jogos mais populares ao longo da década de 20. Assim sendo, acrescentam-se aos referidos, a banca francesa com dados transparentes, o trinta e quarenta, o bacará bancado, os petits chevaux e variantes, bacará chemin de fer e o écarté. Deveriam portanto, ser estes os jogos mais populares nos clubes noturnos e em pelo menos dois, poder-se-ia jogar com moedas da casa, – no Regaleira e no Maxim’s (Cf. Anexo 2) – a dinheiro ou com fichas. A novela publicada no Riso da Vitória contabiliza esta situação dado que o autor refere, por diversas vezes e como cerne de funcionamento do estabelecimento, as fixas: “Eu respondi que não sabia o que eram fixas e o meu informador levou-me então a outro andar, onde havia uma grande porção de mezas cheias de números, com uma espécie de alguidar ao meio, e então vi que as tais fixas são umas coisas que parecem botões de casaco, de várias cores. Fiquei também muito admirado ao ver lá uma grande porção de moedas de cinco tostões em prata e cá fora não haver senão em papel (…)” (31) Os clubes noturnos teriam assim a sua principal fonte rendimento ou lucro sediada na sua atividade de casino, podendo o encerramento progressivo destas casas ao longo dos anos 20, estar associado às diferentes vagas de repressão. Contudo, e conforme Vaquinhas (2006), o jogo não era totalmente legal nem totalmente ilegal porque apesar das propostas de lei apresentadas, os interesses gerados pelo volume de dinheiro movimentado em torno dos casinos deveriam ser enormes, já que em anos de eleições se verificava um abrandamento da perseguição – pelo menos a determinadas casas. Contudo os protestos tanto na imprensa como na Câmara dos Deputados faziam-se ouvir. A título de exemplo, o deputado Tavares de Carvalho numa sessão de 1923, denunciava: 30 As informações sobre os anos 1925 e 1929 foram recolhidas em Barros (1990). Os nightclubs de Lisboa nos anos 20. Lisboa: Lúcifer Edições, Anexos, Quadro IV 31 Adão (1919). Uma visita ao batota-club (cartas dum forasteiro). Riso da Vitória, Ano I (7), 30 Novembro 1919, p.3 32 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma “Alguns amigos meus tiveram o cuidado do me mandar extractos de jornais que eu não leio, onde vem que estão abertos os clubes do jôgo. Eu lavro o meu mais veemente protesto contra o que só está passando. (…) Eu peço, portanto, ao Sr. Ministro da Comércio a fineza de transmitir as minhas palavras ao seu colega do Interior, dizendo-lho ao mesmo tempo que, enquanto os clubes não forem encerrados, eu não deixarei de protestar aqui diariamente contra o facto de se jogar escandalosamente, especialmente em Lisboa.” (32) Já a imprensa periódica, à semelhança de outros temas, opta por um tom mais satírico ainda que alguns jornais, como O Século, adotem posições claramente contra os clubes noturnos lisboetas. Associando diretamente o jogo aos clubes – ainda que por vezes a abordagem seja indireta – constrói-se uma imagem do clube noturno indissociável da mesa de jogo. Nas novelas de Henrique Roldão, publicadas no Domingo Ilustrado, o jogador no clube noturno surge como sendo uma personagem em queda moral vertiginosa, atraído para a mesa de jogo e jogando irresponsavelmente (33). Outras vezes, as referências ao jogo e ao clube noturno são diretas: “O Marquez perdeu hontem nos «Patos» 18 contos!” (34) ou, de acordo com o mesmo autor “Todos os clubes de Lisboa estão instalados em casas nobres, os mais acérrimos jogadores teem nome de costela ilustre e quasi todos os empregados das casas de jogo, são fidalgos!” (35) Transgressão e Diversão Os jogos de fortuna e azar constituíam-se assim como um divertimento característico da hora noturna, boémio, aparentemente mundano dada a sua democratização em termos de estratos sociais mas também transgressor. A transgressão nesta medida ocorre em termos morais e semilegais. A indefinição aparente do estatuto destes clubes, onde se conhecia o hábito do jogo, perante a lei, propõe este quadro de transgressão semilegal. Já a transgressão moral prende-se com a imagem construída de quem eram os jogadores em termos sociais, económicos e evidentemente, morais. No aparelho governativo discutia-se a necessidade repressiva do jogo – que como vimos era claramente insuficiente - enquanto a Igreja procurava denunciar a imoralidade do jogador ao arriscar o seu ordenado e sustento da família numa mesa de jogo: “Esta paixão pelo jogo e o excesso a que lhe está associado suscitaram desde sempre, medidas de repressão e controlo (…). 32 33 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 27 Março 1923, p.4 Roldão, H. (1925). O Homem que se matou por ganhar ao jogo. Domingo Ilustrado, Ano 1 (27), 7 Junho 1925, p.7 34 Roldão, H. (1925). A História de Alguém que existe. Domingo Ilustrado, Ano 1 (39), 11 Outubro 1925, p.6 35 Idem 33 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Os protagonistas de todo este processo de repressão aos jogos de fortuna e azar – o Estado e a Igreja – aparecem porém como os principais organizadores e os principais beneficiários desta atividade” (Clímaco 2003: p.212) O jogo, com o consumo excessivo ou crónico de álcool, destruía famílias. Mas tal como acontecia com o controlo e repressão de substâncias psicoativas, a atividade de jogo ou de casino, permanecia como sociável e mundana. Por estes motivos e por serem os locais mais publicitados e conhecidos, os clubes noturnos são associados à ideia de fazer perder fortunas, desbastar património e destituição de valores morais por apoiarem e patrocinarem a prática de jogo e todo o estilo de vida a ela associado. Por se encontrar umbilicalmente relacionado com o jogo, o funcionamento dos clubes acabaria por se tornar irregular – Na temporada de Verão a maior parte dos clientes rumava a estâncias balneares onde continuava a alimentar os casinos locais; durante as vagas repressivas alguns clubes fechavam portas e alguns não retornariam a abri-las. A título de exemplo, o Maxim’s em 1925 publicitava a sua reabertura sendo os bilhetes de identidade de 1924 ainda válidos – os motivos do seu encerramento mantêm-se desconhecidos. Com clientela mais ou menos sofisticada, jogava-se em quase todos os clubes de Lisboa. Não se obteve informação sobre o Alster Pavillon desconhecendo-se se estaria registado com outro nome. Os menos bem frequentados, de acordo com as fontes consultadas, seriam o Ritz Club e o Clube dos Patos, e os mais elitistas, como o Maxim’s ou o Monumental, geravam receitas mais avultadas. O ambiente nas salas de jogo dos clubes noturnos contrastava com o da zona do ring. Vaz (2008) descreve salas de luz pálida onde o silêncio reinava por contraste à área de dança onde o barulho ensurdecedor da jazz-band animava as frenéticas coreografias do charleston e foxtrot, alimentadas pelas luzes elétricas coloridas. Por outro lado, os jogadores eram também dos primeiros clientes a chegar e os últimos a abandonar os clubes noturnos. Repressão e enquadramento legal Apesar das investidas malogradas ao jogo e aos clubes, as críticas da imprensa ou as denúncias na Câmara dos Deputados, o jogo seria somente legislado de forma decisiva em 1927. A queda de I República e a instituição da Ditadura Militar, mais conservadora e de princípios morais mais vincados, em paralelo com um regime antidemocrático que não necessitava de conquistar votos ou simpatias, permite promulgar o Decreto n.º 14643, de 3 de Dezembro de 1927. Na sua introdução clarifica-se de imediato a posição do regime: 34 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma “Não é necessário revolver toda a legislação portuguesa para se ficar firme na convicção de que foi sempre baldado o esforço no sentido de reprimir em Portugal o jogo de fortuna ou azar. Houve sempre proibição legal expressa, a par do jogo campeado nas praias, nas termas e até nas cidades, como Lisboa e Porto. (…) O jogo era um facto contra o qual nada podiam as disposições repressivas. Mas os interesses políticos dos Governos partidários mostraram-se sempre um óbice invencível às tentativas esboçadas e ia afinal cair-se nos mesmos abusos.” (36) Com a nova legislação e poder político em vigor, a maior parte dos clubes fecharia portas. Até 1928 encerraram o Club dos Patos, Monumental, Bristol, Avenida Parque, Club Montanha. Em 1929 encerra o Ritz Club, mantendo-se em funcionamento o Maxim’s até 1933 e o Olímpia – o primeiro possivelmente pela reputação que havia conquistado e de acordo com as licenças de jogo emitidas em Lisboa, em 1929 mantinha ainda a atividade de casino; o segundo talvez por estar associado à mesma empresa que detinha o cineteatro com o mesmo nome, possivelmente variando assim a sua atividade. No final dos anos 20 são já raras as reportagens ou notícias sobre os clubes noturnos com exceção do Maxim’s, pelo menos na época de Carnaval – época que de certa forma, pelo seu carácter transgressor, sempre se enquadrou no âmbito do espírito dos clubes noturnos. Figura 6 - Foto-reportagem sobre o Carnaval no Maxim’s Em relação ao Alster Pavillon, conforme referimos, desconhecem-se informações relativamente ao seu encerramento assim como do Salão Alhambra. Contudo, Costa (1950), relata que o Casablanca sucede o Salão Alhambra no Parque Mayer e que após a legislação de 1927, diversifica-se a atividade do estabelecimento, instituindo-se o jogo do loto – que fez grande sucesso. 36 Collecção Official da Legislação Portuguesa publicada no anno de 1927, 2º semestre, Lisboa: Imprensa Nacional, 1932, pp. 799-805, in, Vaquinhas, I. (2006). Nome de código «33856». Os «jogos de fortuna ou azar» em Portugal entre a repressão e a tolerância (de finais do século XIX a 1927). Lisboa: Livros Horizonte, p. 85 35 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Enraizado como vício ou paixão na sociedade mundana portuguesa e neste caso muito específico, lisboeta, o jogo passava a ser legislado de forma dura e dado o encerramento da maior parte dos clubes noturnos, sem exceções. O Estoril viria a ser a única opção viável para perpetuar o hábito lisboeta do jogo de casino e somente na década de 40, com os refugiados da II Guerra ou os novos-ricos, se voltaria a assistir a um boom do jogo. 36 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma 4. A Presença Feminina A Mulher e a Sociedade dos anos 20 A evolução da sociedade nos anos 20 para além de ditar novos espaços de sociabilidade mundana conforme revimos já, implicou alterações dos códigos sociais. Tais alterações conduziram a novos comportamentos sociais com repercussões mais notórias no sexo feminino. Podemos assim considerar a uma nova mulher nos anos 20. O cinema permitiu a divulgação de novos comportamentos e estéticas propiciando a divulgação de uma imagem de mulher mais sofisticada, cosmopolita, autónoma e em aparente corte com o estereótipo de mulher das décadas anteriores e em particular, do século anterior. A mundanidade social agora aclamada ditava um ritmo de vida mais agitado o que aliado às preocupações higienistas do fim de oitocentos, precipitavam uma nova conjuntura. A mulher moderna jogava ténis, frequentava a praia sendo o tom bronzeado aclamado na época como sinónimo de saúde, frequentava os cafés e casas de chá, as lojas da moda, podendo desfrutar de uma vida mais mundana (37). Estes aspetos associados a um estilo de vida cosmopolita precipitavam igualmente uma profunda alteração ou mesmo quebra dos códigos sociais até então vigentes. De certa forma, é-nos permitido propor um carácter de transgressão – não legal nem necessariamente moral – a que nos referiremos como transgressão do código social. Este cariz transgressor manifesta-se numa clara aproximação do aspeto, comportamento e estética feminina à masculina. As mulheres dos anos 20 passam a tratar os seus amigos por «tu», fumam em público, saem para dançar, jogam nos casinos, algumas trabalham, outras conduzem, algumas praticam desporto – sportswoman- como o ténis - tenniswoman. Muito notória foi a alteração no vestuário. Os ritmos de vida mais acelerados conduzem ao encurtar dos vestidos – do tornozelo ao joelho – enquanto, simultaneamente, também os cabelos encurtam de forma radical. Como consequência, os espartilhos desaparecem das indumentárias femininas permitindo-lhes maior fluidez de movimentos e uma alteração da silhueta feminina. De um modo geral e sintético: “Uma existência influenciada pela crescente motorização da sociedade, que confere num ritmo mais acelerado ao dia-a-dia, exige uma maior facilidade de movimento que só um vestuário simples e uns cabelos, penteados de forma mais natural, permitem. Por outro lado, o cinema, e o teatro difundem modos 37 Esta temática é amplamente estudada no trabalho de Guinote, P. (1994). Quotidianos Femininos (1900-1933). Dissertação de Mestrado em História Contemporânea (Século XX). Lisboa: FCSH-UNL 37 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma de vida diferentes, bem como a imagem de mulher emancipada que se procura seguir. Os clubes, os cabarets, as férias na praia, os jantares e os lanches de fim de tarde no café da moda, as entradas e saídas das lojas, modistas e cabeleireiros fazem parte desse mundo” (Marques 2004: p.60) Desta forma, a silhueta feminina torna-se menos demarcada e mais fluida, por vezes andrógina (38) ao não revelar as curvas femininas, por vezes os decotes pronunciam-se, pondo a descoberto braços, ombros e busto. Se por um lado estas novas modas eram tidas como mais salutares por outro coadunavam-se sobretudo com as vivências diurnas, noturnas e mundanas. As mulheres que saiam para dançar e frequentar clubes podiam assim dançar mais facilmente ao acelerado ritmo da jazz-band e de acordo com as frenéticas coreografias modernas como o foxtrot e o charleston – sem os constrangimentos das indumentárias restritivas e dos longos cabelos do século anterior. A questão dos cabelos seria uma das facetas mais visíveis das novas modas e das mais discutidas (Cf. Anexo 4). O corte apelidou a estética feminina deste período, «à la garçonne», expressão que em Portugal recebeu o nome de «Cabelos à Joãozinho». O termo «garçonne» provém da obra de Victor Margueritte publicada em 1922, Garçonne, de publicação proibida em Portugal mas aparentemente bastante conhecida no país – na qual se batiza a nova imagem e comportamento feminino. É igualmente durante o período noturno que o aprumo feminino descobre novas fronteiras. A maquilhagem acentua-se em cores fortes recorrendo a olhos pintados de negro ou com riscos marcados, lábios muito encarnados, sinais verdadeiros ou pintados de forma a serem marcados. Os chapéus, acessório sempre em moda, segue as novas tendências e adequa-se aos novos cabelos, acentuando os cortes muito curtos. Tanto a imprensa diária como a especializada informam destas alterações, alguns artigos de forma mais séria indo ao encontro das necessidades das leitoras, outros de forma mais satírica, criticando abertamente os novos comportamentos e atitudes. 38 Coelho, A. (1926). É homem ou mulher? ABC, 22 Abril 1926, p.13 38 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Figura 7 - Caricaturas de Jorge Barradas As caricaturas de Jorge Barradas publicadas no Riso da Vitória já em 1919, parodiavam as novas modas, ilustrando sobretudo o confronto geracional. Para a anterior geração, personificada na figura da “mãe” puritana, trajada e arranjada ainda “à oitocentos”, as saias eram demasiado curtas, os decotes acentuados; na segunda caricatura, ilustrando a mesma crítica geracional em relação ao vestuário, mas também de género: os homens mais velhos encontram-se à porta de uma loja de venda de tabacos e charutos enquanto a jovem passa na rua com uma boquilha exageradamente grande e a fumar. Mas seria este artista, juntamente com Stuart de Carvalhais – cujas imagens apresentámos em capítulo anterior – que também desenhou para a mesma publicação, a protagonizarem algumas das imagens mais marcantes. A Mulher nos Clubes Noturnos Em 1927, o Bristol Club lança uma grande campanha publicitária nas capas da revista ABC, enchendo a totalidade do ano e do espaço publicitário, com ilustrações de Jorge Barradas, apresentando uma imagem do clube, cosmopolita e sofisticada. A esta imagem boémia, adiciona-se, na maioria dos trabalhos, quando não exclusivamente, a imagem feminina, associando-se às frases apresentadas como «Bristol Club. O mais alegre» ou «Chic? Só o Bristol Club». 39 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Figura 8 - Capas da revista “ABC” de 1927 A representação feminina surge assim com profundos decotes, roupas sofisticadas, braços a descoberto, maquilhagem pronunciada sobretudo nos lábios pintados de encarnado. Por outro lado, a atitude parece ser informal e os comportamentos em meio mundano e sociável como era o clube noturno, relaxados (39) . A mulher que frequenta os clubes, tal como vinha a ser moda, fumava alegremente ou bebia champanhe na companhia de amigos. A presença feminina nos clubes aparenta ser da máxima importância na dinamização do espaço. Para além das frequentadoras ocasionais destes espaços, a imagem dos clubes noturnas é ainda construída com referência a outras presenças femininas que iremos caracterizar em dois tipos: as artistas e as papillon. Apesar de Vaz (2008) minimizar a importância dos espetáculos de variedades nos clubes noturnos - por relacionar a sua principal atividade e fonte de rendimento com o jogo – a imprensa diária contabiliza espetáculos e artistas diversas nas casas noturnas. De modo geral, estas artistas figuravam em espetáculos ligeiros e animados, recebendo nomes distintos. Em 1925, os anúncios no Diário de Lisboa vulgarizam-se e existem alguns exemplos. Coralito (40) ou Lolita Pinet los Angeles (43) (41) no Alster Pavillon, as Hermanas Castellanitas no Salão Alhambra, Lucrecia Torralba, Aurora Iris Medina, Carmen Belmez ou as irmãs Cruz Mozart (46) (44) (42) ou Maria de , Luiza Real (45) , Mary no Bal-Tabarin. Este último aparenta 39 Miriam (1926). Atitudes Modernas. ABC, 26 Agosto 1926, p.10 Diário de Lisboa, n.º 1282, 16 Junho 1925, p.2 41 Diário de Lisboa, n.º 1294, 30 Junho 1925, p.2 42 Diário de Lisboa, n.º 1293, 29 Junho 1925, p.4 40 43 44 Diário de Lisboa, n.º 1221, 1 Abril 1925, p.5 Ambas referenciadas, por exemplo, no Diário de Lisboa, n.º 1293, 29 Junho 1925, p.2 45 46 Diário de Lisboa, n.º 1270, 1 Junho 1925, p.4 As três referenciadas no Diário de Lisboa, n.º 1281, 15 Junho 1925, p.2 40 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma ser o que mais anúncios na imprensa publica, noticiando inclusive a ida do seu proprietário a Sevilha (47) para procurar novos números. “As bailarinas espanholas – sobretudo sevilhanas – continuavam a ter um papel fundamental nas variedades apresentadas nos clubes noturnos. Amparito Medina fez sucesso em Janeiro 1925, no Bristol mas muitas outras são entusiasticamente anunciadas” (Barros 1990: p.68) tais como Adelita Adriano, Clarita, Lola Branco, Eloisa Yorter ou Elsa Nori conforme a mesma autora adianta. De modo geral, as artistas dividem-se em bailarinas ou coupletistas. Apesar de não existir muita informação detalhada sobre os espetáculos propriamente ditos, a imprensa informa-nos de modo superficial, de espetáculos de bailados andaluzes protagonizados por espanholas – a maior parte das artistas referenciadas parecem ser dessa nacionalidade – e espetáculos protagonizados por coupletistas. Este termo parece vir substituir o de tonadillera, ainda que por vezes ambos convivam para caracterizar a mesma artista – como Lucrecia Torralba, por exemplo – e visa descrever um espetáculo ligeiro, protagonizado por uma «cancionista», podendo conter alguns números mais picantes e íntimos. Em Espanha, nesta década, tonadilleras, era um termo utilizado no século XIX para descrever artistas que realizavam números de música popular e que no século XX adaptam os seus espetáculos com guarda-roupas, letras e performances mais ousadas. Em relação às bailarinas, para além dos espetáculos de danças andaluzes, ignoramse quais as coreografias protagonizadas. De modo geral, aparentemente a maior parte das artistas em palco nos clubes noturnos lisboetas, eram espanholas. Relativamente às papillon ou cocottes, desconhece-se em primeiro lugar o porquê dos termos utilizados mas talvez cocotte (48) fosse mais comum ainda antes dos anos 20 e convive com o termo papillon, que se generalizou. Barros (1990), sugere-nos a presença de figuras femininas nos clubes, as papillon, sendo contratadas pelos clubes noturnos para animar os espaços, nomeadamente a pista de dança ou ring. A sua posição seria assim, mais semelhante à de uma gueixa, conforme a autora sugere. Contudo a associação entre papillon ou cocotte e prostituição seria indissociável da própria imagem do clube noturno. A Prostituição e os Clubes A prostituição de 1ª classe neste período ou nos subsequentes, não se encontra amplamente estudada em Portugal, existindo maior incidência na investigação produzida na prostituição de 3ª e 2ª classe em particular na transição do século XIX para o século XX. 47 Diário de Lisboa, n.º 1271, 2 Junho 1925, p.4 48 Adão (1919). Uma visita ao batota-club (cartas dum forasteiro). Riso da Vitória, Ano I (7), 30 Novembro 1919, p.3, refere a presença de uma “cocôte cára” 41 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Contudo, das obras consultadas, ressalta a existência do termo cocote chique já no terceiro quartel do século XIX e designando prostitutas de 1ª ordem por oposição às prostitutas de estrato inferior ou 3ª ordem, neste caso em particular, fadistas. A aristocratização do fado ainda no século XIX e a convivência entre classes sociais distintas em estabelecimentos boémios como eram as tabernas ou em eventos como as touradas (49), conduziriam a uma mais rígida estratificação da prostituição no início do século XX. Ainda que, de acordo com Pais (1983), a maioria das prostitutas registadas em Lisboa, tanto no final do século XIX como no início do século XX, fossem criadas e costureiras (50) , “A era das tabuinhas vai dar lugar à era dos automóveis e dos bares” (Pais 1993: p. 953). A alteração da sociedade em termos económicos e sociais, permite novas realidades e contaminações aceites entre estratos sociais distintos que convivem social e mundanamente em novos locais como os clubes noturnos, potenciando não só nova clientela como também novas realidades por contágio das novas modas. “Os alcouces de meia porta, o avental de pau e a cortina branca, para já não falar nos retiros das hortas nos arrabaldes da cidade, dão lugar aos bares, aos salões de moda, com manicures mais ou menos «especializadas», aos salões de chá, com danças mais ou menos «sofisticadas», etc.” (Pais 1983: p. 953) O clube noturno associa-se assim, a um local de prostituição. Desta forma, nos anos 20, as papillon corporizam uma prostituição de matriz cosmopolita, “uma certa imagem de modernidade e de sofisticação, tal como em período anterior, na transição do século, as espanholas encantavam, no momento em que as «coupletistas» de zarzuela punham em brasa a libido lusitana” (Mattoso 2011: p.337). Enquanto nos espetáculos dos clubes noturnos se optava ainda pelas artistas de nacionalidade espanhola, para o papel de papillon, ainda que muitas fossem portuguesas, preferia-se uma associação com a nacionalidade francesa, conferindo assim maior sofisticação a estas personagens. Ao contrário do que seria expectável, a presença e atividade das papillon não era ocultada ou secreta, sendo mesmo de conhecimento público e debatida na Câmara dos Deputados. Em 1923, Tavares de Carvalho enviava à Mesa da Câmara uma Moção que visava os vícios que assolavam o país, entre eles, o jogo e a prostituição, conforme leu: “Já aqui foi dito, e é uma verdade, que a prostituição nas casas de jugo se faz em larga escala. 49 Sobre o mundanismo nos séculos anteriores: Lousada, M. A. (1995). Espaços de sociabilidade em Lisboa: finais do século XVIII a 1834. Dissertação de Doutoramento em Geografia Humana. Lisboa: UL - FL 50 Referenciando as prostitutas de 1ª e 2ª ordem, excluem-se as de 3ª ordem por invariavelmente pertencerem a classes sociais ainda mais baixas e exercerem a sua profissão à porta de casa, em bairros típicos como Alfama e Mouraria 42 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Sr. Presidente: não pode consentir-se que aqueles que vivem no luxo, na prostituição e no crime, gastando as suas fortunas adquiridas muitas vezes criminosamente, numa ganância desaforada, atirem com a lama dos seus automóveis para a cara daqueles que não ganham o suficiente para vestir os filhos e continuem concorrendo para o definhamento da raça. Sr. Presidente: é preciso reprimir o jôgo e acabar com essas casas de vício. Em comissão o solicitei ao Sr. Domingos Pereira, quando Presidente do Ministério, e S. Ex.ª cumpriu a sua promessa. Não se pode regulamentar um vício de onde vêm tantos outros. Hoje dactilógrafas, criadas e muitas senhoras já se acham prostituídas e é preciso que façamos todo o possível para que o nosso lar não deixe de ser o que era: todo carinho e honestidade.” (51) Lino Neto, também deputado, lamentava um país “onde a prostituição se desenvolve sem peias e as tabernas são cada vez em maior número” (52) . Na sessão de 27 Março 1925, novamente Tavares de Carvalho denunciava sinteticamente que “os clubes são apenas lugares de prostituição” (53). A literatura traça quadros destas raparigas em obras como a Virgem do Bristol Club (Repórter X, pseudónimo de Reinaldo Ferreira, 1927), Os Noctívagos: cena da vida de Lisboa (João Ameal, 1924), Memórias de um ex-morfinómano (Reinaldo Ferreira, 1933) ou em Nome de Guerra (Almada Negreiros, 1938); contudo, optou-se por recorrer à imprensa mundana para complementar estas imagens (54) . Através das novelas, publicadas no Domingo Ilustrado – que o escritor Henrique Roldão insiste que se baseiam em histórias reais - constrói-se uma imagem da mulher que frequenta assiduamente o clube noturno, como sendo fútil, ligada aos prazeres luxuosos e portanto, conferindo demasiada importância ao dinheiro, com algum desprezo pelos valores morais, uma vez que vai viver com homens que conhece nos clubes (55) – sem matrimónio – ou está relacionada com o mundo do crime e dos consumos ilícitos. Por outro lado, surgem novelas diretamente abordando as papillon como sendo mulheres sem pudor em inventar histórias sobre si (56) , colocando-se numa posição de subserviência e escravidão perante a vida dos clubes noturnos sendo o seu único objetivo, subtrair alguma soma ao homem que frequenta estas casas, apresentado como pessoa 51 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 17 Abril 1923, p.17 52 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 19 de Novembro de 1923, p. 19 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 27 de Março de 1925, p. 4 54 Vaz. C. (2008). Clubes noturnos modernos em Lisboa: sociabilidade, diversão e transgressão (1917-1927). Lisboa: ISCTE – Departamento de História, existe uma análise considerável destas fontes literárias, optando, por isso, por nos concentrarmos em fontes ainda não trabalhadas 55 Faleiro. J. (1925). Aquela Loira do Monumental. Domingo Ilustrado, Ano 1 (16), 3 Maio 1925, p.7 53 56 Roldão, H. (1925). A «papillon» do Bristol Club. Domingo Ilustrado, Ano 1 (23), 21 Junho 1925, p.7 43 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma ingénua. Por vezes são igualmente apresentadas como mulheres inatingíveis (57) pelo homem menos abastado que tudo faz para obter a sua atenção – inclusive, jogando e perdendo as suas coordenadas morais (58). As figuras masculinas são frequentemente apresentadas com um certo grau de ingenuidade e bondade intrínseca ou paixão avassaladora Quando caídos em desgraça, é lugar-comum o suicídio (60) (59) por alguma destas jovens. como escapatória honrada aos seus erros. Algumas personagens femininas apresentam-se igualmente com um certo grau de inocência e ingenuidade, iniciando-se nos clubes e inevitavelmente, acabando em desgraça e viciadas: “Margarida viera parar ao Club. Na ancia do desconhecido, alimentando iluzões nas leituras nocivas e nos exemplos d’uma sociedade corrupta, uma noite deixou-se raptar, sentindo-se heroina de qualquer aventura banal que, no seu temperamento, tomava ares de grande caso e servia a sua maneira de ser, estupidamente educada. Oito dias de imprevistos e por fim, a historia de sempre. O raptor abandonando tudo e ela entregue á vida, a uma vida desconhecida e, no seu pensamento, cheia de belezas e coisas novas, de aventuras. Rolou de braços para braços, de taça para taça, de beijo para beijo, em pouco tempo, a vida desordenada, a vida onde não ha amanhã, tomou-a completamente, encheu-a de tedio e vicios, de paixões doentes, de miséria” (61) A associação entre papillon e prostituta torna-se tão recorrente como entre papillon e viciada em qualquer substância psicoativa, fosse cocaína, morfina ou champanhe. Um dos motivos apontados para a prostituição feminina nos anos 20 encontra-se no consumo de cocaína cujo elevado custo e rápida viciação, empurrava estas mulheres para a atividade, em particular nos clubes noturnos onde adquiriam o vício, onde podiam encontrar os seus traficantes e claro, os seus clientes – fosse numa mesa a beber champanhe ou numa mesa de jogo. 57 Adão (1919). Uma visita ao batota-club (cartas dum forasteiro). Riso da Vitória, Ano I (7), 30 Novembro 1919, p.3 58 Roldão, H. (1925). O Homem que se matou por ganhar ao jogo. Domingo Ilustrado, Ano 1 (27), 7 Junho 1925, p.7 59 Ferreira, R. (1925). O Suicida do café Royal. Domingo Ilustrado, Ano 1 (8), 8 Março 1925, pp. 6-7 60 As personagens masculinas de O Homem que se matou por ganhar ao jogo e de Aquela Loira do Monumental, põem termo à sua vida quando confrontados com a desgraça que se abate sobre eles, provocada direta ou indiretamente, pelas mulheres 61 Roldão, H. (1925). A loura da cocaína. Domingo Ilustrado, Ano 1 (28), 26 Julho 1925, p.6 44 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Figura 9 - Caricaturas sobre presença feminina nos clubes Mas mesmo na imprensa a imagem construída não é totalmente consensual relativamente à aparente sofisticação e mesmo beleza destas mulheres: “Em volta andam as «papillons» isto é, aquelas raparigas que começam em manucures, em coristas ou em creadas de fora e acabam em velhotas que fazem recados. Chamam-se simplesmente papillons o que quer dizer «Borboletas de Couve». Algumas foram mulheres a dias e agora são mulheres ás noites, e sem grande trabalho, a muitas ainda se vê a mancha de cloreto sob o verniz das unhas.” (62) Segundo a informação disponível, das prostitutas registadas em Lisboa em 1926, mais de 50% tinham sido costureiras e modistas, domésticas ou serviçais. Pode tratar-se de um reflexo da «invasão de sopeiras» que se dá nesta década por via de êxodo rural aliada às enormes dificuldades económicas que as classes mais baixas viviam neste período – apesar de explicações caricatas como as de Tovar de Lemos, em 1934: “As filhas das classes pobres, em geral, nascem taradas” (63) Em relação à origem das prostitutas em Lisboa - contrariando a ideia de que existiria um forte núcleo estrangeiro a operar na cidade - em 1928 somente 4% das matriculadas não eram portuguesas – 63 francesas, 41 brasileiras e espanholas, 2 polacas, 2 italianas e 1 americana – sendo portanto, a maior parte da mão-de-obra fornecida pela região Norte do país. Transgressão e Diversão Neste quadro é compreensível a associação entre transgressão e o clube noturno. Por um lado, a presença feminina dinamizaria o espaço noturno, seja pela mera presença de mulheres no espaço, seja pela animação que as artistas femininas protagonizam ou 62 Roldão, H. (1925). Crónica Alegre. Domingo Ilustrado, Ano 1 (1), 18 Janeiro 1925, p. 3 63 Lemos, T. (1934). O serviço de inspecções de Toleradas em 1933. Lisboa, pp.18-20, in, Pais, J. M. (1983). A Prostituição na Lisboa boémia dos inícios do século XX. Análise Social, vol. XIX (77-78-79), p. 949 45 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma mesmo, os serviços prestados pelas papillon nestes espaços. A boémia e mundanismo encontram-se no frequentar dos clubes noturnos como locais sofisticados e expoentes paradigmáticos de sociabilidades mundanas e ociosas. Por outro lado, o clube noturno revela-se como transgressor moral ao suportar a presença feminina: seja nos espetáculos ousados, nos couplets ou mesmo nos números eróticos – de acordo com Barros (1990) e Vaz (2008) -, passando pela prostituição, subsiste uma posição imoral perante a figura feminina. Ainda que muitas ou algumas mulheres nos anos 20 frequentem os clubes noturnos de forma sociável, aparentemente, a presença feminina dinamizadora e característica do clube noturno pressupõe um carácter de transgressão moral associada a volúpias extraconjugais, a erotização da figura feminina com uma forte carga sexual e a prostituição. Outra das ideias transgressoras associadas ao clube noturno, e à figura feminina, é a de promiscuidade sexual e o acentuar dos comportamentos sensuais e consequentemente, imorais. À figura feminina é dada uma conotação negativa, conforme revimos, mas ainda que não seja abertamente discutido nesta época, existem duas outras temáticas até agora muito pouco trabalhadas no nosso meio: a prostituição masculina (64) e os comportamentos homossexuais – em particular os femininos. Estes comportamentos em articulação com o carácter do clube noturno contribuem para a construção de uma imagem de transgressão moral ainda mais acentuada do que se relacionarmos somente a prostituição feminina com o clube noturno. A adoção de visuais andróginos nos anos 20 e a conquista de uma estética associada à masculina, poderiam não estar diretamente associados a comportamentos homossexuais femininos mas, conforme Marques (2004) nos informa, estes existiriam e emergem de certa forma nesta época. Por outro lado, na novela de o Repórter Mistério, as atitudes descritas num baile de Carnaval da alta sociedade em que dois jovens de uma classe social mais baixa se infiltram, coadunam-se com comportamentos sexuais desviantes nada discretos: “[…] Maria fazia sensação. Havia sorrisos de mulheres extranhamente cravados no seu colo fresco e alguns homens olhavam languidamente, lentamente a nobreza das suas linhas… […] José […] deu alguns passos deselegantes e num repelão arrancou Maria dum grupo que a cercára cobrindo-a de «confetti». Na escada desabafaram. - José, que indecentes! - Maria, que porcas! 64 Vaz (2008) refere a existência de papillons masculinos como a personagem de Gilinho em A Virgem do Bristol Club. Se por um lado a figura das papillon femininas se relaciona intimamente com a prostituição feminina, poder-se-ia supor que o mesmo sucede com os papillon masculinos. Se tivermos em conta o carácter efeminado de Gilinho, poderíamos estar perante uma singela referência à prostituição masculina homossexual. 46 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Antes no baile lá da «Sociedade». Ao menos ali cada «um» tem «uma», e a gente entende-se… Ao passo que aqui há uma grande «confusão», Deus me perdoe!” (65) Estas matérias carecem ainda de um estudo mais aprofundado no nosso meio científico contudo fornecem-nos pistas que permitem enriquecer a construção da imagem dos clubes noturnos lisboetas em termos de transgressão, boémia e diversão mundana. Este estudo não estaria contudo concluído, sem abordarmos uma última questão no próximo capítulo, e que se relaciona intimamente com as figuras femininas presentes nos clubes noturnos e o carácter transgressor destes: o consumo de cocaína. 65 Reporter Misterio (1926). A dama do «bal-de-fêtes». Domingo Ilustrado, Ano 1 (69), 9 Maio 1926, p. 6 47 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma 5. Consumos no espaço dos Clubes Alguns dos Serviços prestados nos clubes Abordar a temática dos consumos nos clubes noturnos lisboetas da década de 20, implica uma breve contextualização dos serviços prestados nestes mesmos estabelecimentos. Como vimos anteriormente, a maior parte destes estabelecimentos encontrava-se licenciado como restaurante sendo portanto este, um dos serviços prestados. Não nos foi possível aprofundar com grande detalhe qual a ementa disponível mas das fontes consultadas, Barros (1990) refere o bife com ovo a cavalo como um dos pratos de eleição de época, complementando este quadro com iguarias como petit patées, cogumelos ou maionese de lagosta à ceia - os relatos da época referem ainda o consumo de torradas ou bolos. Conforme Vaz (2008) refere, os clubes eram locais sofisticados, de ambiente elegante sendo portanto que os empregados ou «grooms» eram aparentemente muito educados e os cozinheiros reputados. Apesar de não encontrarmos referências a estes chefs, a ceia seria o ponto alto do serviço de restauração dos clubes noturnos, havendo anúncios na imprensa corrente: o Salão Alhambra anunciava o seu “magnífico serviço de restaurant” (66) com gabinetes privados e ceia a 20$00, o Bal-Tabarin anunciava ceia a “preços de concorrência” (67) ou “ceia com menús escolhidos” “esmerado serviço de gelados” (69) (68) , o Alster Pavillon, um enquanto o Bristol em 1920 anunciava a sua ceia a 1$00 e em 1925 a 10$00 – de acordo com Barros (1990). Alguma inconstância no funcionamento dos clubes noturnos devido às vagas de repressão antijogo, poderá ter ditado uma maior amplitude dos serviços prestados, em particular em termos de horário. Alguns clubes abriam durante o dia para servir almoços ou banquetes de homenagem a personalidades distintas, possivelmente dada a sumptuosidade das suas decorações - dentro destes estabelecimentos contavam-se o Maxim’s e o Monumental que servia igualmente jantares de homenagem, como o que se realizou a 11 de Abril de 1927 para o Duque de Lafões, Conde de Redondo e Vimioso e D. José de Bragança. 66 Diário de Lisboa, n.º 1220, 1 Abril 1925, p. 7 Diário de Lisboa, n.º 1293, 29 Junho 1925, p. 2 68 Diário de Lisboa, n.º 1281, 15 Junho 1925, p. 2 69 Diário de Lisboa, n.º 1292, 27 Junho 1925, p. 5 67 48 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Figura 10 - Menu do jantar de homenagem que decorreu no Monumental a 11 Abril 1927 A par com o serviço de restaurante, aparentemente mais orientado para servir ceias, existia ainda o serviço de bar. O champanhe (Cf. Anexo 5) era obviamente o ex-libris da época sendo considerado o expoente máximo de cosmopolitismo especialmente, em horário noturno. Contudo, e apesar de surgir representado na iconografia da época, a literatura critica a falta de sofisticação portuguesa relatando que se consumia vulgarmente cerveja, café, limonada e chá (Vaz 2008). Para além do champanhe, os cocktails parecem introduzir uma outra nota de sofisticação aos serviços de bar dos clubes noturnos, a par com as bebidas destiladas e licorosas. Assim sendo, nos clubes noturnos podia-se ainda consumir uma variada lista de cocktails como o duphy (70), grace’s delight (71), cup, Jamaica cup, cannon punch (72); existiam ainda licores variados sendo o Vermouth, Pernod, Absinto e Peppermint muito populares para além do cognac, whisky, vinho do Porto ou vinho de Colares. Sobre o baile do Turf Club em 1927 por altura do Carnaval, sabe-se que se consumiram 50 litros de cup, “uma espécie de salada de frutas com champanhe ou vinho 70 Cocktail executado com brandy de pêssego, creme de menta e curaçau branco Cocktail executado com vermute extra seco, brandy de framboesa, canela, água de flor de laranjeira e frutos silvestres 72 Os três últimos seriam variantes diferentes de ponche 49 71 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma branco” (73) , atestando assim a sua popularidade. Na novela de Henrique Roldão a jovem papillon aceita uma bebida oferecida por um cliente: “Só se for um «pipermin» com Agua Castelo! Faz tanto calor! Estou cançada! A dança dá cabo de mim!” (74) ; Helena, a personagem feminina da novela de João Faleiro preferia bebidas mais sofisticadas: “- Ai! Depressa! Deem-me uma taça de «Champagne», senão morro de sede! – e, num gesto decidido sorveu de um golo o líquido espumante, que enchia o cristal de pequeninas bolas luzidias.” (75) O consumo excessivo ou crónico de álcool e suas consequências sociais em Portugal encontra-se ainda pouco aprofundado em termos de investigação científica, em particular nesta época. As imagens que a impressa nos transmite, permite-nos ponderar a presença do consumo crónico como generalizada na sociedade, presente em ambos os sexos mas mais comum nas classes de baixa extração económica (Cf. Anexo 5) e assente no vinho. O consumo de bebidas estrangeiras parece alicerçar-se de forma sólida nos anos 20 conforme a capa do Domingo Ilustrado (76) de 1925 informa, sendo a sua popularidade significativa na época. O consumo de tabaco vulgarizou-se entre géneros nesta época portanto era comum nestes espaços a venda de tabaco e consequentemente, o seu consumo, havendo clubes com salas de fumo ou fumoirs. As mulheres fumavam por longas boquilhas e marcas criadas especialmente para o sexo feminino sendo o tabaco egípcio muito popular. O dancing ou ring a par com a jazz band era outro dos serviços prestados. A influência das novas modas e consequentemente das novas sonoridades foi verdadeiramente contagiante nesta década, conforme temos vindo a rever. Ainda que não se destaquem particularmente quem constituía estas bandas ou mesmo os seus nomes, existe uma personagem do mundanismo noturno dos clubes frequentemente destacado na literatura consultada – o Oliveira. Pela singularidade e carácter de exceção perante os restantes casos, optámos por destacá-lo como um das individualidades que se enquadram nos agentes de prestação de serviços. Desta forma, o Oliveira era o violinista do Bristol Club e chegou a fazer capa da revista ABC (77) com desenho de Jorge Barradas, durante o ano em que a revista promoveu o clube noturno. Descrito nas novelas do Domingo Ilustrado: - “O Oliveira, violinistaacrobata, não descançava um momento, sempre alegre, fazendo rir o violino nos «fox-trots» 73 Castro, P. J. (2011). Os anos mais loucos da alta sociedade em Portugal. Sábado, 9 Outubro 2011 Roldão, H. (1925). A «papillon» do Bristol Club. Domingo Ilustrado, Ano 1(23), 21 Junho 1925, p. 7 75 Faleiro, J. (1925). Aquela loira do Monumental. Domingo Ilustrado. Ano 1(16), 3 Maio 1925, p. 8 76 Domingo Ilustrado, Ano 1 (17), 10 Maio 1925 77 Capa da ABC de 14 Julho 1927, com o título “O violinista do Bristol Club” 74 50 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma nervosos e nos maxixes delirantes” (78) – ou enquadrado como mera personagem secundária, mas real, e de forma intimista – “E, enquanto o Oliveira gemia no violino o tango fatalista (…)” (79) – o violinista é uma referência constante nos cenários construídos em redor do Bristol Club, assumindo-se como icónico e mesmo representativo do clube noturno. Consumos transgressivos: cocaína Contudo, estes serviços e consumos enquadram-se num espectro de sociabilidade mundana característica deste período já que, isoladamente ou em conjunto, existem noutro tipo de estabelecimentos e em outros contextos. O carácter boémio e sobretudo transgressor dos clubes noturnos estaria associado a outro tipo de consumos em particular, de substâncias psicoativas ilícitas, em particular, o consumo de “cocaína, geralmente inalada, ou outras drogas, como o éter, a morfina ou o ópio” (Mattoso 2011:p. 337). A heroína seria consumida com pequeno impacto, o ópio (80) e a morfina – “- Agora perdi todas as esperanças! Esfumou-se o sonho… Esgotou-se a morfina…” (81) – permaneciam na moda e a grande novidade seria a cocaína. A entrada da cocaína nos circuitos de consumo liga-se ao final da guerra e com as novas vivências potenciadas no pós-guerra (82) como uma certa euforia em viver, o que associada às novas danças e sonoridades e ao aparecimento dos clubes noturnos, potenciou território para o seu consumo generalizado. Os clubes noturnos neste espectro, apresentam-se como os locais de iniciação, tráfico e consumo sociável, sendo inclusivamente apontados como os locais de entrada da cocaína em Portugal. Reinaldo Ferreira, o conhecido Repórter X, aponta a entrada da substância em Portugal através de uma francesa chamada Charlotte e que mais tarde seria conhecida somente por Dista, no Palace Club, onde distribuía a droga pelas papillon ingénuas que rapidamente se viciavam nas pastilhas de cocaína. Não se pode apontar com certezas absolutas a veracidade do relato mas seria aconselhável a considerá-lo como uma alegoria ou um mito através do qual se constrói uma imagem de que a substância é introduzida nos meios mundanos lisboetas por uma mulher – algo bíblico – estrangeira e utilizando os clubes noturnos como palco da ação – pelo seu carácter mundano, algo boémio e sobretudo, transgressor. 78 Serra, L. da (1925). O misterioso chinez do Bristol Club. Domingo Ilustrado, Ano 1(39), 11 Outubro 1925, p.7 Roldão, H. (1925). A «papillon» do Bristol Club. Domingo Ilustrado, Ano 1(23), 21 Junho 1925, p. 7 80 O Detective 523 (1926). As colheres de prata. Domingo Ilustrado, Ano 2 (6), 14 Março 1926, p. 6, o aristocrata tinha o seu criado a vender as suas colheres de prata para comprar droga, especificamente, ópio 81 Ferreira, R. (1925). O Suicida do café Royal. Domingo Ilustrado, Ano 1 (8), 8 Março 1925, p.6 82 Repórter X (1926). Existem… «fumeries» de ópio em Lisboa?. ABC, 5 Agosto 1926, p.3 51 79 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Contudo, a popularidade que a substância alcançou nos anos 20 não é contestável a julgar pela profusão de artigos publicados na imprensa (83) dedicados à cocaína, «coca», «côcô», «neve» ou «Fada Branca», fazendo mesmo capa no Domingo Ilustrado (84) (Cf. Anexo 5). O consumo da cocaína era associado a alucinações bizarras e comportamentos desviantes, sendo que o consumo produzia um rápido efeito de viciação iniciando um processo de destruição inevitável. Os consumidores eram descritos como pessoas magras e muito pálidas, envelhecidos, de pupilas dilatadas e narinas sempre a procurar inalar, entrando em estado de histeria quando consumiam por oposição à irritação e nervosismo que a falta do produto lhes causava. O consumo é aparentemente transversal a ambos os géneros e grupos sociais – na extracção social mais elevada - mas o elevado custo do vício permite circunscrever a assiduidade do consumo a classes sociais mais abastadas e artistas dramáticos. De modo geral, o consumo é associado ao sexo feminino, muito jovem, inscrito no circuito dos clubes noturnos e portanto, de uma certa ociosidade e mundanismo, em particular, atrizes e papillons. No relato do Detective 523 publicado no Domingo Ilustrado (85) , o consumo de cocaína liga-se quase exclusivamente ao sexo feminino - apesar de o autor referir que alguns homens na casa dos vinte e cinco anos também consumiam – sendo as protagonistas identificáveis nas mesas dos clubes noturnos, com referências claras ao Monumental, Mayer, Bristol e Club dos Patos. A história prossegue, enquadrando o custo da cocaína nos 40 mil réis por duas gramas enquanto a ampola de morfina se situa nos 15 mil réis – acusando a reputação também desta substância – e enquadrando a proveniência da cocaína de Tanger. O mesmo autor, noutro relato, enquadra o consumo junto da alta sociedade: “Parei em frente de uma porta escondida sob um reposteiro negro, onde um brazão me lembrou logo o nome de Sua Alteza… […] Era uma sala grande, ricamente decorada. No chão inúmeras almofadas caríssimas. Em pequenos bancos, brilhavam alvíssimas taças de champagne. […] Ao centro da sala, o poeta Z, muito conhecidos pelas suas excentricidades, recitava e a um canto, a madame Q. […] conversava com o engenheiro X. Escutando o poeta […], a Viscondessa B. levava de quando em quando uma taça aos lábios. 83 A título de exemplo, a revista ABC publicou vários artigos sobre o assunto: Z. (1926). Cocaína. ABC, 4 Novembro 1926; Malefícios da Fada Branca (n. d.). ABC, 26 Maio 1927; Visões da cocaína (n. d.). ABC, 9 Junho 1927; A cocaína e os seus actores (n.d.). ABC, 2 Junho 1927 84 Domingo Ilustrado, Ano 2 (96), 14 Novembro 1926 85 O Detective 523 (1926). O vendedor de venenos. Domingo Ilustrado, Ano 2 (54), 24 Janeiro 1926, p.6 52 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Algumas «cocotes» conhecidíssimas e rapazes do «Chiado», completavam a scena.” (86) O alto preço e rápida viciação conduziam os seus consumidores a todas as ações, por mais inimagináveis que fossem, para adquirir as somas necessárias contribuindo para a construção da imagem de destituição de princípios morais dos mesmos. Sendo a maioria dos consumidores do sexo feminino, o incremento da prostituição de luxo na década de 20 surge associado ao consumo de cocaína – o que como revimos já poderá não corresponder factualmente uma vez que a cocaína ao ser introduzida nos clubes noturnos junto das papillon, não contribui necessariamente para a iniciação na prática da prostituição dado que estas jovens poderiam ser já prostitutas – para além de outras ações negativas: “Mas muitas vezes não tinha dinheiro e então recorria a tudo, aos penhoristas, pedia emprestado, contraia dividas absurdas, muitas vezes era o dinheiro da pensão que voava na compra do funesto vicio. […] O seu cuidado, a sua constante obceção era arranjar dinheiro! Tão pouco! Vinte mil reis! Mas ás vezes custava tanto a arranjar! E depois correndo como doida ia para a porta do «Suisso» esperar o traficante que lhe explorava o vicio […] Ás vezes, chegava a ter ataques de nervosismo, quando não arranjava os vinte mil reis. Desceu ás ultimas baixezas para os conseguir, tornou-se capaz de tudo por uma miserável nota de vinte mil reis.” (87) Ao contrário de alguns países europeus em que o consumo de cocaína veio a constituir um problema de repercussões magnas, em Portugal instituiu-se uma ameaça problemática com maior incidência na cidade do Porto – por se encontrar nas rotas de tráfico espanholas, de acordo com Mattoso (2011). A visibilidade dos consumos levou à aprovação do Decreto-Lei n.º 1687 de 6 Agosto de 1923 e Decreto-Lei n.º 10375 de 9 Dezembro 1924, regulamentando a importação, armazenamento, comércio e prescrição médica de estupefacientes; o Decreto n.º 12210, de 24 de Agosto adotava as estipulações do protocolo da Convenção do Ópio (Genebra, 1924) ao restringir as importações do ópio e derivados (morfina e heroína), da cocaína e dos preparados de cânhamo índio, agravando as penas para a posse, compra ou venda destes produtos sem autorização legal; e o Decreto n.º 14684 de 8 Dezembro de 1927, regulamentando a venda destes produtos nas farmácias com fins terapêuticos (88). Contudo, o contrabando e os canais ilícitos de venda permaneciam instalados e novamente, à semelhança da repressão antijogo, o papel e ação da polícia é criticado. 86 O Detective 523 (1926). O príncipe da cocaína. Domingo Ilustrado, Ano 2 (56), 7 Fevereiro 1926, p. 7 87 Roldão, H. (1925). A loura da cocaína. Domingo Ilustrado, Ano 1 (28), 26 Julho 1925, p.6 Sobre a legislação de estupefacientes e breve contextualização histórica: Poiares, C. A. (1998) Análise Psicocriminal das Drogas. O discurso do legislador. Porto: Almeida & Leitão Lda. 53 88 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Barros (1990) refere que a polícia chegou a afixar em 1926, os nomes dos consumidores à porta dos clubes noturnos com o objetivo de proibir a sua entrada, medida que não surtiu qualquer efeito. Inegável é a associação que se mantêm entre o consumo de estupefacientes ou substâncias psicoativas e os clubes noturnos. Independentemente de serem substâncias legais ou ilícitas, o clube noturno apresenta-se como palco privilegiado para os excessos boémios da vida moderna e cosmopolita, atraindo uma clientela jovem e despreocupada, ansiosa por experiências vertiginosas e modernas. O carácter mundano e a sociabilidade promovida pela partilha dos vícios enquanto poderosos estimulantes contribuem para o carácter transgressor – legal e moral – dos clubes noturnos enquanto simultaneamente, se constrói um quadro de diversão noturna pautada pelo consumo boémio e por vezes, fatal. 54 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Conclusões A década de 20 em Lisboa foi vivida de forma intensa nos seus aspetos mundanos de sociabilidade informal, numa cidade que carecia ainda de desenvolvimento urbano, social e económico. O clube noturno lisboeta simboliza de forma icónica as vivências desta época ao conciliar inúmeros aspetos de mundanismo, cosmopolitismo e transgressão numa boémia característica. A alteração dos códigos sociais influenciada de forma permeável pelas novas modas e desenvolvimentos europeus a par com hábitos já subsistentes na sociedade lisboeta, elevam o clube noturno a paradigma. Aliando a atividade de casino a inúmeros outros serviços como o de restaurante, sala de leitura, sala de fumo, barbearia, dancing e sala de espetáculos, o clube noturno sobressai na paisagem mundana urbana provocando as mais variadas impressões na vida quotidiana e nos calendários sociais. Apesar de se distanciar dos seus pares europeus na medida em que o espetáculo de cabaret ou a crítica social não alcançam patamares inovadores – existindo ainda uma fixação dos espetáculos prediletos no Oitocentos, como as bailarinas espanholas - não se pode ignorar o clube noturno como marco de referência e mesmo, base de investigação sobre os mais variados temas dentro das áreas de História, História da Arte ou Sociologia. Partindo do clube noturno como foi propósito deste trabalho, avançou-se para os jogos de fortuna e azar, a questão da emancipação feminina nos anos 20, a prostituição em Lisboa e o consumo de substâncias como a cocaína e o álcool. A construção da imagem dos clubes pela imprensa mundana e literatura contribuiu para compreender a sua importância na sociedade lisboeta ainda que por vezes os relatos sejam díspares, alegóricos, metafóricos ou alegadamente reais. Contudo, o clube noturno relaciona-se de forma clara com o mundanismo lisboeta, tornando-se uma forma de sociabilidade informal que agrega num mesmo espaço, diferentes frequentadores com diferentes expetativas. De modo geral, dentro dessas diferentes expetativas, o carácter transgressivo é comum. Seja moral – no caso do jogador ou da prostituta – ou legal – consumo de cocaína, prática do jogo de casino – ou dos códigos sociais do início do século – emancipação feminina e das modas – a transgressão encontra-se subjacente à personalidade do clube noturno, contribuindo de forma inequívoca para o seu carácter boémio. A observação destes assuntos à luz do clube noturno propiciou uma abordagem inicial de temáticas mais complexas, algumas carecendo ainda de aprofundamento teórico e científico no nosso meio. As questões da homossexualidade feminina, da prostituição de 55 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma luxo ou de 1ª classe em Lisboa, o impacto real dos consumos crónicos de álcool ou mesmo do consumo ilícito da cocaína permanecem por aprofundar. De igual modo, a rápida transição da sociedade da década de 10 para a década de 20, ainda que contagiada pelo cinema, as modas europeias e a fruição característica do pós-guerra, inverte o seu sentido revolucionário com o Estado Novo. A forma como se transitou então de uma realidade de alegada decadência moral para um quadro de rígidos códigos morais e sociais permanece ainda por esclarecer nos aspetos do mundanismo social e diversão noturna. Com este trabalho procurou-se um breve enquadramento da importância do clube noturno nos anos 20 em Lisboa nos seus três mais significativos vértices: jogos de fortuna e azar, presença feminina, consumos e serviços prestados nos clubes noturnos. Apesar de existir investigação nesta área, o objetivo foi aprofundar de forma transversal os aspetos que relacionam boémia, diversão e transgressão no contexto do clube noturno e portanto, nos seus vértices. Os jogos de fortuna e azar encontravam-se de certa forma enraizados como paixão ou vício, no mundanismo sociável ou transgressivo lisboeta – desde as salas de batota clandestinas ao Jogo da Glória entre senhoras de sociedade nos salões de chá. De forma camuflada ou abertamente, em Lisboa onde se residia ou nas estâncias de veraneio onde se descansava, jogava-se. Os clubes noturnos iniciam a sua atividade como casinos, sem dúvida, granjeando francas críticas da Câmara dos Deputados e da imprensa mas progressivamente começam a variar os seus serviços. Por necessidade de diluir a importância do jogo nos seus rendimentos ou por acompanhar as novas modas, os clubes noturnos são também restaurantes, dancings, music-halls, salas de concerto. Existindo em maior número em 1920, aparenta contudo ser entre 1925 e 1927 que atingem o ponto alto da sua reputação, publicitando-se abertamente na imprensa mundana, sendo alvo de inúmeros artigos, reportagens, novelas e obras literárias – os clubes noturnos tornam-se paradigmáticos na construção de uma imagem de cabaret, local de jogo requintado ou não, perda de fortunas, vidas e condutas. Porque nos clubes noturnos bebia-se champanhe e cocktails, desfrutava-se de um cigarro na companhia de amigos, rodeados por belas mulheres, as papillon – quer fossem realmente prostitutas ou somente uma companhia feminina – povoava-se a imaginação da pequena e média burguesia com estes relatos e outros de comportamentos marginais institucionalizados por consumos ilícitos como o da Fada Branca. Advertindo sobre os perigos da morfina, cocaína e ópio, as novelas nas imprensas mundanas pintam invariavelmente um quadro que oscila entre a personagem feminina 56 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma ingénua e presa nas malhas de uma vida desregrada e boémia nos clubes noturnos; ou de uma mulher fria, calculista e frívola que usa e abusa do seu poder sensual para induzir inocentes homens nas suas teias. A veracidade destas imagens é sempre difícil de aferir dado o carácter novelístico dos escritos mas em cada uma deverá existir um traço de realidade. Estas novelas, os anúncios e artigos na imprensa mundana permitem reconstruir uma época particular. O próprio estudo dessas fontes não como tal mas sim como objeto de estudo principal carece ainda de substância – dos artigos, às ilustrações, ao papel dos agentes envolvidos e as relações intersticiais entre si formuladas. Os constrangimentos temporais e de acesso a alguns arquivos e fontes condicionaram o desenvolvimento deste estudo no qual se procurava ainda um breve olhar sobre as décadas subsequentes e as políticas do Estado Novo – infelizmente, não foi possível mas estão lançadas as bases. 57 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Bibliografia consultada A. 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Volume 8, Lisboa Quimera, p. 75; idem, p. 88 (Figura 1) Ilustração. 1º ano, n.º 1, 1 Janeiro 1926, p. 16 (Figura 2) Stuart Carvalhais: Ilustração Portugueza, II Série, n.º 770, Lisboa, 22 Novembro 1920, pp. 324-325 (Figura 3) O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º 34, Lisboa, 6 Setembro 1925, p. 10 e p. 5, respetivamente (Figura 4) 60 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Stuart de Carvalhais: Riso da Vitória, Ano I, n.º 5, Lisboa, 15 Outubro 1919, capa; Jorge Barradas: Riso da Vitória, Ano 1, n.º 7, Lisboa, 15 Janeiro 1920, pp. 4-5 (Figura 5) Notícias Ilustrado, Ano I, série 2, n.º 36, Lisboa, 17 Fevereiro 1929, p.20 (Figura 6) Jorge Barradas: Riso da Vitória, Ano I, n.º 1, Lisboa, 15 Agosto 1919, p. 4; Riso da Vitória, Ano I, n.º 3, Lisboa, 15 Setembro, capa, respetivamente (Figura 7) Jorge Barradas: 31 Março 1927, 9 Junho 1927 e 30 Junho 1927 (Figura 8) Riso da Vitória, Ano 1, n.º 9, 30 Janeiro 1920, p. 8; Riso da Vitória, Ano 1, n.º 7, 15 Janeiro 1920, p. 3 (Figura 9) Dias, M. T. (2003). Lisboa Desaparecida. Volume 8, Lisboa Quimera, p. 89 (Figura 10) E. Fontes Eletrónicas Guinote, P. (2010). A prostituição - http://lagosdarepublica.wikidot.com/aprostituicao Diário da Câmara de Deputados - http://debates.parlamento.pt/ Hemeroteca Digital - http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt Arquivo Municipal de Lisboa, núcleo Fotográfico - http://arquivomunicipal.cmlisboa.pt/ 61 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Cronograma do trabalho Fevereiro 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Total Março 6 5 8 8 6 6 6 5 8 8 6 6 6 5 8 6 6 6 5 8 8 6 6 90 8 6 6 6 5 8 8 6 6 6 5 8 Abril Maio 8 6 6 6 5 8 8 6 6 6 5 8 8 6 6 6 5 8 8 8 8 6 6 6 5 8 6 5 8 175 160 8 8 8 5 8 8 6 6 6 5 8 8 6 6 6 5 8 Junho 5 8 8 5 5 5 5 5 8 8 8 5 8 6 6 6 5 8 8 6 6 6 172 75 672 Feriados Investigação, estudo, bibliografia - 217h Síntese crítica da bibliografia - 48h Redação capítulos - 326h Alterações e revisões finais - 81h 62 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma APÊNDICES 63 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Apêndice 1 – quadro sinóptico Nome Início Fim Morada Publicidade/Notícias na imprensa mundana Licenças Pagas ao G.C. - 1920 (escudos) 4 Sim 4000 Sim 1000 Clube dos Patos Club Majestic Monumental Club Anterior 1913 1,2 c.1927-1928 1,2 Prç. dos Restauradores n.º 30; desde 1916 no n.º43 Largo do Picadeiro n.º10 1917 1920 1,2 1920 1928 1,2 R. Eugénio dos Santos, n.º58 Sim 3000 Bristol Club 1918 1,2 1928 1 R. Jardim do Regedor, n.º7 Sim 1000 1920 1,2 R. Eugénio dos Santos, n.º8991 Não 3000 1920 1924 1927 1,2 R. Salitre, n.º1 Não Club dos Restauradores ou Maxim’s Palace Club c.1908 1 19151916 (1917) 1933 1 3 Club Mayer Avenida Parque 1918 1921 1923 1926 1,2 Olímpia Club 1920 1,2 Depois 1930 1,2 Petit Foz Ritz Club 1920 1921 1,2 1921 1929 1,2 Alster Pavillion 1925 3 Desconhecido Regaleira Club c.1920 1 1923 1 R. Condes n.º9, desde 1926, n.º27 1º Prç. Restauradores, n.º27 R. do Ferregial, n.º38-40 Largo S. Domingos 1415 Raras 200 Não 200 1500 Sim Não 1500 Club Montanha ou R. da Glória, 1920 1 1928 1,2 Sim 200 Bal-Tabarin n.º57 Montanha Salão Desconhecido Parque Mayer Sim 1925 3 Alhambra 1 – fonte: Vaz (2008) 2 – fonte: Barros (1990) 3- em funcionamento nesta data 4 – fonte: Vaquinhas (2006) 64 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma ANEXOS 65 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Anexo 1: Recortes de Imprensa Capas de O Domingo Ilustrado onde se ilustra a mundanidade lisboeta: as compras no Chiado (O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º 50, Lisboa, 27 Dezembro 1925), o chá das 5h na Garrett (O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º 14, Lisboa, 19 Abril 1925), animado pela sua jazz-band; e na Trindade, a chegada de uma novíssima jazz-band (O Domingo Ilustrado, Ano II, n.º 68, Lisboa, 2 Maio 1926) Anúncios na imprensa do Bal-Tabarin (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1294, 29 Junho 1925, p.2) e Alster-Pavillon (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1292, 27 Junho 1925, p.5), autointitulando-se de cabarets Anúncios na imprensa do Salão Alhambra, autointitulando-se de cabaret-dancing (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1221, 1 Abril 1925, p.3 e 5) 66 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Cartazes de Teatros publicados na imprensa onde surgem o Bal-Tabarin e o Salão Alhambra (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º1282, 16 Junho 1925, p.2; Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1222, 2 Abril 1925, p.2) Anúncios na imprensa aos espetáculos e artistas do Bal-Tabarin, Alster Pavillon e Salão Alhambra (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1270, 1 Junho 1925, p. 4; Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1271, 2 Junho 1925, p. 4; Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1294, 30 Junho 1925, p. 2; Diário de Lisboa, Ano 4, 15 Junho 1925, p.2; Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1281, 15 Junho 1925, p. 3; Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1221, 1 Abril 1925, p. 2 e p.5) Anúncios na imprensa ao Salão Alhambra e Bristol Club (O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º50, 27 Dezembro 1925, p. 19; O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º35, 13 Setembro 1925; O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º36, 20 Setembro 1925) 67 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Anúncios na imprensa ao Maxim’s (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º1294, 30 Junho 1925 p. 8), Alster Pavillon e Bristol Club (O Domingo Ilustrado, Ano 1, n.º 40, 18 Outubro 1925, p. 11) Capas de O Domingo Ilustrado, referindo um assalto aos clubes (O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º 7, 1 Março 1925) um ataque na Legião Vermelha à porta do Bristol (O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º 15, Lisboa, 26 Abril 1925) e um homicídio misterioso no Clube dos Patos (O Domingo Ilustrado, Ano II, n.º 59, Lisboa, 28 Fevereiro 1926) 68 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Anexo 2: Sobre os Clubes Fim Classificação estabelecimento 1918 R. Jardim do Regedor, n.º7 1927 restaurante 1917 R. 1º Dezembro, n.º59 1922 desconhecida 1927-28 restaurante 1922 desconhecida Início Bristol Club Club Internacion al Club dos Patos Anterior 1913 Regaleira 1921 Club Maxim’s Anterior 1913 Club Magestic Olimpia Club Palace Club 1917 Salão Alhambra Club Montanha Club das Avenidas Club Rato Club Moderno Palais Royal Monumental em 1920 1920 Ritz-Club em 1921 1918 fim 1920 Largo do Picadeiro, n.º 10 Largo de S. Domingos 14-15 Prç. Restauradores n.º30 R. Eugénio dos Santos, n.º58 R. Condes, n.º9 1917 Petite Foz Club Mayer Mudança nome Morada Nome Club Av. Parque 192324 R. Eugénio dos Santos 89-91 Prç. dos Restauradores, n.º27 Depois 1930 1928 Depois 1930 1920 1929 R. Salitre, n.º1 1926-27 1925-25 Parque Mayer Desconhecido 1923 R. Glória, n.º57 1928 19261927 Av. República, nº46 Depois 1920 1920 Prç. Brasil Desconhecido 1920 Av. Almirante Reis, n.º103 1927 1920 R. do Mundo 1923 restaurante restaurante restaurante desconhecida desconhecida desconhecida restaurante restaurante desconhecida desconhecida desconhecida Quadro sinóptico sobre os clubes noturnos; Fonte: Barros, J. (1990) 69 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Nome Club Maxim’s Clube dos Patos Início Fim c. 1908 1933 Anterior c. 1927/28 1913 Club Internacional 1917 1922 Palace Club 1917 1920 Club Magestic 1917 1920 Monumental Club 1920 1928 Bristol Club 1918 1928 Clube Mayer 1918 1920 Avenida Parque 1921 (?) 1923 1924 1926 1927 Olímpia Club 1920 Depois 1930 Ritz Club 1920 1929 Palais Royal 1920 1923 Regaleira Club 1920 (?) 1923 Club Montanha 1920 1928 Salão Alhambra 1925 Desconhecido Quadro sinóptico sobre os clubes noturnos; Fonte: Vaz, C. (2008) Postais e imagens dos interiores do Palace Club, escadaria nobre do Maxim’s e escadaria do Monumental (Dias, M. T. (2003). Lisboa Desaparecida. Volume 8, Lisboa Quimera, p. 93, 84 e 89) Imagens do Palácio Foz: entrada da pastelaria Foz, do animatógrafo Salão Central e vista geral da fachada do Palácio (Arquivo Municipal de Lisboa) 70 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Imagens do Palácio Foz após incêndio de 1929 (Arquivo Municipal de Lisboa) Imagens do Palácio Mayer, Palácio da Regaleira e Palácio Alverca (Arquivo Municipal de Lisboa) Bilhetes de Identidade de acesso ao Avenida Palace Club e ao Club dos Restauradores ou Maxim’s (Dias, M. T. (2003). Lisboa Desaparecida. Volume 8, Lisboa Quimera, p. 84 e 85) Anúncio de Reabertura do Maxim’s (Diário de Lisboa, Ano 4, n.º 1221, 1 Abril 1925, p. 8) 71 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Anexo 3: O Jogo Máquina de alavanca em 1922 e moedas utilizadas no Regaleira Club e no Maxim’s para jogar (Dias, M. T. (2003). Lisboa Desaparecida. Volume 8, Lisboa Quimera, p. 88 e 89) Caricaturas parodiando o jogo no início do ano de 1920 (Riso da Vitória, Ano 1, n.º8, 15 Janeiro 1920, p. 1; O Século Cómico, Ano XXII, n.º 1146, 1 Dezembro 1919, p. 17) 72 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Anexo 4: A Figura Feminina Caricatura parodiando as novas modas (O Século Cómico, Ano XXII, n.º 1146, 1 Dezembro 1919, p. 20) e fotografia sobre os novos cortes de cabelo (O Domingo Ilustrado, Ano 2, n.º 69, 9 Maio 1926, p. 10) 73 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História MANUEL DOMINGOS DE MOURA TEIXEIRA – Mundanismo, Transgressão e Boémia em Lisboa dos anos 20: o Clube Noturno como paradigma Anexo 5: Consumos Caricaturas parodiando o consumo crónico de álcool (Riso da Vitoria, Ano 1, n.º6, 15 Novembro 1919, p. 8; O Domingo Ilustrado, Ano 1, n.º 4, 8 Fevereiro 1925, p. 2) Capas de O Domingo Ilustrado aludindo ao consumo de álcool estrangeiro (O Domingo Ilustrado, Ano I, n.º 17, Lisboa, 10 Maio 1925) e cocaína (O Domingo Ilustrado, Ano II, n.º 96, Lisboa, 14 Novembro 1926) 74 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de História