Mordida aberta anterior: A influência dos hábitos deletérios no

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Mordida aberta anterior: A influência dos hábitos deletérios no
682
Orthodontic Science and Practice. 2011; 4(15).
Mordida aberta anterior: A influência dos hábitos
deletérios no crescimento facial e na oclusão dentária –
Relato de caso clínico
Anterior open bite: the influence of oral habits in facial growth and in
dental occlusion – A case report
Imara de Almeida Castro Morosini1
Ricardo Moresca2
Ana Paula Lazzari Marques Peron3
Alexandre Moro4
Nícia Jansen Pereira5
Juliane Rawlyck Lopes6
Resumo
Abstract
A mordida aberta anterior (MAA), definida como
o trespasse vertical negativo entre as bordas incisais dos dentes ântero-superiores e inferiores,
é considerada uma das más-oclusões com maior
comprometimento estético-funcional, além de
gerar alterações dentárias e esqueléticas significantes. O objetivo deste trabalho foi discutir os
aspectos de interesse no diagnóstico e tratamento da MAA e descrever um caso clínico utilizando a associação entre o controle do crescimento maxilar e a grade lingual. Um menino de 9
anos e 8 meses de idade procurou tratamento
apresentando MAA associada a uma face hiperdivergente, mordida cruzada posterior e retrognatismo mandibular, com o histórico de sucção
de chupeta até os 8 anos de idade. Inicialmente
foi proposta a expansão rápida da maxila com
o aparelho de Haas, seguida pelo controle do
crescimento maxilar com o uso do AEB de tração
alta associado à grade lingual. O tratamento foi
finalizado com êxito e, ao final do período de 18
meses, observou-se a correção da MAA com melhora na relação vertical e sagital entre a maxila
e a mandíbula, na estética facial e nas características oclusais.
Descritores: Desenvolvimento maxilofacial, Máoclusão, Mordida aberta anterior.
Anterior open bite, generally referred as
negative overbite between upper and lower
dental arches, is one of the most compromising malocclusion from the esthetic and
functional point of view and can generate
significant skeletal and dental discrepancies.
The objective of this work was to discuss aspects of interests in anterior open bite treatment and diagnosis and to describe a case
in which an association of maxillary growth
control and lingual crib was used. A boy of 9
years and 8 months old looked for treatment
showing anterior open bite, hyperdivergent
pattern, posterior crossbite and mandibular
retrognathism, with history of pacifier suction until 8 years old. Firstly maxillary rapid
expansion was performed with Haas appliance following maxillary growth control
with high pull headgear in association with
lingual crib. The treatment was successfully
finished and, after 18 months, anterior open
bite was corrected, it was observed an important improvement in maxilo-mandibular
vertical and sagital relationship, in facial esthetics and occlusion.
Descriptors: Maxillofacial Development,
Malocclusion, Anterior Open Bite.
1
Especialista em Ortodontia UFPR; Mestre em Odontologia UFPR, Professora do Curso de Especialização em Ortodontia da Universidade Positivo.
Especialista, Mestre e Doutor em Ortodontia – FO USP. Professor Adjunto da UFPR e Professor Titular da Universidade Positivo.
3
Especialista em Ortodontia UFPR; Mestranda em Ortodontia PUC - PR, Professora do Curso de Especialização em Ortodontia Universidade Positivo.
4
Mestre e Doutor em Ortodontia – FOB USP. Professor Associado da UFPR e Professor Titular da Universidade Positivo.
5
Especialista em Ortodontia pela Universidade Positivo.
6
Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Odontologia Clínica da Universidade Positivo
2
Correspondência com o autor: [email protected]
Recebido para publicação: 27/07/11
Aceito para publicação:03/08/11
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Introdução e revisão da literatura
As discrepâncias verticais vêm recebendo cada
vez mais atenção dos ortodontistas, tanto pelas dificuldades relacionadas ao seu tratamento quanto
pela incerteza de seu prognóstico, que depende
da etiologia e da severidade da má-oclusão1, 2, 3,
4, 5, 6
.
A mordida aberta anterior (MAA), definida
como o trespasse vertical negativo entre as bordas
incisais dos dentes ântero-superiores e inferiores,
é considerada uma das más-oclusões com maior
comprometimento estético-funcional7, 8, 9, 10, 11, 12,
13
resultante da interação de fatores hereditários
e ambientais durante o desenvolvimento facial 1,
3, 4, 13, 14
.
O diagnóstico da MAA envolve a diferenciação
de dois grupos desta má-oclusão: a esquelética e a
dentoalveolar 4, 15, 16, 17.
Na MAA esquelética predominam as influências genéticas, determinando um padrão facial
hiperdivergente, podendo-se observar ângulos
goníacos e do plano mandibular aumentados,
rotação anti-horária do plano palatino, rotação
horária da mandíbula, altura facial ântero-inferior
aumentada e retrognatismo mandibular. 4, 18, 19, 20.
Por outro lado, na MAA dentoalveolar o padrão
de crescimento facial vertical é normal e sua etiologia geralmente está associada a hábitos bucais
deletérios, como sucção não-nutritiva (de mamadeira, dedo ou chupeta) e interposição lingual12,
21, 22, 23, 24, 25
.
Nem sempre os hábitos de sucção causam a
má-oclusão, pois a presença e o grau de severidade de seus efeitos nocivos dependerão da Tríade de Graber, que relaciona duração, freqüência
e intensidade do hábito. Devem ser considerados
ainda fatores como posição do dedo ou da chupeta na boca, posição da mandíbula durante a sucção, idade de interrupção do hábito, padrão de
crescimento e de respiração da criança e grau de
tonicidade da musculatura orofacial 20, 21, 26, 27.
Dentre as principais alterações provocadas pela
persistência dos hábitos de sucção não-nutritiva,
encontram-se: protrusão maxilar, protrusão de incisivos superiores, retroinclinação dos incisivos inferiores, atresia maxilar, mordida cruzada posterior,
inibição da erupção dos incisivos superiores e inferiores com consequente MAA, interposição lingual,
relação molar de classe II de Angle, lábio inferior
hipertônico e superior hipotônico23, 28, 29, 30, 31.
A interposição lingual entre os arcos dentários durante a fonação, a deglutição ou mes-
mo em repouso encontra-se presente em 100%
dos casos de MAA.31 A interposição pode ser
considerada como um hábito primário, o que
determina um pior prognóstico, uma vez que
a reeducação lingual é complexa e dependente da cooperação do paciente, de seu padrão
de crescimento e do envolvimento neuromuscular. Quando a interposição é decorrente da
adaptação da língua ao espaço originado pela
sucção não-nutritiva, caracteriza-se como um
hábito secundário e atua, portanto, mais como
um agravante da mordida aberta do que propriamente como a sua causa31, 32.
Outro fator que deve ser avaliado no diagnóstico da MAA é o padrão respiratório do paciente. A respiração bucal é mantida através do
abaixamento da mandíbula, lábios entre abertos,
língua posicionada mais inferiormente e anteriormente. Isto leva a uma erupção passiva dos
dentes posteriores, ocasionando um aumento da
altura facial ântero-inferior e da convexidade facial, o que também pode contribuir para a ocorrência de MAA31, 33.
O planejamento ortodôntico deve ser estabelecido considerando-se a etiologia da MAA e a
idade do paciente. O tratamento precoce é sempre a melhor opção, porém os hábitos deletérios
até os 4 anos de idade não necessitam de interferências, visto que o benefício emocional dos
mesmos supera os prejuízos funcionais que acarretam13. Nesta fase, se a interrupção do hábito
for espontânea, auxiliada por um padrão de crescimento favorável, a correção da mordida aberta
pode ocorrer naturalmente. Porém, o abandono
do hábito nem sempre implicará na autocorreção
da MAA, principalmente quando hábitos secundários já estiverem instalados – como a interposição lingual e/ou labial - e o paciente for respirador
bucal. Nestes casos, a partir dos 5 anos de idade
a mecanoterapia para correção da má-oclusão já
pode ter início31, 34, 35 , garantindo um tratamento
interceptativo e, portanto, menos invasivo.
O objetivo deste artigo foi discutir os aspectos
de interesse no diagnóstico e tratamento da MAA,
bem como descrever um caso clínico tratado em
fase de dentição mista, utilizando a associação
entre controle de crescimento maxilar e grade lingual.
Descrição do caso clínico
O paciente, um menino de 9 anos e 8 meses
de idade, leucoderma, procurou por tratamento
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ortodôntico no Curso de Especialização em Ortodontia da Universidade Positivo, em Curitiba-PR,
com a queixa principal de falta de contato entre os
dentes anteriores e relato de uso de chupeta até
os 8 anos de idade.
O exame funcional revelou interposição da língua entre os incisivos durante a deglutição e hipotonicidade dos lábios superiores e inferiores.
Exame extraoral
Ao exame extraoral, o paciente apresentava
perfil convexo, retrusão mandibular, aumento
acentuado do terço inferior da face e ausência de
selamento labial passivo. No plano frontal havia
um discreto desvio mandibular para o lado esquerdo (Figura 1).
A
A
B
Figuras 1 A e B - Fotografias faciais iniciais.
Exame intra-oral
O exame intraoral indicou estágio de dentição
mista, com os primeiros molares e os incisivos permanentes, exceto os laterais superiores, já erupcionados. Havia perda precoce dos dentes 64, 65,
75, 83, 84 e 85. A linha média superior estava
centralizada em relação à linha média facial e a
linha média inferior estava 3.0mm desviada para
a esquerda. Havia lesões de cárie e restaurações
extensas envolvendo os molares decíduos remanescentes e os primeiros molares permanentes
(Figura 2).
No sentido ântero-posterior verificou-se relação molar de Classe II de Angle de aproximadamente 2,0mm, bilateralmente. Foi observada deficiência transversal da maxila associada à mordida
cruzada posterior funcional no lado esquerdo,
devido à interferência nas cúspides dos caninos
decíduos do mesmo lado. Também foi observada
mordida aberta anterior de 7,0mm e trespasse horizontal dos incisivos de 5,0mm (Figura 2).
B
C
Figuras 2 A, B e C - Fotografias intrabucais iniciais.
Exames complementares
Avaliando a radiografia panorâmica, observou-se que todos os dentes permanentes estavam
em desenvolvimento e que os pré-molares, de
maneira geral, estavam com a erupção acelerada
devidos às múltiplas perdas precoces dos molares
decíduos e seus eixos de erupção estavam alterados (Figura 3).
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A análise cefalométrica de Ricketts (Tabela 1 e
Figura 4) indicou que a maxila estava protruída em
relação à base anterior do crânio e também havia
excesso vertical em seu crescimento. Em decorrência da relação maxilar alterada, o eixo facial estava
diminuído e o plano mandibular e a altura facial
inferior estavam aumentados, caracterizando uma
rotação horária da mandíbula. A convexidade do
ponto A, de 8 mm, indicava uma grande discrepância sagital maxilo-mandibular. A posição do
primeiro molar superior estava aumentada, confirmando um posicionamento anterior da maxila.
Apesar de uma tendência de crescimento vertical
bastante acentuada da face, os lábios estavam
protruídos em relação à linha estética de Ricketts.
O nariz de pequeno tamanho pode ter contribuído para acentuar a protrusão dos lábios. A análise
das vértebras cervicais na telerradiografia de perfil
mostrou que o pico de crescimento puberal ainda
não havia ocorrido.
Figura 3 - Radiografia panorâmica inicial.
Figura 4 - Traçado cefalométrico inicial.
Diagnóstico
A etiologia da discrepância entre as bases ósseas e das alterações dentárias foi atribuída a fatores genéticos associados a fatores locais como
o uso prolongado da chupeta e a interposição lingual. Assim, a mordida aberta anterior neste caso
foi classificada como sendo de origem esquelética
com comprometimento dentoalveolar.
Plano de tratamento
Inicialmente, o paciente foi encaminhado ao
serviço de Odontopediatria da mesma Universidade para adequação do meio e orientação de higiene bucal. Além do tratamento das lesões de cárie
foi realizada a endodontia dos dentes 36 e 46.
Frente à discrepância esquelética diagnosticada, com deficiência transversal e excesso de crescimento vertical da maxila, inicialmente foi planejada a expansão rápida da arcada superior, realizada
com o aparelho de Haas, seguida do controle do
crescimento anterior e vertical da maxila, utilizando o aparelho de ancoragem extrabucal (AEB) de
tração occipito-parietal com o casquete de Interlandi (IHG) e, por fim, foi instalada uma grade lingual para o controle da interposição de língua.
Evolução do tratamento
O aparelho disjuntor de Haas, confeccionado
com bandas nos primeiros molares permanentes
superiores e tubos vestibulares (Figura 5), foi ativado por 14 dias, seguindo o protocolo de duas
ativações diárias, proporcionando a correção da
mordida cruzada posterior e a eliminação do desvio funcional da mandíbula com ajuste imediato
das linhas médias superior e inferior.
Logo após o travamento do parafuso expansor (Figura 6), o AEB foi instalado com uma força
ortopédica de 700 g de cada lado e tração 2-4 no
IHG. O paciente foi orientado a utilizá-lo por 12 a
14 horas ao dia (Figura 7).
Decorrido o período de 90 dias para a estabilização da expansão rápida da maxila o disjuntor foi
removido e foi confeccionada uma grade lingual
soldada nas bandas dos primeiros molares superiores, com tubos vestibulares para a adaptação
do AEB.
O tempo total de tratamento foi de 18 meses sendo que o período de uso do AEB foi de 17
meses. Durante este período os dentes decíduos
remanescentes esfoliaram e todos os dentes permanentes erupcionaram, exceto os terceiros molares.
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A
A
B
B
C
C
D
D
Figuras 5 A, B e C - Aparelho disjuntor instalado.
Figuras 6 A, B e C - Fotografias intrabucais pós-disjunção.
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A
B
Figuras 7 A e B - IHG instalado.
Resultados do tratamento
A análise facial subjetiva mostrou que ao final
do período de tratamento proposto ainda havia
um aumento importante do terço inferior da face,
persistindo o predomínio do crescimento vertical,
no entanto, com a presença de selamento labial
passivo. Também estava presente um suave retrognatismo mandibular. No plano frontal, a mandíbula estava centralizada com a linha média facial
(Figura 8).
Os primeiros molares e os caninos permanentes estavam em relação de Classe I de Angle
no lado esquerdo e identificou-se uma Classe II
residual de 2mm no lado direito. Uma correta relação vestíbulo-lingual dos dentes posteriores foi
obtida bilateralmente. Os incisivos apresentavam
um trespasse vertical e horizontal de 2,0mm (Figura 9).
A radiografia panorâmica mostrou que havia
um bom paralelismo radicular nos arcos dentários
superior e inferior, com uma suave dilaceração da
raiz do dente 21. (Figura 10).
A análise cefalométrica evidenciou que houve um bom controle do deslocamento anterior e
vertical da maxila com a redução dos ângulos da
profundidade e da altura da maxila, respectivamente. Consequentemente a esta restrição do
crescimento maxilar, foi observada uma rotação
da mandíbula no sentido anti-horário evidenciada pelo aumento do eixo facial e da profundidade facial e pela diminuição do ângulo do plano
mandibular, da altura facial inferior, da convexidade do ponto A e da protrusão do incisivo
inferior. A protrusão do lábio inferior também
foi significativamente diminuída (Tabela 1 e Figura 11).
A
B
Figuras 8 A e B - Fotografias faciais finais.
A
B
C
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D
Figura 12 - Sobreposição em SN dos traçados cefalométricos inicial e final.
Discussão
E
Figuras 9 A, B, C, D e E - Fotografias intrabucais finais.
Figura 10 - Radiografia panorâmica final.
Figura 11 - Traçado cefalométrico final.
A MAA pode ocorrer de forma isolada ou relacionada a outras más-oclusões. Quando acontece isoladamente, geralmente é atribuída a fatores
ambientais, como os hábitos bucais deletérios, e
tem melhor prognóstico. Quando associada a um
padrão de crescimento facial com predomínio vertical, torna-se uma situação bastante preocupante
e nociva, podendo agravar as características faciais
e exigir um tratamento mais complexo29, 36.
Além do diagnóstico de MAA, neste caso foi
identificada uma relação molar de classe II de Angle e padrão de crescimento facial hiperdivergente. A má-oclusão de Classe II apresenta diferentes
etiologias, podendo ser atribuída à deficiência de
crescimento mandibular, ao excesso de crescimento anterior da maxila ou ainda ao excesso do crescimento vertical da maxila. Nesta última situação,
o deslocamento inferior da maxila promove uma
rotação da mandíbula no sentido horário, tornando a face mais vertical com um aumento significativo do terço inferior, diminuindo a expressão
do mento na face e estabelecendo, desta maneira,
uma relação dentária de Classe II. Estes acontecimentos determinam o surgimento do padrão facial hiperdivergente ou face longa, que apresenta
uma tendência à mordida aberta anterior34, 37, 38.
O paciente descrito apresentava histórico de
uso de chupeta até os 8 anos de idade. Nesta
situação, dois fatores devem ser considerados.
O primeiro é a combinação do hábito com um
padrão facial hiperdivergente. Sabe-se que a
persistência do hábito de sucção de chupeta restringe o desenvolvimento transversal da maxila,
predispondo ao surgimento de mordida cruzada
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posterior, favorece o crescimento para baixo dos
processos alveolares da maxila e é responsável
pelo surgimento de uma mordida aberta anterior12, 21, 22, 23, 24, 25.
Estas características pioram significativamente as proporções verticais da face.
O segundo fator a ser considerado é a persistência do hábito. Sabe que quanto mais prolongado o hábito, mais nocivos os seus efeitos
se tornam. No caso estudado, a persistência do
hábito da chupeta até os 8 anos de idade foi um
fator decisivo para a desorganização da face e da
oclusão, uma vez que esteve presente durante
todo o período de dentição decídua e início da
dentição mista.
Em relação ao tratamento proposto, a correção da deficiência transversal da maxila foi o primeiro aspecto abordado. Sabe-se que a expansão rápida da maxila causa vestibularização dos
molares superiores e inclinação do plano palatino
com consequente rotação da mandíbula no sentido horário, tendendo a abrir a mordida39, 40. Apesar dessas alterações se mostrarem desfavoráveis
para pacientes com padrão facial hiperdivergente, a literatura suporta que os efeitos colaterais
são temporários e que, em longo prazo, não existem diferenças significativas na dimensão vertical
após a expansão40, 41, 42, justificando o emprego
deste procedimento no presente caso, já que havia grande constrição da arcada superior.
Como esperado, durante o período de expansão houve uma piora da mordida aberta anterior,
enquanto os molares estavam em uma relação de
cúspide a cúspide, que desapareceu após o estabelecimento da correta relação vestíbulo-lingual.
Para o tratamento da Classe II e da mordida aberta anterior foi planejado o controle do
crescimento maxilar e de seu deslocamento para
frente e para baixo. A indicação do AEB de ancoragem occipito-parietal com uma tração alta
(2/4) permitiu a aplicação de uma força com vetores para cima e para trás, contrapondo-se ao
deslocamento maxilar para frente e para baixo43,
44
. Desta maneira, ao restringir o crescimento
maxilar, havia também o objetivo de que a mandíbula continuasse o seu crescimento com uma
rotação anti-horária, contribuindo para a diminuição da divergência facial, correção da Classe II
e controle da MAA, além de permitir uma maior
expressão do mento na face, ajudando a reduzir
a convexidade do perfil (Figura 12).
Outro fator que contribuiu para o sucesso do
caso foi o protocolo de uso do AEB adotado. A
força ortopédica indicada de 700 g de cada lado
e o período de uso de 12 a 14 horas por dia 45,
46
foram suficientes para conter o crescimento
maxilar e obter os resultados esperados. A colaboração do paciente também foi fundamental
durante todo o período de tratamento.
Após o período de 90 dias de contenção da
expansão maxilar, o disjuntor foi removido e foi
confeccionada uma grade lingual fixa soldada às
bandas dos primeiros molares superiores. A grade lingual é um aparelho passivo que não exerce força alguma sobre as estruturas dentárias,
funcionando como um obstáculo mecânico à interposição lingual e permitindo, desta forma, o
desenvolvimento dentoalveolar normal na região
ântero-superior.
Uma alternativa ao tratamento proposto seria o uso do AEB associado a um splint maxilar,
conhecido como AEB conjugado47. Este dispositivo também aplica uma força de restrição do deslocamento anterior e inferior da maxila e poderia
ter uma vantagem neste caso pela aplicação de
força distribuída sobre toda a maxila. No entanto, dois fatores contra-indicaram sua utilização.
O primeiro foi a necessidade de uma expansão
rápida da maxila devido ao acentuado grau de
deficiência maxilar transversal. O AEB conjugado poderia ser confeccionado com um parafuso
expansor, mas promoveria uma expansão lenta,
uma vez que sua ativação seguiria o protocolo
de um aparelho removível. O segundo motivo foi
a intenção de se utilizar uma grade lingual fixa,
que permitiria o uso integral deste dispositivo. O
AEB conjugado também poderia ser associado à
grade lingual, mas, da mesma forma, teria um
caráter removível.
Após um período de 18 meses de tratamento, houve uma melhora bastante significativa nas
relações esqueléticas, dentárias e faciais. Apesar
do predomínio vertical da face, ao final do tratamento observou-se selamento labial passivo.
Ainda havia um suave retrognatismo mandibular, com uma Classe II residual no lado direito.
No entanto, as mudanças mais intensas ocorreram na rotação anti-horária da mandíbula e no
estabelecimento dos trespasses normais entre os
incisivos.
Este somatório de efeitos levou a uma harmonização da relação esquelética maxilo-mandibular, melhorando a estética facial e restabelecendo o equilíbrio oclusal.
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Tabela 1 - Análise cefalométrica pré e pós-tratamento.
Variáveis
Norma
Pré-tratamento
Pós-tratamento
Eixo facial
90o ± 3
85,3o
88o
Profundidade facial
87o ± 3
87,3o
90,2o
Plano mandibular
26o ± 4
34,6o
30,2o
Altura facial inferior
47o ± 4
52,2o
48,5o
2,0mm ± 2
8,0mm
6,0mm
Profundidade da maxila
90o ± 3
95,8o
92,4o
Altura da maxila
53o ± 3
55,3o
53o
Protrusão dos inc. inf.
1,0mm ± 2
7,7mm
3,5mm
Inclinação dos inc. inf.
22o ± 4
20,6o
22,3o
9,4mm ± 3
17,0mm
17,0mm
Ângulo interincisal
130o ± 6
122,2o
130o
Protrusão labial
-2mm ± 2
5,8mm
1,9mm
Convexidade do ponto A
Posição do molar superior
Considerações finais
O tratamento foi finalizado com êxito, evidenciando a importância do correto diagnóstico e planejamento do caso, da correta aplicação dos princípios biomecânicos, da colaboração do paciente
e do crescimento favorável da face.
Ainda assim, há a necessidade de monitorar o
desenvolvimento facial do paciente, considerando
que o tratamento foi interrompido antes do surto de crescimento puberal e pode haver recidiva
se o potencial de crescimento maxilar continuar a
se expressar. Caso isto ocorra, novas intervenções
para o controle do crescimento maxilar podem ser
estabelecidas.
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