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ESSE AMOR ME ADOECE: UM ESTUDO
EXPLORATÓRIO DA TEORIA DO APEGO
ADULTO COM MULHER EM CONFLITO NAS
RELAÇÕES AFETIVO-CONJUGAL
Alisandra Barboza e Lucilene Ribeiro da Silva*
Orientadora: Profª Geovana Rodrigues Santos1
Resumo: Apego é concebido como um processo relacional de co-criação de um
senso de confiança mútua entre os parceiros, processos esses vinculados às
interações afetivas desde o início da vida. Este artigo objetiva investigar as
influências das relações de apego adulto na relação afetivo-conjugal com uma
mulher que freqüenta programas anônimos de recuperação. Para tanto, faremos
uma revisão da Teoria do Apego, apresentando as idéias iniciais de Bowlby
sobre os padrões de apego infantil até Mary Main e suas perspectivas acerca do
apego adulto. O presente estudo procura analisar, exploratoriamente, o estilo de
apego apresentado pela voluntária através de uma análise qualitativa utilizando
o AAI (Adult Attachment Interview Protocol) e uma entrevista semi-estruturada
das relações com seus parceiros.
Palavras-chaves: Apego, relações de apego adulto, relação afetivoconjugal, programas anônimos de recuperação, AAI.
INTRODUÇÃO
A teoria do apego é uma teoria psicológica, evolutiva e
etológica sobre as relações entre os seres humanos e uma das teorias
mais influentes do século sobre desenvolvimento das relações
sociais. Tendo como base os estudos discutidos por Bowlby quanto
ao apego infantil, Mary Main, posteriormente, discutirá aspectos
referentes ao apego adulto e apresentará a discussão de três padrões
de apego adulto. Neste estudo descreveremos o que é o apego
adulto, os tipos de estilo e analisaremos, exploratoriamente, as
influências das relações de apego adulto no relacionamento afetivo* Discentes do 7º período de psicologia da FACHO ( Faculdades de Ciências Humanas de Olinda).
¹ Psicóloga Clínica pela FAFIRE, Especialista em Saúde Mental pela UFPE, Mestre em
Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela UNICAP. Professora da disciplina Psicopatologia
Especial da FACHO.
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conjugal de uma voluntária que frequentava programas anônimos de
recuperação através de uma análise qualitativa.
DESENVOLVIMENTO
1. Bases Conceituais sobre a teoria do apego
John Bowlby2 foi um psiquiatra londrino que desenvolveu
estudos sobre a teoria do apego. Graduado pela Universidade de
Cambridge em 1928, iniciou sua formação profissional no Instituto
Britânico de Psicanálise com psiquiatria infantil. Bowlby se tornou
chefe do Departamento da Criança na Clínica Tavistock
(Inglaterra), onde concentrou seus estudos clínicos sobre os efeitos
da separação mãe-bebê. Finalizou uma monografia para a
Organização Mundial de Saúde sobre o triste destino de crianças
abandonadas na Europa do pós-guerra e colaborou com James
Robertson em um filme, A Two-Year-Old, para a introdução
referente às visitas da família a crianças hospitalizadas. Estes
trabalhos chamaram a atenção de clínicos para os efeitos
devastadores da separação materna, e levaram à liberalização da
visita da família a crianças hospitalizadas. Assim, John Bowlby
publicou a sua primeira formulação da teoria do apego em um
artigo intitulado The nature of the child‟s tie to his mother
tornando-se um marco nas pesquisas na área do apego (Bowlby,
1958; Lyra, 2008). Posteriormente, publicou o primeiro volume,
Apego, da sua trilogia “Apego, Separação e Perda”, dando início a
várias pesquisas interessadas na investigação da relação afetiva
precoce estabelecida entre o bebê e os responsáveis pelos seus
cuidados iniciais – geralmente a figura materna. O princípio mais
importante da teoria do apego é que uma criança necessita para
desenvolver qualquer tipo de relação de pelo menos um cuidador
primário, para o seu desenvolvimento social e emocional. As
2
Os conceitos de Bowlby foram construídos com base nos campos da psicanálise, biologia , etologia,
psicologia do desenvolvimento, ciências cognitivas e teoria dos sistemas de controle (BOWLBY,
1989; BRETHERTON, 1992)
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observações sobre o cuidado inadequado na primeira infância e o
desconforto e a ansiedade de crianças pequenas quanto à separação
dos cuidadores, levaram Bowlby a estudar os efeitos do cuidado
materno sobre as crianças, em seus primeiros anos de vida. Para
esta teoria, o principal interesse de investigação está no
comportamento da criança em relação a um determinado adulto que
atua para ela como uma figura de apego. (Lyra 2009, p. 27). Mais
especificamente,
Dizer que uma criança é apegada ou tem apego por
alguém, significa que ela está fortemente disposta a
buscar proximidade e contato com uma figura
específica, principalmente quando está assustada,
cansada ou doente. (...) A teoria do apego é uma
tentativa tanto de explicar o comportamento de
apego, com seu aparecimento e desaparecimento
episódicos, como também os apegos duradouros que
as crianças formam (e também os adultos) para com
determinadas figuras (BOWLBY, 1969/1984, p. 396,
grifo nosso).
No início da década de 50, a equipe de pesquisadores de
Bowlby acolheu a norte-americana Mary Ainsworth3 que, após
alguns anos elaborando pesquisas junto à equipe, viajou para
Uganda onde passou três anos (1953-1956) e realizou um estudo de
observação naturalista que veio a confirmar novas idéias etológicas
de Bowlby. A partir das contribuições de Ainsworth, Bowlby
aprofundou a sua teoria em três livros fundamentais: Attachment,
Separation e Loss (respectivamente, 1969, 1973 e 1980). Segundo
Bowlby (1990), o estabelecimento de um modelo de apego seguro
ou inseguro fornece a base para a formação de um modelo funcional
interno, uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o mundo e a
si próprio. Mary Ainsworth e cols.(1978) desenvolveram um estudo
longitudinal, no qual observaram 26 famílias e seus bebês em suas
casas, duas vezes por semana, durante duas horas, ao longo de um
Discípula de Bowlby, psicóloga e pesquisadora, trabalhou com William Batz, autor da “Teoria da
Segurança”, que a influenciou no seu trabalho.
3
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período de nove meses. Baseando-se nos dados provenientes deste
estudo, foram identificadas diferenças individuais na qualidade das
relações mãe-bebê que pareciam estar associadas a diferentes
padrões de apego. (VILLACHAN-LYRA, 2009, p.38).
Denominado Situação Estranha 4 esse estudo possibilitou a
identificação de três padrões diferentes de apego:
Apego seguro: As crianças classificadas nesta categoria
demonstraram ser ativas nas brincadeiras, buscavam contato com a
mãe após uma separação breve e eram confortadas com facilidade,
voltando a se envolver em suas brincadeiras;
Apego inseguro/esquivo: Nesta classificação incluem-se
aquelas crianças que após uma breve separação da mãe, evitavam
reunir-se a ela quando esta retornava;
Apego inseguro/resistentes: Essas crianças demonstraram
na situação experimental uma oscilação entre a busca de contato
com sua mãe e a resistência ao contato com esta, além de se
mostrado mais coléricas ou passivas que as crianças com os padrões
de apego anteriormente descritos. Bowlby, citado em Ainsworth &
Marvin (1994, p.12), diz que no sentido mais fundamental, a
classificação tem por base o que nós aprendemos nas observações
naturalísticas.
No entanto, diante do retorno da figura materna, os bebês
classificados como inseguros ansioso-resistentes não apresentam
comportamentos ativos na tentativa de retomar o contato com a
mãe.
Um
quarto
tipo
de
apego
–
denominado
“desorganizado/desorientado” – foi posteriormente identificado por
Main e Solomon (1990) e inclui aqueles bebês que não apresentam
padrões de comportamento específicos de resposta e mostram-se
bastante confusos durante o procedimento de situação estranha. É
4
O procedimento de Situação Estranha (Strange Situation Procedure-SSP) baseava-se na observação
do comportamento do bebê diante de um estranho. Objetivava provocar respostas por parte do bebê
que são concebidas como indicativas da qualidade da relação de apego estabelecida entre o bebê e a
sua principal figura de apego.
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como se esses bebês não apresentassem estratégias visíveis para
lidar com a situação de angústia causada pelo procedimento de
situação estranha (VILLACHAN-LYRA, 2009, p.40).
2. Mary Main e o apego adulto
Embora Bowlby, ao longo de sua obra (1973, 1977 e
1988), tenha reconhecido em diversas ocasiões a importância do
apego ao longo de todo o ciclo da vida humana, as suas
investigações centraram-se apenas na infância. Bowlby e Ainsworth
focaram as atenções nas origens desenvolvimentais das relações de
apego da criança e seus pais, sobretudo, a mãe. A partir da década
de 80 alguns pesquisadores ofereceram contribuições que tornaram
relevantes os estudos das relações de apego na adolescência e na
vida adulta. Entre eles, salientam-se as pesquisas de Main5 e sua
equipe sobre a dimensão representacional dos vínculos dos quais
resultou na construção do AAI – Adult Attachment Interview
(George, Kaplan & Main, 1984). De acordo com Crowell, Fraley e
Shaver (1999) o conceito de Apego Adulto pressupõe ideais
fundamentais com importantes implicações para o processo de
avaliação. A primeira liga-se aos aspectos normativos do sistema de
vinculação e à sua relevância durante a idade adulta; a segunda, à
presença de diferenças individuais na organização da vinculação, no
contexto das relações interpessoais como elementos de congruência
entre a vinculação na infância e na idade adulta. Weiss (1982, 1991)
apontou a singularidade das características emocionais e
comportamentais (desejo de proximidade a figura de vinculação em
alturas adversas, conforto, na presença da figura de vinculação,
ansiedade em face de inacessibilidade da figura de vinculação,
respostas de luto em situação de perda), a generalização da
experiência, dado que elementos emocionais associados à
5
Mary B. Main, PhD. e docente do Departamento de Psicologia da UC Berkeley Academic. Suas
pesquisas são focadas em Neurociência e estudos comportamentais, tais como; apego, diferenças
individuais na relação de representação no discurso, desenho e narrativa; distúrbios funcionais da
consciência; etologia.
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vinculação durante a infância são expressos nas relações de
vinculação adulta, e, ainda, a ligação temporal entre os fenômenos,
uma vez que a centralidade dos pares como figuras de vinculação se
encontra associada ao esbatimento dos progenitores enquanto
figuras de vinculação primárias. (Canavarro, Dias & Lima, 2006).
Quanto ao apego do adulto, Mary Main (2001) distinguiu-o
do apego infantil. Durante a 1ª infância, o apego caracteriza-se
como um interesse insistente em manter proximidade com uma ou
algumas pessoas selecionadas; uma tendência ao usar esses
indivíduos como base segura de referência para a exploração do
desconhecido. Caracteriza-se também como refúgio, na figura de
apego, para busca de segurança em momentos de medo. Assim, na
infância, o apego é considerado seguro ou inseguro com relação à
figura de apego. Já a segurança em adolescentes e adultos não se
identifica com nenhuma relação em particular, ou seja, com
nenhuma figura de apego específica, nem do passado nem do
presente. O que se investiga são as diferenças individuais do estado
mental e história global do apego.
A categoria seguro-autônoma faz um paralelo com o grupo
de crianças de apego seguro. Nos adultos, esse grupo apresenta um
relato espontâneo e vívido das experiências de infância, com
lembranças positivas e uma descrição equilibrada de ocorrências
infantis difíceis. Os adultos que se enquadram na categoria de apego
evitativo ou desapegado apresentam um relato idealizado da
infância, falha na reconstrução das memórias infantis e, se
dificuldades nessas experiências são relatadas, seus efeitos são
negados ou minimizados. A categoria preocupado-ansioso
caracteriza-se por um relato que envolve experiências que podem
ter sido confusas, vagas ou tempestuosas e conflitantes,
apresentando inabilidade para se colocar nas situações infantis e
apresentar um roteiro coerente dessas experiências. Isso também
acontece no relato de experiências difíceis da infância, o que
demonstra dificuldade de compreender as origens de emoções
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preocupantes nessa fase de desenvolvimento humano. A categoria
de apego adulto desorganizado-desorientado está relacionada a
relatos com sinais graves de desorientação e desorganização,
principalmente quando os entrevistados são questionados sobre
eventos traumáticos ou perduas importantes (CORTINA &
MARRONE, 2003).
METODOLOGIA
Participante e Objetivos
Este estudo objetivou analisar, exploratoriamente, as
influências das relações de apego adulto no relacionamento afetivoconjugal de uma voluntária que frequentava programas anônimos de
recuperação. Participaram deste estudo uma mulher, NSE6 médio,
vivendo em zonas urbanas, nível escolar médio, profissional
autônoma freqüentadora do programa de co-dependência química.
Utilizamos como análise metodológica os conceitos da Teoria do
Apego de Mary Main (1990), baseados no Protocolo de Entrevista
de Apego Adulto - AAI, versão em língua portuguesa, cedida por
Casellato (2004). A pesquisa desenvolveu-se em dois momentos
distintos; no primeiro, utilizamos a versão do AAI; no segundo,
utilizamos uma entrevista semi-estruturada referente às relações
afetivo-conjugais. Objetivamos investigar: (a) O histórico do
relacionamento, (b) A qualidade da relação, (c) Levantar dados
sobre a estrutura familiar, (d) Identificar as principais figuras de
apego, (e) Identificar as experiências significativas dos vínculos
desenvolvidos até o presente.
MÉTODO
Utilizamos como recurso inicial o AAI e, a seguir, uma
entrevista semi-estruturada. Ressaltamos que o objetivo principal
foi realizar uma análise qualitativa, exploratória, através dos relatos
obtidos e confrontá-los com a literatura apresentada, uma vez que, a
6
Nível Sócio-econômico.
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correta utilização do instrumento científico citado requer
treinamento específico para interpretá-lo7. A Adult Atachment
Interview- AAI (George, Kaplan & Main, 1985, versão portuguesa
de Casellato, 2004). Trata-se de uma entrevista semi-estruturada,
biográfica, de tipo clínico, organizada em torno de um conjunto de
temas que traduzem as principais questões do apego de acordo com
as teorias de Bowlby (1969-1984, 1973, 1980).
A entrevista leva cerca de uma hora para ser administrada e
contém vinte questões de validação e tem uma extensa pesquisa
para apoiá-lo8. Inicia-se com um breve resumo da história da
família, estimulando-se o sujeito a recordar as suas relações com os
pais na infância, através da escolha de cinco adjetivos para
caracterizar cada uma dessas relações. Progressivamente, são
abordadas situações específicas e críticas do ponto de vista da
relação de apego, nomeadamente, problemas ou dificuldades
pessoais, doenças, acidentes, separações, situações de rejeição,
ameaça de abandono pelas figuras de apego, castigos, maus-tratos e
perdas de figuras significativas. A entrevista contempla ainda
questões de natureza mais geral e avaliativa, através das quais o
sujeito é solicitado a analisar a influência das relações com os pais
na infância, ao nível do seu desenvolvimento pessoal, as razões para
o comportamento dos pais, bem como, as mudanças ocorridas na
relação ao longo dos anos. O sujeito é ainda questionado sobre as
suas relações com outros adultos significativos e, na fase final da
entrevista, sobre a sua relação atual com os pais. A abordagem de
cada temática da entrevista é sempre efetuada a um nível mais geral
(semântico) e a um nível mais específico (episódico). Deste modo,
em cada questão, o sujeito é incentivado a recordar episódios ou
acontecimentos ilustrativos das situações mencionadas e a avaliar o
7
Curso fornecido pela UC Berkeley, Califórnia, a título de pós-graduação em dois semestres.
Uma boa descrição pode ser encontrada no capítulo 19 do Anexo Theory, Research and Clinical
Applications, editado por J. Cassidy & PR Shaver, Guilford Press, NY, 1999. Sob o título “The Adult
Attachment Interview: Perspectivas históricas e atuais”, escrito por E. Hesse e, brevemente, traduzido
neste artigo.
8
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impacto dessas experiências no desenvolvimento da sua
personalidade e das suas relações de apego. A AAI foi concebida de
modo a possibilitar a ativação do sistema de apego, levando o
sujeito a evocar a história das suas relações com os pais, a partir das
suas memórias e percepções. Nesse âmbito a entrevista tem como
objetivo avaliar a representação atual do sujeito em relação ao
apego, focalizando-se no modo como as experiências e seus efeitos
são refletidos, avaliados e integrados pelo indivíduo e traduzidos em
termos de coerência narrativa e discursiva, ao longo da entrevista.
Neste sentido, a tarefa central colocada ao sujeito é (1) produzir e
refletir acerca das memórias relacionadas com o apego e,
simultaneamente, (2) manter um discurso coerente com o
entrevistador (Hesse, 1999).
No segundo momento utilizamos uma entrevista semiestruturada desenvolvida pelos pesquisadores deste estudo
composta de dez questões a nível específico (episódico) com
duração média de 40 minutos que objetivava explorar relatos sobre
os relacionamentos afetivos anteriores e atuais (histórico) e
identificar a qualidade dessas relações. As entrevistas foram
videogravadas e transcritas a partir do método qualitativo, tipo
estudo de caso, através da análise dos discursos confrontados com a
metodologia apresentada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Bowlby (1989) inicialmente pressupôs que os modelos
internos desenvolvidos nas relações com as figuras de apego
primárias tendiam, de maneira geral, a ser estáveis e a se
generalizarem em relações futuras. Partindo deste pressuposto,
outros pesquisadores, como Main (1985), observaram a necessidade
de se desenvolverem estudos sobre os padrões de apego em faixas
etárias diferentes. Com base na literatura e nos resultados obtidos
através das entrevistas com uma voluntária de diferentes etapas
evolutivas pudemos verificar que alguns fatores observados foram
essenciais no desenvolvimento deste artigo. Após a realização das
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entrevistas e a utilização do AAI como recurso para análise,
confrontamos os dados obtidos com a literatura apresentada acerca
do apego adulto. A partir de uma análise qualitativa das respostas
fornecidas pela voluntária pudemos observar características de uma
co-dependência afetiva. Segundo Dantas (2009), a co-dependência
sempre aparece em relação a outras pessoas, ou a uma situação na
qual, por algum motivo interior e pessoal, o indivíduo sente-se
preso ao “dependente”. Mesmo sabendo (conscientemente) que essa
relação não está sendo saudável para si, não consegue se afastar e
voltar-se para sua vida pessoal, colocando-se em segundo plano, e
assim, vivendo em função do “dependente”. A história de uma
determinada mulher observada como objeto de estudo, e mantida
em situação de dependência durante dez anos revela uma trajetória
de perdas e ausências desde a infância, marcada, pela ausência
abrupta da figura paterna;
“Minha infância foi muito difícil, porque eu perdi o
meu pai com três anos de idade. Foi aí que nossa vida
mudou, meu pai foi brutalmente assassinado, ele era
dono de um posto de gasolina e um dos funcionários
dele, que assassinou ele, por um problema lá que, eu
nem sei ao certo qual é este problema. Eu era tão
pequena, né! Três anos de idade...” ( A.L.B , 42 anos)
Desta forma, supomos que, inconscientemente, muitas das
suas escolhas afetivas por homens sempre mais velhos perpetuamse dentro deste sentimento de ausência sentida ao longo do seu
desenvolvimento. Estas características ficaram claras na descrição
da co-dependência afetiva estabelecida por ela em relação ao seu
atual companheiro, um dependente químico. Para Dantas (2009), a
co-dependência é sempre uma dependência “ao outro”. Pouco
importa quem é esse outro, e sim, o que ele representa, pois,
geralmente o co-dependente é dependente de um dependente.
Pudemos perceber o grande nível de conflito vivido durante todo o
relacionamento e as insistentes tentativas de continuidade destes.
Percebemos claramente a co-dependência desta mulher ao seu
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companheiro a partir de situações corriqueiras, como a seguinte:
“Desafio de tomar conta da empresa, tomar conta de
tudo, todos os dias tem um desafio... realmente ele
era muito experiente, ele não me deixava fazer nada,
ele tomava conta de tudo até a feira ele fazia... tudo
era com ele” (A.L. B, 42 anos).
Utilizando-se da conceituação da co-dependência afetiva e
analisando os relatos obtidos no AAI pudemos supor que a
voluntária apresenta características de um apego adulto
desorganizado/desorientado, mesmo sendo uma experiência
inaugural com o método que apresentamos. Cortina & Marrone
(2003), descreveram que este tipo de apego é caracterizado por
voluntários que demonstram relatos de desorganização e
desorientação graves, principalmente guando questionados sobre
eventos traumáticos ou perdas importantes. Essas descrições estão
fortemente presentes na entrevista e nas respostas repentina do pai e
da irmã, a ausência afetiva da mãe e sobre presença de uma figura
“paterna”. Este artigo objetivou ser mais um viés nas investigações
acerca das relações de apego adulto; buscando mostrar como este
pode influenciar nas relações adultas com os parceiros.
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