Rádio:Oralidade Mediatizada

Transcrição

Rádio:Oralidade Mediatizada
Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva
Rádio:
oralidade mediatizada
o spot e os elementos
da linguagem radiofônica
http://groups.google.com.br/group/digitalsource
Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira
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Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim
você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.
Júlia Lúcia de Oliveira Albano Silva é graduada Comunicação Sócia pela UNESP e
mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC Professora do Centro Universitário Belas
Artes e da Universidade Santo Amaro, leciona também nas Faculdades Oswaldo Cruz, onde
coordena desde 1998, o Projeto da Rádio Universitária
Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro
S586r
Silva, Júlia Lúcia de Oliveira Albano da.
Rádio: oralidade mediatizada: o spot e os elementos da linguagem radiofônica/Júlia
Lúcia de Oliveira Albano da Silva. -São Paulo : Annablume, 1999
116 p. ; 14x21 cm
ISBN 85-7419-089-6 Inclui bibliografia.
1. Radiodifusão — Efeito dos sons. 2. Locução no rádio. 3. Anúncios no rádio. I. Título.
CDD-384.54
Coordenação editorial
Mara Guasco
Preparação de Originais
Joaquim Antônio de Oliveira Sobrinho
Editoração eletrônica
Giuliano de Barros
Capa Luciano Guimarães
Conselho Editorial
Eduardo Penuela Canizal
Norval Baitello Júnior
Maria Odila Leite da Silva Dias
Célia Maria Marinho de Azevedo
Gustavo Bernardo Krause
Maria de Lourdes Sekeff
Cecília de Almeida Salles
Pedro Jacobi
1ª edição: novembro de 1999
3ª reimpressão: fevereiro de 2007
© Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva
ANNABLUME editora . comunicação
Rua Padre Carvalho, 275 . Pinheiros
05427-100 . São Paulo . SP . Brasil
Tel e Fax. (011) 3812.6764
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Agradeço
A Deus, por se fazer Verbo.
Ao Prof. Dr. Amálio Pinheiro, pela credibilidade e incentivo.
À Capes-Demanda Social, pelo apoio financeiro recebido.
À Universidade São Judas Tadeu, aos nossos alunos e colegas, pela parceria e confiança.
A Profa. e Amiga Carmen Lúcia José, pelas orientações sonoras e plásticas.
À Cesa e à Lika, pelo socorro presente.
Ao Grupo de "Quinta", pelo encorajamento; em especial à Telma e à Luzinete.
À Simone Svitek, pela parceria de "tempos".
Para Raíssa, por ceder generosamente seu tempo de brincar para eu pensar esta pesquisa.
Para Elias, pela sua exata humanidade, lucidez e cumplicidade.
Para Alzélia e Luiz Carlos, vozes de pais comprometidos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Capítulo I — Dos Mascates ao Spot Publicitário VOZ E SONOPLASTIA NA PUBLICAÇÃO SONORA
O ANÚNCIO FALADO NAS ONDAS HERTZIANAS
Publicidade nas ondas hertzianas: formatos de anúncios falados
Ascensão e declínio do rádio como mídia
Capítulo II — O Jogo da Oralidade e da Escritura na Composição do Spot
O TEXTO RADIOFÔNICO — A CONJUGAÇÃO ENTRE A ESCRITA E A VOZ
A TRADIÇÃO ORAL NO TEXTO MEDIATIZADO NO RÁDIO
Ritmos — Reelaboração das técnicas da tradição oral na composição do
texto radiofônico
PERFORMANCE — A PLASTICIDADE DA PALAVRA
ORALIZADA E MEDIATIZADA
Locutor ou intérprete: o corpo na voz
Capítulo III — A Sonoplastia Radiofônica: Silêncio, Ruído, Efeito e Trilha
Sonora no Espaço Acústico
LINGUAGEM RADIOFÔNICA: O COMBATE VERBO-VOCO-SONOPLÁSTICO
O silêncio — ausência de som ou som significante
O efeito sonoro ou o ruído desejável
Trilha Sonora
Capítulo IV — Análise das Peças Publicitárias Radiofônicas
VERBAL-ORAL: A PALAVRA ORALIZADA E MEDIATIZADA O texto descritivo, narrativo e a performance da voz
O verbal oral no spot radiofônico
Texto descritivo
Texto narrativo
Performance da voz
SONOPLASTIA: SILÊNCIO, EFEITO SONORO E TRILHA SONORA
Silêncio
Efeito sonoro
Trilha sonora
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
PREFÁCIO
Para se conhecer melhor o rádio é necessário uma leitura atenta do
trabalho desenvolvido pela pesquisadora Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva
desenvolvido neste livro. Júlia apresenta um estudo sobre o spot e os
elementos da linguagem radiofônica comprendendo desde a origem histórica
deste tipo de mensagem publicitária até exemplos marcantes de spots
veiculados pelas emissoras. O caminho percorrido pela autora desvenda a
importância do spot e as etapas que se iniciam com o anúncio falado e sua
transformação. Júlia mostra neste trabalho que as possibilidades da radiofonia
mostram-se amplas quando reconhecemos os elementos da voz, que invadem
a letra e atribuem à entonação da locução uma performance criativa, gestual e
colorida, como imanentes à cultura brasileira. À guisa de pequena colaboração
ao trabalho da Júlia apresento algumas idéias sobre a importância do spot na
sobrevivência econômica das empresas de radiodifusão.
A chegada do spot, a mensagem publicitária atual mais intensa no rádio,
marca também a consolidação da gestão capitalista do veículo. O spot é a
transformação dos espaços publicitários em mercadoria que é vendida pelo
departamento comercial das empresas no mercado. Isto possibilita a
sobrevivência do veículo sem ter que recorrer a outras formas de faturamento
como o testemunhal e o "comercial" tão utilizados pelas empresas de
radiodifusão. Para conquistar o mercado dos anúncios as rádios têm de
organizar departamentos de vendas profissionais com gerentes,
coordenadores, planejadores, mídias e auxiliares. Os produtos vendáveis da
programação são empacotados em planos de vendas com periodicidade,
duração, horários de veiculação, conteúdo editorial e custo. É verdade que não
se pode confiar nas tabelas de veiculação de spots na maioria das rádios,
porque a competição se acirrou de tal forma nos últimos anos que há em
alguns mercados um verdadeiro canibalismo pela posse das verbas
publicitárias. Algumas rádios chegam a dar até 90 por cento de desconto na
veiculação do spot, dependendo do horário em que é apresentado. Um
desprestígio para o veículo, criticado pela maioria dos publicitários, que no
entanto saem munidos dos descontos para a guerra de atingir as metas
estabelecidas pelas empresas.
Não é fácil fechar contratos publicitários para um veículo, que,
historicamente, tem apenas quatro ou cinco por cento das verbas, que no seu
conjunto representam menos de um por cento do PIB. Por isso é um salve-se
quem puder. É o vale tudo. Algumas empresas não se limitam a vender o spot,
vendem testemunhais de comunicadores em que estes empenham sua
credibilidade junto à audiência para convencer que devem tomar a cápsula de
cartilagem de tubarão, porque ele conhece gente que sarou do câncer e da aids
tomando o "remédio". Ou então o xarope que curou a tosse do filho na noite
anterior permitindo que ele apresentasse programa de rádio do dia. Essas são
formas economicamente ultrapassadas, mas ainda comuns no rádio de uma
forma geral. Outra forma de captação de verbas publicitárias é a venda de
merchandising com a participação de apresentadores de programas que dizem
"vamos a um intervalo para tomar um cafezinho Predileto e voltamos já, já".
Essas formas estão sendo superadas no momento em que a economia passa
por uma mudança qualitativa conhecida como globalização e tem de enfrentar
uma forma avançada de concorrência que é o bureau de mídia. Apesar da
tentativa de resistência por parte das empresas brasileiras, contra o que
consideram uma tentativa de cartelização, é uma batalha inglória, pois a
internacionalização faz parte do processo histórico em andamento. E já se disse
que não há como impedir o seu avanço. Senhores feudais e escravocratas que
o digam. Portanto a aquisição de espaços publicitários em grande quantidade
para posterior revenda é apenas questão de tempo. E a mídia mais frágil vai
aderir primeiro.
Pode ser o rádio. O principal argumento contra esse avanço dos bureau
sobre os departamentos comerciais das empresas de comunicação de um
modo geral tem um componente ideológico em sua defesa. Os contrários a sua
participação argumentam que essa forma de venda vai pôr o veículo-vendedor
nas mãos do bureau-comprador. Este vai impor os preços de compra. Com isso
os veículos se enfraquecem economicamente e ameaçam a liberdade de
imprensa, pois o poder de fogo dos bureau é imenso. Se a liberdade de
expressão corre ou não esse risco, só o tempo dirá. Nada muito diferente do
que ocorre em outros setores da economia que já estão dominados e
cartelizados pelos investimentos internacionais e pela formação de mega
empresas.
Veja o exemplo dos supermercados, que impõem o preço de compra e
estabelecem as margens de resultados nessas operações. Os fornecedores
estão nas mãos desse grupo, e os clientes também. Dominam nas duas pontas,
o que é um sintoma do capitalismo. A mercadoria no caso das comunicações é
o espaço publicitário para a veiculação do spot. Nesta etapa das relações
econômicas é possível que a produção dos spots seja terceirizada pelos bureau
que tentam substituir as agências de publicidade, atuais responsáveis pela
produção.
A profissionalização da veiculação dos spots também está mudando na
medida em que as empresas estão se conscientizando que ele é a fonte mais
importante de receita e não pode ser abandonado. Por isso a veiculação passa
a ser uma preocupação da empresa, melhorando as formas de comprovar que
os spots comprados foram mesmo para o ar, utilizando-se da informática e da
emissão de comprovantes de exibição para que o cliente tenha certeza do que
levou pelo que pagou. Uma prática também recente.
Algumas empresas emitiam comprovantes de exibição de spots que não
tinham veiculado. Este costume se alastrou de tal forma que até hoje é um
obstáculo para a venda de publicidade nacional. Se a agência, ou o anunciante
não tem comprovação do que foi exibido localmente, como fiscalizar
nacionalmente? Algumas anunciantes desistiram de comprar espaços
comerciais para seus spots em praças distantes por comprovar que eram
enganadas por alguns empresários de comunicação. Isto também pesou na
perda de credibilidade do veículo como difusor de mensagens publicitárias. E
sem faturamento legal e conhecido resta para algumas emissoras a
sobrevivência através da locação de horários, "convênios" com o poder político
local onde se elogia ou ataca o prefeito 24 horas, ou a sustentação de uma
empresa deficitária transformada em palanque eletrônico para seu proprietário
ou grupo a que pertence. Finalmente chega ao fim a comprovação manual,
doméstica, feita por um funcionário, às vezes pelo próprio operador de áudio,
que marca em uma "tripa" os spots veiculados e o horário que foram ao ar.
Chega ao fim também a operação manual de disparar o cartucho que contém o
spot, ela está sendo substituída por um sistema computadorizado, previamente
programado para facilitar a inserção e a comprovação. As rádios mais
avançadas desenvolvem o sistema conhecido como Falha zero, ou seja,
prometem ao cliente que cada veiculação de spot que não for para o ar será
reposta em dobro. É um desafio recente e por isso ainda não conquistou a
maioria das agências de publicidade.
A administração eficiente não permite mais que comunicadores ou
apresentadores sejam corretores da publicidade de seus próprios programas.
Eles preferem não vender o spot, que tem tempo preciso e geralmente é
produzido por uma agência ou produtora de áudio. O spot é produzido com 30
ou 60 segundos. Raramente tem um ou mais minutos.
Há uma preferência dos apresentadores-corretores pela forma antiga, a
do testemunhal ao vivo. Com isso o anunciante compra do comunicador 30
segundos, ele faz um anúncio de 60, embolsa a diferença e a empresa recebe
30. Uma operação que inicialmente fez com que algumas rádios obrigassem
que todos os testemunhais fossem gravados para se controlar o tempo e em
um segundo momento sua substituição pelo spot. É verdade que esta
preferência pelo spot é mais intensa nos grandes centros e nas empresas de
comunicação melhor estruturadas. As empresas mais conscientizadas das
mudanças da economia entendem que não podem aviltar o espaço que
possuem sob pena de derrubar o preço das veiculações e acumular
desprestígio para o business que exercem.
Com a transformação do spot no principal produto de comercialização
das empresas, os anunciantes mais fortes economicamente passaram a exercer
uma pressão maior sobre as rádios, o que é perfeitamente possível em uma
sociedade aberta e democrática. Contudo as empresas que se dedicam ao
radiojornalismo têm o dever ético de resistir a essas pressões sob pena de não
conseguir desenvolver um jornalismo ético e isento. Qualquer reportagem que
fosse ao ar tendo como sujeito o anunciante resultaria em uma imediata
reação. O departamento comercial temeria pela perda das verbas e reagiria
tentando pressionar o departamento de jornalismo para que a reportagem não
fosse divulgada. Se a empresa tem o compromisso com a verdade, resiste à
pressão. Mas para isso tem que ser economicamente forte. Portanto a
liberdade de informação também passa pela venda dos spots. Uma experiência
bem-sucedida neste setor está sendo desenvolvida pela CBN — Central
Brasileira de Notícias. Uma rádio all-news, 24 horas, em rede, comprometida
com a isenção, onde os acionistas deixaram bem claro no início do projeto, em
1991, que se adotaria o que os jornalistas americanos chamam de the wall, ou
seja, a perfeita separação entre os departamentos comerciais e o de
jornalismo. Em um projeto como esse, onde tive uma participação pessoal, não
se vende o editorial, e o departamento comercial sabe bem disso. Os jornalistas
não gravam publicidade, não fazem testemunhais, nem merchandising. Não
vendem nada nem interferem no trabalho dos publicitários. A empresa se
mantém única e exclusivamente com a venda dos espaços comerciais, a maior
parte ocupada por spots ou informes publicitários. Sem essa infra-estrutura
econômica não se faz jornalismo. E isso não é apenas uma interpretação para
forçar a aproximação do spot da notícia.
HERÓDOTO BARBEIRO
JORNALISTA DA TV CULTURA E DA CBN
INTRODUÇÃO
Algumas questões em relação à radiofonia brasileira, em específico sobre
a sua linguagem, foram se consolidando à medida que observava a existência
de dois quadros, em princípio, paradoxais. Por um lado, a presença marcante
do meio rádio no cotidiano das pessoas e conseqüentemente na paisagem
sonora. Em 1996, estima-se que 89,3% dos domicílios brasileiros possuem rádio
e que mais de 90% das pessoas entre 10 e 65 anos ouvem rádio diariamente.
Some-se a isso um outro fator de ordem qualitativa: a nossa linguagem
radiofônica, de acordo com o maestro Júlio Medaglia (1978:127), apresenta um
diferencial que a torna "audiotáctil" e "em cores". Por outro lado, as pesquisas
de mídia delineiam um outro quadro no qual apontam a pequena participação
do meio rádio na distribuição dos investimentos publicitários. Ao mesmo
tempo, pesquisadores e profissionais admitem a existência e denunciam a
prática do gilete-press, ou seja, a leitura de notícias diretamente retiradas da
mídia impressa dentro dos departamentos de radiojornalismo, assim como a
irradiação do áudio de uma peça publicitária elaborada e produzida para a
mídia audiovisual sem nenhuma adequação prévia para o veículo.
O que no princípio me pareceu paradoxal, revelou-se intrinsecamente
lógico quando, ao consultar as obras sobre linguagem radiofônica — os
conhecidos manuais de radiojornalismo —, constatei que a ênfase recaía sobre
a elaboração do texto verbal-escrito, como se este fosse a essência da
radiofonia. Essa concepção descuida do fato de que a linguagem radiofônica
não é exclusivamente verbal-oral, mas resultado de uma semiose de elementos
sonoros (trilha, efeito, ruído e silêncio) que perdem sua unidade ao serem
inseridos em um meio acústico coordenado pelo tempo para comporem um
todo, que é a obra radiofônica.
Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo discutir a linguagem
radiofônica, sua estrutura e organização, refletindo acerca dos seus elementos
constituintes — o texto verbal-escrito, a voz e a sonoplastia (trilha, efeitos
sonoros, ruído e silêncio) —, do meio em si e do contexto cultural na qual está
inserida, pois o aspecto singular destacado acima por Júlio Medaglia reforça a
tese de Santaella de que "a marginalidade também tem seus trunfos" (1994: 89). Ou seja, o fato de a cultura latino-americana ser resultado da mescla de
diferentes etnias e de a voz ter invadido a letra fornecem à linguagem
radiofônica condições de apresentar ao comunicador maiores possibilidades de
ser explorada com vistas a "des-verbalizar" a palavra oralizada, romper a
linearidade e o aspecto referencial predominante neste meio presente nos
mais diversos espaços e paisagens de um país tão eclético semiótica e
culturalmente.
A fim de cumprir este objetivo delineado, elegi o spot— peça publicitária
elaborada e produzida para o rádio — como objeto desta pesquisa, pois através
dele pode-se observar a função de cada elemento constitutivo da linguagem
radiofônica, assim como a lógica que rege a organização destes com a
finalidade de sonoramente construir uma imagem do produto ou do serviço em
questão.
Outro fator que torna relevante a análise do spot para a discussão da
linguagem do rádio reside no fato de que o texto, que é traduzido pela
performance do locutor, passa pela escritura, ou seja, a voz torna presente
aquilo que fora anteriormente pensado em termos de escrita. Este texto, por
sua vez, adquire uma organização e estrutura sintática diferentes daquele que
é elaborado para ser apreciado pela visão, uma vez que tem como alvo um
receptor em constante movimento e um canal de comunicação que não conta
com o aparato da imagem.
O teórico alemão Werner Klippert (1980) assegura que nada que não
tenha voz participa da peça radiofônica, pois nela estão amalgamados
diferentes vozes, seja a dos elementos da sonoplastia ou da palavra oralizada e
mediatizada. Portanto, este mesmo texto ainda deve contar com a intervenção
da voz, pois embora se utilize do sistema de línguas, articulando sons, palavras
pré-moldadas, e se mantenha, em certa medida, presa à estrutura sintática,
ela, a voz, acrescenta algo de novo, chegando muitas vezes a fazer com que o
texto signifique mais do diz, de acordo com Paul Zumthor (1985:7).
Portanto, a partir deste objeto de pesquisa, o spot, levantei algumas
questões acerca da linguagem radiofônica, da lógica que coordena a
organização de seus elementos com a finalidade de surpreender a escuta de
seu ouvinte, de lutar contra a efemeridade de seu signo exclusivamente sonoro
e de promover a memorização e perpetuação da marca e do conceito de um
produto ou serviço.
Neste sentido, tomando a radiofonia como resultado de uma
multiplicidade de oralidades e vozes, realizei um paralelo entre a sua
linguagem, as técnicas de elaboração dos textos orais e as performances
realizadas pelos intérpretes da poesia medieval nas comunidades de oralidade
primária, que não contavam com o signo escrito para perpetuarem seus
legados culturais (regras, normas, descobertas, tradições). Dentre as vozes que
compõem esse mosaico da radiofonia, a sonoplastia, em colóquio com a voz,
constrói o cenário acústico, os personagens e suas ações, inaugurando,
portanto, formas de encantar e persuadir seu radiouvinte. Tais formas sonoras
encontram paralelo com as que os intérpretes do medievo tiveram que criar
através de suas presenças físicas, da eroticidade de seus gestos e do colorido
da suas texturas vocais para envolver seu auditor.
Assim, optei por organizar este trabalho em quatro capítulos para
desenvolver as questões resumidamente apontadas acima. No primeiro
capítulo, julguei essencial partir de alguns momentos da história do anúncio
falado desenvolvido na publicidade brasileira, especificamente a elaborada e
produzida para o rádio. Ainda que não se trate de uma discussão detalhada da
história da publicidade no rádio, mas de pontuações, desejei pôr em relevo a
importância deste tipo de produção radiofônica (que tem como precursores as
manifestações orais dos vendedores ambulantes através de seus pregões) para
o desenvolvimento de uma linguagem singular ao meio rádio, uma vez que este
demonstrava grande influência da mídia impressa, representada, na ocasião da
sua implantação e expansão, pelas gazetas, folhas e pasquins.
No segundo capítulo, desejei levantar algumas questões a respeito da
especificidade que o texto verbal-escrito, elaborado a partir da lógica da língua
linear e digital, adquire ao ser inserido em um meio coordenado pelo tempo e
pela simultaneidade de seus elementos e pensado em função da intervenção
voz. Essa discussão é realizada tendo em vista o papel desempenhado pelo
texto oral para as comunidades de oralidade primária e as inter-relações
semióticas entre este e o texto verbal-escrito elaborado para ser traduzido por
uma voz determinada. A plasticidade da voz (seu aspecto "tátil" e "gestual"), o
papel que ela assume neste processo de tradução do escrito para o oral
mediatizado pela ondas do rádio e as relações de ambos com as performances
dos intérpretes e as técnicas que orientaram a composição e perpetuação dos
textos orais das comunidades baseadas na voz também são importantes,
questões tratadas ainda nesse capítulo.
A expansão da linguagem radiofônica para além da palavra oralizada
abre espaço para a discussão, no terceiro capítulo, do silêncio, ruído, efeito
sonoro e trilha como elementos de uma linguagem essencialmente sonora,
que, em uma espécie de combate verbo-voco-sonoplástico, se articulam
simultaneamente com diferentes funções para compor o spot publicitário.
Discutirei também a adequação dos elementos da sonoplastia ao produto e ao
público-alvo, a sintaxe do meio, assim como a organização que rege suas
combinações, questões que a partir dos spots selecionados e transcritos no
capítulo seguinte poderão ser melhor apreendidas.
No quarto capítulo, os spots publicitários selecionados e reproduzidos no
CD em anexo são transcritos e analisados, conforme as questões levantadas
nos capítulos anteriores sobre o texto verbal-escrito, a performance do locutor
e a sonoplastia. O objetivo da transcrição é explicitar a sintaxe radiofônica, que
se funda na concorrência/ simultaneidade dos elementos sonoros que
perfazem a radiofonia, evidenciar as características do texto verbal-escrito
elaborado para ser veiculado no rádio e para receber a intervenção da voz,
que, por sua vez, imprime a este qualidades impossíveis de serem transcritas
em signos escritos, assim como evidenciar as funções que silêncio, trilha e
efeito sonoros assumem em uma peça radiofônica, seja em relação ao público,
ao produto, ou a ambos. Daí a importância de que o CD, que reúne spots
produzidos nas décadas de 80 e 90, seja ouvido para que se percebam as
especificidades da linguagem radiofônica que tive como meta evidenciar no
decorrer deste trabalho.
CAPÍTULO I
DOS MASCATES AO SPOT PUBLICITÁRIO —
VOZ E SONOPLASTIA NA PUBLICAÇÃO
SONORA
O ANÚNCIO FALADO NAS ONDAS HERTZIANAS
Com o surgimento dos nossos primeiros jornais e gazetas no século XIX,
aparecem os anúncios impressos cujos textos aproximam-se dos pregões1 que
dominavam as ruas do comércio emergente nas capitais brasileiras. Na
verdade, como relata Ricardo Ramos, os anúncios impressos eram em princípio
"uma simples transposição escrita das vozes", cujos textos geralmente eram
precedidos pela expressão "quem quiser", e após o nome da mercadoria e do
anúncio, lia-se: "Atenção, muita atenção, aviso" (1995:15).
No entanto, o anúncio, que se limitava a enumerar, mencionando apenas
o nome do produto e o contato, sem argumentar, começa a adquirir identidade
própria com a introdução da ilustração. Segundo Herman Lima (apuaramos
1995:19), os primeiros anúncios ilustrados são publicados nos jornais
Mequetrefe e O mosquito por volta de 1875, que dispunham de uma página,
em geral a última, desenhada pelo próprio caricaturista da publicação.
No início deste século, aliada a essa inovação, o aparecimento dos
"semanários" — revistas semanais e ilustradas — traz para a composição do
anúncio a rima, o humor e a sátira de figuras políticas, tendo grande
participação de poetas como Olavo Bilac. Ramos (1995: 26) relata que os
anúncios faziam caricaturas, criavam diálogos, testemunhos de
figuras/personalidades políticas em versos, num tom humorado e alegre como
nesta quadrinha atribuída a Olavo Bilac, envolvendo a figura do então
presidente da República Campos Sales: "Aviso a quem é fumante/Tanto o
Príncipe de Gales/Como o Dr. Campos Sales/ Usa Fósforo Brilhante."
O anúncio desenvolve uma linguagem singular, procurando se adequar à
mídia impressa. O tom rebuscado que caracterizou seus primeiros exemplares
— como este elaborado para um negociante: "espera na benevolência do
1
Pregões, segundo o dicionário Aurélio, refere-se à voz ou pequena melodia de ritmo livre, bastante
próxima do recitativo musical, e com o qual os vendedores ambulantes anunciavam suas
mercadorias.
respeitável público, que continuarão a honrá-lo com sua proteção" —, ainda
em 1919, faz parte de alguns dos textos dos anúncios, como os encontrados
em um único exemplar da revista Fon-Fon: "Seja-nos lícito chamar a atenção
dos leitores para a importância terapêutica do nosso preparado Elixir de
Murere Caldas, ou o título 'Sentirão o quanto o Sabonete de Reuter purifica os
poros'" (Ramos 1995: 29).
Com o aparecimento2 e consolidação do rádio no decorrer das décadas
de 20 e 30, abre-se um novo desafio: a publicidade sonora. Até 1 de março de
1932, ocasião da regulamentação da publicidade radiofônica através do
decreto 21.111,3 as emissoras que surgiam eram essencialmente mantidas
pelos sócios e amantes4 da novidade, ainda restrita a poucos que possuíam os
"sofisticados" aparelhos. Segundo o publicitário Manuel Leite (1990: 226), no
final de 1930 o país já contabilizava 21 emissoras na estrutura Sociedade de
Amigos, que mantinham uma programação elitista: ópera, música clássica e
concertos de piano. No entanto, como alternativa de sustentação econômica,
antes mesmo do decreto 21.111, a publicidade já aparecia nas programações,
ainda embrionária, na forma de "assinatura", ou seja, uma simples menção ao
"colaborador" na abertura e no encerramento da programação,5 conforme
ilustra Roberto Simões: "E seguia-se a transmissão durante uns cinco minutos
de títulos de estabelecimentos comerciais" (1995: 173).
No entanto, com a regulamentação da publicidade e a popularização dos
aparelhos através da importação de modelos com preços mais acessíveis, a
estrutura da programação, a linguagem empregada e os anúncios sofrem
2
O rádio no Brasil acontece em 7 de setembro de 1922 com a irradiação do discurso do presidente
da República, Epitácio Pessoa, por ocasião da inauguração da Feira da Exposição Mundial no Rio de
Janeiro. A transmissão pioneira oficial que pôde ser ouvida em Niterói, Petrópolis e até em São Paulo
foi possível graças a um transmissor montado pela Westinghouse no morro do Corcovado. Tal
transmissão/ evento marcaria o início da radiofonia brasileira, cuja história vê-se envolvida em uma
confusão de datas registradas por pesquisadores e historiadores da comunicação.
Segundo Manuel Leite (1990: 225), a primeira emissora de rádio do Brasil foi a Rádio
Sociedade do Rio de janeiro, que começou operar em 23 de abril de 1923, atualmente conhecida
como Rádio Ministério da Educação (Rádio MEC), tendo como precursor Roquette Pinto. Por outro
lado, Ricardo Ramos (1995: 39) assevera que quando Roquette Pinto fundou a sua emissora já havia
emissoras funcionando em São Paulo, no Rio e Recife, como iniciativa profissional, tendo sido a
primeira emissora brasileira a Rádio Educadora, que iniciou suas operações no Rio de Janeiro em
1927 e depois se transformaria na Rádio Tamoio.
3
Este decreto lei que disciplina a propaganda comercial pelo rádio, fixando um limite de 10% da
programação da emissora, é alterado já em 1934, aumentando para 20% do tempo de cada
programa o limite de intervalos publicitários.
4
"Segundo as normas da Companhia de Telégrafos, empresa responsável pela regulamentação das
rádios no país , as emissoras não podiam ter publicidade, pois, na verdade, não passavam de clubes
que reuniam 'amantes das ondas hertzianas' " (Case, 1995:26).
5
Um dos modelos que geralmente antecediam e/ou encerravam os programas desta época é este
descrito por Roberto Simões (1995: 173): "Contribuem para o fundo de broadcasting...".
alterações. Busca-se uma programação mais dinâmica, aliada a uma linguagem
singular apropriada às características do veículo.
Suas limitações: unisensorialidade, ausência de imagem, efemeridade da
palavra; suas vantagens: caráter sugestivo, penetração em diferentes classes
socioculturais, imediatismo. Aos poucos, o meio liberta-se da evidente
influência da linguagem impressa, da lógica da informação elaborada para ser
apreciada pela visão. "As emissoras passam a popularizar progressivamente sua
programação, direcionando-se abertamente ao lazer e à diversão" (Queiroz e
Silva, 1990: 139).
Neste percurso de construção de uma nova linguagem, os anúncios
radiofônicos desempenharam um importante papel, pois o amadorismo e o
desconhecimento da linguagem adequada ao veículo, que se faziam presentes
através da improvisação da mensagem pelo locutor e/ou através da simples
leitura de textos preparados para a mídia impressa sem qualquer adaptação ao
meio, começam a ceder espaço para a introdução de textos pré-elaborados por
um redator e que eram posteriormente lidos ao vivo pelos locutores das
emissoras ou gravados com antecedência, isto é, o spot publicitário e os jinglês
(anúncios musicados).
É possível que o fato de a raiz da publicidade radiofônica não estar
locada na tradição escrita, mas sim nas tradições orais, tenha acelerado o
desenvolvimento de uma linguagem adequada a um veículo essencialmente
sonoro. Aliado a esse fator, foram salutares as peculiaridades da cultura latinoamericana, na qual a letra, tardiamente introduzida em nosso continente, é
incessantemente invadida pelos signos da voz e pela eroticidade corporal,
elementos analógicos amalgamados na lógica linear da escrita eurocêntrica que
conferem maior sonoridade aos signos.
Recorrer à voz para anunciar idéias e mercadorias é uma estratégia que
já se fazia presente nos arautos, nas monarquias da Idade Média — tempo de
oralidade —, quando os oficiais, mensageiros, faziam as proclamações solenes,
anunciavam a guerra e proclamavam a paz. No Brasil, as vozes dos mascates
anunciavam suas mercadorias com pregões cantados e geralmente
acompanhados por instrumentos sonoros, como a cometa e a matraca.6
Foram, portanto, os vendedores ambulantes que ao entoar seus pregões,
esboçaram nossos primeiros slogans e inglês [...]. Às quatorze horas
cerrava-se o expediente das repartições e tinham início os pregões de
peixeiros, funileiros, garrafeiros e vendedores ambulantes de guardachuvas (Simões, 1990:172).
6
Matraca, segundo o dicionário Aurélio, é um instrumento de percussão formado por tabuinhas
movediças, ou argolas de ferro, que ao serem agitadas percutem a prancheta em que se acham
presas e produzem uma série rápida de estalos secos.
Nos pregões, ritmo, rimas e performance propagavam-se, faziam o
reclame dos produtos, evidenciando, na entonação da voz, no desenho do
gesto e na palavra oralizada traços reelaborados de uma oralidade primária
característica das comunidades orais. A performance, aliada a um texto
elaborado oralmente para ser memorizado, garantia a perpetuação de
conhecimentos/descobertas, regras e narrativas de uma determinada
comunidade sem a intervenção da escrita.
Portanto, quando os spots e jingles valem-se de versos, rimas, textos
elaborados de forma a serem facilmente memorizados, assim como os
anúncios impressos o fizeram, conforme mencionei, reelaboram signos dos
textos orais, porém inseridos em uma mídia que ao privar emissor e receptores
da presença física estende o alcance da voz a inúmeros universos socioculturais
que compõem a sociedade brasileira.
PUBLICIDADE NAS ONDAS HERTZIANAS:
FORMATOS DE ANÚNCIOS FALADOS
À medida que a publicidade é introduzida e regulamentada na radiofonia
e a programação direciona-se progressivamente para os gêneros populares, o
tom erudito cede espaço a uma linguagem menos rebuscada, pois a pressão
exercida pelo comércio, que buscava nesta mídia oportunidade de expansão de
seus negócios, estava atenta à popularidade dos programas. Importante
observar que os programadores só podiam inserir os "reclames" nos espaços
de programação popular, uma vez que não podiam interromper os concertos.
Já em 1932, segundo Simões (1990: 177), a verba destinada ao rádio supera a
verba para painéis e cartazes; em função disto, em 11 de julho de 1934, o
decreto lei n. 24.655 regulamenta que os intervalos publicitários não poderiam
exceder a 20% do tempo de cada programa. Cada texto deveria ter, no
máximo, 60 segundos, salvo entre 7 e 16 horas, quando poderia ser estendido
até 75 segundos. Também não poderiam ser veiculados anúncios seguidos, e
era proibida a reiteração de palavras e conceitos.7
A inauguração, em 1932, do Programa Case na Rádio Philips do Rio de
Janeiro, teve grande importância tanto no desenvolvimento da publicidade
como na linguagem do rádio.
7
A primeira norma a respeito da prática publicitária no Brasil, segundo Roberto Simões (1990: 171),
data de 15 de junho de 1543, quando o donatário Martim Afonso de Souza, na capitania de São
Vicente, baixava uma positiva proibindo os mercadores de, nos pregões que antecediam as vendas,
falar mal das mercadorias dos concorrentes.
Case (1995: 62) buscava, como Roquette Pinto, um amadurecimento
para o rádio, com a criação de uma linguagem específica para o meio de
comunicação. Havia uma preocupação com o rádio-ouvinte, um cuidado com a
programação e uma intenção de levar ao ar o que de melhor havia na nossa
música popular e na música erudita.
Neste sentido, atento às características do veículo e aos potenciais
patrocinadores de seus programas, Case introduziu mudanças que se fazem
presente ainda hoje na radiofonia, tais como o uso da música de fundo, o BG
(background)8 durante a locução e a continuidade do programa, evitando as
longas pausas entre locução, música e anúncios características dos programas
irradiados. Valendo-se de sua experiência como vendedor, inclusive de
anúncios para uma revista humorística, a D. Quixote, de Bastos Tigre, e de
aparelho de rádio em 1929, Case procurava os comerciantes em suas lojas e
depois de muita argumentação, em alguns casos, conseguia fechar um
contrato. A venda de horários e a criação de comerciais diferentes a cada
programa foram algumas das principais inovações do Programa Case no
aspecto publicitário, que ainda encontrava resistência por parte de alguns
comerciantes:
A desinformação era o pior inimigo na caça às verbas de publicidade. Não
raras eram as vezes em que a falta de conhecimento sobre aquele novo
meio de comunicação trazia problemas. Tinha até cliente que não queria
pagar o anúncio porque, na hora em que tinha ido ao ar, o aparelho dele
estava desligado (Case, 1995: 50).
A arma para atrair novos patrocinadores foi a criatividade. No início da
publicidade radiofônica, era comum os improvisadores, tais como Waldo de
Abreu que, em 1932, mantinha na Rádio Clube do Brasil (Rio de Janeiro) o
Esplêndido Programa. Nele, eram criadas com o programa no ar, ao vivo,
historietas para exaltar as qualidades de produtos ou para enaltecer as
excelências dos patrocinadores (Simões, 1990: 176 e Tinhorão, 1978: 89).
Rompendo com o improviso, o humor e os gêneros musicais conhecidos são
explorados na elaboração prévia dos textos em prosa e em versos dos anúncios
cantados, mais tarde conhecidos como jinglês.
Segundo Tinhorão (1978: 90-91), o primeiro anúncio comercial musicado
do rádio brasileiro surge no Programa Case, composto por Antônio Gabriel
8
Também conhecido como TC, BG (background) refere-se à música ou ruído de fundo que serve de
suporte para a fala. O BG precisa ser característico, para não ser considerado como falha técnica, e
não pode, de maneira alguma, prejudicar o som da fala (Porchat, 1989: 165). Convém salientar que o
BG extrapola a função de suporte quando inserido numa sintaxe que privilegie seu potencial
ilustrativo.
Nássara, em 1932, para a padaria Pão Bragança, que apresenta o anúncio sob a
forma de um fado português com base na quadrinha: "Ó padeiro desta
rua/Tenha sempre na lembrança/Não me traga outro pão/Que não seja o Pão
Bragança", que era acrescida de outras partes, numa longa sucessão de versos,
que cada um dos cantores do Programa Case presentes no momento entrava
cantando, após a repetição do estribilho: "Pão inimigo da fome,/Fome, inimiga
do pão,/Enquanto os dois não se matam/A gente fica na mão/Ó padeiro desta
rua [...]"
Descobertas as possibilidades do anúncio cantado, os primeiros
redatores do rádio — quase todos também compositores ou, pelo menos,
hábeis fazedores de versos — sentiram imediatamente a vantagem de
estruturar o novo gênero, e o jingle entrou para a história da propaganda
irradiada. O primeiro jingle gravado em acetato, em 1935, foi composto em São
Paulo por Gilberto Martins para a Colgate-Palmolive e possibilitou a sua
repetição nas emissoras alcançando enorme repercussão popular:
"[...] os "rádio-ouvintes" passavam a incorporar inclusive ao seu
vocabulário as frases mais destacadas das mensagens publicitárias, cantando
ou assobiando as melodias dos jingles pelas ruas ou enquanto trabalhavam"
(Tinhorão, 1978: 98). Os jingles passam a fazer parte da paisagem sonora das
cidades e marcam o início da luta dos produtos internacionais pela conquista
de um emergente mercado urbano brasileiro dirigido para o consumismo.
Paralelamente ao jingle, outros formatos de anúncios radiofônicos são
desenvolvidos, tais como a assinatura, o testemunhal e o spot para um veículo
que já adquiria o status de negócio, de mídia. A assinatura é na realidade um
desdobramento das citações que eram realizadas na abertura e no
encerramento dos programas antes da regulamentação da publicidade no
rádio, conforme assinalamos. No entanto, com a assinatura, além dos
programas serem associados a marcas famosas, tais como a Lever, ColgatePalmolive, Ford — Serões Dominicais Ford realizado por Sangirardi Jr. na rádio
carioca Mayrink Veiga, por exemplo —, não era admitido inserir publicidade de
produto concorrente nos intervalos do programa, nem na abertura e no
encerramento, conforme nos adverte o publicitário e radialista Manuel Leite
(1990: 228).
O testemunhal, atualmente praticado nas rádios de freqüência AM, é um
comentário realizado ao vivo no decorrer do programa pelos próprios locutores
testificando a eficácia de determinado produto ou serviço. Geralmente são
locutores que compram espaço dentro de uma determinada emissora e
assumem toda a produção do programa, inclusive o agenciamento de
patrocinadores. Tal prática faz parte dos investimentos diretos, ou seja, que
não passam pelas agências e/ou produtoras de publicidade, sendo, portanto,
contratados e elaborados na própria emissora. Está diretamente ligada à
credibilidade do locutor, ou seja, quando o radialista Zé Bettio faz um
testemunhal sobre determinado medicamento, o que está em jogo é a
aceitação e a credibilidade que ele goza entre sua audiência.
O spot publicitário tem como seu precursor na radiofonia as historietas
que se criavam para divulgar as mercadorias, mas a possibilidade de gravação
do texto locutado e a inserção de trilhas e efeitos sonoros conferem
singularidade a este "tipo de anúncio" no qual o humor e a eroticidade tem
forte presença. Segundo Ramos (1995:49), em 1948, o publicitário José Scatena
funda a Rádio Gravações Especializadas (RGE), nossa primeira organização de
jingles e spots. Mas já na década de 30 havia a Cia. Royal de Rádio Produções
que, com o mesmo objetivo, produzia e gravava nos estúdios da Byington as
peças publicitárias nas vozes de Walter Foster, Randal Juliano, Celso Guimarães
e Rodolfo Lima Martensen, conforme assegura o pesquisador e jornalista
Roberto Simões (1990: 180).
ASCENSÃO E DECLÍNIO DO RÁDIO COMO MÍDIA
Na década de quarenta, o rádio destaca-se como o mais importante mass
médium; o surgimento da radionovela,9 dos programas humorísticos, dos
grandes musicais/programas de auditório marcam esta década e a seguinte
como a fase de ouro do rádio brasileiro, principalmente da Rádio Nacional.10
Invertendo a situação vivenciada por Ademar Case na ocasião da implantação
do seu programa, os anunciantes disputavam o patrocínio dos programas de
maior audiência, abrindo novos caminhos para a publicidade radiofônica, que
em conjunto com as agências de propaganda adquiriam subsídios para
aperfeiçoar as produções e aumentar a sua participação nos investimentos
publicitários.
9
Sob o aspecto da construção da linguagem de um veículo essencialmente sonoro, o gênero
radionovela trouxe grande contribuição, uma vez que, através de adaptações e histórias inéditas,
explorou o aspecto sugestivo e a sonoridade através da performance da voz - que encantava e
despertava ódio - e da introdução de elementos sonoros, tais como efeitos (amadoristicamente
produzidos no decorrer das gravações ou irradiações ao vivo), trilhas sonoras e músicas
especialmente produzidas para determinados personagens.
10
Em plena guerra, em 1941, surge na Rádio Nacional dois programas que marcariam
definitivamente a história da radiofonia brasileira: o Repórter Esso –Testemunha ocular da História e
a radionovela Em Busca da Felicidade, patrocinada pela Colgate-Palmolive sob o seguinte prefixo:
"Senhoras e senhoritas , a Rádio Nacional do Rio de Janeiro apresenta Em Busca da Felicidade,
emocionante novela de Leandro Blanco."
Embora fosse a mídia preferencial por parte dos anunciantes, o
investimento destinado a ele por parte das agências e das empresas em
pesquisas para traçar o perfil da audiência, seu potencial de consumo, seu nível
cultural e até mesmo o número de aparelhos espalhados ao menos nas capitais
raramente se encontrava entre as prioridades. As exceções dizem respeito à
iniciativa de algumas empresas multinacionais, como a General Motors
(anunciante pioneiro do rádio), o Laboratório Sidney Ross e a Gessy Lever, que
tinham seus próprios departamentos de propaganda e realizavam pesquisa de
audiência para melhorar o posicionamento de seus produtos nas capitais
paulista e carioca. Em 1937, por exemplo, a Lever realizou, em São Paulo, uma
pesquisa visando quantificar o número de receptores existentes na capital,
concluindo que 60% das residências os possuíam. Em números absolutos,
correspondia a 80 mil aparelhos.
A carência de pesquisas aprofundadas sobre a audiência e a realidade de
mercado tem se estendido e permanece sendo apontada por pesquisadores e
especialistas como um dos principais fatores que tem gerado desinteresse por
parte das agências e anunciantes em investir no meio, tornando-o uma mídia
complementar em relação à televisão e, inclusive, a outras mídias, como o
jornal impresso e revistas, conforme os dados do Gráfico 1.
A quebra do preconceito das agências e a elaboração urgente de
pesquisas detalhadas de audiência são as principais barreiras, apontadas pelos
especialistas que se reuniram no evento Mídia Show 97, para o meio rádio
conquistar maior participação no bolo publicitário, que hoje é de 4,3%.11
Segundo a diretora geral da rede Transamérica, Miriam Chaves,
É preciso haver uma união das rádios para desenvolver pesquisas. A falta
de informação é vista como um empecilho na apresentação dos produtos
aos anunciantes, que ficam às escuras no momento de traçar um plano
eficiente de mídia (Meio & Mensagem, abril de 1997: 36).
No entanto, aliado a este fato há certamente outros fatores que
influenciaram esse posicionamento do rádio no mercado publicitário, a
começar, em 1950, com o lançamento histórico da televisão no Brasil, a PRF-3,
TV Tupi, em São Paulo. A introdução deste novo meio de comunicação é o
prenuncio da substituição da preferência dos anúncios falados pela garotapropaganda na telinha, cuja tendência começa a aparecer na década de 60,
quando é registrado um empate técnico entre as duas mídias, segundo a
pesquisa elaborada e publicada em 1979 pelo Grupo de Mídia, conforme a
Tabela 1.
Como a mídia distribui as verbas
Ano
TV
Jornal
Revista
Rádio
Outdoor
Cinema
Diversos
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
24,7
32,9
36
32,8
39,5
43
44,5
43,1
39,6
39,3
46,1
46,6
51,1
53,9
51,9
55,8
56,2
18,1
16,6
16,4
18,4
15,7
14,5
15,8
15,9
21,9
24,8
21,8
20,9
18,5
19,8
21,1
20,2
20,2
27,1
21,9
19,5
25,6
23,3
22
20,2
22,9
21,9
17
16,3
15,6
16
14,1
13,7
12,4
12,4
23,6
23
23,4
19,5
17,5
15,5
14,6
13,6
13,2
12,7
9,4
10,4
9,4
8,8
9,8
8,6
8
6,4
4,6
4,1
3,4
3,7
4,4
4,3
3,9
3,8
5,3
5,1
5,1
4
2,7
2,9
2,4
1,5
0,1
1
0,6
0,3
0,3
0,6
0,6
0,6
0,5
0,9
1,3
1,4
1
0,7
0,6
0,6
0,5
1,2
Fonte: Grupo de Mídia, 1979.
Tabela 1
11
Este índice de 4,3% representa a participação do meio rádio no mercado publicitário e corresponde
ao primeiro trimestre de 1997. Dados do Projeto Inter-Meios publicado na revista Meio &
Mensagem, Ano XIX, n. 757 (19/5/97).
De 196212 a 1978, a participação do rádio no mercado publicitário caiu de
23,6% para 8%, enquanto a televisão, dez anos após sua implantação,
comemorava o aumento de 24,7% para 56,2%, tornando-se a mídia
preferencial, posição que tem dominado até os dias atuais entre o rádio e
demais mídias, conforme Gráfico 1. O empate e o deslanchamento da televisão
em relação ao rádio, na década de 60, deve-se principalmente ao
deslocamento dos investimentos financeiros e da mão-de-obra do rádio para o
novo meio que já exercia fascínio entre os profissionais e os empresários, sem
que estes se planejassem para dar seguimento aos investimentos no meio
radiofônico. Esta constatação fica evidenciada na opinião do diretor-executivo
da Rádio Eldorado de São Paulo, João Lara Mesquita, divulgada pela revista
Meio & Mensagem:
A TV estourou nos anos 60, quando o rádio era a mídia básica. De lá para cá
houve uma expansão muito rápida, profissionalismo, foco no cliente.
Enquanto o rádio estava chorando pelo advento da TV, esperando que
alguma coisa acontecesse para voltar a ter a força que tinha no passado, a
TV estava se profissionalizando. O rádio não se preparou para a
competição (abril de 1997: 36).
O rádio chega à década de 90 com programação e linguagem moldadas
por diversas transformações ocorridas na era da mídia tele-visual. A invenção
do transistor, em 1956, a implantação e ampliação da Freqüência Modulada, as
FMs, na década de 70, das redes de rádio com os satélites, a segmentação, e a
digitalização, entre outros, marcaram a estrutura da radiofonia e,
conseqüentemente, sua linguagem e o relacionamento com o ouvinte. O
transistor, por exemplo, que chega ao Brasil em 1965 com o aparelho
importado Spika, libera o rádio da sala para os mais diferentes e inusitados
lugares, incorporando-se inclusive à paisagem sonora e anunciando o aspecto
intimista que se faz presente na linguagem radiofônica atualmente. O "radinho
de pilha" e, mais tarde, o walkman tornam-se extensão do corpo de seu
ouvinte, que o carrega colado em seus ouvidos por entre ruas e avenidas.
No início da década de 70, a inauguração e expansão13 da FM com a
Rádio Difusora FM de São Paulo, uma programação predominantemente
12
O ano de 1962 também é marcado pelo surgimento do Código Brasileiro de Telecomunicação
através da lei 4.117, regulamentado peto decreto n.Q 52.795. Nele estava previsto que a publicidade
através do rádio não poderia exceder a 25% do tempo destinado à programação diária, marca esta
que ainda permanece vigente.
13
Em 1973, o Ministério das Comunicações lança o Plano de Distribuição de Canais FM num
panorama que contava com 1.000 emissoras já em 1966 e uma estimativa de 12 milhões de
aparelhos receptores. Atualmente, segundo dados do Ministério das Comunicações/ABERT publicado
musical é introduzida. Com o surgimento dos disc-jóqueis, abre-se espaço para
rápidos comentários, destacando a música e o humorismo, que imprimem
novo ritmo às programações e recuperam uma importante faixa da audiência:
os jovens. Segundo a pesquisa realizada pela Marplan, em 1995, a penetração
do rádio AM entre a faixa etária compreendida entre 1 5 e 19 anos é de apenas
15% contra os 94% relativos à penetração das FMs, que atualmente contam
com 1.275 emissoras no país, de acordo com dados do Ministério das
Comunicações/ABERT para o mesmo ano (cf. Gráfico 2).
Dentre os caminhos apontados para o reposicionamento do rádio como
mídia, além do investimento em pesquisas, conforme assinalamos, surge a
proposta da segmentação das programações das rádios e a implantação de
redes. A idéia do rádio como mídia segmentada tem alcançado adeptos. Na
capital paulista, por exemplo, há emissoras especialmente direcionadas para
determinados gêneros musicais, como o rock, MPB, samba, tendo como meta
atingir um público de perfil bem delimitado.
Na impossibilidade de acompanhar a televisão, "veículo de integração
nacional" com uma audiência maciça, as principais emissoras estão
abandonando o anacrônico conceito de "público em geral", assumindo sua
audiência atomizada e partindo para a exploração de segmentos cada vez mais
específicos (Queiroz e Silva, 1990: 140).
Por outro lado, entre controvérsias e polêmicas, a formação de redes,
por iniciativa de algumas rádios, tem optado por uma programação
diversificada, pois têm como meta a retransmissão por satélites para diferentes
regiões do país. Atualmente, no Brasil, há 10 redes de rádio (cf. Tabela 2), e de
acordo com o diretor da Rede Jovem Pan Sat, Paulo Machado Neto, este é o
futuro da radiofonia: "O rádio, enquanto veículo de entretenimento, deve ser
universalizado. O futuro do veículo será por via satélite, até com a possibilidade
de sintonia internacional, através da banda digital" (Meio & Mensagem, abril
de 1997: 36). No entanto, as redes, pela programação e linguagem
centralizadas, têm enfrentado críticas devido à possibilidade de
"descaracterização" das culturas locais, bem como resistência por parte de
algumas "praças", como as do Nordeste.
Principais redes de rádio AM/FM — Brasil
Redes Nyde Emi
no Mídia Dados de 1996, existem, entre ondas médias, curtas, tropicais e freqüência modulada,
2.961 emissoras comerciais no Brasil, um número que está na iminência de dobrar devido à previsão
de novas concessões de rádios, assim como pela possível regulamentação das chamadas rádios
comunitárias.
Rede Líder — SAT 92
Jovem Pan Sat — FM 41
Rede Holms Comunicação (Rede Bandeirantes — AM) 31
Rede Transamérica — Transat 3
Antena 1 — Sat 30
CBN 25
Gaúcha — Sat 22
Jovem Pan Sat — AM 19
Rede Atlântica — Sat 12
Rede Holms Comunicação (Rede Bandeirantes — FM) 6
Fonte: Redes — abril/96.
Tabela 2
Portanto, o rádio que se delineia para o próximo milênio no Brasil é um
veículo de comunicação que goza de grande credibilidade e penetração
nacional, pois entre o público de 10 a 65 anos de diferentes classes sociais e
sexo, o índice de penetração atinge a média absoluta de 91,1%, conforme
dados da pesquisa Marplan 1995, e segundo números do Censo IBGE e
Estimativas do Grupo de Mídia, em 1996, 89,3% dos domicílios brasileiros
possuem pelo menos um aparelho de rádio, sendo que a região sudeste tem
93,7% de posse. Entretanto, como mídia, mesmo apresentando custos de
produção e veiculação significativamente inferiores à televisual e ser
comprovadamente a mídia de maior audiência durante o horário comercial, o
rádio pode fechar esta década retendo apenas os atuais 5% de investimento
(conforme Gráfico 1), ou os 4,3% registrados neste último trimestre de 97
(Projeto Inter-Meios, maio/97).
Pesquisadores e profissionais da área de comunicação culpam as
emissoras pelo desinteresse das agências pelo rádio, pois estas, conforme já
dito, não realizam suficientes pesquisas de mercado. Também sugerem a
segmentação ou a retransmissão de programação como caminhos para
reverter tal situação. Contudo, pouco se discute a respeito da relação entre
este quadro, que vem sendo desenhado há pelo menos três décadas, e a
questão da adequação da linguagem a este meio essencialmente sonoro. Esta
questão, por sua vez, chama a atenção para o fato de que, se por um lado, o
rádio se encontra incluído em um contexto permeado de imagens, por outro
encontra-se inserido em uma cultura cujas especificidades sígnicas possibilitam
a singularização da linguagem radiofônica e de seus elementos constitutivos.
Portanto, a discussão sobre o rádio como mídia e veículo de comunicação
passa necessariamente pelo viés da sua linguagem, conforme discutirei no
capítulo seguinte.
CAPÍTULO II
O JOGO DA ORALIDADE E DA
ESCRITURA NA COMPOSIÇÃO DO SPOT
[...] Viver era, para ele, escrever. Não lhe importava em absoluto que suas
obras durassem. Uma vez radiados, se esquecia dos libretos. Me assegurou
que não conservava cópia de nenhum dos radioteatros. Estes haviam sido
compostos com o tácito convencimento de que deviam volatizar-se ao ser
digeridos pelo público. Uma vez lhe perguntei se nunca havia pensado em
publicar: — Meus escritos se conservam em um lugar mais indelével que os
livros — me instruiu, no ato: a memória dos radioescutas. (Vargas Llosa, Tia
Júlia e o escrevinhadoó).
O TEXTO RADIOFÔNICO —
A CONJUGAÇÃO ENTRE A ESCRITA E A VOZ
Como "um meio cego", o rádio lança signos no éter e luta contra a
fugacidade para perpetuar a sua mensagem na memória de seus rádioouvintes. Sem a possibilidade de retorno ou correção, o signo sonoro, efêmero
e inscrito temporal mente, encontra em cada ouvinte a sua possibilidade de
ressonância e, portanto, de perpetuação.
No entanto, concorrendo com inúmeras informações que chamam a
atenção do seu rádio-ouvinte, o rádio recorre à redundância e ao seu poder de
sugestão, a fim de retirar seu potencial ouvinte do estado de ouvir para o de
escuta atenta e fazê-lo adentrar um universo permeado de elementos já há
muito conhecidos, pois consta (Vasse, 1977) que desde quando em gestação
vivia em um universo eminentemente sonoro-musical.
Diferentemente das sociedades arcaicas, cuja situação comunicativa se
caracteriza pela ausência da escrita e, portanto, conta com a presença física do
emissor, o rádio no seu processo comunicativo freqüentemente reproduz uma
voz sem corpo, ou seja, uma voz que, com o advento das tecnologias de
transmissão e estocagem de sons, separa-se da fonte que a produziu. A este
"corte livre do som de sua origem natural", Schafer (1991: 176) denomina
esquizofonia. Figurando entre os primeiros meios de comunicação coletivos e à
distância,14 o rádio, ainda que se expanda exteriormente de forma amplificada
e se dirija ao consumo coletivo, convida o seu receptor para uma comunicação,
uma vivência a dois, mesmo que imaginariamente: "A nova paisagem sonora,
em especial a radiofônica, convida o auditor à solidão [...]. As mídias eletrônicas
tocam individualmente um número ilimitado de auditores" (Nunes, 1993:104).
Essa empatia e proximidade, ainda que imaginária, são estabelecidas
graças à linguagem de um veículo que, como desejo demonstrar, reelabora
signos de uma oralidade cuja situação comunicativa dava-se pela palavra oral,
pela proximidade de corpos e intermédio da voz performática, pois embora o
surgimento do rádio tenha se dado num contexto há muito "permeado" pela
escrita alfabética grega, corporificada pela lógica aristotélica e linear, uma
lógica por contiguidade, conforme Décio Pignatari (1987:144), a sua linguagem
apresenta características similares às desenvolvidas pelas narrativas das
sociedades arcaicas. Neste sentido, embora distas tanto pela tecnologia da
escrita como pela das telecomunicações, o rádio, por permanecer em plena era
da interface da tela (Virílio, 1993), aproxima-se da lógica das produções das
culturas baseadas na voz quando a palavra nele oralizada ultrapassa seu
aspecto referencial, de signo simbólico, para ser ação-acontecimento, tal como
ocorre para a tradição oral. Portanto, é possível observar, na estruturação de
alguns textos radiofônicos, a reatualização dos signos peculiares à oralidade e,
conseqüentemente, à sua lógica, que coordena a organização dos textos orais a
partir da justaposição de seus elementos.
Similarmente às sociedades primárias, o rádio teve que desenvolver
"técnicas" que assegurassem a assimilação e a memorização de sua mensagem,
principalmente quando se trata da mensagem publicitária — o spot. Nas
sociedades orais, o conhecimento, seja através de regras, leis e/ou relatos
míticos apreendidos através de rituais, tem seu texto estruturado por "frases
formulaicas" (Ong, 1982: 33), que são frases ou expressões adequadas
metricamente, fixas e repetidas em verso ou prosa, com o objetivo de facilitar a
memorização e a conseqüente perpetuação do texto.
Embora tecnicamente o texto radiofônico seja similar em diferentes
culturas, vale ressaltar que a estruturação dos seus elementos constituintes
recebe uma abordagem diferenciada nas culturas latino-americanas. Júlio
Medaglia apresenta-nos uma passagem sugestiva sobre esse fato:
14
"Historicamente o surgimento dos meios de comunicação coletivo e à distância se deu na seguinte
ordem: a invenção da imprensa seguida da fotografia, o fonógrafo, o cinema mudo, o rádio, o cinema
falado, o cinema em cores, a televisão, o vídeo, até chegar em nossa época com as 'novas
tecnologias'" (Villar, 1988:27).
No Brasil, o rádio tem uma forma de expressão absolutamente particular
cujo resultado se assemelha a uma espécie de grande commedia del Tarte
[...]. Aqui o radialista inventa com a linguagem do veículo. Ele é um "ser
eletrônico". Na Europa, ao contrário, o rádio é, às vezes, teatro, literatura,
artigo, concerto sinfônico, conferência, aula debate, ou seja, quase sempre
um veículo dentro do outro (Medaglia, 1978:126).
O que subsidia essa abordagem latino-americana é o fato de que,
embora utilizem uma língua que se ordena inapelavelmente dentro da
dualidade do sujeito e predicado, ou seja, através de binarismos e dicotomias,
"as culturas do continente latino-americano apresentam certas peculiaridades,
certos condimentos, e até bizarrias, que não as deixam se ajustar, sem
dilaceramentos aos esquemas dicotômicos" (Santaella, 1994: 8). Isto implica
dizer que há uma presença ainda marcante dos traços da tradição oral arcaica
na linguagem radiofônica que, juntamente com as características do veículo e
com as peculiaridades da cultura latino-americana, se amalgamam para
estruturar uma sintaxe "audiotátil" e "em cores".
Ainda sobre a nossa escritura, Amálio Pinheiro apresenta-nos uma
passagem especialmente sugestiva:
A mente trabalha os signos neste continente, mais através da fricção de
superabundância alógenas... do que pelos mecanismos binários de inclusão
e exclusão. [...]
Disto resulta que a nossa escritura vem sendo invadida pelo acúmulo dos
materiais analógicos do universo da voz enquanto tal: sua inseparabilidade
em dígitos discretos, sua fisicalidade gestual e móbil, seu nomadismo
radical, sua rapidez e brevidade, sua intervocalidade anônima, sua erótica
performática (Pinheiro, 1994:16).
Em conseqüência destas "peculiaridades", que são, dentre outras,
resultado do caldeirão antropofágico de etnias e línguas do qual a cultura latina
é produto, assim como da introdução tardia da escritura, é que encontramos,
no Brasil, a possibilidade latente de uma abordagem diferenciada de todos os
elementos da radiofonia.
Particularmente no texto verbal-escrito produzido para o rádio, as
possibilidades residem na sua potencialidade em extrapolar a lógica da língua,
desverbalizando as palavras, buscando no ritmo da vogais abertas, nas rimas e
na estruturação coordenada dos elementos da oração recuperar qualidades de
seu referente, aproximando-se, dessa forma, muito mais da organização dos
textos orais desenvolvidos pelas comunidades que não tinham o signo escrito
para intermediar suas comunicações, "mas que tinham a língua como um modo
de ação e não somente uma contra-senha do pensamento" (Malinowski apud
No entanto, mesmo diante destas peculiaridades, é possível observar o
predomínio da lógica da língua, da escritura, insistindo-se na referencialidade
de uma linguagem que traz na sua estrutura a justaposição característica da
poética. Mas, afinal, qual seria a sintaxe das produções poéticas da Europa dos
séculos VIII, IX, X, reconhecia a complexidade que consistia em conjugar
enfaticamente o lingüístico, o vocal e o gestual. Essa conjugação torna-se ainda
mais complexa quando em um único meio há de se combinar elementos de
naturezas diversas, como o texto verbal-escrito, cuja sintaxe é organizada
segundo a ordem predicativa de início-meio-fim, a voz e elementos
sonoplásticos, que na radiofonia organizam-se simultaneamente. Portanto, o
texto radiofônico é resultado da semiose desses elementos, cujas relações de
significação desejamos discutir e exemplificar a partir dos spots selecionados e
transcritos no capítulo quatro.
O spot torna-se uma opção adequada pelo menos por dois motivos: o
primeiro reside no fato de que nele pode-se encontrar reunidos todos os
elementos que compõem e constroem a linguagem radiofônica, que assim
como a oral não é exclusivamente verbal-oral, ou seja, é resultado da
interpenetração de elementos não-verbais e verbais, que perdem sua unidade
conceitual para adquirirem uma nova especificidade. A partir do dialogismo
destes dois elementos inaugura-se uma forma, uma sintaxe nova, singular ao
meio no qual estão inseridos.
O segundo é que o desenvolvimento do spot como peça radiofônica
muito contribuiu para que o rádio descobrisse a sua própria sintaxe. O
desenvolvimento da publicidade no rádio se confunde com o da própria
linguagem radiofônica. Da simples menção ao vivo do nome de um
"colaborador" de um programa até a inserção de peças publicitárias
previamente elaboradas e produzidas para os "patrocinadores", em programas
e horários estrategicamente estabelecidos, um longo percurso foi estabelecido,
tanto no texto escrito quanto no tratamento dos até então novos elementos
que viriam a compor a sonoplastia radiofônica (efeitos sonoros, ruídos e trilhas
sonoras).
Com a regulamentação da publicidade no rádio através do decreto
21.111, o rádio vê-se impulsionado a criar novos gêneros para a programação
radiofônica, ousando novos formatos e elementos. Neste percurso é trazido à
tona o peso de uma herança que ainda permanece não só nos textos escritos
veiculados pelo rádio, mas também no tipo de organização dentro da qual são
combinados e selecionados todos os elementos que compõem a linguagem
radiofônica: a lógica da língua ocidental, da idéia em dígitos separados e
combinados sucessivamente para representar abstratamente uma idéia.
Convém lembrar que esta herança deve-se, dentre outros, ao fato de que a
linguagem do rádio e, portanto, sua organização sintática, advém da escritura,
pois a linguagem radiofônica nasce das Gazetas e Folhas da década de 30, dos
romances distribuídos periodicamente pelos folhetins da época, que eram lidos
no rádio, conforme destacamos no capítulo anterior.
Contudo, o rádio, um veículo cuja plasticidade depende exclusivamente
de elementos de caráter sonoro, requer uma lógica diferente da escrita, pois os
períodos longos que caracterizam o texto impresso tornam-se totalmente
incompatíveis com a efemeridade que o signo escrito adquire quando
oralizado. O texto escrito exige atenção exclusiva, ao passo que ninguém pára
para ouvir rádio, principalmente no cenário em que o ouvinte se encontra
atualmente inserido. A principal preocupação que se tem ao elaborar uma
mensagem publicitária é que ela seja assimilada.
Portanto, sendo a assimilação e a memorização as principais
preocupações ao se elaborar uma mensagem publicitária, cada vez mais o texto
verbal-escrito para o rádio deve ser estruturado a partir de frases concisas, de
forma atraente, clara e persuasiva. No entanto, a grande dificuldade é superar
a linearidade pertencente ao discurso lógico da língua com a qual fomos
alfabetizados, ainda que, na América Latina, esta lógica sofra modificações
graças às suas especificidades sígnicas.
Segundo Décio Pignatari (1964:161), é previsível que uma linguagem
emergente se valha das anteriores até tornar-se autônoma. No caso da
radiofônica, busca-se na escrita parâmetros para a sua organização. Mas por se
tratar de um veículo que não tem o aparato imagético, o rádio desenvolve uma
sintaxe cuja lógica resulta de uma mescla da lógica da escritura com as dos
textos orais elaborados e memorizados pelas comunidades baseadas na voz
sem o intermédio da escrita. Observemos como ocorre este processo de
elaboração da sintaxe radiofônica e como os signos da tradição da escrita e da
oral, em especial, se amalgamam neste processo sígnico.
Considerando a linguagem radiofônica como resultado da combinação de
elementos verbais e não-verbais (sonoplastia), conforme já assinalado, estarei
refletindo sobre cada um de forma separada, ainda que entenda serem
interdependentes e determinantes entre si. Primeiramente, analisarei o texto
verbal escrito. No momento seguinte, a voz, sua performance no processo de
tradução do verbal escrito para o oralizado e, finalmente, os elementos da
sonoplastia, ou seja, o efeito sonoro, a trilha, o silêncio e o ruído.
A TRADIÇÃO ORAL NO TEXTO MEDIATIZADO NO RÁDIO
Walter Ong relata que a concentração dos especialistas nos textos
escritos os levaram a supor que "a articulação verbal era em essência idêntica a
expressão verbal-escrita [...] e que as formas artísticas orais no fundo eram
somente textos indignos de exames sérios (Ong, 1987:17-20)." Esse desprezo
que se reflete na quase ausência de teorias que ajudem a compreender
eficazmente a arte oral como tal, é explicada por Zumthor na seguinte
passagem:
Com a escrita como forma valor ativa do objeto, a palavra viva é
gradativamente expulsa do campo de interesse dos intelectuais gerando a
nossa dificuldade de reconhecer a validade estética daquilo que, em
intenção ou fato, não se encontra em forma escrita. [...] Nos últimos 5 ou 6
séculos, todos os países — primeiros os europeus, depois os da América e
depois ainda, embora por outros motivos, os asiáticos — refinaram a tal
ponto as técnicas da escrita, que nossa sensibilidade automaticamente
rejeita a aparente mediação da expressão vocal (Zumthor, 1985:4).
Por outro lado, o próprio autor adverte que "nossa própria cultura —
racional e tecnológica — do fim do século XX, está impregnada de tradições
orais e sem elas dificilmente subsistiria" (Zumthor, 1985:4). No Brasil, país em
cuja cultura a introdução da escrita se deu tardiamente em relação à européia
e que tem uma formação cultural resultante de etnias diversas, conforme
assinalei, torna-se mais provável a subsistência e reapropriação dos signos da
oralidade mesmo num contexto "intermediado pela interface da tela", como
nos diz Paul Virílio (1993), e pelos equipamentos conectores de som, no caso
da radiofonia.
O pesquisador medievalista Paul Zumthor reconhece diferentes
"situações de oralidade", a partir de seus estudos sobre a poesia oral, que
correspondem a cada situação comunicativa e as classifica em quatro tipos: a
oralidade primária, característica de uma sociedade baseada na voz, que não
tem nenhum contato com a escrita — "eu entendo esta última palavra como
todo sistema visual de simbolização exatamente codificado e traduzível em
língua" (Zumthor, 1983: 36) —; a oralidade mista, que coexiste com a escrita ,
mas onde a influência da escrita permanece externa, parcial e de feito lento; a
oralidade secundária, que de fato se recompõe a partir da escrita, (falta o
verbo está) "presente na voz — que pronuncia o que fora anteriormente
escrito ou pensado em termos de escrita [...]. A palavra escrita ganha
precedência tanto em atos como em imaginação sobre a autoridade da voz"
(Zumthor, 1985: 5); a oralidade mediatizada, que é aquela realizada por meios
auditivos e audiovisuais.
A introdução da escrita na Europa não significou a erradicação imediata
da oralidade e nem tampouco se deu alheia a ela. Na verdade, principalmente
até a sua sistematização através do ensino obrigatório e sua conseqüente
hegemonia, esta se restringiu à Igreja, mais especificamente a alguns membros
do alto clero, e se estruturava a partir da voz. É a escrita permeada e
estruturada pelos signos da oralidade, a gestualidade da voz, a eroticidade
sonora. A inscrição vocal na escritura.
Paul Zumthor relata que vários letrados do séc. XII compunham de
memória suas obras e, posteriormente, as ditavam aos copistas que as
anotavam em "tabuinhas" ou em "pergaminhos". Esse procedimento de ditar
em voz alta os textos flagra a presença da lógica da oralidade na construção
dos primeiros manuscritos da era medieval européia e confere aos copistas e
escribas prestígio social:
A atividade destes homens da pena, orgulhosos de sê-lo, deixa para o
ouvido e a voz um papel que pode ser determinante na constituição da
escrita. [...] Em parte, escrever depende ainda da ordem da oralidade [...].
O scriptor recebe, em geral auditivamente o texto a reproduzir. As grafias
mesmo, e suas alterações, parecem implicar que ele interiorizava uma
imagem das palavras mais sonoras do que visual (Zumthor, 1993: 100-2 —
grifos meus).
Escrever conferia um certo status que a escritura já começava a desfrutar
mesmo entre aqueles que a desconheciam, mas consistia em um ofício árduo.
Também difícil era a leitura, a decifração de um documento. Fatores diversos
colocavam-se como obstáculos no processo de leitura: desde a dificuldade de
manusear vários volumes ou a má iluminação até a ilegibilidade de certas letras
e o emprego de uma língua (ou linguagem) diferente da fala cotidiana.
Deste exercício que implicava audácia intelectual, uma característica
merece ser destacada por revelar a interdependência entre escritura e voz: a
"manducação da palavra". Esta expressão do jesuíta Mareei Jouse citada por
Zumthor (1993: 105) se refere ao fato de que a leitura dos textos manuscritos
eram realizadas em voz alta, o que auxiliava o processo de decifração e
revelava a realidade assinalada pelo autor de que a escritura "até o séc. XIII,
figura quase como privilégio de classe, e só pode entrar na rede geral das
comunicações sociais ao manter vínculos com a voz" (1993: 104).
A leitura articulada e, conseqüentemente, a intervenção significante da
voz, condicionava o processo de escritura, que por sua vez já procedia da
oralidade. Portanto, os textos escritos ainda eram fortemente marcados pelo
aspecto tátil da voz, assim como pela presença do corpo que tanto marcou as
produções das tradições orais.
Situação de oralidade mista descrita por Zumthor.
A oralidade mediatizada, por sua vez, coexiste com a escrita (oralidade
mista) e apresenta textos previamente organizados pela escrita (oralidade
secundária). No entanto, é a especificidade da linguagem de cada veículo que
determina o peso que o pensamento lógico-discursivo da escrita ocidental tem
sobre a organização de seus textos. No caso dos textos veiculados no rádio, há
duas situações distintas no que diz respeito à sua elaboração: primeiramente
têm se aqueles que são frutos de improvisação, como pode se observar na
maior parte da programação das FMs paulistas, não passando, portanto, por
nenhum processo escritural, o que não significa que não seja pensada segundo
a lógica da língua. Em um segundo momento, temos os textos diretamente
retirados da mídia impressa e, que sem nenhuma adequação ao veículo, são
locutados no rádio. Tal procedimento é conhecido no radiojornalismo como
gilete-press. Segundo o jornalista Heródoto Barbeiro, esta prática faz parte da
rotina da maioria das emissoras de São Paulo que tem "um funcionamento não
qualificado, que recorta jornal e leva ao estúdio" (Barbeiro, 1989:11). No caso
das peças publicitárias transmitidas atualmente pelo rádio, a situação não
parece ser diferente, como explica o editor da Revista da Criação, Por
Marcondes:
"Um dos maiores absurdos para quem analisa em detalhes as peças
publicitárias colocadas no ar em nossas emissoras é o fato de muitas delas
serem criadas para a TV e veiculadas no rádio, sem o menor cuidado com a
adaptação" (Marcondes, agosto de 1996: 27).
Tais procedimentos, além de resultar em maior desvalorização do rádio
como mídia, aponta para o desconhecimento da linguagem e da estrutura do
rádio como veículo de comunicação, assim como para a supremacia da escrita
na organização do pensamento contemporâneo, que, conforme argumenta
Rudolf Arnheim, é resultado da diferente valorização dos órgãos do sentido,
pois o privilégio da visão acabou
"gerando um desequilíbrio tão grande entre o mundo da visão e da
audição, que se torna difícil acostumar-se a considerar o mundo sonoro
mais que um complemento visual"
(Arnheim, 1980: 20-85).
No entanto, o rádio, do qual Hitler lança mão para persuadir o povo
alemão a se levantar para o sonho de conquistar o mundo, na Segunda Guerra
Mundial, e do qual, no Brasil, Getúlio Vargas se utiliza para anunciar e manter o
Estado Novo em 1937, ainda hoje figura, dentre os demais veículos, como o de
maior credibilidade e penetração junto ao mercado. Ou seja, mesmo com o
surgimento das "novas tecnologias", o rádio continua sendo, potencialmente,
um veículo no qual palavra, voz e sonoplastia se adaptam para entreter,
informar, persuadir um receptor cada vez mais dinâmico. Potencialmente
porque esta permanência não significa que a linguagem do rádio esteja sendo
explorada como uma linguagem que extrapola o verbal-oral, pois seu produto é
muito mais do que um texto verbal-escrito locutado e sustentado por um BG
determinado.
Portanto, como oralidade mediatizada, o texto radiofônico apresenta na
organização sintática de seu texto verbal-escrito características que nos
remetem às do texto oral, abrindo possibilidades de exploração singulares em
relação aos demais veículos, ao mesmo tempo que convive com o sistema da
escrita, principalmente quando se trata do spot publicitário. Isto revela que o
rádio é resultado de inúmeras oralidades, uma mídia que "escapa a uma
classificação estanque:
nem só oralidade primária, nem só mista, nem só mediatizada, mas
múltiplas oralidades, imbricamentos sígnicos"
(Nunes, 1994:134).
Dessa oralidade múltipla a sintaxe radiofônica detém as técnicas de
memorização e persuasão15 que Walter Ong (1987) destaca em suas pesquisas
sobre a expressão e pensamento da tradição oral.
RITMOS — REELABORAÇÃO DAS TÉCNICAS
DA TRADIÇÃO ORAL NA COMPOSIÇÃO DO TEXTO RADIOFÔNICO
A oralidade como código é constituída de signos sonoros específicos que
criam a sua própria sintaxe e tem na exploração do tempo o "recurso" para
perpetuar seus conhecimentos na memória de seus ouvintes. Permeadas de
canções, narrações e principalmente de poesias marcadamente rítmicas, as
produções orais de que se tem registro lançam mão do ritmo e da métrica para
atender a necessidade de memorização.
As técnicas de memorização baseavam-se em fórmulas que, repetidas
constantemente, asseguravam a assimilação do conhecimento. Segundo Eric
Havelock (apud Ong, 1987:33), as fórmulas, das quais se constituem os textos
orais, são grupos de palavras que,se empregam regularmente nas mesmas
condições métricas para expressar uma idéia essencialmente dada.
Essa dependência das fórmulas determina um estilo aditivo-acumulativo
que segundo Ong caracteriza as formas de expressão da tradição oral em
15
Walter Ong (1987: 18-19) explica que a retórica, que se tornou a matéria acadêmica mais completa
de toda cultura ocidental durante mil anos, é uma manifestação do "embelezamento" da fala oral e
lembra que o original grego tchnê rhêtorikê, arte de falar (abrev. retórica — Rhetorike), em essência
se referia ao discurso oral.
oposição ao subordinado, que caracteriza a lógica da escrita ocidental.
Valendo-se de um contexto conhecido por todos, os textos orais eram
elaborados em orações coordenadas, permitindo que cada parte da informação
tenha igual peso, de modo que sirvam como contexto umas às outras. Segundo
Décio Pignatari (1991: 47), nesse estilo em que as orações se articulam em
coordenação ou parataxe, as palavras parecem ganhar vida, parecem
transformar-se na personagem em ação.
Para as técnicas de redação do texto verbal-escrito radiofônico, a
coordenação é um recurso que permite que cada idéia seja desenvolvida em
uma sentença, conferindo fluidez e ritmo ao texto, e que promove uma maior
facilidade de entendimento por parte do ouvinte. Neste sentido, é uma
reelaboração das técnicas utilizadas nos textos orais das comunidades de
oralidade primária.
No entanto, ao mesmo tempo, a linearidade baseada na subordinação
(sujeito/predicado/atributos) figura ao lado da coordenação como uma outra
exigência para a redação radiofônica, em especial nos manuais de
radiojornalismo:
As frases devem ser curtas, mas isso não é tudo. Uma frase breve não é
garantia de uma expressão lógica se não está acompanhada de uma
estrutura linear, um desenvolvimento lógico da idéia que contém. Para isso
é preciso recorrer à estrutura gramatical mais simples, que é aquela
composta por sujeito-verbo-complemento (Prado, 1989:32).
"Cuidado com a ordem indireta [...]. A ordem diretasujeito/predicado/verbos/complementos — é mais simples e fácil de ser
entendida" (Porchat, 1989:98).
Ainda no que se refere à reprodução das técnicas da cultura oral primária,
a repetição, regra dos textos orais, é eleita como um recurso
imprescindível na redação radiofônica mediante a escuta entrecortada pela
presença de outras linguagens. A linguagem sintética não é incompatível
com a repetitiva. "Cortaremos o supérfluo e repetiremos o que for básico
para a compreensão" (Porchat, 1989: 98).
Walter Ong afirma que, além do objetivo da memorização, outro fato
que favorece a prática da redundância é a limitação das condições físicas do
falante diante de um público numeroso: "Nem todos os integrantes de um
público grande entende cada palavra pronunciada pelo falante, ainda que isto
se deva somente a problemas acústicos.
É conveniente que o orador diga o mesmo ou algo equivalente, duas ou
três vezes" (Ong, 1987: 46).
Entretanto, contextualiza Nunes, estamos no domínio eletroeletrônico
em que as dificuldades da expansão acústica há muito foram superadas.
Contudo, o rádio reitera esse comportamento que por vezes é qualificado
como anacrônico. No entanto, a repetição e a redundância presentes no texto
verbal-escrito são estratégias de sobrevivência dessa mídia que, conforme
conclui a pesquisadora, "escapa a uma classificação estanque" (Nunes,
1993:134).
Portanto, essa multiplicidade de oralidades da qual resulta a linguagem
radiofônica tem na organização de seu texto verbal-escrito uma importante
efetivação, uma vez que na sua organização sintática convivem elementos da
oralidade e da escrita. A linearidade do discurso da escrita (uma gramática de
estrutura simples e elementar, conforme Emílio Prado (1989:33) é
surpreendida pela força da organização coordenada da palavra oral.
Mas o ritmo, que decididamente marcou as pautas mnemotécnicas dos
textos das oralidades primárias, pode ser considerado como um legado que o
rádio, um canal essencialmente acústico, não poderia desprezar na organização
de todos os seus elementos constituintes, Mesmo quando predomina o
discurso falado — tão em voga nas rádios paulistas e em especial nas de
freqüência de amplitude modulada, AM —, os seus elementos devem ser
ordenados equilibradamente, o que se traduz em termos de melodia e ritmo. A
respeito da importância do ritmo nas produções radiofônicas, a pesquisadora
mexicana Josefina Villar assegura que mesmo os períodos das línguas cujos
signos estruturam-se sintagmaticamente combinam sílabas rítmica e
melodicamente. "A composição sonora se dá em seu tempo de emissão. É por
este motivo que a busca da produção artística para rádio deverá sempre levar
em conta as qualidades musicais dos sons das línguas" (Villar, 1988:48-9).
Em se tratando de um texto publicitário concretizado tanto na forma de
um spot como na de um testemunhal, o ritmo deve estar presente num texto
intensamente controlado pelo tempo — a média de um spot publicitário é de
30 segundos. O texto do spot torna-se a melhor expressão da linguagem
radiofônica por ter que, a partir de poucas palavras, articular conceitos e idéias
sobre um produto, serviço ou instituição.
Por ser um texto elaborado para ser veiculado em um canal
essencialmente acústico, a imagem sonora do que se pretende apresentar não
pode ser obtida em uma combinação de signos — letras e palavras — que se dá
alheia ao tempo, pois, se por um lado, a inscrição temporal confere
efemeridade à palavra radiofônica, por outro, lhe fornece uma das mais
significantes matérias. O tempo lhe fornece a possibilidade de ser explorada
através do ritmo, que no caso do texto verbal-escrito pode ser obtido também
através de repetições, interações, assonâncias e rimas, mas, principalmente, a
partir da exploração da palavra como um signo não-arbitrário que pode
revelar/apresentar no seu corpo sonoro qualidade do objeto que deixa de ser
representado para tornar-se presente sonoramente. É o signode mencionado
por Décio Pignatari (1987), fazendo eco à teoria peirceana que se contrapõe ao
legado saussureano da arbitrariedade dos signos.
Este procedimento exige uma organização que não encontra subsídio
somente na linearidade, mas predominantemente na simultaneidade. Por
exemplo, quando a poesia concreta (Pignatari 1964: 161) decide romper com a
linearidade que marca a sintaxe da língua escrita, opta pela construção de uma
linguagem na qual a forma dos signos é projetada de forma a retrabalhar a
sintaxe, dando margem a novas possibilidades quanto à comunicação.
O tempo para o rádio é um fator que além dos textos determina toda
programação e produção radiofônica. Neste sentido, todo processo desde a
elaboração até (sua) veiculação da mensagem radiofônica deve explorar os
recursos intrínsecos da cultura e do meio resultando em uma produção
intensamente rítmica compatível com o veículo e com o público. No entanto, é
com a introdução dos demais elementos sonoros — sonoplásticos e vocais —
juntamente com o texto, que se flagra o imbricamento sígnico do qual se
constrói a linguagem radiofônica, assunto do próximo item.
Performance — A PLASTICIDADE DA PALAVRA ORALIZADA E
MEDIATIZADA
Ao se elaborar um texto para ser oralizado, ou seja, que conte com a
intervenção da voz, de antemão devemos ter em mente que, ao final, teremos
"algo" diferente do que fora elaborado a partir da escrita. Até mesmo um texto
que em princípio não é pensado em termos de oralidade, ao ser vocalizado
adquire materialidade e, portanto, identidade diferente. Este processo é
oposto ao que ocorria nas sociedades baseadas na voz na ocasião da
introdução da escrita alfabética. A escrita é que vinha carregada de signos
pertencentes à oralidade:
"exigia-se de seus usuários que combinassem os hábitos herdados de boca
e ouvido aos hábitos adquiridos de mão e olho" (Havelock, 1996: 274).
Para o spot publicitário, assim como para basicamente toda peça
radiofônica, a intervenção da voz significa conferir-lhe existência, realidade
sígnica, uma vez que ela dissolve tudo que é material em voz descorporificada,
o que constitui a sua essência e significa a sua possibilidade artística. A voz faz
presente o cenário, os personagens e suas intenções; a voz torna sensível o
sentido da palavra, que é personalizada pela cor, ritmo, fraseado, emoção,
atmosfera e gesto vocal.
Especificamente no processo de tradução16 do escrito para o oral
mediatizado pela radiofonia, "a palavra escrita acede à plasticidade sonora da
voz" (Nunes,1993: 130), pois, embora se utilize do sistema de línguas,
articulando sons, palavras pré-moldadas, e se mantenha — em certa medida —
presa à estrutura sintática, ela, a voz, acrescenta algo de próprio. Zumthor
(1985: 7) acrescenta que a voz surpreende a escrita engendrando e revelando
outros valores que, na interpretação, integram-se ao sentido do texto
transmitido, enriquecendo-o e transformando-o, por vezes, a ponto de fazê-lo
significar mais do que diz.
Se, por um lado, o intérprete nas comunidades baseadas na voz não
dispõe da escrita para perpetuar seus textos, por outro, o locutor no rádio luta
contra a fugacidade do mesmo signo oral em um "meio cego"17 que disputa a
atenção de um ouvinte em constante movimento. Diferente do nomadismo do
homem arcaico, que em suas caminhadas levava consigo um ritual que lhe era
intrínseco, o ouvinte leva consigo uma programação que não é produzida por
ele, ainda que seja realizada a partir de seu perfil.
Portanto, tanto para os textos das comunidades de oralidade primária
quanto para os elaborados para serem mediatizados pelo rádio, a performance
do intérprete ou do locutor torna-se uma condição para que estes se tornem
acontecimento.
Entretanto, partindo do princípio mcluhaniano de que o meio é a
mensagem e que, portanto, uma mensagem não se reduz ao conteúdo
manifesto, mas ao contrário, comporta outro, latente, que emana da própria
natureza do médium que a transmite, a performance desenvolvida pelo locutor
no rádio adquire singularidades impostas pelas características do meio, assim
como pelas implicações político-sociais do tempo histórico determinado
embutidas no próprio meio/veículo. Mas, concomitantemente, num
movimento diacrônico de reapropriação de linguagens e códigos, o locutor
"atento" reelabora elementos observados na performance não-mediatizada da
16
Processo de tradução entendido aqui como um processo de recriação de um (novo) texto, levando
em consideração o meio rádio — os procedimentos e a história nele embutidos —, que influi na
tradução do verbal-escrito para oral mediatizado, ainda que este primeiro já seja elaborado em
função do meio em questão e principalmente leve em consideração a voz e suas potencialidades de
expressão.
17
Expressão cunhada por Rudolf Arnheim em sua obra Estética radiofônica ao se referir ao rádio.
Denominou-o como "meio cego", mas não o faz referindo-se a ele como um meio que carece de
elementos visuais. Pelo contrário, o reconhece como um meio que pode criar "segundo suas próprias
leis um mundo acústico da realidade" (1980: 88). Este mundo acústico é elaborado essencialmente
através de sons, sejam dos elementos que compõem a sonoplastia, sejam das palavras do texto
mediada pela voz, ou pela própria voz.
poesia medieval na tentativa de, especificamente na produção do spot
publicitário, despertar a escuta do ouvinte e através do texto verbal
oralizado/locutado apresentar o produto em questão e persuadi-lo.
Trata-se da recuperação dos materiais analógicos do universo da voz,
destacados por Amálio Pinheiro (1994:4), sua gestualidade, seu aspecto
móbil/incitador, seu ritmo, sua erótica performática, que podemos observar na
construção de algumas obras radiofônicas. Neste sentido, é meu objetivo
discutir algumas diferenças entre a performance não-mediatizada, que
caracteriza a poesia medieval, e a mediatizada, que por sua vez caracteriza a do
rádio.
LOCUTOR OU INTÉRPRETE: O CORPO NA VOZ
Paul Zumthor (1993), ao pesquisar a poesia medieval, e, mais
especificamente, a performance do intérprete na ocasião da "publicação"18
desta produção, chama-nos a atenção para a dimensão que um texto adquire
ao receber uma "ação vocal", deixando de ser texto para adquirir estatuto de
obra, isto é, tudo aquilo que é poeticamente comunicado, em um tempo e
espaço determinados aqui e agora: o texto, sonoridades, ritmos, elementos
visuais. Enfim, a totalidade dos fatores da performance.
A performance não-mediatizada, que ocorre em situações comunicativas
na qual a intervenção da escrita é muito frágil, como no caso da oralidade
mista, ou inexistente, no caso das oralidade primária, aparece como uma açãooral-auditiva da qual participam de forma interdependente texto, intérprete
(que pode ou não ser autor do texto) e o auditor. Estes três elementos
dialogam entre si, determinam papéis e funções que perfazem o jogo
performático. Segundo Zumthor (1983), performance implica competência.
Além de saber-fazer e de um saber-dizer, a performance manifesta um
saber-ser no tempo e no espaço. "Quando se trata da linguagem oral, a
gestualidade, pausas, paisagens do rosto, sutilezas do olhar e posições do
corpo no espaço, tudo isso ajuda a roteirizar as junções e disjunções da fala
com aquilo sobre o que se fala" (Santaella, 1995: 165).
Os movimentos corporais, cores, formas, tonalidades, vestimentas, todos
os elementos são potencializados com vistas a carregar, ampliar, indicar a
autoridade da voz, sua ação, sua intenção persuasiva, contribuindo para a
instalação simbólica do espaço necessário para que a mensagem seja, mais que
18
"A mensagem é publicada, no sentido mais forte que se pode conferir a esse termo, cujo uso
corrente, relativo à escrita impressa, perfaz uma metáfora derrisória. A Performance é publicidade"
(Zumthor, 1983: 219).
assimilada, vivenciada pelo auditor, que, por sua vez, a partir dos comandos do
intérprete, é seduzido a tornar-se co-autor da obra. Esta sedução resulta do
envolvimento proporcionado pela participação vocal e corporal entre
intérprete e auditor, cujas presenças físicas mudam o sentido do poema.
"A presença viva do intérprete e auditor de cujos corpos emanam
gestualidades [...] redobram a fala cantada ou dita" (Nunes, 1993: 102).
Com a presença do corpo e a intervenção da voz, a obra se particulariza,
adquire singularidade, como nos diz Zumthor na seguinte passagem:
O sentido do poema, dito de maneira presente, tem sentido global, no qual
a significação das palavras e das frases existem naturalmente, mas há uma
significação da tonalidade da voz, do gesto e do movimento do corpo e
uma espécie de sentimento geral, de presença geral de onde emana a
significação global específica (Zumthor, 1989: 125-6).
As manifestações dos corpos do intérprete e do auditor conferem
tatilidade à performance. A voz e a gestualidade que emanam do intérprete
juntamente com o cenário performático trazem à baila o corpo de quem fala:
presença erótica.
"Para o corpo que escuta, voz e gesto convidam ao contato virtual. O
auditor atende ao chamamento e canta, dança, recria o espetáculo"
(Nunes, 1993: 103).
Ainda que a participação do auditor resulte num papel silencioso, de
escuta, ele é, mesmo assim, considerado co-autor da obra, porque o intérprete
modula sua voz, desenha seus gestos em função do que percebe de sua
audiência.
"As peripécias do drama a três que se desenrola entre o intérprete, o
auditor e o texto, podem influenciar de várias maneiras sobre as relações
mútuas dos dois últimos, o texto se adaptando em alguma medida à
qualidade do auditor" (Zumthor, 1983:283).
Tal relação resume a essência da performance, ou seja, sem a
cumplicidade, a troca de papéis entre ambos — intérprete e auditor -não
teríamos a performance integralmente.
No entanto, esta relação modifica-se com o advento das tecnologias de
comunicação que originam os meios de comunicação de massa e com as regras
que a indústria cultural estabelece, ainda que em detrimento das
potencialidades do rádio como um veículo "por natureza" de comunicação
bilateral, como enfaticamente demonstrou Bertold Brecht em seu artigo Teoria
do Rádio em 1932. Portanto, a proposta do ouvinte como produtor não se
realiza no nível político, pois a relação entre emissor e receptor configura-se
em uma oposição que não é inerente ao meio, na qual emissor e receptor não
trocam de papéis. Por outro lado, de acordo com Peixoto, a proposta
democrática de Brecht parece ter obtido alcance em outro nível, no exercício
de recriação por parte do ouvinte: o ouvinte hoje é solicitado, como indivíduo,
a participar, enquanto criador, de transmissões que, através de uma linguagem
expressiva e vigorosa, mas não perigosa para a ordem social, estabelece uma
nova relação, menos concreta mas estimulante e viva, entre quem produz e
quem consome (Peixoto, 1980:7).
É dentro deste panorama e desta relação que se configura o que
Zumthor (1985) denomina de performance mediatizada. A performance nãomediatizada descrita acima dá-se em um espaço comum e de forma coletiva, o
que é adequado ao caráter comunitário que permeia a organização das
comunidades primitivas, ou arcaicas, garantindo a sobrevivência em grupo. Por
outro lado, a performance mediatizada, em particular aquela que se configura
através das ondas sonoras do rádio, convida o ouvinte para uma escuta
individual em diferentes espaços, uma vez que este está em constante
movimento. No entanto, apesar de se dar em diferentes espaços, ocorre a
repetição da mesma escuta.
Uma vivência individual reproduzida de forma massiva.
O rádio leva para a vivência isolada, não para a vivência coletiva [...].
Embora ele possa contribuir para uma experiência coletiva (entendida aqui
como diferente da vivência), mesmo neste caso o efeito é uma vivência
individual. O Ator radiofônico não fala, portanto, com uma massa
compacta de centenas de milhares, mas com o ouvinte individual
(Kolb, 1980:121 — grifos meus).
A Perfórmanse Mediatizada
Paul Zumthor, sobre a performance mediatizada, assinala ainda um outro
fator que a marca substancialmente, que é a tatilidade perdida, pois seria esta
uma qualidade decorrente da presença física, da voz viva do intérprete e do
auditor na ocasião da performance, uma vez que a considera como algo que é
destinado a uma percepção conjunta do ouvido, da vista, do próprio toque, ou
seja, sinestésica.
"O que ficou completamente perdido com o advento dos meios de
comunicação de massa foi a presença física, o peso, o volume real do corpo
do qual a voz não passa de uma extensão" (Zumthor, 1985: 8).
Claro está que com a possibilidade de expansão do alcance da mensagem
vocal e com a possibilidade técnica de seu armazenamento e repetição, assim
como a criação de espaços artificiais, a relação entre os três elementos que
perfazem a performance (intérprete, texto e auditor) se modifica. No entanto,
a ausência do corpo do intérprete, característica desta performance
mediatizada, não implica necessariamente a perda do seu aspecto tátil. A
tatilidade também se transforma, adequando-se ao novo perfil do auditor e do
meio.
No livro O mito no rádio — A voz e os signos de renovação periódica,
Mônica Rebecca F. Nunes demonstra a permanência da tatilidade da voz a
partir das oralizações das cartas enviadas pelos ouvintes aos programas19
veiculados pelas emissoras AMs paulistas. No programa Que saudades de você,
a autora considera o caráter ficcional e dramático que Eli Corrêa, o locutor ou o
"intérprete", oferece ao seus ouvintes e destaca seu desdobramento vocal,
modulações de voz, que, juntamente com as outras vozes articulada pela
técnica (efeitos e trilhas), contaminam à distância o corpo-voz do ouvinte,
recuperando e reestruturando o conceito de tatilidade da voz na performance
mediatizada.
Em Que saudades de você, na voz do intérprete, palavra, ruído e técnica
comportam dimensão performática [...]. O desenrolar do enredo, a
economia libidinal que move tensões e soluções de conflitos obedecem ao
ritmo, ao fraseado e ao gesto vocal do intérprete. [...] Faz-se uma tessela
de sons plurais que imprimem colorido à representação: a trilha sonora
compõe-se de pedaços épicos, românticos, aterrorizantes [...]
simultaneamente ao sibilos, chiados, gagueiras, sopros, soluços [...] toda
sorte de gestualidade vocal exibida durante a performance de Eli Corrêa
(Nunes, 1993: 106-7 — grifos meus).
A partir destes "audiodramas", a pesquisadora procura demonstrar a
equivalência entre as cartas dos ouvintes oralizadas — resultado da tradução
da escritura para o sonoro vocal e sonoplástico — e o mecanismo de narração
explorado pelas comunidades orais do medievo para suprimir o sofrimento,
seja de uma perda, seja de uma punição resultante de um desobedecimento a
19
Os programas destacados e analisados pela autora são A verdade de cada um apresentado por
Paulinho Boa Pessoa — Rádio Record AM e Que saudade de você apresentado por Eli Corrêa — Rádio
Capital AM.
uma norma/lei. A palavra confessa mediatizada expurga os males, agindo no
corpo do ouvinte, e reelabora o conceito de tatilidade (Nunes, 1993: 114).
O que se deseja demonstrar é que o caráter tátil da performance insiste
na oralidade mediatizada pelo rádio, porém transformada tanto pelo espaço
acústico no qual está inserida quanto pelos demais elementos que se
amalgamam para perfazer o todo que é a obra radiofônica. Uma obra
composta essencialmente de voz. Tomando por empréstimo a expressão de
Werner Klippert (1980: 86), o que no rádio não tiver voz não existe. Tudo
ocorre com base na voz, seja através dos instrumentos-vozes encontrados nos
recursos sonoplásticos, ou na voz-instrumento que é produzida pelo aparelho
fonador humano, objeto de minha atenção neste tópico.
Do fenômeno físico ao perceptivo, a voz articulada pelo locutor de rádio
atua como um signo, representação de algo que, no caso do spot, é uma marca
de um produto e seu conceito. Neste processo de intermediação entre o objeto
representado e o intérprete (o ouvinte), este signo composto de sons
articulados fornece informações perceptíveis. A decodificação realizada pelo
ouvinte está diretamente ligada à organização dos elementos constituintes da
linguagem radiofônica, da qual o ouvinte assimila algumas das suas
características, e também ao seu repertório. Em conjunto, tais dados originam
o ato perceptivo. É relevante assinalar a importância do sentido explorado -a
audição —, pois, conforme Santaella (1993: 98), no momento em que nos
damos conta de "algo" que compele nossa atenção — o percepto, segundo a
teoria peirceana —, o fazemos de acordo como nossos órgãos estão aptos a
recebê-lo e não somente a partir dos esquemas mentais com os quais estamos
"equipados".
Portanto, em se tratando de um veículo que suspende a imagem e que
converte tudo em matéria sonora, parece-me natural que seja a audição o
sentido requerido e explorado pela radiofonia. No entanto, a voz, como
fenômeno sonoro, alcança seu ouvinte por outros meios além do ouvido:
O som é uma percepção auditiva, mas as ondas sonoras, que são
produzidas por uma fonte vibratória sonora e que nos são transmitidas
pelo ar, podem nos alcançar por outros meios. Além do ouvido, elas podem
ser sentidas pela pele e pelos ossos de partes do corpo humano (Bang,
1986: 24 - grifo meu).
Entro aqui em uma dimensão perceptiva que aponta para a presença da
tatilidade na performance mediatizada, não como algo perceptível como signo,
mas como sentimento, qualidade que toca o ouvinte e ronda a sua percepção
auditiva indicando a ausência de neutralidade na relação entre corpo-som:
"Nossa pele está longe de ser a armadura que protege e isola o corpo, ao
contrário, somos contiuamente banhados pelas vibrações audíveis e
inaudíveis" (Duarte, 1993: 25). Se não, vejamos.
A voz, segundo Klippert (1980: 88), é extraída do mundo dos cinco
sentidos e inserida em um espaço referencial acústico de um só sentido. No
entanto, além da audição esta atinge mais um outro sentido: o tátil, que
corresponde à qualidade sonora dos sons emitidos pela voz e que não é
perceptível como signo, uma vez que como impressões não se configura como
tal, mas como pura qualidade, possibilidade, um quase-signo, mais
especificamente um quali-signo.
Dentro da teoria geral do signo, a semiótica, elaborada e discutida pelo
filósofo e lógico norte-americano Charles Sanders Peirce, o quali-signo está
presente na classificação do signo em relação a si mesmo realizada na primeira
tricotomia. Pertencente à categoria da pri-meiridade, o quali-signo funciona
como quase-signo através da pri-meiridade, isto é, de sua qualidade que é
apreendida como sentimento, ou seja, como quase-signo, o quali-signo só pode
gerar uma qualidade, um sentimento como interpretante. Por sua vez,
"qualidades só podem se comunicadas por quali-signos" (Santaella, 1995: 130).
O que torna presente na performance mediatizada a tatilidade são os
quali-signos decorrentes das qualidades da voz como fenômeno sonoro, ou
seja, a intensidade, a altura, o volume e o timbre que, juntamente com o ritmo
e o gingado, tão presentes na cultura latino-americana, conferem gestualidade
e colorido às enunciações.
Esta tessela de sons vocais tocam um outro sentido do ouvinte,
fornecendo-lhe informações que, quando apreendidas, proporcionam uma
experiência qualitativa que extrapola o sentido da audição e percorre o outro
sentido, que é o tato, criando uma relação "intervalar, aos saltos, em que está
suspensa qualquer possibilidade de previsão ou programação" (Ferrara, 1993:
176).
A voz na performance do locutor apresenta a sua materialidade como
recurso para superar o aspecto referencial e redundante que tem
predominado nas locuções radiofônicas num estilo referencial/ narrativo
que age apenas como suporte, como meio para a comunicação de um
texto verbal-oral regido pelas convenções que dão significado aos
símbolos, originando como resposta do ouvinte o desinteresse em virtude
da pasteurização sonora: "Se ao locutor falta expressão e musicalidade, o
ouvinte se vinga dele da forma mais simples: troca o dial do rádio. O
locutor perde sua audiência se descuida o tom melódico"
(Arnheim, 1980: 28).
O que move o ouvinte do seu estado de ouvir para o de escuta atenta
está na experiência que este pode ter com a materialidade do som, que em
muitas ocasiões é só o que é apreendida (a expressão, o ritmo, a curvatura
melódica presente no e pelo jogo da voz). Isto leva Arnheim a dizer que "sobre
as pessoas mais simples influi mais a expressão da voz de um orador que o
conteúdo de seu discurso" (1980: 24). É a pura sonoridade, a pura qualidade da
voz em jogo, a voz sem discurso, de que nos fala Santaella (1993: 43), como
quali-signo.
Arnheim não discutiu sobre a questão do quali-signo e nem tampouco
sobre a presença da tatilidade na performance da voz decorrente da sua
materialidade, no entanto, ao discutir o caráter expressivo do som, põe em
pauta a relevância de fazer com que o signo converta seu objeto em matéria,
presente através da sua materialidade sonora. Adverte-nos para o fato de que,
em uma obra sonora, a maior força reside no som, o qual atua nas pessoas de
forma mais direta que os significados que podem ter as palavras, e afirma o
seguinte:
"Na palavra, o som é como a terra mãe, da qual a arte falada não pode
prescindir [...]. Entre as obras sonoras a palavra há de brilhar com todas as
cores do som, pois o caminho para entender o sentido das palavras passa
pelo ouvido" (Arnheim, 1980: 24-5).
O que ronda a percepção auditiva do texto verbal oral locutado, que não
se configura como signo e age como qualidade, é o quali-signo, que se faz
presente na radiofonia a partir desta qualidade material da voz como
fenômeno sonoro discutida pelo pesquisador alemão, e que, na teoria
peircena, é sentimento (feeling)20 não gerador de signos, mas de quase-signos,
qualidades de sentimentos geradores de interpretantes que estão fora do tema
publicitário e que internalizam a manutenção da escuta.
Por outro lado, Zumthor (1985) nos chama a atenção para o fato de que
várias civilizações atribuíram valor simbólico a cada uma dessas qualidades e
que nas relações pessoais cotidianas julgamos alguém por sua voz (às vezes
com má fé). Estendendo esse julgamento ao valor do que é dito, observei na
radiofonia um processo semelhante, ou seja, certas qualidades de voz foram
eleitas como adequadas para determinados tipos de programação ou produto,
acabando por estabelecer o modelo, uma certa "gramática" dentro das
emissoras, através da qual criaram-se certas convenções que acabaram por
torná-las tão simbólicas quanto o é o verbal oral locutado e diretamente
20
"[...] Convém saber o que Peirce entendia por sentimento (feeling), um estado de consciência
flagrado em qualquer um de seus momentos [...]. Tratando-se de consciência instantânea, é não
cognitivo, original, espontâneo; é um simples sentido de qualidade — o sentido de qualidade de uma
cor, por exemplo" (Pignatari, 1987:38).
conectadas com o tema publicitário — seu tema e sua marca — ou com o
público-alvo do produto tratado.
No entanto, outras qualidades que escapam à convenção estão focadas
na performance da voz. Não tratam nem do tema publicitário e nem do seu
público-alvo, mas tocam o seu ouvinte através de qualidades materiais da voz
performática, proporcionando o despertamento da escuta, dado imprescindível
no que se refere à uma peça comercial inserida em um processo
comunicacional no qual o ouvinte está sempre envolvido em um universo de
muitas sonoridades, em uma paisagem sonora, como diz Schafer (1991).21
CORPO VOZ: O RITMO NA PERFORMANCE MEDIATIZADA
O ritmo é traço indispensável, cicatriz profunda a testemunhar que o
homem se dá conta da existência do tempo (Baitello, 1992:27).
Retomando a questão da pasteurização sonora, esta mesma gramática
que tem estabelecido que, para determinados produtos, é necessária uma voz
com timbre grave feminino, tem normatizado a produção veiculada pelo rádio
como um todo, em especial a dos spots publicitários, dentro de uma sintaxe
linear, digital e hierárquica característica da sintaxe que rege os textos verbais,
havendo, portanto, a predominância do simbólico e o achatamento do qualisigno num meio cuja organização é predominantemente definida pela
simultaneidade de seus elementos.
Tal fato adquire maior complexidade quando levamos em consideração
que tal pasteurização sonora configura-se dentro de uma cultura que, apesar
de também ser filiada à herança indo-européia, sucumbe a uma influência
muito maior: a da mescla cultural na qual os elementos das voz invadem a
língua/a escritura conferindo-lhes aspectos essencialmente analógicos
(indivisíveis por meio de sinais). Sobre este aspecto, Amálio Pinheiro realiza
uma importante reflexão acerca da contribuição do negro na estruturação da
nossa cultura miscigenante, dando-nos uma visão clara do que vem a ser a
"nossa língua".
Aqui no Brasil, cabe-nos, entre outras, a tarefa de encaixar, em
montagem cultural criativa, a modernidade técnica e científica na massa
lingüística, cultural e histórica miscigenante. [...] Essa é uma dificuldade prática,
a que só os inventores da linguagem se dedicaram coerentemente: dar
ordenação a um estado aluvional da cultura, onde o processo de verbalização
21
O conceito de paisagem sonora é definido pelo pesquisador canadense Murray Schafer (1991).
Designa o universo sonoro que constitui o nosso cenário ambiental.
une-se à violenta e difícil intrusão de outras esferas rítmico-auditivo-visuais. A
não aceitação dessa intrusão do não-verbal no verbal acarreta o rebaixamento
da verbalidade ao nível da linearidade estatuída [...] Falo não só do corpo físico,
mas desse corpo-escritura, ou escritura-corpo, que os negros ajudaram em
muito a construir na América Latina, trazendo para o campo da palavra o
enovelamento mestiço e barroquizante do ritmo do tambor, dos quadris, do
andar, e trazendo para o âmbito do significado de cada termo o
estremecimento do significante, esse traço supra-segmantar, entonacional, que
machuca o dicionário e o renova semanticamente (Pinheiro, 1994: 43).
Esse vislumbre erótico do corpo e da voz, ou do corpo-voz, que sinaliza
como potencialidades de singularizar a produção artística brasileira
(estreitando a distância entre objeto e signo), traz à tona as características de
uma cultura cujo influxo oralizante é constantemente reelaborado, seja na
escritura do impresso, seja nas mídias eletrônicas. O ritmo presente no corpo e
nas enunciações orais, tão explorado pelas comunidades de oralidade primária
a partir de sua linguagem versificada e ritmada com objetivos de memorização,
surge para a mídia radiofônica como potencialidade a ser explorada tanto pelo
texto a ser oralizado como pela voz na ativação de seu encantamento oral,
persuasão e sedução da escuta do ouvinte.
Neste sentido, como nos diz Lúcia Santaella, "a marginalidade também
tem seus trunfos" (1994: 8), pois o fato de a nossa cultura ser resultado da
incorporação de um mosaico de diferentes etnias e línguas nos instrumentaliza
com uma língua brasileira cuja natureza antropofágica incorpora, dentre outros
elementos, a entonação e o ritmo, elementos tão marcados na cultura
africana,22 no gesto do corpo e no gesto da fala, surpreendendo a escritura
digital com elementos analogizantes.
Para as comunidades orais, o ritmo que se concretiza no corpo e na voz
no momento da performance e se faz presente também na organização
sintática de seus textos (seus poemas orais, suas narrativas) — sendo por isso
caracterizadas como "culturas em ritmo rápido" —, significa a efetivação do
processo de sedução, aprendizagem, memorização e perpetuação de suas
obras orais, um recurso imprescindível no combate à fugacidade do signo oral.
As manifestações até aqui repertoriadas de uma poesia destinada à
transmissão oral (mesmo quando repousam sobre um texto escrito) implicam
uma primazia do ritmo sobre o sentido, da ação sobre a representação, da
22
Segundo Murray Schafer (1991:88), o ocidente não tem grande desenvolvimento rítmico, ao
contrário de sociedades como a africana, a arábica e a asiática, que segundo o autor manifestam
maior aptidão rítmica.
atitude sobre o conceito: tendem, como em último termo, à identificação da
poesia e da dança.
Por sua vez, para um meio que suspende a imagem e se compõe de voz,
conforme assinalei, as mensagens radiofônicas, assim como toda a sua
programação, têm no ritmo um significativo recurso para estabelecer a
identificação com o seu público-alvo e seu contexto cultural e econômico.
Embora todos os elementos que compõem e conformam a obra radiofônica,
inclusive o seu texto, devam estar no mesmo ritmo, é no momento da
comunicação mediada pela voz que este texto passa a existir e a adquirir
dimensões, muitas vezes além das previstas; portanto, é na locução que a
palavra torna-se acontecimento, o trânsito contínuo entre escrita e oralidade.
Neste combate verbo-voco-sonoplástico em que se origina a obra
radiofônica, a voz tem papel imprescindível, pois na sua coreografia vocal — no
ritmo, na entonação, na vocalização — podem-se inscrever elementos que
proporcionem a identificação com o seu ouvinte. No caso do spot, tais
elementos permitem a identificação do ouvinte com o produto anunciado.
O ritmo, juntamente com a entonação na performance do locutor, que
se diferencia da entonação explorada na mídia audiovisual e até mesmo do
teatro, pois é uma voz de uma pessoa que não tem imagem e que é ampliada
pelo microfone,23 deve reproduzir a naturalidade e a variação presentes na
expressão oral cotidiana, explorando criativamente a sonoridade de um texto
elaborado para este meio acústico coordenado essencialmente pelo tempo.
Neste sentido, a sonoridade da língua brasileira, como sublinhei, é um aliado
que se deve explorar, pois perder de vista este aspecto da musicalidade da fala
significa, segundo Arnheim (1980: 27), a conversão da obra radiofônica em um
fracasso. "A busca da produção artística pelo do rádio deverá sempre levar em
conta as qualidades musicais das línguas" (Villar, 1988:49).
Neste contexto, para a voz que ressoa a partir das ondas sonoras do
rádio, existe, do outro lado, um ouvinte em movimento envolvido com outras
atividades/linguagens, pois a versatilidade do aparelho receptor, propiciada
pelas inovações tecnológicas — o walk-man24 é exemplo deste fato —, permite
a esse ouvinte levá-lo consigo nos mais inusitados lugares. Em função desta
"atenção superficial", como nos diz Arnheim (1980), e das peculiaridades do
23
Werner Klippert (1980:84) nos traz uma importante contribuição a respeito da singularidade que a
voz adquire dentro do rádio: "A sua forma de gerar a voz tem que corresponder às condições do
microfone e do alto-falante. A posição da voz muda segundo se trate de uma gravação mono,
estéreo ou de estereofonia de cabeça artificial. Os atores que não percebem que numa gravação
mono não se trata de preencher com sua voz o Teatro Municipal não servem para o trabalho em
estúdio, mesmo que no palco sejam os melhores."
24 O walkman, este capacete acústico colado aos ouvidos, além de sua versatilidade, possibilita a
escuta individualizada, que por sua vez está presente no tipo de relação que se trava entre o emissor
e o receptor — o ouvinte.
meio e da nossa cultura , conforme já discutido, é que se deve organizar a
mensagem e se articular a locução, a fim de retirar o ouvinte do estado de
ouvir para o de escuta atenta, ainda que por instantes.
Entre as peculiaridades do meio rádio está a sua natureza
essencialmente sonora, que, por sua vez, vai além da palavra oralizada. A
radiofonia conta ainda com os elementos sonoros que perfazem sua
sonoplastia, ou seja, a trilha, efeitos, silêncio e ruídos, que juntos constroem a
obra radiofônica. A especificidade que cada um desses elementos adquire na
ordenação da linguagem radiofônica, assim como as diferentes funções que
pode desempenhar, seja em uma programação musical, um radiodrama ou
uma peça publicitária como o spot, são questões do nosso próximo capítulo.
CAPÍTULO III
A SONOPLASTIA RADIOFÔNICA:
SILÊNCIO, RUÍDO, EFEITO E TRILHA
SONORA NO ESPAÇO ACÚSTICO
Linguagem radiofônica: o combate verbo-voco-sonoplástico
Nas comunidades de oralidade primária, a transmissão dos textos
elaborados oralmente contavam com a performance dos intérpretes, que,
juntamente com os demais elementos da cena, tinham como função
apresentar fatos das narrativas e dos poemas. Neste processo, voz, gestos,
cenários, elementos visuais e sonoros se amalgamavam para apresentar a obra.
No rádio, por sua vez, nada que não seja voz participa; tudo que é emitido por
suas ondas sonoras é resultado do combate verbo-voco-sonoplástico no qual
texto e voz se entrelaçam simultaneamente com outros signos também
sonoros.
Portanto, a linguagem radiofônica não é exclusivamente verbal-oral.
Assim como a palavra escrita, músicas, efeitos sonoros, silêncio e ruídos são
incorporados em uma sintaxe singular ao próprio rádio, adquirindo nova
especificidade, ou seja, estes elementos perdem sua unidade conceitual à
medida que são combinados entre si a fim de compor uma obra
essencialmente sonora com o "poder" de sugestirir imagens auditivas ao
imaginário do ouvinte.
Para as comunidades orais, a palavra adquiria o caráter de um "bracelete
de encantamento vocais", como diz Schafer (1991: 216), pois não conheciam a
palavra como algo que poderia ser visualizado na forma impressa, mas sim
como uma ação que conferia poder sobre as coisas nomeadas. Reconheciam o
significado das palavras pela sonoridade. Toda potencialidade de
representação de uma idéia e/ou de um objeto residia no caráter expressivo do
som: o ritmo, a intensidade, o timbre e o intervalo/as pausas, que se
materializavam em uma fala marcadamente musical. Naturalmente estes
valores básicos do som têm o poder de afetar o ouvinte de muitas maneiras,
suscitando-lhe diferentes respostas emocionais.
Arnheim reconhece o papel fundante que o caráter expressivo adquire
para essas comunidades de oralidade primária e acredita ser este o material
básico para uma obra sonora (a expressividade sonora), tanto na locução como
na sonoplastia:
A imediata força expressiva que possui um ritmo trepidante e um tom
suave, um tom maior e um menor, um período rápido e lento, um tom alto
e um baixo, estes são os mais importantes e elementares meios criativos
de toda arte sonora, seja a música, a palavra ou os ruídos! O ouvinte se
entristece mais facilmente por tons "lastimeros" que por palavras. O
redescobrimento do som musical em ruídos e palavras, a união da música,
ruído e palavra em uma única unidade sonora, é uma das tarefas artísticas
mais importantes da rádio (Arnheim, 1980: 26 — grifos meus).
O SILÊNCIO — AUSÊNCIA DE SOM OU SOM SIGNIFICANTE
A Revolução Industrial, além das implicações políticas e econômicas, traz
consigo um sensível aumento do ruído, barulho, transformando radicalmente a
paisagem sonora dos centros urbanos, assim como o modo de ouvir, pois
promovem uma mudança perceptiva decorrente de uma sensibilidade
diferenciada cuja origem se encontra na transformação desta paisagem sonora.
O cidadão deste final de século parece ter-se habituado a esse moto
perpétuo, relegando o hábito de escutar ao de apenas ouvir:
[...] há uma crescente tendência a se ouvir maior quantidade de sons
contínuos, sobretudo em altos Índices de decibéis (Duarte, 1995:22).
Em contraponto, o silêncio, ou melhor, a sua ausência, começa a entrar
na pauta das preocupações dos estudiosos atentos aos índices de decibéis
acima do suportável pelo ouvido humano e que fazem parte do nosso
cotidiano, mas, concomitantemente, ainda prevalece a noção de silêncio como
morte alimentando a necessidade de se estar sempre emitindo e produzindo
sons.
O homem gosta de fazer sons e rodear-se com eles. Silêncio é o
resultado da rejeição da personalidade humana. O homem teme a ausência de
som como teme a ausência da vida. [...] O som corta o silêncio (morte) com sua
vida vibrante. Não importa o quão suave ou forte ele está dizendo:
"Estou vivo!" O som introduzindo-se na escuridão e esquecimento do
silêncio, ilumina-o (Schafer, 1991: 72-3).
Essa tendência de ouvir maior quantidade de sons contínuos tem na
figura dos disc-jóqueis um dos seus maiores incentivadores. A partir de
programações quase que exclusivamente musicais, os Dj's, entre os botões da
mesa de som e o microfone, coordenam o "falatório" com a introdução/disparo
de músicas da "parada" em ritmos dançantes. Locução e música em uma
programação direcionada ao público jovem. Esta, no entanto, não foi sempre
característica das emissões radiofônicas, uma vez que a paisagem sonora na
década de 30 era outra. Como vimos no Capítulo I, a partir das considerações
de Case (1995), nesta época o amadorismo no rádio era muito grande, pois
havia entre, por exemplo, o ensaio de um músico ou um cantor e sua
apresentação um longo período em que o microfone era desligado, deixando o
ouvinte abandonado.
Neste contexto relatado por Case, o silêncio no rádio já é considerado
como uma falha diante do aspecto dinâmico que deve predominar nas
emissões radiofônicas que se desenvolvem sob o signo da continuidade:
"continuidade e ritmo são, pois, duas preocupações centrais da produção e da
programação radiofônica" (Villar, 1989:31). Atualmente, a qualquer hora em
diferentes ritmos e entonações, a voz e a sonoplastia coordenam um programa
que procura estabelecer um processo de identificação com seu público-alvo de
forma contínua. No entanto, o silêncio também pode surgir como matéria
significante/ sígnica na elaboração e produção do spot, espaço em que esta
possibilidade ecoa com mais força devido ao espaço que a publicidade abre
para a experimentação de diferentes elementos da linguagem radiofônica.
O uso do silêncio, quando contextualizado dentro de uma estrutura
sintática, tem a possibilidade de adquirir significados que, por sua vez, podem
realçar a importância da continuidade sonora, ou podem atuar como um signo,
ou seja, representar um mistério, uma dúvida, a morte, a expectativa. Mas
deve estar contextualizado para que não seja interpretado como uma falha, um
ruído, e, neste caso específico, dentro do processo de comunicação
compreendido por Emissor — Canal/Código — Receptor, um ruído é tomado
como uma interferência indesejável no canal. Dentro desta mesma idéia,
Schafer define o ruído a partir da seguinte ilustração:
"Ruído é a estática no telefone ou o desembrulhar balas do celofane
durante Beethoven. [...] Ruído é qualquer som que interfere.
É o destruidor do que queremos ouvir" (1991: 68-9).
Por outro lado, além deste conceito de ruído como um som indesejável,
na música ele pode deixar de ser ruído (como um som desagradável) se for
incorporado como parte da mesma, seja através de instrumentos de percussão
ou através da sua inclusão como parte da textura de uma peça, como fez John
Cage ao introduzir o som do trânsito em um dos seus concertos, escancarando
as portas da sala de audição.25
Ainda podemos falar em sons periódicos e aperiódicos para distinguir
entre duas qualidades bem diferentes de sons, porém devemos deixar para
decidir se elas são música ou ruído depois que determinarmos se constam da
mensagem que se quer fazer ouvir ou são interferências misturadas a ela
(Schafer, 1991: 138).
Portanto, quando o ruído surge como uma interferência nas emissões
radiofônicas (que não se dá apenas no canal em decorrência de uma falha
técnica ou semântica, como mencionei, mas também no código, ou seja, na
questão do repertório, na adequação da mensagem ao perfil do receptorouvinte implicando a necessidade da redundância da informação) adquire a
dimensão de um som indesejável. Por outro lado, quando um ruído é
incorporado intencionalmente em uma obra radiofônica, ganha status de
"efeito sonoro"; deixa de ser uma interferência para participar da composição
da cenografia acústica ou para desempenhar um papel central dependendo das
combinações sintáticas realizadas, acentuando o potencial sugestivo intrínseco
à linguagem do meio.
A característica essencial da peça radiofônica é sua forte força
associativa, que surge de suas palavras e ruídos. A palavra que a nós se dirige
no mundo da nossa sala, desperta em nós associações mais abrangentes do
que a palavra lida ou a palavra no palco. [...] Mais significativo ainda do que a
palavra pode ser o ruído, quando for empregado de forma correta e
parcimoniosa, não como acompanhamento supérfluo da palavra, mas como
key sound (Wickert, 1980: 127).
O EFEITO SONORO OU O RUÍDO DESEJÁVEL
Em função de explorar um só sentido e contar com uma única fonte de
estímulos (o som), a mensagem radiofônica corre o risco de provocar a fadiga e
a monotonia da sua informação, mas, ao mesmo tempo, o seu aspecto
unisensorial dá-lhe um dos seus mais importantes trunfos, o poder de
sugestão, que é acentuado à medida que se exploram os seus elementos com
vistas a alimentar a imaginação do ouvinte com uma proposta variada de
imagens auditivas. Portanto, para acentuar o poder de sugestão incorporado
25
A introdução do ruído, do som considerado como não-musical, portanto, não-periódico, na
linguagem musical tem como precursor o compositor futurista italiano Luigi Russolo, autor do
manifesto de 1913 intitulado A arte dos ruídos. Russolo, ao constatar que, após a Revolução
Industrial a paisagem sonora passou a ser dominada pelo ruído, decide incentivar os compositores a
explorá-lo nas suas possibilidades tímbricas.
na palavra articulada pela voz e, conseqüentemente, atrair a escuta do ouvinte,
a música e o ruído assumem diferentes funções de acordo com a sua natureza
física e com seu significado para o ouvinte.
A inclusão de ruídos (efeitos sonoros) em uma obra radiofônica tem
como tendência o objetivo de provocar a associação do ouvinte com o objeto
sonoramente representado.
Como a função geralmente está determinada pelo sentido, pode-se
afirmar que existem tendências, cada uma delas produto da função de sentido
determinado pelo objeto que sonoramente se quer representar.
26
O ruído fornece informações, pistas, atua como índice do objeto
representado a fim de que o ouvinte reconheça e estabeleça associações,
que, pelo caráter referencial assumido pelo ruído, dá-se por contigüidade.
O índice, por manter uma relação factual, efetiva com o seu objeto, chama
a atenção de seu intérprete exercendo sobre ele uma influência
compulsiva, fornecendo-lhe direções e instruções.
Na radiofonia, por exemplo, quando se objetiva criar no ouvinte a
impressão de que se encontra num ambiente campestre, reúne-se uma série
de ruídos que compõem a paisagem sonora do campo, introduzindo-os numa
"cena" determinada. O objetivo é que, ao ouvi-los, o ouvinte imagine aquele
momento se passando em um ambiente campesino.
Da mesma forma, o uso de ruídos explosivos em chamadas e ou vinhetas
das programações radiofônicas, além de criar identidade, objetiva chamar
atenção do ouvinte.
Neste sentido, Kolb adverte que a palavra — assim como o ruído — só
pode evocar a representação da realidade se esta for bem conhecida pelo
ouvinte por tê-la visto antes. Para o ouvinte é praticamente impossível
imaginar circunstâncias externas complicadas no que se refere ao espaço,
ambiente e temporalidade e ação externa (Kolb, 1980: 117).
Portanto, dentro desta função referencial, o ruído/efeito sonoro tem a
tendência de assumir a natureza de pelo menos duas estruturas, a descritiva e
a narrativa, nas quais indistintamente o ruído só se torna manifesto no
momento em que se ouve o seu som (uma vez que não podemos ver a sua
causa, ou o seu objeto) e por isso torna-se prova da sua existência e tem
função de voz. "Um ruído, quando empregado como único meio de expressão,
26
O índice encontra-se na tríade ícone-índice-símbolo presente nos três tipos básicos de relações que
podem existir entre signo e objeto, segundo a Teoria Geral dos Signos de Charles Sanders Peirce. "Os
índices são afetados pelos seus objetos para os quais eles remetem, apontam, enfim indicam. São
índices uma batida na porta [...], os olhares e entonações da voz de um falante [...]. direções e
instruções para um ouvinte ou leitor etc." (Santaella, 1995: 158).
'preenche o espaço'. Sinaliza e permite ao ouvinte fazer associações" (Klippert,
1980: 54).
Ao empregar ruídos que componham o ambiente, a paisagem, o cenário
acústico, o produtor tem como meta utilizá-los de tal forma que possibilitem ao
ouvinte identificar objetos e imaginá-los associados.
No começo de uma cena, ouvimos a sirene de um navio, e
imediatamente aparecem na nossa fantasia, sem que tenham de se tornar
conscientes isoladamente, imagens tais como navio, neblina, viagem, porto,
mar, ondas horizonte.... um cenário nunca poderia criar tais associações. [...] O
palco sobre o qual transcorre a peça radiofônica é tão amplo como a
imaginação do ouvinte. A limitação ao aspecto acústico é mais uma vantagem
do que uma desvantagem (sic) (Wickert, 1989: 125-31).
Geralmente este conjunto de ruídos articulados são trabalhados para
ficarem em segundo plano, como "fundo sonoro", paralelamente à música e à
performance do locutor, pois devido ao seu aspecto referencial, na maioria das
vezes, os ruídos estão subordinados a intenções do texto oralizado e da música.
Neste sentido, um diálogo pode dirigir e até mesmo restringir as associações
num sentido determinado, aspecto especialmente importante quando se trata
do conceito de um produto.
Os ruídos, quando explorados dentro de uma estrutura narrativa,
representam acusticamente uma passagem temporal de uma ação para outra.
Em seu estado real ou transformado musicalmente, o ruído pode impulsionar a
ação da peça radiofônica com muito maior intensidade do que no palco do
teatro: pode explicá-la ou aprofundá-la muito mais intensamente do que
poderia fazer qualquer diálogo.
Além disso, na radiofonia o ruído pode ser explorado na entonação vocal,
emitindo sons em princípio não considerados como musicais e menos ainda
pertencentes aos domínios da arte e da língua convencional, como é o caso dos
gritos, bocejos, sibilos, tosse, entre outros sons que compõem o gesto
articulatório e que fazem parte da importante contribuição criativa do
locutor/intérprete27 consciente de que na voz encontram-se todos os
elementos da radiofonia: o som, a música e o ruído fazendo sentido à
observação de Klippert de que "a transposição de pensamentos ou
sentimentos em sons não apenas pressupõe o sistema convencional da língua,
mas também um ato criativo, o qual permite ao falante fazer uso ilimitado de
meios limitados" (Klippert, 1980:75).
27
O teórico alemão Werner Klippert (1980: 87), a respeito da contribuição do locutor em uma peça
radiofônica, julga a escolha de atores, no momento da formação do elenco, uma decisão que deve
ser tomada de forma cautelosa e previamente, pois, segundo as circunstâncias, pode-se modificar
totalmente a produção e a peça.
A palavra, surgida da força imaginativa do falante, desperta no ouvinte
idéias e, como resultado delas, sensações. Da mesma forma, os ruídos, cuja
causa não podemos ver, só podem despertar imagens. [...] A palavra e o ruído
só podem fazer surgir uma imagem do acontecimento real através da ilusão
que produzem em nós. Pelo contrário, não podem reproduzir uma ação
externa visível (Kolb, 1980: 115 — grifos meus).
Essa imagem que se constrói a partir de sons, de elementos acústicos,
adquire uma especificidade que a distingue da imagem estruturada por
elementos visuais em diferentes técnicas. A "imagem sonora" surge na tela
imaginativa do ouvinte como uma granulação fina, resultado de um processo
perceptivo entre impressões pessoais e representações sensoriais sonoras
apreendidas pela audição.
A música que apóia freqüentemente a palavra na peça radiofônica, além
de incrementar os efeitos que resultam da palavra ou do ruído na conformação
desta imagem sonora, pode ser explorada menos como meio de ilustração e
mais como interpretação, comentário e tipificação, isto é, com funções críticas.
A fim de diferenciar a música que faz parte dos programas em geral da utilizada
numa peça radiofônica propriamente dita (um drama, uma vinheta, ou um spot
publicitário) com diferentes objetivos e funções, me referirei a esta última
como "trilha sonora".
Trilha Sonora
Como vimos, acerca do caráter expressivo dos elementos da radiofonia,
Arnheim (1980:27) considera a música como a matéria-prima básica cujos
parâmetros devem ser aplicados tanto na performance do locutor (cuja
musicalidade é intrínseca à fala, ainda que sob alguns aspectos encontra-se
perdida neste contexto da supremacia da vista) como nos efeitos sonoros, pelo
fato de considerar o rádio como uma arte acústica cujo trabalho consiste em
representar o mundo para o ouvido.
Como trilha sonora no rádio, a música é utilizada com diferentes funções
de acordo com o tipo de programa no qual é empregada, segundo o
pesquisador latino-americano
Mário Kaplún. Por exemplo, nos programas de radiojornalismo é
geralmente utilizada com função fática, e, segundo Kaplún, com "função
gramatical", ou seja, são utilizados trechos de música como signo de
pontuação: "trechos de música com frase musical mais breve para separar
parágrafos de um mesmo texto, ou com frase musical mais longa para passar
de um assunto para outro" (Kaplún, 1994: 167-8).
No entanto, é nos "radiodramas" que a música é explorada com maior
intensidade, assumindo diferentes funções e objetivos. Nas radionovelas da
época de ouro do rádio brasileiro, a trilha sonora teve um significativo espaço
de criação. Kaplún destaca duas funções básicas para a música empregada
como trilha neste tipo/formato de programa: a descritiva e a expressiva.
A primeira tem como objetivo situar o ouvinte no ambiente tanto
espacial (um país determinado, um campo, um centro urbano, uma favela)
quanto temporal (a época de Napoleão ou de Júlio César) no qual transcorre a
ação, descrevendo-o.
Às vezes, a música descreve tão bem uma sensação sonora que chega
inclusive a substituir com vantagem os efeitos sonoros de um ambiente
dispensando-os [...]. O trajeto de um pequeno trem rural está muito bem
musicalisado por Villa-Lobos na sua segunda Bachianas Brasileiras (Kaplún,
1994: 169).
A função expressiva (diferentemente da função expressiva
jakobsoniana), também encontrada em outros formatos, além do radio-drama,
contribui para suscitar um clima emocional, para criar uma atmosfera sonora,
assim como para caracterizar um personagem, procurando adequar
determinadas características da música a diferentes personalidades (cf. a peça
Pedro e o lobo). "Tanto ou mais que no cinema, o comentário musical ajuda a
criar, em torno das palavras, o ambiente peculiar requerido para provocar no
ouvinte uma determinada identificação emocional" (Kaplún, 1994: 168).
Essas duas funções destacadas, geralmente, são empregadas como
fundo sonoro, como um meio de complementação, intensificação ou
estruturação dos processos de ação dramática falada. A música da peça
radiofônica, escrevia Pfister, tem o poder de dar atmosfera para uma cena,
permanecendo de fundo, talvez quase inaudível. Motivos característicos e
timbres típicos fixam o lugar do acontecimento.
Elementos melódicos e acordes ajudam essencialmente a desenhar
situações psíquicas e suas modificações. A dinâmica, o tempo e o ritmo apóiam
— preparando ou sublinhando a posterior — a intensidade do diálogo (Pfister
apud Kliper, 1980:50).
No spot publicitário, a música, dentre outros objetivos, é empregada
para estabelecer uma identificação entre o produto e seu público-alvo, ou seja,
o mesmo produto pode ser produzido com trilhas (ritmo, melodia, tons, altura
e intensidade) diferentes em função do perfil do seu receptor/consumidor,
assim como neste mesmo intuito, há a utilização de trilhas em função do fato.
Convém lembrar que a melodia e o ritmo das trilhas têm como meta a
memorização, principalmente quando elaboradas para um determinado spot.
É importante observar em qual sistema estão sendo trabalhados os
elementos da linguagem radiofônica. A orientação pode ser explorar a palavra
como um sistema convencional e arbitrário, o ruído como acompanhamento
supérfluo da palavra, como ancoragem, e a trilha como um BG apenas
ilustrativo; ou, ao contrário, a partir da sonoridade e expressividade de cada
um, aproximar-se do objeto representado "escoando marcas qualitativas de
intensidades" (Bigal, 1993: 53) e diminuindo a distância clássica entre objeto e
signo tão discutida desde Platão até Saussure e até os teóricos da semiótica
peirceana, passando pela discussão lúcida de Jakobson sobre a função poética.
A tendência da organização/montagem dos elementos da linguagem
radiofônica é ser realizada predominantemente através do paralelismo, ou
seja, os elementos da sonoplastia, embora tecnicamente ocorram ao mesmo
tempo que a performance do locutor, em nenhum momento se entrecruzam,
se justapõem. Em geral é uma trilha, que pode ou não ser interrompida por um
ruído/efeito sonoro, empregada como um fundo sonoro a partir da introdução
do texto verbal-oral neste processo de representação sonora. Trata-se de uma
estruturação dominada pela continuidade/linearidade e pela contiguidade.
Werner Klippert (1980), ao condenar enfaticamente a utilização da trilha
sonora como um fundo sonoro ilustrativo, do ruído apenas com função
referencial e da palavra vocalizada como um meio e não um fim, certamente
está se reportando ao caráter da simultaneidade, que é intrínseca ao rádio,
mas que não é devidamente explorado.
Quando sonoplastia e texto entram em equivalência, um traço da
materialidade da palavra é emprestada à sonoplastia e vice-versa. Trata-se da
transmutação do verbal em sonoplastia (efeito sonoro e trilha) e da sonoplastia
em verbal num processo de equivalência, justaposição dos sentidos em que
paralelismo e simultaneidade se equilibram.
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS
RADIOFÔNICAS
[...] A gravação de um episódio é uma missa, meu amigo.
Em realidade, era algo mais solene. Entre todas as missas que recordava
(fazia não que não ia à igreja) nunca vi uma cerimônia tão sentida, um rito
tão vivido, como essa gravação do décimo capítulo de As Aventuras e
Desventuras de Dom Alberto de Quinheiros, a que fui admitido. O
espetáculo não devia durar mais de trinta minutos — dez de ensaios e
vinte de gravação — mas me parecia que durava horas. Me impressionou,
de entrada, a atmosfera de recolhimento religioso que reinava no
quartinho envidraçado, de poeirento tapete verde, que respondia pelo
nome de "Estúdio de Gravação Número Um" da Rádio Central.
(Vargas Llosa, Tia Júlia e o escrevinhador)
A análise dos spots aqui transcritos e reproduzidos na coletânea
apresentada no CD em anexo permite discutir de forma detida as questões
levantadas no capítulo anterior sobre a performance do locutor (sua
adequação ao público e ao produto, seu aspecto de criação ou de
referencialidade), o texto verbal-escrito (a sua estruturação sintática e
semântica em função do meio e da contribuição dos demais elementos da
sonoplastia e da voz), a sonoplastia (o ruído/efeito sonoro, a trilha sonora e o
silêncio e suas diferentes funções), que juntos têm como objetivo produzir uma
obra radiofônica persuasiva, assim como firmar conceitos e construir uma
imagem sonora do produto em questão. Convém lembrar que estou utilizando
o termo obra como resultado dessa tessela de sons (voz e instrumentos
sonoros) e que nem todos os spots apresentados exploram todos os elementos
da radiofonia.
De acordo com o norte estabelecido neste trabalho, a análise desses
spots possibilita discutir a linguagem radiofônica a partir de exemplos
singulares, que, por um lado, tem como objetivo dar voz às críticas no que se
diz respeito à linearidade presente tanto no texto verbal-escrito e na locução,
como na sonoplastia, ainda que sejam elementos constitutivos de um meio por
natureza coordenado pela simultaneidade. Mas, por outro, ilustra as
possibilidades que apontei através de vários pesquisadores e autores, na
construção de obras que superam o aspecto referencial e apresentam
sonoramente marcas qualitativas de seus objetos, explorando a musicalidade
peculiar a cada elemento presente.
A transcrição do texto verbal dos spots selecionados, assim como a
indicação da introdução das trilhas e efeitos sonoros têm dois objetivos
básicos: o primeiro é expor a estrutura sintática peculiar do texto verbal que é
elaborado com vistas a ser oralizado e mediatizado. O segundo é evidenciar as
"marcas" da tradução que este mesmo texto sofre ao receber a intervenção da
voz e da sonoplastia (deflagrando o caráter múltiplo que caracteriza a
linguagem radiofônica).
A sintaxe radiofônica se funda na concorrência/simultaneidade de sons,
na sua concatenação lógica — disposição e ordem de aparecimento —, que,
por sua vez, se fundam no ritmo. A concorrência dos sons, seja da voz ou dos
elementos da sonoplastia, são viabilizados pela possibilidade técnica de inserir
diferentes planos simultaneamente em diferentes níveis de áudio, produzindo
o efeito de profundidade (dimensões espaciais próximo, distante), permitindo
ilustrar o ambiente no qual se passa a cena e fornecendo informações
complementares ao monólogo/diálogo que se trava em primeiro plano.
A ordenação lógica do texto oralizado, da trilha e dos efeitos está em
função do efeito de sentido que se pretende obter. Em geral, a simultaneidade
dos elementos da obra radiofônica — texto verbal oralizado, acompanhado por
uma trilha que permanece durante toda a sua "fala", ou seja, fica em BG, com
ou sem a inserção de efeitos sonoros no decorrer da obra — não implica
necessariamente em uma justaposição de sentidos, ou, numa concepção
jakobsoniana, não significa que se tem aí a projeção do eixo paradigmático
sobre o estigmático. De maneira geral, os elementos da sonoplastia correm em
paralelo e não se entrecruzam emprestando sentidos entre si para compor
acusticamente o objeto, seja ele um produto, uma marca ou uma idéia, como
no caso dos spots institucionais.
Por não ser só um spot, mas também uma peça publicitária elaborada
para rádio, o jingle Coral, do Unibanco,28 abre esta análise por poder ser
tomado como um exemplo da justaposição dos elementos da radiofonia que
extrapola a linearidade e expõe a performance da voz, explorando os
diferentes planos que a técnica oferece. Neste jingle, temos a desmontagem da
marca em basicamente dois signos: Banco e Único, que no jogo verbo-vocosonoplástico é remontada pela justaposição sígnica, um jogo em diferentes
planos sonoros.
28
Dado o fato de o jingle ser uma peça musical, não transcrevemos o seu texto. Portanto,
remetemos o leitor ao CD em anexo.
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS
RADIOFÔNICAS
VERBAL-ORAL: A PALAVRA ORALIZADA E MEDIATIZADA — O TEXTO
DESCRITIVO, NARRATIVO E A PERFORMANCE DA VOZ
O VERBAL ORAL NO SPOT RADIOFÔNICO
O texto verbal-oral elaborado para rádio adquire uma sintaxe
diferenciada em razão do próprio meio e dos elementos que compõem a sua
linguagem, ou seja, os períodos curtos, paratáticos, a pontuação, as repetições
originando a redundância, o uso de contrações típicas da fala oral e de
interjeições, os verbos flexionados na terceira pessoa do singular e geralmente
no presente do indicativo para estabelecer maior proximidade entre o emissor
e o ouvinte, compõem um texto que, no caso do spot publicitário, pretende ser
persuasivo, dinâmico e de fácil entendimento. O destino do texto verbal
escrito, um texto elaborado para ser oralizado, isto é, preparado para receber
intencionalmente a intervenção da voz, marca a sua estrutura sintática: deve
ser estruturado em frases curtas, cuja escrita não deve conter abreviações e
números por extenso. Em alguns casos, palavras homógrafas e em línguas
estrangeiras devem ser transcritas foneticamente a fim de se evitar erros na
pronúncia. Termos de duplo sentido (metáfora degenerada, conforme Décio
Pignatari) e/ou equivalentes são explorados e adquirem maior força por
explorar um aspecto que é próprio do meio rádio: a sugestão.
O poder de sugestão fica explícito no spot Semana do rádio, da WGGK,
sendo esta inclusive a idéia principal que se deseja transmitir nesta peça
metalinguística: "o veículo que mais mexe com a imaginação...". No spot Rugas,
da Black & Decker, trabalha-se no texto do diálogo entre dois amigos a
equivalência entre "passar" (verbo — ação de passar roupa) e "passar" (estado
de saúde), e entre rugas da roupa (roupas amassadas) e rugas da pele (em
decorrência da perda de elasticidade).
Trabalhando com a equivalência semântica entre os signos verbais, o
spot Secretária eletrônica, da Old Eight, recupera a marca do produto nos
elementos cênicos.
O número do telefone e a mensagem da secretária eletrônica, cuja
duração do "problema" impede o personagem de atender o telefone, estão em
equivalência com a duração do processo de envelhecimento da bebida, que é
reconfirmada pelo segundo locutor na apresentação da marca e seu slogan.
Semana do rádio (WGGK)
Loc 1 — Ah, Valdir, se eu soubesse nem tinha vindo, é muito pequeno
esse seu pintinho (efeito sonoro eletrônico).
Loc 2 — (Esclarecimento): trata-se de uma dona de casa preocupada em
ampliar seu galinheiro (efeito sonoro de cacarejar).
Loc 3 — Deputado, quanta grana o senhor vai levar nessa (efeito sonoro
eletrônico)?
Loc 2 — (Esclarecimento): trata-se do secretário particular de um
deputado querendo saber que quantia ele vai necessitar para a sua viagem
(efeito sonoro de locomotiva).
Loc 4 — Minha senhora, olhei o seu filho com todo o cuidado. Lamento
informar mas é bicha (efeito sonoro eletrônico).
Loc 2 — (Esclarecimento): trata-se de um pediatra informando à jovem
mamãe que seu bebê é portador de lombrigas, também conhecida como
Ascaris lombricoides (trilha sonora)
Loc 2 — Assim é o rádio, o veículo que mais mexe com a imaginação e
mais esclarece. Semana do rádio, homenagem desta emissora e da WGGK
Publicidade. (Vinheta da produtora).
Rugas (Black & Decker)
(efeito sonoro de pessoas conversando — BG)
Loc 1 — E aí meu, como vai? E a sua mãe?
Loc 2 — Não muito, viu. Tá preocupada com as rugas. Sabe, né?!
Loc 1 — Rugas?!
Loc 2 — É. Ela passa, passa, passa e as roupas continuam enrugadas.
(Prossegue em off).
Loc 3 — Dê pra sua mãe um ferro automático Black & Decker. Com ele
toda mãe passa bem.
Secretária eletrônica (Old Eight)
Trilha sonora (efeito sonoro de campainha de telefone e secretária
eletrônica).
Loc — Você ligou para oito, oito, oito / oito, oito, oito, oito. Não posso
atender no momento. Estou resolvendo um assunto criado há oito anos (efeito
sonoro de gelo e líquido despejados no copo).
Loc 2 — Old Eight: maltes raros, importados, envelhecidos oito anos.
Beba com prazer, sirva com orgulho.
Os spots Aberturas, Prazeres, Colarinhos, da Kaiser, apresentam vários
termos equivalentes para apresentar o seu produto, descrevendo a própria
composição paradigmática de onde são selecionados os signos que serão
combinados para compor o sintagma. Esses três spots apresentam a mesma
estrutura: dois locutores em tom humorado e irônico apresentam os termos
equivalentes a cada tema — Abertura, Prazer e Colarinho — acompanhados
por uma trilha sonora que segue em BG até o momento em que é apresentado
o sintagma que apresenta o produto e a sua marca acompanhado por uma
trilha-tema da marca "Kaiser" em tom apoteótico.
Prazeres (Kaiser)
(trilha sonora da Kaiser)
Loc 1 — Sob o patrocínio da cerveja Kaiser vamos falar dos prazeres mais
famosos da nossa terra (mixa BG com Trilha).
Loc 2 — Tem o prazer é todo meu,
Loc 1 — O prazer é todo seu,
Loc 2 — O prazer em vê-lo.
Loc 1 — O prazer em revê-lo,
Loc 2 — O prazer em conhecer.
Loc 1 — O prazer a dois.
Loc 2 – O prazer solitário.
Loc 1 — O bel-prazer.
Loc 2 — E tem o maravilhoso.
Loc 1 — Inconfundível...
Loc 2 — Prazer de beber a deliciosa cerveja Kaiser (mixa BG com trilha
Kaiser).
Loc 1 — Grande no sabor,
Loc 2 — Grande na qualidade.
Loc 1 e 2 — Kaiser, uma grande cerveja.
Colarinhos (Kaiser)
(trilha sonora Kaiser)
Loc 1 — Sob o patrocínio da cerveja Kaiser, vamos falar hoje dos
colarinhos mais famosos da nossa terra (mixa BG com Trilha).
Loc 1 Tem o colarinho do palhaço,
Loc 2 — O colarinho do padre,
Loc 1 — O colarinho branco,
Loc 1 — O colarinho folgado,
Loc 2 — O colarinho engomado,
Loc 1 — O colarinho sujo de batom.
Loc 2 — E tem o delicioso,
Loc 1 — Inconfundível...
Loc 2 — Colarinho da cerveja Kaiser ( mixa BG com trilha Kaiser).
Loc 1 — Grande no sabor,
Loc 2 — Grande na qualidade.
Loc 1 e 2 — Kaiser, uma grande cerveja.
Aberturas (Kaiser)
(trilha sonora Kaiser)
Loc 1 — Sob o patrocínio da cerveja Kaiser, vamos falar hoje das
aberturas mais famosas da nossa terra (mixa BG com trilha).
Loc 1 — Tem a abertura política,
Loc 2 — A abertura dos jogos da primavera,
Loc 1 — A abertura do olho,
Loc 2 — A Abertura do sinal,
Loc 1 — A abertura do zíper,
Loc 2 — A abertura do cofre,
Loc 1 — A abertura de portas e gavetas em geral,
Loc 2 — E tem a esperada...
Loc 1— Esplêndida...
Loc 2 — Abertura da cerveja Kaiser.
Loc 1 — Grande no sabor,
Loc 2 — Grande na qualidade.
Loc 1 e 2 — Kaiser, uma grande cerveja.
A materialidade dos elementos que compõem o meio rádio, seu canal,
sua linguagem também são explorados para apresentar uma marca. São os
spots metalingüísticos Dona Nilda, do Banespa, Microfone, do Clube de Criação
de São Paulo, e Redator, da Buscacrepe. Nestes três spots, basicamente texto e
voz deflagram o ato de produção de uma peça radiofônica publicitária. A
performance da voz sensual de Dona Nilda (Loc 1), das vozes dos aspirantes a
locutor de peças publicitárias, da voz caricata do personagem que encomenda
o spot para a Família Buscacrepe (que nos remete ao personagem do desenho
animado da Hanna Barbera Família Buscapé) são registros e gestos que a voz
imprime ao texto verbal impresso no roteiro, surpreendendo-o, recriando-o e
traduzindo-o em outra materialidade, a sonora.
Dona Nilda (Banespa)
(Efeito sonoro de chamada campainha de telefone)
Loc 1 — (voz sedutora)— Banespa, às suas ordens.
Loc 2 — Eu queria falar com a Dona Nilda, por favor.
Loc 1 — É Nilda quem fala.
Loc 2 — Dona Nilda?! Imagina ela me atende há anos. Essa não é a voz
dela.
Loc 1 — Sabe o que é, estão fazendo comercial aqui e queriam uma voz
mais marcante, mais expressiva. (Trilha Sonora )
Loc 2 — Que voz marcante o quê. Chama já a Dona Nilda, por favor.
Loc 3 — O nosso forte é o atendimento. Quem conhece não troca.
(Corta trilha)
Loc 4 — Alô, Seu Pereira?!
Loc 2 — Ô Dona Nilda, que susto, hein!
(trilha sonora)
Loc 3 — Banespa. A força da nossa gente.
Microfone (CCSP)
Loc 1 — (em off) Tem que falar Primeiro?
Primeiro, concurso de...
Loc 2 — (interrompe) Não. Primeiro concurso (efeito sonoro retrocesso
de fita).
Loc 3 — (voz anasalada) Primeiro concurso de locução publicitária do
Clube de São Paulo "isnquisipiação", né?
Loc 4 — Primeiro concurso de "polocução" publicitária. Eu não tô
conseguindo. Pára um pouquinho. Vamos começar de novo (efeito sonoro de
retrocesso de fita).
Loc 5 — Primeiro Concurso de Locução Publicitária do Clube de Criação
de São Paulo. Informações 251 0766.
Loc 2 — Nossa... (efeito sonoro de retrocesso de fita).
Loc 5 — Informações 251 0766.
Por sua vez, mostra seu status. No spot Dança da chuva, o texto oralizado
descreve um ritual que se configura sonoramente à medida que as etapas são
detalhadamente instruídas pelo locutor, fornecendo ao ouvinte as pistas, os
índices sonoros para que possa criar em sua mente uma imagem sonora da
situação descrita.
Baby Grill (Rubayat)
Loc 1 — O Rubayat está abrindo Baby Grill para pratos rápidos e o Suitt
Baby para lanches deliciosos ali no centro na Vieira de Carvalho, em frente ao
Almanara, do lado do Galetos, perto da Doceira Dulca, à quarenta metros do
Gato Que Ri e vizinho ao Café Arouche. É preciso ser muito bom para abrir duas
novas casas num lugar desses. É preciso ser Rubayat. Baby Grill e Suitt Baby
Rubayat, Rua Vieira de Carvalho, 128. Ah, é perto também do Le Caçarolê.
Dança da chuva (Cesp)
Loc 1 — A seguir as instruções para os agricultores que não querem
depender da chuva para o resultado de suas lavouras (efeito sonoro: sinal
eletrônico).
Loc 1 — Reúna todos os seus empregados em terreno amplo de terra
batida, escolha entre eles o que melhor saiba tocar um tambor (efeito sonoro:
tambor em BG).
Loc 1 — Organize seus empregados numa fila indiana de formato
circular. Faça com que acompanhando o ritmo comecem avançar lentamente
no sentido anti-horário entoando a renomada canção popular "Tomara que
chova três dias sem parar".
Loc (Coro) — Tomara que chova três dias sem parar (segue em BG).
Loc 1 — Exija concentração. Olhe atentamente para o céu. A experiência
tem demonstrado que na época das chuvas, quando o céu está nublado, em
vinte por cento dos casos, o sistema costuma funcionar.
Na seca o índice de acerto é praticamente nulo. Nestes casos os próprios
índios recomendam (Corta BG Coro).
Loc 2 — (caricata) Passe nas agências da Cesp, CPFL e Eletropaulo e retire
os manuais de irrigação da energia de São Paulo. Irrigação superficial, por
gotejo, por aspersão e bombas de recalque, eles estão lá para quem quer
pensar sério no assunto e vão ensinar você a fazer a chover sem dançar.
Loc 3 — Energia de São Paulo — Cesp, CPFL e Eletropaulo, Governo
democrático de São Paulo.
Na gramática, os advérbios/interjeições são considerados signos mínimos
de sentido, mas nos textos dos spots Achados e perdidos, de O Estado de São
Paulo, e Mou muudas suas significações são ampliadas para compor o sentido
do produto e de sua marca através de suas vocalizações ou da sua suspensão
de sua materialidade, como é o caso do spot B.E.I— Banco Eletrônico Itaú, do
Itaú.
Achados e perdidos (O Estado de S. Paulo)
Loc 1 — Sessão Achados e perdidos.
Loc 1 — Domingo passado saiu "Monza Classic 89, 4 portas, único dono".
Um achado.
Loc coro — Ehhhhiiiiii.
Loc 1 — Mas o senhor Edinaldo Aguiar não leu o Estadão de domingo,
perdeu.
Loc coro — Ahhhh.
Loc 1 — Saiu também "vagas para secretária bilíngüe, ótimo salário,
perspectiva de ascensão" Um achado.
Loc coro — Ehhh!.
Loc 1 — Mas a senhorita Maria Helena não leu o Estadão, perdeu.
Loc coro — Ahhh.
Loc 1 — Nesse domingo não se arrisque com outro jornal. Só o Estadão
de Domingo tem as melhores ofertas. Estadão de Domingo é muito mais
negócio.
Loc coro — Ehh!
Mou muud
Trilha sonora — (em BG)
Loc coro — Mou muud, Hummm.
Loc 1 — Calda quente de chocolate...
Loc coro — Hummm.
Loc 1 — Chantily... Loc coro — Hummm.
Loc1 — Duas bolas bem grande de sorvetes de creme, chocolate,
morango, flocos, brigadeiro...
Loc coro Hummm
Loc 1 — E uma farofa doce especial.
Loc coro — Hummm.
Loc 1 — Mou muud, o sorvete mais delicioso e diferente de todos os
sorvetes que você já provou.
Loc 1 — Mou muud espe....
Loc coro — Hummm.
Loc 1 — Mou muud espera por você no mini shopping dentro do
Shopping Ibirapuera todos os dias até as vinte e duas horas, inclusive aos
domingos. Mou muud...
Loc coro — Hummm.
B. E. I. — Banco Eletrônico Itaú (Itaú)
Loc — "Um momento. Neste final de ano o Itaú oferece a você um
serviço extra com violinos, sopros, percussão e as vozes que atendem você o
ano inteiro. Você entra só com a sua vontade de cantar. A melodia é muito
simples, só tem quatro letras: I-T-A-Ú e é assim: Pegue o i e cante iiii, pegue o t
e bata tatata, pegue o a e faça hahaha e diga ú pra quem não quer cantar. Viu
como é fácil; você só repete Hihihi, Tatatá, Hahaha e U. Vamos lá é sua vez!
Pegue o i e cante —, pegue o t e bata —, pegue o a e faça — diga para — quem
não quer cantar. Pegue o i e cante iii, pegue o t e bata tatata pegue o a e faça
hahahá e diga ú pra quem não quer cantar." Itaú o banco eletrônico que afina
bem com você o ano inteiro.
TEXTO NARRATIVO
A radiofonia brasileira conheceu a estrutura narrativa através do
radioteatro, que foi posteriormente reelaborada pelas radionovelas, gênero de
grande sucesso que proporciona ao rádio nacional a sua fase de ouro.
Verdadeiros radiodramas de amores impossíveis, personagens lineares, tipos
sociais de fácil identificação compunham a narrativa cujo envolvimento por
parte do ouvinte era intensificado pela sonoplastia. Trilhas sonoras imprimiam
tom ao clímax (de amor, suspense, ou tragédia), efeitos improvisados e
experimentais faziam escola como índices dos acontecimentos que juntos
perfaziam cada capítulo. O spot publicitário recupera essa "fórmula" e a
explora em um novo formato de trinta segundos para vender produto, marca e
conceito. Aqui, o texto verbal-oral dos spots é organizado com vistas a compor
uma narrativa através da qual é apresentado o produto, sua marca e conceitos.
A performance do locutor, a trilha e os efeitos sonoros desempenham papéis
imprescindíveis na descrição e composição das cenas e dos personagens, mas o
fio condutor de toda narrativa é o texto verbal-oral. É neste sentido que são
compostos e produzidos os spots Novela mexicana,29 da Finasa Seguradora e
Mortadela, da Sadia. No primeiro, tem-se a narração da sucessão de tragédias
que acometem a personagem "Dolores" intensificada pela trilha sonora
dramática, através do diálogo em espanhol entre os dois personagens. Por fim,
entra a voz do terceiro locutor em bom tom e em português, anunciando o
produto como solução para o problema. No spot Mortadela, o personagem
narra a sua busca frenética pelas ruas escuras e bares noite adentro por algo
29
Devido ao fato de este spot estar redigido e locutado em espanhol não o transcrevemos aqui.
Remetemos o leitor ao CD em anexo.
que só é revelado ao ouvinte por um segundo locutor no final da peça. É
estabelecido um clima de suspense e tensão a partir de um mosaico composto
por vozes, trilha sonora, efeitos sonoros e texto que exploram o aspecto
sugestivo do rádio a partir de uma narrativa de trinta segundos.
Mortadela (Sadia)
Trilha Sonora (em BG)
Loc 1 — Altas horas. Procuro noite adentro. Ruelas escuras. Ecoar de
passos. Te acho num sujo bar gelada. Homens à tua volta desejosos. Nó no
peito. Sorriem. Nas mãos pedaços teus experimentam. Nó no peito. Basta! Fora
todos! Roubo-te. És apenas metade do que mereço, mas basta-me. Olhe-te.
Lábios próximos. Como-te. (corta trilha)
Loc 2— Opa! Mortadela Sadia desperta paixões.
Nesta mesma estrutura, porém deflagrando a narrativa no seu processo
de construção da história e da peça publicitária em si através da inclusão do
diretor — que além de fazer a narração, coordena atuação dos locutores —,
estão os spots Plaza madame, Plaza homem, Plaza botões, da Souza Cruz. Em
todos eles, o narrador atua como diretor da produção do spot, que também é
metalingüístico ("a televisão...", "a quinta sinfonia [...] mais alto...", "muito mais
suspense...").
Plaza madame (Souza Cruz)
Loc 1 — Senhora elegante, fina, tira um cigarro (efeito sonoro caixa de
fósforos). Percebe que não tem fogo. Chama o mordomo:
Loc 2 — Arquibalde.
Loc 1 — Chama de novo:
Loc 2 — Arquibalde.
Loc 1 — Ela lembra que não tem mordomo. Acha isqueiro em cima da
televisão, liga (efeito sonoro de isqueiro) a televisão (efeito sonoro do áudio da
televisão) no exato momento em que o locutor fala:
Loc 3 — Plaza extra suave. Uma classe a mais.
Plaza homem (Souza Cruz)
Loc 1 — Homem de trinta anos na sala ouve a quinta sinfonia de
Beethoven (trilha Sonora) Quinta Sinfonia (trilha Sonora). Soa a campanhia
(efeito sonoro de campainha residencial). Ele abre uma garrafa de champanhe
(efeito sonoro: rolha sendo sacada de uma garrafa). Soa a campainha mais uma
vez (efeito sonoro de campainha).
Ele diz:
Loc 2 — Já vou.
Loc 1 — Mais alto:
Loc 2 — Já vou!
Loc 1 — Ele acende um cigarro (efeito sonoro de cigarro sendo aceso).
Vai em direção (efeito sonoro de caminhar) à porta. Abre. Entra locutora:
Loc 3 — Plaza Extra Suave. Uma classe a mais.
Plaza botões (Souza Cruz)
Loc 1 — Mulher de trinta anos lê um livro de suspense (efeito sonoro:
acordes musicais de suspense), muito suspense (repete efeito anterior), muito
mais suspense (repete efeito de suspense seguido de grito de horror). Ouve-se
um lobo (efeito sonoro de uivo de lobo). Ela se arrepia. Fecha o vidro (efeito
sonoro de vidro sendo fechado), acende um cigarro (efeito sonoro de fósforos
sendo riscados), relaxa e começa a falar com seus botões. Um dos seus botões
responde:
Loc 2 — Plaza Extra Suave. Uma classe a mais.
Ainda com relação à estrutura narrativa, há spots publicitários que se
utilizam de narrativas tradicionais conhecidas e as re-significam, como é o caso
das peças publicitárias Rádio Kaiser — lâmpada, da Kaiser, e Rapunzel, da
Cantharus.
Rádio Kaiser — Lâmpada (Kaiser)
Efeito de eco na palavra "rádio"
Loc 1 — Rádio Kaiser
Loc 2 — Olha uma lâmpada (efeito sonoro). Tá suja. Deixa eu limpar ela
um pouco (efeito sonoro de explosão seguido de risadas). Ai, o que é isso?
Loc 3 — Eu sou o gênio da lâmpada. Você tem direito a um desejo seja
ele qual for.
Loc 2 — Ah, é? Então, eu queria que o senhor deixasse a minha mulher
linda. Olha aqui a foto dela.
Loc 3 — Ô Louco Meu. Dá pra tomar uma Kaiser antes? (efeito sonoro)
(trilha sonora Kaiser)
Loc 1 — Grande Kaiser!
Rapunzel (Cantharus)
(Efeito sonoro de pássaros)
Loc 1 — Jogue-me as suas tranças, Julieta.
Loc 2 — Oh! Romeu.
Loc 1 — Hummm Julieta. (trilha Sonora )
Loc 3 — Xampu para cabelos normais em quatro fragrâncias: bálsamo,
herbal, maçã, morango. Troque de fragrância a cada frasco terminado e jogue
as suas tranças.
PERFORMANCE DA VOZ
[...] as palavras não mais significam o que delas se espera, porque já não
são mais palavras. Elas adquirem feições icônicas — e eu insisto na idéia de que
as feições-sonoras são feições icônicas, como podemos observar na música, no
canto, no ruído e na fala. (Pignatari, 1987:156)
Tem-se a performance da voz quando cada palavra do texto verbal se
conforma à plasticidade da voz, suas qualidades, seu ritmo, sua melodia, sua
entonações. A voz porta-se como escolhida para aquele texto e,
conseqüentemente, para aquele produto, engendrando valores que a
linearidade da escrita oculta para uma mídia de múltiplas oralidades.
À voz (que extrapola a articulação de signos simbólicos a partir de
gagueiras, sibilos, ruídos vocais) pode, dentre múltiplas facetas, assumir a de
caricatura de uma situação e/ou de personalidades, promovendo a imediata
identificação por parte do ouvinte, como acontece no spot Grande Prêmio
(Jóquei Clube de São Paulo), ou ainda como caricatura deslocada que explora
um modelo de locução para apresentar uma determinada marca sem que esta
esteja necessariamente ligada ao contexto do modelo da locução adotada,
como é o caso dos spots Programa de calouros, Aleluia irmãos, da Pompéia
Veículos, Campanha FBA, do Café Canaã, Jóquei (Humberto Tecidos
Decorações) e Pai-de-Santo, da Folha de S. Paulo.
A voz quando entra em cena traz à baila — através de sua gesticulação,
ritmo, entonação e colorido — os personagens, o cenário, a atmosfera, seja de
um páreo em um jóquei, um programa de calouros, um culto evangélico, um
mosteiro ou um terreiro de umbanda. Tais cenários e personagens são
estruturados a partir de tipos sociais presentes no cotidiano do público, cuja
identificação fica reconfirmada pelo texto, que lança mão de signos verbais
característicos do repertório (cultural) de cada situação para inserir seu
produto. A sonoplastia que é explorada nestas peças subsidia este processo de
construção do cenário e dos personagens, descrevendo-os a partir de
elementos referenciais de cada situação, ou seja, através do galopar cada vez
mais intenso dos cavalos em uma páreo no decorrer da performance do
locutor-jóquei, dos aplausos do auditório e da buzina de carro que faz as vezes
da buzinada como indicação de fracasso/reprovação, das manifestações de
aleluias e exclamações por parte dos "irmãos", do canto gregoriano que entoa
um cântico cuja letra "consagra" o produto e que permanece presente em BG
durante a performance do locutor-monge e finalmente dos instrumentos de
percussão que embalam em BG o ritmo do locutor-pai-de-santo no seu ato de
aconselhamento.
Grande Prêmio (jóquei Clube de São Paulo)
Efeito sonoro: Cometa de partida.
Loc 1 — Atenção. Foi dada a partida para o grande prêmio Jóquei Clube
de São Paulo. Patrimônio larga na frente, ao lado de saúde financeira, seguidos
por dívida-monstro, por crise interna, que vem por fora ultrapassa
sensacionalmente tomando a ponta. A administração arcaica insiste na
carreira, atacando ferozmente o sócio do clube.
A saúde financeira vai perdendo terreno, crise interna continua
dominando a prova e já livra um, dois corpos de vantagem para patrimônio.
Sócio do clube continua perdendo posições, agora atacado por continuísmo,
que vem atropelando, contornando a curva. Emparelhados crise interna,
dívida-monstro e administração arcaica. Saúde financeira tropeça e abandona o
pilotado. Sócio do clube e patrimônio ficam pra trás. Últimos cem metros
momentos de expectativa.
Loc 2 — Atenção sócio do Jóquei Clube de São Paulo. Não deixe esta
corrida terminar assim. Dia vinte de fevereiro eleja José Bonifácio Coutinho
Nogueira para presidente.
A situação não está nada boa no jóquei. Vote na oposição. Chapa União
— Administração com rédeas curtas.
Programa de calouros (Pompéia Veículos)
Loc (coral) — Calouros no ar.
Loc 1 — E aqui está mais uma candidata: Dona Clotilde Sorriso. Palmas
para a Dona Clotilde.
Loc 2 — Pois não, em que posso ser útil?
Loc 1 — Dona Clotilde, por que Sorriso?
Loc 2 — É porque na Pompéia Veículos onde eu trabalho é sempre assim.
Eu recebo todo mundo sorrindo.
Loc 1 — Dona Clotilde, olha o comercial. Assim não dá; não é de graça,
não.
Loc 2 — Ah, dá sim. A Pompéia dá um jeito pra tudo. Qual é o caso do
senhor, carro novo, usado, equipamento?
Loc 1 — Meu caso, Dona Clotilde é que a senhora veio aqui para cantar,
não é? Vamos lá, então. Por favor....
Loc 2 — Está bem, está bem. O cliente sempre manda. (Cantando). Seu
automóvel, leve na Pompéia (buzina).
Loc 1 — Dona Clotilde, muito obrigado. Próximo candidato, então...
Loc 2 — Ah, por favor me dá mais uma oportunidade, vai.
Loc 1 — Mas rápido, Dona Rápido.
Loc 2 — Pompéia Veículos, Rua Carlos Vicari, 154. (Aplausos platéia).
Aleluia, irmãos (Pompéia Veículos)
Loc 1 — Irmãos, estamos aqui na Pompéia para ouvir os testemunhos
dos nossos clientes revelados. Conta a sua graça irmão.
Loc 2 — É um problema no meu carburador, no meu monza. Eu levei em
tudo quanto é lugar, estava desenganado.
Loc (coral) — Ohhhh.
Loc 2 — Por fim, eu trouxe o monza aqui nas oficinas da Pompéia e o
carburador está totalmente curado.
Loc coral — Milagre, milagre.
Loc 1 — Milagre, Aleluia. E o monza nunca mais deu problema?
Loc 2 — Nunca mais, graças a Deus.
Loc 1 — A Deus e aos mecânicos da Pompéia, que são todos uns santos
milagrosos.
Loc (coral) — Aleluia.
Loc 1 — Se o seu chevrolet tem problema, traga-o aqui para as oficinas
da Pompéia, à Rua Carlos Vicari, 154, sede própria, das oito às dezoito horas.
Aleluia (Aleluia). Na Pompéia (Na Pompéia).
Campanha FBA (Café Canaã)
(Coro gregoriano). A água da chaleira. (BG)
Loc 1 — Meus amigos, estamos lançando o campanha "adote o nosso
pretinho". Ele é cheiroso, gostoso, e como rende. Nosso pretinho só precisa de
uma casa amiga.
Loc 2 — Café canaã. Pó da melhor qualidade.
Loc 1 — Adote nosso pretinho. Mais uma campanha FBA: fogão, bule e
água.
Jóquei (Humberto Tecidos e Decorações)
Tiros de partida.
Loc 1 — Foi dada a partida para a liquidação anual Humberto Tecidos.
Dona Regina sai na frente com cetim liso de quatrocentos e noventa o metro,
Dona Berenice avança pro lado direito e leva um cetim de algodão estampado
por setecentos e trinta, Dona Raquel arremata todo o gorgurão por dois mil e
setecentos o metro, Dona Antonia atropela por fora e leva o jacquard rústico
só por mil e trezentos. A decisão agora é cabeça a cabeça. E cruzam a
registradora de chegada. (Efeito de registradora).
Loc 2 — Liquidação Anual Humberto Tecidos. Corra porque esses preços
vão ser um páreo duro para a concorrência. Humberto Tecidos. Rua Carlos de
Carvalho, mil e cinqüenta e nove.
Pai-de-Santo (Folha de S. Paulo)
Trilha sonora (BG)
Loc 1 — Aqui está uma simpatia para arranjar um carrão. Enche uma
xícara de café quente, deixa descansar, depois vai bebendo devagarinho,
olhando sempre no fundo da xícara e mentalizando "eu vou conseguir aquele
carrão". Sai pela porta, pule a soleira, dê vários passos a frente até ver uma
banca de jornal.
Olha bem nos olhos do jornaleiro e se "aconcentra" e pede Folhão.
Loc 2 — Domingo é dia útil. Domingo é dia de Folhão.
Loc 1 — Sarava.
A idéia da troca, prática proposta pela fotóptica no spot Fotróptica, além
de estar presente no texto verbal e nos trocadilhos realizados a partir das
letras, unidades mínimas que compõem o signo fotóptica, é mantida pelo
locutor na sua ação vocal. Extrapolando a esfera da voz como apenas
articuladora de palavras, as inúmeras possibilidades que o aparelho fonador
humano oferece permitem que a voz atue como efeito sonoro, trilha sonora,
como no spot Terminal extrato. Nesta peça publicitária, duas vozes alternam-se
ritmicamente de forma a recuperar sonoramente o transcorrer do tempo a
partir das palavras "boa" e "tarde" e impõem um ritmo que é acompanhado
pela trilha que se mantém em BG (em segundo plano) durante a locução que
expõe as vantagens do cliente Itaú — o extrato impresso —, cuja presença se
faz marcada pelo seu efeito produzido pela voz.
Fotróptica (Fotóptica)
Agora na fotróptica você pode fazer trocas e sair cheio de fresentes.
Pode trocar seu confutador usado por um felescópio, seu afarelho de som por
uma máquina potográfica, o que vocêtem de usado pelo que a fotróptica tem
de novo e ainda pode usar seu calção de crédito ou fagara frazo com os furos
mais baixos do mercado. Eu, for exemplo, tô indo na fotróptica pra ver se eu
consigo trocar esse meu zeito de falar. (Efeito Sonoro).
Loc 2 — Fotóptica. Pra agradar você a gente troca até de nome. (Efeito
sonoro). E se você não tem nada para trocar, a fotróptica troca qualquer coisa
por dinheiro.
(Efeito sonoro).
Terminal extrato (Banco Itaú)
Loc 1 e Loc 2 (alternados) — Boa /Tarde, Boa/Tarde, Boa/Tarde,
Boa/Tarde (BG).
Efeito sonoro: máquina de extrato bancário (vocalizado).
Loc 3 — Boa Tarde. Nas agências Itaú os terminais eletrônicos estão
fornecendo extratos impressos para seus clientes em segundos. Cliente Itaú é o
mais bem informado e o mais bem atendido. (Efeito Sonoro: máquina de
extrato bancário vocalizado).
Loc 3 — O Itaú está onde você precisa.
Loc 1 e 2 alternados Boa/ Tarde, Boa / Tarde, Boa /Tarde.
SONOPLASTIA: SILÊNCIO, EFEITO SONORO E TRILHA SONORA
Silêncio
No spot Silêncio produzido para Folha da Manhã, o recurso do silêncio é
explorado como elemento de significação e não como ruído ou falha técnica,
como geralmente é interpretado pelas emissões radiofônicas. Este signo que
representa a ausência de som está em equivalência com a ausência dos jornais
que não são publicados às segundas-feiras, ao contrário da concorrente Folha
de S. Paulo.
Silêncio (Folha da Manha)
Loc. Atenção. (Silêncio). A Folha dedicou quinze segundos de silêncio aos
leitores dos jornais que não saem às segundas. A Folha de S. Paulo sai trezentos
e sessenta e cinco dias por ano. Para assinar ligue 222 dois mil. Folha de São
Paulo, o Jornal que mais se compra e o que nunca se vende.
EFEITO SONORO
Seguindo a tendência que rege as produções radiofônicas, o efeito
sonoro é geralmente explorado como elemento referencial do objeto que se
pretende apresentar verbalmente, seja através do aspecto narrativo ou
descritivo. No spot Beleléu, da Cofap, os efeitos empregados descrevem
sonoramente o que é verbalmente narrado pelo locutor como um signo
indicial, fornecendo pistas para o ouvinte acerca do ambiente e da cena em si,
que também é ilustrada pela entonação vocal do locutor.
Beleléu (Cofap)
Efeito sonoro de trovão.
Trilha sonora — BG.
Efeito sonoro de carro em movimento, de derrapagens, a partir da
palavra "dançava" permanece em BG durante a locução até a palavra
"estrada".
Loc — Era meia noite, e o carro corria pela estrada. Corria não, dançava,
bailava de um lado para o outro perigosamente. Os elementos estavam
embaixo do carro, escondidos, sorrateiros, traiçoeiros. Eram todos
desclassificados, uns tipos ordinários, vagabundos. Então numa curva eles
jogam o carro para fora da estrada e mandam o motorista e toda a família pro
beleléu.
Efeito sonoro de colisão de automóvel.
Trilha Sonora — BG.
Loc 2 — Não brinque com a sua vida colocando no seu carro
amortecedores de baixa qualidade. Exija cofap. É cofap, é de confiança.
O aspecto referencial do efeito sonoro explorado na radiofonia fica
patente no spot Romero, da Martini e Rossi. Mas nesta peça há uma inovação:
o efeito, como metonímia, assume o papel de personagem da "narrativa", que
geralmente é realizado no verbal-oral, e o tipo de efeito que é inserido num
contexto verbal e vocal humorístico torna-se quase uma paródia do seu uso.
Romero (Martini & Rossi)
Loc — Ouça agora histórias picantes. Patrocínio licor Stregga. Romero era
um homem bonito simpático e solteiro, até que um belo dia se sentiu picado
pela (efeito sonoro: flecha) flecha do amor de Madalena. Madalena, uma
(efeito sonoro de risadas estridentes) bruxinha de dotes físicos arrebatadores,
picou Romero como uma (efeito sonoro de zumbido de mosca) mosca tsé-tsé.
Ele (efeito sonoro de objeto pesado caindo no chão) caiu em seus braços e
(efeito sonoro de ronco) dormiu. Não sabendo mais o que fazer para (efeito
sonoro de carrilhão e cuco) acordá-lo, Madalena lhe serviu Stregga. Ele (efeito
sonoro de deglutição) tomou, e aí ela chamou os (efeito sonoro de sirene de
bombeiros) bombeiros pra apagar tanto fogo. Você ouviu mais uma história
picante.
No spot Romero, o texto verbal oralizado vem sempre após a inserção do
efeito sonoro causando uma inversão no modelo tradicional explorado nas
produções de spot, uma vez que normalmente emprega-se o efeito sonoro
como suporte de descrição ou narração do que é verbalmente dito. Por outro
lado, nos spots Teatro Municipal, da Método Engenharia, e Buzinas,30 do
Automóvel Clube do Brasil, o efeito sonoro não é empregado como
30
Dada a impossibilidade de transcrever essas duas peças, remetemos o leitor ao CD em anexo, no
qual estão reproduzidas.
suporte/referência ou personagem, mas como principal elemento de
significação, recuperando do objeto (reforma e carro) traços que são
representados acusticamente. A materialidade do efeito sonoro (organizado a
partir dos ruídos dos objetos que se deseja representar) entra em equivalência
com a materialidade da nota musical. A impossibilidade da transcrição destas
duas peças, assim como da atuação da performance vocal dos locutoresintérpretes dos demais spots transcritos no decorrer desta análise, é evidência
da existência de signos que não são elaborados para serem apreendidos pelo
sentido da visão, mas apreciados pelos demais sentidos que possam ser
despertados, seja a audição ou o tato, conforme discutido no segundo capítulo,
quando me referi à percepção da voz pelos sentidos do homem.
No spot Teatro Municipal há a equivalência entre o concerto realizado no
teatro e o conserto realizado pela empresa, equivalência que é estabelecida na
reprodução da Nona Sinfonia de Beethoven a partir dos ruídos dos
equipamentos utilizados na reforma, que são trabalhados como efeito sonoros.
No spot Buzinas, por sua vez, diferentes buzinas são articuladas para compor a
melodia da conhecida música de Adoniram Barbosa Trem das onze.
O efeito sonoro de eco utilizado na peça publicitária Eco II, da AACD,
iconiza o vazio que está em equivalência com o vazio em que se encontram as
salas da instituição, que necessitam de equipamentos para desenvolver seus
trabalhos, e conseqüentemente os seus cofres. Este efeito acompanha toda a
locução realizada a seco, ou seja, sem trilha sonora em BG, em uma voz de tom
grave, entonação séria e pausada que arremata a gravidade que o spot deseja
representar acerca da situação da instituição.
Eco II (AACD)
(Efeito de eco durante toda locução 1)
Loc 1 — No hospital da criança defeituosa faltam leitos, aparelhos,
equipamentos. Bom, como você deve ter percebido/ aqui está completamente
vazio.
Loc 2 — Para doar cem mil ligue 0800 cem, cento e onze. Para doar
quinhentos mil, ligue 0800 cem, quinhentos e cinqüenta e cinco.
Loc 1 — Esperamos que esta campanha ecoe por toda cidade.
Trilha sonora
Elemento importante na constituição do spot publicitário, pois permite
conferir colorido/tom à cena acentuando o clímax trabalhado na performance
vocal (suspense, romantismo), a trilha sonora pode proporcionar ritmo à
narração, se adequando ao produto e ao conceito, e, conseqüentemente,
promover a identificação por parte do público-alvo. Todos os elementos
constituintes da linguagem radiofônica, inclusive a trilha, podem ser
trabalhados em um único produto de diferentes formas, como podemos
verificar na campanha realizada para a LPC no lançamento do Iogurte natural
batido da Danone realizado exclusivamente no rádio.
A campanha visava um público amplo e, portanto, a estratégia foi criar
materiais diferenciados para o público jovem e para o adulto. Para o primeiro,
produziu-se um jingle hard e para o público adulto produziu-se um jingle soft.
Praticamente, o texto era o mesmo. No entanto, trilha, entonação e ritmo
eram diferentes.
Além de seu emprego com caráter narrativo e descritivo, a trilha ainda é
utilizada como apropriação de uma melodia de canção popular com uma outra
letra que inclui os elementos da campanha, tais como nos spots Fuscão preto,
da Itaú Seguros, Pegando fogo, Boizinho da páscoa, da Associação In Natura e
Bifinho, da LPC, que recupera o bif da linguagem musical e equivale ao bifinho
ao qual corresponde em nível nutricional o produto. Conservando a melodia e
também a letra, temos o spot Ronda, do Jornal da Tarde, que, a partir da
decomposição da música, intercala trechos da mensagem publicitária que se
conecta por oposição à letra da música.
Temos ainda dentro desse mesmo processo de apropriação um modelo
invertido em que o texto verbal-oral não subsidia nenhuma informação. O
sentido é gerado pelo reconhecimento do gênero musical explorado e pela
performance dos locutores — sua língua e nacionalidade. São ilustrativos deste
caso os jingles Samba de breque, Dupla caipira e Chicabum chicabum, todos da
Semp Toshiba.
Um outro exemplo da exploração da trilha para além do aspecto
ilustrativo é realizado no spot Globo x SBT, da Revista Imprensa, que se
estrutura a partir de índices dos objetos representados, promovendo a
identificação por parte dos ouvintes. A trilha desta peça publicitária é
composta a partir das principais vinhetas das duas emissoras e de suas
programações mais conhecidas (com maior índice de audiência). A composição
do spot se dá no diálogo que é realizado a partir da intercalação do texto verbal
oralizado e as trilhas das emissoras.31
Iniciamos esta análise com o jingle Coro, do Unibanco, por ser um
exemplo da possibilidade que a linguagem radiofônica oferece de extrapolar a
linearidade a partir da simultaneidade e da justaposição sígnica de seus
elementos. Finalizar (o que não significa fechar) com o spot Aniversário, da SOS
Mata Atlântica, representa colocar em pauta a performance da voz, da trilha,
dos efeitos sonoros, do texto verbal elaborado e os processos de montagem
31
Por serem peças musicais, não transcrevemos seu texto. Portanto, remetemos o leitor ao CD em
anexo.
dos planos da sintaxe radiofônica com o objetivo de iconizar sonoramente uma
idéia. O spot Aniversário reúne a performance da voz que iconiza a queda da
árvore. Neste, a música Parabéns a você, em homenagem a mais uma
aniversário da SOS Mata Atlântica, é cantada num ritmo que passa de normal
para lento, de agudo para grave. Os efeitos sonoros dos golpes do machado no
compasso da voz eqiivalem às palmas que acompanham a canção que
comemora tradicionalmente vida, mas que neste spot indiciam morte. O som
final "bum" de rá-tim-bum é realizado pela própria árvore que é derrubada. A
trilha que é introduzida no momento em que os golpes de machados são
ouvidos dá o tom nefasto a uma cena que se pretende apresentar
acusticamente como deprimente. Neste sentido, o spot Aniversário ocupa
neste trabalho o espaço das possibilidades estéticas e existentes no rádio como
qualidade que lhes são intrínsecas ainda que pouco exploradas.
Aniversário (SOS Mata Atlântica)
Efeito sonoro de grilos, pássaros.
Efeito sonoro de golpes de machado: a partir da palavra "hora" segue em
BG até a sílaba "Rá".
Trilha sonora a partir da palavra "hora" e segue até o final da locução
"1".
Loc (Coro) — É pique/ é pique/ é hora/ é hora/ Rá/ tim
Efeito sonoro de queda de árvore
Loc 1 — A Fundação SOS Mata Atlântica está comemorando mais um
aniversário. Não deixe que seja com essa festa. Ajude. Fundação SOS Mata
Atlântica. Quatro anos plantando verde no Brasil. Telefone 887 1195.
Neste capítulo a apresentação e descrição das obras selecionadas
tiveram como meta apresentar sonoramente algumas das possibilidades que a
radiofonia dispõe para representar a marca e o conceito de um produto ou
serviço, e, conseqüentemente, despertar em seus leitores-ouvintes uma escuta
atenta para com as singularidades da linguagem radiofônica inserida em um
contexto cultural, miscigenante e sonoro, como o brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A garotada sai das escolas com um olhar perspicaz e crítico sobre a TV.
Sabe vários mistérios da criação para a mídia impressa. Mas só ouve rádio
amadoristicamente, por prazer (Romagnoli, Revista da Criação, Outubro, 1996)
O radialista e diretor da Reação do Éter, Luiz Henrique Romagnoli, ao
ressaltar este quadro em que se encontra a radiofonia atualmente deixa claro o
resultado da desvalorização que o meio tem sofrido por parte das agências, dos
investidores, dos profissionais e, por que não dizer, dos pesquisadores, já que
são raras as pesquisas e obras publicadas a respeito do rádio e da sua
linguagem.
Inúmeros fatores são elencados pelos profissionais para explicar os
motivos que fazem do rádio a mídia de maior penetração entre a população e
ao mesmo tempo uma das que recebe o menor investimento publicitário,
conforme discuti no capítulo primeiro. Mas poucos atentam para a questão da
sua linguagem.
O presente trabalho, tendo como meta principal discutir o rádio como
tendência, ou seja, como um meio de comunicação sem formas cristalizadas,
estruturas e organizações modelares preestabelecidas, procurou demonstrar as
possibilidades intrínsecas da radiofonia brasileira, que ficam achatadas pelos
modelos e "gramáticas" cuja lógica emana da tradição escrita e da imagem.
As possibilidades da radiofonia mostram-se amplas quando
reconhecemos os elementos da voz, que invadem a letra e atribuem à
entonação da locução uma performance criativa, gestual e colorida, como
imanentes à cultura brasileira. No entanto, o que, em decorrência do contexto
cultural e das características do veículo, deveria se comportar como uma
tendência natural mostra-se como uma exceção, um exemplo raro. Pois, se, por
um lado, temos como legado o ritmo, a ginga, os elementos analogizantes da
voz, por outro, encontramos na atual produção radiofônica, de forma explícita,
a dificuldade de dar "voz", ou melhor, de concretizar somente através de vozes
estes recursos singulares da nossa cultura de forma a explorar os elementos da
radiofonia na sua sonoridade, as possibilidades de montagem que um veículo
coordenado pela simultaneidade oferece, suspendendo a linearidade, o
aspecto exclusivamente referencial que tem predominado.
Portanto, o atual quadro no qual o rádio está inserido não decorre
apenas do aparecimento da televisão, da falta de pesquisa e/ou de grandes
anunciantes, mas também, e, talvez, principalmente, da insistência em
considerar o que é mediado pela voz como uma produção menor. O rádio
continua sendo o veículo de comunicação de maior abrangência social em um
país que ainda amarga uma porcentagem significativa de analfabetos, mas,
salvo exceções, não tem conseguido avançar para além de uma programação
sonoramente pasteurizada.
Acredito que ao discutir a linguagem do rádio juntamente com as
peculiaridades sígnicas que caracterizam a cultura latino-americana, estaria
não fechando a questão, mas alargando os horizontes para re-descobrir a
sintaxe de um meio que continua fascinando, sugestionando, envolvendo e
formando seus ouvintes.
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de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/São Paulo.
Jingles inesquecíveis — Seleção dos jingles mais marcantes da história da
propaganda brasileira. Formato: CD. Produção: ESPM — Escola Superior
de propaganda e Marketing, Revista Meio & Mensagem de São Paulo.
XIII Anuário de criação — 1988. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de
São Paulo.
XIV Anuário de criação — 1989. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação
de São Paulo.
XV Anuário de Criação — 1990. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de
São Paulo.
XVI Anuário de Criação — 1991. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação
de São Paulo.
XVII Anuário de Criação — 1992. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação
de São Paulo.
XVIII Anuário de Criação — 1993. Formato: fita VHS. Produção: Clube de
Criação de São Paulo.
XIX Anuário de Criação — 1994. Formato: fita VHS. Produção: Clube de Criação
de São Paulo.
XX Anuário de Criação— 1995. Formato: CD. Produção: Clube de Criação de São
Paulo.
XXI Anuário de Criação — 1996. Formato: CD. Produção: Clube de Criação de
São Paulo. XRBM Áudio Produções— Repertório 1996. Formato: CD.
Reação do Éter— 994. Fita k7 de Apresentação da Associação, Objetivos e
Campanhas Desenvolvidas no Rádio. Spot de Produto "Despertador" —
1994. Cliente: Danone. Produção: Produtora Caracol S/C LTDA. / Concurso
de Avaliação da Revista da Criação — 1996. Categoria: Rádio/1996.
Formato: MD. Promoção: Revista Meio & Mensagem, de São Paulo.
Patrocínio: Reação do Éter. Porque Rádio-1995. Formato: Fita VHS.
Produção: Escritório do Rádio/São Paulo.
Relação dos Spots e Jingles Selecionados
1. Coral — Unibanco (18º Anuário de criação/1993)
2. Semana do rádio — WGGK (Jingles inesquecíveis -CD Meio &Mensagem)
3. Rugas— Black & Decker (14º Anuário de criação/1989)
4. Secretária eletrônica — Old Eight (14º Anuário de criação/1989)
5. Aberturas — Kaiser (15º Anuário de criação/1990)
6. Prazeres — Kaiser (15º Anuário de criação/1990)
7. Colarinhos— Kaiser (15º Anuário de criação/1990)
8. D. Nilda — Banespa (19º Anuário de criação /1994)
9. Microfone — CCSP (18º Anuário de criação /1993)
10. Redator— Buscacrepe (13º Anuário de criação / 1988)
11. Babygrill— Rubayat (16º Anuário de criação /1991)
12. Dança da chuva — Cesp (Jingles inesquecíveis — CD Meio &Mensagem)
13. Achados e perdidos — O Estado de São Paulo (18º Anuário de criação
/1993)
14. Mou muud— Mou Muud (K 7 Bigal)
15. B.E.I. Banco Eletrônico Itaú — Itaú (15º Anuário de criação/1990)
16. Novela mexicana — Seguradora (20s Anuário de criação/1995)
17. Mortadela — Sadia (Jingles inesquecíveis — CD Meio & Mensagem)
18. Plaza madame — Souza Cruz (13º Anuário de criação /1988)
19. Plaza homem — Souza Cruz (13º Anuário de criação /1988)
20. Plaza botões — Souza Cruz (13º Anuário de criação /1988)
32. Os nomes que comparecem entre parênteses referem-se às fontes de onde
os spots foram retirados. Essas fontes estão relacionadas na bibliografia
(Discografia).
21. Rádio Kaiser — Lâmpada — Kaiser (2ª Prévia de Avaliação de Rádio/1996)
22. Rapunzel-Cantharus (K7 Bigal)
23. Grande prêmio — Jóquei Clube de SP (15º Anuário de criação/1990)
24. Programa de calouros — Pompéia (Jingles inesquecíveis — CD Meio &
Mensagem)
25. Aleluia, irmãos— Pompéia (16º Anuário de criação/1991)
26. Campanha FBA — Café Canaã (Jingles inesquecíveis — CD Meio &
Mensagem)
27. Jóquei — Humberto Tecidos Decorações (16º Anuário de criação / 1991)
28. Pai-de-Santo — Folha de S. Paulo (18º Anuário de criação /1993)
29. Fotróptica — Fotóptica (14º Anuário de criação /1989)
30. Despertador— Itaú (15º Anuário de criação /1990)
31. Terminal extrato— Itaú (15º Anuário de criação/1990)
32. Silêncio — Folha da Manhã (14º Anuário de criação /1989)
33. Beleléu — Cofap (19º Anuário de criação /1994)
34. Romero — Martini e Rossi (16º Anuário de criação /1991)
35. Teatro Municipal — Método (14º Anuário de criação /1989)
36. Buzinas — Automóvel Clube (17º Anuário de criação /1992)
37. Eco II — AACD (19º Anuário de criação/1994)
38. Jingle hard e soft — LPC (K 7 Reação Do Éter)
39. Fuscão preto — Itaú Seguros (17º Anuário de criação /1992)
40. Pegando fogo — Ass. In Natura (1º Anuário de criação/1989)
41. Boizinho da páscoa — Ass. In Natura (13º Anuário de criação/1988)
42. Bifinho — LPC (15º Anuário de criação/1990)
43. Ronda — O ESP (19º Anuário de criação/1994)
44. Samba de breque — Semp Toshiba (17º Anuário de criação /1992)
45. Dupla caipira — Semp Toshiba (17º Anuário de criação /1992)
46. Chicabum chicabum — Semp Toshiba (17º Anuário de criação/1992)
47. Globo x SBT— Revista Imprensa (14° Anuário de criação/1989)
48. Aniversário — SOS Mata Atlântica (16°Anuário de criação /1991)
Radio: oralidade mediatizada objetiva discutir a linguagem radiofônica,
sua estrutura e organização, refletindo sobre seus elementos constituintes — o
texto escrito, a voz e a sonoplastia (trilha, efeitos sonoros, ruídos, silêncio) —,
do meio em si e do contexto cultural, no qual está inserido a peça publicitária
elaborada e produzida para rádio —, Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva
descreve a função de cada elemento constitutivo da linguagem radiofônica,
assim como a lógica que rege a organização destes, com a finalidade de
construir sonoramente uma imagem do produto ou serviço veiculado.
A autora também dá especial atenção ao papel do locutor e ao texto
escrito para o rádio, escrita para ser ouvida, com organização e estrutura
sintática bem diferente dos textos que são apreciados pela visão.
http://groups.google.com.br/group/digitalsource
http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

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